jornal universitário
número 13
30.07.2011
laboratório do curso de jornalismo do
ismai
instituto superior da maia
Este suplemento faz parte integrante da edição do jornal de notícias de 30.07.2011, não podendo ser vendido separadamente
E N TR E V IS TA
Bullying em SOS prof
Filha de peixe sabe ...patinar p. 3
p. 4
David Fonseca: Festivais combatem crise
centrais
Filme North Atlantic em alta
p. 9
Vitor Baía com nova ambição
Última
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Editorial
Índice
Entrevistar a actualidade O âmbito laboratorial do Ágora tem levado a que cada edição se organize à volta de um tema. Este é diferente. Desenvolve-se à volta de um género nobre do jornalismo, a entrevista. Ouvir os outros sobre a actualidade, colocar questões pertinentes que nos ajudem a levantar o véu ao ‘real’ e recolher opiniões, sensibilidades, são tarefas centrais do jornalismo. Nesta edição do Ágora tratamos de temas de grande actualidade como o bullying, fenómeno novo baseado na intolerância e na falta de respeito pela diferença, qualidade basilar das democracias e valor central da civilidade. Precisamos de
uma pedagogia da tolerância alargada a todos os sectores da sociedade. Em tempo de festivais de verão, ouvir David Fonseca é entrar na magia da música que sempre constituiu um factor de alívio de qualquer crise! E, aqui, ele reforça a serenidade que se lhe reconhece, defendendo o direito autoral contra a ‘pirataria’ e mostrando que as tecnologias, por si só, não facilitam o caminho a novas bandas…. Uma patinadora de eleição aborda as dificuldades da sua arte, um jornalista e escritor cabo-verdiano fala de ‘Beijamim’ e um autor açoriano apela à qualidade mediática
3. Bullying 4. Sobre rodas 5. Jorge Araújo: Contador de histórias Eduíno de Jesus: “Os públicos formam-se”
para a preparação de novos públicos, entre outros entrevistados. A fechar, temos uma grande figura do desporto que, recolhida à bancada, se prolonga numa fundação de solidariedade e quer fazer carreira na gestão desportiva: Vitor Baía. São diferentes olhares sobre a actualidade com que se constrói o jornalismo. Sem boas reflexões, boas fontes, não há jornalismo de jeito. E, por extensão, não há sociedade que nos mereça e que aprofunde os valores da ágora, na sua matriz grega de praça aberta à diversidade e à liberdade de ser e dizer!!!
6 | 7. David Fonseca: Os festivais são uma mais-valia 8. O Discurso do terapeuta 9. North Atlantic saiu do “rabo da cabeça” 10. Artes merecem melhor atenção Viver com a solidariedade 11. Ministério da Saúde responde ao Ágora 12. Vitor Baía: Quero ser diretor desportivo
Luís Humberto Marcos
Ciências da Comunicação - ISMAI Matriz inovadora com 6 semestres de tecnologias Estúdio Multiplataforma • ÁGORA - JORNAL LABORATÓRIO
UM CURSO, TRÊS RAMOS três saÍdas profissionais JORNALISMO imprensa • radio • TV • internet COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL MARKETING & PUBLICIDADE
Ágora
ESTÚDIO RÁDIO
Ficha técnica:
Ágora n.º 13 - Jornal do Curso de Ci-
ências da Comunicação do ISMAI Editor: Luis Humberto Marcos (coordenador do curso) Coordenadores: Carla Oliveira, Rui Dias e Sandra Mesquita Design Gráfico: Carlos Vasconcelos Endereço: Instituto Superior da Maia Av. Carlos Oliveira Campos - Castêlo da Maia 4475-690 Avioso S. Pedro | Tel. (+351) 22 982 53 19 Fax: (+351) 22 982 53 19 E-mail: info@ismai.pt - www.ismai.pt Impressão: Naveprinter | ISBN: 978-98997147-3-1
Redação:
Aprender a fazer FAZENDO
ESTÚDIO TV
RÉGIE/VÍDEO
Carla Martins, Carla Oliveira, rina Silva, Miguel Monteiro, ta Moniz, Sara Sena, Sandra quita, Tiago Romariz e Tiago
CataRenaMesVeiga
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Ágora | 30 . Julho . 2011 Linha SOS Professor mantem alerta
“O bullying resulta de uma diferenciação de poder” A Linha SOS Professor registou, nos últimos quatro anos, 400 pedidos de ajuda por casos de indisciplina e agressão. Na sua maioria, estes contactos foram feitos depois da tentativa dos conselhos executivos resolverem os problemas. A Linha SOS Professor presta aconselhamento jurídico e todo o apoio psicológico. Para Ana Paula Grancho, responsável pela área de mediação escolar da Linha SOS Professor e SubDirectora do Agrupamento de Escolas da Senhora da Hora, o bullying é uma “manifestação negativa de poder que pode e deve ser travado”.
O papel dos conselhos executivos tem sido suficiente? Esta é uma pergunta ingrata porque eu, neste momento, estou numa direcção de escola. De qualquer modo, consigo separar bem as coisas. Houve, de facto, muitos professores que nos disseram que não tinham o apoio das escolas, no entanto, não podemos fazer generalizações. Não sei até que ponto a escola tinha algum tipo de impedimento. No entanto, é evidente que quando estes problemas surgiam, as escolas, enquanto instituições, não tinham suporte evidente por parte do Ministério. O que faziam, era por sua conta e risco. Apoiavam o professor dentro do possível. Acha que ainda existe algum medo ou até alguma vergonha por parte dos professores em denunciarem os casos? Nenhum professor gosta de dizer que foi agredido. O professor tem muita dificuldade em chegar a uma sala de professores e dizer que foi agredido. Porém, pelos relatos que nos chegaram, noto que, desde que se começou a falar neste assunto, passou a ser mais fácil uma cultura de partilha.
