03 Fev 2012

Page 1


DIÁRIO DO COMÉRCIO - 1ª P. - 03.02.2012


DIÁRIO DO COMÉRCIO - P. 03 E 04 - 03.02.2012


CONT.... DIÁRIO DO COMÉRCIO - P. 03 E 04 - 03.02.2012


O TEMPO - p. 18 - 03.02.2012

No atual, a sustentabilidade é localizada ou inexistente Leonardo Boff Os documentos oficiais da ONU e também o atual borrador para a Rio+20 encamparam o modelo padrão de desenvolvimento sustentável: deve ser economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente correto. É o famoso Triple Botton Line (a linha das três pilastras), criado em 1990 pelo britânico John Elkington, fundador da ONG SustainAbility. Mas esse modelo não resiste a uma crítica séria. Na linguagem política dos governos e empresas, desenvolvimento equivale a PIB. Ai da empresa e do país que não ostentem taxas positivas de crescimento anuais! Entram em crise, com consequente diminuição do consumo e geração de emprego. Quando falamos de desenvolvimento não é qualquer um, mas o industrial/capitalista/consumista. Ele é antropocêntrico, está centrado no ser humano, como se não existisse flora e fauna e outros organismos vivos, que também precisam da biosfera e demandam igualmente da sustentabilidade. É contraditório, pois desenvolvimento e sustentabilidade obedecem a lógicas que se contrapõem. E é linear e crescente, explorando a natureza e privilegiando a acumulação. A sustentabilidade, ao contrário, provém das ciências da vida e da ecologia, cuja lógica é circular e includente. Representa a tendência dos ecossistemas ao equilíbrio dinâmico, à interdependência e à cooperação. Como se depreende, são lógicas que se autonegam: uma privilegia o indivíduo, a outra o coletivo; uma enfatiza a competição, a outra a cooperação; uma a evolução do mais apto, a outra a coevolução de todos interconectados.

duz a degradação, pois dilapida a natureza e gera pobreza. A expressão desenvolvimento sustentável representa uma armadilha do sistema: assume os termos da ecologia (sustentabilidade) para esvaziá-los. Assume o ideal da economia (crescimento) mascarando a pobreza que produz. Se há uma coisa que o atual desenvolvimento industrial/capitalista não pode dizer de si mesmo é que seja socialmente justo. Se assim fosse não haveria 1,4 bilhão de famintos no mundo. Fiquemos apenas com o Brasil. Aqui, 5.000 famílias controlam 46% do PIB. O governo paga anualmente R$ 125 bilhões ao sistema financeiro de juros e aplica apenas R$ 40 bilhões nos programas sociais. Isso denuncia a falsidade da retórica de um desenvolvimento impossível dentro do atual paradigma econômico. O desenvolvimento atual se faz movendo uma guerra irrefreável contra Gaia, arrancando dela tudo o que lhe for útil e objeto de lucro. Em menos de 40 anos, a biodiversidade global sofreu uma queda de 30%. De 1998 para cá, houve um salto de 35% nas emissões de gases estufa. Ao invés de falarmos nos limites do crescimento, melhor faríamos falar nos limites da agressão à Terra.

Em conclusão, o modelo de desenvolvimento sustentável é retórico. Aqui e acolá se verificam avanços na produção de baixo carbono, na utilização de energias alternativas, no reflorestamento de regiões degradadas e na criação de sumidouros de dejetos. Mas tudo é realizado desde que não afete os lucros. A utilização da expressão “desenvolvimento sustentável” possui uma significação Alega que a pobreza causa a degrada- política importante: representa uma maneira ção ecológica. Quanto menos pobreza, mais hábil de desviar a atenção da mudança nedesenvolvimento sustentável haveria, o que cessária do paradigma econômico se quiseré equivocado. A pobreza e a degradação da mos uma real sustentabilidade. Dentro do natureza resultam principalmente do tipo de atual, a sustentabilidade é ou localizada ou desenvolvimento praticado. É ele que pro- inexistente.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.