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Ficha técnica: Ágora n.º 12 - Jornal do Curso de Ciências da Comunicação do ISMAI Editor: Luis Humberto Marcos (coordenador do curso) Coordenadores: Diogo Nóbrega e Marco Vieira Redacção: | Dewsign Gráfico: Capa: Fotografia e montagem de | Montagem e acabamento: Endereço: Instituto Superior da Maia Av. Carlos Oliveira Campos - Castêlo da Maia 4475-690 Avioso S. Pedro | Tel. (+351) 22 982 53 19 Fax: (+351) 22 982 53 19 E-mail: info@ismai.pt - www.ismai.pt | Impressão: Naveprinter | ISBN: 978989-97147-2-4
Editorial
Depender, ser e não ser DEPENDEMOS. Por natureza. Das histórias que ouvimos. Das relações que sentimos e estimulamos. Das histórias e canções que escutámos. Dos livros e jornais que lemos. Da publicidade e do marketing. Da rádio e TV que ouvimos e vemos. Da família e dos amigos, bem como das redes sociais. Dependemos também dos projectos e ambições que temos. Dependemos do que fomos, do que somos e do que queremos ser. Dependemos do que vemos e de como
nos vêem. Diz Fernando Pessoa: ‘Cada qual vê o que quer,/ pode ou consegue enxergar. /Porque sou do tamanho do que vejo./ E não do tamanho da minha altura’. Dependemos do sorriso. Do humor. Da tristeza e do amor. Dependemos do tempo. Mas muitas outras dependências nos fazem depender ao ponto de, muitas vezes, deixarmos de ser o que queremos ser. Perdidamente. Sem autonomia. Com ou sem rituais.
É destas dependências que trata este número especial do ÁGORA. Entrevistas, reportagens e notícias mostram dependências conhecidas e outras nem tanto. De qualquer modo, dependências que nos tornam menos independentes. Para ler e pensar. Com um jornalismo incisivo e actuante. Luís Humberto Marcos
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Control+Alt Dependência Jaime Milheiro, psicanalista, fala de paraísos e riscos
Tudo começa num anónimo teclado. Um novo mundo se descobre baseado no avanço da tecnologia que desperta no indivíduo uma forma distinta de se relacionar, através de uma única plataforma que permite o acesso a uma nova realidade: as redes sociais. Jaime Milheiro, Psicanalista e adepto da modernização da Psiquiatria falou ao Ágora sobre a entrada do indivíduo no mundo virtual.
“Há cada vez mais gente que só na Net se forma; só na Net se informa: que só na Net faz amor”. - “ Sem toques, sem palpações, sem contágios, tal realidade forjará conventos de grandeza nunca vista, onde todas as proximidades estarão sem estar julgando que estão “. LEGENDA legenda legenda legenda legenda
O uso das redes sociais tem aumentado significativamente. Que efeitos pode produzir no indivíduo? Isolamento, captura da pessoa, virtualização da realidade, acompanhada de sentimentos de poder. Também pode, obviamente, propiciar um mais fácil sistema de comunicação, interpessoal e de massas. As redes sociais podem acabar por constituir um forte reverso da humanização que os seres humanos historicamente desejaram e sobre cujo conceito evoluíram. Tornando tudo virtual, poluindo terrenos e fontes, podem esconder desequilíbrios e sufocar identidades. Sem toques, sem palpações, sem contágios, tal realidade forjará conventos de grandeza nunca vista, onde todas as proximidades estarão sem estar julgando que estão. Com a utilização exacerbada das redes sociais as relações virtuais tendem a substituir as relações humanas? Esse será sempre o maior risco. Acrescenta dificuldades a quem já dificilmente se relaciona, impele para ultracomodismos quem já se encontra sentado. A Net e as novas tecnologias propiciaram óptimas potencialidades à necessidade de comunicação e de relação que os seres humanos transportam consigo
mesmos. Mas, aproveitando as inúmeras facilidades e os inúmeros esconderijos, muitos “deslocaram-se” para a sua rede, criando ou avolumando aproximações psicopatológicas. A realidade virtual, com seu inelutável sucesso, tomará conta dos destinos do mundo num próximo futuro. Será um desafio sem limites, ao alcance de to-
coagidos. Mas o número de idiotas tem aumentado de forma assustadora. O que motiva o individuo a expor-se? Trata-se de uma motivação consciente ou inconsciente? Pensar que tem muitos amigos é tonificante para quem sofre de dificuldade em fazê-los. Compensa quantas inferioridades e angústias dentro do próprio