Que tipos de violência entram no conceito de bullying? O bullying é resultante de uma diferenciação de poder. Segundo os investigadores, a violência pode resultar de uma situação esporádica, enquanto um fenómeno de bullying tem características particulares, nomeadamente, ser contínuo e intencional. Uma situação no corredor, em que meninos se envolvem numa briga não é um fenómeno de bullying. É uma situação de violência ou de indisciplina que tem de ser encarada como tal. É uma situação esporádica. Uma situação de bullying pode ser de muitos tipos, desde violência física à violência verbal e violência psicológica.
alunos e famílias. Posteriormente, alargamos o âmbito de acção e criamos o Espaço Convivência na Escolas que passou a prestar apoio a professores, pais, alunos e famílias. Nesse sentido, passamos a prestar também
Que papel tem a Linha SOS Professor desempenhado no combate ao Bullying? A linha SOS Professor surgiu para prestar apoio aos professores em âmbitos diversos decorrentes de situações de violência e indisciplina de que eram vítimas e que não eram de todo valorizadas. Durante o 1.º ano de vigência da Linha, constatou-se que havia também muitos problemas com
apoio a vítimas de bullying. O grande papel da linha foi não ter permitido que se continuasse a ocultar a realidade do que se passava nas escolas e que o Ministério insistia em dizer que não havia. Um professor que fosse agredido por um aluno não tinha qualquer tipo de apoio. Portanto, encontrou na Linha SOS uma forma, um acolhimento e uma orientação para actuação. Com o número de profes-
sores que ligavam para a linha, com a dimensão das agressões, com um vasto leque de situações diferenciadas nas escolas relativamente à violência, quando se começou a denunciar situações graves de violência que ocorri-
As escolas, claramente, não têm meios. A título de exemplo, precisamos de ter muito mais pessoal para vigiar os recreios, especialmente nas escolas do 1º ciclo. As escolas e os professores fazem um
A comunicação social contribuiu para a consciencialização dos problemas Ana Paula Grancho
am nas escolas, é óbvio que a comunicação social pegou no assunto e houve como que uma consciencialização dos problemas. Felizmente, quer o Ministério, quer as autoridades policiais, começaram a colaborar também no apoio às escolas e aos professores. Foi, de facto, muito importante. Acha que as escolas dispõem de meios para “atacar” este problema?
grande esforço. O facto de já não se tender tanto a esconder debaixo do tapete estes fenómenos, ajudou a que as escolas começassem a preocupar-se mais genuinamente com este problema. Aí, a Associação Nacional de Professores teve um papel muito relevante, propondo medidas, apoiando vítimas, dando afinal visibilidade a um fenómeno que se pretendia não existir nas escolas.
Diminuiu o número de casos? Não sei se diminuiu o número de casos, o que diminuiu foi a forma como os professores passaram a encarar estas situações e a ter mais apoio por parte das direcções das escolas e dos colegas. Agora, se me perguntar se diminuiu a violência e indisciplina, tenho dúvidas, não acredito... Sente que algo mais deveria ser feito por parte dos meios de comunicação social? Sinto. Gostaria de ver boas reportagens sobre o assunto, sem explorar a vertente do “coitadinho”. As generalizações são muito perigosas. A comunicação social, às vezes, tem esse efeito, o da generalização. Isso preocupa-me. No entanto, reconheço que teve um papel fundamental na divulgação. A sociedade em geral está mais consciente do problema? Sim, sem dúvida. Nos últimos anos registaram-se avanços importantes no plano da sanção e especialmente no da prevenção. Não podemos ter, todavia, a ilusão de que a incivilidade será definitivamente erradicada das escolas, porquanto também não o será da sociedade em geral. Carla Oliveira
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SOBRE RODAS Catarina Castro Costa é atleta profissional de Patinagem Artística. Alcançou vários êxitos na modalidade. Depois de conquistar diversos campeonatos nacionais, ‘saltou’ para a Europa. Catarina conta-nos como tudo começou e como articula a modalidade com os estudos. Fala-nos sobre rodas. E lança pistas…
Com que idade e onde é que iniciou a Patinagem Artística? Comecei a “patinar”, se é que lhe posso chamar assim, com três anos. Mal sabia andar e a minha mãe como era, e ainda é, treinadora de patinagem artística, desde muito cedo me incutiu essa modalidade. Comecei a aprender a patinar no “Grupo desportivo e Coral de Fânzeres”, mas pouco tempo lá fiquei. Aos quatro anos, fui “obrigada” a mudar de clube porque, como a treinadora era minha mãe, ela não queria que surgissem boatos de que dava mais importância às filhas do que às restantes atletas. A minha irmã, como era mais velha e já entrava em competições, apercebeu-se logo disso - que estava a ser posta de parte - e pediu à minha mãe que nos mudasse de clube. E foi isso que aconteceu? Sim, aos quatro anos passei a ser atleta do “Rolar Custóias Clube” ao qual fui fiel até aos 16 anos. Nessa altura, senti necessidade de mudar para o “Clube de Patinagem de Baguim” porque as grandes atletas do Custóias foram-se perdendo e eu, como era a mais velha, não sentia grande motivação para treinar por não ter quem me desse luta nos treinos. A Patinagem Artística influenciou o seu desenvolvimento enquanto pessoa? Muito! Cresci e aprendi muito com ela. Passei praticamente a minha juventude na patinagem, criei laços muito fortes com os atletas, do meu e de outros clubes. Era uma atleta de alta competição e acho que isso foi o que me tornou na pessoa que sou hoje. Como tem sido articular os treinos com os estudos? Sempre tive de saber conciliar as aulas e os estudos com os treinos. Muitas vezes não foi fácil, mas quem está no meio sabe que, como diz o provérbio, “quem corre por gosto não cansa”. (...) Sempre consegui ter rentabilidade tanto na escola como na patinagem. Qual tem sido o papel da família no seu percurso de atleta? A minha família sempre me apoiou bastante, pois estava quase toda envolvida na patinagem. O único não envolvido directamente era o meu pai que nos apoiava na mesma. Apesar de não assistir às competições porque não gostava, ligava sempre para saber os resultados. Era, sem dúvida, um pai preocupado e babado.
