Apostila a metodologia c aplicada à arquitetura2

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ALGUMAS REFLEXÕES PERTINENTES

A METODOLOGIA CIENTÍFICA APLICADA À PESQUISA TECNOLÓGICA NA ARQUITETURA

CLÁUDIO EMANUEL PIETROBON, Dr. Eng.

MARINGÁ , AGOSTO DE 2006.


SUMÁRIO Página 1. INTRODUÇÃO ..................................................................................

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2. FUNDAMENTOS DE METODOLOGIA CIENTÍFICA.........................

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2.1. Uma definição essencial de implementação, técnica, método e metodologia ........................................................................................ 2.2. Breve histórico da metodologia.................................................... 2.3. Universalidade do método científico............................................ 2.4. Uma conceituação de ciência, ciência aplicada, técnica e tecnologia............................................................................................ 2.5. O lugar da ciência, da técnica e da tecnologia na cultura moderna.............................................................................................. 2.6. Criação científica versus criação artística....................................

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3. A ARQUITETURA COMO CIÊNCIA...................................................

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3.1. Questões ontológicas da Arquitetura........................................... 3.2. Bases científicas da Arquitetura Contemporânea........................ 3.3. Uma resposta às questões ontológicas da Arquitetura................ 3.4. Aplicação do método científico à Arquitetura...............................

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4. CONCLUSÕES..................................................................................

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5. BIBLIOGRAFIA...................................................................................

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6. ANEXOS.............................................................................................

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RELAÇÃO DE FIGURAS

Página Figura 2.1. O sistema da cultura moderna........................................................................................................

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Figura 2.2. O quadrinômio ciência básica – ciência aplicada – técnica – economia e suas eminências pardas, a Filosofia e a Ideologia........................................................................................................ 10 Figura 2.3 Necessidades a serem consideradas no momento de projeto..........................................................................................................

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ANEXO I A Metodologia científica aplicada ao ciclo de produção do edifício..........................................................................................................

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ANEXO II Conjunto de variáveis condicionantes específicas...................................................................................................

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ANEXO III Os conceitos de necessidade, aspiração e os subsistemas da edificação... ....................................................................................................................

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ANEXO IV Quadro de referência para pesquisa em edificações...........................................................................................;......

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1. INTRODUÇÃO O presente trabalho trata da difícil conceituação de se aplicar o conhecimento científico numa área de conhecimento híbrida da Tecnologia e da Arte, considerando a Arquitetura e o Urbanismo como proto-ciências. Propõe-se a fazer uma introdução sobre a metodologia científica e aplicá-la a uma proposta de pesquisa em Tecnologia da Arquitetura de forma sistêmica. Além disto, trata de mostrar quais são as vertentes do conhecimento contemporâneo que podem vir a fazer interfaces com o conhecimento da Arquitetura, na praxis de pesquisa. Pretende-se que este trabalho seja encarado como uma reflexão pessoal do autor sobre o tema, como forma de despertar as discussões na implementação do Instituto da Árvore, que atuará em Paisagismo e Arborização.

2. FUNDAMENTOS DE METODOLOGIA CIENTÍFICA 2.1. Uma definição essencial metodologia.

de

implementação,

técnica,

método e

Os dicionários registram, com variações não muito acentuadas, o significado de método e de metodologia, por exemplo: i) MÉTODO – (do grego methodos, caminho para chegara um fim) – caminho pelo qual se chega a determinado resultado, ainda que esse caminho não tenha sido fixado de antemão, de modo refletido e deliberado; ii) METODOLOGIA - a arte de dirigir o espírito na investigação da verdade. Também o estudo dos métodos. Porém, o método constitui característica tão importante da Ciência que, não raro, identifica-se ciência com seu método. Ele ganha força na Ciência, na sua praxis e no seu produto, e aparece como disciplina específica na Metodologia Científica, ramo da Epistemologia.

