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Jornal da Manhã
Sábado e domingo, 12 e 13 de março de 2022
PESQUISA
Água potável do RS apresenta alto índice de contaminação
Uma pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) constatou que a água potável no Estado apresenta alto índice de contaminação química e biológica. De acordo o estudo desenvolvido dentro do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Química da UFRGS entre 2016 e 2020, a contaminação biológica se dá por Giardia e Cryptosporidium, que são protozoários causadores de doenças intestinais. Já a química é causada por 17-alpha-etinilestradiol, hormônio sintético que pode causar câncer. Entre 202 mananciais superficiais do Estado, 56 possuem alta concentração dos protozoários. De 2.304 amostras de água não tratada, 223 apresentaram esses microrganismos. As populações mais impactadas são as das cidades de Porto Alegre, Viamão, Passo Fundo e Capão do Leão. O Centro Estadual de Vigilância em Saúde é o responsável pela fiscalização. A Secretaria Estadual da Saúde disse exigir que as estações de tratamento de água tomem ações no sentido de se adequar à legislação brasileira. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece, por exemplo, que a tolerância para a infecção por Giardia é de
um caso a cada mil pessoas. Na Capital, os cálculos sugerem que o risco de contágio é 10 vezes maior: um caso a cada 100 pessoas. "Isso deve ocorrer devido ao abastecimento de água potável se dar a partir de dois rios muito poluídos: o Rio dos Sinos e o Rio Gravataí", explica o engenheiro químico Luciano Zini, à frente da pesquisa. Os resultados do estudo sugerem que, no interior do Estado, a presença dos protozoários na água se dá devido à produção pecuária. Os microrganismos são encontrados em fezes de animais, principalmente gado bovino. Já sobre a presença de 17-alphaetinilestradiol na água, ele conta que ela pode ser explicada pela falta de tratamento do esgoto. O hormônio sintético é lançado no meio ambiente pela descarga de esgoto doméstico. Houve locais em que a concentração na água era 260 mil vezes maior do que o limite estipulado pela OMS. As hipóteses levantadas pela pesquisa sugerem que as contaminações químicas não previstas pela regulamentação brasileira se devem ao fato de o Padrão Brasileiro de Potabilidade não contemplar os contextos locais, mas, sim, parâmetros mais gerais.
Para o pesquisador Luciano Zini, "o saneamento é um problema coletivo". Ele faz referência à média nacional de novos casos de câncer por ano para dar uma dimensão desse problema: é de três a cada mil. No estado, são cinco a cada mil. E o tratamento do esgoto no Rio Grande do Sul é escasso. "Políticas públicas são necessárias para resolver esse problema coletivo. Mas só o poder público não é o suficiente. É necessário envolvimento da população. A solução precisa ser coletiva", afirma. O tratamento de esgoto tem capacidade instalada de dez mil litros por segundo, mas só metade dessa capacidade é utilizada, não atendendo nem a 30% de toda demanda do Estado. A estimativa é que cerca de três milhões de pessoas tenham consumido água sujeita a ter a presença de protozoários, por exemplo. Além disso, nenhum reservatório de água no Rio Grande do Sul atende à NBR (que dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade), destaca o engenheiro. "Os protozoários são muito resistentes. Podem sobreviver por até dois anos no ambiente e não são eliminados no tratamento convencional da água. A filtração
Substâncias radioativas foram encontradas Todos nós bebemos pequenas doses diárias de substâncias químicas e radioativas. São agrotóxicos e outros resíduos da indústria que se misturam aos rios e represas. Alguns especialistas defendem que não há risco se elas estiverem dentro do limite regulamentado. Outros argumentam que as doses aceitas no Brasil são permissivas, pois são bem mais altas que as da União Europeia. Sobre um ponto não há dúvida: essas substâncias são prejudiciais à saúde quando estão acima do limite brasileiro. O consumo diário aumenta o risco de câncer, mutações genéticas, problemas hormonais, nos rins, fígado e no sistema nervoso – a depender do produto. Dados mostram que são esses os riscos oferecidos pela água que saiu da torneira de 763 cidades entre 2018 e 2020. Substâncias químicas e radioativas foram encontradas acima do limite em 1 de cada 4 municípios que fizeram os testes. Entre eles está São Paulo (13 testes acima do limite), Florianópolis (26) e Guarulhos (11). Os dados são resultados de testes feitos por empresas ou órgãos de abastecimento e
enviados ao Sisagua (Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano), do Ministério da Saúde. Os testes são feitos após o tratamento e a maioria dessas substâncias não pode ser removida por filtros ou fervendo a água. “Se há substância acima do valor máximo permitido, podemos dizer que a água está contaminada”, afirma Fábio Kummrow, professor de toxicologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Uma outra forma de dizer é que essa água não está própria para consumo,
como quando um alimento passa da data de validade”. Contaminada ou imprópria, Kummrow confirma que existe risco para quem bebe a água, e ele varia de acordo com a substância e com o número de vezes que ela foi consumida ao longo do tempo. O risco é maior para quem bebeu diversas vezes ao longo de anos. É o caso de quem mora em São Paulo, Florianópolis, Guarulhos e outras 79 cidades onde a mesma substância foi encontrada acima do limite nos três anos analisados (2018, 2019 e 2020).
Luciano Zini
é um método eficiente, mas a maioria dos reservatórios faz ela com camada simples, quando a dupla é a norma", explica Zini. A partir de dados disponibilizados por outros estudos precedentes, foram utilizados dois tipos de avaliação de risco, uma química e outra biológica, feitas através de cálculos de probabilidade. A avaliação da contaminação biológica foi feita a partir da ocorrência de protozoários nas estações de tratamento de água do Estado entre os anos de 2016 e 2020.
Água de Ijuí está dentro do limite de segurança
A água que os ijuienses bebem está dentro do limite de segurança. É o que aponta os testes colhidos na água tratada do município entre 2018 e 2020. Eles são feitos pelas instituições responsáveis pelo abastecimento e enviados ao Sisagua (Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano), do Ministério da Saúde. Segundo a pesquisa, foram encontrados no água Carbendazim + benomil (agrotóxicos), Diuron (agrotóxicos), Atividade alfa total (radioatividade); Atividade beta total (radioatividade); 2, 4, 6 Triclorofenol (subprodutos da desinfecção) entre outros.
Todas as substâncias encontradas oferecem algum risco à saúde humana se estiverem acima da concentração máxima permitida, segundo critérios fixados pelo Ministério da Saúde. Os casos que estão dentro do limite de segurança não ultrapassaram a concentração máxima permitida pelo Ministério da Saúde. Ou seja, estão abaixo da concentração a partir da qual a substância passa a gerar risco. Especialistas estão pesquisando sobre possíveis riscos oferecidos pela mistura de diferentes substâncias na água, mesmo que todas estejam dentro do limite. A Europa já fixou um limite para a soma de substâncias. Isso ainda não existe no Brasil.