SOLANAFUR

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Solanafur Elementos de reflexão na obra de Solano Benítez e Olafur Eliasson orientação rafael urano


AUH 156 HISTORIA DA ARQUITETURA 4 Clarissa Lorencette | 6817311 Fernando Passetti | 6817179 Marilia Ferrari | 5661122


Introdução Até chegarmos ao tema definitivo do trabalho, discutimos diversas vezes. Esse longo processo nos levantou muitas questões e foi bastante enriquecedor. A princípio, queríamos trabalhos com Gordon Matta-Clark, Hélio Oiticica e Flávio de Carvalho, porém, as aulas da disciplina nos entusiasmaram com Via Croce Rossa, de Aldo Rossi e o Parque da Juventude, de Rosa Kliass. A partir desses dois projetos, lembramos do incrível projeto Quatro Vigas, de Solano Benítez. Sua obra nos tocou profundamente, não parávamos de pensar em seu significado e do poder de seus espelhos. Procuramos obras que tivessem grande parte de sua significação pelo espelho ou pela repetição. Chegamos a Anish Kapoor, Jeppe Hein e, finalmente, Olafur Eliasson. A análise acontecerá através das obras Quatro Vigas, de Solano Benítez, e Microscópio para São Paulo, de Olafur Eliasson. Em ambas, o uso de espelhos permite transfigurar o espaço, assim gerando e modificando significados. A sobreposição de diferentes pontos de vista modifica a percepção do entorno e da paisagem; cria imagens virtuais transfiguradas em contexto. Entender a função do espelho de criar novos espaços de participação do usuário foi fundamental para o processo de trabalho e nos fez deparar com as questões de forma e percepção da paisagem. O principal texto teórico da bilbiografia, é, portanto, Forma e percepção – Considerações a partir de Maurice Merleau-Ponty, de Vera Pallamin.


As quatro vigas de Benítez O arquiteto paraguaio Solano Benítez, emprega diversos materiais em suas obras, escolhendo-os de acordo com critérios econômicos e de mercado. Essas questões não limitam sua atividade, pelo contrário, são matéria prima sobre a qual se estrutura o raciocínio arquitetônico. O processo criativo é bastante experimental – o projeto arquitetônico é feito simultaneamente ao canteiro: nele o arquiteto testa materiais e processos construtivos e, segundo a viabilidade destes, altera ou mantém o projeto. Em entrevistas, o arquiteto se diz forçado a trabalhar com o desconhecido, devido à necessidade de produzir novos conhecimentos. Afirma que “à medida que o arquiteto se torna capaz de transformar sua vida, suas possibilidades de obra, ele se converte automaticamente em um motivador social”. A arquitetura de Solano Benítez é sensível e delicada: a atenção aos detalhes construtivos e sua concepção é inventiva ao criar soluções que transcendem o formalismo. Pensa a arquitetura e a transmite nua, sem acabamentos ou domesticações. A visão atenta e detalhada de uma obra de Solano Benítez é marcada por um espaço em que a arquitetura e o usuário se transformam através do tempo, das experiências e vivências. Sua arquitetura conecta o usuário diretamente ao clima, ao processo de criação, à gravidade e assim ao entorno e ao espaço da arquitetura.




quatro vigas O projeto Quatro Vigas de Solano Benítez é resultado de um processo de dez anos de trabalho cujo início ocorre com a morte de seu pai e que culmina na construção de seu túmulo. É a criação de um ambiente vizinho à casa de final de semana da família que abriga a construção mortuária e um espaço de reflexão acerca da morte e da vida. Ao batermos os olhos na planta do projeto, podemos achar de se trata de um quadrado. Porém, como o próprio Solano diz, são repetições de uma mesma viga de 9m de comprimento e 1,10m de altura. As quatro vigas estão apoiadas em apenas um pilar que possibilita um balanço estrutural de 1,50m para um lado e 7m para o outro; são de concreto aparente em sua face exterior e espelhos na interior. Os vértices do quadrado são abertos através da desunião das vigas e da dissolução de sua espessura. Assim, aquele que penetra nesse espaço observa a paisagem exuberante acima das vigas e suas inúmeras reflexões através dos espelhos internos a este. Ao entrar no espaço das quatro vigas, você é acompanhado pela paisagem e a arquitetura se torna centrípeta. O programa faz voltar a atenção interna e externa para o quadrado e assim para o túmulo, o que torna a presença nesse espaço reflexiva e introspectiva.