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Nas palavras de R. Ackoff: “Os produtos da pesquisa científica são, pois: i)

um corpo de informações e conhecimentos, que nos capacita a melhor controlar o ambiente em que vivemos; e

ii)

um conjunto de procedimentos que nos capacita a melhor fazer aumentar aquele corpo de informações e conhecimentos.” (R. ACKOFF. Scientific Method, 1962, p.5 – in L. HEGENBERG, Etapas da Investigação Científica, v.2, p. 115)

Preocupando-se com os procedimentos adotados pelos pesquisadores, isto é, com o processo de pesquisa, Ackoff assevera que tais procedimentos são usualmente chamados implementos, técnicas e métodos, cabendo estabelecer algumas distinções entre esses três elementos. i) IMPLEMENTO CIENTÍFICO seria, então, qualquer instrumento (físico ou conceptual) utilizado na pesquisa. (Ex.: símbolos matemáticos, computadores, microscópios, termômetros e tabelas, dentre outros); ii) TÉCNICA CIENTÍFICA, porém, equivaleria a uma forma de atingir certo objetivo, a dado modo de agir; as técnicas equiparam-se, pois, a modos de utilização dos instrumentos. (Ex.: procedimentos adotados para determinarem máximos ou mínimos de funções dadas, para construir amostras ou para traçar gráficos, dentre outros); iii) MÉTODO (Científico) é uma forma de selecionar técnicas, de avaliar alternativas para a ação (científica). Sublinha Ackoff: “Assim, enquanto as técnicas utilizadas por um cientista são frutos de suas ‘decisões’, os modos pelos quais, tais decisões são tomadas, depende de suas ‘regras’ de decisão. Métodos são regras de escolha; técnicas são as próprias escolhas.” (In: L. HEGENBERG. Etapas da Investigação Científica, p. 116). A metodologia se equipara, portanto, ao estudo de métodos científicos. O objetivo da metodologia é o aperfeiçoamento Rudner dos procedimentos e critérios utilizados na pesquisa, visando alcançar os mais elevados padrões de controle, na investigação científica. A variedade de técnicas, segundo, levou muitos estudiosos a sustentarem que existiria, paralelamente, uma diversidade de métodos. Não haveria, pois, um só método científico, mas uma pluralidade de métodos. Rudner combate com veemência esta idéia, alegando que técnicas são 4


transitórias e método científico é único, desde que se aceite não estar em tela a descoberta de teorias, mas tão somente a sua justificação. Já Wartofsky (Conceptual Foundations – in op. cit., p.117), entre outros, fala com naturalidade em métodos, no plural, colocando sob o título várias fases de pesquisa. Sem tomar partido nesta controvérsia, o que se pode afirmar é que, além da imensa variedade de técnicas, de processos e de métodos peculiares a cada ciência, arte ou atividade, um método geral divide-se basicamente em duas espécies, caracterizadas pela direção ascendente ou descendente de pensamento; a direção descendente, própria do método racional, é denominada dedução, e a direção ascendente, própria do método experimental, é denominada indução. Basicamente, o problema da metodologia contemporânea está na comprovação das hipóteses. 2.2. Breve histórico da metodologia Como visto anteriormente, um método é um procedimento regular, explícito e passível de ser repetido para conseguir-se alguma coisa, seja material ou conceitual. A idéia de método é antiga; de modo geral – aplicável a um vasto conjunto de operações – é menos. Parece surgir, como muitas outras idéias de extrema generalidade, no período clássico grego. Porém, o conceito geral de método não se consolida e populariza até começos do século XVII, ao nascer da ciência moderna. Os primeiros pensadores modernos de grande estatura e influência que propugnaram pela adoção de métodos gerais para lograr avanços no conhecimento são Bacon e Descartes. Para Bacon, o método científico é um conjunto de regras para observar fenômenos e inferir conclusões. O método de Bacon é, pois, indutivo. Descartes, que diversamente de Bacon, era matemático e cientista; não acreditava na indução, mas na análise e dedução. Para Descartes, se deveria poder partir de princípios supremos, de natureza metafísica e mesmo teológica, para deles obterem-se verdades matemáticas e verdades acerca da natureza do homem. Leibnitz, em fins do século XVII, queixava-se de que o método de Descartes servia somente após terem sido encontradas as verdades primeiras. E pedia que ao método da análise se somasse o método de invensão, ou ars inveniendi, dessas verdades iniciais. A ciência natural moderna nasce à margem dessas conceituações filosóficas. Seu pai, Galileu, não se conforma com a observação pura (teoricamente neutra) e, tampouco, com a conjectura arbitrária. Galileu propõe hipóteses e as submete à prova experimental. Funda assim a dinâmica moderna. Galileu se interessa vivamente por problemas metodológicos, gnoseológicos e ontológicos: é um cientista e um filósofo e, além disso, um engenheiro e um artista da linguagem. A partir de Galileu introduziram-se várias modificações no método científico. Uma delas é o controle estatístico de dados. E na medida em que os cientistas se