Na Patinagem Artística, aprender é também cair. Já caiu muitas vezes... Claro que sim. A primeira coisa que aprendemos na patinagem é a saber cair, porque isso é um grande passo para evitar fortes lesões futuras que podem mesmo vir a acabar com o futuro de um atleta. A coisa mais normal para nós é cair, apesar de não ser nada bom quando acontece nas provas. Quanto à beleza desta modalidade, eu acho que é indescritível. Só quem assiste percebe do que falo. Ela combina técnica com dança e ao mesmo tempo patinagem, portanto, não podia ser mais bonito. A grande dificuldade é realizar os variados elementos que aprendemos com a máxima técnica que sabemos, mas nem sempre isso é um factor chave para o sucesso. Aliás, eu penso que na patinagem há sempre aquela “estrelinha” de quem tem talento e quem não tem. Como lida com a pressão e a ansiedade antes das provas? A ansiedade e o nervosismo não são coisas que se treinam. Talvez com o hábito vá diminuindo. Também depende muito do tipo de prova e de como nos sentimos confortáveis e confiantes para a fazer. Sem dúvida, temos de lidar com ela da melhor maneira que conseguimos na hora. Claro que uns têm sempre melhores formas do que outros para lidar com a pressão, isso já depende muito da frieza de cada um. Já ganhou muitos prémios. Qual foi o seu melhor momento? Sim, ganhei bastantes. Aliás, tenho um cesto que guardo até hoje com todas as minhas medalhas desde que entrei na patinagem. Consoante a idade, os momentos e metas que mais me marcavam iam mudando. Quando comecei, o meu grande objectivo era ser campeã nacional, depois consegui-o vezes sem conta e o objectivo já não era nacional mas sim internacional. Comecei a ir aos campeonatos da Europa muito cedo, desde os 12 anos, e isso foi
sempre um factor muito forte para mim. Sem dúvida de que o melhor e mais alto momento da minha vida foi quando consegui ser vice campeã da Europa na modalidade de “quartetos” num campeonato em Itália. Foi ainda mais importante para mim ter celebrado esse título com a minha irmã. O que é preciso para se ser um bom atleta? Tem que existir já algum talento inicial, porque sem isso, por mais força de vontade que haja, nunca será igual. Depois, muita vontade e gosto por aquilo que se faz e, claro, objectivos e metas pelas quais vamos lutar e dedicar o nosso tempo. Tiago Romariz
Catarina Costa é vice campeã da Europa em “quartetos”. Começou aos três anos
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Ágora | 30 . Julho . 2011 Veio de Cabo-Verde
“Sou um contador de Histórias”
Jorge Araújo, jornalista e escritor cabo-verdiano, falou ao Ágora da sua carreira e do seu gosto por “contar histórias”. Teve uma curta passagem pela diplomacia.Trabalhou para o Independente, para a TVI e para o Correio da Manhã, tendo também passado pela BBC. Actualmente é editor do “Atual”, caderno do semanário Expresso. O Grande Prémio Gazeta ganho em 1999 assinala um ponto alto da sua carreira. É autor de “O Dia em que a Noite se Perdeu” e “Beija-Mim”.
Como começou o seu percurso no meio jornalístico? Desde muito cedo que tenho gosto pela comunicação. Trabalhei na televisão em Cabo Verde e, a partir daí, a carreira foi crescendo e desenvol-vendo. Também passei pela diplomacia mas apesar do bom sentimento que esta me deixou, sabia que queria mesmo ser jornalista, fazer jornalismo e, em Portugal, dediquei-me à reportagem que é o que mais gosto de fazer. Trabalhei em grandes meios de comunicação e fui aprendendo. Hoje, apesar de muita responsabilidade, sinto-me praticamente
realizado profissionalmente. Gosto muito do que faço. Mas, paralelamente ao jornalismo, há o gosto pela escrita. Posso também chamá-lo de escritor? Mais que escritor, sou um contador de histórias. E gosto muito que as pessoas as conheçam. Falando do seu último livro, como retrata “Beija-Mim”? “Beija-Mim” é um livro que não estava, de todo, programado. Antes deste livro, estava a escrever um romance mas cheguei ao último capítulo e parei. Estava cansado daquilo que estava
Jorge Araújo
a escrever e, de alguma forma, não estava a tirar prazer da escrita. Era um romance muito intenso e no último capítulo eu tinha quase que desconstruir todo o romance e isso iria fazer-me mal psicologicamente. Então, parei. Pura e simplesmente assim. No entanto, havia umas linhas, outrora por mim escritas, que não sabia o que fazer com elas. Passo a citá-las: “Beijamim foi quem chegou primeiro. Sempre foi assim. Como era muito franzino, chegava até antes do seu pesamento”. E, a partir destas linhas, nasceu “Beija-Mim”. Quanto tempo durou a “incubação” deste livro? Foi relativamente rápido. Cerca de duas a duas semanas e meia. Era como se algo de novo tivesse nascido daquelas linhas e a história foi surgindo.
Quando escreve, o processo é sempre assim? Ou há histórias mais especiais que outras? Apesar de ser jornalista, não gosto de escrever. Pode haver quem lhe chame de preguiça. Eu prefiro dizer que gosto de contar histórias e que as sei contar. É claro que existem histórias que me “enfeitiçam” mais que outras. Em “Beija-Mim” foram aquelas linhas que me prenderam e que me forçaram a escrever todo o resto. De certa forma, quer dizer que é como se houvesse um sentimento direccionado para cada história que, ou vai crescendo, ou desvanescendo, correcto? Afirmativo. “Beija-Mim” foi assim mesmo. Como um amor avassalador para mim, enquanto escritor. (Risos) De que fala “Beija-Mim”? Este livro, para mim, tem um significado muito especial e nele fala-se da “importância dos pequenos nadas”. Esta é a forma que gosto de o descrever. É, no fundo, darmos importância às pequenas coisas da vida que são grandiosas. E o primeiro beijo tem aquele carácter importante e simbólico. Aqui, importa pensar como uma criança com a idade de 12 anos, mas
é um livro que retrata várias faixas etárias. Primeiro pensa-se como uma criança e a ideia que ela faz sobre o seu primeiro beijo, aquela insegurança normal, o sabor do desconhecido. Depois, direcciono para várias idades porque as pessoas ao lerem o livro, interpretam como quiserem. E fora da escrita em prosa, tem mais alguma ambição ou gosto especial? Sim. Adorava escrever para teatro ou fazer uma curta-metragem. No entanto, tenho sempre muitas ideias e muito pouco tempo para as pôr em prática, por isso alguns dos meus projectos e gostos nunca se concretizam, infelizmente, claro. Isso significa que segue um pouco a ideologia do “viver o momento”? Sim. Não faço planos, não programo. E não me levo a sério. Com isto não estou a dizer que não sou sério ou que não tenho credibilidade. (risos) Mas na escrita não me levo a sério. Há coisas mais importantes e mais sérias. E como pode ver, consigo escrever livros com assuntos muito sérios. Soa muito estranho, o que acabei de dizer?! (risos) Sara Sena
A palavra de um escritor açoriano