o espelho As quatro vigas delimitam um espaço diluído na paisagem, um objeto arquitetônico que passa a ser habitado pelo usuário. Através dos espelhos e dos múltiplos olhares subseqüentes sempre marcados por um tempo histórico do observador, este se transforma. Isso ocorre pela multiplicação de pontos de vista da natureza e dos espaços virtuais que os espelhos possibilitam, porém não pela reflexão decorrente de um olhar direto do su-


jeito sobre si, pois este é impossível pela altura reduzida do quadrado. Assim, a força integradora que antes era centrípeta, agora é centrífuga, através da infinita repetição do espaço possibilitada pelo espelho e dos múltiplos pontos de vista que decorrem disso. “A exceção que abraço desesperadamente é o espelho. No espelho estou ‘ali’, na minha frente, fora de mim mesmo, habitando outra dimensão que me iguala a tudo mais, que me permite habitar outro mundo que não seja meu interior em um plano de igualdade e simultaneidade; talvez no espelho tenhamos uma máquina capaz de nos permitir habitar de outra forma com nossos seres...” (BENÍTEZ, p.68-69).

morel Benítez cita em entrevistas e, sobretudo nas Quatro Vigas, a obra A invenção de Morel, do escritor argentino Adolf Bioy Casares. Alí o escritor cria o simulacro da vida eterna, uma máquina que reproduz repetida e infinitamente cenas gravadas por ela. Não é possível no entanto, a convivência dos que foram captados em imagem com suas projeções e o custo para ter a vida repetida infinitamente é a morte. A repetição eterna das imagens concebe uma existência distante da esfera das sensações físicas e cria uma série de outras realidades, como ocorre com os espelhos em Benítez: “Tudo o que se repete, perdura, é eterno, portanto, é sagrado. Porque essa repetição faz, no meu interior, um vínculo com a permanência de tudo, todos os Homens, todos os sonhos, todas as vidas, que, nesse momento, atravessam minha existência” (BENÍTEZ, palestra ministrada na FAUUSP, 2009). Benítez e Casares se complementam – “O fato de não podermos compreender nada fora do tempo e do espaço, talvez sugira que a nossa vida não seja aprecia-


velmente diferente da sobrevivência a ser obtida com esse aparelho” (CASARES, p.97). O projeto permite àquele que entra em seu espaço não só uma reflexão acerca da morte, mas também da vida, pelo contínuo movimento do córrego que corta o quadrado; pela presença marcante da natureza e suas reflexões na arquitetura; e pela potência transformadora que ocorre na contínua revisão das experiências vividas naquele local e com quem está enterrado ali. Por sua implantação peculiar, ao lado da casa de fim de semana da família de Benítez, Quatro Vigas permite um movimento reflexivo feito por quem habita esse espaço, seja o próprio Solano Benítez, ou as crianças que por lá passam e brincam se multiplicando nos reflexos dos espelhos, trazendo uma explosão de vida àquele local. Possibilita, portanto, a dissolução de uma ideia de espaço físico restrito ocupado pelo corpo, multiplicando sua participação no espaço e no tempo pela presença.


O caleidoscópio de Eliasson “Quando o espaço é considerado estável, ele se torna um plano de fundo pelo qual não somos responsáveis. O espaço fluido é coprodutor da interação.” (ELIASSON, Olafur. Models are real) A obra de Olafur Eliasson (Copenhagem, Dinamarca, 1967) tem como base a interação entre o tempo, a estrutura e o espaço. A atividade do espectador, que se torna usuário, é parte constituinte da obra, que não é baseada numa proposta fechada, mas numa significação que parte da percepção do usuário. Num trecho sobre a instalação Seu corpo da obra, Jochen Voltz diz: “Seu trabalho deixa claro que boa parte do que percebemos não tem existência física, exterior, mas, na verdade, dá-se no âmbito do nosso sintema sensorial e no cérebro. Os filtros azul e amarelo de Seu corpo da obra, por exemplo, fundem-se em verde apenas na nossa retina, não no espaço. (...) Dessa maneira, vemos que nossa autopercepção está unida à percepção daquilo que nos rodeia.” O modelo, antes considerado a representação do que se tornaria real, passa a ser real também. Não se passa mais de modelo para realidade, mas sim de modelo para modelo. A obra de arte, por seu caráter experimental e aberto à percepção do usuário, torna-se um modelo em constante mutação: é representação, mas também é coprodutor da realidade. Isso significa que a ideia de modelo e produto final não mais fazem sentido – a representação e a realidade passam a coexistir na obra. Double Sunset, 1999, obra de Olafur em que um sol artificial é inserido na paisagem urbana, remete também à A invenção de Morel e a existência de esferas sobrepostas, onde se misturam a realidade e a representação.