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tornam mais exigentes com relação aos dados empíricos, passam a ser mais tolerantes com as teorias. Isto é devido a que as teorias tornaram-se mais refinadas e, portanto, mais difíceis de serem contestadas empiricamente. A comprovação passa a ser mais complexa. Segundo Bunge: “A linha divisória entre as hipóteses e teorias científicas e as não científicas não é, pois, a comprovabilidade em si mesma, mas o conhecimento científico básico.” (M. BUNGE. Epistemologia, p. 24). Há mais de um século passado, Marx, Counot e Walras empregaram o método científico nas ciências sociais. No início do século XIX, através de Comte e Whewell, ela passa a ser uma disciplina autônoma. Em fins do mesmo século começaram a se juntar às fileiras da comunidade científica, os sociólogos, psicólogos sociais, politicólogos, antropólogos, geógrafos sociais e outros. Mais tarde incorporaram-se os historiadores econômicos e sociais, assim como os lingüistas. O método científico, hoje, é aplicado não apenas na Sociologia, Politicologia, Psicologia Social, Economia, Antropologia e Geografia Humana, mas também na História, particularmente na História Social e Econômica. Em suma, o método científico não se rompeu ao ser esticado para que se abrangesse os problemas sociais. Tampouco se rompe se for aplicado a outra disciplinas, em particular as humanísticas e artísticas, a exemplo da Arquitetura e áreas afins. Bunge melhor define método científico como estratégia da investigação científica, e afirma: “A estratégia ou método geral da ciência nasceu há três séculos e meio, desenvolveu-se, e não mostra sinais de parar em sua evolução. Além de desenvolver-se, expandiu-se e continua a expandir-se. Já domina as ciências sociais e a tecnologia, e está começando a imporse em algumas áreas da Filosofia.” (op. cit., p. 34) Mas ressalva: O método não supre o talento, apenas o ajuda. Entretanto, essa aplicação não tem se dado sem controvérsias, ora se advoga método único para todas as várias espécies de ciências, ora ao contrário, se fala em necessidade de métodos diferentes (teses separatistas), justamente porque há aspectos irreduzíveis numa disciplina que a tornam independente das demais. O Reducionismo surge para se contrapor à Teoria Geral dos Sistemas. Porém, recentemente, em 1968, a convergência de análises de Jacob e o holon de Koestler harmonizam o Reducionismo e o Holismo, a tradicional abordagem científica e a teoria dos sistemas (W. I. B. BEVERIDGE. Sementes da Descoberta Científica, p. 76). Nas palavras de Hegenberg: 6


“Há espaço, portanto, para vários tipos de conjecturas. Se elas dizem respeito ao mundo, precisam ser testáveis e isso equivale a dizer que são científicas. O método científico pode ser o das conjecturas e refutações – na medida em que nos limitemos às teorias específicas (modelos teóricos). Pode ser o das conjecturas e teste – na medida em que ultrapassamos as teorias específicas (modelos experimentais).” (L. HEGENBERG. Etapas da Investigação Científica, p. 176). A passagem sucessiva em menos de cinqüenta anos de ciência do certo à ciência do provável (A. MOLES. A Criação Científica, p. 158) e, a seguir, bem recentemente, à ciência do percebido, resume uma evolução do espírito científico que ultrapassa largamente o quadro da própria ciência. Não foi a ciência sozinha que provocou essa mudança de ponto de vista – ainda vaga, aliás -, mas toda uma ambiência de idéias, de reflexões, perspectivas que pertencem à época inteira e mais particularmente, ao pensamento filosófico encarregado de exprimir essa época. 2.3. Universalidade do método científico Moles (A Criação Científica, p. 159) afirma que há uma convergência atualmente entre Filosofia e Ciência, que haviam tomado rumos distintos no Renascimento, afirmando que a Filosofia toma o caminho de uma Ética do Pensamento. Bunge (Epistemologia, p. 172) vai mais além e afirma que o método científico irá dominar todas as ciências e em decorrência se poderá falar em Filosofia Científica. Mas ressalta: “Em resumo, o método científico não é tão milagroso como acreditam seus entusiastas que só o conhecem de oitiva, não é de tão curto alcance como querem fazer-nos acreditar seus detratores”. O método científico não é, nem mais nem menos, senão a maneira de fazer boa ciência, natural ou social, pura ou aplicada, formal ou factual. E essa maneira pode ser adotada em campos que não eram científicos, mas que se caracterizam, com a ciência, pela procura de normas gerais. Sublinha ainda: “Para terminar: posto que método científico seja a maneira de conduzir investigações científicas, não podendo ser aprendido separadamente destas últimas. Vai-se dominando o método – e talvez também o modificando à medida que se faz investigação original.” Sob esse prisma a universalidade do método científico é patente e está nitidamente ligada à praxis da ciência: a pesquisa.

