ANTONICO: A REDE DAS ESTRUTURAS HÍBRIDAS DE SOCIABILIDADE

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Fig. 1 Capa, Paraisรณpolis e Antonico.


ANTONICO: A REDE DAS ESTRUTURAS HÍBRIDAS DE SOCIABILIDADE

CLAUDIA DE ANDRADE SILVA Monografia apresentada para o Trabalho Final de Graduação, curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Orientador: Lizete Rubano

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Gratidão! Primeiramente a Deus, por conduzir sempre a minha vida, aos meu pais, José Claudio e Maria José, por toda formação, exemplo e amor em abundância, aos meus irmãos, Thiago e Thais, por me ensinarem o verdadeiro significado do partilhar, a todos meus familiares, em especial meu primo Eduardo, por toda preocupação e carinho. Aos meus amigos, conquistados ao longo de cada etapa fundamental em minha vida: Juliana e Jaqueline, por todo apoio e compreensão, Alice Chuery, que me ensinou a dar valor à essência; Rafaela, Lais, Juliana, Nathalia e Matheus, por toda boa conversa, Liceu de Artes e Ofícios, um verdadeiro divisor de águas; Ana Sara e Mariana, por compartilhar essa jornada comigo, Universidade Presbiteriana Mackenzie, por todo amadurecimento; Eric, pela sintonia e troca de saberes, Urb Favelas, que me abriu os olhos para várias questões trabalhadas nesse trabalho;

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Márcia e Ricardo, pela bondade e compreensão, Nosso.

E todos que fazem parte do Sonho é

Às famílias que a vida me deu: Natalia, Selma, Vanessa e Toninho, por todo carinho; Rose e Melone, por toda torcida; Inês, João e vó Maria, pelo incentivo e orações; Lucas Duarte e família, que chegaram no finalzinho, mas a tempo suficiente para me ajudar, sempre com amor e zelo.

A todos que ajudaram nesse trabalho, em especial Maria Teresa Fedeli pelas visitas guiadas e experiência compartilhada, aos participantes do Imagine Paraisópolis, pela boa vontade em compartilhar seu cotidiano, Paulo Emílio, pelas orientações e conselhos, Kassio Massa, por todo talento compartilhado, Paraisópolis, que não foi escolhida, mas me ‘escolheu’.

À minha orientadora, sem a qual nada disso teria acontecido, Lizete Rubano, minha inspiração!

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Fig. 2 Operários, Tarsila do Amaral (1933).

Disse, e fitou o operário Que olhava e que refletia Mas o que via o operário O patrão nunca veria. O operário via as casas E dentro das estruturas Via coisas, objetos Produtos, manufaturas. Via tudo o que fazia O lucro do seu patrão E em cada coisa que via Misteriosamente havia A marca de sua mão. E o operário disse: Não! - Loucura! - gritou o patrão Não vês o que te dou eu? - Mentira! - disse o operário Não podes dar-me o que é meu

VINICIUS DE MORAES Trecho de O operário em Construção Rio de Janeiro, 1959.

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SUMÁRIO

1 | Considerações iniciais

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2 | Diferentes modos de viver | 13

2.1 | Modelo Hegemônico

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2.2 | Morar Próprio | 22

3 | Paraisópolis: a invenção do cotidiano

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3.1 Sociologia Urbana do Bairro

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3.2 Análise socioetnográfica

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3.3 A Arte de conviver

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4 | Fazer Junto

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4.1 Paraisópolis: organização coletiva de

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5 | Estruturas híbridas de sociabilidade

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131

5.1 | Antonico: lugar do acontecimento

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135

5.2 Interstícios: estabelecendo legibilidade |

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5.3 Vínculos: instaurar urbanidade

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5.4 Peças Gráficas

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‘Paraisópolis torna-se’

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7 | Lista de Figuras

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8 | Referências

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trajetórias individuais

6 | Considerações finais:

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1 | CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Trabalho Final de Graduação apresentado a seguir é resultado de uma pesquisa que não se resume aos dois semestres finais da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, mas de uma busca pessoal iniciada desde o ingresso na Universidade. Ao longo da formação houve a preocupação em atentar à responsabilidade social que essa profissão possui. Sendo esse um dos motivos pela escolha da temática trabalhada, os diferentes modos de viver. A tentativa foi buscar alternativas para inquietação pessoal de como intervir em um território construído coletivamente, de maneira que respeite sua lógica de ocupação e organização, sem que isso signifique afirmar sua precariedade. Por isso as estratégias projetuais partem do estudo da vida cotidiana, entendida como aquela que indica possíveis caminhos.

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Esse estudo foi realizado com uma intensa aproximação pessoal ao território de Paraisópolis e embasamento teórico em diferentes autores e seus respectivos conceitos. Para então propor, conceitualmente, uma arquitetura solidária e urbanamente ativa, associada às construções preexistentes. A proposta deve ser entendida como um processo em aberto, plausível de aperfeiçoamento e detalhamento. Por fim, é importante ressaltar que esse reconhecimento e respeito podem ser o ponto de partida, mas não é o ponto de chegada na luta pela igualdade de direitos na cidade, uma vez que mudanças efetivas dependem de políticas públicas articuladas de educação, cultura e trabalho, afim de ajudar a reverter a vulnerabilidade social.

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2 | DIFERENTES MODOS DE VIVER

Há outras formas de pensar e viver a casa que implicam técnicas de projeto bastante distintas e que resultam em espaços que se afastam, em maior ou menor medida, dos que hoje têm prestígio entre muitos profissionais. (ÁBALOS, 2013, p.8)

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Diferentemente do que alguns acreditam, as favelas nas cidades brasileiras não se constituem como uma rejeição à cidade; ao contrário são uma expressiva evidência da adesão das famílias pobres à vida urbana. E não devem ser explicadas somente a partir da carência, da pobreza e da precariedade, pois ali existem soluções próprias e inovadoras para problemas que, muitas vezes, a sociedade não resolveu. Nesse sentido se coloca a questão de como intervir em território de maneira a respeitar os diferentes modos de se viver, sem impor uma ordem que não corresponda à realidade. A maneira mais difundida de pensar e projetar o espaço doméstico não é mais do que a materialização de certas ideias arquetípicas em torno da casa e dos modos de vida (ÁBALOS, 2013). É necessária uma ampliação da consciência dos vínculos existentes entre os modos de pensar, de ver o mundo, de viver e as técnicas de projeto, já que estas não são neutras, mas, ao contrário, limitam e contêm em si mesmas o potencial do trabalho projetual. O que se percebe em Paraisópolis, são diferentes formas de habitar, mais ainda, são diferentes formas de viver, de apropriação do espaço privado e por extensão, do espaço público. Se, ao projetar na cidade, discute-se qual seria a relação do novo com a preexistência, porque não se utilizar dessa reflexão nas tentativas de 14


intervenção em áreas críticas, que possuem reconhecida densidade social? (RUBANO, 2015) Para essa reflexão, é importante estudar o sujeito, que para o arquiteto espanhol Iñaki Ábalos é também produto das elaborações próprias da antropologia filosófica, de um questionamento da dicotomia público/privado em relação às práticas sociais desse sujeito, de um enfrentamento dos vínculos do espaço com o tempo, com a memória, com a subjetividade e a técnica, com a cultura material de uma época. Por isso um dos motivos que se optou por estudar o cotidiano desses sujeitos.

Para quem são essas casas? A quem, a que formas de vida estão destinadas? Que valores se traduzem nesse espaço privado? E no público? Quem são esses sujeitos? De que noção de homem partem os projetos? Que referências pressupõem? (ÁBALOS, 2013, p.35)

Para o filósofo alemão Martin Heidegger habitar não é um ato simples, nem insubstancial, e sim, a linguagem é a casa do ser. Em seu lugar o homem habita. A casa servirá ao desenvolvimento de uma retórica arquitetônica capaz de deslocar a linguagem da filosofia, num procedimento que levará a filosofia a tangenciar questões sobre habitação. 15


A casa, a construção da habitação, não é tanto uma metáfora, mas o sujeito mesmo da filosofia existencial. Nela se pode exercer o autêntico habitar, a plenitude do ser [...] A casa é o lugar do autêntico, é o refúgio que protege do exterior, da inclemência do tempo e dos agentes naturais, mas também do mundano e do superficial, dessa exterioridade sempre concebida como nociva. (ÁBALOS, 2013, p.51) A casa, e pensando em Paraisópolis é possível estender esse conceito para a construção coletiva da comunidade, é a expressão da subjetividade que se constrói a si mesma através da problematização do significado do construir, a partir do enfrentamento dos fatos originais e fundamentais do habitar. Essa reflexão não se limita apenas ao morar, mas se estende às práticas corriqueiras.

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Fig. 3 Paraisópolis, construção coletiva.


2.1 | MODELO HEGEMÔNICO

O primeiro que tendo cercado um terreno ousou dizer ‘isto é meu’ e encontrou pessoas suficientemente simplórias para lhe dar crédito foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassinatos, quantas misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacadas ou tampando o fosso, tivesse gritado aos seus semelhantes: ‘Evitai escutar esse impostor; estarei perdido se esquecerdes que os frutos são de todos e a terra não é de ninguém!’ (ROUSSEAU, 1750)

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Nos últimos 250 anos, ou mais, a relação entre a humanidade e o território ocupado se deu através de uma forma específica de vínculo, de uso e de direito sobre a terra, que é a da propriedade individual registrada. Esta ganhou total hegemonia sobre os demais tipos de vínculo existentes entre sujeito e espaço, seja urbano ou rural. Porém, isso é muito diferente do processo real da gênese dos territórios, sendo muito mais amplo e complexo do que esse modelo que se impõe como único e hegemônico na organização deles.

Todas as outras formas de vínculo se transformaram imediatamente em formas frágeis, vulneráveis e ambíguas, pois sob essa lógica se não se tem a propriedade, não se tem garantias e direitos. 18

Fig. 4 Unidades habitacionais Programa Minha Casa Minha Vida, Pernambuco.


Hoje o que se tem é a crise de um modelo, de um paradigma, que levou a se vivenciar situações de supressão de direitos básicos sobre a vida e sobre a existência, particularmente em território de favela (ROLNIK, 2016). A propriedade privada é essencial para que essa lógica se sustente, pois para que o espaço possa se descolar da sua base material e circular amplamente é fundamental que o vínculo de propriedade tenha uma duração, demarcação, possa ser transferido claramente e trocado com os chamados baixos custos de transação, numa esfera contratual entre anônimos. Nesse sentido é possível indagar o que são os territórios que contradizem essa lógica? Lógicas próprias de organização espacial, lógicas estruturadoras? Mas como defini-los, pela precariedade, pela ambiguidade, pelo regime de posse, pelo uso? Afinal, o que legitimam?

Fig. 5 Lógica própria de organização espacial em contraste com entorno, Paraisópolis.

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Esse não é um fenômeno da América Latina, é possível exemplificar com ciganos na Europa ou os beduínos em Israel. Eles representam exatamente esse tipo de tensão e conflito entre uma forma de ocupar de viver o território a partir de uma nova matriz versus uma lógica hegemônica. É uma zona de indeterminação entre o legal e o ilegal, constituída por camadas de legalidade. O fato essencial de aquele lugar estar em uma situação de ambiguidade, de uma não definição, se faz ou não parte da cidade, é uma tática de manutenção de um poder excludente da cidade, que jamais abre a integração definitiva, que faz questão de deixar evidente a ambiguidade. Não é por acaso que os programas de urbanização não vão até o fim, não alcançando a eliminação completa da diferença física, política, social, cultural entre a favela e a cidade. Exemplo disso, é o plano de urbanização de Paraisópolis, idealizado pela Prefeitura de São Paulo, que teve início no começo dos anos 2000 e ainda não foi concluído. A ambiguidade permite que a ordem excludente permaneça em vigor, como também faz parte de uma política de bases eleitorais, de reprodução dos mandatos, que inclui sem incluir, que reafirma o processo de segregação. Isso faz parte de um modelo político, inclusive brasileiro. Esse “modelo” revela não apenas uma colisão 20


entre formas diferentes de ocupar o território, mas também está associado à estigmatização: a favela é o lugar da desordem, da anomalia, do espaço ilegal, identificando-se os sujeitos que ocupam esses espaços também como ilegais. E assim, decreta-se sobre esses espaços uma espécie de poder de suspensão da ordem urbana: não é só o lixo que não é coletado, mas também o sistema de drenagem que não tem manutenção ...e muito mais. Discriminam-se todas as formas (diversas daquilo que é considerado legal) de ser, de morar, de existir, para depois torná-las parte de lógicas organizativas do capital, passando a reserva de terra para expansão do complexo imobiliário financeiro, por exemplo, desconfigurando-se as lógicas anteriores com a destruição desse lugar com remoções forçadas. É preciso pensar a partir das favelas, no que significam, nas políticas possíveis adequadas a essas outras lógicas – urbanas e sociais-, na importância da sua existência e da sua permanência como resistência à submissão da totalidade do território urbano, onde impera unicamente a lógica do uso do território como extração de renda.