“As redes sociais podem esconder desequilíbrios e sufocar identidades” Sem toques, sem palpações, sem contágios, tal realidade forjará conventos de grandeza nunca vista, dos. Há cada vez mais gente que só na Net se forma: que só na Net se informa: que só na Net faz amor. A rede social é um factor de inclusão ou exclusão? Sendo aparentemente um factor de inclusão, acaba por excluir ainda mais quem já se sente excluído, uma vez que apenas virtualiza o que na realidade já não funciona. O individuo sente-se socialmente coagido a aderir a uma rede social? Só os idiotas, obviamente, se sentirão
se agitam. Aproveitar-se mentindo e/ ou mentindo-se será o resultado mais provável. Paraísos solitários são falsos aconchegos, porque nunca elaboram os conflitos internos ou externos. Apenas temporariamente os evacuam. Libertam erotismos e agressividades de caixa barata, que transformam a comunicação numa agência de exposições, debates e recalcamentos. Até que ponto o culto da imagem estimula o individuo à utilização das redes sociais? Quanto maior for a fragilidade narcísi-
ca maior será a corrida. Recompõe-se a imagem, o espelho reflecte mais positivamente, num efémero ao dobrar da esquina.
BiO1: Psiquiatra e psicanalista português, Jaime Milheiro de Oliveira Barbosa nasceu em 1935, em Vila Nova de Gaia. Licenciouse em Medicina (1958), especializou-se em Psiquiatria (1967) e é, desde 1981, Membro Titular e Didata da Sociedade Portuguesa de Psicanálise e da Associação Psicanalítica Internacional. A sua carreira médica e científica assenta essencialmente em três grandes áreas: docência, investigação e actividade clínica. 2: Em 1998 integrou o grupo de trabalho que elaborou a nova Lei de Saúde Mental (Lei 36/98, de 24/07/98). Actualmente, Jaime Milheiro, para além das actividades clínicas, é ainda Director da Revista Portuguesa de Psicanálise.
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Dependência do Sexo Escravos do prazer
Há quem diga que é o expoente máximo do prazer mas, para alguns acaba mesmo por se tornar doentio. O Desejo Sexual Hiperactivo, é um transtorno psiquiátrico que afecta homens e mulheres e que se expressa por uma ausência de controlo da própria sexualidade. Nas mulheres chamado de ninfomania e nos homens de satiríase, é evidenciado por um apetite sexual excessivo. O conforto psicológico através do físico. No fundo, a pessoa procura a satisfação momentânea, que a pode levar a repetir o acto exaustivamente. Sem razões biológicas para o justificar, refugia-se no sexo para combater sentimentos negativos como a ansiedade, medo e solidão, abstraindo-se assim dos problemas que a incomodam no seu dia-a-dia. Completamente cego à partida para o acto sexual, o viciado nem sequer se preocupa com o facto de utilizar, ou não, qualquer método contraceptivo. A psicóloga Carla Serrão, especialista em Saúde Sexual e Reprodutiva e Educação Sexual, afirma que “o comportamento sexual compulsivo pode trazer riscos, nomeadamente no que diz respeito a infecções sexualmente transmissíveis e a gravidezes não desejadas”. O perigo aumenta quando há rotatividade de parceiros, o que é frequente na maioria dos casos. Isto porque o dependente acaba por nunca se sentir satisfeito, procurando sempre novas experiências na tentativa de alcançar sucessivos orgasmos. No final do acto, aliado à sensação de intensa gratificação, surge, por momentos, um forte sentimento de culpa. Porém, esta culpa desaparece quando o ciclo reinicia. Nestes casos, ao deixar-se arrebatar pelos seus pensamentos e desejos, pela sua vontade desmedida de ter relações sexuais, o viciado acaba por prejudicar a sua relação com os outros. “Esta dependência traz consequências a nível da dimensão relacional e interpessoal do sujeito, pois há um padrão de comportamentos sexuais fora de controlo”. Como acrescenta Carla Serrão, “a pessoa deixa de ter controlo sobre si própria, sobre a sua vida”. A vida social é afectada, não havendo nenhum tipo de estabilidade emocional, muito menos relacional. Submersos no prazer carnal, os viciados passam para segundo plano a família, amigos e uma possível relação amorosa. Amor é uma palavra que dificilmente se conjuga com o tipo de vida levado por um obcecado, daí a serem curtos ou inexistentes os compromissos com uma outra pessoa. “Há incapacidade por parte do indivíduo de interromper o comportamento sexual trazendo consequências que incluem a perda de parceiro, problemas graves na relação