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2.4. Uma conceituação de ciência, ciência aplicada, técnica e tecnologia. A diferença entre ciência básica, ciência aplicada e técnica é um problema típico da Filosofia da Ciência e da Filosofia da Tecnologia. Esta tríade está calcada num objetivo comum: conhecer, através de uma praxis, a pesquisa. Porém, o objetivo desse conhecimento é diverso. Desta forma, pode-se falar em pesquisa básica, pesquisa aplicada e pesquisa tecnológica. Resumidamente, tanto a pesquisa básica como a aplicada utilizam o método científico para obter novos conhecimentos (dados, hipóteses, teorias, técnicas de cálculo ou de medição, dentre outras). Porém, enquanto o pesquisador de ciência básica trabalha com problemas que interessam só a ele (por motivos cognoscitivos), o pesquisador de ciência aplicada estuda somente os problemas de possível interesse social. Sobre a diferença entre ciência (básica ou aplicada) e técnica, tem-se: enquanto a primeira propõe-se a descobrir leis que possam explicar a realidade em sua totalidade, a segunda se propõe a controlar determinados setores da realidade, com a ajuda de todos os tipos de conhecimento, especialmente os científicos. Tanto uma como a outra partem de problemas, só que os problemas científicos são puramente cognoscitivos, enquanto que os técnicos são práticos (a técnica não interessa o universo todo, e sim o que represente recurso natural ou artefato). Então, quando se considera um ciclo científico ou técnico integral, não há possibilidade de confundi-los, já que num caso o produto final é o conhecimento e no outro é um artefato ou plano de ação que promete resultados de valor prático para alguém. Convém salientar que técnica e tecnologia são distintas. Habitualmente, entende-se por tecnologia a técnica que emprega conhecimento científico. Exemplificando-se: distingue-se a técnica da costureira da tecnologia da indústria da confecção. Caracterizando-se os fins e os meios da tecnologia, obtém-se sua definição, segundo Bunge (P. 186): i) Um corpo de conhecimentos é uma tecnologia se, e somente se: ii) É compatível com a ciência contemporânea e controlável pelo método científico; e iii) É empregado para controlar, transformar ou criar coisas ou processos, naturais ou sociais. Salienta-se que, segundo essa definição, uma tecnologia pode ter ou não uma intersecção não vazia com alguma ciência. Observe-se também que, na definição anterior, a tecnologia e a ciência são encaradas ao mesmo tempo. Finalmente, essa definição contém o conhecimento do método científico, que às vezes é mal compreendido (como se pudesse gerar conhecimento por ele mesmo) e outras vezes é rejeitado (como se fosse responsável pelo mau uso da ciência). Em conclusão, pode-se afirmar que nenhum ramo da tecnologia está isolado e nenhum surgiu do nada. A tecnologia moderna cresce na mesma terra que ela fertiliza: a civilização industrial e a cultura moderna. 2.5. O lugar da ciência, da técnica e da tecnologia na cultura moderna. 8


Nunca na história da humanidade a ciência ocupou papel tão destacado como componente da cultura. No tocante à produção de conhecimento, Bunge (Ciência e Desenvolvimento, p.28) relaciona quatro setores: Ciência Básica, Ciência Aplicada, Técnica e Economia, que são diferentes, mas interagem fortemente, e afirma: “E tem mais: os quatro setores citados têm estreita ligação com outros dois, os quais não se costumam serem mencionados pelos especialistas em política científica e técnica – a Filosofia e a Ideologia. Realmente, não há pesquisa científica sem conceitos filosóficos, sobre a natureza e a sociedade, assim como a maneira de conhecê-las e transformá-las. Nem há técnica sem ideologia, já que esta fixa valores e, com estes, os seus objetivos.” Em resumo, tratando-se de ciência e técnica é preciso lembrar, são parte de uma rede complexa e dinâmica, esquematicamente apresentada na figura 2.2. No tocante à tecnologia, ninguém nega que ela tenha um lugar central em qualquer civilização industrial. O que às vezes se nega, especialmente por parte de filósofos puristas, é que a tecnologia forme parte essencial da cultura intelectual contemporânea. Bunge (Epistemologia, p. 207) diverge desses filósofos, segundo ele, os principais componentes da cultura moderna, podem ser mostrados esquematicamente, conforme figura 2.1, e afirma: “Como toda cultura moderna é um complexo sistema constituído de componentes interatuantes e em estreita interação com os outros dois subsistemas da sociedade: a economia e a política.”

