estado de minas - P. 19 E 20 - 21.03.2012
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ESTADO DE SP - on line - 21.03.2012
Agenda azul
Xico Graziano O 6.º Fórum Mundial da Água, realizado de 12 a 17 deste mês em Marselha (França), não deixou margem para dúvidas: ou se investe decididamente na proteção dos recursos hídricos do planeta ou a civilização humana padecerá de terrível escassez. Que já se manifesta. Relatório da ONU apresentado no encontro aponta a irrigação agrícola como séria questão a ser enfrentada. Primeiro, porque tal técnica demanda muita água, cerca de 70% do total; segundo, dada a dramática necessidade de alimentar uma população que deverá atingir 9 bilhões de pessoas em 2050. Conforme as revisadas, e mais precisas, estimativas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a produção de comida precisa crescer 60% nesse período, e isso só parece possível aumentando as áreas irrigadas no campo. Resultado: vai aumentar a necessidade de água para as lavouras, em especial nos áridos países do Oriente Médio, que, aliás, importam cada vez mais alimentos. Mudanças climáticas devem alterar o padrão das chuvas, causando secas mais prolongadas e derretimento de geleiras. Tudo conspira contra o abastecimento. Estudos indicam que sem decididas políticas de manejo de água 40% da população mundial viverá em áreas de alto estresse hídrico até 2050. Estimativas de longo prazo, claro, sempre carregam muita incerteza. A terrível seca, porém, que afetou, em 2011, as grandes planícies norte-americanas, prejudicando a irrigação e restringindo a água para consumo humano, pareceu um aviso recente dos céus. No Brasil, novamente o fenômeno climático La Niña provocou forte estiagem, derrubando a safra e arrancando os cabelos dos agricultores sulinos. Dentre as dúvidas, uma certeza: preservar os mananciais d’água será estratégico nas políticas sustentáveis do futuro. A situação anda preocupante. Cerca de 25% das áreas agrícolas mundiais se degradam, de forma mais ou menos severa, em decorrência da má, e intensiva, agricultura. Esta depaupera os recursos hídricos, reduz a fertilidade dos solos, aumenta a erosão. A contínua irrigação tem levado à salinização dos solos em certos locais, fazendo decair a produtividade agrícola. Lençóis freáticos, bombeados para a superfície, aprofundam-se, prejudicando o enraizamento das plantas; o desmatamento e os ventos causam desertificação. Na Espanha, na Austrália, nos Estados Unidos, na África, por onde se procura se percebem ameaças à segurança alimentar. Olhos enviesados atribuem à agricultura o papel de vilã na equação mundial da água. Algo injusto. Acontece que, mesmo gastadora, a prática da irrigação rural pouco compromete a qualidade da água, exceto quando esta se contamina com resíduos de agrotóxicos persistentes, comuns no passado, mas pouco utilizados hoje em dia. Depois de regar as plantas, via aspersão ou gotejamento, o precioso líquido se percola pelas entranhas da terra, corre para os riachos ou se evapora, cumprindo o ciclo natural da água. No uso urbano, ao contrário, o abastecimento das re-
sidências polui organicamente as águas nos vasos sanitários, na pia da cozinha e na lavanderia ela se mistura ainda com detergentes e saponáceos. Já nas unidades industriais, as águas utilizadas contaminam-se com solventes e demais produtos químicos, que lhes roubam a vida. Nas cidades, que ninguém duvide, a demanda e a poluição são tremendas. O Fórum Mundial da Água de 2012 contou, entre as 180 delegações participantes, com a presença de uma orgulhosa comitiva paulista. Ela representava o bem-sucedido Pacto das Águas São Paulo, um programa que nasceu há três anos às margens do Rio Jacaré-Pepira, no município de Bocaina. Ali, tendo à frente o então governador José Serra, centenas de prefeitos e outras autoridades municipais se comprometeram a aderir ao Consenso das Águas de Istambul (Turquia), documento histórico que define tarefas na gestão descentralizada dos recursos hídricos. Esse azulado movimento ambientalista, organizado pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado (www.ambiente. sp.gov.br/pactodasaguas), cresceu sem parar, ultrapassando as expectativas iniciais. Dentre os 1.070 signatários, oriundos de 49 países, do Consenso das Águas de Istambul, 595 adesões originam-se nos municípios paulistas. Notável. O Pacto das Águas São Paulo configura o maior programa já realizado no Brasil em defesa dos recursos hídricos, com foco na gestão local, dentro das bacias hidrográficas. Lição de casa bem feita. Em fins do ano passado, o governo paulista promoveu uma avaliação do desempenho dos municípios, premiando os primeiros colocados. Entre os de maior população, 94 municípios cumpriram as metas estabelecidas no programa em defesa das águas, capitaneados por Sorocaba, Tupã, Paulínia, Itapira e Batatais. Já entre os pequenos municípios, abaixo de 20 mil habitantes, 135 deles mostraram os melhores resultados, liderados por Regente Feijó, Bilac, Bocaina, Lindoia e Santo Antônio do Jardim. Podem