Tribuna de Debates Número 12, JULHO de 2011
1º CONGRESSO DA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA
Apresentação
E
stá é a penúltima Tribuna de De- Os quatro eventos são abertos a todos bates do Congresso da Articula- os militantes que desejem participar. Evidentemente, para ter direito a voto ção de Esquerda. nas plenárias e no Congresso, é preciso A próxima Tribuna, de número 13, pu- estar de acordo com as disposições reblicará os projetos de resolução inscri- gimentais que podem ser conferidas na www.pagina13.org.br ou em edições tos no dia 25 de julho. anteriores do Página 13. * Lembramos que no dia 23 de julho, sá- No caso do curso, é necessário fazer bado, terá início mais uma Jornada de uma inscrição, através de email dirigido Formação, com o Curso 1, Estudo das para liciolobo@uol.com.br cc para edmawalker@gmail.com Resoluções da AE. No dia 28 de julho, quinta-feira, ocorrerá a abertura conjunta de duas Plenárias nacionais da tendência: uma delas dedicada ao tema Educação (ver texto-base publicado na Tribuna de Debates 11); a outra plenária é dedicada ao tema Política Agrária e Agrícola. E no dia 29 de julho, sexta-feira, teremos a inauguração do Congresso Nacional da Articulação de Esquerda.
A programação, a ficha de inscrição, bem como a taxa do curso, estão disponíveis na www.pagina13.org.br Diferente das jornadas anteriores, desta vez o curso terá 6 dias de duração, para facilitar a participação dos cursistas que desejem estar no Congresso da AE. Uma outra novidade é que será estimulada a participação de ouvintes (ou seja, pessoas que não estão inscritas para fazer o curso inteiro, mas que assistiram a algumas aulas).
Segue a programação detalhada (sujeita a correções) dos quatro eventos:
23/7/2011 (sábado) Manhã: Abertura do curso e apresentação dos participantes 28/7/11: (quinta-feira) Tarde: Encerramento do curso Noite: Abertura das plenária de Educação e de Política Agrária/Agrícola
29/7/11: (sexta-feira) 8h: início do credenciamento dos delegados (tanto das Plenárias, quanto do Congresso) 9h: plenárias 12h: almoço 14h: plenárias 19h: Abertura do Congresso da AE
30/7/11: (sábado) 9h: Instalação do 1° Congresso, aprovação do Regimento Interno, eleição da Mesa Diretora, da Comissão de Emendas, da Comissão Eleitoral e da Comissão de Credenciamento 10h: Apresentação, debate e votação, em plenária, das propostas de texto-base 12h: Almoço 14h: Discussão e votação das propostas de emendas aos textos-base 20h: Jantar e festa
31/7/11: (domingo) 9h: Discussão e votação das propostas de emendas aos textos-base 12h: Apresentação, defesa, votação das chapas, apuração e proclamação do resultado para a Direção Nacional e Comissão de Ética 14h: Encerramento/almoço
1º CONGRESSO DA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA
TRIBUNA DE DEBATES
Crítica da analise crítica Por Ademário Costa*
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
N
2
o documento chamado “Análise crítica do “Texto de contribuição ao debate ao I Congresso da Articulação de Esquerda” postado na Lista Nacional no dia 15/06/2011”, de autoria do companheiro Walter Koscianski, que procura fazer a crítica sobre o documento “Inaugurar um novo período” encontramos de fato uma diferença sincera sobre qual a importância e que tipo de tratamento deve ser dado à questão das opressões especificas, no governo, no partido e na tendência. Já no primeiro paragrafo o autor trata as questões de “gênero, racial e étnica” como “temática” e afirma que depreendeu que os signatários do novo período pretendem fazer deste assunto “o foco principal de práticas da AE”. Demonstrando que não atribui a este debate o mesmo peso, relevância e sentido politico que o texto “criticado”. Acreditamos que este será um dos pontos do debate deste congresso, definir, qual o lugar que ocupa o enfrentamento de toda forma de opressão, principalmente as étnicas, de orientação sexual, de gênero e geracionais na estratégia da luta socialista. Inaugurar um novo período aponta para além do lugar das politicas de governo. Fazemos um debate em que classe, raça, gênero, juventude e orientação sexual são questões imbricadas. Essa tese articula-se com a luta socialista em pelo menos três dimensões: a primeira é a compreensão de que o capital subordina todas as relações sociais, colocando-as a serviço de sua própria lógica de reprodução, mesmo as relações que existiam antes da hegemonia do capital, estão a seu serviço, alimentando-o e ao mesmo tempo enraizando a lógica hegemônica nos diversos seguimentos e extratos que existem no interior da nossa sociedade; A segunda é a compreensão de que estas diferenças são utilizadas para gerar preconceitos e justificar exclusões que são explicadas a partir de determinadas características negativamente atribuídas à estes grupos sociais, isto atinge a classe trabalhadora nos sentido de dividi-la, uma divisão que não nos favorece, pois dificulta a cons-
trução de frentes e ações unitárias. Mesmo dentro da classe, estas diferenças servem como instrumentos de diferenciação de espaços de poder, de ocupação de cargos e de valoração de salários. Tudo isso a partir de uma série de desvantagens comparativas que determinam o lugar dos sujeitos no processo continuo de estruturação das classes; A terceira dimensão é a do sujeito histórico. O processo de libertação social passa pela ocupação de espaços de poder. A história de desenvolvimento do capitalismo produziu um tipo social. O sujeito histórico do poder, o tipo social macho, adulto, branco, heterossexual. Esta lógica se reproduz em toda sociedade. Precisamos combatê-la com politicas de ações afirmativas em todos os espaços, subvertendo a super-representação social exercida por esse tipo que mesmo quando não quer, é beneficiado, pelo machismo, sexíssimo, racismo e por uma visão equivocada da juventude na nossa sociedade. Mas adiante no texto crítico o autor afirma: “Rebaixar um programa geral de questões estruturais ligadas a maior con-
centração de renda e de propriedade do mundo, concentração de meios de comunicação, tributação regressiva, ações governamentais de criminalização da pobreza e dos movimentos sociais, sistema político estruturado no financiamento privado e corrupto, para se diferenciar por um programa de gênero ou racial sugere a adoção da abordagem do PV, foco na natureza sem abordar a estrutura social, econômica, cultural e processo histórico.” Neste paragrafo a autor nos acusa de rebaixamento programático, adoção da abordagem do PV, foco na natureza sem abordar a estrutura social, econômica, cultural e processo histórico. Sobre a primeira acusação acho que está respondida nos parágrafos acima, nos quais eu cito a articulação do combate a toda forma de opressão com a estratégia socialista, releiam e comparem com a acusação. Sobre a comparação com o PV não acho que cabe nos debates que antecedem o I Congresso da AE, pelo simples fato de debatermos entre militantes da articulação de esquerda, portanto entre socialistas e revolucionários/as.
TRIBUNA DE DEBATES
1º CONGRESSO DA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA
Mas se isso não basta, eu sugiro ao autor que analise de forma sócio-histórica como se deu o processo de acumulação primitiva do capital, qual o papel da exploração da força de trabalho feminina, dos trabalhadores/as negros/as escravizados/as vindos da África e da formação conceitual da categoria juventude a partir de seu lugar na produção. Em se tratando de questões estruturais sugiro ainda, que aplique o recorte de gênero, etnia, orientação sexual e geracional sobre o recorte de classe, observe a distribuição destes seguimentos na sociedade e compare a sua distribuição entre os mais ricos e entre os mais pobres. Depois observe mais atentamente quem são os detentores da maior parte da renda, quem são os donos dos meios de comunicação, quem são a maioria dos congressistas e quem são os pobres. Então descobrirá que estamos falando da maioria da classe trabalhadora. Mesmo assim podemos manter a nossa diferença, pois enquanto nós acreditamos que, sem combate ao machismo, racismo e sexismo, não construiremos o socialismo, outros/as companheiros/as acham que isso é rebaixamento programático. Neste parágrafo o autor afirma: O papel do partido é fazer a amarração e integração dos temas da sociedade, a especialização ou redução só faz diminuir o perfil do partido, como um “Partido Comercial” ou um “Partido Nortista” ou como os PVs de todo o mundo. A especialização também é uma atitude intrinsecamente conservadora, é propor fazer uma melhoria aqui, outra ali, sem a análise crítica da estrutura global da sociedade. Tenho total acordo sobre o papel do partido politico. O problema deste parágrafo é que faz a crítica a algo que não está escrito no texto. Em nenhum momento inaugurar um novo período propõe uma organização à serviço de um único tema nem mesmo “fazer uma melhoria aqui, outra ali, sem a análise crítica da estrutura global da sociedade.” Ao escrever isso, o autor simplesmente se exime da obrigação de
demonstrar em que lugar do texto isto esta escrito, ao invés de fazer uma análise crítica acaba derrapando para uma critica sem análise. Walter complementa com um parágrafo interessante: O modo de exploração e concentração capitalista pode conviver e convive com igualdade de gênero e de raça, sem problemas, a reprodução do capital é mais consolidada na segregação por classe social. Por vezes inclusive a classe social de origem torna-se irrelevante, conquanto que se mantenha o sistema de ganhos individualistas e seu fluxo de benefícios em direção a concentração. Neste parágrafo está sendo afirmado que o modo de exploração e concentração capitalista pode conviver e convive com igualdade de gênero e de raça, sem problemas, a reprodução do capital é mais consolidada na segregação por classe social. Não conhecemos nenhum momento da história do desenvolvimento do capitalismo no mundo em que existiu igualdade de gênero e raça, só que mais ousada ainda é a afirmação de que o capitalismo convive com tal igualdade. Mas onde, em que parte do mundo não nos é revelado! A afirmação de que o capitalismo pode conviver com igualdade deve estar baseada em algum pressuposto científico marxista que ainda não pudemos ter o prazer de acessar, mas a afirmação de que o capitalismo convive neste momento, com tais pressupostos igualitários, deve estar baseada no estudo e observação de algum lugar do universo que nem mesmo o Hubble conseguiu fotografar. Quanto aos instrumentos de reprodução do capital voltamos a afirmar que, etnia, gênero e orientação sexual estão imbricados na estrutura das classes de tal forma que abrange todo o tecido social. Não são compartimentos dissociados organizados em um armário do qual podemos escolher uma gaveta. Continuando o debate, o companheiro diz uma inverdade: a ação da AE e do PT já incorporou há tempos este assunto e ao
ponto de hoje nossa Tendência ter o comando da Secretaria de Políticas para a Mulher, o que reflete também o reconhecimento do trabalho da AE e de seus militantes nesta questão. Não foi por nossa ação nas politicas setoriais do PT, ou pelo reconhecimento de nossa atuação na luta das mulheres que nos foi oferecido o comando da SPM-PR. Até porque nem mesmo a Articulação de Esquerda teve esta opinião quando da disputa pela composição dos ministérios. O nome que nós apresentamos, por consenso, para ser Ministro foi do companheiro Altemir Gregolim para o MPA. Fizemos isso porque queríamos manter no mínimo o mesmo peso e força politica dentro da estrutura do Governo Federal. Ao nos deslocar para a SPM-PR, Dilma diminui o nosso tamanho, dentro do Governo, diminui a quantidade de pessoas da AE ou sobre a nossa influencia na estrutura, diminuiu a quantidade de recursos sobre o nosso controle, diminui o nosso raio de ação politica dentro do Governo Federal. Agora façamos o seguinte exercício, vamos supor que seja verdade que a ação da AE e do PT já incorporou há tempos este assunto e ao ponto de hoje nossa Tendência ter o comando da Secretaria de Políticas para a Mulher, o que reflete também o reconhecimento do trabalho da AE e de seus militantes nesta questão. Neste caso temos outro problema para tratar, porque significa que no mínimo Dilma e seus assessores enxergaram em nós uma prioridade que não foi a nossa. Essa turma então está dando mais importância para a atuação das mulheres da AE do que nós mesmos? Claro que não! A nossa ida para a SPM-PR combina um conjunto de fatores. O fato de termos uma mulher presidenta, por si só reorganiza a politica dentro do PT, e de todas as suas organizações é uma quebra violenta de paradigma que também atingiu a AE. Somado a isso, temos a importância da nossa companheira Iriny para a AE e para o PT, foi nossa candidata a presidenta do DN é Deputada
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
Ao nos deslocar para a SPM-PR, Dilma diminui o nosso tamanho, dentro do Governo, diminui a quantidade de pessoas da AE ou sobre a nossa influencia na estrutura, diminuiu a quantidade de recursos sobre o nosso controle, diminui o nosso raio de ação politica dentro do Governo Federal.
3
TRIBUNA DE DEBATES
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
Federal, fez parte da executiva nacional, reconhecida lutadora dos direitos humanos e das causas populares. Também temos presença partidária, inclusive no setorial de mulheres do PT. Tudo isso justificaria a ida de Iriny para qualquer Ministério. Inclusive para uma SPM-PR que fosse dotada de orçamento, tamanho e importância estratégica na vida real do nosso governo. Mesmo assim diminuímos de tamanho. Isso acontece por que ao contrário do que diz o texto crítico, nosso deslocamento dentro do Governo Federal faz parte de um processo de perda de potência politica e de força necessárias para manter ou aumentar o espaço que tínhamos na explanada. Fazendo uma análise global deste processo, nós não acumulamos ao ponto de comandar a SPM, nós desacumulamos ao ponto de tirarem de nós orçamento, cargos e raio de ação. E nós não temos força para reagir. O companheiro enumera uma quantidade de feitos do governo de forma tão otimista e acrítica que se aplicasse a lógica cartesiana e mecanicista presente no texto “ponte para
4
1º CONGRESSO DA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA
onde” publicado na mesma tribuna, acabaria chegando à conclusão de que a análise critica defende a politica do campo majoritário ou aderiu às teses da mensagem ao partido. Como não concordo com este tipo de lógica, fica aqui apenas uma observação. Mas vejamos as opiniões do companheiro sobre as ações do nosso governo: “Hoje, de uma perspectiva histórica as questões de igualdade e não discriminação social de gêneros tiveram um avanço expressivo, principalmente com os 8 anos de governo do PT. Temos uma Presidenta, do PT, a lei Maria da Penha, mulheres sendo o principal foco e beneficiárias de programas sociais governamentais, mulheres tendo mais anos de estudos que os homens e diminuição de diferenças salariais. As transformações culturais ligadas a gêneros foram reais e nossas políticas e nossos governos tem feito avançar a velocidade destas transformações em direção à igualdade.Quanto à temática GLTB, as transformações recentes tem sido até mais
rápidas do que lento amadurecimento social da questão da igualdade feminina. A parte da expressiva e crescente aceitação social da orientação sexual, os conquistas institucionais também foram marcantes, o STF concedeu igualdade de direitos a casais de mesmo sexo, o SUS faz a cobertura de cirurgia de mudança de sexo, e qualquer discriminação pode ser confrontada na justiça com forte tendência de ganho de causa contra a discriminação. Não vamos deixar de lembrar que milhões de homens, mulheres e principalmente afrodescendentes que por ações de cunho econômico-social tiveram uma imensa melhora de vida pela saída da condição de pobreza e miséria, e não por ação de gênero ou raça, mas por ações de desenvolvimento econômico-sociais integradas. O tema racial também uma questão terrível e de impacto maciço, com processo cultural mais arrastado que as questões de gênero, mas novamente um tema que nosso governo avançou muito mais que qualquer outro, a nível legal e jurídico já é tema consolidado, a nível governamental nosso governo implantou políticas afirmativas. Hoje temos uma quantidade nunca vista de estudantes de nível superior com perfil racial afrodescendente, fruto também de cotas sociais para o ensino público.Cotas raciais passaram a existir inclusive em concursos públicos.” Concordo que houve de fato um avanço importante nos últimos oito anos, mas precisamos compreender que na maioria dos casos estes avanços não passam de politicas de governo ou mesmo quando são leis, ainda não temos equipamentos públicos que possam dar conta de garantir a sua efetiva aplicação. A lei Maria da Penha, em que se pese a sua importância, precisa ser complementada por uma rede física capaz de dar assistência às mulheres agredidas e ao mesmo tempo romper com os laços da dependência econômica e psicológica que é a realidade da esmagadora maioria das mulheres que precisam de apoio. As diferenças salarias caíram em um ritmo bem lento, segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) a participação das mulheres no mercado de trabalho passou de 48,9% em 2007 para 49,7% em 2009, além disso, em média as
mulheres têm dois anos a mais de escolaridade que os homens. Esta mesma pesquisa demonstra que em 2003 as mulheres ganhavam 70.8% do salário dos homens para 72.3% em 2009 um acréscimo de 1,5% em sete anos. Durante os anos do nosso primeiro governo tivemos um avanço de, em média 0.25% anual. Mantidas as mesmas condições levaremos mais cento e vinte e nove anos para que as mulheres conquistem a igualdade salarial com os homens no Brasil. Completando este quadro temos mais dados: a cada quinze segundos uma mulher é vitima de violência, ela se somará as outras quase sete milhões de brasileiras que já foram espancadas. Sobre o direito dos homossexuais, desde 2009 é feita no SUS a mudança de sexo masculino para o feminino e agora em 2011 foi iniciada a primeira mudança de sexo feminino para masculino. Mesmo assim em média a cada 36 horas um gay é assassinado no Brasil, foram 260 em 2010, nos três primeiros meses de 2011 foram 65 assassinatos; A cada três minutos uma pessoa LGBT é Vitima de descriminação; Entre 1980 e 2005, 2.511 homossexuais foram assinados no Brasil, destes 72% eram gays e 25% travestis; 40% dos alunos das escolas Brasileiras consideram a homossexualidade uma doença; 70% dos LGBT já sofreram algum tipo de descriminação e 60% algum tipo de violência pelo fato de ser gay; O Brasil é o campeão da violência homofóbica nas Américas, seguido pelo México e Estados Unidos; 95% dos travestis brasileiros trabalham na prostituição. Não existe no Brasil nenhuma legislação que garanta os direitos dos homossexuais e proteja esta comunidade dos constantes ataques a sua cidadania. O reconhecimento da União Civil de pessoas do mesmo sexo feita pelo STF, apesar de garantir um arcabouço jurídico para a defesa dos direitos dos gays, não configura, por si só uma legislação, a homofobia não é considerada crime e dezenas de direitos civis continuam negados aos casais do mesmo sexo. Não existe até hoje no nosso país nenhum caso de julgamento e condenação por prática da homofobia. A certeza da impunidade incentiva que a pratica continue avançando de forma violenta. Este tipo de crime aumentou 113% nos últimos cinco anos. Ao mesmo tempo iniciativas como o PLC 122
1º CONGRESSO DA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA
que tipifica o crime de homofobia e o kit de conscientização nas escolas, estão paralisados pela ação do lobby conservador, principalmente o religioso, que inclui setores do próprio PT. Para a comunidade negra, o diagnóstico é muito parecido. Segundo o último censo do IBGE, 50,74% da população se declara preta ou parda. O IPEA, analisando o censo, concluiu que os/as negros/ as ganham em média apenas 53% do que ganham os brancos e que apenas em 2040 poderemos chegar equiparação da média de renda entre as duas etnias. Mesmo assim isto só será possível se além das politicas universais, aprofundarmos as politicas de ação afirmativa como as cotas. Estas mesmas cotas que até hoje apesar da luta incansável dos movimentos negros, não se consolidaram enquanto leis, o estatuto da igualdade racial foi aprovado no ano passado com a retirada da politica de cotas nas Universidades e no mercado de trabalho. As ações afirmativas continuam sendo aplicadas como um beneplácito do governo atual e até hoje não foram reconhecidas como um dever do Estado. No máximo temos alguns decretos leis que podem ser revogados a depender da correlação de forças. E neste cenário que cresce a violência contra negros/as no Brasil. Segundo o mapa da violência 2011, estudo feito pelo pesquisador Julio Jacob Waiselfisz, a cada três assassinatos dois são de negros/as. Em 2008, morreram 103% mais negros/as que brancos/as. Dez anos antes a diferença era de 20%. O número de assassinatos de brancos/as vem caindo o de negros/as continua a subir. De 2005 a 2008 entre os brancos/ as as taxas caíram 22,7% enquanto entre os negros/as subiram 12,1%. O cenário é ainda pior entre os jovens. Entre os brancos/as houve uma diminuição de 30% do número de jovens assassinados/as, entre os negros/as houve um aumento de 13%. Em 2008 morriam proporcionalmente 127,6% mais jovens negros/as do que brancos/as, dez anos antes a diferença era de 39%. Em alguns estados do Brasil existe um extermínio da Juventude negra. Ainda falando de juventude, segundo o IPEA, esta população atualmente é de 51 milhões de pessoas, com idade entre 15 e 29 anos. Os homicídios correspondem
a 38% das mortes juvenis, e os mesmos são 27% das vítimas fatais de acidentes de transito. Apenas 48% das pessoas entre 15 e 17 anos cursam o ensino médio e somente 13% daquelas entre 18 e 24 anos estão no ensino superior. 18% de indivíduos entre 15 e 17 anos estão fora da escola, percentual que atinge 66% entre aqueles que têm de 18 anos a 24 anos. A principal causa de abandono da escola entre os homens é o trabalho e, entre as mulheres, a gravidez precoce. O desemprego é um problema cada vez mais grave para os jovens entre 15 e 29 anos, que já respondem por 46% do total de indivíduos nesta situação no país, 50% dos ocupados entre 18 e 24 anos são assalariados/as sem carteira, porcentagem que se mantém em 30% entre os que têm de 25 a 29 anos de idade. E 31% dos indivíduos entre 15 e 29 anos podem ser considerados pobres, pois têm renda domiciliar per capita inferior a meio salário mínimo. O risco da pobreza é mais agudo para as mulheres e, também, para os negros/as que são 70% dos/as jovens pobres. Mesmo considerando que as conquistas dos últimos anos são superiores aos governos que nos antecederam ainda avançamos de forma tímida e sem consolidação nas estruturas do Estado. As profundas raízes estruturantes das desigualdades sociais são intrínsecas e necessárias à reprodução e funcionamento do sistema capitalista, tal qual ele se desenvolveu, no Brasil. Neste cenário não nos cabe fazer uma avaliação que desconsidere as contradições e os limites dos nossos governos, desconsidere a ação dos movimentos sociais ou não compreenda de quem estamos falando quando avocamos a defesa da classe trabalhadora. Muitos/as ao colocar a necessidade da luta socialista apontam para uma classe trabalhadora que não tem subjetividade, cor, sexo, orientação sexual ou idade. Não compreendem a urgente necessidade de articular as lutas dos jovens, negros/as, mulheres e homossexuais com as a necessidade de derrotar o capitalismo, a burguesia, o Estado e extinguir as classes sociais. Defendem uma revolução de poucos e bons, por isso fraca, organizada pela vanguarda do atraso, descolada dos problemas cotidianos da classe trabalhadora real.
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
TRIBUNA DE DEBATES
5
TRIBUNA DE DEBATES
1º CONGRESSO DA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
Justamente porque as nossas organizações se propõe aos objetivos mais difíceis, aos projetos mais avançados e a estratégia revolucionária é que precisamos adotar a politicas de cotas nas direções, realizar cursos de formação voltados para compreender o papel destas opressões na estrutura de acumulação do capital e de desenvolvimento do capitalismo e aprofundar o esforço de formulação que incorpore estas pautas no programa democrático e popular.
6
Ao saudar os avanços do nosso perío do de governo como prova de que já não precisamos organizar estas lutas, esquecem-se de que é justamente a luta que faz avançar, motor e conteúdo das mudanças, são as lutas que podem alterar as correlações de forças e infligir novas derrotas a burguesia ou arrancar das mesmas novas concessões. Outro aspecto deste debate é o problema do poder. Poder no sentido geral da sociedade, poder de dirigir as diversas instituições. No governo Federal temos um quadro de dificuldades, somente com a eleição de Dilma a questão da mulher, no exercício do poder, foi colocada em pauta, mesmo assim temos assistido a batalha quase que pessoal da presidenta para colocar 30% de mulheres ocupando os ministérios. Não temos nenhum jovem ou LGBT nos ministérios, e, apenas dois negros/a. O que reflete a composição excludente da elite politica brasileira. No congresso nacional esta desproporção continua na câmara de deputados, entre 513 parlamentares 40 são jovens entre 21 e 34 anos - destes 32 são de famílias tradicionais da politica. Apenas 8,5% dos parlamentares são negros, 8,7% são mulheres e apenas um é homossexual declarado. Se aplicarmos esta avaliação em outros seguimentos verificaremos que esta tendência de sub-representação continua se verificando ao mesmo tempo em que elites minoritárias, mas economicamente poderosas estão sempre super-representadas. Esta tendência só pode ser quebrada através de uma politica de intensa organização destes setores, principalmente nos partidos de esquerda e organizações populares. Mesmo estes espaços, inseridos que estão na dinâmica histórica da acumulação capitalista, também refletem em suas com-
posições politicas as mesmas reificações do conjunto da sociedade, esta situação é atenuada pelo compromisso histórico com as causas populares mesmo assim, ainda permanece uma participação desigual nas estruturas de poder e comando. O PT como novidade politica catalisou através da luta dos/as trabalhadores/as fabris urbanos/as a aspiração por emancipação de outros setores da classe trabalhadora em luta. Convergiram para o PT, as mulheres, indígenas, o movimento negro, os/as sem terra, intelectuais engajados/as e artistas. Mesmo assim, a radicalidade democrática e a novidade que foi o PT não superou a exclusão dos seguimentos minorizados nas principais estruturas de poder e comando do partido. Apenas as cotas garantem a presença de 30% de mulheres na Comissão Executiva Nacional. Mesmo assim, excetuando-se a SRI e uma vice-presidência todas as outras mulheres são vogais, ou seja, não tem função especifica na Executiva. Sem uma politica de cotas negras e negros, tem uma presença ainda menor. Já os jovens não tem nenhuma representação na CEN. A situação concreta é que no principal órgão de direção do PT o homem, adulto e branco também está super-representado chegando ao ponto deste tipo social ter ocupado todas as presidências nacionais do PT. No mesmo sentido em que proclamamos não haver socialismo, sem feminismo, sem combate ao racismo, sem combate ao sexismo e ao preconceito geracional, também é correto afirmar que no capitalismo não é possível à construção de relações igualitárias e que a superação destas desigualdades só poderá se concretizar em uma perspectiva de emancipação de toda a sociedade no socialismo.