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2.2 | MORAR PRÓPRIO

Iñaki Ábalos (2013) reporta-se à casa fenomenológica como sendo aquela que está associada a uma consistência temporal, ligada a um pertencer estável, a uma linguagem e a um lugar, a uma maior intensidade do vínculo pessoal com o espaço como fenômeno do sentido- tanto emocional, quanto intelectual. O sujeito que constitui e polariza a casa fenomenológica é um indivíduo cuja experiência do espaço provém tanto das lembranças e rememorações do passado, quanto das experiências sensoriais do presente. A “lógica da casa” é uma desordem aparente, pois o bem22


estar se dá através de relações afetivas com os objetos. Já a cidade fenomenológica teria um caráter fragmentário e complexo, como uma soma densa de peças que a experiência e o tempo viriam destilando. É possível associar esse caráter fragmentário com territórios como Paraisópolis, já que é resultante de construções singulares, autoproduzidas e autogeridas, através de um esforço indi vidual e coletivo, em constante alteração físico-espacial.

Enquanto a parte formal da cidade dorme, a população pobre constrói ou recompõem seus barracos que, por serem fragmentários, tornam a favela um lugar imprevisível, expressivo, cheio de pluralidades. (DEMARTINI, 2016, p.37)

Essa é a impressão ao adentrar a casa de Antenor Feitosa, um arquiteto que nunca soube que é. Ao caminhar pela rua das Jangadas, uma pessoa mais atenta percebe uma casa diferenciada em meio à monotonia das demais. Ela é verde, sustentável e construída com garrafas PET. Logo na entrada fica pendurado o número de garrafas utilizadas até aquele momento na construção. Na visita realizada em 07 de junho de 2017, totalizava 27.769 garrafas. 23


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Fig. 6 Antenor Feitosa em sua casa.

Vários são os objetos que Antenor mostra com emoção: uma porta giratória feita com tais garrafas, um mapa com as cidades de Alagoas, em que, movido pela lembrança, aponta sua cidade natal Maceió, entre outros artefatos construídos por ele e com os quais possui intensa relação afetiva. De todos os lugares de sua casa o de que mais gosta - e tem orgulho de mostrar- é a cobertura. Lá de cima é possível perceber o córrego do Antonico. Antenor tem esperança de que o governo não o tire dali, como já fez com outras pessoas por conta das cheias do córrego. “Eles não podem derrubar isso aqui” diz com pesar. “Meu sonho é viver tranquilamente, sem ser incomodado, e independente. Eu gosto muito da independência. E de preferência aqui em Paraisópolis”. (ALENCAR; BELAZI, 2013, p.50)

“Tenho uma relação afetiva com Paraisópolis... Faz parte da minha formação.”

É possível estabelecer também uma relação entre a casa/cidade fenomenológica e a construção e consolidação de Paraisópolis. Com sua ocupação a partir da década de 1970, esse território é produto da experiência de quem lá vive, através de um vínculo pessoal com o espaço, um sentimento de pertencimento, como o de Antenor ou de tantos outros moradores. Atualmente cerca de 85% dos moradores são nordestinos, que não pretendem retornar para sua terra natal, pelo vínculo estabelecido com lugar. 25


Ao caminhar por Paraisópolis ou olhar uma fotografia, por exemplo, percebe-se o que Ábalos chamou de desordem aparente, pois se constitui como uma construção coletiva no tempo-espaço. São trechos da vida produzidos precariamente sem uma ação planejada ou ordenada (RUBANO, 2015). É um lugar que está em constante mudança, sempre com um novo “puxadinho”, um anexo, um complemento.

A abordagem fenomenológica ensina a questionar o burocrático método positivista através da própria experiência. Uma crítica possível nesse sentido é a de que muitas vezes projetos de intervenção em favelas estão presos ao pensamento positivista. Para Ábalos as dificuldades que ainda hoje a arquitetura encontra para superar a concepção (e a casa) positivista, para aprender a esquecer suas grandes limitações, não residem apenas na influência do positivismo vigente nos processos de formação do arquiteto, mas em sua profunda capacidade de penetração na mecânica produtiva, através das normas que foram deixadas como herança. Talvez seja esta a principal ferramenta para a persistência de alguns modos de pensar e de projetar habitação nos quais ninguém mais crê, mas de acordo com os quais estão condenados a agir. 26

Fig. 7 Construção de um ‘puxadinho’, Paraisópolis.


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A tarefa de quem deseja modificar sua forma de pensar e projetar a habitação é também a tarefa de escapar ao marco não apenas epistemológico, mas também normativo, da modernidade. (ÁBALOS, 2013, p.83) A arquitetura é quase sempre, demasiada real, demasiada brutal, para admitir a sofisticada inocência do olhar fenomenológico. Às vezes, como acontece em Paraisópolis, a imaginação é capaz de se sobrepor até mesmo à pobreza, como é o caso de Antenor, o arquiteto de garrafas PET, ou de Estevão, conhecido como Gaudí brasileiro. Estevão Conceição é um artista plástico por vocação. Ao visitar sua casa, em contínua construção por mais de três décadas, é impossível não fazer associação com obras do artista catalão Antoni Gaudí. Porém, em conversa, relata que não foi uma referência para seu trabalho, já que antes de ser ‘descoberto’ não conhecia a arte de Gaudí. Sua casa e artefatos são repletos de genialidade e criatividade. Começou a construir sua casa por acaso, nos anos 80, quando foi morar em Paraisópolis, pois a roseira que tinha plantado cresceu mais que o esperado e, com isso, construiu uma estrutura de ferro com cimento para conter a roseira. Mais tarde chegaram as linhas curvas, os ladrilhos, pedras e objetos em geral. Desde então não parou mais. 28


Subindo um labirinto de escadas em sua casa, é possível sair do movimento das ruas e se deparar com o que chama de “jardins flutuantes”, um lugar tranquilo de onde é possível conferir de perto o contraste social, entre Paraisópolis e Morumbi. “Construções em Paraisópolis são bem parecidas, mas têm uma grande contradição se comparar com os prédios que estão ao redor...”

Fig. 8 Casa de Estevão Conceição

Paraisópolis não é apenas uma organização social, é uma forma de habitar, de pensar e de construir o espaço privado e público, com claras derivações e implicações arquitetônicas. Foi 29


autoproduzida pelos moradores, sem assistência técnica, sem infraestrutura, sem recursos, da forma que conseguiram ocupar com seu saber fazer, de forma comunitária.

Tomando esse território como exemplo, conclui-se que se trata de uma forma de habitar que questiona os limites e fundamentos do público e do privado. Esta forma de habitar, que opera desafiando a convenção da cidade moderna, pode ser entendida não como uma forma destrutiva da ordem da velha cidade burguesa, mas como uma forma reveladora de novos lugares, onde se constituem, hoje, formas paralelas de habitar o público e o privado, formas essas mais adequadas aos processos de transformação a que as vidas (de seus moradores) estão submetidas.

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Fig. 9 Vista cobertura Casa Gaudí

“Morar aqui não significa que seja pior que morar lá. Aqui temos tudo, não precisamos sair daqui...Diferente de lá aqui tem uma essência muito forte”


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3 | PARAISÓPOLIS: A INVENÇÃO DO COTIDIANO O cotidiano é aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do presente. Todo dia, pela manhã, aquilo que assumimos, ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de viver, ou de viver nesta ou noutra condição, com esta fadiga, com este desejo. O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. É uma história a meio caminho de nós mesmos, quase em retirada, às vezes velada. O que interessa ao historiador do cotidiano é o invisível. (CERTEAU, 2000, contracapa) 33


A partir dessa ideia do cotidiano, de sua dinâmica e complexidade, esse capítulo percorre por algumas das maneiras de se morar na cidade, mais especificamente em Paraisópolis, visando elucidar as práticas culturais de seus usuários. Tem-se como aporte teórico as questões do historiador Michel de Certeau. No ponto de partida, lógico ou talvez cronológico, ele pontua duas problemáticas que se abrem à pesquisa: - Sociologia urbana do bairro: dados quantitativos relativos ao espaço e à arquitetura, medições e imposições materiais e administrativas que entram na definição do bairro. - Análise socioetnográfica da vida cotidiana: pesquisas eruditas, cultura popular, de onde nasce a vitalidade que chama de ‘hagiografia do pobre’, gênero literário que transcrevia as vidas.

Moradores de Paraisópolis, protagonistas anônimos da vida da periferia. (ALENCAR; BELAZI, 2013) O método escolhido consiste em unir essas duas vertentes de uma mesma abordagem, com vista a estabelecer uma reflexão que permita evitar os discursos indefinidos. Pretende-se, seguindo o método de Certeau, trabalhar a matéria objetiva do espaço urbano apenas até o ponto onde ele é a terra eleita de uma encenação da vida cotidiana. 34


3.1 SOCIOLOGIA URBANA DO BAIRRO Essa parte da pesquisa se ateve aos dados quantitativos, contextualização, histórico e caracterização de Paraisópolis. Entende-se que é fundamental essa análise, mas que sozinha não é suficiente para a apreensão desse território. A fonte das informações contidas nesse item é a Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP), mais especificamente, a Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB). Paraisópolis é considerada a segunda maior favela da cidade de São Paulo, com 55.590 habitantes e 20.832 imóveis, uma série de equipamentos públicos, além de uma rede de instituições civis que atuam em projetos sociais. Diferencia-se das demais favelas por ocupar 900 mil metros quadrados de área particular e por estar bem localizada em relação às oportunidades do mercado de trabalho e de acessibilidade privilegiada, pois fica entre os bairros do Morumbi, Vila Sônia e Campo Limpo. O complexo de Paraisópolis, como é chamado, é composto por três favelas: Jardim Colombo, Paraisópolis e Porto Seguro. Sendo que Paraisópolis é dividido em setores de acordo com suas sub-bacias hidrográficas. São elas: Antonico, Centro Brejo, Grotão e Grotinho. 35


Fig. 10 Localização de Paraisópolis entre favelas, cortiços e loteamentos irregulares do município de São Paulo.

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Fig. 11 Mapa de localização Paraisópolis.

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HISTÓRICO

1921 Paraisópolis teve seu arruamento originado em 1921, com o parcelamento de parte da antiga Fazenda Morumbi, definido com 2.200 lotes com malha viária ortogonal (quadras regulares de 100m x 200m e ruas com 10m de largura), sem considerar a topografia irregular da região do Morumbi. Fig. 12 Vista aérea de Paraisópolis.

1948 O abandono dos lotes pelos proprietários, pela dificuldade de ocupação devido à topografia e pela falta de infraestrutura no arruamento e seu entorno, facilitou a ocupação irregular. Na imagem é possível ver a Avenida Giovanni Gronchi e o início, ainda que parcial, dessa área. Fig. 13 Vista aérea de Paraisópolis.

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1977

Fig. 14 Vista aérea de Paraisópolis.