conjugal, negligências nas actividades sociais, ocupacionais, familiares, entre outras”, diz a psicóloga. A única forma de enfrentar o vício é procurar actuar sobre a sua causa: a mente. É a própria pessoa que, consciente do distúrbio, procura ajuda num psiquiatra ou terapeuta sexual. “O profissional de saúde mental avalia, entre outros, a frequência do comportamento, os tipos de preferência sexual, assim como o grau de risco que este comportamento traz para o indivíduo e para os outros: se é uma situação de menor risco (masturbação, sexo telefónico, sexo virtual), de médio risco (exibicionismo, fetichismo, voyerismo) ou de risco elevado (sadismo, masoquismo, pedofilia). O tratamento pode incluir psicoterapia individual e/ou de grupo e a utilização de psicofarmacologia”, afirma a psicóloga. Os grupos de apoio são considerados um elemento precioso durante o tratamento. A ajuda de especialistas e familiares é fundamental para que o dependente se sinta confiante e combata o transtorno obsessivocompulsivo. Prisioneiro dos seus desejos, alimenta-se de curtas experiências e vê-se perante uma constante busca pelo prazer. Satisfação momentânea mas eterna frustração, é esta a vida de um dependente de sexo.
Patologia de Carnes Tarados, pervertidos ou depravados. São alguns dos nomes usados para definir pessoas que apresentam algum tipo de patologia do sexo. O assunto continua a ser tabu, e há ainda quem não o reconheça como uma doença. O vício do sexo, mais propriamente denominado de compulsão sexual, atinge homens e mulheres, sem distinção de idade. Só recentemente a compulsão sexual entrou nos códigos de investigação médica. A questão surgiu na década de 80, com o livro Out of the Shadows: Understanding Sexual Addiction, do psícologo americano Patrick Carnes. Ele serviu-se das neurociências para fundamentar que as substâncias químicas libertadas durante a actividade sexual são semelhantes às das drogas e impulsionam os três circuitos cerebrais (excitante, analgésico e alucinogénio) que conduzem à dependência.
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Perturbações Sexuais Atingem 5 a 10% da população
São perturbações como outras quaisquer. Muitas vezes passam despercebidas e nem são detectadas. Falamos de perturbações sexuais, um tema que suscita ainda muitas interrogações. O especialista Victor Moita - psicólogo, doutorado em Psicologia Aplicada pela Universidade de Sorbonne e professor na “Lusófona” - responde-nos nesta entrevista a algumas questões.
E mais raras? V.M: Diremos que a área das perturbações designada por “parafilias” será a mais comum, embora sem que possamos avançar um número consistente sobre a sua frequência. No entanto, não existem estudos epidemiológicos consistentes nesta matéria que possam sustentar uma resposta fundamentada a esta pergunta. Ágora: Acha que a tendência foi, na última década, para um aumento ou diminuição do número de casos? Ágora: Existe uma percentagem definida V.M: Todas as épocas registam, historide portugueses que sofrem de pertur- camente, a existência de perturbações bações sexuais? sexuais. Os dados que podem e têm sido Victor Moita: Nos meios ditos “espe- objecto de estudos de história comparada cialistas” generalizou-se a ideia de que, e de reflexão científica, não nos perem qualquer comunidade – e, portanto, mitem tirar conclusões acerca da maior também nos portugueses – 5 a 10% ou menor frequência de incidência actual da população apresentaria algum tipo dessas perturbações. de “perturbações sexuais”. No entanto, Ágora: Devemos considerar cada caso devo dizer que esta seria uma resposta como um caso específico, ou existe aldemasiado ligeira para uma pergunta guma relação rígida entre perturbação/ complexa e de difícil resposta, por várias tratamento? razões. V.M: Sabemos que as perturbações sexÁgora: As perturbações uais, quando assão um problema de sumem o “estatuto natureza psicológica ou As perturbações de sintoma”, gansocial? ham uma maior sexuais podem Victor Moita: As