A articulação das dimensões destas lutas passa também por resolvemos o problema do poder e dos sujeitos do poder em nossas organizações adotando politicas de cotas que abram as nossas portas para que nossos quadros oriundos destes setores façam parte do comando da politica que é conduzida em nome da classe trabalhadora. Somente as organizações da esquerda socialista dotadas de uma perspectiva estratégica de superação do capitalismo podem oferecer à estes setores o ambiente politico necessário para a incorporação do arcabouço teórico e da experiência prática no cotidiano da luta político-partidária, necessários para armar as populações excluídas de ferramentas para a disputa do poder na sociedade capitalista. Justamente porque as nossas organizações se propõe aos objetivos mais difíceis, aos projetos mais avançados e a estratégia revolucionária é que precisamos adotar a politicas de cotas nas direções, realizar cursos de formação voltados para compreender o papel destas opressões na estrutura de acumulação do capital e de desenvolvimento do capitalismo e aprofundar o esforço de formulação que incorpore estas pautas no programa democrático e popular. Por fim, precisamos passar por um processo de educação politica, para não confundir ações de governo mediadas pelos limites de correlações de forças, com o programa do partido ou mesmo com as aspirações da sociedade. Uma avaliação ufanista que reveste as ações do governo com um conteúdo emancipador que elas não têm acaba por desarmar a nossa organização, pois não podemos depositar sobre nenhum governo todas as esperanças de mudanças e avanços sociais. Isto depende fundamentalmente da correlação de forças presente em qualquer momento histórico. Além disso, este tipo de avaliação nos afasta dos movimentos legítimos da sociedade, que estão em luta por mais direitos, temos que assumir a responsabilidade de apontar os caminhos para novas conquistas. Como disse outro texto, também nesta tribuna “a nossa tarefa continua a mesma, organizar a classe trabalhadora” quem quer que ela seja e onde quer que ela esteja. *Ademário Costa é da DEAE-BA
1º CONGRESSO DA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA
TRIBUNA DE DEBATES
A coisa é crítica! Por Walter Koscianski*
Cargos e orçamentos não sedimentam saldos políticos por si, e sim o trabalho de base alicerçado em estratégias partidárias desenvolvidas com a força amplificadora dos instrumentos de estado. E quanto ao orçamento, a maior demanda de qualquer governo é ter projetos qualificados para mostrar seu impacto na sociedade e firmar sua imagem política, e se queremos ser governo é justamente para apresentar este tipo de projeto. Por outro lado ao abordar alguns mencionados avanços nas questões de gênero e discriminação Ademário coloca: “Concordo que houve de fato um avanço importante nos últimos oito anos, mas precisamos compreender que na maioria dos casos estes avanços não passam de politicas de governo ou mesmo quando são leis, ainda não temos equipamentos públicos que possam dar conta de garantir a sua efetiva aplicação.” Leis e políticas de governo são a essência da ação do estado, nos apresentamos para as eleições para o parlamento para fazer leis, e para o executivo para justamente implementar políticas de governo, se conseguimos avanços por meio de ambos, atingimos boa parte dos objetivos da ação do estado.
A bonita citação: “Inaugurar um novo período aponta para além do lugar das políticas de governo” traz em si uma significativa chamada revolucionária, de levar a transformação aos corações e mentes das pessoas, nos movimentos sociais e na sociedade, uma revolução cultural, o que para mim é verdadeiro e consequente, mas não combina com o lamento pela diminuição do espaço na estrutura de governo. Sedimentar na sociedade todo um conjunto de valores, sejam eles valores de classe, de solidariedade socialista, de igualdade entre as pessoas independente de qualquer coisa, de fraternidade humanística, não é algo que poderemos esperar apenas como fruto da limitada ação de poucos setores em pequenos núcleos de poder no estado, pois trata-se de toda a construção de uma nova hegemonia cultural. É o trabalho de algumas gerações e começa pela nossa própria revolução individual, vamos a isto, mas não vamos desconsiderar a ação na institucionalidade do estado, que normatiza e realiza exatamente o mesmo trabalho, mas com perspectiva de nação.
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
A
cerca do texto do companheiro Ademário Costa, o que mais chamou atenção foi a questão da SPM: “Ao nos deslocar para a SPM-PR, Dilma diminui o nosso tamanho, dentro do Governo, diminui a quantidade de pessoas da AE ou sobre a nossa influencia na estrutura, diminuiu a quantidade de recursos sobre o nosso controle, diminui o nosso raio de ação politica dentro do Governo Federal.” Pois a ênfase do texto original “Propondo novos rumos” e a réplica “Crítica da Crítica” é calcada nas questões de gênero, e não obstante o deslocamento da AE para a SPM-PR é vista como uma diminuição. Sublinhando ainda que a influência na estrutura de cargos e recursos no Governo Federal é a medida maior do nosso raio de ação política. Venho discordar frontalmente, nosso raio ação é medido pelas possibilidades de criação de perspectivas políticas, e para isto a base maior é o tema de foco, a área de ação da Secretaria da Pesca eram o produtor rural e o pescador da costa litorânea, denotando a limitação de escopo. Já a SPM-PR, tem foco de ação de início em 50% da população e em um governo de uma Presidenta, a qual tem todo o interesse em deixar uma marca nas políticas relativas à mulher. Ademais que se ampliarmos as questões da mulher para quando ela atua como mãe, como filha, como esposa, abordarmos a saúde da mulher e sua responsabilidade na saúde da família, sua educação e seu papel na educação dos filhos, suas necessidades políticas, seu drama como sujeita a violência endêmica e sua exposição à violência contra sua família, a mulher no trabalho e suas expectativas econômicas, e por aí vai, podemos e devemos desenvolver todas estas abordagens e aí sim teremos um espaço e perspectivas políticas de amplo espectro. Recordo há poucos meses recebemos para um evento um eminente companheiro do movimento estudantil, e comentamos exatamente isto com ele, que tivemos uma multiplicação de nosso potencial ao poder desenvolver ações políticas vinculadas com a SPM.
7
TRIBUNA DE DEBATES As questões estruturais:
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
Vou citar um dos nossos formuladores - Wladimir Pomar - “Um dos problemas da ultra-esquerda é que continua não distinguindo neoliberalismo de liberalismo. É verdade que ambas são políticas oriundas do capitalismo, do mesmo modo que o democratismo burguês. No entanto, do mesmo modo que o liberalismo foi a política de superação do democratismo burguês, o neoliberalismo é a política de superação do liberalismo. O democratismo burguês marcou a revolução burguesa, prometendo liberdade, fraternidade e igualdade para todos, enquanto o liberalismo, que o sucedeu, fincou pé na liberdade de compra e venda da força de trabalho pelo capital, na fraternidade da paz social, mesmo que com o auxílio das baionetas, e na igualdade formal das oportunidades, mesmo que a igualdade formal do sufrágio universal tivesse que ser conquistado nas barricadas. De qualquer modo, o liberalismo marcou o período de consolidação do capitalismo, no qual todos os seus ramos gozavam de liberdade, fraternidade e igualdade na concorrência do mercado.”
8
1º CONGRESSO DA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA
O Liberalismo constitui-se em uma ideologia, agora o Neoliberalismo nem isto alcança, não passa de um embuste, é um agregado pragmático de ações visando a concentração de poder e riqueza sem limites, sem ponderações, sem idealismo construtivo. E o seu resultado é a desagregação acelerada de países e sociedades. Os pressupostos do sistema podem ser notados operando no STF que é uma instituição conservadora, mas tem também uma tendência liberal, e ao mesmo tempo em que julga constitucional a lei Maria da Penha e garante uma avançada interpretação de igualdade de direitos a homossexuais, libera as manifestações e desinterdita o debate sobre maconha. Por outro lado o STF também anula grandes investigações contra a alta burguesia nacional como Satiagraha e Castelo de Areia, e por fim normatiza que não é cabível o uso de algemas para crimes de colarinho branco, isto deixa claro o que é liberalismo nos costumes e liberalismo de mercado burguês. Os dois podem conviver e é esta a organização social proposta pela corte.
O caso da Espanha, por exemplo, é recorrente, reconheceram-se minorias nacionais e regionalismos, garantiu-se por lei direitos a homossexuais inclusive para a adoção, fez-se uma forte campanha contra as agressões das mulheres por seus companheiros e que teve êxito, e ainda assim a roda do capitalismo girou e hoje acompanhamos uma forte regressão econômica e social com ataque ao sistema de bem estar social, desemprego a 20%, e mais uma vez a vitória concentradora do liberalismo, com toda a liberdade e igualdade conectada com a máquina de acumulação de capital. Ademário aborda um conceito que aprecio, de que as coisas estão imbricadas, é verdade, mas estão também hierarquizadas, e a excelência da análise política sempre estará determinada pela capacidade em visualizar um sistema com seus inter-relacionamentos e valorações. O sistema é global, e todo um grupo de grandes diretrizes do capitalismo estão sendo implantados em cada um dos países do mundo, inclusive e fortemente no Brasil, citamos uma parte delas: •
Respeito absoluto a propriedade e aos contratos
•
Reforço e respeito ao sistema de patentes e direitos autorais
•
Garantia total a dívidas e acordos financeiros
•
Liberdade de fluxos de capitais, financeirização aprofundada, concentração primária de benefícios no sistema financeiro.
•
Proteção e garantia a investimentos estrangeiros, inclusive por sobre as leis do país
•
Deslocalização e desnacionalização de capitais, transnacionalização de empresas,
•
Dissolução da propriedade empresarial no mercado de ações
•
- Manutenção de paraísos fiscais e isenções tributárias as corporações
•
Acordos de regulação de comércio internacional com foco liberalizante
•
Bancos Centrais totalmente independentes como BCEuropeu, ou independentes e “privatizados” como o FED dos EUA
TRIBUNA DE DEBATES
1º CONGRESSO DA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA
•
Controle da emissão de moeda via dívida governamental e endividamento público acentuado.
•
Instituição de agências reguladoras independentes e seqüestradas pelo mercado e auto-regulamentação de setores econômicos
•
Liberdade de cartel e monopólio privados, fusões e consolidações empresariais.
•
Democracia representativa, com abolição de qualquer espaço de democracia direta.
•
Ação governamental restrita e com ênfase na proteção e privilégios a setores privados e a estatização de prejuízos
•
Abolição do conceito de setores estratégicos ou exclusivos de propriedade públicos
•
Privatização completa de serviços públicos, desmonte do estado de bem estar social
•
Liberdade corporativa de imprensa, mídia privada e interconectada
•
Controle da internet e da expressão pública
•
Erradicação do pleno emprego, rebaixamento de benefícios sociais, uniformização global de custos salariais, mobilidade de mão de obra.
•
Transgenia patenteada na totalidade da produção agropecuária
•
Medicina focada na doença e mediada pela tecnologia
•
Educação privada e endividamento acentuado para os cursandos de universidades
•
Desmonte do sindicalismo, alienação e desmobilização social.
•
Regulação, controle e tributação de emissões de carbono, pois toda a atividade humana ou econômica gera carbono, o resultado político disto é que quem regula a emissão controla tudo, todo ciclo econômico e a própria vida.
O maior segmento destas diretrizes são tradicionalmente liberais, mas algumas são de perfil neoliberal. A lógica do conjunto é o de afastar dos governos nacionais e dos sistemas legais a gestão e controle do processo econômico. Passando pela a eliminação das próprias salvaguardas liberais contra as deformações do mercado como o cartel. Condiciona a lógica política com o aprofundamento do déficit democrático e o rebaixamento dos estados nacionais com a consolidação da supremacia das corporações privadas transnacionais. Todas e cada uma destas diretrizes têm sido introduzidas em nosso país, e tem-se avançado no seu aprofundamento, estamos perdendo, piorando e regredindo na maior parte delas, o governo Lula não fez mais que diminuir a velocidade em alguns pontos, em outros até aumentou. Recordemos que o modelo de capitalismo segregacionista e aristocrático foi dominante até a Segunda Guerra Mundial, e foi levado ao extremo pelo nazi-fascismo europeu e o império japonês, mas foi derrotado, quem se impôs foi a estratégia do capitalismo liberal. O racismo ainda perdura e faz parte do sistema econômico e social da maior parte do mundo e do nosso país. O sistema mundial é perigoso e agressivo, e quando centro hegemônico do capitalismo “EUA e o consórcio Europeu” não conseguem a conversão das elites ou burguesias locais como ocorreu no Brasil na era Collor e FHC, parte-se para o ataque direto com ação em processos eleitorais como no México, até formas mais incisiva como as “revoluções coloridas” na Ucrânia, o apoio e reconhecimento a golpes de estado (Honduras), desencadeamento de guerras civis e a desagregação de países como na Iugoslávia, a ação militar em suporte a facções como no Afeganistão e agora na Líbia, ou a invasão direta como no Iraque. Este processo agressivo de expansão vem desde a Guerra Fria, e aprofundou-se depois da dissolução da URSS, agora é pau puro.
O lugar do segregacionismo, do racismo, da discriminação, o ataque a questões de costumes, também são dados culturais, enraizados no sistema de classes histórico e usados pesadamente no jogo político, haja vista a última eleição presidencial. Mas o segregacionismo não está no centro dos elementos estruturais do sistema. O capitalismo avança com liberdade de costumes e igualdade de cidadania, mantendo-se o regime de propriedade e concentração de rendas e poder. Podemos ser todos irmãos, mas com o conjunto de regras de organização dos mercados mencionadas anteriormente vão continuar a operar a concentração de riqueza e poder na mão do núcleo sempre mais reduzido de beneficiários do sistema. As questões de gênero, raça e etnia são fundamentais na evolução de nosso país e tem forte impacto na vida de milhões de pessoas, temos um bom caminho a percorrer e vamos continuar a fazer boa política sobre isto, mas lembro que são justamente nestes temas que temos tido avanços na sociedade, em comparação com a regressão que experimentamos em quase todos os demais componentes do sistema capitalista. Vamos olhar em perspectiva, como citamos a II Guerra como ponto de inflexão, visualizemos como era nossa sociedade em 1950. De lá para cá as questões de gênero, raça, etnia e costumes tiveram um avanço notável, agora o capitalismo amainou? A meu ver aprofundou, sofisticou e entrelaçou-se em um emaranhado do tamanho do mundo. Tendo por base o impacto dos parâmetros de ação do capitalismo global e ainda percebendo uma limitada ênfase das esquerdas na confrontação daqueles princípios condutores da estratégia liberal/neoliberal, que são muito reais e objetivos, tendo a crer que é de pouca conseqüência a instituição de cotas sociais na direção da Tendência. *Walter Koscianski é militante da AE-PR
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
As questões de gênero, raça e etnia são fundamentais na evolução de nosso país e tem forte impacto na vida de milhões de pessoas, temos um bom caminho a percorrer e vamos continuar a fazer boa política sobre isto, mas lembro que são justamente nestes temas que temos tido avanços na sociedade, em comparação com a regressão que experimentamos em quase todos os demais componentes do sistema capitalista.
9
TRIBUNA DE DEBATES
1º CONGRESSO DA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA
Rompendo as amarras: por um Programa de Esquerda para o PT Por Cristiano Camara*
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
P
10
enso que o primeiro Congresso da Articulação de Esquerda representa, acima de tudo, um verdadeiro reencontro com a nossa história. Não acredito que um debate rebaixado, bairrista e desqualificado consiga dar conta dos reais desafios que estão colocados. Por ocasião desse I Congresso visualizo dois questionamentos preliminares: um é quanto ao nosso sentido histórico e o propósito de reafirmar nossos espaços de discussão, a nossa democracia interna e superar de forma sadia (e na política) qualquer fragmentação que enfraqueça e distancie a militância; o outro está diretamente relacionado ao nosso entendimento de partido e o que de fato estamos propondo ao Partido dos Trabalhadores. Tenho acordo de que o debate quanto a nossa permanência ou não no PT não está colocado nesse momento. Mas também tenho acordo quanto à necessidade de qualificar e fortalecer o tensionamento no interior do partido por um programa radical e de esquerda, arraigado numa profunda e leal relação com o povo trabalhador. O último período provou a nós todos que somente seremos fortes e persuasivos nos rumos do PT, se as nossas opções estiverem justificadas na organização popular. Ao contrário continuaremos marginalizados no interior do partido ou fadados a aderir a essa política decadente que corrompeu boa parte das forças internas do PT ou, na pior das hipóteses, nos transformaremos em apêndice de mandatos – um verdadeiro “salve-se quem puder”, literalmente a mando desse ou daquele deputado. O debate de programa e estratégia é muito bem vindo no primeiro Congresso da Articulação de Esquerda. Recolocar a discussão do socialismo e combater as contradições internas do PT são os principais elementos que nos desafiam. O surgimento da Articulação de Esquerda em 1993 denunciava o novo momento do partido. Falava-se que diante dos impasses políticos e teóricos que comprometiam diretamente o programa, o PT estaria obrigado, não obstante, a uma opção. Inevitavelmente o programa de esquerda sucumbiu.
A maioria do Partido, totalmente desprovida de autocrítica, aceitou patrocinar um programa moderado, atraindo para o campo de alianças setores, que na prática, são dissidentes do neoliberalismo. Desconsiderou que atuar no campo de classe do inimigo, no regime democrático burguês, sem um lastro nos movimentos sociais organizados e calcado num claro projeto socialista, não se faz impunemente. O governo Lula tentou manter até o último segundo a aparência de que o Brasil estava blindado em relação à conjuntura internacional e que internamente estávamos no rumo certo. O crescimento relativamente forte dos últimos anos era um dos principais fatores para o apoio sólido e incondicional ao governo. Porém transcorrido oito anos, não é possível visualizar uma transformação real na sociedade, visto que as prioridades ainda são as mesmas. No campo, uma Reforma Agrária lenta e infinita. Na Cidade, um programa habitacional, “Minha casa, minha vida”, que não deu conta do debate da Reforma Urbana. Seguiu-se a lógica de criar condições para gerar grandes lucros para as construtoras que se esbaldaram no jogo de oferecer mais a quem já tem mais. Na Educação, um programa de universalização do ensino superior, “PROUNI”, que não discute com profundidade a Universidade Pública. A AE não pode aceitar com naturalidade que um partido que forjou na organização popular o direito de se colocar como alternativa de poder e de governo, se consuma numa tática simplista e conciliatória que na prática inviabiliza as grandes transformações sociais apontadas na sua carta de fundação. A Articulação de Esquerda, está pagando um preço muito caro por ousar existir num contexto tão adverso para as lutas dos trabalhadores na perspectiva do socialismo. A maioria da forças internas admite que os tempos são outros e é consenso que não vivemos um período pré revolucionário. Inclusive, nós, consideramos que não há revolução num período de estabilidade econômica. Mas como superar isso, sem render um giro à direita ou migrar, por osmose, ao centro?
As dificuldades enfrentadas pelo movimento de massas estão exercendo uma enorme pressão, nos empurrando, quase que de maneira natural, para um caminho que privilegia a luta institucional, a disputa eleitoral, em detrimento da intervenção direta nas lutas. E AE está sofrendo isso de maneira muito particular. Mas qual é a saída? Reconhecer de forma factível que os ajustes que o Governo LULA promoveu na sociedade brasileira é tudo que se podia oferecer naquele momento? Ou que o recuo da Presidenta Dilma diante de impasses importantes como foi o caso do kit anti-homofobia, apenas faz parte do Jogo? Se adaptar de forma irresponsável e acrítica? São estes os questionamentos que setores que defendem a inauguração de um novo período na AE não conseguem responder. Cabe a cada um de nós, militantes da AE, fazer uma profunda reflexão em relação aos desafios que estão colocados. Mais ainda, um grande debate quanto às opções que estão dentro da AE nesse momento. Disso depende a nossa capacidade de estar constituindo, na condição de protagonistas, um novo Campo de Esquerda no PT com olhos fitos, é claro, a esse “novo momento”. Cientes de que chegamos ao Governo, mas ainda estamos muito longe de chegar ao poder. E que este aparente “mar-de-rosas” não é infinito. Agora, fazer essa reflexão, aprofundar esse debate pressupõe reconhecer tudo que acumulamos coletivamente. Não dá para ignorar o patrimônio político ou apenas qualificá-lo como dogmático, engessado, ultrapassado ou coisa do gênero. O desafio está em como construir a partir das experiências e não como ousar novas experiências. Alçar vôo sem destino, sem expectativa de retorno, ou simplesmente pagar pra ver. Bom debate a todos! * Cristiano Camara é do setorial LGBT-PT/RS – Juventude do Mov. Nacional de Luta pela Moradia
1º CONGRESSO DA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA
TRIBUNA DE DEBATES
Cadê a juventude? Por Tatiany Volker e Wanderson Mansur*
E
Se a atual democracia representativa e seus partidos políticos não oferece na prática uma participação mais efetiva e democrática a juventude, a web proporciona. E com interatividade, ludicidade, lazer e protagonismo. um modo de participação mais direta, horizontal, menos hierarquizada e que demande menor tempo de envolvimento. Além do paradoxo entre o programa institucional e o fazer política, já que os partidos muitas vezes prometem uma coisa e fazem outra. Outro ponto que dificulta a filiação é a dificuldade em atingir as “estruturas de decisão” das legendas, diz Carrano. Além disso, o estudioso lembra que os jovens nem sempre têm apenas uma bandeira a defender, o que torna ainda mais difícil encontrar um partido que reúna tudo o que eles procuram. O “desinteresse“ da juventude em fazer política via partido tem aumentado nos últimos quatro anos, segundo dados do TSE. Em 2007, dos 11,6 milhões de eleitores filiados a partidos, 552,7 mil tinham idades entre 16 e 24 anos (4,5% do total). Já em 2011, entre 13,9 milhões de agremiados, apenas 442,1 mil declararam pertencer a essa faixa etária (3,1% do total) - os números, porém, podem variar, já que alguns eleitores deixaram de informar suas idades. O que esses dados têm a nos dizer? Se a juventude tem participado da vida política, mas não tem feito isso via partidos, como tem sido essa atuação? A resposta pode estar na internet. Para Gabriel Milanez, sociólogo e pesquisador da Box, a internet tem se
apresentado como uma alternativa para se fazer política. “Os jovens estão trocando partidos políticos por outras formas de atuação política. Não apenas uma, mas várias formas ao mesmo tempo. E a internet aparece como a principal delas”, afirma. De acordo com o estudo, 71% dos entrevistados consideram que a mobilização via web é um jeito de fazer política e que ela facilita o engajamento “independente”. Se a atual democracia representativa e seus partidos políticos não oferece na prática uma participação mais efetiva e democrática a juventude, a web proporciona. E com interatividade, ludicidade, lazer e protagonismo. De acordo com Marcelo Branco, professor e ex-coordenador da Campus Party Brasil, em “Partidos, juventude e os movimentos sociais da internet”, o que está surgindo e se intensificando a todo vapor são os chamados movimentos sociais em rede, “pós-internet”. Esses movimentos baseados numa perspectiva de engajamento coletivo, se orientam a partir de uma outra lógica, que garante uma atuação mais participativa, dinâmica e democrática. Os jovens, “nativos digitais” da sociedade em rede, que integram esses movimentos, são indivíduos conectados em rede, que manifestam livremente suas opiniões e se articulam em ações coletivas sem a intermediação de nenhuma organização.
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
m 2008 celebramos 40 anos de revolução jovem, que varreu o mundo, agitou multidões, alterou valores, mudou hábitos e costumes, bradou gritos por liberdade, diversidade e direitos civis. Os jovens de hoje, herdeiros desse processo de acúmulo histórico que vem garantindo a construção da democracia, tem experimentado nos últimos anos um forte sentimento de descrédito, por serem considerados “despolitizados” e despreocupados com os rumos do país e da sociedade. Essa é uma visão saudosista que permeia o imaginário daqueles que viveram a experiência de enfrentamento com o regime de ditadura, participaram de grandes mobilizações populares, ajudaram a constituir partidos políticos, sindicatos e movimentos sociais; e que resistem em reconhecer outras formas de mobilizações e engajamentos sociais, diferentes dos modelos tradicionais de organização política. Será que podemos afirmar que a juventude não tem participado da vida política de seu país, estado ou cidade? De acordo com o estudo recente “Sonho Brasileiro” sobre juventude e participação política, realizada pela agência BOX1824 e Instituto DataFolha, com cerca de 3.000 pessoas de 18 a 24 anos em 23 Estados, a juventude não só se interessa como participa ativamente da política. Do total de entrevistados, 59% dizem não ter preferência por um partido, embora a maioria dos jovens demonstre preocupação com causas coletivas. Segundo a pesquisa, os jovens também partilham da opinião de que a maior parte dos políticos se afastou das bandeiras coletivas para correr atrás de seus interesses pessoais. Além disso, 83% - ou 8 em cada 10 jovens - disseram que os problemas mais graves do Brasil estão diretamente ligados à concentração de poder nas mãos de poucos. Paulo Carrano, coordenador do Observatório Jovem, grupo de pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF), considera que os jovens têm mais facilidade de se vincular a causas e idéias do que a partidos e organizações mais institucionalizadas. Isso se deve ao fato deles procurarem
11
TRIBUNA DE DEBATES
1º CONGRESSO DA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA
Izaias Buson/Flickr
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
#protestosemvitoria
12
Exemplo do poder de mobilização desse novo modelo de articulação foi o #protestoemvitoria, ocorrido na capital do Espírito Santo, nesse mês de junho. Depois de forte repressão por parte do Governo do Estado a uma manifestação de estudantes contra o preço das tarifas de transporte coletivo, os jovens se valeram da web, por meio das redes sociais para mobilizar e fortalecer o movimento. Um protesto de cerca de 40 estudantes parou a cidade por 6 horas e foi duramente reprimido pelo Batalhão de Missões Especiais (BME), na manhã do dia 06 de junho. A repressão da polícia ao movimento, que chegou a lançar bombas dentro do campus da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) transformaria as dezenas de estudantes em uma multidão de manifestantes que ganhou as ruas da capital horas depois. Bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha, spray de pimenta, todo o aparato de repressão do estado foi colocado em ação na tentativa de desmobilizar e desencorajar o movimento, mas a iniciativa fracassou. Quanto maior a repressão ultilizada, mais crescia o número de manifestantes nas ruas, e como se não bastasse, tornaram-se milhares no dia seguinte. A caçada promovida pelas forças policiais aos estudantes pela cidade nesse dia fatídico foi acompanhada pelas principais redes de TV e rádio do estado e tiveram cobertura especial dos próprios manifestantes, que numa perspectiva bem subjetiva e autoral registravam as cenas de violência, prisões e depoimentos, em textos, vídeos, fotos e transmissões ao vivo via celular, os quais eram instantaneamente postados no Flickr, YouTube, Facebook e Twitter. Durante todo o dia foi possível acompanhar em tempo real todos os acontencimentos via redes sociais. Eram cerca de mil jovens nas ruas no final da tarde de quinta-feira (02/06) e mais mil conectados nas transmissões ao vivo feitas pelos celulares dos próprios manifestantes. A hashtag #protestoemvitoria chegou a figurar no topictrendings Brasil como assunto mais comentado do Twitter. Centenas de vídeos foram postados no YouTube com imagens das atrocidades e truculências cometidas pela força policial contra os estudantes. Além dos vídeos factuais feitos no calor dos acontecimentos a política se uniu a cultura e a criatividade floresceu na rede.