Por conta da dificuldade de regularização e do descaso do poder público, a ocupação por grileiros e posseiros começou a se intensificar no final da década de 60. Em 1970 Paraisópolis já contava com 20 mil habitantes. Data desse mesmo período o início das construções do bairro do Morumbi, sendo que a mão de obra necessária nessas construções vinha de Paraisópolis.

1987

Fig. 15 Vista aérea de Paraisópolis.

Nas décadas de 1980 e 1990, houve muita remoção, pela ação municipal, para construção da avenida Perimetral. Porém, esta avenida, que ligaria a Giovani Gronchi à Marginal Pinheiros, teve suas obras suspensas e a população removida concentrase hoje, em grande parte, nas regiões do Grotão e do Grotinho, áreas de topografia mais acidentada. 39


2000 Nos anos 2000, a área de Paraisópolis já estava quase inteiramente ocupada, incluindo a região do Jardim Colombo e Porto Seguro. O Plano Diretor Municipal de 2002 estabeleceu esta área como Zona Especial de Interesse Social- ZEIS-1 e foi decretado a elaboração e implantação do Plano de Urbanização do Complexo Paraisópolis.

Fig. 16 Vista aérea de Paraisópolis.

2005 Pela primeira vez, a favela é contemplada com um plano de urbanização e regularização que elevaria seu território à categoria de bairro. As obras foram iniciadas em 2006. A maior parte das intervenções localizam-se na região sudeste de Paraisópolis, ao longo da antiga avenida perimetral. Fig. 17 Vista aérea de Paraisópolis.

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2015 Em um total de 4 quilômetros, a Avenida Hebe Camargo é concluída em 2014 e conecta Paraisópolis à Vila Andrade, desafogando o trânsito da avenida Giovanni Gronchi.

Fig. 18 Vista aérea de Paraisópolis.

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CARACTERIZAÇÃO

Paraisópolis hoje é um assentamento consolidado e repleto de contradições sociais. O entorno da favela é caracterizado por uma área de alto padrão, onde os conflitos são constantes entre as diferentes classes sociais. Considerada a região com os mais altos valores de IPTU, o Morumbi é um bairro com

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Fig. 19 Contradição entre Paraisópolis e Morumbi.


boas condições de acessibilidade e grande oferta de equipamentos de saúde e instituições de ensino público. A ocupação urbana se dá por meio de casas e apartamentos de luxo, com condomínios servidos com equipamentos de lazer, intensamente protegidos por muros e cercas altas e, na sua maioria, sistemas de vigilância com câmaras e segurança privada. Em Paraisópolis, a ocupação do solo nos locais com menor declividade, em geral, ocorreu com construções mais consolidadas. O adensamento populacional na favela é elevado e a ocupação tem distribuição desigual, sendo que o tipo de edificação predominante é a de alvenaria, com uso residencial e pequenos comércios, porém, é importante destacar a presença também de comércios de médio porte e serviços bancários, tais como Santander, Banco do Brasil e Bradesco e Itaú, situados às ruas Pasqualle Gallupi e Melchior Giola. Cabe registrar também, a iniciativa do Hospital Israelita Albert Einstein que, a partir da compra de lotes da quadra 27, localizada na Rua Manoel Antônio Pinto, construiu o equipamento Centro de Promoção e Atenção à Saúde Programa Einstein na comunidade – Complexo Telma Sobolh, situado no interior da comunidade no Centro Brejo, viabilizando o atendimento às famílias moradoras de Paraisópolis.

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Fig. 20 Mapa principais marcos e acessos.

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No Setor Antonico prevalecem as declividades de 10 a 30%. Ao longo do córrego forma-se um vale, com declividades entre 0 e 10%. Os setores Grotinho e Grotão apresentam relevo mais acidentado, piores condições de ocupação e maior incidência de construções de madeira. Nestas áreas, predominam as declividades entre 10 e 30%, mas também são frequentes encostas com inclinações superiores a 30%. Na região oeste da favela, que compreende os Setores Centro-Brejo e Fazendinha, o relevo apresenta declividades predominantes entre 0 e 10%, embora também existam áreas com declividades entre 10 e 30%. Em geral as ruas do bairro são estreitas e lotadas, o sistema viário não é hierarquizado, não havendo calçamento adequado para pedestres. Os transportes privados e motorizados são os que dominam o bairro. Os carros são estacionados nas vias, o transporte público é insuficiente e não existem ciclovias no local, com exceção da implantada junto à avenida Perimetral, com boas condições de declividade e acompanhadas de sinalização específica. Ali, a iluminação pública tem fiação enterrada e projeto de paisagismo ao longo do trajeto. Os espaços verdes são reduzidos e a topografia, em geral, dificulta a acessibilidade de todos.

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INTERVENÇÕES EM PARAISÓPOLIS

2003 - Por ser área particular foi publicado um Decreto Municipal autorizando a SEHAB executar e implementar o Plano de Urbanização das ZEIS do Complexo Paraisópolis. Em 2004 foram instituídas ZEIS 1 e 3. Foram contratados pela prefeitura, diagnósticos urbanísticos ambientais, sócio-econômico e fundiários do complexo Paraisópolis, realizados entre 2002 e 2005. Fig. 21 .

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Fig. 22 .

2006- A PMSP desapropriou uma área lindeira, a Fazendinha (laranja na imagem), onde foram implantados 828 unidades habitacionais, equipamentos de saúde e a Avenida Perimetral, conhecida como Hebe Carmargo.

Fig. 23 .

2008 - Primeira fase, sendo que de 2006 até 2008 foram gastos R$ 34 milhões em urbanização somente em Paraisópolis, fundo da PMSP, Governo Estadual e Governo Federal. 48


Fig. 24 .

2010 – Segunda fase, sendo que de 2008 até 2010 foram investidos R$ 311 milhões. Foram entregues mais de 700 unidades habitacionais, divididas entre 5 condomínios.

Fig. 25 .

2015- Terceira fase, sendo que de 2010 até 2015 foram investidos 183 milhões. Foram entregues mais 150 unidades habitacionais, a av. Hebe Camargo e uma Central de Triagem de lixo. 49


Fig. 26 Resumo obras de infraestrutura de 2006 a 2015.

Fig. 27 : Dados Paraisรณpolis.

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DADOS QUANTITATIVOS

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Fig. 28 Dados Paraisรณpolis.

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3.2 ANÁLISE SOCIOETNOGRÁFICA

O que se traz de um estudo de campo depende muito do que leva para ele. - Evans Pritchard

Essa análise contou principalmente com a aproximação feita ao território, identificando-se características afetivas, no campo do sensível ao percorrer Paraisópolis. Definiu-se como eixo orientador a busca por traços do cotidiano, por aquilo que muitas vezes está velado e de difícil identificação em um primeiro momento. Essa aproximação se deu em diferentes momentos, pois a relação com esse território constituiu-se através de um processo iniciado 54


em 2014, que contou com inúmeras visitas, participação em workshops, eventos, entre outros. Mas como documentação decidiu-se dividir em três principais momentos: Oficina Imagine Paraisópolis, entrevistas informais com moradores da comunidade e deriva fotográfica realizada em visitas ao longo de 2017.

IMAGINE PARAISÓPOLIS O Projeto Imagine Paraisópolis foi uma realização da Universidade Presbiteriana Mackenzie, parte da pesquisa de doutorado de Wagner Rezende, e contou com o apoio da Fundação Alphaville, Einstein-Paraisópolis, CCT Mosteiro São Geraldo, Colégio ALEF Paraisópolis, Associação Crescer Sempre e Urbz Brasil. Os participantes eram jovens da comunidade entre 12 a 18 anos e voluntários graduandos de Arquitetura e Urbanismo. O seu objetivo foi criar uma oportunidade para refletir, dialogar, projetar e agir sobre o espaço público. Em suma, uma proposta colaborativa de intervenção urbana em áreas degradadas da comunidade. Ocorreu durante quatro meses, de março a junho de 2017, e contou com diferentes atividades, entre elas: minicurso de formação para os voluntários guiarem a oficina, as oficinas com participação dos jovens da comunidade, exposição para comunidade dos resultados das 55


oficinas e, por fim, um dia de intervenção coletiva na comunidade como síntese desse processo de construção do conhecimento, tendo como pano de fundo o conceito de urbanismo participativo. A metodologia da oficina, contou com quatro encontros, separados por temas: experiências, interpretações, programação e ativação urbana, sendo que essa abordagem seguiu três princípios fundamentais de projeto:

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1. O uso do Diagrama como ferramenta do pensamento e de construção de soluções; 2. Jogos como instrumento de motivação para inspirar os adolescentes e motivá-los a realizar ações coletivas que ultrapassam os interesses individuais; 3. Trabalho Colaborativo universal do projeto.

como

regra

Fig. 29 Montagem com fotos das oficinas.

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PRIMEIRO ENCONTRO: EXPERIÊNCIAS O objetivo principal desse primeiro encontro foi estimular os moradores a dialogar sobre o espaço onde vivem e a construir narrativas sobre suas experiências nos lugares do seu cotidiano. A primeira atividade sugerida aos jovens moradores de Paraisópolis foi apresentar-se através de uma palavra síntese, a fim de tentar resumir suas características pessoais ou algo muito significativo para si. Entre algumas das palavras representadas apareceram Afeto, Comunidade, Ação, Esforço, União, Mudança, Acreditar e Fé. Entre todas as respostas a que mais sensibilizou foi de uma menina de apenas 12 anos que escolheu a palavra Felicidade, mesmo com toda dificuldade que enfrentava naquele momento. Ela compartilhou que, no incêndio que havia acontecido naquela mesma semana sua família, havia perdido todos os pertences e estavam morando na casa de um parente na própria comunidade. Independente desse ocorrido, disse que sua vida é guiada pela felicidade, algo que espera nunca perder, pois tinha certeza que iriam recuperar tudo. 58


Fig. 30 Foto da lousa com a dinâmica das palavras.

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Após essa apresentação, foi iniciado o “Jogo de vivências”, que tinha o intuito de sensibilizar o olhar crítico dos adolescentes moradores de Paraisópolis sobre as relações na vizinhança e refletir sobre as necessidades e recursos disponíveis localmente, a fim de instrumentalizálos para diagnósticos urbanos em microescala. Depois de uma rodada rápida em que foram expostos prós e contras da comunidade, foi

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elaborado um quadro F.O.F.A, para determinar fraquezas, oportunidades, forças e ameaças de Paraisópolis.

Fig. 31 Foto com exemplo de F.O.F.A referente ao esgoto.

Ao final desse encontro foi passada a instrução de fotografarem situações afim de exemplificar as situações levantadas por eles nesse primeiro dia de oficina. Chama-se essa prática de fotografia participativa.

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Fig. 32 Montagens com as fotos tiradas pelos jovens.

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SEGUNDO ENCONTRO: INTERPRETAÇÕES

Depois de uma breve apresentação das fotografias tiradas pelos moradores e explicação dos motivos que os nortearam, foi proposto que as localizassem em uma cartografia de Paraisópolis. Localizaram também onde moravam, estudavam, passavam o tempo livre, em importantes equipamentos, ao longo do percurso que costumavam fazer, ou seja, espacializaram o seu cotidiano. A manipulação dessa cartografia com informações locais foi importante porque pode-se perceber que a experiência de vida desses adolescentes, incluindo os trajetos no cotidiano, os ritmos dos acontecimentos locais e as referências culturais globalizadas, têm, na verdade, valores multidimensionais.

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Fig. 33 Cartografia manipulada pelos jovens.

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TERCEIRO ENCONTRO: PROGRAMAÇÃO O penúltimo encontro foi feito a partir de um jogo de tabuleiro, denominado “Imagine”, que gerava diagramas. Por meio dele, os integrantes foram desafiados a pensar soluções e ações para as temáticas apresentadas. Primeiro de forma mais geral, depois mais específica, aproximandose do contexto social em que eles vivem. As peças desse jogo eram divididas em três escalas de atuação: ecológica, urbana e arquitetônica. Atrás de cada uma havia uma

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Fig. 34 Peças dos jogos, fornecidas por Wagner Rezende.

explicação do que se tratava e quais outras cartas poderiam ser associada a ela. Ganhava o jogo a equipe que conseguisse completar mais o tabuleiro com associações entre cartas corretas. O objetivo era que o diagrama gerado auxiliasse na elaboração das intervenções que seriam propostas no último encontro da oficina.