ARTE

IDEOLOGIA

TECNOLOGIA

HUMANIDADES FILOSOFIA

CIÊNCIA

MATEMÁTICA

Figura. 2.1. O sistema da cultura moderna. (As linhas pontilhadas indicam ausência de fronteiras precisas).

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Filosofia

Cosmovisão Enfoque Teorias Problemas

Ciência Básica

Conhecimentos Ciência Aplicada

Problemas

Problemas

Instrumental

Produção Circulação Serviços

Conhecimentos

Problemas Projetos

Técnica

Planos

Valores Fins

Meios

Ideologia Figura 2.2. O quadrinômio ciência básica – ciência aplicada – técnica – economia e suas eminências pardas, a Filosofia e a Ideologia.

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Na base do edifício figuram os componentes mais sólidos (se bem que não os menos mutáveis), que são a Ciência e a Matemática. No andar intermediário, encontram-se a Tecnologia e as Humanidades, um pouco mais brandas, embora não tanto como os setores do andar superior: a Arte e a Ideologia. A Filosofia, na concepção de Bunge, é um setor híbrido que se superpõe parcialmente à Ciência, à Matemática, à Tecnologia e às Humanidades. Das sete áreas assinaladas da cultura moderna, a Tecnologia é a mais jovem. Talvez por esse motivo nem se perceba que ela é tão essencial quanto as outras. A Tecnologia é tão central que interage vigorosamente com todos os demais ramos da cultura. Ainda mais, a Tecnologia e a Filosofia são os únicos componentes da cultura viva que interagem fortemente com todos os outros componentes. Como já foi dito a Tecnologia não só interage com todos os ramos da cultura contemporânea, como também é parcialmente coberta por alguns deles. Especificamente de interesse desse trabalho, o Desenho Industrial, a Arquitetura e áreas afins pertencem à intersecção da Tecnologia e a Arte. Porém, nem tudo é tão estático, o conhecimento cultural do homem no século XXI está em crise, devido justamente a uma alienação na ação do homem, função da não mediação de suas dimensões estética e científica. 2.6. Criação científica versus criação artística Ao se colocar deliberadamente no status nascendi da criação científica, sem se interessar pelos objetos de pensamento criados, constata-se a oposição formal nos métodos, nos objetivos, no estado de espírito, na forma, entre ciência em via de fazer-se, o processo heurístico do qual não restarão no fim, senão alguns poucos traços e a ciência acabada, edifício completo materializado nas publicações, nas obras, nos cursos, que obedece a regras rigorosas e segue, em particular, os cânones da lógica formal: a primeira constitui a heurística (A. MOLES. A Criação Científica, p. 263) propriamente dita. Do ponto de vista estritamente heurístico, Moles (Op. cit., p. 258) afirma que o conjunto desses caracteres que opõem tão fortemente a criação científica à ciência acabada, é comum à criação científica e à criação propriamente artística. No ato criador o cientista não se diferencia do artista: em princípio, não há diferença entre criação artística e científica, elas trabalham sobre materiais diferentes do Universo. No entanto, na sua praxis, Ciência e Arte, embora possuam instrumentos e linguagem diferentes, elas têm como referente o mesmo objeto – o Universo (A. R. CAMARGO. Introdução ao Estudo do Conhecimento Estético-científico na Arquitetura, p. 13). 3. A ARQUITETURA COMO CIÊNCIA 3.1. Questões ontológicas da Arquitetura