Protesto de estudantes contra o aumento da passagem em Vitória (ES). 02/06/2011
No mesmo dia já era possível acessar vídeos de músicas feitos pelos jovens narrando de maneira bem divertida e inteligente o caos vivido na cidade. Vale aqui destacar, o vídeo feito em homenagem a banda mais bonita da cidade - um outro sucesso da internet - para parodiar uma crítica ao governador e a situação insustentável de subida anual das tarifas. Outro vídeo criativo que surgiu nas redes, foi uma montagem feita a partir do comunicado oficial do governo do estado em justificativa ao uso da força contra os manifestantes. O áudio original foi mantido e acrescentado imagens das agressões policiais, com o objetivo de contrapor os argumentos apresentados pelo governo aos capixabas. O resultado foi a clara contradição entre o discurso e a prática no tratamento aos movimentos sociais. Além dos perfis oficiais do “Protesto GV” no Orkut e no Facebook, ambos com mais de 1 mil integrantes cada, as notícias, fotos e vídeos se viralizavam pela rede em perfis de pessoas que acompanhavam o desenrolar dos fatos, apoiavam a iniciativa dos manifestantes e contribuíam para que as informações se tornassem cada vez mais públicas e aumentassem mais e mais o número de adeptos aos protestos. Nessas plataformas também eram convocadas as assembléias que definiam os rumos do movimento. Na sexta-feira dia 03, cerca de 5 mil jovens foram às ruas protestar não mais contra o preço abusivo das tarifas do transporte coletivo da Grande Vitória, mas con-
tra a repressão aos movimentos sociais e às mobilizações populares. Diferente de épocas anteriores quando se pensava em movimento estudantil e logo se associava à suas instituições representativas, que por sinal desempenharam papel histórico importante no Brasil, tais como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), entre outras; esse movimento juvenil se caracteriza de forma muito mais plural e diversificada, não se restringindo à jovens militantes partidários ou de entidades estudantis, mas integrantes de ONG´s, projetos sócio-culturais e ambientais, artistas, esportistas, negros, LGBT´s, oriundos de classe média e periferia, estudantes de escolas particulares e públicas, universitários, anarquistas, desempregados e trabalhadores... As instituições foram renegadas ao papel de coadjuvantes nesse processo; as redes e a descentralidade, bem como a horizontalidade nas decisões, tiveram papel preponderante. Muitos jovens, liderando a si mesmos, estavam experimentando pela primeira vez uma vivência política de rua, com cartazes, apitos e caras-pintadas. As palavras de ordem, emitidas pelos sobreviventes das legendas partidárias, soavam baixo, sem eco e seguidores. É a multidão em sua diversidade, experimentando a construção de um sentimento comum de solidariedade aos violentados pela ordem e pelo Estado. *Tatiany Volker e Wanderson Mansur são militantes do ES
1º CONGRESSO DA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA
TRIBUNA DE DEBATES
Anteprojeto de resolução ao Congresso da AE Adilson Santos, Adriano Oliveira, Alessandro Claudino de Oliveira, Alexandre Sena, Antonio Fernando Souza, Aylton Afonso, Benedito Rosa da Silva, Camila Leite de Souza, Celso Andreon, Cláudia Regina Gozzi, Cledson Felipe,Tião Ribeiro, Cloves de Castro, Conceição Oliveira Sobrinho, Cristiano Cabral, Damarci Olivi, Davi Lourenço, Dilcéia Dias, Dirce Gonzaga de Arruda, Edma Walker, Edson Pistori, Eleandra Raquel Silva Koch, Elias Ishy, Elisvaldo da Silva Almeida, Elivelton Siqueira, Emílio Font, Expedito Solaney, Fábio Balbino, Fábio Veiga, Fátima Dutra, Geraldo Alves Henrique, Getulio Latorraca, Gilberto Paixão, Gilmar, Gino Genaro, Giucelia Figueiredo, Iole Ilíada, Irene dos Santos, Isaias Dias, Ivo Augusto de Abreu Pugnaloni, Jair Francisco dos Santos, Jairo Rocha, Jandyra Uehara, Joana D’Arc Soares Fernandes, João Batista Pires de Oliveira, João Tavares Junior, José Baioco, José Luiz Rodrigues, Juliano Camilo Pereira da Silva, Júlio Cezar Soares, Laudicéia Schuaba, Leandro Eliel, Leonardo Rodrigues, Lício Lobo, Lienir Tosta das Neves, Lurdinha Vasconcelos, Madson Amorin de Barros, Magno pires (ES), Marcel Frison, Marcelo Mascarenha, Marcos Falco, Marina de Moraes, Mario Candido, Maristela Monteiro Pereira, Martin Covre, Múcio Magalhães, Natal Ortega, Nayara Oliveira, Odilon Lima, Pedro Sérgio, Pere Petit, Regiane Cerminaro, Ricardo Menezes, Ricardo Pereira, Roberto Nery Junior, Rodrigo César, Rosalinda Oliveira, Rosana Ramos, Rubens Alves, Rubens Martins, Salete Henrique de Oliveira, Sérgio Vilela, Silvio Lírio, Soraya Zanforlin, Tadeu Brito, Tania Maria Silveira, Telmo Lopes Sodré, Valter Pomar, Vilson Messias Aguiar
Apresentação
O
texto que segue é um anteprojeto de resolução para debate nos congressos estaduais da Articulação de Esquerda. Pretendemos inscrevê-lo oficialmente, como projeto de resolução para o Congresso Nacional, na data limite prevista no regulamento, ou seja, no dia 25 de julho. Até lá, esperamos que este texto seja enriquecido pelas contribuições dos/as militantes da AE que compartilhem das posições básicas nele expressas. Os que desejarem fazer emendas e outras observações ao texto, pedimos que utilizem os seguintes correios: pomar.valter@ gmail.com ou rubens.alvess@yahoo.com. br ou iole.iliada@gmail.com Como é um texto em processo de elaboração, há temas que ainda não foram tratados e há algumas abordagens que ainda estão em discussão entre os próprios signatários. A versão abaixo foi concluída no dia 4 de julho e inclui várias emendas. Outras emendas serão incorporadas na próxima versão.
Este anteprojeto de resolução, que ainda está em processo de elaboração, aborda todos os pontos da pauta do Congresso: I. Balanço do período; II. Estratégia e programa; III. Conjuntura e tática; IV. Construção do PT e da AE; V. Eleição da nova direção nacional e da comissão de ética.
Capítulo I: Balanço do período A história do Partido dos Trabalhadores, desde sua fundação em 1980 até hoje, pode ser dividida em três grandes períodos: *1980-1989, a luta contra a ditadura militar e contra a “transição conservadora para a democracia”; *1990-2002, a oposição aos governos neoliberais; *2003-2011, governando o Brasil. No primeiro período (1980-1989), o Partido dos Trabalhadores experimentou três grandes modificações: a) tornou-se o principal partido da esquerda brasileira; b) de partido-frente, no interior do qual atuavam diversos “partidos clandestinos”, tornou-se
um partido com tendências internas; c) de partido centrado na luta social, tornou-se alternativa eleitoral de governo. No segundo período (1990-2002), o PT sofreu os efeitos combinados da crise do socialismo real e da ofensiva neoliberal no Brasil. Ocorre um refluxo nas lutas sociais, mas ao mesmo tempo fica evidente que acumular eleitoral e institucionalmente, inclusive conquistando a Presidência da República, era um objetivo factível. No terceiro período (203-2011), o Partido dos Trabalhadores torna-se o principal integrante de uma coalizão política composta por partidos de esquerda, centro e direita; coalizão que expressa uma aliança social entre frações de três grandes classes sociais: os trabalhadores, a pequena burguesia e a grande burguesia. Neste terceiro período, o PT sofre os efeitos ideológicos, políticos, organizativos e sociológicos decorrentes da condição de partido de governo; num país marcado pela influência do neoliberalismo, do desenvolvimentismo conservador, da desigualdade social, da dependência externa e da falta de democracia; e numa época histórica caracterizada pela mais ampla hegemonia do capitalismo e pela defensiva estratégica do socialismo. Este é o pano de fundo das disputas políticas que o PT trava na sociedade brasileira.
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
O 1º Congresso da Articulação de Esquerda (AE) começou nos congressos de base, terá prosseguimento nos congressos estaduais e se concluirá na plenária final, marcada para os dias 29, 30 e 31 de julho de 2011, na cidade de Brasília.
13
TRIBUNA DE DEBATES Este é, também, o pano de fundo da luta entre as diferentes tendências petistas, entre as quais a nossa tendência, a Articulação de Esquerda. Nossos desafios A Articulação de Esquerda luta por um Partido dos Trabalhadores democrático, socialista e revolucionário. As resoluções da X (2008) e da XI (2009) Conferências Nacionais da AE resumiram assim nossos principais desafios programáticos:
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
O primeiro deles é lutar pela democratização profunda de nossa sociedade. Isto significa muito mais do que a simples realização de eleições periódicas, pois se trata de buscar transformações que exigem um combate sem tréguas a privilégios, desigualdades e discriminações fundamente enraizados. O Brasil do século 21, em que pesem os recentes avanços democratizantes, ainda possui 14 milhões de analfabetos; convive com trabalho escravo e trabalho infantil; com a criminalização da pobreza; com a miséria das nações indígenas remanescentes; com altos índices de violência urbana, que resulta em cerca de 40 mil homicídios por ano, e rural, contra camponeses pobres. O Sistema Único de Saúde é uma conquista notável, mas a imensa maioria dos que recorrem a ele percorre uma via crucis para obter atendimento.
14
Os remanescentes da Ditadura Militar e os seus herdeiros políticos continuam bloqueando a apuração dos crimes do período, sendo o Brasil a única nação americana a não haver ainda iniciado o processo de julgamento dos agentes militares e civis responsáveis por sequestros, torturas aplicadas a milhares de presos políticos, e assassinato de mais de 400 opositores do regime iniciado em 1964. Os arquivos da Ditadura Militar permanecem fechados. Milhares de soldados rasos e militares de baixa patente que se opuseram ao golpe, e foram perseguidos, encontram-se ainda hoje em situação de penúria e não puderam readquirir os direitos perdidos. O sistema político existente no Brasil, bem como na maioria dos países de nosso continente, segue produzindo enormes distor-
ções, suscetível a todo tipo de manipulação por parte da burguesia e dos partidos conservadores. O controle social sobre a atividade política e estatal é extremamente reduzido. Para a maioria da população, sobra apenas o direito de votar para eleger periodicamente seus "representantes". Os meios de comunicação, geralmente em mãos de grupos empresariais privados, interferem de maneira explícita em favor dos interesses capitalistas. O segundo desafio é ampliar o alcance e a qualidade das políticas sociais públicas, inclusive criando novos direitos sociais. Antes da onda neoliberal, no Brasil e na maior parte do Continente, a cobertura do Estado em áreas como saúde e educação já era bastante reduzida. O neoliberalismo piorou ainda mais a situação, fazendo com que vários destes serviços fossem acessíveis apenas através do mercado. Agora estamos diante do desafio de garantir, além do direito pleno à saúde, educação e alimentação, outros direitos básicos, como o acesso à eletricidade, telecomunicações, saneamento básico, habitação, transporte público, à cultura e ao lazer como direitos universais. Sem esquecer do direito à informação e à comunicação, como tem ficado cada vez mais claro nos últimos anos, na medida mesmo em que o oligopólio midiático, encabeçado por grupos como Globo, Abril, Folha e outros, arvorou-se em principal partido político de oposição aos governos Lula e Dilma e às reformas estruturais capazes de desmantelar o apartheid econômico, social, político e cultural ainda vigente no Brasil. O terceiro desafio consiste na realização de reformas estruturais, que alterem a matriz social e econômica de nossas sociedades. A reforma agrária e a reforma urbana são objetivos essenciais. O latifúndio modernizou-se e segue funcional na lógica do capitalismo brasileiro, cada vez mais agressivo ao meio ambiente e às condições de vida dos trabalhadores rurais, e sempre que possível recorre ao assassinato dos seus opositores e até de agentes estatais. Nas cidades, onde vivem 80% da população brasileira, convivem a violência urbana e o apartheid social. A especulação imobiliária alavancada pelo capital agrava as condições de vida
e o caos nas metrópoles e grandes cidades. São necessárias reformas radicais na ocupação espacial, para eliminar as situações de risco ambiental. Há a necessidade de aumento expressivo das áreas verdes nas cidades, alteração da matriz de transportes, priorização do transporte público de massas. No campo, trata-se de lutar pela garantia dos direitos das comunidades e povos tradicionais da água e da floresta.A combinação das reformas agrária e urbana deve dar conta de começar a enfrentar estes problemas. O quarto desafio é a criação de um modelo econômico alternativo, que combine capacidade de crescimento, inovação, geração de emprego e renda, redistribuição de renda e riqueza. Estes objetivos, no atual estágio da economia internacional e nos marcos da correlação de forças vigente, exigem que se trabalhe em escala continental. O desenvolvimento da capacidade de produzir bens e serviços deve ter como objetivo central a satisfação das necessidades básicas de cada país, para elevar gradualmente seu nível de vida e, ao mesmo tempo, apoiar a capacidade de exportação, gerando assim os recursos necessários para a complementação das necessidades nacionais. Devemos fortalecer nosso mercado interno, garantindo a existência de soberania alimentar, de uma política industrial, de uma rede de pequenas e médias empresas, de uma política de ciência e tecnologia, bem como de proteção à cultura, educação e comunicação nacionais. O quinto desafio é combinar a soberania nacional com a cooperação entre os distintos povos e países que abracem nosso projeto de integração continental. Desafio ainda maior se recordarmos que cada um dos países latino-americanos e caribenhos possui histórias particulares e correlações de força específicas, às quais correspondem estratégias e programas também diferenciados. A integração entre as economias latino-americanas exige, para além de projetos de infra-estrutura e compatibilização legislativa, a integração de políticas econômicas e de um sistema de financiamento e crédito alternativo ao que hoje é dominante. O sexto desafio é enfrentar a imensa desigualdade de gênero, a desigualdade racial, a homofobia e todas as formas de preconceito e discriminação. É preciso trabalhar
TRIBUNA DE DEBATES
O sétimo desafio diz respeito à realidade da juventude. A população jovem nunca foi tão grande na América Latina e no Brasil. Os anos neoliberais foram especialmente cruéis com os jovens, resultando no agravamento da dificuldade de acesso à educação, saúde, emprego, à cultura, ao lazer e ao esporte. No Brasil, apenas 3 em cada 10 jovens têm acesso ao ensino médio. Este cenário agrava-se ainda mais com a ausência de perspectivas de trabalho, pois também os jovens são os mais atingidos pelo desemprego. A exclusão social associada à crescente e permanente difusão do individualismo, do consumismo, da futilidade e do autoritarismo é uma combinação explosiva. Várias instituições têm divulgado pesquisas mostrando que as principais vítimas da violência no Brasil são crianças, adolescentes e jovens. Hoje 70% da população carcerária brasileira é constituída por jovens entre 18 e 28 anos, demonstrando que as punições previstas aos adultos não inibem os jovens. A violência só diminuirá com um ataque profundo às suas causas, com a construção rápida e massiva de políticas que assegurem condições mínimas de vida para a juventude e, simultaneamente, proporcionem o acesso a uma formação integral. Sem isso, não se formará uma geração capaz de dar continuidade aos avanços sociais e econômicos que o país necessita. O oitavo desafio é deter o processo de destruição do meio-ambiente, a começar pelos recursos não-renováveis. Também por isto, a base produtiva de bens e serviços de cada um dos países, assim como as fontes fundamentais de energias e matérias-primas, devem estar sob controle direto ou indireto dos Estados e nações, e não a serviço das empresas multinacionais.
Estes oito desafios estão entrelaçados. Não haverá democracia substantiva, sem um desenvolvimento e soberania de novo tipo. Não haverá um desenvolvimento de novo tipo, sem democracia e soberania efetivas. Não haverá uma soberania efetiva, sem democracia e desenvolvimento democrático-populares. E não haverá nada disto, se a maioria da população brasileira, ou seja, os trabalhadores e trabalhadoras, não forem ganhos para a idéia de enfrentar e superar, a partir de uma perspectiva socialista, os principais traços da sociedade brasileira --a dependência externa, a democracia restrita e a desigualdade social-- traços que foram agravados no período neoliberal. A esse respeito, reafirmamos o que é dito pelas resoluções da X Conferência Nacional da AE: temos uma geração inteira de trabalhadores, inclusive de militantes e filiados petistas que "desaprendeu" (ou que nunca teve a chance de aprender) o que é o socialismo e o que é uma estratégia socialista. Ademais, há uma geração anterior que em parte abandonou o socialismo e em grande parte abandonou uma perspectiva revolucionária. Por isto, nós da AE enfatizamos fortemente que travamos a luta tática contra o neoliberalismo, a partir de uma estratégia socialista revolucionária. Nos últimos vinte anos, a hegemonia neoliberal provocou um retrocesso generalizado (no terreno ideológico, das relações sociais etc.), nos obrigando a percorrer caminhos e enfrentar questões mais próximas do desenvolvimentismo capitalista do que da edificação socialista. Isso tem incidência nas tarefas práticas de um governo encabeçado por um partido de esquerda e produto de um processo eleitoral. Mas se isto é verdade, também é verdade que o neoliberalismo capitalismo é. E, num certo sentido, é um capitalismo mais "puro", mais "selvagem", mais "limpo de mediações". Nesse sentido, sempre consideramos um erro enfatizar isoladamente o caráter "anti-neoliberal" de nosso projeto, como se pretendêssemos ou fossemos obrigados a estabelecer uma "etapa" não-socialista entre a luta anti-neoliberal e a luta socialista.
A maneira correta de enfrentar esta questão envolve dois movimentos combinados. Por um lado, enfrentar os dilemas reais da sociedade, sempre a partir de uma perspectiva socialista (mesmo que, dada a correlação de forças, adotar uma perspectiva socialista não implique, em cada caso e momento concreto, soluções socialistas). Por outro lado, reforçar a propaganda da sociedade socialista que pretendemos construir, marcada pelos seguintes traços distintivos: O compromisso internacionalista, que parte de uma dupla constatação: primeiro, de que somos todos seres humanos, habitantes de um mesmo planeta, casa comum a que todos temos direito e de que todos devemos cuidar; segundo, que o capitalismo é um modo de produção que atua em escala internacional e, portanto, o socialismo deve também propor uma alternativa mundial de organização social. E, enquanto existirem os Estados nacionais, eles devem ter sua soberania respeitada, cooperando para eliminar a desigualdade econômica e social, bem como todos os motivos que levam à guerra e aos demais conflitos políticos e sociais. A nova sociedade apoiará ativamente a autodeterminação dos povos, valorizando a ação internacionalista no combate a todas as formas de exploração e opressão. O internacionalismo democrático e socialista será sua inspiração permanente. Trata-se, também, de substituir os organismos multilaterais criados após a Segunda Guerra Mundial por novas instituições, por outros organismos, capazes de servir como superestrutura política de um mundo baseado na cooperação, na igualdade, no desenvolvimento e na paz; O planejamento democrático e ambientalmente orientado, que compreenda a economia como meio de atender as necessidades presentes e futuras do conjunto da humanidade. Para o que será necessário retirar o planejamento econômico das mãos de quem o faz hoje: da anarquia do mercado capitalista, bem como de uma minoria de tecnocratas estatais e de grandes empresários, a serviço da acumulação do capital e, por isso, dominados pelo imediatismo, pelo consumismo e pelo sacrifício de nossos recursos sociais e naturais; A propriedade pública dos grandes meios de produção, uma vez que as riquezas da
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
estrategicamente com a dimensão universal dos direitos humanos, com as políticas afirmativas e com a promoção de políticas públicas que afirmem valores democráticos, o respeito à diversidade e o combate contra as discriminações e exclusões, inclusive aquelas que afetam a pessoa com deficiência. Temos como objetivo acabar com as variadas formas de discriminação associadas ao capitalismo e ao neoliberalismo, como é o caso do preconceito étnico/racial, do sexismo e da heteronormatividade. O enfrentamento do machismo, do racismo e da homofobia fazem parte da construção de um novo modelo de desenvolvimento.
15
TRIBUNA DE DEBATES
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
humanidade são criação coletiva, histórica e social, de toda a humanidade. Não haverá democracia, enquanto algumas centenas de grandes empresas controlarem a riqueza e o poder político no mundo. O socialismo que almejamos, por isso mesmo, só existirá com efetiva democracia econômica. Deverá organizar-se, portanto, a partir da propriedade social dos meios de produção. Propriedade social, que assuma as formas (individual, cooperativa, estatal etc.) que a própria sociedade, democraticamente, decidir. Democracia econômica que supere tanto a lógica do mercado capitalista quanto o planejamento verticalista hegemônico em tantas economias ditas socialistas. Cujas prioridades e metas produtivas correspondam à vontade social, e não a supostos interesses estratégicos do Estado. Que busque conjugar o incremento da produtividade e a satisfação das necessidades materiais com uma nova organização do trabalho, capaz de superar sua alienação atual. Democracia que vigore tanto para a gestão de cada unidade produtiva, quanto para o sistema no conjunto, por meio de um planejamento estratégico sob o controle social.
16
A mais profunda democratização, o que supõe democracia social; pluralidade ideológica, cultural e religiosa; a igualdade de gênero, a igualdade racial e a liberdade de orientação sexual e identidade de gênero. Esses temas também são estruturantes em nosso projeto socialista. A igualdade entre homens e mulheres, o fim do racismo e a mais ampla liberdade de expressão sexual serão traços distintivos fundamentais na nova sociedade. O pluralismo e a autoorganização, mais que permitidos, deverão ser incentivados em todos os níveis da vida social, como antídoto à burocratização do poder, das inteligências e das vontades. Devemos ampliar as liberdades democráticas duramente conquistadas pelos trabalhadores na sociedade capitalista. Liberdades válidas para todos os cidadãos e cujo único limite seja a própria institucionalidade democrática. Liberdade de opinião, de manifestação, de organização civil e políticopartidária e a criação de novos mecanismos institucionais que combinem democracia representativa e democracia direta. Instrumentos de democracia direta, garantida a participação nos vários níveis de direção do processo político e da gestão econômica, deverão conjugar-se com os instrumentos
da democracia representativa e com mecanismos ágeis de consulta popular, libertos da coação do Capital e dotados de verdadeira capacidade de expressão dos interesses coletivos. Nós, os petistas socialistas, sabemos que temos pela frente um gigantesco esforço de luta social, política e cultural. O Partido dos Trabalhadores deve ajudar a construir um movimento socialista, de caráter nacional e internacional. Para atingir este objetivo, será necessário dar conta, entre outras, de duas grandes tarefas: A primeira grande tarefa é de natureza teórica: estudar o capitalismo, precisar a natureza do período histórico que estamos atravessando, reinterpretar ou atualizar a leitura de categorias clássicas como o imperialismo e o capital financeiro, abordar questões surgidas do desenvolvimento mais recente. Precisamos retomar o balanço das tentativas de construção do socialismo no século XX; o debate acerca das características futuras do socialismo, no mundo e no Brasil; e a estratégia de luta pelo socialismo, especialmente no contexto latino-americano, o que nos remete ao debate sobre o internacionalismo. Devemos estimular o partido a conhecer a situação internacional. A conjuntura na América Latina é muito diferente do que se passa nos Estados Unidos (onde a esquerda, desde há muitos anos, é uma força marginal); na Europa (onde a direita tornou-se hegemônica); no Oriente Médio (onde a luta antiimperialista é forte, mas hegemonizada por outra matriz político-ideológica); na África (onde está em curso uma onda de investimentos capitalistas, visando controlar as fontes de matérias primas); e na Ásia, onde é necessário estudar melhor o que se passa na Rússia, Índia e China. Outro tema sobre o qual se necessita retomar a elaboração é o da “teoria sobre a revolução brasileira”. Dentre as velhas e novas questões que devem integrar a necessária “nova síntese” sobre a formação social brasileira, destacamos a situação das grandes cidades brasileiras; a importância assumida por setores sociais como a juventude, o comportamento dos setores médios e da intelectualidade; a persistência das tradições,
incluindo as mudanças e continuidades na instituição familiar, e a emergência de novas formas de sociabilidade comunitária; o lugar do Brasil na divisão internacional do trabalho, a estrutura de classes no país e as tendências da evolução do capitalismo brasileiro. Ganha especial destaque o tema das classes sociais, em particular o comportamento dos setores da classe trabalhadora que experimentaram uma ascensão na capacidade de consumo durante o governo Lula. Neste terreno, do debate sobre a formação brasileira, os esforços de síntese que continuam servindo de referência para a esquerda têm entre 70 anos e 30 anos, como é o caso das obras de Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Celso Furtado e Florestan Fernandes. Não precisamos ter uma posição única, nem devemos cair na ilusão de que seremos capazes de produzir uma visão definitiva a respeito de cada um destes assuntos. Mas precisamos retomar o debate acerca das tendências do desenvolvimento capitalista e sobre as características da formação social brasileira, resultando numa síntese que nos ajude a sustentar teoricamente o programa para o Brasil que queremos; a estratégia para viabilizar aquele programa; a política de organização partidária compatível com nosso programa e estratégia. A segunda grande tarefa é, exatamente, insistir numa tática e numa estratégia de poder direcionada para a superação das relações capitalistas existentes em nosso país. O que se traduzirá numa ação combinada em todas as frentes da luta de classes: na luta cultural, teórica e ideológica; na luta social, eleitoral, parlamentar e governamental; e também na luta que se trava dentro da esquerda brasileira, inclusive a disputa interna ao Partido dos Trabalhadores. A trajetória da AE A história da Articulação de Esquerda é um aspecto da história do próprio PT. No período 1980-1989, de luta contra a ditadura militar e contra a “transição conservadora para a democracia”, o PT foi hegemonizado por uma tendência denominada Articulação, originalmente denominada
TRIBUNA DE DEBATES
No período seguinte (1990-2002), de oposição aos governos neoliberais, há um realinhamento das tendências petistas. Como parte deste realinhamento, ocorre uma cisão na Articulação, surgindo a “Unidade na Luta” e a “Articulação de Esquerda”. A Articulação de Esquerda foi fundada oficialmente nos dias 18 e 19 de setembro de 1993. Portanto, em 2011 vamos comemorar 18 anos de vida. Contribuíram para a criação da Articulação de Esquerda: 1) os debates realizados no interior do PT, especialmente no período entre 1990 e 1993, quando se constituíram, em âmbito nacional, inclusive dentro da Articulação dos 113, dois grandes blocos dentro do Partido (os “moderados” e os “radicais”); 2) os debates ocorridos durante o 8º Encontro do PT (agosto de 1993), tanto nos encontros estaduais quanto no encontro nacional. Um marco destes debates foi o lançamento do Manifesto “A hora da verdade”, no dia 4 de fevereiro de 1993. No Oitavo Encontro do PT saiu vitoriosa a chapa denominada Opção de Esquerda (basicamente composta por Articulação de Esquerda e Democracia Socialista). A Opção de Esquerda, juntamente com outra chapa denominada Na luta PT (composta por Força Socialista + O Trabalho + outros setores) controlavam praticamente 2/3 do Diretório Nacional. A história da AE (1993-2011) pode ser dividida em quadro grandes momentos: 1)um curto (1993-1995) em que dirigimos a maioria do Diretório Nacional do PT; 2) um longo (1995-2005) em que nos opusemos, pela esquerda, ao chamado “Campo Majoritário”; 3) um outro também curto (2005-2007), em que nenhuma tendência ou campo era isoladamente majoritário no Diretório Nacional do PT, onde apesar de minoritária a Articulação de Esquerda teve uma influência importante;
4) finalmente, o momento atual (20072011), em que se tenta constituir um “grupo majoritário” na direção nacional, primeiro em torno de uma aliança CNB-Mensagem, depois em torno de uma aliança CNB-Novo Rumo-PT de Luta e Massa. Nesta fase, a Articulação de Esquerda não faz parte do bloco hegemônico no Diretório Nacional. O primeiro momento: 1993-1995 A Articulação de Esquerda surge com o propósito assumido de combater a domesticação do PT, ou seja, tentar impedir que a existência de uma nova situação histórica (marcada pela crise do socialismo, hegemonia neoliberal, PT como alternativa presidencial) levasse a maioria do Partido a abandonar o núcleo fundamental das formulações originais do petismo (partido da classe trabalhadora, combinar luta social com disputa eleitoral, partido de massas e de quadros, internamente democrático, estratégia democrático-popular e socialista). Este momento inicial (1990-1995) pode ser dividido em três fases: 1990 até 1993 A cúpula da Articulação dos 113 decide “girar para a direita”. Tem como aliado dois setores provenientes da antiga esquerda petista: a Nova Esquerda (ex-Partido Revolucionário Comunista) e setores da antiga Vertente Socialista (ex-Poder Popular e Socialismo). Este “giro para a direita” se materializa numa oposição inicial ao Fora Collor, numa tentativa de restringir o Fora Collor a temas éticos, num apoio de fato ao governo Itamar e na defesa do parlamentarismo. Estas posições são derrotadas amplamente na base do Partido. O exemplo maior disso foi o plebiscito sobre sistema de governo: 70% da direção defendia o parlamentarismo, 70% da base votou pelo presidencialismo. Internamente, o “giro para a direita” se traduz na tentativa de compor um “campo” para dirigir o Partido, unindo a Articulação com outros setores. Isto fica evidente durante o Primeiro Congresso do PT, quando a Articulação se divide publicamente em diversas votações, uma das quais é simbólica: a legitimidade da violência revolucionária.