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Fig. 35 Exemplo de um jogo feito referente a mobilidade.

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QUARTO ENCONTRO: ATIVAÇÃO URBANA

No último encontro o intuito era pensar uma ação urbana para ser executada e concretizada em alguma localidade de Paraisópolis. Essa ação poderia ser instalação de arte urbana, evento ou mesmo mobiliário urbano. Os adolescentes de Paraisópolis puderam desenvolver qual intervenção eles queriam que ocorresse na comunidade. A ideia era desenhar o que poderia ser feito ou melhorado na comunidade, em locais de escolha dos grupos. O mais interessante não foi o resultado final, mas o processo que levou até ele, pois levantou-se diferentes questões projetuais. As mais comuns se referiam à ausência de espaços públicos dentro da comunidade (acontecem nas bordas), e a condição precária do córrego do Antonico, pelas suas cheias e a dificuldade de transposição. Importantes constatações que auxiliam nas decisões de projeto.

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Fig. 36 Montagem desenhos dos adolescentes.

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Fig. 37 Pranchas sĂ­ntese referente aos quatros encontros da oficina. Equipe: Ana Paula Oliveira, Carolina Metzger, Claudia Andrade e Cristiane David.

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ENTREVISTAS As frases a seguir, assim como os trechos destacados ao longo desse trabalho, são falas de moradores de Paraisópolis registradas durante conversas informais e algumas entrevistas realizadas. Considerou melhor não as colocar na íntegra, mas sim selecionar os trechos mais interessantes de acordo com o contexto do trabalho.

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Fig. 38 Relatos extraĂ­dos de conversas informais e entrevistas

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DERIVA FOTOGRÁFICA

“Eu moro na região do Antonico, passo o dia todo na escola e a noite fico em casa. De final de semana vou para região do Brejo porque perto da minha casa não tem nada para fazer. Aqui em Paraisópolis faltam espaços de lazer, faltam pontos de encontros como praças, parques, ou só um espaço para sentar em conversar. Se eu pudesse imaginar, colocaria esses espaços na região do Antonico.”

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Fig. 39 Representação das quadras da deriva fotográfica.

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Fig. 40 SĂ­ntese da deriva fotogrĂĄfica

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3.3 A ARTE DE CONVIVER

Para a pesquisa, foi muito importante observar – empírica e teoricamente -, os vínculos que unem o espaço privado ao espaço público. O domínio dessa separação pelo usuário, aquilo que implica como ações específicas, como táticas, pareceu ser fundamental para a reflexão e para o projeto. Nesse sentido, observou-se que o viário, principalmente a rede de vielas, e a maneira como são apropriadas pelos moradores vem de encontro à relação que Michel de Certeau, 2000, enfatiza sobre púbico e privado. A importância dessa rede fica evidente em uma cartografia de cheios e vazios.

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Fig. 41 Mapa de cheios e vazios.

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A rua, na urbanidade das cidades brasileiras, pode ser destacada como o grande espaço da vida. E, mesmo nas áreas de urbanidade precária, ela é o ponto de contato com as redes, com a infraestrutura, e é lida como suporte da diversidade e espaço de contato primordial entre o privado e o uso comum (RUBANO, 2015). “No beco da minha casa sempre tem crianças brincando... Lá tem festas, confraternizações, um verdadeiro compartilhamento do espaço e das tarefas.”

Fig. 42 Uma rua de Paraisópolis.

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Identificou-se que essa rede de vielas é uma das condições de possibilidade da vida cotidiana no espaço urbano, que molda a noção de comunidade, pois é onde a vida acontece na ausência de outros espaços de convivência. A viela faz parte da identidade das favelas. Muitas vezes são utilizadas para festas particulares, brincadeira de crianças ou até mesmo para encurtar o caminho.

Nos becos e vielas as crianças correm e espalham brinquedos pelo chão. Mulheres assentam cadeiras do lado de foram ou se sentam nas muretas que protegem suas casas quando a enchente insiste em adentrar as moradias. (ALENCAR; BELAZI, 2013, p.40) Segundo Michel de Certeau a organização da vida cotidiana se articula ao menos segundo dois registros: os comportamentos, cujo sistema se torna visível no espaço social da rua, e os benefícios simbólicos que se espera obter pela maneira de se portar no espaço. Aparecem de maneira parcial, fragmentada, no modo como se caminha, ou, de maneira mais geral, através do modo como se “consome” o espaço público. A articulação entre esses dois sistemas é a conveniência. No nível dos comportamentos representa um compromisso pelo qual cada pessoa renuncia seus desejos individuais, contribuindo com sua cota para vida coletiva, 85


com objetivo de retirar daí benefícios simbólicos necessariamente protelados. Assim, o usuário se torna parceiro de um contrato social, que ele se obriga a respeitar para que seja possível a vida cotidiana. O conceito de prática cultural consiste na combinação mais ou menos coerente, mais ou menos fluida, de elementos cotidianos, concretos ou ideológicos, ao mesmo tempo passados por uma tradição e realizados dia a dia através dos comportamentos que traduzem, em uma visibilidade social, fragmentos de discurso (CERTEAU, 2000).

Prático vem a ser aquilo que é decisivo para a identidade de um usuário ou de um grupo, na medida em que ela lhe permite assumir o 86

Fig. 43 Grupo de ballet de Paraisópolis.


seu lugar na rede das relações sociais inscritas no ambiente. As práticas são as maneiras de fazer o cotidiano, produzido histórica, social e temporalmente, que nas palavras de Certeau:

[...] constituem as mil práticas pelas quais usuários se reapropriam do espaço organizado pelas técnicas da produção sociocultural (CERTEAU, 2008, p. 41).

Segundo a arquiteta e urbanista Juliana Demartini (2016) na sua tese de doutorado, que também tem como aporte teórico Michel de Certeau, as práticas ordinárias é o modo como cada sujeito interpreta e lida com a cultura na realização de suas atividades cotidianas. Nesse contexto de moradia popular estabelece o termo expressões do morar, que segundo a autora:

[...] podem ser entendidas como [re]ações da população pobre que, por meio de diversos tipos de intervenções construtivas, concretiza as necessidades e particularidades dos seus modos de morar. Elas estão intimamente ligadas aos aspectos socioculturais dos seus manifestantes e podem causar diferentes impactos nos espaços de vida, que por sua vez devem ser entendidos como o conjunto de lugares 87


onde são realizadas atividades cotidianas, para além dos limites físicos da unidade habitacional. (DEMARTINI, 2016, p.28) Exemplo bem claro dessas práticas são os eventos que ocorrem na rua Herbert Spencer. Todas as sextas-feiras à noite acontece o baile funk, que ao amanhecer dá lugar à feira popular que ocorre durante o dia todo. Entre tantas ruas de Paraisópolis, essa foi a escolhida para essas práticas culturais, sendo possível graças ao contrato social estabelecido entre os diferentes usuários.

Algumas horas antes, às 15h de um sábado tipicamente movimentado em Paraisópolis. Dia de feira sempre lotada na rua Herbert Spencer. Por lá, dezenas de barracas se agrupam lado a lado com feirantes animados que conquistam a clientela literalmente no berro: “Senhora, freguesa, vamo chegando!” Quando não com cantadas e brincadeiras clássicas: “Moça bonita não paga, mas também não leva!” Nas extremidades da via, como sempre, ficam as barracas de pastel. Bem lá no centro, um emaranhado de legumes, verduras e frutas à venda. Sem contar os brinquedos, os utensílios domésticos e as roupas. (ALENCAR; BELAZI, 2013, p.150) 88


Fig. 44 Feira aos sábados na Herbert Spencer, Paraisópolis.

“Essa rua (Herbert Spencer) é um verdadeiro centro, tem as principais referências O engraçado é que as pessoas ficam na rua e os carros nas calçadas. O ponto negativo disso é a desorganização.”

Outros grupos também têm forte identidade dentro de Paraisópolis, como por exemplo, os skatistas, grafiteiros, as crianças do ballet, os instrumentistas e principalmente os meninos do futebol. Esses últimos fazem uso de um dos poucos espaços livres e de lazer de Paraisópolis, o campo de futebol Palmeirinha. O conceito de pedaço, presente no livro Festa no pedaço: cultura popular e lazer na cidade de José Magnani (1984), está ligado à ideia de um espaço físico que incorpora traços de identidade de determinado grupo. É fácil associá-lo ao campo de futebol na favela, pois este é uma referência, um marco, que dificilmente é modificado. O espaço do pedaço é o do engajamento social, ou seja, está associado à arte de conviver com parceiros que estão ligados uns aos outros pelo fato concreto, essencial, da proximidade e da repetição. 89


A maneira como Michel de Certeau conceitua o bairro (onde a relação espaço/tempo é mais favorável para um usuário que deseja se deslocar a pé saindo da sua casa), também passa pela ideia de um domínio do ambiente social, correspondendo - ao usuário - uma parcela conhecida do espaço urbano na qual ele se sente reconhecido. Essa mesma ideia poderia ser aplicada à rua/ viela nesse caso de estudo.

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Fig. 45 Campo Palmeirinha em Paraisópolis.


Fig. 46 Espaço público ou privado?

(...) é uma porção do espaço público, em geral é de todos, em que se insinua pouco a pouco um espaço privado particularizado pelo fato do uso cotidiano desse espaço. A fixidez do habitat, o costume recíproco da vizinhança, os processos de reconhecimento/identificação, que se estabelecem graças à coexistência concreta em um mesmo território urbano, todos esses elementos ‘práticos’ se oferecem como imensos campos de exploração em vista de compreender um pouco melhor esta grande desconhecida vida cotidiana. (CERTEAU, 200, p.40)

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Para o filósofo e sociólogo francês Henri Lefebvre (1991), o bairro é uma porta de entrada e de saída entre espaços qualificados e o espaço quantificado. Diante do conjunto da cidade, atravancado por códigos que o usuário não domina, mas que deve assimilar para poder viver aí, em face de uma configuração dos lugares impostos pelo urbanismo, diante dos desníveis sociais internos ao espaço urbano, o usuário sempre consegue criar para si algum lugar de aconchego, itinerários para seu uso ou seu prazer que são as marcas que ele soube, por si mesmo, impor ao espaço urbano. Isso se verifica com as falas dos adolescentes que foram entrevistados, pois quando eram indagados sobre o percurso casa/escola muitas vezes apontavam um caminho alternativo ao invés do mais lógico a se fazer, justamente por considerá-lo mais prazeroso e seguro, mesmo que a distância percorrida fosse maior. O bairro, é uma noção dinâmica, que necessita de uma progressiva aprendizagem, que vai avançando mediante a repetição do engajamento do corpo do usuário no espaço público até exercer uma apropriação (CERTEAU, 2000). A trivialidade cotidiana desse processo, partilhado por todos os cidadãos, torna inaparente a sua complexidade enquanto prática cultural e a sua urgência para satisfazer o desejo urbano dos usuários da cidade. 92

“Meu percurso para escola não é o trajeto mais rápido, porque esse seria por dentro, onde só tem concreto e esgoto. Só faço quando estou atrasado.”


Fig. 47 Viela com portão.

A viela pode ser considerada como a privatização progressiva do espaço público. Trata-se de um dispositivo prático que tem por função garantir uma solução de continuidade entre aquilo que é mais íntimo (casa) e o que é mais desconhecido (cidade). Algumas vielas, inclusive, são fechadas com portões pelos próprios moradores, quando nessa relação o privado ganha mais peso que o público.