Double Sunset, 1999 Your body of work, 2011, no Sesc PompĂŠia


Assim como existe no trabalho de Olafur a escala espectador-obra, as relações que o artista estabelece entre o modelo e seu contexto também contribuem para a ampliação de significados da obra como um todo. Pode-se dizer que uma obra do artista é o conjunto de modelos expostos em diferentes espaços. Reinterpretações de um mesmo modelo que, em contextos distintos expandem a ideia de multiplicidade espacial e coprodução. Cada instalação é um modelo que se repete e particulariza em cada contexto. A cada nova situação a instalação é percebida de novas maneiras: a obra de Eliasson não é a instalação em si, mas o conjunto de percepções que são capazes de provocar. Tal conjunto possui duas escalas: a do corpo e a da repetição. A escala do corpo é bastante clara e ocorre em diversas obras de arte e arquitetura. É a relação e percepção que o corpo estabelece entre o modelo, o espaço e o contexto. A escala da repetição se dá pela inserção de um mesmo modelo em diversos contextos. Por exemplo, Olafur Eliasson em Your New Bike substitui rodas de bicicletas antigas por espelhos circulares. Na escala do corpo, há a percepção da intervenção pelo observador. Na escala da repetição, a percepção se dá através da descrição e registro das intervenções realizadas em diversos lugares do mundo. O projeto de intervenções Your New Bike já foi realizada em São Paulo, Berlim e Kanazawa. A relação modelo-obra foi estabelecida aqui pela natureza do espelho e pode ser evidenciada em obras como Hemisfério compartilhado, Smoke and mirror, Take your time e Your New Bike.


Your New Bike, em S達o Paulo, Berlim e em galeria de arte. Smoke and Mirror, 2008, Nova Iorque


Your shared planet, 2011, em S達o Paulo e Inhotim Take your time, 2012, S達o Paulo


o espelho Elemento de grande importância no conjunto das obras analisadas, o espelho é encontrado em inúmeras referências e adquire diversas significações. Tem a capacidade de transfigurar o espaço, gerar e modificar significados. Cria ilusões, imagens virtuais, inversões, repetições e multiplicações. O espelho desmaterializa o material no qual é inserido, transfigurando-o em seu contexto. Aquele que o suporta já não é mais, foi mutado em seu entorno e paisagem. É o outro. Aqui vamos aprofundar o elemento espelho na obra Microscópio para São Paulo, 2011 (Microscope for São Paulo) realizada na Pinacoteca, como parte do Festival Internacional de Arte Contemporânea SESC, Videobrasil, em 2011. Em sua exposição na Pinacoteca, o espelho foi a mídia principal das obras escolhidas. Em Seu planeta compartilhado, 2011 (Your shared planet), um conjunto de caleidoscópios que apontam à Avenida do Estado, a percepção da cidade é subvertida. A obra Take your time, 2008 (Tome seu tempo), uma grande superfície espelhada, levemente inclinada e giratória toma o lugar da cobertura do octógono, leva o espectador a interagir com a instalação ao deitar-se no chão, alterando seu ponto de vista habitual e invertendo a noção de linha do horizonte. Essas obras já haviam passado por outras cidades e galerias, a percepção delas, no entanto, abre novos aspectos a cada local em que ela é inserida. A multiplicação da imagem no caleidoscópio traz percepções distintas em novos contextos. O espaço, portanto, é também coprodutor da obra.


Vistas interna e externa de MIcroscópio para São Paulo, 2011.

microscópio para são paulo Projeto realizado especificamente para a cidade. É composto de uma grande pirâmide invertida de andaimes, película espelhada e alumínio que atravessa as passarelas do pátio da Pinacoteca. A pirâmide se abre para a cobertura de vidro da construção. O céu então se reflete pelas faces internas, de onde o espectador vê imagens fragmentadas quando anda na passarela. A percepção da espacialidade da construção se perde. Ali não é possível distinguir a realidade da representação. A escolha de posicionar a obra nas passarelas ressalta o fator interação, uma vez que o espectador, em movimento, percebe uma fragmentação das imagens acentuada pela ação da caminhada. Assim, a participação humana na obra deixa de ser contemplativa para ser ativa.




Conclusão O projeto Quatro Vigas toca e emociona porque é a concretização do trabalho de uma vida. Com uma síntese formal, o arquiteto levantou questões primárias sobre a vida e a morte, a partir de motivação pessoal. A intenção de inserção da obra de Olafur em diversos contextos é o que a diferencia de Quatro Vigas. Olafur usa as possibilidades espaciais como elemento essencial para adquirir significados, enquanto Benítez, por inserir sua obra num local específico e com um programa específico, abre significações dentro de um âmbito a que se propõe. Já a obra de Olafur pressupõe que a obra seja lida não a partir da escala do corpo, mas da escala da mobilidade e repetição. A repetição também é presente na obra de Benítez. Refletida e refratada infinitamente nela mesma, transborda a percepção do espaço interno a um outro plano de existência, do encontro ao sagrado. Nos trabalhos não especulares de Olafur, a relação entre modelo e obra não fica suficientemente clara. Será que a intenção do artista é alterar o modelo segundo critérios que levam em conta o contexto? Em caso afirmativo, os critérios de inserção dos modelos não são evidentes.



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