1993-1995 Como reação ao giro à direita da cúpula da Articulação dos 113, um setor daquela tendência constitui uma “esquerda da Articulação”, que se agrupa ao redor de um texto conhecido como “Manifesto A hora da verdade”. Por causa do nome do Manifesto, em muitos estados fomos durante certo tempo conhecidos como “HV”, mesmo depois da criação formal da AE (em setembro de 1993). A esquerda da Articulação ajuda a eleger os presidentes estaduais do PT em São Paulo e Rio Grande do Sul. No 8º Encontro Nacional (agosto de 1993), em aliança com a DS e outros setores, a esquerda da Articulação lança a chapa “Opção de Esquerda”. Esta chapa, mais a chapa “Na luta PT”, tem maioria absoluta no Diretório Nacional. Lula é eleito presidente nacional do PT, por fora das chapas. Rui Falcão, então principal dirigente do que logo mais seria chamado de AE, é eleito vice-presidente nacional e assumirá a presidência no 9º Encontro Nacional do PT, em 1994, quando Lula se licencia para ser candidato à Presidência da República. A maioria de esquerda existente no Diretório Nacional do PT consegue impedir que a bancada do Partido na Câmara dos Deputados embarque na revisão constitucional ampla proposta pelos partidos de direita. Mas, ao mesmo tempo, tem muitas dificuldades e apresenta enormes contradições na condução da campanha presidencial de 1994. Na verdade, a imensa maioria do PT foi surpreendida pelo Plano Real e pela força da candidatura FHC. Na hora do balanço, a fatura pela derrota foi cobrada da maioria de esquerda. 1995 No encontro nacional do PT realizado em Guarapari, confrontam-se duas chapas. Uma, denominada Socialismo ou Barbárie, reúne a antiga maioria de esquerda (Opção de Esquerda e Na luta PT). A outra chapa, encabeçada por José Dirceu e apoiada por Lula, expressa as posições da direita da Articulação e de seus aliados. A tese apresentada pela “direita” ganha por apenas 2 votos de vantagem. Dirceu e sua chapa são vitoriosos, mas por uma margem muito pequena: 16 votos. E mesmo esta pequena dife-
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
Articulação dos 113 (devido a um documento com este número de assinaturas).
17
TRIBUNA DE DEBATES rença só foi possível porque Dirceu recebe o apoio de setores e dirigentes que até então participavam da Articulação de Esquerda, tais como Rui Falcão, Cândido Vaccarezza , Sílvio Pereira e outros. O segundo momento: 1995-2005 A maioria do Diretório Nacional eleito no Encontro de Guarapari (ES) elege Cândido Vaccarezza, ex-militante da AE, como secretário-geral do Partido. Em protesto contra este desrespeito à proporcionalidade, os 49% minoritários retiram-se durante várias semanas da composição da executiva. Paradoxalmente, o protesto deixa o campo livre para que a nova maioria moderada se instale e estabeleça seu controle sobre a direção partidária, abrindo um período de hegemonia que vai se estender até 2005. Portanto, a partir de 1995 se instalou no partido uma maioria em torno de uma política que podemos sintetizar assim: “alianças da esquerda com o centro, em torno de um programa alternativo ao neoliberalismo, visando conquistar o governo federal”.
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
De 1995 a 2002, esta maioria foi hegemonizando o partido, às vezes por meios legítimos, outras vezes adotando métodos condenáveis (como é o caso da intervenção no Rio de Janeiro, para obrigar o PT a apoiar a candidatura de Garotinho).
18
Note-se que a intervenção no PT do estado do Rio de Janeiro foi feita a pretexto de garantir o apoio de Brizola à candidatura Lula. Este, por sua vez, foi candidato contra sua vontade. Em certa medida, foi a esquerda petista, no Encontro realizado no Hotel Glória, em 1997, quem mais estimulou a candidatura Lula. Cabe refletir se esta candidatura em 1998 não foi essencial, para manter o fio da meada que nos levaria, em 2002, a vencer a eleição. O fato isolado mais importante deste processo de hegemonização do Partido por uma nova maioria foi o Segundo Congresso do PT, realizado em Belo Horizonte, que adotou a eleição direta para direções partidárias, método que esvazia os encontros e tende a reforçar o peso dos filiados, em detrimento dos militantes. Mesmo assim e como sempre na história do Partido, o setor moderado passou por apuros e teve que se
desdobrar para que não fosse aprovada uma resolução simpática à palavra de ordem Fora FHC. Durante 1995-2002, a Articulação de Esquerda buscou unir a esquerda petista, para resistir e derrotar a maioria moderada. Além da AE, esta esquerda petista era composta por diversas tendências e indivíduos, com destaque para duas tendências: a Democracia Socialista e a Força Socialista. Grande parte das polêmicas existentes no interior da AE, nestes sete anos, disse respeito exatamente ao que podemos denominar “política de alianças da AE”. Esta polêmica esteve na base de duas importantes rupturas sofridas pela tendência neste período: -em 1997, a saída de Arlindo Chinaglia e seu grupo, que não concordou com a criação do setorial sindical da Articulação de Esquerda. Chinaglia defendia que a AE seguisse participando da Articulação Sindical; -em 2002, a saída de um grupo de militantes da AE, que criaram uma tendência chamada Pólo Socialista. Ao mesmo tempo, a Articulação de Esquerda viveu uma luta interna e externa contra os defensores da chamada Consulta Popular, impulsionada a partir de 1996 por militantes petistas descontentes com os rumos do Partido e adeptos de uma estratégia que, em nossa opinião, subestimou o papel da luta eleitoral e institucional num país como o Brasil. Desta estratégia, decorria um afastamento da militância direta no PT, ainda que parte dos companheiros e companheiras da Consulta permaneça formalmente filiada. Contribuindo, assim, para o enfraquecimento da esquerda petista. A eleição de Lula, em 2002, é apresentada pelo setor moderado do partido como a confirmação do acerto de sua estratégia de centro-esquerda. A realidade era muito mais complexa do que isto, mas do ponto de vista prático o setor moderado foi mais exitoso em se apropriar, ideológica e estruturalmente, da vitória. Como resultado, as três principais tendências da esquerda petista vivem uma dura luta interna, protagonizada por setores que defendem (com maior ou menor nitidez)
uma tática de oposição ao governo Lula e, no limite, uma postura de ruptura com o PT. Esta luta interna (às tendências da esquerda) se combinava com a luta interna no PT, especialmente na bancada na Câmara dos Deputados; bem como com os conflitos no interior de outros setores do PT e do governo. No centro destes conflitos, estava a política (hegemônica no governo e apoiada, mesmo que a crescente contragosto, por setores importantes da maioria do partido) de conciliação com o neoliberalismo, propugnada e implementada pelo então ministro Antonio Palocci. A Articulação de Esquerda caracterizou o governo Lula e enfrentou o debate acima citado em três momentos: na V Conferência realizada em novembro/dezembro de 2002; e na VI Conferência realizada em duas etapas no ano de 2003 (setembro, em Campinas; novembro, em Belo Horizonte); e, finalmente, na VII Conferência da AE, realizada em dezembro de 2004, em São Bernardo do Campo (SP). Nesta sétima Conferência, um setor rompe com a tendência. Parte sai imediatamente do PT; outra parte sai após o PED de 2005, tendo como destino o PCB, o PSOL ou a militância sem-partido. O motivo da ruptura, como está claro, é a avaliação feita por eles acerca do governo Lula e do PT. No caso da DS, um setor rompe com o PT já no final de 2003, início de 2004, tendo como catalisador a expulsão de Heloísa Helena. No mesmo período, saem do PT duas tendências: o MES (Movimento de Esquerda Socialista) e a CST (Corrente Socialista dos Trabalhadores), logo após a expulsão de Luciana Genro e Babá. No mesmo momento, saem Milton Temer, Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho, oriundos do antigo PCB. O destino de todos eles será formar um novo partido, o PSOL. Os que vão para o PSOL coincidem na idéia de que o PT já se esgotará como projeto socialista. Mais ou menos a mesma avaliação feita, em 1990, pela antiga Convergência Socialista, que após sua expulsão do PT cria o PSTU. O terceiro momento: 2005-2007 No início, a crise de 2005 parecia mesmo
TRIBUNA DE DEBATES
A esquerda petista não conseguiu unificarse no PED de 2005. Em parte por diferenças legítimas, em parte por pretensões e ilusões hegemonistas dentro da própria esquerda, em parte antecipando movimentos futuros, a esquerda petista dividiu-se em várias chapas e candidaturas presidenciais. Eleitoralmente, esta divisão ajudou a derrotar o campo majoritário no primeiro turno do PED de 2005. Pois mais candidatos criticaram e mais alternativas foram apresentadas. Matematicamente, a esquerda tinha condições de eleger o presidente do partido no segundo turno. Mas, exatamente neste momento, uma parte da esquerda decidiu sair do PT. Falamos da Força Socialista. Logo após o primeiro turno do PED, esta tendência sai do PT. Plínio de Arruda Sampaio e outros setores integrantes de sua chapa fazem o mesmo. Tomado isoladamente, este foi o principal fator que impediu a vitória da esquerda, no segundo turno do PED de 2005. A Articulação de Esquerda tem um bom desempenho político no PED de 2005, possibilitado em grande medida pelo acerto das resoluções aprovadas na VII Conferência Nacional, realizada em dezembro de 2004, que permitiu que tivéssemos um discurso capaz de criticar os setores moderados do Partido e a linha hegemônica no governo, ao mesmo tempo em que defendíamos o PT e o governo dos ataques da direita. Nosso desempenho político e numérico no PED ajudou que tivéssemos uma influência importante no Diretório ali eleito, sob cuja direção se realizou a campanha presidencial de 2006. A rigor, no período 2005-2007, nenhuma tendência ou campo era isoladamente majoritário na direção. E a Articulação de Esquerda jogou um papel superior ao seu tamanho.
O momento atual: 2007-2011 Neste momento, tem curso a tentativa de reconstituir um “grupo majoritário” na direção nacional do PT, primeiro em torno de uma aliança CNB-Mensagem, depois em torno de uma aliança CNB-Novo Rumo-PT de Luta e de Massa.
Apesar de não ter obtido êxito eleitoral, a tática da Mensagem se materializou num “acordo de direção” com a “Construindo um Novo Brasil”. Graças a isto, Cardozo, apesar de ter encabeçado a chapa que ficou em terceiro lugar no PED, torna-se secretário-geral, desbancando Jilmar Tatto, encabeçador da segunda chapa.
Este momento pode ser dividido nas seguintes fases: a) o PED 2007; b) do PED 2007 ao PED 2009; c) do PED 2009 até hoje.
A direção eleita pelo PED 2007 teve como tarefas centrais conduzir o partido nas eleições municipais de 2008 e na escolha da candidatura presidencial de 2009.
Vejamos as características de cada fase, no que diz respeito à AE.
Os resultados destas duas tarefas são contraditórios.
No PED de 2007, a Articulação de Esquerda teve o mesmo desempenho eleitoral de 2005, mas com um desempenho político inferior ao de 2005. Isto se deveu, no fundamental, a quatro motivos:
O PT não obtém uma vitória nas eleições municipais de 2008; e a direção nacional do Partido sofre uma derrota estratégica em Belo Horizonte, onde se impôs uma aliança de fato entre o PT de Pimentel e o PSDB de Aécio Neves.
*a saída da Força Socialista e aliados do PT ocorreu após o primeiro turno do PED de 2005. Isto quer dizer que as vagas eleitas com seus votos foram ocupadas por pessoas de sua própria chapa, que haviam decidido permanecer no PT. Mas no PED de 2007, aqueles milhares de votos não existiam mais; *a mudança da DS, que opta por “virar ao centro”, buscando compor uma nova tendência com egressos do antigo Campo Majoritário. A tática não tem êxito eleitoral: enquanto Raul Pont, representando a DS, havia ficado em segundo lugar em 2005, José Eduardo Cardozo, candidato da Mensagem/DS, termina em terceiro lugar em 2007; *a recuperação da “Construindo um novo Brasil”, que capitaliza no PED 2007 o êxito do partido na reeleição de 2006, bem como o giro à esquerda do segundo mandato de Lula, o que neutralizou parte das críticas da esquerda petista; *a incapacidade da Articulação de Esquerda de reunir, em uma só chapa, o restante das tendências de esquerda. Isto deveu-se, em parte, a posturas sectárias de setores que em 2005 haviam integrado a chapa de Plínio e que não aceitaram compor uma chapa encabeçada pela AE. Mas se deveu, também, a erros cometidos pela própria AE.
O PT também não é fator decisivo na escolha da candidatura às eleições presidenciais de 2010, fato que pesará bastante no momento seguinte, em que o partido enquanto tal cumpre papel secundário, apesar de formalmente estar bem representado no comando da campanha. Mesmo assim, o giro à esquerda do governo Lula, iniciado com o PAC e aprofundado nos anos seguintes, neutralizou parte das críticas da esquerda, pois ao romper com o dogma da “estabilização financeira a qualquer custo”, foi capaz de enfrentar com relativo sucesso os efeitos da crise mundial que se abriu em 2008. Naturalmente, Lula, seu círculo mais próximo, bem como a CNB e outros segmentos do partido, é que capitalizam em diferentes níveis o fato de o governo estar implementando, ao menos em parte, políticas similares àquelas defendidas, antes, pela esquerda petista. Isso se refletirá no PED 2009, de três maneiras principais: -o crescimento do número de votantes, que beneficiou de maneira desproporcional a chapa da CNB, vista como a chapa “governista”; -o reagrupamento, numa única chapa, de
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
dar razão às posições do PSOL. Muita gente, dentro e fora do PT, inclusive altos dirigentes e lideranças públicas, acharam que o PT estava liquidado. Mas a reação da militância petista (que comparece em massa ao PED de 2005) e os medos da burguesia brasileira (que não apostou no impeachment de Lula, confiando que recuperaria “pacificamente” a presidência em 2006) viraram o jogo.
19
TRIBUNA DE DEBATES quase todos os antigos integrantes do finado campo majoritário. Vale lembrar que lideranças importantes da CNB argumentaram (em 2007) motivos éticos para negar, a Jilmar Tatto, a secretaria-geral. Um dos efeitos colaterais disto foi a campanha, encabeçada por Tatto e aliados, para antecipar o próximo PED (que poderia ser realizado em 2010 ou 2011, mas acabou antecipado para 2009). Como sabemos, no PED 2009, Tatto, Vaccarezza e outros estariam na mesma chapa que a CNB. -a redução do interesse e o empobrecimento do debate político no PED. Isto tudo cria um cenário muito difícil para a Articulação de Esquerda. Mesmo conseguindo montar uma chapa com outros setores da esquerda, reduz-se nossa participação proporcional no Diretório Nacional e a chapa encabeçada por José Eduardo Dutra vence o PED 2009 já no primeiro turno. Paradoxalmente, a existência de uma nova maioria não é acompanhada da constituição de uma nova hegemonia.
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
Por um lado, a escolha de Dilma como sucessora de Lula tornou mais complexa e de certa forma mais confusa a dinâmica interna do poder no PT. Por outro lado, o PT não conseguiu resolver, nem mesmo debater a contento, alguns obstáculos que, se não forem removidos, tornam inviável a médio prazo a estratégia de “ser governo para ser poder”. Nos referimos, aqui, especialmente à ausência de reforma política, reforma tributária, democratização da comunicação etc. Ambas as coisas fazem com que no PT de hoje exista uma maioria, mas ainda não exista uma hegemonia capaz de enfrentar e superar com êxito os problemas estratégicos vividos pelo partido, mesmo porque há no interior desta “maioria” um evidente desacordo em torno de quais sejam estes problemas estratégicos, além daqueles que nem sequer colocam o problema nestes termos. É neste cenário que a AE se movimenta, hoje. Uma síntese
20
Nossa tendência possui 18 anos de vida. Estamos presentes, nem sempre da maneira
mais organizada, em 25 estados brasileiros (as exceções são Roraima, Rondônia e Acre). Atuamos e influenciamos diversos movimentos sociais (sindical, estudantil, educação, mulheres, LGBT, portadores de deficiência, combate ao racismo etc.). Estamos presentes em prefeituras, governos estaduais e no governo federal, assim como temos parlamentares nos três níveis. Na frente internacional, influenciamos os debates e a construção de alternativas de governo da esquerda, especialmente a latino-americana. Participamos ativamente do PED, em 2001, 2005, 2007 e 2009. Mantemos um jornal mensal, realizamos jornadas semestrais de formação política e buscamos participar do debate de idéias, tanto no PT quanto no conjunto da esquerda brasileira e internacional. Nosso peso no PT, nos parlamentos, executivos e movimentos sociais é, hoje, proporcionalmente menor do que em 1993, com exceções como a do movimento sindical. Por outro lado, hoje estamos mais conscientes dos desafios programáticos, estratégicos e táticos da esquerda brasileira e mundial. Neste cenário, trabalhamos para ampliar nossa força e presença na vida partidária, nas disputas eleitorais, na ação institucional, nas lutas sociais, distintas dimensões da luta de classes. Isto porque seguimos acreditando, como em 1993, que as opções da AE, da esquerda petista, do conjunto do Partido dos Trabalhadores e da esquerda política e social brasileira, bem como dos povos da América Latina, jogam um papel muito importante na luta pelo socialismo.
Capítulo II: Estratégia e programa para o próximo período Durante os últimos 18 anos, a Articulação de Esquerda vem construindo um balanço da luta pelo socialismo no século XX, uma análise do capitalismo dos séculos XX e XXI, assim como uma visão sobre a estratégia de luta pelo socialismo no século XXI. Nossa elaboração a respeito está consolidada nas resoluções aprovadas em seis seminários nacionais e onze conferências nacionais. Esta documentação foi reunida em quatro livros (Socialismo ou Barbárie; No-
vos rumos para o governo Lula; Abrir uma nova época na história do Brasil; Resoluções da décima conferência nacional da Articulação de Esquerda); em 99 edições do jornal Página 13; e nos textos e posições adotados por nossas direções municipais, estaduais, setoriais e nacional, documentação que está parcialmente disponível na página eletrônica www.pagina13.org.br Do ponto de vista teórico, tentamos fazer parte da tradição comunista, socialista, revolucionária, marxista. Mas não nos consideramos parte integrante de nenhuma das “famílias doutrinárias” que se reclamam marxistas, leninistas, trotskistas, guevaristas etc. Nossa conduta busca corresponder àquilo que Lênin dizia ser a “essência do marxismo”: a análise concreta da situação concreta. Como já foi dito antes, nosso problema reside em construir uma estratégia socialista, nos marcos de uma situação política não revolucionária, em que uma esquerda majoritariamente reformista está dirigindo parte do aparelho de Estado. Por isto, este capítulo sobre estratégia e programa começa analisando as tendências econômicas, sociais e políticas, internacionais e nacionais, num horizonte de alguns anos, tomando 2014 como ponto chave no processo de desenvolvimento econômico, social e político do Brasil. Mundo e América Latina As tendências internacionais sempre atuam, em maior ou menor grau, sobre as tendências nacionais, em particular quando elas são influenciadas por crises, como a iniciada em 2008, em que o mundo sofreu um verdadeiro terremoto financeiro, com desdobramentos na economia, tendo como fulcro principal os Estados Unidos e como área crítica secundária a Europa. Embora haja muita polêmica a respeito, nos parece que este terremoto financeiro é expressão de uma clássica crise de reprodução do capital, com seus componentes de superprodução de mercadorias e repercussões na esfera financeira. A crise teve sua expressão mais visível na quebra de grandes bancos, espalhando-se depois, de forma desigual, por diferentes setores da economia desses países. Estima-
TRIBUNA DE DEBATES
Os governos dos países desenvolvidos viram-se na contingência de interferir fortemente na economia, ao contrário do discurso neoliberal e liberal de que o mercado seria capaz, por si próprio, de resolver os problemas existentes. Alguns trilhões de dólares de dinheiro público foram direcionados para salvar instituições financeiras e algumas corporações industriais que haviam investido pesadamente na especulação financeira. Mas, diferentemente da grande crise de 1929, tais governos não investiram praticamente nada na criação de empregos e na recomposição do poder de compra da população. Essa política de enfrentamento da crise dos países desenvolvidos está fazendo com que ela se arraste indefinidamente, com seguidas erupções de bancarrota de empresas e países. Entre meados de 2010 e início de 2011 entraram nessa rota países como a Irlanda, Islândia, Grécia, Espanha e Portugal. As perspectivas de crescimento dos Estados Unidos, Alemanha, França, Inglaterra e Japão continuam incertas ou mesmo negativas. Paralelamente, os Estados Unidos decidiram emitir mais de 700 bilhões de dólares, com o objetivo de desvalorizar sua moeda, elevar a competitividade dos produtos norte-americanos, retomar um crescimento sustentável e reduzir as taxas de desemprego, criando desequilíbrios diversos no mercado internacional e criando o ambiente para potenciais guerras comerciais. Por outro lado, embora a crise dos países centrais tenha afetado a maior parte dos países do mundo, assim como os diferentes setores econômicos, parte dos países em desenvolvimento saiu com relativa rapidez da crise e retomou seu curso de desenvolvimento. Isso é particularmente verdadeiro para a China, Brasil, Índia, África do Sul e para vários outros países da Ásia, África e América Latina. Essa disparidade frente à crise pode ter, pelo menos, um duplo significado. Por um lado, as economias desses países, antes periféricos, já não dependem dos países centrais na forma absoluta em que dependiam antes. Por outro, a emergência econômica e social relativamente autônoma desses pa-
íses pode ter contribuído para a crise dos países centrais. Primeiro, na medida em que os países centrais já não conseguem efetuar as taxas tradicionais de sobre-lucros elevadas no comércio com os países em desenvolvimento e atrasados. Segundo, na medida em que tais países se tornam economicamente competidores em relação aos países centrais. E, finalmente, na medida em que estes não conseguem manter sua reprodução ampliada. No entanto, ao contrário do que alguns supõem, a profundidade da crise não implica em que esta seja uma crise terminal do capitalismo. Do ponto de vista macro-econômico, trata-se apenas de mais uma crise de seu processo desigual de desenvolvimento global. A esmagadora maioria dos países do mundo, inclusive os países em desenvolvimento e os atrasados, tem o modo capitalista de produção como predominante. Mesmo os países socialistas se viram obrigados, para desenvolver suas forças produtivas, a adotar as chamadas economias de mercado, nas quais empresas capitalistas participam ativamente, tanto em cooperação, quanto em competição com empresas estatais e empresas cooperativas. Nessas condições, da mesma forma que os capitalismos dos impérios inglês e francês foram reduzidos às suas dimensões atuais pela expansão dos capitalismos norteamericano, alemão e japonês, após duas guerras mundiais, os capitalismos atuais tendem a se confrontar com uma série de novos países, onde o modo de produção do capital é predominante ou neles tem presença ativa. Assim, pensando em termos globais, o modo de produção capitalista, ao se expandir pelo mundo, demonstra que segue tendo capacidade de desenvolver as forças produtivas sociais. Que este desenvolvimento se faça através de crises profundas revela o caráter contraditório deste modo de produção; e demonstra a necessidade dele ser superado, através da ação política das classes trabalhadoras. Um dos grandes problemas decorrentes do declínio relativo da capacidade de reprodução do modo capitalista nos países desenvolvidos, em contraste com a ascensão relativa da capacidade de reprodução do modo
capitalista numa série considerável de outros paises, inclusive alguns até há pouco considerados inviáveis, consiste em detectar se os países capitalistas desenvolvidos farão uso de seu tradicional método de envolver regiões, ou todo o globo, em guerras capazes de reativar sua economia, primeiro através da indústria bélica e, depois, através de outros ramos industriais. As vantagens micro-econômicas e macroeconômicas das guerras são cada vez mais contraditórias. Os armamentos empregam parcelas relativamente pequenas da força de trabalho e representam um peso cada vez mais insuportável nas finanças dos países que apelam para os meios militares. As guerras do Afeganistão e do Iraque, assim com a manutenção de bases militares em todas as regiões do mundo, fizeram o Estados Unidos elevarem seu déficit geral a cerca de 14 trilhões de dólares, valor cada vez mais difícil de ser financiado. Em termos militares, as novas armas são cada vez mais destrutivas, atingindo alvos indiscriminados, apesar das tecnologias inteligentes. Em termos políticos, a guerra enfrenta reações contrárias não só dos povos que a sofrem, mas também dos povos dos países guerreiros. As ações militares dos Estados Unidos, em conjunto com alguns aliados europeus da OTAN, no Afeganistão e no Iraque, saíram das previsões, tornandose um complexo atoleiro político e militar. Apesar disso, as forças que consideram a guerra como principal instrumento de saída da crise têm poder considerável e a possibilidade da guerra está cada vez mais presente. Ao contrário do que pensam alguns analistas, a escalada de conflitos que geram as grandes guerras não leva em consideração a experiência histórica e a racionalidade social. É preciso levar em conta, por exemplo, a crescente dificuldade que os Estados Unidos enfrenta para manter sua hegemonia mundial, frente ao aumento das contradições inter-capitalistas e frente ao fortalecimento de potências concorrentes, principalmente da China, Rússia, Brasil, Índia e África do Sul. Daí resulta uma situação de instabilidades políticas internacionais e nacionais. A primeira metade de século XX foi dominada por uma disputa inter-capitalista.
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
se que mais de 17 trilhões de dólares viraram pó durante os anos que se seguiram.
21
TRIBUNA DE DEBATES A partir de 1946 e até 1991, a disputa mundial foi polarizada entre o bloco capitalista, capitaneado pelos Estados Unidos, e o bloco socialista, capitaneado pela União Soviética.
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
Hoje a disputa volta a se travar circunscrita aos marcos capitalistas, embora incluindo países socialistas. Ela ocorre entre blocos compostos por Estados que antes podiam ser considerados da periferia e blocos de Estados que eram parte do antigo centro do sistema capitalista. De certo modo, ela se encontra polarizada, de um lado, pelos Estados Unidos e seus aliados europeus e japoneses e, de outro, pelos BRICS e seus aliados. No entanto, os limites desses blocos não são fixos, demonstrando uma forte tendência à multipolarização. E dentro de cada bloco, há uma intensa disputa, financeira, comercial, por território e mercados.