percompreensibilidade turbações sexuais surgir, a partir se forem abordadas podem remeter para dos quatro numa perspectiva problemas de natureza individual clínipsicológica, social ou ou cinco anos ca… Claro que, orgânica, sendo que, nesta perspectiva, na maioria das vezes, de idade, até cada caso é um caso, é a uma combinatória à velhice e, quer o “diagnósespecífica de factores tico”, quer o “tratade cada uma destas mento” ou “intrês origens que contribui para a config- tervenção terapêutica” ganham maior uração da “perturbação” e não apenas os precisão e eficácia. factores originários de uma delas. Ágora: Sabe-se que as principais cau- Ágora: As perturbações sexuais estão relasas do problema estão relacionadas cionadas com o género? Qual o sexo mais com abusos sexuais ou com a educação afectado? rígida em que o sexo é tabu. Para além V.M: Algumas perturbações específicas destes, que motivos mais se eviden- – por exemplo, ”disfunção eréctil” ou ciam? “vaginismo” – pela sua natureza, estão, V.M: Sem desvalorizar a importância obviamente, relacionadas mais com o que as ocorrências de abuso sexual sexo do que com o género. No entanto, têm na origem das perturbações excluindo este tipo de especificidades, sexuais, deveremos evitar uma ati- não existem estudos consistentes que tude estereotipada e reducionista associem determinado tipo de perturna abordagem das muitas outras bações sexuais ao sexo, e muito menos ao causas das perturbações sexuais. género, das pessoas. Os abusos sexuais ofuscam a principal causa das pertur- Ágora: Com que idade podem surgir as bações sexuais que são as perturbações sexuais? anomalias que vão ocorrendo V.M: Podem surgir perturbações sexna história de desenvolvi- uais a partir dos quatro ou cinco anos de mento pessoal, e que se de- idade, até à velhice, devendo a sua navem a situações de carência tureza e maior ou menor gravidade ser socioeconómica e socioed- avaliada em função da idade de desenucacional, ao desmembramento volvimento e do contexto de emergência dos diferentes tipos de núcleo familiar e das queixas ou sintomas. Adriana Moreira à negligência na educação. António Colónia Ágora: Na sua opinião, quais considera Cátia Costa serem as perturbações mais frequentes?
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Experiência de um ex-toxicodependente na primeira pessoa
“Saí e vi o mundo novamente, aquele mundo que eu tinha deixado quando era dependente”
Passava pouco mais das 19 horas quando cheguei à casa de Miguel (nome fictício). Toquei à campainha e vi o jovem que tinha falado comigo dias antes ao telefone. Concordou darme uma entrevista sobre a sua experiência no mundo viciante das drogas. A entrevista transformou-se numa conversa que se soltou debaixo de uma nuvem de fumo de cigarro. Esteve dependente de drogas pesadas, mas tudo começou num charro. Foi com um grupo de amigos que Miguel teve o primeiro contacto com drogas. Com 13 anos começou a consumir haxixe. Inicialmente, fumava às sextas-feiras, mas com o passar do tempo chegou “à fase em que era cool e fumava diariamente”. Miguel tinha a noção de que o que fazia não era bom. Fazia-o às escondidas, não era moda. “Fumava aquilo por brincadeira, porque achava algo normal”. Tão normal que passou a rotina. Miguel pensava que nunca iria consumir outro tipo de drogas e chegou a ser alertado por amigos que podia entrar noutros mundos. “Mas nós não queríamos saber, era normal o que fazíamos, não havia que estar preocupado”. Do haxixe passou ao consumo esporádico de extasy e esta nova droga “levou-me para perto de outro tipo de consumidores, pessoas que cheiravam cocaína, que fumavam cocaína”. As pessoas que conhecera estavam ligadas ao mundo da noite. Miguel enquanto Dj ficou cada vez mais perto destes novos consumidores. O discurso parou. Acendeu um cigarro. Ao segundo bafo confessa que foi numa passagem de ano que tudo passou para outro patamar. “Pensei que se cheirasse uma vez nunca me ia acontecer nada de mais, e cheirei. Fiquei tão exaltado, entusiasmado, drogado, que me convidaram para fumar cocaína, crack. Nesse dia fumei cocaína e heroína”. Aquilo que Miguel pensara nunca poder acontecer, aconteceu. Experimentou duas das drogas mais viciantes que existem, a cocaína e heroína.