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Existe uma relação entre a apreensão da residência, “um dentro”, e a apreensão do espaço urbano ao qual se liga, “um fora”, sendo a viela um meio termo entre o dentro e fora, onde se efetua a apropriação. Esse conceito é a peça mestra de uma prática cultural espontânea, sem ela seria difícil a vida na cidade. Certeau faz uma analogia entre bairro e moradia, que para ele são os fundadores em mesmo grau da vida cotidiana em meio urbano: tirar um ou outro é o mesmo que destruir as condições de possibilidade dessa vida. Assim, público/privado não é uma separação, mas o que une. São interdependentes um do outro, porque um não tem significação sem o outro. A viela, por sua vez, é o espaço de uma relação com o outro como ser social, relação entre uma pessoa e o mundo físico e social. Onde acontece o processo de apropriação do espaço como lugar da vida cotidiana pública através dos acontecimentos.

O espaço urbano é objeto de conhecimento e lugar de reconhecimento. Para Certeau a prática do bairro depende de uma tática que tem por lugar apenas “o lugar do outro”. Aquilo que o usuário ganha quando sabe possuir direito a seu bairro não é contabilizável, nem se pode jogar numa troca necessitante de uma relação de forças: o adquirido trazido pelo costume 94


não é senão a melhoria da maneira de fazer, de passear, de fazer compras, pela qual o usuário pode verificar sem cessar a intensidade da sua inserção no ambiente social.

Fig. 48 Cotidiano na favela.

As pessoas se encontram enquanto buscam atender suas necessidades cotidianas, mas esse contato interpessoal é aleatório, não é calculado, ocorre ao acaso dos deslocamentos. Essa relação entre a necessidade formal do encontro e o aspecto aleatório do seu conteúdo (onde, quem, quando) leva o usuário a se manter como que “na defesa”, no interior de códigos sociais precisos, todos centrados em torno do fato do reconhecimento, nesta coletividade indecisa (CERTEAU, 2000)

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É preciso conviver, encontrar o equilíbrio entre a proximidade imposta pela configuração pública dos lugares, e a distância necessária para assegurar a sua vida privada.

A coletividade é um lugar social que induz um comportamento prático mediante o qual todo usuário se ajusta ao processo geral do reconhecimento, concedendo uma parte de si mesmo à jurisdição do outro. (CERTEAU, 2000, p.47) É necessário inserir-se nele para viver. É “obrigado”, não no sentido repressivo da palavra, mas também enquanto isso o obriga, cria-lhe obrigações, laços e vínculos. Isso é facilmente percebido em favelas, pois há em geral uma solidariedade mais assídua, mas sem que isso tenha um tom romântico, pois é uma coletividade gerada pela necessidade. Isso vai desde cuidar de filhos da vizinha até ajudar a construir um puxadinho no final de semana.

Com suas próprias mãos, os pedreirosconstrutores erguem seus lares e os de tantos outros moradores em Paraisópolis. Materiais de construção são despejados por toda parte. Mais uma casa está sendo construída. Mais uma laje será batida logo, logo. Marmanjos serão convidados a ajudar na empreitada. Claro 96


Fig. 49 Moradores da favela do Moinho se unem para construir parque.

que não vai faltar o churrasco e a cerveja: a forma de pagamento pela mão de obra dos amigos. (ALENCAR; BELAZI, 2013, p.94) A prática urbana é uma convenção coletiva, legível por todos os usuários através dos códigos da linguagem e do comportamento. O corpo é suporte primeiro da mensagem social. É estabelecido um contrato que obriga cada um para que a vida do coletivo público seja possível para todos.

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A conveniência é a via régia para o benefício simbólico, para aquisição desse excedente cujo domínio manifesta a plena inserção no ambiente social cotidiano. O nível simbólico vem a ser apenas aquele onde nasce a legitimação mais poderosa do contrato social que é a vida cotidiana e as diversas maneiras de se comportar no campo social, outra coisa não são senão que o salto indefinido de um sujeito público para tomar lugar entre os seus (CERTEAU, 2000 p.55). 98

Fig. 50 Autoconstrução Favela da Providência (RJ).


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4 | FAZER JUNTO

A cooperação azeita a máquina de concretização das coisas, e a partilha é capaz de compensar aquilo que acaso nos falte individualmente. A cooperação está embutida em nossos genes, mas não pode ficar presa a comportamentos rotineiros; precisa desenvolver-se a ser profundada. O que se aplica particularmente quando lidamos com pessoas diferentes de nós; com elas, a cooperação torna-se um grande esforço. (SENNET, 2015, p.9)

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Fazer junto é uma reflexão das práticas cotidianas realizadas coletivamente através da cooperação e sociabilidade entre os indivíduos. Como aporte teórico, utiliza-se principalmente os trabalhos do sociólogo e historiador norteamericano Richard Sennet e do sociólogo alemão Georg Simmel. Segundo SENNET, 2015, a cooperação é uma habilidade da experiência cotidiana, um valor social na realização de tarefas práticas. É aplicada particularmente quando lidamos com pessoas diferentes de nós.

Existe um aspecto ético na capacidade de agir e trabalhar em sintonia com outro, mas pensar na cooperação apenas como um fator ético positivo, para SENNET, limita a compreensão 102

Fig. 51 Cooperação.


desse conceito. Embora se possa cooperar porque os recursos não são suficientes, em muitas relações sociais não se sabe com exatidão o que se precisa do outro ou o que ele poderia querer de nós mesmos. Nesse sentido é que a cooperação poderia ser vista como uma habilidade, pois requer a capacidade de entender e mostrar-se receptivo ao outro para agir em conjunto. Mas esse processo é espinhoso, cheio de dificuldades e ambiguidades. Para Georg Simmel, 2006, a sociedade emerge a partir da formação de uma complexa rede de interação entre indivíduos. Ou seja, na essência, a sociedade decorre de um emaranhado de ações e reações, desenvolvidas no cotidiano das diversas formas e conteúdos das relações sociais. Logo, a sociedade é estabelecida como o produto das manifestações de contato social, na medida em que “os indivíduos estão ligados uns aos outros pela influência mútua que exercem entre si pela determinação recíproca que exercem uns sobre os outros” (SIMMEL, 2006, p.17).

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Para o pensamento simmeliano, as manifestações sociais reciprocamente estabelecidas compreendem a essência de uma sociedade, em um processo de constante construção, desconstrução e reconstrução. Seguindo essa premissa, o termo sociação é estabelecido por Simmel para definir um processo que começa a existir a partir do momento em que os indivíduos passam a interagir e a adotar sistemas de cooperação e colaboração, mesmo que seu conteúdo careça de um caráter social caso considerado isoladamente. A sociação é, portanto, a forma na qual os indivíduos, em razão de seus interesses, se desenvolvem conjuntamente em direção a uma unidade no seio da qual esses interesses se realizam. 104

Fig. 52 Interação entre indivíduos.


O que é autenticamente ‘social’ nessa existência é aquele ser com, para e contra os quais os conteúdos ou interesses materiais experimentam uma forma ou um fomento por meio de impulsos ou finalidades. Essas formas adquirem então, puramente por si mesmas e por esse estímulo que delas irradia a partir dessa liberação, uma vida própria, um exercício livre de todos os conteúdos materiais, esse é justamente o fenômeno da sociabilidade. (SIMMEL, 2006, p.64) Definida por Simmel como sendo a “forma lúdica da sociação”, a sociabilidade por sua vez é a maneira pela qual os indivíduos constituem um organismo no intuito de satisfazer seus interesses, onde forma e conteúdo são, na experiência concreta, processos indissociáveis. Se, no processo que constitui a sociação, os elementos constitutivos da vida social acarretam a determinação das formas em razão do conteúdo, no fenômeno da sociabilidade a forma constitui seu próprio conteúdo, com finalidade em si mesmo. Determinadas experiências da vida cotidiana podem ser apontadas como exemplos por excelência do que Simmel descreve por sociabilidade: sair, jogar conversa fora, namorar, encontrar com os amigos, em geral, não têm outro fim principal se não o prazer e o sentimento de estar junto e de praticar a própria oscilação. 105


Já Sennet traz como exemplo de trocas cooperativas, que podem ser tanto formais como informais, pessoas que batem papo em uma esquina ou bebem em um bar, fofocando e jogando conversa fora, sem terem consciência da ideia da cooperação (“estou cooperando”). Esse ato vem envolto na experiência do prazer recíproco. Nesse sentido os conceitos de sociabilidade e de cooperação convergem, pois em ambos há uma troca em que as partes se beneficiam. É fácil imaginar que a difícil tarefa de cooperar com aqueles que diferem sempre foi algo raro. Mas a sociedade moderna debilitou a cooperação à sua maneira. A mais direta dela diz respeito à desigualdade. 106

Fig. 53 Prazer estar junto.

do

“A relação de vizinhança é muito forte aqui em Paraisópolis. Compartilhamos muitas coisas.”


Segundo Sennet, na América, as fortunas agravaram a desigualdade interna; a perda de empregos de alta capacitação na manufatura diminuiu a riqueza na massa. As desigualdades econômicas se traduzem na experiência cotidiana em termos de distância social, a elite torna-se remota para a massa, restando pouco terreno comum entre as expectativas e lutas de um motorista de caminhão e as de um banqueiro. Distâncias dessa natureza muito justificavelmente deixam indignadas as pessoas comuns; o pensamento e comportamento do tipo nós-contra-eles são, nesse caso, uma consequência racional. A homogeneização é evidente na arquitetura moderna, no vestuário, na comida de rápido consumo, na música popular etc. Nas palavras de Sennet, “todo mundo é basicamente igual”, o que expressa essa visão de mundo que busca a neutralidade. O desejo de neutralizar toda diferença, de domesticá-la, decorre de uma angústia em relação à diferença. A sociedade moderna está ‘debilitando’ as pessoas da prática da cooperação. Essa desabilitação vem ocorrendo, por exemplo, no território social: à medida que a desigualdade material as isola, que o trabalho de curto prazo torna mais superficiais os contatos sociais, gerando ansiedade a respeito do outro. As pessoas estão perdendo as habilidades de cooperação necessárias para o funcionamento 107


de uma sociedade complexa (SENNET, 2015). A capacidade de cooperar de maneiras complexas está enraizada nas etapas mais iniciais do desenvolvimento humano. Sendo assim, essas capacidades não desaparecem na vida adulta. A respeito da primeira infância, de acordo com Sennet, a cooperação antecede a individuação. Ela é o fundamento do desenvolvimento humano, na medida em que se aprende como estar junto antes de aprender como se manter à parte. Não é fácil aprender a cooperar, mas essa dificuldade é positiva. A cooperação torna-se uma experiência adquirida, mais que uma simples partilha impensada. Como em qualquer esfera da vida, é dado mais valor àquilo que é conquistado através da luta.

Nossas capacidades emocionais e cognitivas se realizam insatisfatoriamente na sociedade moderna, os seres humanos são capazes de mais do que as escolas, os locais de trabalho, as organizações civis e os regimes políticos permitem. Nossa capacidade de cooperar é muito maior e mais complexa do que querem crer as instituições. (SENNET, 2015, p.43)

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Fig. 54 Estar junto.

E foi a partir de muita luta corriqueira pelo direito à cidade que Paraisópolis se autoconstruiu. Como visto, a partilha compensa aquilo que acaso falta individualmente, sendo a cooperação uma participação ativa e não uma presença passiva.

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Fig. 55 Abastecimento de água através da cooperação entre os moradores.

Esta é uma definição que se aplica perfeitamente à vida em Paraisópolis. Ao analisar as relações sociais existentes nesse território, foi possível constatar que há um compartilhamento assíduo, feito de maneira inconsciente e por ser tão habitual já se tornou algo natural entre os moradores. Alguns exemplos desse compartilhamento são: energia elétrica, televisão a cabo, internet, lajes para festas, bens domésticos (como batedeira, chapinha de alisamento de cabelo, liquidificador, gaveta de freezer, panelas de 110


Fig. 56 Muito comum a prática de compartilhamento de televisores, Complexo da Maré.

grande capacidade, máquina de lavar roupa, varais, roupas e acessórios para ocasiões especiais), medicamentos ou alimentos em horas de emergência. Há aqueles que deixam de comprar algo porque sabem que seu vizinho pode emprestar.