22
A reação social à crise e a suas conseqüências vem ocorrendo de forma politicamente diferenciada e desigual. No Norte da África e numa série de países árabes explodiram revoltas populares de grande intensidade, exigindo mudanças nas condições econômicas e sociais de vida e também na condução do poder político. Tradicionais aliados dos Estados Unidos, como as ditaduras da Tunísia, Egito, Iêmen e Bahrein, viram-se obrigadas a fazer concessões e o processo de mudanças ainda continua. A onda de manifestações atingiu outros países, como Líbia e Síria, tornando a situação ainda mais complexa. Sendo que no caso da Líbia, a Otan envolveu-se no conflito, ingerência contra a qual nos posicionamos. Na Europa, as manifestações populares na Grécia e na Espanha, assim como a recusa da população islandesa em aceitar pagar a conta das trapaças do sistema financeiro, apontam para a possibilidade de retomada e ampliação das mobilizações sociais. Essas mobilizações também estão circunscritas aos marcos do desenvolvimento capitalista, embora eventualmente possam tender para uma luta pelo socialismo. Entre meados dos anos 1940 e meados dos anos 1970, a luta pelo socialismo, conjugada com a luta pela descolonização, viveu uma situação de ofensiva global. A vitória dos vietnamitas em sua guerra de libertação e a revolução sandinista foram os últimos atos desta ofensiva. A partir de então, a luta
pelo socialismo entrou numa situação de defensiva estratégica global. Essa defensiva se acentuou, a partir dos anos 1980, primeiro em virtude da derrocada do socialismo nos países do leste europeu e das reformas de recuo estratégico na China e no Vietnã. Depois, pela desintegração da União Soviética, no início dos anos 1990 e pelo declínio das lutas sociais e revolucionários na maior parte dos países do globo. Finalmente, pela reestruturação do capitalismo e pelo novo processo de disseminação global de seu modo de produção, iniciado nos anos 1970. A partir da segunda metade dos anos 1990, o capitalismo global, sob a hegemonia do seu setor financeiro, começou a apresentar crises extremamente destrutivas, como as de 1998 e 2008, ao mesmo tempo em que os Estados Unidos começaram a enfrentar um forte processo de declínio em sua hegemonia. Conformou-se uma situação global em que (a) os países centrais passaram e se debater com crises de acumulação e reprodução, manifestadas tanto nos terrenos financeiro, industrial, comercial e cambial, quanto nos terrenos energético, alimentar e ambiental; (b) emergiram novas potências econômicas, com fortes mercados internos capazes de enfrentar as crises geradas pelos países centrais e manter seus processos de desenvolvimento; (c) manteve-se a situação de defensiva estratégica do socialismo; e, (d) surgiram novas formas de resistência às consequências danosas do capitalismo, sem relação direta com uma perspectiva socialista. A combinação dessas tendências econômicas, sociais e políticas dos países centrais e de vários paises periféricos descritas acima criou uma situação que aponta para grande instabilidade internacional. Em conseqüência, a situação mundial tende a ser marcada por novas crises econômicas e financeiras, especialmente nos países centrais, por movimentos massivos, revoltas sociais e revoluções em diferentes países, e também por guerras comerciais e guerras militares. O mundo que emergirá nos próximos anos dependerá da influência mútua da luta entre Estados e blocos regionais e entre as lutas sociais e políticas dentro de cada país. Mas não se deve descartar a possibilidade dos Estados Unidos terem sucesso, mesmo
a médio e longo prazo, em seus esforços para manter-se como potência mundial. Em especial se essa potência conseguir se safar dos atoleiros do Iraque e do Afeganistão, e obter um compromisso de aliança firme com as potências européias e com o Japão. América Latina e Caribe A América Latina e Caribe tornou-se um dos cenários da disputa entre os Estados Unidos e os BRICS. A hegemonia dos EUA vem sendo minada e a região tende a integrar-se, física e economicamente, com a adoção de políticas próprias. Embora a disputa esteja circunscrita aos marcos capitalistas, a região tem a presença de fortes correntes socialistas em seus vários países. Em alguns deles, essa presença se transformou na conquista de governos por partidos de esquerda, enquanto em outros os partidos de esquerda constituem fortes oposições aos governos neoliberais ainda existentes. Partidos de esquerda apóiam, participam ou dirigem os governos de Cuba, Venezuela, Nicarágua, El Salvador, Brasil, Equador, Bolívia, Uruguai, Paraguai, Argentina, República Dominicana e Peru. Com exceção de Cuba, cujo governo é resultado de uma luta armada revolucionária, que transformou o país numa república socialista, todos os demais governos de esquerda resultaram de vitórias eleitorais. Esses governos de esquerda da América Latina e Caribe possuem diferenças entre si, seja em virtude de suas condições geográficas, naturais, históricas e sociais, seja em virtude das condições da luta política que propiciaram à esquerda chegar ao governo, e à direita tornar-se oposição. Essas diferenças, ao contrário de serem um aspecto negativo, permitem à esquerda latinoamericana evitar modelos únicos em países tão distintos e capacitar-se para vencer as eleições nas condições que são próprias a cada pais. Apesar de suas diferenças, os países da América Latina e Caribe apresentam problemas comuns. Por um lado, a herança histórica colonial e de desenvolvimento conservador e neoliberal, que gerou uma oposição radical, por parte da burguesia e setores significativos das camadas médias, a qualquer tipo de política de distribuição da renda e de democratização dos direitos sociais e políticos. Por outro lado, a atitude belicosa das antigas metrópoles contra governos latino-americanos que priorizam
TRIBUNA DE DEBATES direta contra algum dos países governados pela esquerda.
Mesmo que os Estados Unidos venham a perder a sua condição hegemônica mundial, não pode ser descartada a possibilidade de que se mantenham como potência hegemônica regional. Neste caso, as condições para a integração regional, para o desenvolvimento independente dos diversos países da região e para sua inserção soberana no contexto global se tornarão muito mais complexas.
A contra-ofensiva da direita tem ainda como elemento de pressão as expectativas das populações latino-americanas e caribenhas em relação ao governo Obama. Tais expectativas estão relativamente desgastadas pela manutenção das características da política externa herdada do governo Bush, mas ainda não desvaneceram de todo. Por outro lado, a administração Obama não tem tido condições de dedicar maior atenção à América Latina e Caribe, o que pode eventualmente ser mudado, aguçando a disputa em relação àquelas expectativas.
Mas também é possível que os Estados Unidos percam sua condição de potência hegemônica, tanto mundial quanto regional, fortalecendo uma situação mais favorável para a integração latino-americana e caribenha. Os atuais processos de integração, que se fortaleceram na onda de surgimento de governos progressistas e de esquerda, como o Mercosul, Unasul, Alba e Celac, poderão ser acelerados e consolidados, como projetos que buscam incluir todos os países da região, independentemente da orientação ideológica ou política de seus governos.
A crise internacional também causou dificuldades imensas para vários países da região, especialmente aqueles fortemente dependentes das exportações e com fracos mercados internos, a exemplo de Cuba, Venezuela, Bolívia e Equador. Para superar os problemas estruturais que impedem seu desenvolvimento econômico e social, os países latino-americanos e caribenhos, em geral, além da contra-ofensiva generalizada da direita, confrontam-se com diversas limitações e dificuldades objetivas e subjetivas que inibem a ação da esquerda.
A forte influência da esquerda, na América Latina e Caribe, por sua vez, possibilita que essa região se torne um dos pólos do combate de natureza geopolítica em curso no mundo. No entanto, ainda que percam sua condição de potência hegemônica, os Estados Unidos deverão resistir a essa tendência de fortalecimento da esquerda, assim como o farão as potências européias e a direita latino-americana e caribenha. Atualmente, essa resistência se expressa de diferentes maneiras, assumindo a característica de uma contra-ofensiva generalizada.
Uma dificuldade consiste em que os governos dos quais a esquerda vem participando na América Latina e Caribe são, geralmente, resultado de divisões profundas na burguesia local, que permitem alianças sociais com seus setores dissidentes e coalizões políticas com partidos de centro e até de direita. Para viabilizar estas alianças, alguns partidos de esquerda não se limitam a fazer programas mínimos: em alguns casos, rebaixam os programas partidários, transformando o programa mínimo em máximo e confundido tática com estratégia.
Essa contra-ofensiva da direita é política, embora tenha o componente militar como um de seus aspectos. O componente militar é evidente na construção de bases em vários países da região e na retomada da 4a Frota. Mas, ao menos por enquanto, a força militar é utilizada para exercer pressão política. Com sua força militar incomparável, embora tenham perdido terreno ideológico, político e econômico na região e no mundo, os Estados Unidos podem utilizar sua potência bélica como forte elemento de pressão. Mas por enquanto é pouco provável que os Estados Unidos tentem uma agressão militar
Outra dificuldade, que independe das alianças ou coalizões com setores da burguesia, reside na necessidade de desenvolver as forças produtivas, em geral bastante atrasadas, na maior parte dos países da região. O que pressupõe a necessidade, mesmo que o governo de tais países tivesse sido conquistado por meios revolucionários, de permitir a ação de diferentes formas de propriedade, inclusive capitalistas ou burguesas, para alcançar o pleno desenvolvimento dessas forças produtivas, como condição para o socialismo. Nesse sentido, o atual processo de reforma cubana é paradigmático.
Por outro lado, a realização de reformas estruturais, mesmo que ainda limitadas às tarefas democrático-burguesas, enfrenta dificuldades no fato de que o apoio político necessário para implementar tais reformas é muito superior ao apoio para vencer eleições e para administrar o capitalismo. Realizar mudanças estruturais a partir de um governo eleito é totalmente distinto de realizá-las a partir de governos conquistados por meios revolucionários, embora às vezes as reformas sejam da mesma natureza. Outra dificuldade, decorrente dessa situação, reside ainda no fato de que, além da oposição de direita, os governos apoiados pela esquerda se confrontam também com uma oposição de ultra-esquerda, contrária a quaisquer acordos com setores burgueses, mesmo de centro, e a qualquer política de desenvolvimento que inclua a participação de formas capitalistas de propriedade e de produção. Apesar dessas dificuldades, e do fato de, em âmbito mundial, a esquerda ainda se encontrar em defensiva estratégica, a América Latina e Caribe apresenta tendências favoráveis para a reconstrução de alternativas socialistas, que completem as tarefas históricas de desenvolvimento das forças produtivas sociais próprias do capitalismo e esgotem as possibilidades de reprodução do capital. A necessidade atual de reconstruir os Estados nacionais, construir empresas estatais, públicas e sociais que funcionem como instrumentos de políticas industriais de desenvolvimento, e democratizar a sociedade, são elementos que tendem a formalizar alternativas socialistas.
A partir de meados dos anos 1970 o Brasil se viu envolvido pelas crises do petróleo e da dívida externa, ingressando posteriormente no privatismo neoliberal, que constituíu uma cadeia de processos de desestruturação econômica, social e política. Isso fez com que o peso da indústria de transformação no PIB caísse de 33% para 16%, impedindo o país de desenvolver ramos nos quais já tinha uma base preliminar sólida: espacial, naval, petroquímica, química fina, informática, eletrônica, fármacos e máquinas.
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
os processos de integração regional, em especial dos Estados Unidos, que se esforçam por manter não só sua condição de potência hegemônica mundial, mas também regional.
Fábricas, principalmente modernas, foram vendidas para se tornarem segmentos das cadeias de corporações transnacionais globalizadas, ou simplesmente para serem fechadas. A relação entre as exportações de manufatu-
23
A situação geral do Brasil
TRIBUNA DE DEBATES rados e as exportações totais, que chegou a atingir 59% nos anos 1970, foi reduzida para 40%. E os segmentos das diferentes cadeias produtivas se atrasaram na corrida tecnológica, o que na prática apresentou-se como uma regressão, se comparados com os mesmos segmentos de outros países emergentes.
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
A infra-estrutura de transportes, além de ser plenamente anti-econômica, tendo como base o sistema de transportes rodoviários, ingressou no século 21 totalmente sucateada e tecnologicamente defasada: rodovias intransitáveis, malha ferroviária quase inexistente, sistema portuário operando em ritmo extremamente lento, navegação marítima e de cabotagem de pequena escala, aeroportos ameaçados de colapso. O custo logístico se tornou um dos mais elevados do país. Atualmente, embora haja uma tendência de reforma e construção de uma nova infra-estrutura de transportes, o processo continua lento e dificilmente suportará crescimentos médios do PIB de 5% a 6% anuais. A infra-estrutura de energia elétrica, por falta de investimentos, sofreu um colapso, no final dos anos 1990 — do qual resultou o tristemente célebre “Apagão” de FHC — e as medidas para resolver os problemas imediatos, por meio de termelétricas a gás, ainda implicam um custo elevado. Nessa mesma década, as privatizações comandadas pelo PSDB no setor provocaram uma acentuada piora dos serviços prestados à população (paradoxalmente, o virtual colapso da AES Eletropaulo em São Paulo, em junho de 2011, após uma tempestade, levou o governo tucano a pedir intervenção da ANEL). Embora o governo Lula tenha avançado na elaboração e construção de novos projetos, tanto de usinas hidrelétricas e eólicas, quanto de linhas de transmissão, sua efetivação ainda é lenta por falta de recursos suficientes e pelas tentativas de oligopolização por parte das grandes empreiteiras. A vulnerabilidade do setor é fonte de conflitos com os movimentos sociais, na medida em que o modelo preferido é o das grandes hidrelétricas, cujo impacto ambiental e social é devastador.
24
A infra-estrutura de telecomunicações vem avançando significativamente, mas as empresas do setor, quase totalmente privado, tendem a vender mais aparelhos do que a infra-estrutura suporta, havendo gargalos
e o perigo de um colapso da capacidade instalada. É neste contexto que se insere a discussão sobre qual projeto de banda larga (“PNBL”) o governo Dilma vai implantar. A reversão do processo de desindustrialização e de sucateamento da infra-estrutura tem encontrado dificuldades de monta. Por um lado, o Estado ainda não recuperou totalmente sua capacidade de planejamento e de investimento, e sua participação na recuperação e modernização da infraestrutura industrial ainda é diminuta. As empresas estatais foram reduzidas a um pequeno grupo — Petrobras, coligadas do sistema Eletrobrás, BNDES, Banco do Brasil, CEF e algumas outras — e ainda não reformularam totalmente seu papel para voltarem a ser instrumentos de indução do desenvolvimento industrial. As reservas de óleo e gás do Pré-Sal podem contribuir para modificar esse quadro se, em 2020, a produção brasileira de petróleo atingir seis milhões de barris/dia, ou três vezes a produção atual. Com essa produção de 2020 pode haver um excedente de 3 milhões de barris/dia, a ser exportado após o processo de refino. Isso pode representar uma receita anual estimada de 100 bilhões de dólares, elevando consideravelmente a capacidade de investimento do Estado. No entanto, o problema consiste em que até lá o país precisa alcançar taxas médias de crescimento de 5% a 6% anuais, o que demanda taxas de investimento de 25% do PIB, pelo menos 5% superiores às atuais. Portanto, para poder tirar pleno proveito das estimativas do Pré-Sal, seria necessário alterar a política de juros altos, que segue remunerando de forma absurda as aplicações no mercado financeiro, assim como alterar a política cambial, permitindo que o dólar se desvalorize artificialmente diante do real. Juros e câmbio devem deixar de funcionar como obstáculos aos investimentos na produção industrial. Grande parte dos capitais prefere o risco da especulação de ganho fácil ao risco da produção, dos salários e dos impostos. A experiência histórica dos países que se industrializaram mostra que, com juros altos e câmbio elevado, nenhuma política industrial fez sentido. A tendência de crescer apenas ou prioritariamente pelo consumo e pelo crédito
tem mostrado limitações justamente na capacidade industrial instalada, incapaz de fazer crescer a oferta no mesmo ritmo da demanda, gerando pressões inflacionárias. Tais pressões têm se agravado ainda mais em virtude da vigência, no mercado internacional, de elevados preços dos produtos agrícolas, que fazem desviar, da produção de alimentos para a produção de commodities exportáveis, parte considerável dos meios de produção. O agronegócio, caracterizado pelo emprego de máquinas e insumos industriais na agricultura, e pela produção predominante de commodities agrícolas e pecuárias, tem tido retornos financeiros consideráveis na esteira dos altos preços internacionais e assim contribuído positivamente para os superávits da balança comercial do país. Esse sucesso tem levado o agronegócio a avançar não apenas sobre terras florestadas, mas também sobre a agricultura familiar, reduzindo tanto as áreas de florestas, quanto as de plantio de alimentos para o mercado interno. A agricultura familiar, responsável por mais de 80% dos produtos agrícolas alimentares que abastecem o mercado doméstico, sofre não só com a ameaça de expropriação pelo agronegócio, mas também com as dificuldades de acesso ao crédito, de comercialização e processamento da safra, e com os juros altos, constituindo-se assim em um dos fatores de pressões inflacionárias. Outra tendência negativa da situação econômica brasileira reside na elevação do grau de concentração e centralização do capital, revelado pelo alto número de fusões e incorporações empresariais. Os oligopólios, livres da concorrência, tendem a praticar preços administrados capazes de lhes proporcionar super-lucros, também pressionando a inflação. Num quadro como esse, a situação das micros e pequenas empresas, das empresas solidárias ou cooperadas, e das economias familiares, urbanas e rurais, sofre grande instabilidade. Apesar de medidas tentando facilitar a produção dessas empresas, há inúmeros obstáculos para que elas se desenvolvam, incluindo o acesso difícil ao crédito, juros altos, impostos ainda elevados e obrigações burocráticas de diferentes tipos.
TRIBUNA DE DEBATES
As classes sociais no Brasil A burguesia, constituindo cerca de 1% da população brasileira, é a classe dominante da sociedade. Caracteriza-se pela propriedade dos meios de produção e circulação, e pela compra de força de trabalho dos trabalhadores não-detentores de capital, através da qual extrai sua mais-valia, lucro ou rentabilidade. Embora possua um alto grau de cooperação interna no que diz respeito ao processo de exploração e de confronto com os vendedores de força de trabalho, ela não é homogênea e sua existência é marcada por um intenso processo de concorrência interna, dentro de cada ramo ou setor, e entre ramos e setores. Durante os anos 1990, de predomínio da ideologia e da política neoliberal, a burguesia brasileira sofreu um intenso processo de transferência patrimonial de uns setores para outros, com a fração financeira conquistando a hegemonia dentro da classe. As frações agrícola, industrial e comercial passaram a ser suas caudatárias. No final dos anos 1990, quando ficou evidente a extinção e desnacionalização de parte considerável do parque industrial brasileiro, e o neoliberalismo foi abalado por crises internacionais que atingiram o Brasil fortemente, a concorrência ou competição econômica se transformou numa divisão política relativamente profunda, tendo como fulcro a questão do crescimento econômico. Ainda que as diversas frações da burguesia sejam faces da mesma moeda, parte das frações burguesas passou a opor-se à hegemonia da burguesia financeira e a procurar uma saída para a crise estrutural brasileira. A pequena burguesia urbana, constituindo cerca de 20% da população brasileira, representa uma massa populacional muito
diversificada e dispersa. Ela é composta principalmente de pequenos e micro industriais e comerciantes, isto é, de proprietários de meios de produção de pequena escala. Às vezes, utiliza unicamente sua própria força de trabalho, ou a força de trabalho familiar. Outras vezes, explora força de trabalho comprada no mercado. Sua existência é influenciada tanto pelas imposições concorrenciais do grande capital, quanto pela falta de proteção e estímulo do Estado. Portanto, é marcada pela instabilidade, buscando acesso à burguesia, mas sendo ameaçada de falência e transformação em trabalhador assalariado.
brevivência e expansão. No entanto, essas medidas ainda são insuficientes para promover um forte processo de democratização do capital.
A pequena burguesia agrícola também constitui cerca de 15% a 20% da população brasileira e uma massa populacional muito diversificada e dispersa. É composta de pequenos lavradores ou criadores individuais e familiares, proprietários de seus meios de produção, como a terra e implementos agrícolas. E se depara constantemente com as incertezas do clima, das pragas, da falta de acesso ao crédito, das dificuldades de comercialização e, principalmente, com as ameaças de expropriação pelo agronegócio e de transformação, na melhor das hipóteses, em pequeno rentista, e na pior, em camponês sem-terra ou trabalhador assalariado urbano.
Durante os anos 1990, uma parte considerável desses trabalhadores foi dispersada por várias regiões do país, acompanhando a re-localização ou segmentação de plantas industriais e comerciais, ou ficou desempregada, tornando-se parte do exército industrial de reserva. Isso fez com que a classe dos trabalhadores assalariados perdesse densidade e força concentrada e fosse até mesmo considerada extinta por alguns analistas afoitos. A partir de 2005, teve início uma recomposição paulatina dessa densidade e dessa força, o que tende a fazer com que a classe dos trabalhadores assalariados retome, mais cedo ou mais tarde, um papel protagonista.
Ainda existem no Brasil cerca de 2 milhões a 3 milhões de camponeses sem-terra, oriundos principalmente de propriedades rurais expropriadas pelo agronegócio ou por dívidas bancárias e comerciais. Sua transformação em pequenos produtores agrícolas independentes encontra forte resistência. Primeiro, da burguesia agrícola ou do agronegócio, que pretende completar a ocupação de todas as terras agricultáveis para a produção de commodities. Depois, dos remanescentes do antigo latifúndio, que não pretende ver suas terras repartidas. Finalmente, do conjunto da burguesia, que pretende manter os sem-terra como parte do exército de reserva de mão-de-obra barata.
Entre os trabalhadores assalariados, os assalariados rurais permanentes aumentaram seu número para mais de 2 milhões, já há algum tempo, acompanhando o processo de crescimento do agronegócio. Em algumas áreas do país, especialmente durante a colheita, ocorre o crescimento do número de trabalhadores assalariados temporários, muitos dos quais são proprietários de meios de produção rural em outras regiões, deslocando-se então para complementar sua renda. Esse processo pode sofrer mudanças importantes, com o aumento do emprego de máquinas para a colheita de plantações que até então eram realizadas manualmente.
Nos anos mais recentes, o governo adotou uma série de medidas administrativas e financeiras no sentido de facilitar a existência da pequena burguesia urbana e agrícola, minorando em certa medida as ameaças econômicas que pesam sobre essa classe e ampliando as condições para a sua so-
Os trabalhadores assalariados, ou proletários, voltaram a constituir cerca de 40% a 45% da população brasileira, após a retomada do crescimento econômico na primeira década do século 21. Eles se caracterizam por não serem proprietários de meios de produção e circulação e, para sobreviverem, serem obrigados a vender sua força de trabalho para os proprietários de tais meios, em troca de salário.
Nas periferias urbanas habitam alguns milhões de brasileiros desprovidos de propriedades e de condições de trabalho. Essa camada social, em geral denominada de lumpenproletariado, constituinte do “exército industrial de reserva” e inserida diretamente nas dinâmicas da violência urbana, tende a ser reduzida se o processo
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
A atração de investimentos externos diretos, um mecanismo necessário para complementar o raquitismo da taxa interna de poupança, preencher as lacunas do déficit tecnológico e adensar as cadeias produtivas industriais, enfrenta resistências diversas, que vão da confusão entre investimentos diretos e liberalidade no ingresso sem controle de capitais especulativos, à falta de políticas de atração para investimentos diretos nos setores produtivos.
25
TRIBUNA DE DEBATES de crescimento econômico for acentuado. É interessante notar que o neoliberalismo disseminou o comportamento lumpen para setores médios e burgueses. O Estado brasileiro
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
O Estado brasileiro vem sendo reformado, desde sua constituição, como instrumento não só para o controle social das classes dominadas, mas também para garantir o privilégio exclusivo das classes dominantes. Seus principais mecanismos são o sistema parlamentar, os governos executivos, os órgãos estatais permanentes, como o de relações exteriores e as forças armadas, e o sistema judiciário.
26
Desde o final da ditadura militar, nos anos 1980, esses mecanismos do Estado vem sendo pressionados, por um lado para reduzir seu papel na sociedade, em especial sua interferência na economia, e por outro, para serem democratizados e servirem de instrumentos a serviço da maioria do povo. No período neoliberal dos anos 1990, a pressão pelo Estado mínimo se tornou predominante, conduzindo a uma privatização dos serviços públicos e das empresas estatais, assim como ao desmantelamento dos instrumentos estatais de planejamento e controle.A crise do programa neoliberal permitiu uma reversão no sentido da democratização e do emprego do Estado como instrumento de indução do desenvolvimento. No entanto, esse processo enfrenta resistência permanente dos setores conservadores e reacionários da sociedade brasileira, e tem avançado lentamente, em especial porque a pressão social ainda é de pequena intensidade. O Judiciário é, talvez, aquele em que se concentra um dos focos principais de resistência ao processo de democratização. Embora em crise permanente, seja porque não consegue atender às demandas judiciais no tempo previsto pelas próprias leis, seja porque a todo momento vêm à tona os privilégios vitalícios dos membros desse poder e os casos de desmandos e corrupção, o Judiciário nega submeter-se ao controle social externo, legisla em benefício próprio e arroga a si o direito de legislar em lugar do Congresso. As Forças Armadas se recolheram após os resultados desastrosos de seus 20 anos no
poder ditatorial, e perderam a prerrogativa de serem representadas diretamente no primeiro escalão governamental. Apesar disso, elas mantêm sob sua direção alguns setores do aparato estatal, como o controle do tráfego aéreo civil, as capitanias de portos e a Justiça Militar. Além disso, continuam a reproduzir e cultivar, nas escolas militares, o conteúdo tradicional conservador e reacionário de formação de seus oficiais e sargentos. No que concerne às questões funcionais, o tratamento concedido a cabos e soldados, e mesmo a oficiais de baixa patente, é profundamente desigual e discriminatório. Em seu meio ainda parecem vivas e fortes as concepções elitistas, antidemocráticas, anticomunistas e nacionalistas de direita, e é difícil prever sua evolução diante do processo de democratização da sociedade, embora esta democratização também influa sobre suas fileiras. A máquina burocrática governamental ainda não abandonou a tradicional concepção de que é a sociedade que deve lhe servir, e não o contrário, e demora a se moldar aos novos tempos, várias vezes transformandose num freio ao andamento das políticas de caráter democrático e de desenvolvimento. A disputa estratégica entre três grandes correntes políticas O Brasil possui uma miríade de correntes políticas, representando diferentes segmentos da sociedade. Apesar disso, ao enfrentar a questão chave do desenvolvimento do país, elas se agrupam principalmente em três grandes correntes, que marcam a história brasileira desde a primeira metade do século 20: a conservadora, a progressista e a democrático-popular. A corrente conservadora caracteriza-se por defender um desenvolvimento capitalista sem realização de reformas estruturais, nem disseminação de direitos democráticoburgueses, mantendo o Brasil atrelado aos interesses de potências capitalistas. Dentro dela é possível distinguir uma clivagem entre os que defendem maior participação ativa do Estado na economia, os estatistas, e os que abominam tal participação, como os neoliberais. A corrente conservadora, comandada por estatistas, foi hegemônica no Brasil ao longo de maior parte do século 20, sendo
responsável pela industrialização dos anos 1930 e 1940 e, depois, dos anos 1960 e 1970. Sob governos ditatoriais, promoveu um rápido crescimento econômico, paralelamente à manutenção do latifúndio, ao aumento das desigualdades sociais e à disseminação da miséria. Quando comandada pelos neoliberais, durante os anos 1990, a corrente conservadora promoveu um desenvolvimento regressivo, caracterizado pelo rápido crescimento do setor financeiro, e pelo desmantelamento do setor industrial. A corrente progressista caracteriza-se por defender um desenvolvimento capitalista combinado com reformas parciais, democratização limitada, participação ativa do Estado, e certa dose de soberania nacional e de política externa autônoma. Durante a maior parte do século 20, além de minoritária, essa corrente esteve sob a hegemonia de forças burguesas, em vários momentos tendo como aliadas algumas forças democráticas, populares e socialistas. O período JK, nos anos 1950, é representativo dessa corrente, com um ambiente de relativa democracia política, crescimento rápido, manutenção do latifúndio e aumento das desigualdades sociais. A corrente democrático-popular caracteriza-se por defender um desenvolvimento combinado de formas capitalistas e socialistas, com participação ativa do Estado, reformas estruturais profundas, ampla democratização econômica, social e política, com redistribuição constante da renda, soberania nacional e política externa autônoma. Embora minoritária na maior parte do século 20, essa corrente ganhou força a partir do final dos anos 1980, com a fundação do Partido dos Trabalhadores, passando mesmo a dirigir o bloco de forças políticas e sociais defensoras da corrente progressista, em virtude do processo de divisões internas na burguesia. Essas mudanças na situação das forças políticas pareceram indicar que haveria uma crescente polarização entre a corrente capitalista-conservadora e a corrente democrático-popular e progressista. No entanto, nos anos 1990 e início dos anos 2000, combinaram-se a ofensiva global neoliberal, a crise do socialismo, a reestruturação do mundo do trabalho e o declínio das mobilizações sociais. Essa combinação complexa introduziu mudanças profundas na correlação de forças e fez com que o Partido dos
TRIBUNA DE DEBATES
A corrente democrático-popular assumiu paulatinamente os objetivos programáticos da corrente progressista como seus objetivos principais, embora dando ênfase às políticas sociais, democracia, soberania e integração, e mantendo o socialismo como meta de longo prazo. Nesse contexto, o final dos anos 1990 e os anos da primeira década do século 21, reviveram a disputa entre a corrente conservadora, agora sob hegemonia da burguesia financeira neoliberal, e as correntes progressista e democrático-popular, sob a liderança do PT. A hegemonia da burguesia financeira sobre a corrente conservadora tem acentuado as tendências mais conservadoras e reacionárias do desenvolvimento brasileiro. Por um lado, elas revivem os antigos preconceitos anticomunistas, que pareciam enterrados, procurando despolitizar o debate e trazer à tona todos os medos. Por outro, isso produz novas cisões nessa corrente, fazendo com que setores dissidentes da pequena e média, e mesmo da grande burguesia, dela se descolem e sejam fundamentais na disputa, como ocorreu na eleição de Lula à presidência da República, em 2002 e 2006, e na eleição de Dilma, em 2010. A hegemonia de forças socialistas e democráticas sobre a corrente progressista de desenvolvimento também produz tensões constantes nesse bloco. Elas estão relacionadas com maior ou menor participação do Estado na economia, com maior ou menor redistribuição de renda entre as camadas mais pobres da população, com maior ou menor participação popular no processo democrático, com maior ou menor profundidade das reformas democráticas, e com a introdução ou não de mecanismos de transição socialista. A conquista da presidência da República pelas forças socialistas, progressistas e democrático-populares promoveu mais democracia, melhor qualidade de vida, soberania nacional e integração sul-americana. Introduziu mudanças constitucionais, aumentou a participação eleitoral, impulsionou o crescimento de organizações sociais e deu surgimento a novos meios de
comunicação. Hoje há mais gente alfabetizada, mais serviços de saúde, menos fome e mais direito à moradia. O crescimento econômico re-introduziu a necessidade da industrialização, estimulou a criação de mais empregos, e proporcionou aposentadorias menos aviltantes. Mas esses avanços ainda não se tornaram estruturais, não se converteram num outro modelo de desenvolvimento, democrático-popular, que democratize a estrutura de propriedade e produza um salto no desenvolvimento das forças produtivas sociais. Na prática, o bloco progressista e democrático-popular não conseguiu superar a herança neoliberal. A sociedade continua polarizada sem que a alternativa progressista de desenvolvimento tenha imposto uma vitória decisiva sobre a alternativa conservadora e possa ser transformada numa alternativa democrático-popular. O candidato conservador-reacionário teve 44% dos votos válidos nas eleições de 2010, demonstrando que a herança neoliberal continua extremamente influente. Desafios estratégicos do PT Diante das tendências conjunturais da atualidade, os principais desafios estratégicos do Partido dos Trabalhadores consistem em manter o governo nacional, consolidar a sua hegemonia sobre as forças progressistas, retomar a alternativa democrático-popular e socialista de desenvolvimento, transformar tal alternativa, paulatinamente, num dos pólos da disputa, e consolidar o partido como uma organização de massa e de direção social. Para enfrentar tais desafios o conjunto da militância petista terá que realizar uma reflexão teórica mais profunda sobre algumas questões que atrapalham sua elaboração política. Isso diz respeito, primeiro, às concepções correntes sobre neoliberalismo, nacionalismo, social-democracia, socialismo e desenvolvimento. Depois, à necessidade de avaliar a importância, para as grandes massas do povo, da presente experiência de participação nos processos eleitorais e nos mecanismos institucionais do Estado. E à necessidade de uma justa e precisa política de alianças, que possa dividir e enfraquecer o inimigo principal, mas também para acumular forças e mudar a correlação de forças.