O cigarro libertou-o. Fala-me sobre a camente sob o efeito da droga. Para sua experiência com cocaína. Começa- ele o normal era estar drogado. Os ritse por consumir em ocasiões especiais: uais sociais desapareciam, “chegava à passagens de ano ou aniversários. No noite de sexta-feira não pensava onde entanto, este conia ter com os amisumo sofre o mesmo gos, mas sim onde processo que o conia comprar a droga”. sumo de haxixe. Era Foi nessa altura que uma vez por semana, Miguel tinha teve a noção que era passaram a ser duas dependente. Acore de duas a todos os a noção dava de manhã e a dias. É tudo muito de que o que primeira coisa em rápido. “Eu estudava que pensava era confora e isso permitia- fazia não sumir para voltar ao me ter uma liberestado, que para ele, dade muito grande... era bom. Fazia-o era o normal. quando fumava, às escondidas, A sociedade deturpanunca pensava nos va-se, Miguel tinha efeitos daquilo, até não era moda. criado uma sociedade porque os meus ami- “Fumava aquilo particular. “Naquela gos que fumavam esaltura eu parava com tavam bem, e sempre por brincadeira, poucas pessoas que pensei que conseguia porque achava não consumiam e sair quando quisesse. isso é que era norSempre pensei que algo normal” mal, o resto da societinha o controlo da dade passava-me ao situação”. lado”. Após perder a Miguel tornara-se namorada por causa dependente. As facilidades financeiras do vício, Miguel apercebeu-se que banunca permitiram a Miguel sentir os teu no fundo, tinha perdido a noção efeitos secundários, estava sistemati- da realidade e chegava a consumir
80 a 100 euros de cocaína e heroína por dia. Tentou sair uma, duas, três vezes, mas nunca conseguiu. A vontade de consumir era maior. As tentativas de sair resultavam em consumos maiores. Miguel começou a ver-se como uma pessoa diferente, perdeu a confiança da família. Bastava um novo passo em falso para ser expulso de casa. Foi ele que contou à família que era dependente. Foram os familiares que o ajudaram a frequentar o Hospital Conde Ferreira. “Tinha chegado ao fim da linha. Era agora ou nunca, tinha que ser”. Durante 7 dias Miguel esteve em tratamento e limpou o organismo. Mas o seu principal obstáculo era psicológico. A sua vontade era consumir, mesmo que não estivesse a sentir a ressaca. Frequentou então uma clínica de psicologia durante 2 meses, onde aos poucos foi perdendo a vontade de consumir. Ganhou novos horizontes na sua vida. Hoje, Miguel reconhece: “se não tivesse a família que tenho, sei que nesta altura estaria morto ou preso”. E consumiu mais alguma vez? Admite que sim. Ainda passou 2 meses a consumir esporadicamente, mas, depois, ponto final. “Ganhei consciência, nunca mais consumi desde então; estou completamente limpo”. Miguel acende outro cigarro, conversamos mais um pouco, a pessoa que eu tinha à minha frente não era mais a que descrevera atrás. Ele está diferente. Toda a experiência que passou não teve só momentos negativos. Serviu para ver a verdadeira amizade. Os amigos foram presença assídua no seu discurso. Foram extremamente importantes para Miguel. E na hora de agradecer, não os esquece. O gosto pelas coisas voltou. Voltou a estudar. Voltou a viver. “Ganhei a confiança da família e o amor que tinha perdido por parte deles, sinto-me outra pessoa”. As cores voltaram a pintar-lhe a vida. Pedro Correia
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Quem o alerta é Filomena Dias, Relações Públicas da Clínica Persona, em Gondomar, em relação às pessoas que não têm limites na busca da perfeição. A obsessão pela beleza, pelo culto do corpo e pelas cirurgias plásticas são das maiores preocupações do século XXI. Cada vez mais as pessoas recorrem a clínicas de estética para se sentirem melhor com elas próprias. Fomos até à clinica, com o intuito de descobrir de que forma as pessoas são acompanhadas , para assim terem uma vida mais saudável. É da opinião que um dos ‘ingredientes’ da nossa auto-estima é a nossa autoimagem? Sem dúvida que sim. Nós quando gostamos do que vemos no espelho a nossa auto-estima depressa se eleva. Quando somos elogiados por amigos ou familiares pela nossa imagem sentimos de imediato uma sensação de confiança e passamos a gostar mais de nós e a darmo-nos mais valor. Porque é que uma boa aparencia é interpretada como sinónimo de sucesso e aceitação na sociedade? Hoje em dia as pressões sociais e os estériotipos criados sobre o que é uma “boa aparência” levam a que as pessoas muitas vezes se esqueçam de quem são realmente e acabam por criar uma imagem de si que em nada tem de ver com a sua realidade e isso poderá não ser sinónimo de sucesso. Mas é um facto que uma boa aparência é requisito essencial para uma primeira aceitação na sociedade. Considera que é uma obsessão que pode