“Os públicos formam-se” Quando a televisão ainda não tinha descoberto a paixão dos portugueses pelo futebol, pela violência e por “outras pragas”, os programas de carácter cultural tinham melhor presença. Alguns mostravam mesmo ser um sucesso. Hoje, são postos de parte e raramente vistos como interessantes. Eduíno de Jesus, intelectual e poeta açoriano, coordenou programas culturais como ‘Convergência’ e ‘Livros e Autores’. É ele quem diz que é possível mudar o panorama, porque “os públicos formam-se”. A entrevista decorreu no Porto e começa precisamente pelos programas lançados por Eduíno de Jesus nos ‘anos 60’. Eduíno de Jesus
Os seus programas “Convergência” e “Livros e Autores” eram essencialmente sobre literatura. Acha que deveriam existir programas do género neste momento em que cada vez menos pessoas parecem interessar-se por este género de temas? Acho que fazem falta programas de divulgação de literatura na televisão, como eram aqueles meus, e não só de literatura mas de todas as artes e de outras actividades culturais. Programas de informação e crítica de livros, teatro, concertos, dança, exposições de artes plásticas, conferências, tanto como há de futebol, por exemplo. A televisão e a comunicação social em geral tratam a cultura como um luxo supérfluo e não como um bem necessário que pode ser acessível a toda a gente. E depois queixam-se da falta de cultura das massas e de todas as classes sociais. Falta de cultura para a qual contribuem largamente… Quando os seus programas foram criados, com que audiências contavam? Não sei. A crítica muitas vezes acusava-me de os meus programas se dirigirem às elites intelectuais, mas eu sempre achei infundada essa opinião. O facto era que a crítica simplesmente se nivelava
ela própria pela arraia inculta a que também pertencia. Foi essa, a das elites, a audiência que mais assistiu aos programas? Se a audiência daqueles programas se reduzia às elites, nunca cuidei de saber. A minha opinião era de que as elites
“A televisão pode ensinar muita coisa, além da violência e de outras pragas ” também tinham direito a programas de cultura como as massas tinham a programas de futebol. E se os meus programas correspondiam às expectativas das elites, isso também correspondia às minhas, porque não? Os jovens assistiam aos programas? Quais as opiniões que acha que tinham acerca do que era dito? Nunca fiz, e não sei se alguém fez por mim, sondagens nesse sentido. De qualquer maneira, eu acho que há um
tipo de cultura que é para todas as idades e não só para velhos ou só para jovens. Esse é o tipo de cultura a que me dedico. A cultura para jovens tem os seus especialistas, e eu não o sou. Se hoje se criassem programas do mesmo género, acha que teriam o mesmo sucesso? Se não tivessem de imediato, haviam de acabar tendo. Os públicos formam-se. Porque é que em povoações onde não há um estádio de futebol e cuja população nunca assistiu a um desafio senão pela televisão, se discute o campeonato, se conhecem as regras do jogo, os nomes de todos os jogadores, etc.? Porque a televisão lhes ensinou tudo isso. A televisão pode ensinar muita coisa, além da violência e de outras “pragas”, em que forma o seu público. Que sugestão, conselho, deixa aos jovens? Que frequentem as livrarias, os teatros, as galerias e salões de arte, os museus, as salas de concertos ... Meu Deus!, há tanto onde encontrar e conviver com a cultura e a beleza e nós passamos ao lado...! Renata Moniz
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Efeito comunitário da música é cada vez mais importante.” Começou a cantar por acidente. Para trás ficou o sonho de ser fotógrafo. Hoje é um ícone na música em Portugal. Treze anos passaram e o cantor português continua a somar êxitos. Adora hoje o acaso de ontem. A entrevista foi concedida horas antes da saída do cantor para um concerto no Festival Cultura Quente, realizado no último fimde-semana, na Galiza.
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Tecnologias não facilitam a emergência de novas bandas.”
Tem dado muitos concertos? Sim... porque o verão é uma altura muito mais dada a concertos no nosso país. Faço um “tour”, geralmente, muito maior no verão. Apesar de este ano ter feito um “tour” tão grande no inverno como no verão. Mas foi uma excepção, porque fiz uma digressão muito diferente no início deste ano, já no final de dezembro do ano passado. Foi uma digressão a solo. Acabei por fazer umas 30 datas aqui e em Espanha. Foi uma digressão que nem sequer estava nos meus planos fazer. Mas, de repente, aconteceu. Portugal tem cada vez mais festivais de verão. Em tempos de crise, não haverá festivais a mais? Acho que não. Pelo contrário. A avaliar pelo número de pessoas que os visitam e que os enchem, dá-me a sensação que quanto mais festivais há, cada vez há mais sucesso. Julgo que as pessoas, em tempos de crise, viram-se muito para a área da música (e da cultura em geral), por ser uma área que as deixa um bocadinho mais livres, que não as asfixia como outros sectores da nossa sociedade. (...) Acho que é uma mais-valia para o país e para o bem-estar das pessoas. Por isso, é que têm tanto sucesso.
Bio
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A pirataria nem sequer gera um sentimento de culpa.”
Que “saudade” guarda da sua vida universitária? Tive uma vida universitária muito divertida. Estudei na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e na Escola de Cinema. Tenho grandes recordações desses tempos da universidade. Como é que deixou o cinema e foi para a música? Acabou por ser um bocadinho por acidente. Na altura, quando estava nas Belas Artes, a meio do 2º ano, mais ou menos, voltei para Leiria. (...) Os meus amigos estavam a estudar fora e eu fiquei sozinho na cidade. Então, para ocupar os meus tempos livres, resolvi criar uma banda. Preocupava-me mais em ocupar o meu tempo livre do que propriamente em seguir uma carreira musical. Por isso é que digo que foi muito por acidente. Acabei por formar os Silence 4. Depois, durante os meus anos na Escola de Cinema, todos os finsde-semana voltava a Leiria e ensaiava. Era mais um passatempo do que outra coisa qualquer. Depois de termos lançado o primeiro disco... acabou por tomar a minha vida por inteiro. Não era isto que queria fazer, não foi isto que sonhei. Sempre quis ser fotógrafo. (...) No entanto, aqui estou, após tantos anos, ainda a fazer música e a fazer uma coisa que eu adoro. Nunca pensei sequer fazer da música a minha profissão.
Ágora
As tecnologias, de facto, facilitam muito a pirataria. Qual seria a melhor forma de proteger os direitos de autor? Não faço ideia, (...) mas continuo a achar que uma das razões pelas quais existe pirataria é que as pessoas não estão mínimamente sensibilizadas para aquilo que é a pirataria e quais são os seus efeitos a longo prazo.