Tornou-se comum adjetivar de neoliberal toda e qualquer ação ou atitude que não seja, supostamente, de natureza socialista. Confunde-se, assim, neoliberalismo, como uma ideologia e política da burguesia corporativa transnacional, com o liberalismo e o democratismo burgueses. O liberalismo e o democratismo burgueses são expressões políticas diferentes e mais antigas, que ainda se apresentam de forma diferenciada na sociedade brasileira, na maior parte das vezes em contradição com o neoliberalismo. Já a ascensão do neoliberalismo ocorreu no rastro da crise internacional e da reestruturação capitalista dos anos 1970. O neoliberalismo enquanto ideologia exarcebou o papel das grandes corporações transnacionais, a recente expansão globalizada do Capital. Enquanto orientação política, desencadeou no mundo um processo regressivo, caracterizado pelo colapso da social-democracia européia, dos nacionalismos africanos, dos desenvolvimentismos latino-americanos e do socialismo de tipo soviético. Nas décadas de 1980 e 1990, o neoliberalismo tornou-se hegemônico na América Latina, acentuando a dependência, a desigualdade e o conservadorismo político, característicos do período anterior. Na contramão do neoliberalismo, mas aproveitando-se do processo de globalização do capital, vários países asiáticos ingressaram fortemente no processo de industrialização, emergindo como novas potências. Esse fenômeno demonstrou que o neoliberalismo não era a única via possível e que a globalização apresentava contradições que podiam tanto impedir o desenvolvimento, quanto promovê-lo, dependendo das políticas adotadas pelos países. Algo idêntico ocorre com o conceito de nacionalismo. Muitos não se dão conta de que o nacionalismo de grande potência, exercido pelas práticas imperialistas das potências centrais, é de natureza diferente do nacionalismo de pequena potência, praticado como forma de defesa contra o nacionalismo e o imperialismo de grande potência. Por outro lado, parte da burguesia brasileira é incapaz de praticar qualquer tipo de nacionalismo de defesa, em suas relações com as grandes potências, enquanto a burguesia, em conjunto, costuma olhar os países vizinhos da América Latina e Caribe, assim como os países africanos e asi-
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
Trabalhadores e grande parte da esquerda brasileira realizassem um recuo estratégico, nem sempre consciente, e alterassem seus objetivos programáticos.
27
TRIBUNA DE DEBATES áticos, por um viés nacionalista de grande potência, o que influência parte do povo a adotar o mesmo tipo de nacionalismo. O antídoto contra essa confusão reside no internacionalismo de cooperação com todos os povos, e no nacionalismo em relação às grande.
Porém, tomando como base a prática dos últimos 90 anos, o socialismo foi aquilo que os seus principais teóricos afirmavam que ele seria. Isto é, uma fase de transição do capitalismo para uma sociedade de tipo superior, que eles chamaram de comunismo.
A social-democracia nasceu, no século 19, como corrente popular revolucionária anticapitalista e internacionalista européia. A partir da primeira guerra mundial, no século 20, essa social-democracia transformouse em corrente reformista do capitalismo, apesar do surgimento da União Soviética, em 1917. Com os resultados da segunda guerra mundial, após 1945, a social-democracia jogou papel fundamental na criação de Estados de Bem-Estar Social na Europa, elevando os padrões de vida dos trabalhadores assalariados e do conjunto de suas populações, mas às custas da super-exploração das populações das antigas colônias e semi-colônias.
Na fase socialista, o capitalismo ainda não esgotou seu papel histórico de desenvolvimento das forças produtivas e o comunismo ainda não possui as bases materiais e culturais para implantar-se. No socialismo, portanto, será necessária a convivência, de colaboração e conflito, entre propriedades sociais, como estatais, públicas, cooperativas e solidárias, com propriedades capitalistas e mistas. Nela, o Estado precisará combinar planejamento e mercado, corrigindo os desvios caóticos do mercado, mas usando-o como instrumento de determinação dos preços e da alocação dos recursos, até o pleno desenvolvimento das forças produtivas e a criação das condições materiais e culturais necessárias à passagem a uma etapa superior de civilização.
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
A libertação dos antigos países coloniais e semi-coloniais, completada nos anos 1970, a transformação de vários deles em potências emergentes, o surgimento das grandes corporações transnacionais, e o fim da União Soviética, no início dos anos 1990, liquidaram os motivos e as condições de existência dos Estados de Bem-Estar. Ao final, a social-democracia européia transformou-se em corrente defensora do neoliberalismo.
28
Ao mesmo tempo, a social-democracia latino-americana, incluindo a brasileira, sempre havia sido mais radical do que a européia, em virtude das dificuldades em compatibilizar capitalismo, democracia e bem estar social, e da pressão conservadora dos Estados Unidos e das burguesias locais. Durante o regime militar no Brasil, a social-democracia desempenhou papel importante na luta contra a ditadura e, no início dos 1980, uma parte dela ingressou no PT. Apesar disso, nos anos 1990, parcela considerável da social-democracia se bandeou para o neoliberalismo, transformando-se em social-liberalismo e na principal representação política da burguesia financeira. Quanto ao socialismo, ele continua sendo tomado, em grande medida, como o ápice do desenvolvimento social da humanidade.
Nos anos 1990, no contexto profundamente marcado pela crise do socialismo, pela ofensiva neoliberal e pela necessidade de defender os interesses nacionais e as conquistas trabalhistas, populares, democráticas e socialistas dos períodos anteriores, a esmagadora maioria das correntes e partidos de esquerda da América Latina e do Brasil se viu obrigada a adotar uma política de defensiva estratégica, embora nem sempre conscientemente. Há, portanto, uma dificuldade real no entendimento do significado de viver um período de defensiva estratégica da luta pelo socialismo. E, muitas vezes, a postura de defensiva é acompanhada de concessões ideológicas, teóricas e estratégicas, que acabam por transformar a natureza de alguns partidos de esquerda, que deixam de ser socialistas e passam a ser social-democratas ou mesmo socialliberais. Reconhecer que vivemos num período de defensiva estratégica não implica em abandonar a condição de revolucionário. No entanto, ser revolucionário num período em que uma revolução está na ordem do dia é muito diferente de ser revolucionário num período em que a revolução não está na ordem do dia. Quando a revolução está na ordem do dia, os revolucionários têm o dever
de conquistar a hegemonia e a direção do processo revolucionário para a tomada do poder. Quando a revolução não está na ordem do dia, cabe aos revolucionários adotar uma política de acumulação de forças que tenha como objetivo criar as condições para mudanças revolucionárias. De qualquer modo, o único teste para saber se um partido ou um militante é revolucionário ou não consiste em verificar se dirigiram e participaram de uma revolução. Discursos, proclamações de fé, autopromoções e acusações contra supostos contra-revolucionários não contam como teste de definição. O desenvolvimento nacional, apesar de ser foco constante de discussões, continua aparecendo como um conceito capaz de inúmeras interpretações. A atual oposição de direita, capitaneada pela coalizão PSDB-DEM, por exemplo, sustenta que o atual desenvolvimento, promovido pelos governos sob hegemonia petista, se deve à trilha aberta pelo governo FHC. Este teria sido o responsável por criar as condições para o desenvolvimento futuro, condições aproveitadas por Lula e, agora, por Dilma. Alguns petistas também acreditam nisso, mas a maioria do PT e da esquerda brasileira sabe que o Brasil escapou das principais conseqüências da crise mundial deflagrada em 2008 justamente porque o governo Lula não seguiu a trilha aberta pelo governo FHC. A trilha seguida por FHC foi a de privatização dos bancos públicos e empresas estatais, da implantação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), da atração de capitais especulativos, do sucateamento dos mecanismos de planejamento e controle do Estado e sua substituição por agências autônomas, e de outras políticas que conduziram o país à beira do precipício. As dificuldades enfrentadas pelo governo Lula, e ainda presentes no governo Dilma, para realizar um desenvolvimento sustentado, têm origem justamente na herança maldita deixada pelo governo FHC, em especial a especulação financeira e a legislação privatista (como a Lei de Responsabilidade Fiscal), que impedem o crescimento dos investimentos públicos em infra-estrutura e no processo produtivo. Assim, a discussão sobre o desenvolvimento, mesmo nos marcos do capitalismo, envolve problemas diferentes, dependendo da
TRIBUNA DE DEBATES
O problema que se coloca, neste caso, é que isto não basta nem para manter um desenvolvimento de longo prazo, nem para liquidar com os processos de exploração da força de trabalho e evitar regressões a níveis de pobreza e miséria. O desenvolvimento progressista tem por limites a natureza do capitalismo e da democracia liberal. Por isto, nosso objetivo é implementar um desenvolvimentismo democrático-popular, que ultrapasse aqueles limites, ao introduzir instrumentos econômicos de caráter social e público, como as empresas estatais, públicas, cooperadas e solidárias; ao instituir mecanismos de redistribuição efetiva da renda, universalizar a educação e a saúde a todas as camadas da população; ao radicalizar o processo democrático através do apoio a novos mecanismos de participação popular e controle social. A principal dificuldade para transformar o desenvolvimento progressista em desenvolvimento democrático-popular está na correlação de forças. Pois a institucionalidade do Brasil está a serviço da manutenção do status quo ante. Neste sentido, a grande questão é: é possível criar as condições políticas para realizar reformas estruturais no Brasil? Se a resposta for “não”, então a presença da esquerda no governo federal, por mais que seja útil para melhorar as condições de vida do povo, será inútil do ponto de vista estratégico. Para responder aquela pergunta, joga papel importante a avaliação da experiência de participação das grandes massas do povo nos processos eleitorais e nos mecanismos institucionais do Estado. Joga papel importante, também, um estudo de nossa política de alianças, inclusive com setores da burguesia. Estamos diante de uma experiência nova na história brasileira: a substituição das mobi-
lizações massivas, a exemplo das grandes greves operárias e dos movimentos de diretas já e anistia, do final dos anos 1970 e da primeira metade dos anos 1980, pelas votações massivas em candidaturas e partidos de esquerda, na esperança de que estes realizem as melhorias desejadas naqueles aspectos que expressamente iam ou vão mal. O ápice deste processo foi a grande virada cultural das eleições de 2002, em que grandes camadas pobres da população finalmente superaram sua resistência em votar em alguém que possui sua mesma origem social. Em 2006 e 2010, essa votação se repetiu, ainda que com nuances importantes. No entanto, é preciso reconhecer que grande parte das camadas populares, e uma parte significativa das chamadas classes médias, continua avessa à esquerda e a suas propostas, sendo presas fáceis dos preconceitos alimentados pela direita conservadora e reacionária. Nessas condições, é preciso evitar dois erros. O primeiro deles é supor que é possível modificar essa situação através da radicalização verbal em torno do socialismo e das reformas estruturais. O segundo deles é abandonar qualquer pretensão político-pedagógica, transformando as campanhas e os governos de esquerda numa variante da política tradicional. Trata-se, portanto, de uma experiência carregada de riscos para a esquerda, em particular para o PT. Ela pode levar a que se confunda concessões táticas, como o rebaixamento dos objetivos de programas eleitorais, com concessões programáticas e ideológicas, como o rebaixamento ou abandono dos objetivos gerais, de caráter democrático-popular e socialista, e o uso de métodos de ação e hábitos próprios da burguesia. Ela também pode conduzir ao abandono do trabalho de base, entre os trabalhadores assalariados, demais camadas populares e classes médias, em benefício exclusivo do trabalho institucional e eleitoral. E, ainda, pode entender as alianças como ações que incluem apenas a cooperação de classe e excluem a luta de classe, inclusive contra os aliados. O rebaixamento ou abandono dos objetivos gerais, de caráter democrático-popular e socialista, pode se expressar de diferentes formas. Pode supor, por exemplo, que para alcançar o pleno desenvolvimento econômico e social, liquidar a miséria e a pobreza e
consolidar a democracia participativa, basta continuar conquistando o governo por tempo indeterminado, sem que seja necessário re-estruturar em profundidade o parlamento, o judiciário e os demais aparelhos do Estado. Pode levar a acreditar que, nesse processo, mesmo mantendo intactos esses aparatos de poder e o modo de produção capitalista, seja possível superar os problemas estruturais da sociedade brasileira e domar as leis férreas do desenvolvimento capitalista. Esse rebaixamento também subestima que o desenvolvimento progressista reforça a burguesia e que as condições desse desenvolvimento, que necessita do lucro máximo, devem chegar a um estágio em que entrarão em forte contradição com uma ampla redistribuição de renda e com a ampliação da participação democrática. Em algum momento desse processo de desenvolvimento, as forças democráticas e populares terão que se confrontar com os interesses mais profundos da burguesia. Tão danoso quanto o rebaixamento ou abandono dos objetivos gerais, de caráter democrático-popular e socialista, é a adoção de métodos de ação e hábitos próprios da burguesia. O PT e demais partidos de esquerda não podem fazer uso do tráfico de influência, da corrupção e de outros métodos comuns à vida burguesa, não apenas porque precisamos nos diferenciar dos métodos da burguesia, e porque estes métodos implicam em crimes contra a economia popular e o patrimônio público, mas também porque a burguesia, hipocritamente, é a primeira a denunciar esses deslizes do PT e da esquerda e fazer uso deles para nos desmoralizar. A vida demonstrou que deslizes neste terreno podem ser fatais para o nosso projeto. Paralelamente, um partido de esquerda não pode abandonar suas bases sociais organizadas, sejam núcleos e outros tipos de organização existentes nos locais de trabalho, nos bairros e nas comunidades, e supor que pode realizar seu trabalho político através de elementos dispersos ou frouxamente organizados, mesmo que formalmente representantes de mandados eleitorais. Esse tipo de abandono leva não apenas à derrota ideológica e política, mas também à própria derrota eleitoral. Essa mesma experiência histórica ensina que partidos de esquerda, como o PT, pre-
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
fração burguesa que tem a hegemonia sobre o processo. Um desenvolvimento com crescimento econômico, redistribuição de renda, grande peso à educação e ao desenvolvimento científico e tecnológico, ambientalmente sustentado e com participação soberana e diversificada no mercado internacional, também pode ocorrer nos marcos do capitalismo, dependendo da correlação de forças estabelecidas no governo e no Estado.
29
TRIBUNA DE DEBATES cisam, como seu ar e seu sangue, de organizações enraizadas e com grande poder de capilaridade, entre as grandes massas populares e democráticas. Esta é a única forma provada de capacitar o partido a apoiar e fomentar, tanto a organização quanto a mobilização de suas bases sociais. Isto é válido tanto para lutas massivas por reivindicações econômicas, sociais e políticas, quanto para a participação na luta eleitoral e nos governos, participação que ganhou importância particular neste período histórico. Falamos antes que, se não criarmos as condições políticas para realizar reformas estruturais no Brasil, então a presença da esquerda no governo federal, por mais que seja útil para melhorar as condições de vida do povo, será inútil do ponto de vista estratégico.
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
Trata-se, portanto, de desenvolver teoricamente e implementar praticamente uma estratégia de construção e conquista do poder, adequada as condições históricas atuais. Que considere o papel destacado assumido pela luta institucional e eleitoral, pela presença nos parlamentos e governos, pela disputa de hegemonia no interior do aparelho de Estado. Mas que combine isto com a disputa de hegemonia fora do aparelho de Estado.
30
A Articulação de Esquerda está disposta a participar da elaboração e da implementação desta estratégia, plano a partir do qual se possa buscar coordenar as diferentes formas de luta e os diferentes instrumentos organizativos das classes trabalhadoras. E a partir do qual desenvolvemos nossa crítica à estratégia e ao programa propostos pelas demais tendências do PT e aos demais partidos da esquerda brasileira.
Capitulo III: Conjuntura e tática O PT, como organização de esquerda, não pode descurar de seus objetivos de longo prazo, ou estratégicos. No entanto, do ponto de vista concreto de sua atividade prática para alcançar aqueles objetivos, não pode cair no erro das organizações de esquerda que adotam uma postura de sistemática minimização da força dos inimigos, de superestimação da consciência das grandes massas do povo e da força da esquerda, e se propõem conquistar a adesão dessas massas através de uma propaganda
de propostas estritamente estratégicas ou ideológicas. Em outras palavras, não pode desdenhar as táticas e as reformas como parte do processo de aprendizado revolucionário das grandes massas do povo. Esse erro de algumas organizações de esquerda se acentuou, nos últimos anos, com os resultados da luta contra o predomínio do neoliberalismo. Embora este tenha tido um efeito extremamente destrutivo nos países que seguiram sua cartilha, como é o caso da maioria dos países da América Latina e Caribe, aí incluído o Brasil, o neoliberalismo promoveu deslocamentos políticos não só na esquerda, a exemplo da transformação de parte da social-democracia brasileira em social-liberalismo, mas também no centro e na direita, causando diferentes tipos de cisões. Por outro lado, seu esgotamento não foi seguido por revoluções, mas por vitórias eleitorais de partidos de esquerda, que se viram guindados a governos, paradoxalmente dentro das regras estabelecidas pela burguesia para perpetuar seu domínio. Essa situação inusitada e, de certo modo, inesperada para parcelas significativas da esquerda, tornou-se ainda mais complexa porque, como aconteceu no Brasil, a burguesia dividiu-se e seus setores de centro e centro-direita aliaram-se à esquerda, contribuindo para a vitória eleitoral desta, enquanto seu setor de direita perdeu as eleições, mas continuou sendo muito poderoso e influente, principalmente porque tem como suporte a burguesia financeira. A direita burguesa tem se empenhado em bloquear processos constitucionais e reformas estruturais de caráter democrático e popular. A força e influência desse setor direitista, ao concentrar seus ataques na esquerda e, em particular no PT, polariza a disputa, ao mesmo tempo em que, na ausência de movimentos populares e democráticos de massa, cria entre setores da esquerda a visão de que se deve realizar maiores concessões à burguesia, de modo a tranquilizá-la. No entanto, toda vez que essa visão ganha vulto, a esquerda tem corrido maior perigo nas disputas eleitorais e parlamentares. Assim, o Brasil é um bom exemplo do quão complexo e difícil é, a partir do governo nacional, impulsionar mudanças es-
truturais de natureza democrático-popular. Por um lado, a direita procura criar um ambiente de terror sobre essas reformas, buscando reconquistar os setores da burguesia que se aliaram à esquerda e dividir o apoio das classes médias e dos trabalhadores. Por outro, se a esquerda no governo não for capaz de realizar, ou ao menos dar passos efetivos no sentido dessas reformas, ela pode perder significação estratégica, por mais que contribua, de imediato, para melhorar a vida do povo. E a não realização de tais reformas pode decepcionar e dividir as camadas populares e médias que a apóiam, na prática concretizando os objetivos da direita. Portanto, na luta pelas reformas democráticas e populares a esquerda não pode perder sua sustentação popular, nem o apoio dos setores aliados. Além disso, tal sustentação não pode revelar-se apenas a cada dois a quatro anos, através das urnas. O governo de esquerda precisa de sustentação política clara e permanente, de modo que possa medir constantemente a correlação de forças e ter consciência sobre a necessidade de avançar, ou momentaneamente parar ou recuar. Em outras palavras, precisa saber avançar passo a passo, de modo que cada avanço represente uma mudança positiva na correlação de forças, numa situação em que o equilíbrio entre as forças da esquerda e da direita ainda é muito instável. Tanto aqueles setores da esquerda que temem qualquer enfrentamento, quanto aqueles que exigem sempre avanços rápidos e radicais, fazem uma leitura incorreta da correlação de forças e colocam em risco os avanços obtidos até agora. Desdenham a força do inimigo e não medem sua própria força e suas debilidades. A força de ingerência dos impérios capitalistas, em especial dos Estados Unidos, continua muito grande, apesar de seu declínio relativo. A hegemonia cultural do “sonho americano” e do modo de vida burguês permanece relativamente intocada. O poder dos meios de comunicação em mãos do setor conservador e reacionário da burguesia, para a disputa da opinião pública, sofreu alguns reveses, mas continua muito elevado. O aparato burocrático e militar ainda continua predominantemente alinhado com as forças que os criaram.
TRIBUNA DE DEBATES
Nessas condições, para que a esquerda e o PT em particular, combinarem a luta pelo desenvolvimento econômico e social, pela soberania nacional e pela integração sul-americana, ainda nos marcos capitalistas, com a luta por uma outra ordem social, eles não podem perder o governo federal nem os espaços estaduais e municipais conquistados até agora. O governo Dilma deve ser encarado como um elo de um processo, que inclui governos de centro-esquerda e governos democrático-populares, através dos quais possamos acumular forças no sentido das reformas estruturais e do socialismo. Por isto mesmo, na disputa contra a direita burguesa, o Partido dos Trabalhadores e os governos de que participamos não devem ficar obrigatoriamente limitados ao progressismo e ao democratismo burgueses. Avançar ou não é um tema da correlação de forças. Na economia, por exemplo, será necessário avançar na construção de uma forte cadeia de empresas estatais e públicas nos setores econômicos estratégicos, e estimular a criação de centenas de milhares ou milhões de empresas cooperadas ou solidárias. Na base da sociedade, será preciso incentivar a criação de milhões de comunidades e múltiplas organizações sociais autônomas. E na cultura será necessário estimular os valores solidários, éticos e comunitários do socialismo, transformando-os numa cultura de massas. Portanto, há uma vinculação estreita entre os desafios estratégicos e os desafios táticos, vinculação que só pode materializar-se através das reformas estruturais necessitadas pela sociedade brasileira. A curto e médio prazo essas reformas visam alterar, mesmo paulatinamente, a concentração de renda, de propriedade e de poder. As mais evidentes são as reformas política, tributária, agrária, urbana, dos meios de comunicação e do sistema financeiro.
A reforma política e a democratização da comunicação desempenham um papel chave na alteração da hegemonia e do domínio sobre o poder. Democratizar a mídia A mídia global é hoje dominada por poucos conglomerados transnacionais, que controlam diversas plataformas (TV aberta, por cabo e satélite, rádio, imprensa, telecomunicações e Internet), avançando sobre os sistemas de mídia de todo o mundo. Estes conglomerados combinam o poder oriundo do domínio do fluxo internacional de informação, com o lucrativo mercado da “indústria cultural”. No caso do Brasil, o avanço destes grupos, representados pelas empresas de telecomunicações, convive com um sistema caracterizado pela concentração da propriedade em seis redes nacionais, que detêm 80% de todas as emissoras de rádio e TV do país, meios que atingem mais de 90% dos lares brasileiros. Estes grandes grupos que comandam a produção de conteúdo fazem aliança com monopólios locais, que detêm a retransmissão desta programação, além de outros meios como rádios e jornais. Este quadro é sustentado pela legislação do setor, datada de 1962, e pela Constituição Federal, que estabelece empecilhos à não renovação das concessões, perpetuando a propriedade de quem já tem. Quando não responde aos interesses dos empresários de rádio e televisão, a legislação não é cumprida. Exemplo disso são os artigos da mesma Constituição que proíbem o monopólio no setor (artigo 220); estabelecem como finalidades para a produção de conteúdo a arte, a cultura, a produção regional e a educação; e estabelecem a divisão da área em três sistemas: o privado, o público e o estatal. A regulamentação destes artigos é um ponto de partida fundamental para democratizar as comunicações no país, idéia que está baseada no direito da população ter meios e condições para se informar, se expressar e ser ouvida. Para isso, uma tarefa fundamental é resol-
ver a confusão entre os sistemas estatal e público, garantindo sua existência e fazendo cumprir seus diferentes papéis. O primeiro deve servir como meio legítimo de difusão das informações de interesse dos três poderes que compõem o Estado, nos três níveis da Federação. Já o sistema público deve produzir conteúdos de finalidade educativa, cultural e artística e dar voz às expressões diversas da sociedade organizada, com autonomia e gestão participativa. O sistema privado, já consolidado na figura dos meios comerciais, deve ser alvo de efetivo controle contra o monopólio, a exemplo de outros países, e deve ser também alvo de políticas que introduzam reservas de programação independente e regionalizada. A realização de todas estas tarefas deve observar o processo de convergência tecnológica e a necessidade de garantir o acesso da população aos meios de se informar e produzir, seja nas plataformas tradicionais (rádio, TV e imprensa) ou nas mais modernas (Internet). Soma-se a isto a luta pela livre circulação da informação, expressa na disputa pelo uso de software livre contra o monopólio da Microsoft e pela luta contra as restrições no plano da propriedade intelectual. Queremos estabelecer um novo modelo institucional para a área, voltado para garantir a pluralidade e diversidade de meios e conteúdos em um cenário de convergência, defendendo políticas para fortalecer os sistemas democráticos de mídia, sobretudo meios públicos e comunitários, visando fortalecer a parte não-comercial da cadeia produtiva audiovisual, sonora e impressa brasileira. Em termos mais concretos, isso significa aprovar uma Lei Geral de Comunicação Social Eletrônica. Esta lei deve cumprir a demanda histórica de regulamentar os capítulos da Constituição Federal, sobretudo nos dispositivos que proíbem o monopólio no setor, prevêem a complementaridade dos sistemas estatal, público e privado e estabelecem como finalidades do conteúdo transmitido a educação, a cultura e a divulgação das realidades regionais.