Os moradores de favela construíram formas de vida em comum e de resistência não armadas, através de “redes sociais de assistência mútua” (LOMNITZ, 1975, p.20). Além disso a malha social presente nesse território mostra que as dificuldades muitas vezes são superadas através da sociabilidade. Um exemplo disso são crianças que são cuidadas pelos vizinhos, para que os pais possam trabalhar. Para que uns trabalhem outros cuidam dos seus filhos, e daí resulta um trabalho também, alinhando interesses de ambas as partes. 111


De forma geral, é possível dizer que as relações e interações entre os moradores de Paraisópolis são complexas. Os vizinhos se conhecem e adotam esses sistemas de cooperação e colaboração mencionados por Sennet e Simmel, para que superem as dificuldades do dia a dia. Essa economia existente na favela, em que serviços e bens são compartilhados, que em outros contextos é particularizado e individualizado, foi a solução encontrada para problemas do cotidiano e emergenciais. Segundo a antropóloga Hilaine Yaccoub, 2010, os moradores de favela encontraram um caminho para desenvolver formas de consumo compartilhado e colaborativo, a partir dos laços e vínculos sociais formados e continuamente fortalecidos por essas redes fundadas e baseadas em valores comuns.

As “economias de compartilhamento”, no entanto, revelam mais do que técnicas e arranjos para suprir necessidades. Elas expõem os fios que formam a malha social da favela, com seus valores morais, suas dificuldades e também suas histórias de superação. (...) Ser da favela e dela fazer parte significa aprender a compartilhar dentro da rede social à qual pertence respeitando valores e hierarquias das associações (vínculos sociais). Quanto 112


mais íntimo se é de um integrante, maior a possibilidade de empréstimos, ou seja, compartilhamentos. (YACCOUB, 2010, p.14)

“O lado negativo desse espírito de comunidade é que todo mundo acha que pode fazer tudo. As pessoas acham que a rua é só delas.”

Fig. 57 Viela em Paraisópolis, motos e escadas em uma passagem pública.

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Exemplos como os mencionados para sociabilidade são facilmente percebidos ao percorrer ruas e principalmente vielas de Paraisópolis. É um território que está em constante movimento, repleto de acontecimentos corriqueiros ocorrendo simultaneamente. Uma verdadeira cidade dentro da cidade. Retomando a reflexão de Sennet a respeito da economia da cultura global, basta caminhar pelas ruas de Paraisópolis para perceber que esse território também pertence a ela. Lá há grandes lojas como por exemplo Casas Bahia, que inclusive tem diferentes condições de venda e compra para moradores de Paraisópolis. É possível afirmar que há cooperação nas relações entre os moradores de Paraisópolis, ou seja, pessoas nas mesmas condições. Mas não é isso que ocorre com as relações fora da comunidade. Como diz a arquiteta e urbanista Ermínia Maricato, 2003, os pobres são bem aceitos na cidade formal, desde que seja para trabalhar, onde servem para o funcionamento da dita cidade e da economia. Para morar, entretanto, devem retirar-se aos seus bairros afastados, como em um apartheid espacial velado, porém muito significativo. Nesse sentido é possível associar o pensamento de Richard Sennet de que a desigualdade material ocasiona uma espécie de 114

“Aqui tem essência, nunca deixará de ser Paraisópolis. A identidade da comunidade mantém a diferença.”


isolamento, como também o de que é mais difícil cooperar com aqueles que diferem. Mas apesar disso, mostra a importância da cooperação informal, pois para ele isso ajudou a ancorar socialmente crianças pobres como ele, sendo que em Paraisópolis isso não é diferente.

Depois da infância desorganizada pela pobreza, duvidando na adolescência que tivessem algo de valor a oferecer ao mundo eles ficavam se perguntando, na vida adulta, porque teriam sobrevivido, enquanto muitos companheiros de infância haviam sucumbido ao vicio, ao crime ou à vida na marginalidade. (SENNET, 2015, p.297)

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“No tempo em que o ladrão de hoje era menino, alguém lhe furtou a mochila dos sonhos, na qual havia um horizonte de possibilidades.” - Autor desconhecido

Fig. 58 Street art, Mural “Street Kid” (Favela Morro da Providência, Rio de Janeiro).

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4.1 PARAISÓPOLIS: COLETIVA DE INDIVIDUAIS

ORGANIZAÇÃO TRAJETÓRIAS

E quem vem de outro sonho feliz de cidade Aprende depressa a chamar-te de realidade Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso. (Trecho da música Sampa, de Caetano Veloso, 1992)

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Fig. 59 Montagem representando a cidade enquanto construção coletiva.

Até aqui a ideia foi mostrar a construção coletiva de Paraisópolis, mas considerouse interessante mostrar, também, algumas narrativas individuais de pessoas comuns de Paraisópolis. A ideia principal é retirar desses testemunhos pessoais “pistas” que auxiliem nas decisões de projetos. Essas histórias foram retiradas no livro Cidade do Paraíso (2013), de autoria de Vagner de Alencar e Bruna Belazi, que retrata a vida de Paraisópolis através de histórias corriqueiras.

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OS GENIOZINHOS DE PARAISÓPOLIS

Quando o assunto é questão...não de moradia, mas de matemática, há dois moradores que dominam bem o assunto. Sabem de cor e salteado todas as capitais dos mais de 100 países do mundo. Conhecem também suas moedas. Produto Interno Bruto (PIB), área territorial e fuso horário de praticamente todos eles. Eles são os irmãos Vanessa e Bruno. Vanessa tem 12 anos, um a mais que Bruno. Ambos nasceram e cresceram em Paraisópolis. Estudaram nas escolas públicas da região, até que o pai descobriu que os filhos tinham um QI fora da média. Não tardou muito para que fossem parar em programas de televisão. A visibilidade foi bem vinda, há quatro anos estudam com bolsa de estudo em uma

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escola elitizada do Morumbi. “eu parecia um peixe fora d’água”, afirma Vanessa. O interesse da garota pelos estudos surgiu depois que encontrara no lixo um atlas mundial. “eu trouxe o livro e fiquei vendo o nome das capitais, a quantidade de gente que morava em cada lugar. Queria saber tudo sobre o mundo que eu vivia”. O pai aprendeu a ler e a escrever por meio da lousa pregada na parede ali mesmo no quarto. Mal sabia soletrar as palavras e empilhar números para contabilizar. Vanessa já ensaiava o cargo do futuro. Aos 8 anos de idade, além de aluna, já era professora particular do patriarca da casa. (ALENCAR; BELAZI, 2013, p.90)

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JUSSARA, A ESCRITORA

Barulho indescritível Muito lixo entre barracos Gente andando em vielas E ratos por buraco [...]. Paraisópolis não é só isso Esse é o lado que a sociedade vê Aqui também tem gente culta Poetas do bem, pode crê [...]. Por isso não me envergonho Quando confesso que moro aqui Se foi para lutar pelos meus sonhos Que deixei em Jacaraci

Ela é Jussara, funcionaria técnica, que recebe seu salário como atendente de telemarketing. Atende em média 24 ligações por dia. Algumas dão certo, outras não. Lá lhe são reservados 10 minutos de pausa para ir ao banheiro e mais meia hora para jantar. Às vezes, no final do expediente, ela tira a 122


fantasia de telemarketing e deixa sua alma transparecer: vira novamente a escritora. Enquanto as noites lhe são reservadas para o atendimento das ligações, suas visitas aos saraus acontecem apenas durante suas folgas. Jussara parece conhecer todos os espaços culturais como conhece os becos e as vielas de Paraisópolis. Embora hoje seu maior sonho seja viver da escrita - essa é a profissão que ela diz seguir e não a de telemarketing – a escritora não pensa em sair do trabalho que a torna apenas alguém do outro lado do telefone. Jussara deseja apenas escrever, escrever e escrever. E não é esse o sonho de todo e qualquer escritor? Mas ela não é qualquer escritora. Ela é a escritora que encontrou em sua própria polis, definitivamente, o seu grande paraíso. Paraiso também descoberto por sua amiga Joseane. (ALENCAR; BELAZI, 2013, p.119) 123


JOSEANE- ENTRE A ARTE E O TELEMARKETING

De sua laje, Raica e Smile, duas cachorras sem raça definida latem juntas assim que Joseane Silva, de 35 anos, abre o portão. Ela é moradora do pequeno imóvel de dois cômodos. Logo na entrada, uma máquina está acomodada sobre uma mesa. Por ali, há também cavaletes e telas brancas, bisnaga de tinta óleo, agulhas, lápis, pinceis e um computador. São essas as principais ferramentas da ex operadora de telemarketing que, há um ano e meio, largou as vendas por telefone para tentar viver da sua arte. “sempre gostei de pintura e desenho. Comecei a pintar aos doze anos”, afirma. Hoje, Joseane se sustenta por meio da venda das peças de costura, mas também dos retratos de grafite e dos quadros de tinta óleo. “sempre quis largar

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o telemarketing, então levantei uma grana e montei meu próprio ateliê. A ficha caiu mesmo sabendo das dificuldades decidi arriscar”, diz. Segundo a artista, os sites e blogs de arte também ajudam aprimorar suas técnicas, além de fazer contatos. “aprendi a usar o photoshop assistindo a tutoriais”. “a recomendação mais importante que encontrei foi produzir mais quadros, nem que seja um por dia. Picasso, por exemplo, não conseguiu ser mais famoso com uma tela só. Com Van Gogh foi a mesma coisa”, diz a artista amiga de Jussara. (ALENCAR; BELAZI, 2013, p.122)

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O HOMEM QUE TRANSFORMA SUCATA EM ARTE

Numa oficina alugada de dois cômodos, dentro de um estacionamento com mais de 13 casas, Berbela trabalha, desde de 2001, como soldador. O manuseio com a substância metálica une portões, portas, escapamentos de motos. No casebre, Berbela transformou a antiga bicicleta do seu primogênito em uma super bicicleta. Foi lá também que descobriu o domínio do aparelho de soldagem, mas não apenas isso. Descobriu que tinha o dom de transformar sucata em obra de arte. Olhos curiosos, timidamente abertos, um bigode aparente sobre o rosto de pele amorenada. Esse é Antonio Ednaldo em seus 40 anos. O parque do Ibirapuera, em 2001, foi o primeiro lugar visitado pela família, em São Paulo e também o local em que Berbela sentiu que podia fazer arte. 126


Após um dos filhos pedir uma bicicleta igual a que avistou no parque, o pai então imaginou como presentear o filho. Como não podia comprar uma das magrelas, a ideia foi personalizar a que tinha. Embora a felicidade estampada por meio do sorriso tímido, ao falar da sua vida, ele lamenta não ter um lugar adequado para guardar e fabricar novas peças: “eu to meio triste porque to vendo a hora de vender isso aqui e não ter onde trabalhar.” Atualmente, o que garante o sustento da casa é a renda da esposa e dos filhos que trabalham. Ele afirma que o que ganha com os trabalhos de soldagem consegue apenas quitar as contas do aluguel da oficina, água e luz. “enquanto vida eu tiver, quanto mais para frente...mais vontade eu tenho de fazer mais coisas. Só Deus para me empatar. Eu ia fazer coisas inacreditáveis. Algo para ficar na história de São Paulo” (ALENCAR; BELAZI, p.160) 127


ALUGAM-SE LAJES Para que pagar caro pela locação de um salão de festas se o morador pode comemorar na laje? Essa é a indagação que move muitas pessoas que planejam fazer seus festejos de casamentos ou aniversários só que a um custo bem mais acessível financeiramente falando (...). O custo do aluguel de uma laje oscila entre 300 e 500 reais, para o período de um dia inteiro. (ALENCAR; BELAZI, p.98) Em Paraisópolis não apenas de arrendamento vivem as lajes. Por lá, essas superfícies nas alturas, são inclusive vendidas. Wendell Fernandes lima, de 25 anos, comprou uma laje especialmente para construir com suas próprias mãos, a casa onde vive atualmente com a namorada. A aquisição, porém, foi feita em parceria com o vizinho e amigo Fabio da Silva, de 27 anos. Mais precisamente há 36 meses os rapazes resolveram fugir do aluguel. A única saída foi a compra do espaço, no alto da casa da Dona Marisa pelo valor de 10.000 reais, à época. (ALENCAR; BELAZI, 2013, p.99) 128


Essas histórias trouxeram diferentes questões projetuais, principalmente no sentido dos programas sugeridos. Afinal, porque não propor espaços de aprendizado fora da escola para ajudar famílias como a dos geniozinhos? Espaços de manifestações culturais, para Jussara declamar seus poemas? Ateliês para artistas como Joseane e Berbela, produzir, guardar, expor e trocar experiências? E ainda, porque não propor uso das lajes para as festas e confraternizações da comunidade? Essas foram algumas das indagações que nortearam as decisões de projeto e os programas das estruturas híbridas de sociabilidade.