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Vício das cirurgias plásticas O drama é não poder parar ser tratada? Considero que é o próprio profissional que deve incutir no paciente/cliente os limites do razoável. Quais as consequências que podem advir da obsessão pela beleza, pela aparência e pela vontade de se encaixar nos padrões? Penso que o mais gritante será quando a pessoa não sabe quando parar, e mais grave ainda quando o profissional que está a tratar essa pessoa não sabe dizer basta. Com isto refiro-me obviamente às constantes e consecutivas cirurgias plásticas que se realizam na mesma pessoa. Muitas das vezes as clínicas de estética são ‘alvo’ de preconceito, o que pensa acerca disso? Penso que actualmente isso já não se verifica. Há anos atrás as pessoas viam as clínicas de estética como algo inacessível, situação que hoje já não é verdade. Claro está que continua a haver uma separação entre as clínicas que realmente oferecem segurança e garantia ao cliente e as que aparecem quase como “cogumelos” em cada canto, com preços irrisórios que literalmente “despacham” os clientes sem qualquer preocupação com o seu estado de saúde ou com a sua satisfação no final do tratamento. Quais são os serviços oferecidos por estas, que podem levar a um melhor bem-estar físico e mental? A Persona de Gondomar tem ao dispor de todos os clientes uma série de tratamentos não-invasivos e inócuos cujo resultado final é, sem dúvida, uma melhoria da qualidade de vida de quem nos procura. Tudo começa com uma Consulta de Nutrição, onde todo o historial clínico e psicológico do cliente é visto ao pormenor. O excesso de peso é um problema que afecta a saúde e a auto-estima. São muitas as pessoas que aderem à clínica para um tratamento de emagrecimento? Sim. O excesso de peso está directamente relacionado com o aumento de problemas, sejam eles cardiovasculares, diabetes, etc. A obesidade é considerada pela Organização Mundial de
Saúde como a epidemia do Séc. XXI. Muitos são os casos de sucesso que se ‘desenham’ nestas clínicas. Qual o momento mais marcante nestes casos? Sem dúvida é o momento em que nos sentamos com o cliente e analisamos o Antes e o Depois. Temos situações em que clientes perderam mais que 30 kgs e até diminuíram no número de sapatos que usavam. É sem dúvida o momento em que nos sentimos mais realizados profissionalmente! “O cliente Persona tem na saúde o passaporte para a beleza.” A beleza está assim necessariamente ligada à saúde? Absolutamente. Sem saúde para que nos serve a beleza? Temos como missão promover a saúde de quem nos procura e consequentemente realçar a beleza e o bem-estar dessas pessoas. Só assim conseguimos alcançar a tão aclamada LONGEVIDADE. Numa palavra ‘ o que é a beleza’? Numa palavra é difícil… Pleno bemestar, físico e mental. Chamada para a 1ªpágina Cirurgias plásticas: o difícil é parar Cirurgias plásticas: parar é difícil Legendas das fotografias 1) Tratamento Pershape: “lipoaspiração” não invasiva 2) Espelho: uma das imagens de marca das clinicas Persona
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“Quero ser igual à Angelina Jolie” Jaime Rocha, cirurgião plástico, conta e alerta