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
Os trabalhadores e as camadas populares, por seu turno, permanecem com um baixo grau de organização social e política. Apenas aos poucos eles se refazem da destruição e da dispersão do período neoliberal. Paralelamente a isso, a capacidade teórica e política da esquerda continua fraca, em particular para responder adequadamente a uma situação concreta não prevista em qualquer manual ideológico e político.
31
TRIBUNA DE DEBATES Este novo arcabouço legal deve garantir a diversificação de conteúdos e a entrada de novos atores na TV e no Rádio, subordinando, inclusive, o processo já em curso de digitalização da televisão e do rádio. Em relação à comunicação pública, o governo federal deve iniciar a criação de um sistema comandado pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC) com gestão participativa assegurando incidência real da população organizada nas diretrizes da empresa, bem como na linha e na programação das emissoras mantidas por ela. Este sistema deve ter como coluna vertebral uma rede de emissoras estaduais encabeçada pela EBC cuja gestão deve ser igualmente democrática e sob forte controle da sociedade. E deve ser composto por outras emissoras públicas (como os canais voltados à educação, cultura e cidadania previsto no Decreto 5820/06) e por veículos comunitários.
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
Trata-se, ainda, de cessar a repressão aos veículos comunitários, descriminalizando a prática deste tipo de comunicação. Mais do que deixá-los funcionando, o governo deve encarar seu papel de promotor da cultura e do debate público no âmbito local e deve garantir mecanismos de financiamento, bem como a ampliação do número de canais e da potência destas emissoras.
32
Para garantir o fortalecimento dos meios não-comerciais, faz-se necessário, como ação emergencial, a reordenação da distribuição das verbas publicitárias governamentais no sentido de reservar um percentual para estes veículos, a partir de critérios transparentes e democráticos. Estas medidas devem ser combinadas com forte controle da mídia comercial. Ele passa pela mudança do sistema de concessões de rádio e TV, colocando os procedimentos de aprovação e renovação de outorgas sob avaliação prévia e permanente da atuação das emissoras pela população. Este tipo de fiscalização vai contribuir para equilibrar a correlação de forças no campo da comunicação de massas, diminuindo o poder absoluto dos grupos monopolistas do setor. Em relação à inclusão digital, trabalhamos pelo acesso às tecnologias da informação e da comunicação (tanto a computadores e à internet, quanto aos meios dos grupos
organizados produzirem seus próprios conteúdos). Isso passa por uma política de acesso à internet a partir de um Plano Nacional de Banda Larga que construa uma infra-estrutura pública de telecomunicações, pela ampliação de pontos coletivos de acesso (como Tele-centros, Casas Brasil e Pontos de Cultura) e pela constituição destes espaços como Centrais Públicas de Comunicação, que alimentem a radiodifusão não comercial e viabilizem a produção local e regional. Para isso, é fundamental garantir o desembolso dos recursos do Fundo de Universalização das Telecomunicações (FUST), mudando a legislação que o disciplina, para viabilizar uma gestão democrática do uso dos recursos. Para viabilizar que esta agenda democrático-popular da comunicação comece a ser viabilizada, é imperativo que o governo federal implemente as deliberações da Conferência Nacional de Comunicação. Reforma política Em termo gerais, devem introduzir mecanismos eleitorais e legislativos que façam avançar a democracia, explicitando os conceitos do sentido programático dos partidos, aperfeiçoando as instituições e restaurando os valores e transparência das atividades públicas. Em tese, parecem unanimidade nacional, mas na prática abrangem abismos e conflitos profundos de interpretação sobre cada um desses conceitos, abismos e conflitos que só uma pujante mobilização social poderá superar e fazer com que as reformas políticas realmente contribuam para consolidar e ampliar a participação popular na democracia. Em termos práticos, a reforma política, em especial a adoção da votação por lista partidária e do financiamento público, têm importância destacada na redução da influência do Capital sobre as grandes camadas da população e sobre a própria esquerda. Ela também pode ampliar a possibilidade do PT e dos partidos de esquerda alcançarem a maioria parlamentar indispensável à introdução de algumas reformas estruturais, mesmo nos marcos da conjuntura atual de relativo equilíbrio entre a esquerda e a
direita. Ela pode, ainda, reduzir substancialmente a influência do comércio do voto sobre o debate programático, contribuindo para uma mudança positiva na correlação de forças. O objetivo central da luta do PT na reforma política deve ser o aprofundamento da democracia política no Brasil. Em termos práticos, deve-se conseguir que as camadas trabalhadoras e as camadas mais pobres e excluídas da sociedade tenham não só assegurados seus direitos de participação política, mas também comecem a ter chance de participar nos assuntos do governo e do Estado. A luta pelo aprimoramento dos aspectos institucionais deve dar maior peso à construção das formas de representação e participação direta das camadas populares. A instituição de formas de participação política direta, combinada com as formas da democracia liberal, experimentada durante o governo Lula, com a realização de inúmeras conferências setoriais e a criação de considerável número de conselhos, deve ter continuidade e ser incorporada ao sistema político. Através de um arcabouço legal próprio, no processo de reformas políticas, as conferências deveriam tornar-se instituições permanentes em todos os setores de atividade, com delegados indicados por organizações sociais representativas e democráticas, e os conselhos delas decorrentes tendo funcionamento regular. Outras formas de participação política direta, como os projetos de lei de iniciativa popular e as formas de consulta direta à população, como plebiscitos e referendos, precisam ser regulamentados e tornar-se obrigatórios para assuntos que envolvem toda a sociedade. Do ponto de vista político, essa formas de participação popular podem possibilitar a discussão constante, no seio das diversas camadas sociais, dos problemas que afligem ao povo brasileiro, tendo efeitos positivos no processo de mudança da correlação de forças, tanto nos períodos intermediários não-eleitorais, quanto nas eleições. Em outras palavras, na luta pelas reformas políticas, o PT e a esquerda devem se capacitar para atuar dentro e fora do governo e do Estado, buscando ser ao mesmo tempo força hegemônica e contra-hegemônica.
TRIBUNA DE DEBATES
O PT deve procurar unificar seus pontos comuns com os demais partidos de esquerda frente à atual conjuntura, pelo menos até 2014, sobre o papel conferido às lutas sociais e sua relação com as questões institucionais. Isso, no sentido de garantir o sucesso do governo Dilma, dos governos estaduais e municipais dirigidos pelo PT, dos objetivos a serem obtidos nas eleições municipais de 2012 e presidenciais de 2014, assim como no Congresso Nacional, nos parlamentos estaduais e nos desafios colocados pelas mudanças na conjuntura internacional. O PT e a esquerda não podem perder de vista que a defensiva estratégica em que até hoje se encontra o socialismo é apenas mais uma fase do longo processo de luta engendrado pelo desenvolvimento capitalista. E que as possibilidades criadas pelo fracasso da ditadura e das políticas neoliberais, abrindo caminho para uma abertura democrática jamais experimentada pelo povo brasileiro, não significa que o capitalismo possa ser civilizado. À medida que o capitalismo se desenvolve, ele próprio gera seu contrário, recolocando na ordem do dia a necessidade do socialismo. Nessas condições, a crise do socialismo, aliada a uma inusitada amplitude democrática que permitiu ao PT conquistar governos, tornou mais problemático e complexo seu caminho e da esquerda. Paradoxalmente, a maior amplitude democrática fez com que muitos de seus militantes passassem a temer a luta de classes, ou a acreditar que tudo isso estava superado. Porém, a burguesia conservadora brasileira já tem dado mostras de que está sempre pronta a relembrar de que não abandonou sua disposição de manter o sistema capitalista em sua inteireza. Na prática, a reafirmar que está disposta a impor a seus inimigos a luta pelo socialismo como processo de superação da exploração, injustiça e opressão que caracterizam o modo capitalista de produção. Socialismo que terá as características próprias legadas pela história da sociedade e do povo brasileiros.
A reforma tributária Se a reforma política e a democratização da comunicação são necessárias para garantir a força política, a reforma tributária é essencial para garantir os recursos indispensáveis, tanto para implementar as políticas públicas, quanto para realizar reformas estruturais. Precisamos de um sistema tributário progressivo, pautado pela tributação da renda e do patrimônio, a começar pelo imposto sobre grandes fortunas. Os desafios do governo Dilma Os desafios estratégicos e táticos do governo Dilma não são exatamente os mesmos objetivos estratégicos e táticos do PT. O governo Dilma tem um caráter de coalizão, não apenas com partidos de esquerda, mas também com partidos de centro e mesmo de direita, que possuem em comum a oposição à hegemonia do capital financeiro. Portanto, trata-se de um governo progressista, com forte presença tanto burguesa, quanto democrático-popular e socialista. Seus principais objetivos estratégicos estão relacionados ao crescimento e ao desenvolvimento econômico, assim como a reformas que abram condições para tal crescimento e desenvolvimento, ampliem e aprofundem os direitos democráticos e sociais, intensifiquem a integração sul-americana, afirmem a soberania nacional, e promovam a paz regional e mundial. Em sentido amplo, o governo Dilma é, ao mesmo tempo, um governo de continuidade do governo Lula e um governo de mudança. De continuidade porque se trata de consolidar as conquistas do governo Lula, que levaram o país a viver um dos melhores períodos de sua história. Milhões de empregos foram criados, repetiram-se as taxas positivas de crescimento econômico, findou a dependência ao FMI, a dívida externa foi superada, reduziu-se a dívida social com as grandes massas pobres da população, e a crise global do capitalismo foi enfrentada sem os prejuízos do passado. Mas também é de mudanças, porque essa crise global capitalista está mostrando ter recidivas variáveis e ser prolongada, causando mudanças importantes nos cenários internacionais. A instabilidade global se acentuou, incluindo ameaças de novas guerras, além das já em curso, assim como
de insurreições e conflitos de diferentes tipos. Portanto, já não se trata apenas de impedir que a crise jogue o país na recessão, mas de transformá-la numa oportunidade para acelerar a transição, já iniciada pelo governo Lula, em direção a outro modelo econômico-social, configurando um forte mercado interno de massa, com uma agricultura que garanta a seguridade alimentar e com uma indústria própria de cadeias produtivas completas ou quase completas, tendo por base um forte núcleo científico e tecnológico e um núcleo financeiro subordinado a tais objetivos. A legitimidade e a prioridade das questões sociais, em especial as relacionadas com educação, saúde, saneamento, transportes públicos, emprego e moradia, exigem um esforço ainda maior do que o realizado pelo governo Lula para atendê-las. O avanço mais rápido nos gargalos da infra-estrutura de saneamento, transportes, energia e moradia pode possibilitar um quase pleno emprego e a elevação substancial da produção e da produtividade agrícola e industrial. A satisfação dessas necessidades, por sua vez, pode permitir que os milhões de brasileiros que vivem em taperas, palafitas e outras habitações de risco permanente, ou nas ruas, tenham acesso a um teto digno, com condições ambientais saudáveis. E pode criar condições mais favoráveis para assentar os milhares de trabalhadores que não têm terra para trabalhar. Por outro lado, a elevação da produção e da produtividade agrícola e industrial deve impor um novo nível ao tratamento da questão ambiental. Não será fácil transformar o desenvolvimento econômico em parceiro ativo da evolução ecológica sem encaminhar a solução da questão fundiária, do zoneamento agrícola, do zoneamento florestal, do tratamento de poluentes e da emissão de gases, assim como do desenvolvimento científico e tecnológico. Sem implantar um processo racional e sustentável do uso econômico do solo, das águas e das florestas, e sem fornecer soluções técnicas e científicas que permitam uma produção industrial limpa, dificilmente será possível estabelecer uma relação adequada entre a quantidade da população e a área do território, e combinar de uma forma mais equilibrada processos aparen-
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
Devem ser capazes de disputar eleições e governar, como parte do caminho para o poder, aproveitando todas as possibilidades para introduzir as reformas políticas que avancem no rumo de uma verdadeira revolução política e social.
33
TRIBUNA DE DEBATES temente antagônicos, como uma crescente produção agrícola e uma crescente urbanização e a proteção de florestas, mananciais, fauna etc. Delineados todos esses problemas, a serem resolvidos de forma mais intensiva do que foi possível ao governo Lula, torna-se evidente o salto a ser dado na educação e na saúde. Se estas não se transformarem em forças propulsoras do desenvolvimento econômico e social, corre-se o risco de enfrentar um impensável apagão de uma força de trabalho, tanto capacitada a responder ao desenvolvimento científico e tecnológico, quanto saudável a ponto de reduzir os custos públicos com doenças. Neste sentido, impõem-se dois grandes desafios ao governo Dilma:
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
a) a consolidação de política pública universal de educação, com ênfase na continuidade da expansão e qualificação das universidades públicas federais e – centralmente – no protagonismo político, no suporte técnico a estados e municípios e no protagonismo financeiro (ensino técnico) visando qualificar o ensino fundamental e médio;
34
b) a ampliação e consolidação de política pública universal de saúde, conforme a Constituição Federal determina, por meio da efetivação do Sistema Único de Saúde (SUS). Intenso protagonismo federal no campo político, técnico e, sobretudo, financeiro é imprescindível e inadiável para valorizar, ampliar e consolidar o SUS, e estancar as iniquidades e desigualdades hoje existentes no campo da saúde. Neste sentido, são requisitos para o aprimoramento e consolidação do sistema todas as iniciativas que viabilizem fonte sustentável e permanente de financiamento, que avancem na necessária reforma do Estado por meio de maior autonomia gerencial, gestão colegiada, valorização do trabalho em saúde e efetivo controle público com participação popular, e que, essencialmente, revertam a lógica de privatização da oferta de serviços e de precarização das relações de trabalho. Porém, mais do que no período anterior, o novo governo deve enfrentar uma crescente resistência dos setores abertamente reacionários, dos conservadores reacionários, e dos pseudo-democratas, para os
quais qualquer participação popular no governo e no poder cheira mal, e qualquer política exterior independente cheira a anti-americanismo. A ação desses setores na campanha eleitoral e sua reação posterior à derrota mostram que eles não estão dispostos a qualquer trégua. Não admitem que a democracia seja consolidada e ampliada, com a presença crescente das camadas populares, a maioria da população brasileira, nas esferas do poder. Nem querem assistir impassíveis à continuidade da política de integração da América do Sul, de diversificação das parcerias internacionais do Brasil e de política soberana no processo de globalização. A resistência dos setores conservadores reacionários e dos pseudo-democratas à ampliação da democracia e à conquista da cidadania plena se expressa, também, nas críticas que fazem à continuidade das políticas públicas de promoção da cidadania e de respeito aos direitos humanos, destinadas a combater o preconceito, a discriminação e promover a igualdade entre todas as pessoas –independentemente de raça/etnia/ cor, de gênero, de orientação sexual, de viverem com deficiência, e outros. O desenvolvimento das forças produtivas, retomado pelo governo Lula com a participação de vários tipos de propriedade, permitiu que a burguesia se apropriasse de riquezas ainda maiores. Mas esse desenvolvimento também vem recompondo a força social dos trabalhadores, ampliando a participação dos micros e pequenos empresários e, associado às políticas sociais do governo, melhorando o padrão de vida das camadas populares que viviam abaixo e na linha da pobreza. Nessas condições, a tendência natural é que essa recomposição trabalhadora, a ampliação do capitalismo democrático e a melhoria do poder de compra das camadas pobres elevem as demandas desses setores populares e democráticos por novas melhorias econômicas e sociais, e por mais direitos políticos. O que tende a se chocar com o ritmo de acumulação de riquezas pela burguesia e contra as propensões anti-democráticas de seus setores mais reacionários e conservadores. O renascimento das lutas classistas, como apontam alguns indícios, pode colocar o governo Dilma diante de desafios diferentes dos enfrentados pelo governo Lula.
Para amainar tais choques e evitar que eles entorpeçam o processo de desenvolvimento das forças produtivas, o governo de Dilma se verá confrontado por novos desafios. Eles virão tanto da necessidade de garantir o direito à luta dos trabalhadores e demais camadas populares, quanto da necessidade de opor-se às exigências conservadoras e reacionárias de reprimir e criminalizar tais lutas. Essas contradições não serão exclusivas do governo. Elas dizem respeito ainda ao PT e a vários outros partidos da esquerda, no governo e fora dele. Talvez todos já estejam se vendo obrigados a levar em conta esses cenários futuros, tendo por base os acontecimentos do renascimento do submundo da política durante a campanha eleitoral, e também de algumas lutas emblemáticas, como a dos bombeiros do Rio e dos trabalhadores de Jirau. Essa tomada de consciência das contradições principais durante o governo Dilma pode levar os partidos de esquerda a realizarem pelo menos dois movimentos indispensáveis. Primeiro, voltarem a se enraizar e nuclear no chão das fábricas e nas comunidades populares, de tal modo que possam sentir e medir o desenvolvimento das antigas e novas demandas populares e orientar tanto os movimentos sociais, quanto o governo, a enfrentar tais problemas como aliados e não como inimigos. Segundo, buscarem uma agenda que os unifique nos embates dentro e fora do governo e do parlamento, para avançar na luta contra os inimigos comuns e evitar que a coalizão governamental se paute principalmente pelos interesses da burguesia. Isso deve abranger temas como a questão cambial, o aperto fiscal e o método de enfrentamento da inflação, a reforma política, a reforma tributária e outras questões estruturais. O governo Dilma, talvez mais do que o governo Lula, tenda assim a ser uma área de constante disputa, em que colaboração e conflito, unidade e luta, estarão permanentemente se revezando. Tudo isso parece exigir clareza tanto das oportunidades de manter a unidade quanto da necessidade de travar a luta, com razão e com limite, tendo as questões sociais e nacionais, e o inimigo comum, como parâmetros principais. Praticar a política ao invés do voluntarismo continuará sendo essencial.
TRIBUNA DE DEBATES
Ao contrário do que defendem alguns, o governo Dilma, por mais que se esforce, não poderá promover a completa emancipação econômica das camadas mais pobres e excluídas da sociedade e construir uma sociedade igualitária. O Brasil ainda necessitará de um tempo relativamente prolongado para desenvolver plenamente suas forças produtivas materiais, condição básica para criar as condições de atender às necessidades de toda a população. Além disso, a construção de uma sociedade igualitária pressupõe a liquidação da apropriação privada dos produtos e dos meios de produção, algo que não está colocado na ordem do dia, tanto por problemas de ordem política, quanto econômica. A política de crescimento com distribuição de renda pode reduzir, em alguma medida, o fosso existente entre pobres e ricos, mas não é possível transformar isso numa política de renda igualitária a curto prazo. Em tais condições, os programas de transferência de renda, assim como a ênfase do governo Dilma na gestão desses programas, podem transformar-se em políticas públicas que aprofundem o processo de educação, participação, organização e mobilização dos beneficiários. Tudo de forma que tais beneficiários ganhem consciência de que estão conquistando direitos, e não benesses, e se conscientizem da necessidade de continuar lutando para elevar-se econômica e socialmente. Apenas desse modo, o combate à pobreza e a erradicação da miséria se transformarão numa luta de massas e pode-
rão ganhar uma dimensão política. O que depende, por outro lado, da ação política do PT e dos partidos de esquerda no processo da organização e mobilização dessas bases sociais. Paralelamente, a luta contra a pobreza não pode se basear estritamente nos programas estatais de transferência de renda. Seu foco principal precisa ser o desenvolvimento e o crescimento econômico com a geração de empregos. A prática tem mostrado que, mesmo com um crescimento relativamente pequeno, foi possível gerar alguns milhões de empregos. No caso, não se trata apenas do fato da renda gerada pelo emprego dar ao trabalhador uma consciência de que não está recebendo uma esmola, mas que tal renda é resultado de seu trabalho despendido. Trata-se também do fato de que, ao participar da relação direta capital-trabalho, o trabalhador passa a experimentar as condições objetivas necessárias para que ganhe consciência das iniquidades do sistema capitalista e de sua situação de classe. Para dar longevidade ao atual ciclo de crescimento será necessário garantir a estabilidade. Embora deva haver especial atenção à estabilidade de preços, o ciclo de crescimento econômico só continuará avançando se também houver estabilidade e desenvolvimento social e político. Portanto, torna-se necessário seguir eliminando tanto as travas que inibem o dinamismo econômico, quanto as que inibem a redistribuição da renda, o acesso democrático à propriedade, a ampliação do poder de compra dos mais pobres, e a participação popular nos assuntos de governo. A capacidade empreendedora do povo só será plenamente aproveitada se o governo, realmente, souber combinar de forma relativamente isonômica a grande empresa com os pequenos empreendimentos locais, e o agronegócio com a agricultura familiar. Essa dosagem não é fácil nem simples, especialmente se nosso propósito é quebrar a hegemonia do grande capital. Mas ela é a garantia possível para combinar a oferta de produtos de alto valor agregado com produtos bons e baratos, e de commodities exportáveis com uma oferta ampla de alimentos. Essa combinação é a garantia de que a produção pode ser um instrumento superior aos juros para manter a estabilidade de preços e
conter as pressões inflacionárias. O que demanda tanto a inadiável implementação de um conjunto de medidas que modernize o sistema tributário, tornando-o mais simples e mais racional, quanto a aplicação de um conjunto de medidas que permita a multiplicação das micros e pequenas unidades produtivas industriais e das unidades de agricultura familiar. No entanto, a expansão da economia formal apresenta problemas diversos para a completa absorção da força de trabalho disponível. O capital tende a investir cada vez mais em tecnologias poupadores de mão de obra, de modo a elevar sua competitividade no mercado. E a força de trabalho, para ser aproveitada em empresas de médias e altas tecnologias, precisa de uma formação geral e técnica mais qualificada, o que erige uma barreira intransponível para os trabalhadores não- qualificados. Nesse contexto, o governo Dilma será objetivamente pressionado não só a se voltar para a ampliação das micros e pequenas empresas, das empresas solidárias e cooperadas, e das economias agrícolas familiares, mas também para multiplicar os cursos de treinamento e formação profissional. Em tais condições, a criação do Ministério da Microempresa, assim como a anterior criação do Ministério de Desenvolvimento Agrário, não tem, nem pode ter, por objetivo pretender que os miseráveis se tornem microempresários. Ambos podem e devem apoiar uma extensa camada empresarial pequeno-burguesa, urbana e rural, já existente no Brasil. Essa camada é responsável por um substancial número de empregos, nem sempre com carteiras assinadas, e pode ampliar suas atividades e sua capacidade de emprego, desde que tenha o apoio desses órgãos governamentais. Historicamente, essas empresas sofriam não só a concorrência das grandes empresas, mas também o tacão do Estado, através de uma legislação feita para proteger somente aos grandes empresários. Mudanças na legislação e a criação desses novos ministérios, o de Desenvolvimento Agrário durante o governo Lula, e o da Microempresa no governo Dilma, podem favorecer o funcionamento formal desse setor de pequenos capitalistas, criando condições para que o setor se amplie e intensifique tanto a produção industrial e agrícola, neste caso
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
Portanto, bem vistas as coisas, o Brasil ainda tem um longo e duro caminho a percorrer. Tem necessidade de superar as dependências financeira, científica e tecnológica, que entorpecem o desenvolvimento das forças produtivas e, em consequência, o crescimento da riqueza nacional. Precisa não só reconstruir e reformar seu parque produtivo industrial, mas ampliá-lo de modo que torne o país um forte produtor de manufaturados e sejam superadas as desigualdades regionais. Precisa compatibilizar essa industrialização com a proteção e recuperação do meio ambiente. E precisa realizar uma redistribuição de renda que diminua substancialmente o fosso existente entre a renda dos mais pobres e a renda dos mais ricos, reduzindo a zero o número de pessoas que ainda vivem na miséria.
35
TRIBUNA DE DEBATES principalmente de alimento, quanto a geração de empregos. No caso específico do Ministério do Desenvolvimento Agrário, uma de suas questões principais consiste no avanço do agronegócio sobre a agricultura familiar. Nos últimos oito anos, apesar de todo o esforço do governo Lula, a agricultura familiar vem sendo paulatina e firmemente engolida pelo desenvolvimento do agronegócio. Não se trata, no caso, apenas de ter pena daquelas famílias cujas terras foram expropriadas por dívidas bancárias ou outras e, em conseqüência, re-apropriadas pelo agronegócio. Trata-se também de levar em conta as parcelas de agricultura familiar que estão sendo arrendadas a grupos capitalistas do agronegócio para a produção de cana, soja e outras commodities exportáveis.
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
Muitas famílias agrícolas podem até estar numa boa situação na condição de rentistas, mas os problemas que se colocam são o da segurança alimentar, assim como da inflação que pode advir de uma oferta muito inferior à demanda, a exemplo da que está ocorrendo desde o final de 2010. Em termos concretos, o agronegócio produz mais de 80% dos produtos agrícolas brasileiros, enquanto a agricultura familiar é responsável por cerca de 20%. Porém, quase 100% da produção do agronegócio é voltada para commoditites que têm pouco peso na oferta alimentar. A agricultura familiar é obrigada, portanto, a sustentar sozinha a oferta de alimentos.