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Philip Boudon, em seu livro Ensaio Epistemológico da Arquitetura (in: E.G. de Oliveira. Uma Metodologia Para o Projeto Arquitetônico, p. 18), fala de duas correntes de pensamento, ligadas à Epistemologia da Arquitetura que colocam duas questões fundamentais: a primeira questiona a própria existência da Arquitetura, concluindo que esta não existe. Daí voltar-se para a Sociologia, Economia, Tecnologia, Política, dentre outras. A Segunda afirma que a Arquitetura está em tudo, tudo é Arquitetura. Ambas deixam de súbito de colocar em questão a Arquitetura. Diante desse quadro torna-se urgente definir a especificidade da Arquitetura. Qual é o seu campo? A Epistemologia da Arquitetura procura definir a especificidade da Arquitetura para tratá-la como ciência, criar uma Arquiteturologia. Volta-se a preocupação de sempre, em identificar a substância da Arquitetura e suas áreas afins. Quais são suas essências? É no espaço tridimensional – que inclui o homem e o espaço interno -, que reside a especificidade da Arquitetura? Segundo Henri Foncillon: “É no espaço verdadeiro que se exerce esta arte, aquele em que se INTRODUZ nosso andar e que ocupa a atividade do nosso corpo. A Epistemologia da Arquitetura pode nos conduzir a um conhecimento objetivo da arquitetura sem se omitir os aspectos subjetivos que a engendram e caracterizam.” ( in: op.cit., p. 18) O projeto, o produto e o uso constituiriam as bases para uma Arquiteturologia. Estes seriam os momentos que caracterizam a produção arquitetônica. No momento do projeto destacam-se três espaços da Arquitetura (in: E.G. de Oliveira. Uma Metodologia Para o Projeto Arquitetônico, p. 54): i – O espaço mental – ou seja, o pensamento do arquiteto; ii – O espaço representado – que se constitui no projeto propriamente dito, e iii – O espaço verdadeiro – o espaço tridimensional, colocando-se o arquiteto como observador-usuário. O momento do produto arquitetônico é o espaço real – tendo este tido um espaço mental a priori. “A sua especificidade inegável está em ser um espaço real, que revele a intenção engendrada e conduzida, enquanto pensamento do espaço.” ( in: op. cit., p. 19) O momento de uso é o terminal do processo de produção, a experiência espacial. Dois obstáculos se antepõem a esse caminho: a definição da especificidade da Arquitetura e a identificação do seu objeto exigirão um trabalho científico em um campo que se quer também artístico:

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“A Ciência se ocupa de verdades generalizáveis e a Arte buscando a única, supõe-se ‘a priori’ uma incompatibilidade destes dois domínios.” ( in: op. cit., p. 19) Por outro lado, a identificação da substância da Arquitetura, como sendo o ESPAÇO INTERNO, apresenta outra dificuldade, que é justamente a definição do espaço interno. Um corredor e uma praça não seriam também espaços internos? Segundo Le Corbusier: fora é sempre um outro dentro. 3.2. Bases científicas da Arquitetura contemporânea Para responder a estas questões de ordem ontológica da Arquitetura, devese analisá-las à luz do conhecimento contemporâneo, embasado numa revisão histórico-social. Assim, os célebres conceitos de Vitruvius: solidez, utilidade, beleza que estão sempre presentes no produto arquitetônico, variando em intensidade apenas, modernamente poderiam ser traduzidos em Tecnologia (solidez), Função (utilidade) e Forma (beleza). Essa relação triádica deve ser considerada, conforme a opinião de Boudon, nos três momentos de arquitetura: Projeto, Produto e Uso, compreendendo a Operação e Manutenção. O momento do PROJETO na concepção de Broadbent (Diseño Arquitetonico, p. 367) é a análise e síntese dos requisitos espaciais humanos, ambientais e tecnológicos traduzidos numa mensagem persuasiva, através de uma linguagem própria. USUÁRIO

Humanas

Estéticas Individuais Sociais

FORMA

FUNÇÃO ESPAÇO EXTERNO ESPAÇO INTERNO

Meio Ambiente Edifício e seus subsistemas

TECNOLOGIA

Figura 2.3 Necessidades a serem consideradas no momento de projeto Nessa análise, em nossa modesta opinião, deve ser introduzida, além da dimensão espaço, a dimensão funcional TEMPO. O momento do PRODUTO é o da relação dialética: Indústria versus Arte, na qual caberia o estudo do kitsch (sistema estético de comunicação de massa). E o momento de USO é o momento terminal do processo, é o momento da experiência espacial, é o campo da psicologia ambiental e da A.P.O – Avaliação de Pós Ocupação. 13