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5 | ESTRUTURAS HÍBRIDAS DE SOCIABILIDADE

“As crianças daqui sempre estão procurando algum espaço para brincar, jogar futebol, brincar de queimada, e quando tem uma rua ou viela menos movimentada elas usam para isso. Sempre tem gente na rua, adultos e crianças, a vitalidade é grande. Mas faltam espaços para elas brincarem, tem o CEU por exemplo, mas ele sempre está cheio. Por isso eu acho que poderia melhorar o lazer das crianças em Paraisópolis.”

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O desafio foi elaborar estratégias teóricas e projetuais de enfrentamento da condição urbana, na maioria das vezes precárias. Esse desafio passa por aproximar-se da forma como as pessoas usam o território, identificam e legitimam o espaço público. Por isso foi necessário debruçarse no estudo da vida cotidiana.

Fig. 60 Diagrama dos programas das Estruturas Híbridas de Sociabilidade (EHS).

A partir da investigação da organização própria das favelas pensou-se na utilização de estruturas urbanas híbridas de sociabilidade, que deem apoio à vida cotidiana e sirvam como articulação no que se refere ao morar, produzir e ao tempo livre. Isso de maneira colaborativa como já ocorre. Elas se constituem como uma estrutura urbana que inclui em seu programa e espacialidade itens que contribuem para dinâmica urbana, para as transposições de cota, que abriga equipamentos coletivos e públicos, conformando paisagem. Criam uma espacialidade para as práticas ordinárias.

Fig. 61 Apropriação do espaço público pelas crianças.

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Seriam unidades que, em rede, criam referências e contemplam essa forma de viver mais solidária, servindo como “embriões contaminadores” ou matrizes multiplicadoras de urbanidade para o enfrentamento das áreas de difícil urbanização, como o caso de Paraisópolis. Mais do que uma transformação, o processo daria continuidade às constantes mudanças, que já ocorrem, permitindo qualidade e segurança superiores. Segundo Lizete Rubano (2015) a ideia de “áreas urbanas críticas” vem sendo utilizada pelo arquiteto urbanista Hector Vigliecca no sentido de reconhecê-las como urbanas, ou seja, fazendo parte da lógica de produção da cidade, 133


das parcelas de ocupação informal que desafiam, pela qualidade e intensidade, o próprio processo de urbanização ou de como ele poderia se dar em trechos da cidade com tão diferente histórico e tão diversa conformação. Há a necessidade de se conceber formas de atuação, considerando que a riqueza produzida pela população, as maneiras de apropriação de um território em geral frágil, a vida cotidiana e as articulações, são todas instâncias colocadas ao desafio do projeto. A partir das condições das áreas urbanas críticas, construir possibilidades de urbanidade, legitimadas pelo reconhecimento e apropriação. Foi realizada uma leitura do território de como se dá sua configuração, com a perspectiva não de reproduzi-la, porque ampara uma dada sociabilidade, mas porque pode expressar condições possíveis, ou até mesmo desejadas, de vivenciar a dimensão urbana. O partido foi uma arquitetura modular, um espaço de construção mínimo, de orçamento reduzido e trabalho colaborativo. A ideia é que esse módulo se adapte às condições preexistentes. Alguns elementos arquitetônicos já utilizados em Paraisópolis incorporados ao projeto foram: escadas independentes (ausência de recortes nas lajes) e lajões cobertos (para festas, secar roupas, etc.). Esses módulos foram desenhados para 134


ficarem em harmonia com as construções preexistentes da comunidade. Procurou-se respeitar o ambiente social e arquitetônico existente e empregar a forma de construção usada localmente.

5.1 | ANTONICO: LUGAR DO ACONTECIMENTO

“Eu amo Paraisópolis, só não amo meu endereço”, revela Ana Iris, pois compartilha o pesar de conviver com Antonico. (...). Para muitas famílias que moram próximo e sobre o ingrato córrego, sobram a incerteza do amanhã e a indignidade do agora. “Como alguém pode viver num lugar desses?” o vizinho de Ana se pergunta em lamento, enquanto caminha pelo piso abarrotado de lama. Ele acabara de chegar do trabalho. Apreensivo precisa abrir a porta, mas não quer encará-la com a degradação feita pelo “Antonico”. (ALENCAR; BELAZI, 2013, p.76)

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Fig. 62 : Localização do córrego do Antonico em relação aos cursos de água de São Paulo.

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Fig. 63 Localização do Antonico em relação a Paraisópolis.

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Nesse contexto, o córrego do Antonico foi considerado um elemento referência, pois aparece como uma diagonal à malha cartesiana imposta. É um possível elemento articulador do tecido urbano e das estruturas híbridas de sociabilidade. Objetiva-se buscar alternativas de reconciliação da favela com as águas, superando sua visão como problema, para então ser desfrutada no cotidiano da população. Ao longo do Antonico foram observados locais potenciais, mas indevidamente ocupados. As remoções propostas seriam substituídas pelas estruturas híbridas, constituindo uma nova centralidade em Paraisópolis, uma ‘linha de privilégio’ (CULLEN, 1993). Essas novas estruturas resgatariam a condição topográfica, introduzindo outras formas de se viver ali, sendo utilizadas na articulação de cotas e na reconfiguração dos fundos de vale.

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Fig. 64 Antonico, diagonal imposta Ă malha cartesiana de ParaisĂłpolis.

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5.2 INTERSTÍCIOS: ESTABELECENDO LEGIBILIDADE

Foi usada a reflexão elaborada no projeto de Vigliecca (Hector e equipe fizeram uma proposta para o interior das quadras de Paraisópolis, 2005), pois na observação do uso da quadra identificouse como se dava o reconhecimento da estrutura pública da rua. Foi possível observar que, quanto mais as habitações faziam frente a esse elemento legitimamente estruturador da trama urbana, menos precárias eram essas moradias. Ao adentrar o interior de quadra as habitações se tornam menores e mais precárias, além de esses arranjos labirínticos dificultarem o acesso e a legibilidade de alguma estrutura urbana. Foi nesse momento que se optou por trabalhar prioritariamente a rede de vielas. Após um levantamento dessa rede nas quadras adjacentes ao Antonico, foram propostas remoções necessárias para tornar o espaço mais legível, criando clareiras para melhoria da insolação e ventilação, para conectá-las e para implantação das estruturas hibridas, utilizando142


Fig. 65 Proposta para miolo de quadra de Paraisรณpolis, Vigliecca e equipe.

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se -como critério- o encontro das vielas, ou seja, nos interstícios. Interstício é aquilo que está entre coisas, o “vazio”. Sendo assim, os interstícios urbanos são os espaços abertos entre construções. Os interstícios na favela são espaços públicos desejáveis, mas que precisam ser urbanizados, já que algumas vielas, por exemplo, são impenetráveis, mas configuram um complexo urbano muito interessante. A ideia é que as famílias removidas se instalem na própria comunidade, o mais próximo de onde foram removidas, pois considera-se fundamentais os vínculos sociais estabelecidos, como também identidade construída com o ambiente. Por esse motivo a estrutura híbrida de sociabilidade contém, além de outros programas, unidades habitacionais, buscando preservar as relações sociais constituídas. A escolha em trabalhar com as vielas se deu pela identificação do reconhecimento que têm, por parte da população, como um elemento de dimensão pública, legitimadas pelo uso e apropriação.

“São becos e vielas responsáveis por interligar ruas umas nas outras, conectar historias, unir toda a comunidade, costurar o dia a dia.” (ALENCAR; BELAZI 2013, p.30) 144


As estruturas híbridas foram concebidas com intuito de levar urbanidade a lugares de ocupação precária, permitindo iluminação, espaços abertos, programas, articulações, acessos e percursos. Essas novas estruturas introduzem escalas e referências, dando visibilidade ao miolo de quadra até então obscurecido pela ocupação caótica das habitações, multiplicando o contato com as áreas de uso comum e estabelecendo um compromisso social.

“Quanto maior a interação entre os vizinhos mais conservado é o espaço. Quanto mais larga a viela melhor esse convívio, pois conseguem se reunir. Mas tem algumas vielas que são muito estreitas e os vizinhos não conseguem interagir. Talvez se tivessem mais espaços para sentar, jogar papo fora, se divertir, em Paraisópolis essa relação seria melhor. Teria que ser um espaço aberto, onde todos possam chegar, se ver, interagir, se divertir, um entrosamento melhor entre os moradores.”

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Fig. 66 Vielas Paraisรณpolis.

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5.3 VÍNCULOS: INSTAURAR URBANIDADE

Como visto, a ideia foi trabalhar duas frentes de projeto: o córrego, como lugar de possibilidades, e os interstícios, com implantação das estruturas híbridas de sociabilidade nos miolos de quadra. Mas de maneira interdependente, a fim de criar uma rede, um organismo. Para isso elaborou-se os vínculos que, na escala do recorte projetual, dão legitimidade ao espaço público. Esses vínculos foram formulados a partir de dois projetos de referência, considerando que, unidos, constituem-se como um possível instrumento articulador, criando novas oportunidades de conexão. Esses elementos de articulação são: porticado, desenvolvido pelo escritório MMBB no projeto urbano do córrego do Antonico, e o posto de vizinhança, desenvolvido por uma equipe de arquitetos e urbanistas[1] para o concurso Morar Carioca. O porticado é uma estrutura urbana de 148

[1] Esse projeto foi premiado em 2010 pelo concurso Morar Carioca, Rio de Janeiro. A equipe contou com os seguintes arquitetos autores: Maria Francisco Rios, Guilherme Petrella, Jordana Zola, José Baravelli, Renata Moreira, Mariana Alves de Souza, Tais Jamra Tsukumo, Felipe de Souza Noto, Paulo Emílio Ferreira. Além de colaboradores e consultores técnicos especializados.


concreto (a 2,50m das edificações existentes) que cria uma possível frontalidade ao córrego, possibilitando um complemento às edificações que já existem ali ao mesmo tempo que cria uma unidade ao conjunto. A ideia foi incorporar esse conceito ao projeto, mas indo além. Não ocorre somente ao longo do Antonico, mas adentra o miolo de quadra até às estruturas híbridas, instaurando urbanidade ao projeto como um todo.

Fig. 67 Proposta porticado para o córrego do Antonico, escritório MMBB.

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O posto de vizinhança é um componente para os problemas de infraestrutura. É uma torre de reservação implantada no limite da infraestrutura convencional. Segundo os autores do projeto, configura a transição da rede convencional para uma rede de novo padrão, a ser estabelecido com as concessionárias de serviços públicos. Permite o acesso para manutenção e medição – de água, luz, lixo, esgoto, entre outros serviços desejáveis (redes de TV, internet etc.). Sua área de abrangência é também referência para a regularização de lotes em que não é possível definir frações individuais. É uma solução técnica pensada a partir de ganhos na escala de produção que podem se traduzir em elementos prefabricados para determinados problemas construtivos, além de ser um elemento de articulação com as redes urbanas e com a intervenção proposta.