David Fonseca Coliseu de Lisboa
David Fonseca fala ao ÁGORA
Os festivais são uma mais-valia
para o país e para o bem-estar das pessoas A música é, então, um bom “antídoto” contra a crise? Sim... Quer dizer, não será o antídoto contra a crise que nós precisamos para a resolver, mas acho que a música é um bom antídoto para qualquer coisa. (...) Ela tem um efeito extraordinário na maioria das pessoas, na minha tem. Não estou a falar como pessoa que faz música, mas como pessoa que ouve música. A música tem o dom de nos juntar um bocadinho e de ter um efeito comunitário que eu acho cada vez mais importante. Actualmente, verificamos que as tecnologias e, des-
ignadamente, o aparecimento de sítios como o Youtube, têm facilitado a emergência de novos valores para a música. Acha que hoje é mais fácil construir uma carreira musical do que há cerca de 20 anos, quando começou a sua? Acho que não. Acho que é muito mais difícil agora. Apesar de existirem todos estes meios tecnológicos que permitem a qualquer pessoa ter uma audiência de milhões, esse mesmo espaço está sobrecarregado de informação. Quando começei a sério em 1998, essa informação era muito mais selectiva, ou seja,
era muito mais complexo conseguir chegar até aos meios de comunicação. O que, por um lado, era muito pior, obviamente, porque não dava oportunidade a pessoas que não tivessem os mesmos meios. Separava as águas!? Sim, ao mesmo tempo, também fazia um bocadinho a separação daquilo que poderia ser mais importante ou menos importante. Esse papel que esteve durante muito tempo nas mãos das editoras, desta vez recai um pouco nas mãos de todos. E, por
isso, há uma grande confusão. Hoje em dia, é muito difícil criar uma carreira. É muito fácil fazer êxitos espontâneos. (...) Devido à pirataria, o facto de as pessoas consumirem música cada vez de uma forma mais gratuita, faz com que haja muito menor investimento em cada projecto. Uma editora como a Universal ou como a Sony que, se calhar, em 98 investia em dez projectos novos portugueses por mês, agora dificilmente investe em cinco por ano. Isto porque é muito complexo vender e fazer dos discos uma indústria. (..)
No seu caso, tem sentido muito os efeitos da pirataria? Claro. Eu sei que, hoje em dia, é recorrente... a pirataria nem sequer gera um sentimento de culpa. Acho muito estranho que uma pessoa que goste de algo que, de alguma forma, assume uma importância na vida das pessoas, não queira retribuir de alguma maneira pagando por esse bem. Mas pronto, são sinais dos tempos. A indústria tem de saber evoluir nesse sentido e nós temos de perceber quais são as novas formas de indústria. Acha que hoje os jovens dão muita importância às bandas portuguesas? Dão cada vez mais. Acho que dão importância às bandas que estão próximas deles. Apesar de haver muitos festivais no verão e muitos concertos em Portugal, efectivamente, quem está junto do público, de forma mais próxima e consistente são as bandas portuguesas. Uma banda estrangeira, óbviamente, não vai fazer uma digressão de 30 ou 40 datas como eu faço em Portugal todos os anos. Já agora, qual é a sua novidade que anda na forja? Quando sai o novo álbum? Não sei. O último disco tem praticamente dois anos. Normalmente, costumo lançar um disco de dois em dois anos mas não penso lançar um novo este ano. Talvez porque este ano toquei muito mais ao vivo do que estava à espera e acabou por ser um ano complicado para fazer um novo trabalho. Mas há sempre qualquer coisa na forja… Lá para a primavera? Não sei. Não faço ideia... Carla Oliveira | Sandra Mesquita
Nasceu a 14 de Junho de 1973 na cidade de Leiria. Fez o Bacharelato em Cinema, variante de Imagem, na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, tendo antes frequentado a Faculdade de Belas-Artes em Lisboa. Foi fotógrafo de moda, formou a banda Silence 4 e, em 1998, lançou o seu primeiro disco - Silence Becomes It. O sucesso atingiu seis discos de platina. Em 2003, lançou-se numa carreira a solo. Obteve disco de ouro, no seu primeiro álbum a solo, Sing Me Something New. Desde então, nunca mais parou. Em 2005, recebeu disco de ouro com o seu segundo álbum, Our Hearts Will Beat As One, que foi considerado melhor álbum Pop de 2005, em Portugal. Foi eleito artista do mês pela MTV, em meados de 2008. Em 2009, foi nomeado para “Best Portuguese Act”, no Prémio Europeu da Música. No mesmo ano, lançou o seu quarto álbum de originais “Between Waves”. Defensor do combate à pirataria na Internet, em 2011, David Fonseca associouse à causa da Associação Fonográfica Portuguesa.
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O DISCURSO DO TERAPEUTA A gaguês do Rei George VI, retratada no filme “O Discurso do Rei”, serve de ponto de partida para esta entrevista. Paulo Feijó, terapeuta da fala no Hospital S. João, no Porto, contanos algumas particularidades sobre uma profissão. “Exige muita dedicação, paciência, técnica, mas sobretudo compreensão.”
Já teve oportunidade de assistir ao filme “O Discurso do Rei”? Ainda não tive essa oportunidade, mas é um dos próximos filmes que irei ver com toda a certeza. (risos)
No filme, o paciente mostra-se envergonhado e relutante em ir a um Terapeuta da Fala devido ao seu problema de gaguês. Já lhe aconteceu isso com os seus pacientes? Sim, já aconteceu a pessoas que sofriam de um problema de gaguês sentirem essa vergonha, noutros casos acho que é mais o factor de ansiedade pelo facto de terem que enfrentar o seu problema com pessoas “estranhas” . Qual a sensação de poder ajudar uma pessoa? É boa. Todos, na nossa profissão procuramos sempre fazer o melhor possivel para ajudar quem nos procura. Nem sempre conseguimos fazer o trabalho de forma completa. Posso dar o exemplo da gaguês que é um problema complexo onde existem muitos factores, em que a resolução depende da forma e da capacidade que a pessoa tem de encarar o seu próprio problema. Quando decidiu ser Terapeuta da Fala?