O momento do projeto é o mais rico para a exploração à luz do conhecimento contemporâneo. Como visto, conforme Boudon, ele tem três espaços: i) o espaço mental (programação arquitetônica e formulação espacial); ii) o espaço representado (projeto desenvolvido); e iii) o espaço verdadeiro (observação/uso). A programação arquitetônica é o momento da heurística (A. MOLES. A Criação Científica, p. 263), das novas matemáticas: matrizes, teoria dos conjuntos e da Teoria Geral dos Sistemas, da Teoria da Informação, da Teoria da Tomada de Decisões, da Pesquisa Operacional, Teoria dos Jogos, dentre outras. A formulação espacial, pelo menos na década de 60 do século passado, foi o momento da Cibernética, tornando menos mágico o conhecimento estético. Hoje esta tendência está mais abrandada, partindo para Psicologia Ambiental e Teoria Psicanalítica dos Símbolos. Ambos, programação arquitetônica e formulação espacial, que culminam no anteprojeto, são momentos de estudo da metodologia de projeto, iniciada na década de 60 e desenvolvendo-se até hoje. O anteprojeto e o projeto desenvolvido (espaço representado) são momentos, hoje, de estudo na área de informática (CADD, CAD-CAM e CAE, dentre outros). Nesses momentos, a procura de um instrumental que possibilite não só a compreensão, mas auxilie a criação estética, pode ser feita a partir de uma união entre Semiótica e Teoria da Informação/Comunicação, uma vez que: Arte é um fenômeno comunicativo, que usa signos portadores de significado entre indivíduos que possuem diferentes repertórios ideosincráticos, através de um determinado canal que possui interferência (ruído). Na opinião de Lucrécia D’Alessio Ferrara: “A propaganda, a publicidade, a moda, os meios de comunicação de massa como o rádio, a TV e o jornal, certas modalidades teatrais, cinematográficas ou fotográficas, a Arquitetura e o Desenho Industrial são signos icônicoutilitários, isto é, estão voltados para a elaboração estética de mensagens persuasivas. Entretanto, a distinção desses signos está na presença ou ausência, a partir deles, de uma articulação ambiental, mais invisível que visível. Este ambiente icônico-utilitário supõe um volume sígnico, um envolvimento espacial do signo, ou o inverso, um envolvimento sígnico do espaço, de tal modo, ambos - signo e espaço -, se articulam para construir uma unidade ambiental. Estão nesse caso, basicamente, o Desenho Industrial e a Arquitetura,” (L. D. FERRARA. A Estratégia dos Signos, p. 71/72). Sublinha ainda:

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“O significado do signo icônico-utilitário não nasce, pois, da FUNÇÃO, mas das relações engendradas no sistema de signos inseridos na linguagem através do seu processo de USO.” É então, o momento da Psicologia Ambiental, da percepção e do sensível. Porém, a par desta racionalização da Arquitetura, existem os movimentos de cunho histórico-sociológico, atuando como síntese de uma dupla análise – estrutural e conjuntural –, que procura a mediação entre a dicotomia Arte versus Tecnologia (Indústria). 3.3. Uma resposta às questões ontológicas da Arquitetura A questão de definição do objeto da Arquitetura (Dicotomia da relação ARTE versus TECNOLOGIA) reside no fato de que, certamente, a Arte, em suas diversas manifestações, pode, nos limites da cultura ocidental, representar os arquétipos hegemônicos da experiência estética, mas não pode pretender a exclusividade. Os mundos do Desenho Industrial, da Arquitetura e suas áreas afins estão ligados ao mundo da Estética, mas não necessariamente ao mundo da Arte Pura, não utilitárias (que busca a verdade única). Justamente pelo fato de que os produtos do Desenho Industrial e da Arquitetura e suas subáreas (arte de uso teleológico) buscarem, não essa verdade pura, mas uma certeza calibrável – nos âmbitos estético, funcional, tecnológico, ambiental, histórico e social - pois todo planejamento e projeto e suas respectivas execuções são eminentemente probabilísticos e não determinísticos - e, portanto sujeitos a determinadas margens de erro, aceitáveis para cada qual. A questão da definição do espaço reside justamente na necessidade de se incluir a dimensão TEMPO nessa definição. A afirmação de Le Corbusier: o fora é sempre um outro dentro, implica urgência em incluir o meio-ambiente (através dessa dimensão ESCALAS DE TEMPO) no projeto, produto e uso da Arquitetura e suas áreas afins. Assim, fora e dentro seriam dialeticamente materializados numa proposta concreta: o produto arquitetônico e de suas áreas afins. 3.4. Aplicação do método científico à Arquitetura O Método Científico está intimamente ligado à práxis da ciência: a pesquisa. Encarando-se como pesquisa a produção arquitetônica - nos seus três momentos: PROJETO, PRODUTO, USO – incluindo a OPERAÇÃO e a MANUTENÇÃO -, poder-se-iam ter os esquemas apresentados nos Anexos I, II, III e IV: Anexo I - A Metodologia científica aplicada ao ciclo de produção; Anexo II - Conjunto de variáveis condicionantes específicas; Anexo III - Os conceitos de necessidade, aspiração e os subsistemas da edificação; Anexo IV - Quadro de referência para pesquisa em edificações.