Um projeto usado como referência também, por unir esses dois vínculos descritos, é o Quinta da Malagueira (Évora, Portugal 1973), do 150

Fig. 68 Proposta posto de vizinhança para concurso Morar Carioca, 2010.


arquiteto Álvaro Siza. Seu sistema de aquedutos além de ser estrutura urbana de articulação, como o porticado, funciona também como uma solução de infraestrutura, assim como o posto de vizinhança.

Fig. 69 Quinta da Malagueira, arquiteto Álvaro Siza

Esse sistema de aquedutos de concreto conecta as habitações, e proporciona a infraestrutura para água e distribuição elétrica. Foram utilizados canais feitos com blocos de concreto apoiados em colunas que formam uma estrutura contínua, como uma galeria que conecta as quadras, fornecendo o serviço a cada casa. O aqueduto foi justificado pelo baixo custo e que, ao mesmo tempo, funciona como um elemento para o planejamento em grande escala, que conecta quadras e forma áreas públicas definindo as entradas aos grupos de lojas e outras instalações públicas.

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5.4 PEÇAS GRÁFICAS

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Figura 70: À esquerda, rede de vielas e remoções. À direita, estruturas híbridas e porticado. No canto inferior, módulos base utilizados nas estruturas.

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Figura 70: Zoom em algumas quadras.

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Figura 71: Vista aérea com a proposta de intervenção.

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Figura 72: Proposta para o cรณrrego do Antonico.

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Figura 73: Proposta para o cรณrrego do Antonico.

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Figura 74: Proposta para o cรณrrego do Antonico.

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Figura 75: Proposta para o cรณrrego do Antonico.

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Figura 76: Croquis conceitual estrutura hĂ­brida de sociabilidade.

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Figura 77: Croquis conceitual estrutura hĂ­brida de sociabilidade.

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Figura 78: Cortes conceituais, estrutura hĂ­brida de sociabilidade e cĂłrrego Antonico.

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6 | CONSIDERAÇÕES FINAIS: ‘PARAISÓPOLIS TORNA-SE’

Permanece tão pertinente quanto antes, mesmo que agora talvez num sentido mais pictórico do que num sentido mais textual. Mas essa mudança da escrita para a imagem traz uma significativa inversão. Para ser bem claro: o discurso da cidade como texto, nos anos 1970, era sobretudo um discurso que envolvia arquitetos, críticos literários, teóricos e filósofos determinados a explorar e criar novos vocabulários para o espaço urbano depois do modernismo. O discurso atual da cidade como imagem é o dos “pais da cidade”, empreendedores e políticos que tentam aumentar a receita do turismo de massa, convenções e aluguel de espaços comerciais. (HUYSSEN, 2000, p. 103)

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O crítico alemão Andreas Huyssen (2000) relata que após a queda do muro de Berlim, em 1989, as pessoas escreviam nos resquícios de muro: Berlim torna-se. Mas a pergunta que se fazia era torna-se o que? Uns defendiam que deveria ser uma cidade global, enquanto outros acreditavam que o processo de transição deveria ser devagar, com cuidado, pois haviam marcas coletivas. Nesse contexto, o autor fala da diferença entre a cidade como texto, entendida como uma narrativa construída coletivamente, e a cidade como imagem, construção através da sobreposição, a partir daquilo que somente uma parcela considera ideal. Sendo assim, os vazios de Berlim eram hipóteses de construção de cidade feita de maneira coletiva e não da sobreposição de uma fórmula de cidade. Compartilhando dessa visão, é desejável que Paraisópolis também seja vista como texto, sem a imposição de um modelo hegemônico do habitar. E que seus vazios sejam oportunidade dessa construção coletiva.

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Infelizmente, é quase um consenso descrever favela por aquilo que lhe falta e não pelo que é. Nesse trabalho buscou-se reverter isso, partindo de uma aproximação com a realidade e respeito aos diferentes modos de viver. As proposições sugeridas vêm de encontro com isso, foram maneiras encontradas de respeitar esse viver mais solidário e respeitar a lógica ali já existente. E devem ser vistas como hipóteses conceituais de projeto em processo de construção, e não como um resultado acabado. Por fim, conclui-se que as favelas ao existir no lugar, devem permanecer e lutar pelo seu reconhecimento e pela sua inserção. Essa resistência significa afirmar que outras lógicas possíveis de organizar o território podem acontecer. E essas outras lógicas estão baseadas na defesa da vida, da sobrevivência, do existir na cidade e ser parte dela.

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7 | LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Capa, Paraisópolis e Antonico. Autoria própria. Figura 02: Operários, Tarsila do Amaral (1933). Disponível em http://www.arteeartistas.com.br/ operarios-tarsila-do-amaral/ Figura 03: Paraisópolis, construção coletiva. Disponível em: https://www.flickr.com/photos/ jonneroriz/3798855671/ Figura 04: Unidades habitacionais Programa Minha Casa Minha Vida, Pernambuco. Disponível em http://www.brasil.gov.br/ infraestrutura/2015/09/minha-casa-minha-vida 179


Figura 05: Lógica própria de organização espacial em contraste com entorno, Paraisópolis. Disponível em: http://www. diariodocentrodomundo.com.br/o-que-a-favelade-paraisopolis Figura 06: Antenor Feitosa em sua casa. Arquivo próprio, 2017. Figura 07: Construção de um ‘puxadinho’, Paraisópolis. Arquivo próprio, 2017. Figura 08: Casa de Estevão Conceição. Arquivo próprio, 2017. Figura 09: Vista cobertura Casa Gaudí. Arquivo próprio, 2017. Figura 10: Localização de Paraisópolis entre favelas, cortiços e loteamentos irregulares do município de São Paulo. Figura 11: Mapa de localização Paraisópolis. Autoria própria. Figura 12 a 18: Vista aérea de Paraisópolis. Fonte: Prefeitura Municipal de São Paulo. Figura 19: Contradição entre Paraisópolis e Morumbi. Fonte: Tuca Vieira, 2008. Figura 20: Vias de acesso, córrego do Antonico e principais usos, que estão localizados principalmente na região do Centro e Grotão. Autoria própria. Figura 21 a 25: Intervenções em Paraisópolis. Fonte: Prefeitura Municipal de São Paulo. 180


Figura 26: Resumo obras de infraestrutura de 2006 a 2015. Autoria própria com adaptação de informações da SEHAB/HABI. Figura 27: Dados Paraisópolis. Fonte Prefeitura Municipal de São Paulo, 2015. Figura 28: Gráficos Paraisópolis. Fonte Prefeitura Municipal de São Paulo, 2015. Figura 29: Montagem com fotos das oficinas. Fonte das imagens: https://imagineparaisopolis. wordpress.com/ Autoria própria. Figura 30: Foto da lousa com a dinâmica. Arquivo próprio, 2017 Figura 31: Foto com exemplo de F.O.F.A referente ao esgoto. Arquivo próprio, 2017 Figura 32: Montagem com as fotos tiradas pelos adolescentes. Autoria própria. Figura 33: Cartografia manipulada pelos jovens. Arquivo próprio, 2017. Figura 34: Peças dos jogos, fornecidas por Wagner Rezende. Figura 35: Exemplo de um jogo feito referente a mobilidade. Arquivo próprio, 2017. Figura 36: Montagem desenhos adolescentes. Autoria própria.

dos

Figura 37: Pranchas síntese referente aos quatros encontros da oficina. Equipe: Ana Paula Oliveira, Carolina Metzger, Claudia Andrade e Cristiane David. 181


Figura 38: Relatos extraídos de conversas informais. Autoria própria. Figura 39: Representação das quadras da deriva fotográfica. Autoria própria. Figura 40: Síntese da deriva fotográfica. Autoria própria. Figura 41: Mapa de cheios e vazios. Disponível em http://www.mmbb.com.br/projects/ fullscreen/68/27/2161. Figura 42: Uma rua de Paraisópolis. Arquivo próprio, 2017. Figura 43: Grupo de ballet de Paraisópolis. Foto: Alex Almeida. Figura 44: Feira aos sábados na Herbert Spencer, Paraisópolis. Arquivo próprio, 2017. Figura 45: Campo Palmeirinha em Paraisópolis. Disponível em https://br.pinterest. com/pin/411727590921203844/ Figura 46: Espaço público ou privado?. Disponível em https://br.pinterest.com/ pin/8585055518808522/ Figura 47: Viela com portão. Arquivo próprio, 2017. Figura 48: Cotidiano na favela. Disponível em https://br.pinterest.com/ pin/381187555934031399/ Figura 49: Moradores da favela do Moinho se unem para construir parque. Disponível em 182


http://www.mobilize.org.br/noticias/5738/spmoradores-da-favela-do-moinho-se-unem-paraconstruir-parque.html Figura 50: Autoconstrução, Favela Providência (RJ). Fonte Ivo Giroto, 2015.

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Figura 51: Cooperação. Disponível em https:// br.pinterest.com/pin/213850682276682932/ Figura 52: Interação entre indivíduos. Disponível em http://photos.com.br/vidacotidiana-na-favela/ Figura 53: Prazer do estar junto. Disponível em https://br.pinterest.com/pin/311381761717794154/ Figura 54: Estar junto. Disponível em http:pinterest.compin463237511641170446 Figura 55: Abastecimento de água através da cooperação entre os moradores. Fonte: Mauricio Hora, 2005 Figura 56: Muito comum a prática de compartilhamento de televisores, Complexo da Maré. Foto: Ratão Diniz. Figura 57: Viela em Paraisópolis, motos e escadas em uma passagem pública. Arquivo próprio, 2017. Figura 58: Street art, Mural “Street Kid” (Favela Morro da Providência, Rio de Janeiro). Disponível em https://www.widewalls.ch/jr-art/ ladj-ly-montfermeil-les-bosquets/ Figura

59:

Montagem

representando 183


a cidade enquanto construção coletiva. Disponível em https://br.pinterest.com/ pin/448600812874655694/ Figura 60: Apropriação do espaço público pelas crianças. Disponível em https://br.pinterest. com/pin/442267625891617621/ Figura 61: Diagrama dos programas. Autoria própria. Figura 62: Localização do córrego do Antonico em relação aos cursos de água de São Paulo. Disponível em http://www.mmbb.com.br/ projects/fullscreen/68/27/2122. Figura 63: Localização do Antonico em relação a Paraisópolis. http://www.mmbb.com. br/projects/fullscreen/68/27/2126. Figura 64: Antonico, diagonal imposta à malha cartesiana de Paraisópolis. http://www. mmbb.com.br/projects/fullscreen/68/27/2123 Figura 65: Proposta para miolo de quadra de Paraisópolis, Vigliecca e equipe. http://www. vigliecca.com.br/pt-BR/projects/reurbanizationof-the-paraisopolis-complex Figura 66: Vielas de Paraisópolis. Arquivo próprio, 2017. Figura 67: Proposta porticado para o córrego do Antonico, escritório MMBB. Disponível em http://www.mmbb.com.br/projects/ fullscreen/68/27/2175 Figura 68: Proposta posto de vizinhança para 184


concurso Morar Carioca, 2010. Disponível em http://www.be.arq.br/projeto.php?id=3 Figura 69: Quinta da Malagueira, arquiteto Álvaro Siza. Disponível em https://br.pinterest. com/pin/339107046923008076/ Figura 70: À esquerda, rede de vielas e remoções. À direita, estruturas híbridas e porticado. No canto inferior, módulos base utilizados nas estruturas. Autoria própria. Figura 71: Vista aérea com a proposta de intervenção. Autoria própria, colaboração Kassio Massa. Figura 72 - 75: Proposta para o córrego do Antonico. Autoria própria, colaboração Kassio Massa. Figura 76-77: Croquis conceitual estrutura híbrida de sociabilidade. Autoria própria, colaboração Kassio Massa. Figura 78: Cortes conceituais, estrutura híbrida de sociabilidade e córrego Antonico. Autoria própria, colaboração Kassio Massa.

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8 | REFERÊNCIAS

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