Quando acabei o liceu. Na altura foi com problemas de fala, de linguagem, um curso que me atraiu, embora no problemas de voz, problemas relacioprincípio não soubesse muito bem o nados com dificuldades na deglutição. que era a profissão. Ao longo do pri- São muitos os problemas que surgem meiro ano do curso em que nós tin- todos os dias. hamos a hipótese de contactar com muitos Já passou por alprofessores e colegas, “A resolução guma situação fui percebendo qual a depende da mais caricata no área em que gostaria forma e da seu trabalho? de trabalhar e escolhi a Acho que sim. capacidade Terapia da Fala. Todos nós temos situações mais enque a pessoa Não está arrependido graçadas e que nós tem de encarar próprios muitas com a sua escolha? Não. Felizmente tenho o seu próprio vezes, não de uma tido sucesso em muitos problema.” forma depreciativa, casos. O que interessa mas de uma forma realmente é procurar perfeitamente esfazer o melhor que sabemos, procurar pontânea e natural também reagimosevoluir, procurar saber coisas novas e rindo, no sentido de criar um ambiente estarmos actualizados. mais favorável entre as pessoas que nos procuram. Como é o dia de trabalho de um Terapeuta da Fala? E alguma situação mais complicada? Depende muito do local onde exerce- Isso, infelizmente são muitas. Ao longo mos. Trabalho com crianças, adultos, dos anos têm acontecido situações
Ágora
Imagem do filme O Discurso do Rei
muito complicadas em que as pessoas sofrem de problemas muito graves, e nós queremos ajudá-las mas sabemos que, infelizmente, por motivos de saúde as condições agravam-se e nem sempre há um desfecho feliz. Que exercícios utiliza com os seus pacientes? Na gaguês, é fundamental estarmos atentos à idade da pessoa. Uma criança de quatro ou cinco anos muitas vezes não tem consciência do seu problema e por isso devemos tentar junto dos pais e dos educadores, que aprendam a lidar com a criança, tratando o problema de forma indirecta. Quando a criança já tem consciência do seu problema e não consegue ultrapassá-lo, tentamos uma aboradegem diferente. Usamos exercícios de relaxamento, de controlo da respiração com a fala, de forma a que o paciente perceba o seu problema e possa lidar com ele da melhor forma. Tiago Veiga
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Ágora | 30 . Julho . 2011
HISTÓRIA DO FILME NORTH ATLANTIC
SAIU DO “RABO DA CABEÇA” O Ágora entrevistou o jovem realizador Bernardo Nascimento. Numa ‘conversa’ descontraída, falou da forma casual como o cinema surgiu na sua vida. North Atlantic já conquistou a atenção de festivais. A estreia nacional aconteceu há dias, no Curtas de Vila do Conde.
Estudaste história e música, como surgiu o interesse pelo cinema? A música era uma paixão que já vinha de trás e o curso de História Contemporânea em Lisboa e Paris teve como objectivo o jornalismo/documentário e uma vontade grande de “correr mundo”. Quando comecei à procura de trabalho tropecei num convite para trabalhar no Fascínio, uma longa do José Fonseca e Costa e foi desta forma acidental que vim parar à ficção. A verdade é que até então nunca tinha pensado fazer cinema... Começaste por ser assistente de Manoel de Oliveira e José Fonseca e Costa. Quando decidiste realizar o teu próprio filme? Desde a primeira rodagem, percebi que queria mesmo realizar. Durante anos fui aprendendo a “arte” e escrevendo guiões meus. Quando acabei de escrever o North Atlantic percebi que aquele seria o meu primeiro filme. O teu trabalho com esses dois grandes nomes do cinema influencia a tua actividade como realizador? Seguramente, pois foram eles os primeiros que pude seguir de perto. Aprendi muito, mas estou convencido que só a pensar, escrever e realizar os teus filmes constróis uma linguagem tua. As tuas experiências fora de Portugal reflectem-se na forma como vês e fazes cinema ou não? Muito? Pouco? Penso que sim, na medida em ainda hoje influenciam significativamente todos os outros aspectos da minha vida. North Atlantic é uma curta-metragem inspirada numa história real. Como tiveste acesso a essa história e o que te levou a adaptála para o cinema? Na verdade, a história que está na génese do filme li-a na revista do DN, há uns anos atrás. Como tantas outras, ficoume no ‘rabo da cabeça’ mas renasceu quado revi uma animação (Porco Rosso, do Myazahki) que é uma versão muito livre da história do Barão Vermelho. Fiz alguma pesquisa e descobri uma série de histórias de aviadores solitários que me interessaram. Aos elementos factuais juntei outros ficcionados e escrevi o North Atlantic. É um filme que carrega parte da minha identidade, que se passa num universo onde cresci e que tem uma temática que me seduz: a solidão do homem.
Quais foram as maiores dificuldades sentidas durante essa experiência? Falta de meios materiais e financeiros. Só com muito apoio da minha família e amigos, entre os quais a equipa técnica e os actores, consegui acabar o filme. É uma curta de quinze minutos mas precisei de dois anos para a fazer...
tuguês mas foi Londres que me financiou e foi aí que filmei. Fazia sentido e estou satisfeito que assim tenha acontecido.
Qual foi a sensação que tiveste quando assististe à estreia do North Atlantic? Tive o privilégio de o estrear num espaço “mítico”, a sala 1 do BFI Southbank em Londres, que “leva” quase mil pessoas, com um ecrã que parece ter dez quilómetros e uma qualidade de som fantástica. Poder ver o filme nestas condições já é uma experiência única, mas no momento em que entraram os créditos finais e o público reagiu...Bom, a sensação foi de realização profunda.
Portugal oferece boas condições para os jovens realizadores? Não sei. Estou fora desde 2005 e não me parece que os problemas que existiam na altura tenham sido resolvidos. O problema é estrutural: não há público. Mas acredito que possa mudar.
Esperavas que o teu filme tivesse este sucesso nos festivais de cinema mais importantes do mundo ou ficaste muito surpreendido? Trabalhámos nesse sentido e quando começou a acontecer, mais do que surpreendidos, ficamos muito satisfeitos! Por que não optaste por estrear o teu filme em Portugal? Foi uma escolha feita por mim. Surgiu um convite do London Film Festival que aceitei prontamente. Eu sou por-
Hoje em dia, é possível fazer bons filmes com um orçamento reduzido? Sim, mais do que nunca. Mas também se tornou mais fácil fazer maus filmes...
Depois do sucesso de North Atlantic, vais aventurar-te na realização de uma longa-metragem? Quais são os teus projectos mais imediatos? Este Verão vou filmar uma curta na Madeira a meias com o João Esteves. No prelo está uma longa para ser filmada na Escócia em 2012. Sandra Mesquita | João de Brito (foto)
Bernardo Nascimento, cineasta:
Eu sou português, mas foi Londres que me financiou
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Ágora
Viver com a solidariedade Em alturas de crise, aumentam os pedidos de ajuda a instituições de solidariedade social. Maria Cristina Pereira, Directora da Associação “Futuro Viver”, fala de solidariedade e não de caridadezinha.
mo-nos com que essa data seja cumprida eficazmente.