tirar o chapéu para eles. Por todo o Estado de São Paulo corredores ecológicos se formam sinuosamente, acompanhando os córregos. A recuperação dessa mata, chamada ciliar, como se os olhos abrigassem, garante a plena função ambiental da biodiversidade, promovendo a junção do verde (vegetação) com o azul (água). Na beirada dos riachos, no entorno das nascentes, ao redor dos lagos, nessas paragens a vida selvagem floresce, a natureza torna-se exuberante. Água é vida. Neste próximo dia 22 de março se comemora o Dia Mundial da Água. Mais do que discursos, gestos de simpatia e lembranças nos bancos escolares, esperam-se ações concretas - coletivas e individuais - em defesa da agenda azul. Água potável, mundo sadio. *Agrônomo, foi secretário de Agricultura e secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: xicograziano@terra.com.br
ESTADO DE MINAS - p. 11 - 21.03.2012
Sol, florestas e água: alicerces da vida
Susana Feichas - Coordenadora e professora do curso de MBA em gestão do meio ambiente e sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas/IBS Business School
O mundo comemora hoje o Dia da Floresta e amanhã o Dia da Água, fazendo-se necessário refletir sobre o assunto. No Brasil, o Código Florestal de 1965 regulamentou o uso das florestas prevendo diferentes áreas a serem preservadas, como topos de morros, margens de rios e nascentes. No entanto, essa regulamentação foi insistentemente descumprida ao longo dos anos, chegando ao ponto de o desmatamento imposto à natureza ser considerado fato consumado e legalizado com aprovação do novo Código Florestal. Se por um lado vemos esse retrocesso, por outro a política nacional de unidades de conservação e a criação de várias delas no território brasileiro apontam para uma perspectiva de conservação, carecendo, entretanto, de medidas mais eficazes de gestão e monitoramento. A água também está protegida por lei desde 1934, e sua revisão, em 1997, buscou implantar um sistema de gestão com o objetivo de racionalizar o uso desse bem essencial à vida. A implementação da política nacional de recursos hídricos tem avançado no país, promovendo um sistema participativo de gestão com a criação de comitês e agências de bacias hidrográficas, associado a instrumentos de gestão como outorga e cobrança pelo uso da água, que buscam preservar sua qualidade e quantidade. Tudo que consumimos para nosso bem-estar físico, social e espiritual provém de processos que ocorrem na natureza com a interferência do sol, da floresta ou da água e demais elementos bióticos e abióticos associados a eles. Todos esses bens são produzidos pela natureza e nós, ao longo de nossa história, somente os transformamos. Temos sol, água e florestas, mas parece que não temos aprendido com o passado e os registros de nossa história. São conhecidos os impactos negativos de práticas seculares de desmatamento, queimada e monoculturas na área rural, somados ao uso de agrotóxicos. Nas
cidades, a falta de saneamento, a má destinação de resíduos, a impermeabilização do solo e a ocupação de áreas de proteção também degradam ecossistemas terrestres e aquáticos. O que diferencia nossos antepassados de nós é que hoje podemos olhar para trás e saber os efeitos das decisões e ações tomadas. Uma visão míope de abundância e de curto prazo não condiz com o momento de acúmulo de conhecimento e conscientização dos problemas ambientais que vivenciamos. O grande desafio de nossa geração é equacionar a finitude do planeta ao bem-estar conquistado. Podemos pensar em três vertentes: a da ditadura ambiental, prevalecendo os ideários de controle do crescimento populacional e econômico e de mudança dos hábitos de consumo; a do câmbio ma no troppo, em que ajustes na produção para uso racional de recursos naturais e minimização da poluição e degradação parecem suficientes; e a da inovação, em que o conhecimento e a ousadia possibilitam criar novos produtos e formas de produzir que venham a revolucionar nosso modo de desenvolvimento, assim como foi a revolução agrícola há sete mil anos, seguida da revolução industrial. Aprendendo com a natureza, que é diversa, não podemos perder de vista que não existe uma única vertente a ser seguida e que os problemas de água, aquecimento global e desertificação estão interligados, apesar de serem estudados separadamente para entendimentos de suas especificidades. Ganhos ambientais, portanto ecológicos e sociais, podem ser obtidos na produção de alimentos com a introdução de técnicas de cultivo e irrigação que propiciem maior produtividade do solo e da água e maior eficiência ambiental, no estudo de técnicas de saneamento, que sejam adequadas à realidade de cada local, na diversificação da matriz energética e na busca de formas de mobilidade que propiciem maior qualidade de vida. Na verdade, estamos falando de uma mudança no critério de decisão sobre o uso dos recursos naturais. Da prevalência de critérios econômicos e de obtenção ou manutenção do poder para critérios de preservação ambiental e qualidade de vida da população.