36
Se a lógica do agronegócio continuar se impondo, mesmo que seja em termos estritamente econômicos, com o abandono do antigo e malfadado sistema extra-econômico da grilagem, a oferta alimentar corre perigo de redução. E a idéia de que o Brasil pode aproveitar suas condições de solo, água e clima, para confirmar seu status de celeiro do mundo, certamente naufragará. Para evitar que essa tendência de redução das famílias produtoras de alimentos continue se impondo não bastam benefícios tributários e créditos, embora estes sejam fundamentais. É preciso apoiar efetivamente o processo de comercialização dos produtos, evitando que as famílias agrícolas realizem a dupla missão de produzir e comercializar, ou de produzir e vender a preços vis a atravessadores. É preciso fazer com que os serviços de extensão rural apóiem a coope-
ração agrícola no processamento daqueles tipos de alimentos que podem ser industrializados, a exemplo das frutas. E ajudar as famílias agrícolas e elevarem sua produtividade e produzirem a custos mais baixos. Neste caso também é preciso tratar da reforma agrária, ou do assentamento dos camponeses que continuam sem terra para produzir, como uma questão estratégica. Com cerca de 100 milhões de hectares, ou mais, de terras mal aproveitadas, o governo Dilma pode agir rapidamente para ampliar a produção de alimentos, assentando os 2 a 3 milhões de sem-terra. Com isso, e com as medidas complementares de apoio, pode evitar a escassez desses produtos, baixando seus custos e impedindo que os alimentos sejam o vilão do aumento da inflação. O governo precisa ter em alta conta que, ao promover a expressiva mobilidade social que ocorreu nos dois mandatos do Presidente Lula, ele elevou a pressão sobre a produção alimentar a um nível que talvez não tenha dimensionado adequadamente. Se se efetivar o compromisso do governo Dilma, de não descansar enquanto houver brasileiro sem alimento na mesa, superando a pobreza que ainda existe, envergonha nosso País e impede nossa afirmação plena como povo desenvolvido, a pressão sobre os alimentos dará um novo salto. Outra forma de ampliar a oferta de empregos e proporcionar mais renda aos trabalhadores e aos pobres, devendo também merecer mais atenção do governo Dilma, reside em estimular a criação e o desenvolvimento de cooperativas e empresas solidárias, cuja organização difere substancialmente, tanto das grandes quanto das microempresas capitalistas. Essas são organizações produtivas proto-socialistas, idênticas às criadas por Owen, na Inglaterra do século 19, que podem representar instrumentos importantes na geração de trabalho e renda e se tornar escolas de socialismo. Os trabalhadores que deram início a esse movimento no Brasil, durante a quebradeira do período neoliberal, colocando em funcionamento e reerguendo fábricas capitalistas falidas, demonstraram que são capazes de realizar a gestão da produção e participar do próprio mercado capitalista com sucesso. Microempresas, agricultura familiar e economia solidária não são excludentes e po-
dem desempenhar papel importante na geração de empregos, na formação de setores intermediários capitalistas e socialistas, e devem merecer atenção do governo em seu desenvolvimento. No entanto, elas dificilmente vão conseguir re-qualificar, na rapidez necessária, os trabalhadores urbanos, que ficaram desafasados durante a quebradeira neoliberal, assim como as camadas pobres e miseráveis, principalmente rurais, que jamais tiveram acesso a qualquer treinamento ou emprego formal. O governo Dilma terá que dar atenção especial, durante um bom tempo, à criação de cursos de formação e treinamento profissional. Se essa combinação for realizada, talvez seja possível eliminar a situação de extrema pobreza, em que ainda se encontram 13 milhões de pessoas e avançar na redução da pobreza das outros 40 milhões que vivem nessa situação, mesmo que uma boa parte delas não tenha um emprego formal, com carteira assinada. Somente com mudanças tributárias, fiscais, econômicas, sociais e políticas, em grande parte ainda de caráter democrático-burguesas, o governo Dilma poderá garantir, aos que melhoraram de vida, que eles possam alcançar mais, e provar aos que ainda lutam para sair da miséria que eles podem mudar de vida e de patamar. Sem mudanças desse tipo, dificilmente será possível demonstrar que o Brasil poderá ser uma das nações mais desenvolvidas e menos desiguais do mundo, um país de classe média sólida e empreendedora, uma democracia vibrante e moderna, plena de compromisso social, liberdade política e criatividade. Por outro lado, o governo não pode deixar de estimular os grandes industriais, o agronegócio e os grandes exportadores, de modo a desenvolver mais rapidamente as forças produtivas, mesmo tendo em conta que a lógica de crescimento desses setores do capitalismo é contrária ao desenvolvimento da agricultura familiar, das microempresas capitalistas e da economia solidária. Para isso será necessário eliminar a guerra fiscal, estimular a criação de zonas de desenvolvimento e de processamento de exportações e reformular a Zona Franca de Manaus, como primeiro passo para rever profundamente a política de comércio exterior e voltar a aumentar a participação de manufaturados em sua
TRIBUNA DE DEBATES
Negligenciado também não pode ser o desenvolvimento da infra-estrutura capaz de dar ao Brasil as condições de se tornar uma potência industrial. O que impõe ao governo Dilma tratar toda a burguesia de uma forma que a torne participante efetiva desse desenvolvimento. Nas atuais condições do Brasil, o Estado e a burguesia, ou o capital estatal e o capital burguês, são os únicos que possuem a capacidade de realizar essa missão histórica, seja através dos recursos gerados no próprio Brasil, seja por meio da atração de investimentos diretos estrangeiros. A elaboração e execução de uma política industrial efetiva, que adense as cadeias produtivas estratégicas, incluindo aí a correspondente infra-estrutura de energia, transportes e comunicações, e o desenvolvimento de setores de altas e novas tecnologias, como microeletrônica, em especial chips, nanotecnologia, biotecnologia, fármacos, novos materiais e aeronáutica, é não só um dos principais desafios estratégicos do governo Dilma, mas também tático. Para atender a esse desafio, o governo terá que se guarnecer de reservas soberanas efetivas, a salvo das fugas do capital especulativo, em geral superiores aos ingressos, seja de capitais de curto prazo, seja de capitais direcionados para investimentos diretos. O Brasil diminuiu sua vulnerabilidade externa, ao alcançar reservas internacionais de 300 bilhões de dólares e reduzir
a dívida externa pública. No entanto, a dívida privada aumentou, e os 350 bilhões de dólares em investimentos estrangeiros em carteiras de curto prazo podem sair rapidamente do país, com capacidade de criar uma crise.
Consideramos que estes erros, concessões e inflexões são em grande medida decorrência do que assistimos na campanha eleitoral: desde o papel conferido ao PMDB, passando pela linha de campanha e pela ausência de programa.
Tendo isso em consideração, o governo Dilma se verá compelido a se libertar da dependência dos financiamentos dos rentistas nacionais e internacionais, que exploram essa subordinação impondo juros obscenos à sociedade. O que pode ser feito através da formação de um superávit fiscal, que não se contraponha aos investimentos produtivos, e da recompra dos títulos da dívida pública hoje em mãos do mercado financeiro, desde que as empresas estatais consigam estabelecer uma relação de alta rentabilidade no mercado internacional.
Defendemos uma correção, tanto em políticas quanto no método de gestão, sob pena de vivermos um cenário semelhante ao de 2003-2004: equívocos políticos resultando em derrota nas eleições municipais, incidindo negativamente nas eleições gerais de 2012.
Essa é a perspectiva aberta pela descoberta das reservas do pré-sal e pela possível participação de outras estatais no mercado internacional, a exemplo das elétricas, dos bancos e de outras unidades de alta tecnologia. Não é por acaso que a mídia conservadora tentou impedir a regulação soberana das reservas do pré-sal e vai tentar impedir a internacionalização de outras estatais. Os investimentos no pré-sal e a capacidade multiplicadora das empresas estatais se tornaram a pedra de toque de uma virada na capacidade de investimento do Estado, permitindo ao governo Dilma expandir a base social e política deixada pelo governo Lula. Assim, quem acredita que é possível algum acordo civilizado com a oposição de direita, em prol do país, pode esperar truculência. Papel de importância singular em todo esse processo pode ser desempenhado pelas novas comunicações e sua avalanche de inovações tecnológicas. Elas estão possibilitando formas diretas de interação entre as pessoas e tensionando o direito privado à comunicação. Um balanço dos primeiros seis meses Avaliamos de maneira crítica os seis primeiros meses de governo Dilma: erros na composição do governo; concessões desnecessárias ao grande capital; inflexões incorretas na política externa, de comunicação, de cultura, no financiamento da saúde; titubeios nos direitos humanos.
O problema de fundo é de estratégia. Reafirmamos o que já havíamos apontado quando da polêmica sobre o programa da campanha em 2010. Falta clareza sobre as diferenças de cenário, entre este e o anterior governo. É preciso deduzir as conseqüências adequadas do slogan da campanha: para dar continuidade e aprofundar as conquistas do governo anterior, é necessário mais força política e são necessários mais recursos à disposição do Estado. Portanto, é preciso mais enfrentamento político e ideológico, com o grande capital privado, com a grande mídia e com os partidos de direita. Assim como é necessário mais partido e mais luta social. A ausência de um plano estratégico compatível com as necessidades, somada às circunstâncias conjunturais e aos problemas herdados, está levando à continuidade das concessões ao capital financeiro e ao grande capital privado; e está abrindo espaço para que a direita oposicionista, somada a direita da coligação governista, nos derrotem em 2012. Este é o pano de fundo da reflexão que a Articulação de Esquerda apresentará ao IV Congresso do PT. Nosso projeto de resolução, além dos temas estritamente estatutários que constituem a pauta oficial do Congresso, desenvolverá nossa tática para as eleições 2012, combinando isto com análise dos governos municipais e estaduais dirigidos pelo PT, bem como um balanço das bancadas (Senado e Câmara). Este é, também, o pano de fundo da reflexão que Articulação de Esquerda apresentou ao Congresso da UNE e apresentará à Plenária Estatutária da CUT.
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
pauta, participação que só pode se elevar com a intensificação da industrialização. Portanto, mesmo compreendendo que as grandes unidades capitalistas, industriais, agrícolas e comerciais desempenham um papel importante no desenvolvimento das forças produtivas e no balanço das exportações, o governo Dilma talvez tenha que realizar um esforço ainda maior do que o já feito para superar o tratamento da agricultura familiar, da microempresa e da economia solidária como questões secundárias. Mesmo porque, quando os cerca de 40 milhões de brasileiros, que continuam a comer só uma vez por dia, ou menos do que isso, tiverem condições de comer três vezes ao dia e comprar outros bens, além dos alimentos, será imperdoável enfrentar uma crise de oferta por falta de atenção a esses setores de baixa tecnologia e baixa composição de capital.
37
TRIBUNA DE DEBATES IV. Construção do PT e da AE A experiência histórica, nacional e internacional têm demonstrado que partidos continuam sendo instrumentos insubstituíveis na luta política de qualquer tipo. Os movimentos sociais só obtiveram sucessos em sua luta, em especial contra o capitalismo, quando contaram com a orientação e participação de partidos enraizados entre as grandes massas do povo. E o povo brasileiro só começou a vislumbrar uma saída para sua situação a partir do momento que passou a contar com um partido como o PT.
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
Por outro lado, no caso específico de partidos de esquerda que conquistaram governos através da via eleitoral, como é o caso do Brasil, onde a oposição de direita continua forte e conta com grandes meios de comunicação de massa para influenciar a população, a mobilização do apoio das camadas populares aos avanços do governo democrático e popular só será possível se o PT e demais partidos de esquerda souberem combinar sua participação no governo, no parlamento e em outras instituições públicas, com um intenso trabalho de informação, discussão, organização e mobilização em sua base social.
38
O Partido dos Trabalhadores, durante seus mais de 30 anos de existência, transformou-se na alternativa eleitoral preferida pela maioria das classes trabalhadoras, por setores significativos das classes médias e por uma certa parcela da própria burguesia brasileira. Ele é a opção preferencial de parcela importante das lideranças sindicais, urbanas e rurais, com grande influência entre as mulheres, a juventude e demais movimentos sociais. Para manter esse potencial acumulado e ampliá-lo, o PT terá que levar seriamente em conta os desafios apontados acima e preparar-se para uma futura mudança de qualidade em sua situação. Em perspectiva, o PT precisa se preparar para transformar-se, pelo menos, de principal partido no governo em principal partido no poder, e de estimulador da melhoria das condições de vida do povo nos marcos do capitalismo em promotor da elevação do padrão de vida do povo nos marcos de uma transição socialista. O que vai exigir de si um esforço mais efetivo de análise do processo de desenvolvimento capitalista no Brasil e de formação e
transformação histórica das classes sociais e da luta entre elas. E de re-elaboração e discussão do programa estratégico para o Brasil, incluindo a questão do poder, do papel das diferentes formas de luta que a burguesia pode impor ao povo brasileiro e dos diferentes instrumentos organizativos das classes trabalhadoras.
de construção exige uma constante correção de rumos, através da reafirmação de sua estratégia, da atualização das políticas e táticas, e do aprofundamento da democracia interna, tendo em vista preservar o partido dos métodos, hábitos e costumes que ameaçam destruí-lo ou deformá-lo totalmente.
Para preparar-se e tornar-se efetivamente capaz de se tornar a força política hegemônica da sociedade brasileira e conquistar a direção do poder político como um todo, o PT precisa de uma clara hegemonia interna, em torno do programa e da estratégia democrático-popular e socialista, reiterando seu caráter de classe, de massas, de luta e internamente democrático.
Em vista de tudo isso, o PT deve redobrar sua capacidade de formulação política, atualizando sua análise de classes da sociedade brasileira, com atenção especial aos deslocamentos ocorridos no interior da classe trabalhadora, a partir da elevação dos padrões de consumo de milhões de pessoas, nos últimos anos. Deve, ainda, ampliar sua presença institucional e social e revigorar sua vida partidária, com atenção primordial a suas bases organizativas. E superar a prolongada subestimação da formação política de dirigentes e militantes, utilizando tal formação inclusive como primeiro passo para o ingresso no partido e a ocupação de cargos de direção.
Embora aberto à participação de correntes social-democratas e social-liberais, o PT deve travar uma luta constante para que elas evoluam para posições democráticopopulares e socialistas. Embora praticando táticas eleitorais de alianças com diversos setores sociais e políticos, para o enfrentamento contra partidos e representantes da direita, o PT precisa combater as tendências de petistas que procuram utilizar os mesmos métodos e hábitos burgueses de alguns desses aliados. O PT também precisa reiterar incansavelmente seu caráter de classe, a necessidade de manter uma relação estreita com os movimentos e lutas sociais, e jamais abandonar ou distorcer seus mecanismos de democracia interna. Esses valores intrínsecos ao PT são fundamentais para sua sobrevivência, seja frente às correntes de ultra-esquerda, que tentam liquidálo a pretexto de que o partido abandonou seus ideais revolucionários, seja frente aos constantes ataques da direita, que procuram liquidá-lo porque tem clareza de que o PT é o principal instrumento das classes trabalhadores para a conquista do poder e a mudança das relações sociais. Finalmente, para fazer frente a suas tarefas históricas, o PT não deve temer fazer autocrítica de seus erros publicamente, nem vacilar em punir exemplarmente aqueles dirigentes e militantes que fizeram uso de métodos burgueses de atuação e, com isso, abriram flancos aos ataques inimigos, causaram prejuízo ao partido e colocaram sua sobrevivência em risco. Seu processo
Esta é a conduta geral que adotamos na disputa de rumos do Partido dos Trabalhadores: continuamos trabalhando para que ele assuma um papel de vanguarda, não apenas na luta pelo governo, mas também na luta pelo poder; não apenas na luta pelo desenvolvimento, mas também na luta por reformas estruturais e pelo socialismo. Sabemos, contudo, que travamos esta disputa em condições muito mais difíceis hoje, do que em 1993. Em parte por erros e insuficiências de nossa parte; em parte por erros e insuficiências de outras tendências da antiga esquerda petista; em parte devido a atitudes de outros setores do PT; em parte devido às circunstâncias em que atuamos; a verdade é que se torna cada vez mais difícil, para a esquerda petista, ganhar hegemonia no interior do Partido. Isto gera, em alguns setores da esquerda petista, três atitudes que nos parecem totalmente condenáveis. A primeira delas é capitular ao modus operandi dos setores de centro e direita do Partido. A segunda delas é desistir do Partido dos Trabalhadores. A terceira delas é assumir uma atitude de seita, substituindo a disputa política pela reafirmação de posições minoritárias, que não pretendem nunca se tornar majoritárias.
TRIBUNA DE DEBATES
Regimento Interno da Articulação de Esquerda A Articulação de Esquerda (AE) é uma tendência interna do Partido dos Trabalhadores. Existe para a defesa de um PT de luta, de massa, democrático, socialista e revolucionário. Nossas posições políticas e programáticas estão expostas nas resoluções dos seminários e conferências que realizamos desde 1993, bem como na resolução do Primeiro Congresso da AE. Nosso objetivo estratégico é que o PT volte a ser um partido hegemonizado por posições democráticas, revolucionárias e socialistas. A Articulação de Esquerda é constituída por militantes do PT, que contribuem financeiramente com a AE através da assinatura do jornal Página 13, que integram alguma de suas instâncias, que participam da formulação e acatam a política definida pela tendência. Consideramos fundamental que todos/as os/as integrantes da AE conheçam e dominem os fundamentos ideológicos e teóricos do petismo, do socialismo e do marxismo. Não somos e não pretendemos ser, entretanto, uma tendência composta por afinidade doutrinária. Somos e queremos continuar sendo uma tendência composta por afinidade política, ou seja, por pessoas que concordam com as resoluções políticas aprovadas por nossas instâncias deliberativas, mesmo que não obrigatoriamente concordem com as premissas teóricas e ideológicas que fundamentam tais resoluções. Consideramos fundamental, também, que nossa tendência seja composta por uma maioria de militantes que não estejam profis-
sionalizados na atividade política; e por uma maioria de militantes que estejam vinculados à produção (trabalhadores). Não nos move, neste sentido, nenhum tipo de preconceito contra os profissionalizados, nem tampouco nenhuma concepção “obreirista”. Mas consideramos que a composição social tem um peso importante nos rumos de uma corrente política, qualquer que seja. Devemos, pois, evitar a burocratização auto-centrada, bem como o descolamento esquerdista. É importante, nesta mesma direção, estimular a juventude da tendência a completar sua formação e iniciar uma vida profissional. Sendo a AE uma tendência interna do PT, consideramos ainda fundamental que nossa militância tenha uma vida partidária orgânica. É imprescindível, portanto, que nossos militantes participem o mais ativamente possível dos organismos do Partido dos Trabalhadores (núcleos, diretórios, setoriais etc). O militante petista que quiser ingressar na AE deve formalizar esta intenção junto a uma instância da tendência. Cabe à instância aprovar ou não, em reunião convocada para este fim, o ingresso de cada militante. A decisão da instância deve ser comunicada a toda a tendência, cabendo recurso da decisão às instâncias superiores. Só podem votar e ser votados nos processos deliberativos internos, em todos os níveis, os militantes da AE que estejam em dia com sua assinatura militante bianual do jornal Página 13. Haverá dois tipos de assinatura: a normal, para não militantes; e a assinatura militante, cujo valor será proporcional ao salário do militante.
As direções estaduais e municipais podem convocar conferências em seu respectivo âmbito de atuação. Os Congressos e as Conferências são integrados por delegados/as eleitos/as nos níveis inferiores, na proporção determinada na respectiva convocatória. O Congresso e a Conferência nacional são compostos por delegados/as eleitos nas conferências estaduais. A direção nacional pode convocar, a qualquer momento, conferências para debater políticas setoriais. A conferência setorial é composta por delegados/as eleitos/as nos níveis inferiores, na proporção determinada na respectiva convocatória. Além de definir a política setorial, elege a coordenação setorial. As direções da tendência, em qualquer nível, podem convocar plenárias de militantes. As deliberações de uma plenária têm caráter consultivo e precisam ser homologadas pela respectiva direção. Os congressos, conferências e plenárias da AE são abertas à assistência da militância petista. Organismos eleitos A direção, o secretariado, a comissão de ética e a coordenação setorial são eleitos pela conferência ou pelo congresso convocados com este fim.
Os Congressos da AE são convocados pela direção nacional da tendência, no máximo de quatro em quatro anos, para debater questões programáticas e estratégicas.
Compete aos congressos ou às conferências, em qualquer nível, eleger uma Comissão de Ética, com a atribuição de receber reclamações e denúncias, investigar acusações e propor medidas relativas aos casos de infração à ética dos militantes da AE. A Comissão de Ética será composta por três militantes, eleitos pelo voto secreto dos delegados. As direções da tendência, em todos os níveis, só apreciarão casos de infração à ética com base em parecer prévio das respectivas comissões de ética.
As Conferências da AE são convocadas pela direção nacional da tendência, no máximo de dois em dois anos, para debater questões táticas, políticas setoriais e organizativas.
Ao convocar uma determinada conferência setorial, a direção nacional da AE deve estabelecer os critérios de eleição da respectiva coordenação setorial. O que existe, portanto, são setoriais da tendência e não
A tendência possui os seguintes níveis de decisão e de direção em âmbito nacional, estadual e municipal: Congresso, Conferência, Plenária, Direção, Secretariado e Comissão de Ética.
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
A Articulação de Esquerda recusa estas três condutas. Continuamos na disputa do PT, não abrimos mão de nossas posições programáticas e estratégicas, mantemos a flexibilidade tática indispensável para manter posições e acumular forças. Mas para que isto seja possível, é necessário maior consistência ideológica e teórica; maior capacidade de elaboração política; maior força social, especialmente junto as classes trabalhadoras; mais disciplina e centralismo militante por parte da nossa tendência.
39
TRIBUNA DE DEBATES tendências autônomas que atuam num determinado movimento. A direção e o secretariado são eleitos, em cada nível, pelos/as respectivos/as delegados/as, através de voto secreto. Caso não exista acordo na composição de uma lista única, a votação pode ser individual ou por chapas. Em caso de disputa de chapas, não haverá proporcionalidade. Com o propósito de democratizar as instâncias e formar novos quadros, as direções eleitas da tendência devem adotar a paridade de gênero. As direções da AE devem reunir-se bimestralmente, para debater a situação política e deliberar sobre nossa atuação no partido; nos movimentos sociais; nos governos; nos parlamentos; nos processos eleitoraisinstitucionais. O secretariado deve reunir-se mensalmente, para implementar as decisões da Direção e demais instâncias, tendo como tarefas permanentes a Escola, o Página 13, organização e finanças; a coordenação da frente de massas e a coordenação da frente institucional; a supervisão de nossa atuação no Partido.
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
Escola
40
A construção de uma cultura socialista de massas é um componente importante de nossa estratégia. Para tal, é preciso travar uma luta teórica e ideológica contra muitas idéias atualmente hegemônicas na sociedade e inclusive na esquerda brasileira. A luta teórica passa por compreender as tendências do capitalismo atual, no mundo, no continente e no Brasil; passa por um balanço da luta e das tentativas de construção do socialismo no século XX; e passa, finalmente, pela elaboração de uma estratégia de luta pelo socialismo, no século XXI. A luta ideológica passa por difundir esta compreensão teórica, através da análise crítica e da orientação política concreta frente a cada episódio da luta de classes. Tanto a luta teórica, quanto a luta ideológica, possuem uma dimensão individual: o militante que estuda e que defende os pon-
tos de vista do socialismo. Mas precisam assumir uma dimensão coletiva: quando estes pontos de vista se materializam no trabalho de uma organização político-partidária. A Escola Nacional de Quadros visa estimular a produção teórica e fornecer formação política para nossa militância. Esta escola organizará um conjunto de seminários e oferecerá um conjunto de cursos. Ademais, dará apoio para a realização de cursos e seminários descentralizados, nos estados e regiões. Os cursos propostos devem oferecer a formação mínima obrigatória para os/as dirigentes da AE. A Escola de Quadros será responsável, ainda, por organizar ou apoiar a organização de seminários sobre temas específicos ou gerais, tais como: parlamentares e executivos, movimento secundarista, balanço setorial do governo federal, juventude, movimento sindical, capitalismo e meioambiente, mulheres, lgbtt, portadores de deficiência, combate ao racismo, reforma urbana, questão agrária. A Escola de Quadros deverá formar um coletivo de professores/as que possa desenvolver as atividades nos estados, de maneira descentralizada e sob a orientação das direções estaduais, municipais e setoriais. A atividade da Escola de Quadros deve ser permanente, com uma programação no mínimo semestral. As atribuições políticas e organizativas referentes à Escola de Quadros e ao conjunto do trabalho de formação da tendência serão de responsabilidade da secretaria nacional de formação política. Página 13 A AE difunde ou pode difundir suas orientações através de vários mecanismos, entre os quais: o jornal Página 13; as publicações da Editora Página 13; a página www. pagina13.org.br; a publicação periódica de artigos e entrevistas nos meios de comunicação, por parte de nossos dirigentes. O objetivo do jornal Página 13 é informar o ponto de vista da tendência para dois pú-
blicos: a militância da AE – que devem ser estimulados a ler e debater seu conteúdo, para que o jornal sirva como instrumento de orientação política da tendência em nível nacional -e a militância de esquerda que influenciamos politicamente, no Partido, no parlamento, nos governos e nos movimentos sociais. Para atingir este público, o Página 13 precisa dispor de meios financeiros, editoriais e de distribuição. Deve dispor de um projeto editorial e gráfico compatível com os objetivos descritos, além de ter como meta constituir uma equipe composta por um editor profissionalizado, uma equipe de redação voluntária, um conselho editorial político e correspondentes fixos nas diversas frentes de atuação da tendência. A distribuição do jornal deve ser feita por dois canais diferentes: a) via correio (físico e eletrônico), para os/as assinantes; b) através da distribuição direta feita pelos/as militantes da tendência. O jornal Página 13 é uma publicação da Associação de Estudos Página 13. Além do jornal Página 13 e da www.pagina13. org.br, a Associação de Estudos Página 13 é responsável pela publicação das resoluções, documentos e demais materiais para a divulgação das idéias da tendência, através da Editora Página 13. A página eletrônica da Articulação de Esquerda (www.pagina13.com.br) é um meio de divulgação das informações públicas de interesse da tendência. Um dos objetivos da página eletrônica é produzir e oferecer, aos meios de comunicação, artigos opinativos e informativos de dirigentes da tendência. Neste sentido, a página eletrônica também será uma modesta agência de notícias e funcionará como uma espécie de assessoria de comunicação coletiva da tendência. As atribuições políticas e organizativas referentes à função editorial da Associação de Estudos Página 13, ao jornal e à página eletrônica ficarão sob a responsabilidade da secretária nacional de comunicação. A tendência tem como meta constituir um coletivo de comunicação, com vistas a organizar a política de comunicação da tendência em nível nacional e regional.
TRIBUNA DE DEBATES Organização Nossa meta permanente é organizar e acompanhar o funcionamento das direções estaduais nos 27 estados do país e das direções municipais nas maiores cidades de cada estado.
Os/as militantes desempregados/as ou sem fonte de renda poderão pagar sua assinatura, através da venda de materiais da tendência ou através da venda de assinaturas normais do Página 13.
Um instrumento para isto é uma rotina de visitas periódicas de dirigentes nacionais. Outro instrumento são os descritos no item Página 13 deste regimento. Um terceiro instrumento são as listas de discussão na internet e outras ferramentes eletrônicas.
As direções estaduais e municipais da AE têm autonomia para estabelecer sua política de finanças, observando a progressividade, a cobrança de valores diferenciados para quem ocupa cargos eletivos ou de confiança e a necessidade de criar uma cultura permanente de contribuição financeira militante.
Podem ainda ser criadas LISTAS DE TRABALHO, voltadas para circular informações restritas aos membros de uma determinada instância ou setorial da tendência. As direções estaduais devem adotar procedimento similar nos estados. Finanças É tarefa da tesouraria propor, para deliberação da direção, o orçamento anual. As receitas necessárias para executar este orçamento serão obtidas da seguinte maneira: a)contribuição individual dos/as militantes; b)venda de materiais; c)campanhas especiais de finanças. A contribuição individual obrigatória dos/ as militantes da tendência para a AE nacional será feita através da aquisição de 1 (uma) assinatura militante bianual do jornal Página 13. O valor da assinatura militante bianual do Página 13 será proporcional ao salário do/a militante, sendo que o valor preciso será definido uma vez ao ano pela tesouraria, levando em conta dois critérios: a) o valor mínimo deve ser correspondente ao custo de produção de 24 edições em papel do jornal Página 13; b) a partir deste valor mínimo, será adotada uma escala progressiva, proporcional ao salário.
Iniciativas político-organizativas A partir do informe dos dirigentes responsáveis, a nova direção nacional da AE vai elaborar um projeto de resolução para o Congresso extraordinário do PT, incluindo tanto as propostas estatutárias quanto análise de conjuntura e tática para 2012. No segundo semestre de 2012, a direção nacional da AE convocará a Conferência Sindical Nacional da AE; bem como plenárias e conferências para debater e atualizar nossa política para o movimento de mulheres, LGBT, combate ao racismo, comunicação e cultura. A partir das resoluções da Plenária sobre Política Agrária e Agrícola, e em diálogo com os militantes que atuam nesta frente, a nova direção nacional da AE deve elaborar uma política específica para os movimentos do campo. Tendo em vista organizar nossa intervenção na Conferência de Juventude e nos movimentos, e aproveitando os debates da Plenária sobre Educação, a nova direção nacional da AE convocará a Conferência Nacional da Juventude da AE. Com base nas resoluções deste Congresso, a nova direção nacional da AE proporá, aos militantes e tendências que formaram conosco a chapa Esquerda Socialista, a realização de um Congresso Nacional da Esquerda Socialista do PT, com o objetivo de dar o máximo de visibilidade, coesão política e organicidade para este setor do petismo.
— TRIBUNA DEBATES 12 — JULHO/2011
Compete à direção da tendência criar e gerenciar as listas de debates na internet. Da LISTA DNAE devem fazer parte os membros da direção nacional. Da LISTA NACIONAL podem fazer parte todos os militantes da AE que estejam em dia com sua assinatura do Página 13.
41