Como define a sua associação? A instituição “Futuro Viver” é uma associação de caridade social, que trabalha exclusivamente no âmbito regional, intervindo sobretudo no Distrito do Porto.
Acha que os portugueses se unem para a concretização destas causas? Alguns… Mas relativamente ao trabalho que fazemos, a maioria das vezes é necessária muita insistência da nossa parte.
É fácil conseguir o apoio e a solidariedade das pessoas? Torna-se complicado e muitas vezes não somos muito bem recebidos. Mas com a força das pessoas que aqui trabalham tem-se conseguido atingir os objectivos.
Qual o seu plano de ação? Convive de perto com as dificuldades soA instituição tem como ciais das pessoas. O que objectivo prioritário levar tem mudado nos últimos a cabo acções de carácter “Uma promessa anos? social, como por exemplo nossa é sempre Neste último ano, o tipo de o apoio a jovens, crianças, um objectivo pedidos de ajuda continua idosos e deficientes, bem a ser o mesmo mas existem como apoio alimentar a que tem de ser mais pessoas a pedir. Há no pessoas carenciadas. Tendo cumprido” entanto outro tipo de situem conta estes objectivos, ações. Por exemplo, agora a “Futuro Viver” procede à até nos pedem materiais angariação de fundos para de construção, tintas, verfamílias que da nossa ajuda precisem, tais nizes para reconstruírem casas degradadas e como: alimentos, vestuário, brinquedos, sem condições para habitação. São situações cadeira de rodas, camas articuladas e outros que até hoje nunca nos tinham chegado. bens essenciais. Acha que, nos próximos anos, poderão ser Que preocupações tem relativamente ao os jovens a recorrer a este tipo de ajuda? cumprimento dos objectivos da institu- Sim, claro que sim. O aumento do desemição? prego afecta muitos jovens, e isso acentuarA principal preocupação é a de conseguir se-á cada vez mais. Temos verificado tamajudar, o mais rápido possível, uma pessoa bém o aumento de pedidos de ajuda vindos necessitada. Uma promessa nossa é sempre de jovens portadores de doenças como o um objectivo que tem de ser cumprido. HIV, que procuram apoio a todos os níveis, Por ela sabemos que alguém aguarda mui- incluindo o alimentar. tas vezes desesperadamente. Quando prometemos a entrega e alguma ajuda numa determinada data, por exemplo, preocupaCarla Martins
Artes merecem melhor atenção A Presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto alerta para a importância das artes e da cultura mesmo em tempo de crise. Luísa Magalhães afirma ao Ágora que “numa sociedade capitalista e em recessão, a tendência geral é descredibilizar a arte em favor de áreas mais rentáveis.” Qual é o papel de um estudante de artes em Portugal? O papel principal passa exactamente por garantir a existência de experiências artísticas e dar voz às necessidades do ensino superior e à importância das artes e da cultura, assim como o seu desenvolvimento.
deriam saturar e definhar a área artística. Quais são as principais falhas do ensino artístico superior? São sobretudo a falta de equipamento técnico especializado, a pouca aposta que há no desenvolvimento pedagógico, científico e artístico. Há ideia de que, durante a frequência do ensino secundário, não há um encorajamento para o prosseguimento de estudos na área das artes e da cultura. Partilha da mesma opinião? Há uma visão generalizada de que frequentar um curso de artes não é uma prioridade porque não há saídas profissionais ou porque não é “rentável”. Apesar desta posição, penso que existe apoio e incentivo fomentado não só por alguns professores no ensino secundário, como pela própria FBAUP, através da Universidade Júnior, que convida estudantes do ensino secundário a participar em cursos artísticos de Verão nas instalações da faculdade.
O facto de os cursos exigirem muito investimento em materiais condiciona a entrada Existe um preconceito da sociedade em gede alunos com dificuldades financeiras? ral em relação às artes? Neste momento, a siNuma sociedade capituação financeira das talista e em recessão, famílias é uma condi- O PAPEL DA ARTE a tendência geral é cionante cada vez mais ENQUANTO AGENTE descredibilizar a arte acentuada no acesso ao ATIVO NA SOCIEDADE em prol de áreas mais ensino superior, que rentáveis, mais práticas afecta não só a FBAUP, É DESVALORIZADO e funcionais dentro da como também todos os própria sociedade. cursos a nível nacional. Os custos dos materiais, no nosso caso, é Os jovens talentos têm reconhecimento muito elevado, e a esses juntam-se outros por parte do grande público? custos com alimentação e alojamento. Para Não há uma solução concreta para esta além disso, os cortes nas bolsas de estudo questão, começando pela indefinição dos estão a privar cada vez mais os estudantes, tais jovens talentos e também porque quem tanto no acesso como na permanência na valida as correntes e os artistas ditos mais faculdade. pertinentes são grupos que fazem parte da própria comunidade artística, não esqueQue alternativas têm os alunos para fazer cendo a validação pelo mercado da arte. face a estas dificuldades? As alternativas encontradas são as ditas Qual é a situação das artes em Portugal? low cost. Uma das formas de explorar a Não há um grande investimento nas artes arte contemporânea pode ser feita através em Portugal, quer em termos financeiros, de materiais baratos, efémeros e recicláveis, quer na área da educação. Por não ter uma uma corrente bastante contemporânea e “função”, perde prioridade comparativaversátil. mente a outras áreas que supostamente têm mais importância. É também desvalorizado Que dificuldade enfrenta um estudante de o seu papel enquanto agente activo na soartes para conseguir vingar neste ramo? ciedade, por diversas razões. Embora este Penso que as principais dificuldades pas- fenómeno seja bastante regular, é necessário sam por haver muita concorrência para apontar esta situação para que se alerte para pouca oferta, pela indefinição do con- a importância das artes e da cultura nas nosceito de arte em si e do campo onde sas vivências. opera, conceito esse que vive e cresce Sandra Mesquita sobretudo da falta de fronteiras, que po-
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Ágora | 30 . Julho . 2011 Coordenador Nacional para a Saúde Mental responde ao Ágora:
DependênciaS das tecnologias não representaM problemas relevantes de saúde pública
Álvaro Carvalho
Na edição anterior do Ágora (23.07), abordámos o tema “Dependências”. Na altura, colocámos ao Ministério da Saúde uma questão sobre a existência ou não de consultas especializadas para o tratamento da “dependência das novas tecnologias”. Quando a resposta chegou, o Jornal já estava fechado. Dada a importância do tema, optámos por publicar neste número a resposta que nos chegou do Coordenador Nacional para a Saúde Mental.