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4. CONCLUSÕES Entende-se como nova visão para a Arquitetura e o Urbanismo – e por conseqüência em suas subáreas -, a procura da mediação – ARTE versus TECNOLOGIA – através desses instrumentos novos da cultura contemporânea, como condição para que os produtos de nossa sociedade sejam certos e agradáveis e que sua utilização não seja um fator de alienação para o homem. Da aplicação do método científico à Arquitetura enquanto pesquisa, a grande dificuldade reside na transição da programação arquitetônica e todo seu instrumental (abstrato) para a concepção formal (concreta). Tarefa a ser resolvida pela Metodologia de Projeto, que é o cerne da questão dialética TECNOLOGIA versus ARTE. Retomando historicamente uma opinião de Pierce: “Hoje, só os métodos podem chamar a atenção, e estes estão surgindo em tamanha quantidade que o próximo passo será descobrir um método para descobrir métodos. E isso só pode surgir de uma teoria do método da descoberta.” (C. S. PIERCE. Colleted Papers. 2.018 – in: L. D. FERRARA. A Estratégia dos Signos, p. XIII). Ou seja, entre a submissão a um método e um método da descoberta está a diferença e a distância entre a pesquisa da tenacidade e aquela da sagacidade. Outros autores, entre eles Gui Bonsiepe (A Tecnologia da Tecnologia) e J. C. Jones (Diseñar el Diseño) propõem soluções análogas em obras recentes: Método do Método. Assim, consequentemente, as aspirações de uma nova Epistemologia da Arquitetura, seriam: i – Estudo da Arquitetura e áreas afins à luz dos conhecimentos contemporâneos; ii – Revisão histórico-social-ambiental da Arquitetura; iii – A dimensão sensível/psicológica da Arquitetura; iv – Por a descoberto os pressupostos filosóficos das correntes internas da Arquitetura (Construtivismo, Funcionalismo, Formalismo); v – Avaliar a dialética das dimensões tempo-espaço; vi – Estabelecer o caráter sócio-ambiental da Arquitetura e políticas culturais; vii – Estudo de Ontologia e da Ética na Arquitetura e áreas afins. 5. BIBLIOGRAFIA BEVERIDGE, W. I. B. Sementes da descoberta científica. São Paulo, EDUSP, 1981.

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BONSIEPE, G. A Tecnologia da Tecnologia. São Paulo, Edgar Blücher, 1983. BROADBENT, G. Diseño Arquitetonico: Arquitetura y Ciências Humanas. Barcelona, Gustavo Gilli, 1976. BUNGE, M. Ciência e Desenvolvimento. São Paulo, EDUSP, 1980. BUNGE, M. Epistemologia. São Paulo, EDUSP, 1980. CAMARGO, A. R. Introdução ao Estudo do Conhecimento EstéticoCientífico na Arquitetura. São Carlos, SAP/EESC/USP, 1976. (mimeo). FERRARA, L. D. A. A Estratégia dos Signos. São Paulo, Perspectiva, 1981. HEGENBERG, L. Etapas da Investigação Científica. V. 2, São Paulo, EDUSP, 1976. JONES, J. C. Diseñar el Diseño. Barcelona, Gustavo Gilli, 1985. MOLES, A. A. A criação científica. São Paulo, Perspectiva, 1981. OLIVEIRA, E. G. Uma metodologia para o projeto arquitetônico. São Carlos, Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado, 1979.

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6. ANEXOS

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ANEXO I

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ANEXO II

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ANEXO III

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ANEXO IV

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