Álvaro Carvalho afirma que a instituição “desconhece (…) qualquer consulta do tipo considerado, o que não quer dizer que não exista em qualquer um dos Serviços Locais de Saúde Mental.” O coordenador acrescenta que as várias problemáticas devem ter uma abordagem integrada, com excepção de doentes mentais graves. Diz ainda que “as dependências em causa não é conhecido representarem, em termos da evidência científica fiável conhecida, problemas relevantes de saúde pública”.
CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO: Matriz inovadora NO ISMAI
DEBATES ENTREVISTAS
NOS AG EM U L A RT EPO R A R EI EM FAZ A MAD N
ÚLTIMA
30 . Julho . 2011 |
Ágora
Homem do Porto e de Portugal, transformouse num símbolo do desporto nacional. Vítor Manuel Martins Baía fala-nos do seu passado, dos seus projectos e faz uma análise ao momento actual do Futebol Clube do Porto. O antigo guarda-redes licenciou-se em Gestão do Desporto e quer continuar ligado ao futebol. Com esta ambição: ser director desportivo.
Vítor Baía em Entrevista
Quero ser diretor desportivo
Sobre treinadores: Fernando Santos, o amigo; Van Gaal e Scolari, os ‘inimigos’ É o Guarda-redes com mais títulos no futebol e também já foi considerado “o número um” mundial. O número que o distingue é, todavia, outro. Porquê o número 99? Tornou-se numa marca própria, e já seguida por outros profissionais de futebol, mas que começou por ser uma simples coincidência. Quando regressei ao FC Porto, depois de quatro anos no Barcelona, os números típicos dos guarda-redes (1, 12, 24) estavam todos atribuídos. Estávamos em 1999 e a importância do regresso deu a inspiração para o resto: ficou 99, em memória do ano do retorno ao clube onde me formei como guarda-redes. Guiou a sua carreira por Portugal e Espanha, jogou em dois grandes clubes, podemos dizer que o Vítor tem dois amores? O meu amor de ontem e de sempre é o FC Porto. Esse é o verdadeiro amor, o clube que continuarei sempre a respirar, enquanto viver. Pelo Barcelona tenho um carinho imenso. Vivi tempos muito felizes no Barca e outros pouco agradáveis, mas recordo mais os bons momentos que, felizmente, foram muitos. No ano em que me transferi para o Barcelona, bati o recorde de transferências. Nunca um guarda-redes tinha custado tanto dinheiro a um clube, cerca de 1,2 milhões de contos. Isso provocou algumas invejas, mas sobretudo aumentou a minha responsabilidade. Correspondi enquanto me deixaram. No FC Porto foi tudo diferente. Gravei os momentos felizes e aprendi com os infelizes, que foram as lesões graves que tive. O Vítor é um ídolo de uma geração. Deixou a sua marca no futebol internacional como poucos. Olha “para trás” com que sentimento? Faltou-lhe alguma conquista? Não, talvez um campeonato de selecções, da Europa ou do Mundo. Estivemos muito perto de sermos campeões europeus, mas houve um árbitro que não nos deixou ir à final num jogo com a França. O Europeu de 2000. Podia ter chegado lá. Não apanhei o penálti ao Zidane por muito pouco. Mas nem posso queixarme muito, porque continuo a ser o guarda-redes com mais títulos desde sempre, em todo o mundo. Olho para o passado com um orgulho tremendo. De uma forma positiva ou negativa, quais foram as pessoas que marcaram a sua carreira? De forma positiva, os meus pais e a minha irmã, pelo apoio que sempre me deram, principalmente, nas horas más. O Fernando Santos, meu primeiro treinador, o Costa Soares, que me orientou nas camadas jovens do FC Porto, e uma série de treinadores e excelentes pessoas que apanhei ao longo da vida. (Faz uma pausa) De forma negativa, o Van Gaal, que me tramou
a carreira no Barcelona. Incontornável também Luiz Felipe Scolari, que no ano em que fui considerado o melhor guarda-redes da Europa e que ganhei a Champions League, me deixou de fora do Euro 2004, sem sequer me dar uma explicação. Conquistou inúmeros títulos. Quais foram os mais marcantes? Cada vitória do FC Porto foi sempre motivo para festejar, mas claro que as vitórias na Liga dos Campeões e na Taça UEFA pelo FC Porto foram as que mais mexeram comigo. Porque esse foi sempre um sonho desde que vi, em 1987, o FC Porto campeão europeu. Sonhei que um dia isso poderia acontecer comigo lá. Sonhei acordado. Aconteceu e foram dois momentos extraordinários. Tem saudades? (Suspira) É impossível não ter saudades, mas tudo tem o seu tempo. Foi esse o meu tempo, meu e de todos os que estiveram comigo nessas vitórias. Hoje, há sempre alguma nostalgia, mas é compensada com a certeza que naquele momento fomos os melhores. Vai voltar ao futebol? Sim, mas como director desportivo de uma equipa. Foi para isso que me formei. Há quatro anos que deixou os relvados. Existem grandes diferenças quatro anos depois? Poucas, porque não passou muito tempo desde o final da minha carreira. Talvez haja apenas mais estrangeiros no futebol português, mas isso é uma consequência da abertura das fronteiras e da destruição das barreiras que surgiram na sequência da Lei Bosman. Não podemos fugir a esta questão… E o melhor do mundo? Quem é? (Ri-se) Claro. Não temos que fugir! O melhor jogador do mundo é o Cristiano Ronaldo, indiscutivelmente. Um dos seus grandes projectos é a fundação Vítor Baía. Qual tem sido a sua ação? A fundação é, neste momento, aquilo que mais me ocupa e me preocupa. É um projecto que nasceu a partir das várias solicitações. Houve contactos com diversas situações que me impressionaram. Chegou um dia em que disse para mim mesmo: tenho que fazer algo por minha iniciativa. E nasceu a fundação, que tem um carácter meramente de solidariedade para com as crianças. Colaboramos também com os hospitais pediátricos, na distribuição de material de apoio médico e de outra ordem. É um orgulho, é um pouco do que posso fazer pelo muito que a vida me tem dado. Miguel Monteiro