Ela representa o desejo de muitas mulheres…um ícone de beleza, um ídolo para muitas pessoas, uma imagem que se quer copiar. Quem é que não tem um ídolo? A ideia da perfeição está muitas vezes associada à imagem desta ou daquela celebridade com quem inúmeras pessoas se identificam e gostariam de se parecer. Assistese à vontade de obter o corpo perfeito, idealiza-se uma imagem daquilo que se gostaria de ser ou parecer, reflecte-se uma personalidade indefinida. Querer fazer de si a cópia de um ídolo não é saudável e pode trazer perturbações. Jaime Rocha, cirurgião plástico, afirma que estas pessoas podem vir a sofrer de ausência de personalidade. “Por vezes o ser humano fica dependente, obcecado, quer copiar certas imagens da moda. É verdade que as pessoas pegam numa revista e dizem: “ quero que me ponha igual a Angelina Jolie”. Esta personagem, à partida, é doente.” Alimentar metas difíceis de alcançar é um risco que traz consigo graves consequências. Cabe ao cirurgião diagnosticar a personalidade da pessoa para não sustentar o que é irrealizável e evitar conduzir a perturbações do foro psicológico.”Quando o objectivo não é facilmente atingido, podemos estar a dar o empurrão a uma personalidade já suficiente fragilizada, que pode levar à loucura ou ao suicídio. A repetição de cirurgias para corrigir coisas mínimas pode levar à degradação de uma personalidade. Isto tem que ser detectado antes.” Na origem desta dependência pelas cirurgias estéticas pode estar uma pessoa com objectivos de tal forma vincados e idealizados que a cirurgia não conseguirá alcançar o resultado exigido tão bem quanto desejado e no tempo pretendido. “Ficam dependentes, nunca ficam satisfeitas por muito bom que seja o resultado. E às vezes o resultado não é tão bom como se gostaria, porque são técnicas. Só temos que executar correctamente e depois aguardar uma evolução. Normalmente só sabemos o resultado duma cirurgia 6 meses depois de ela ter sido efectuada.”, explica Jaime Rocha. Eternamente insatisfeitos Aumentar e diminuir o peito, alterar a forma do corpo, modificar o nariz, retardar o envelhecimento. Estas são as cirurgias plásticas mais frequentes. As alterações corporais estão na moda. A
aparência é o cartão-de-visita. Mas será o ser humano escravo da imagem? Para melhorar a imagem aqui ou ali o recurso às cirurgias plásticas é uma opção a que muitos recorrem. Algumas cirurgias fazem parte de todas as épocas mas, segundo Jaime Rocha, cirurgião plástico, “há outras que são modas”. Segundo diz, “não está na moda ter barrigas flácidas nem com alterações na sua textura [...] mas isso são modas que se modificam quase com o mercado”. Reforça: “É o mundo da moda e o marketing é violento.” O problema é quando estas cirurgias, quer estejam ou não na moda, se tornam numa obsessão. Altera-se primeiro o nariz, depois o lábio, a seguir as orelhas ou o pescoço, consecutivas alterações que revelam uma verdadeira dependência, um ciclo vicioso que se traduz numa insatisfação constante e onde o cirurgião assume um papel decisivo. “Há clientes que passam a vida a corrigir [...] Tem que se saber primeiro que tudo diagnosticar que tipo de personalidade temos. Há casos que é preferível que o cirurgião diga: “ Eu não vou operar esta pessoa”, porque ela vai sempre descobrir uma vírgula ou uma coisa qualquer, porque vive uma imagem fixa no espelho, então essa pessoa é uma eterna insatisfeita”, explica Jaime Rocha. Riscos e preconceitos da cirurgia plástica Na cirurgia plástica não é o doente quem define os riscos. As suas debilidades enquanto paciente têm uma relação directa com os riscos que pode correr e que são semelhantes aos que estão presentes em qualquer intervenção cirúrgica. “ Se for seleccionado um doente que não sofra de patologias, a cirurgia estética não tem riscos acrescidos a uma cirurgia normal, agora se a pessoa for hipertensa, diabética, se tiver muitas alterações do seu organismo, terá que ser ponderada a cirurgia”, comenta. O risco da cirurgia plástica num corpo saudável não se pode prever. À partida não existem riscos e o cirurgião Jaime Rocha compara este possível perigo com a imprevisibilidade do dia-a-dia “Se a pessoa for saudável, o risco da cirurgia é igual ao de atravessar a rua e ficar debaixo do automóvel, ninguém pode fazer uma prevenção sobre isso.” Os preconceitos são muito associados a este tipo de cirurgia. São vastos os ex-
emplos de figuras públicas que aplicam implantem mamários e optam por esconder ou não admitir logo esta alteração. Mas porquê esta dificuldade em admitir as alterações estéticas? Jaime Rocha explica este embaraço ao assumir a alteração cirúrgica identificando-o como um problema psicológico. “Preconceitos envolvem um problema tão grande de psicologia e de definição de personalidade. Há pessoas que aceitam a cirurgia estética, outros que condenam. Cada ser humano tem o direito a gostar de si […] É respeitável a vontade das pessoas e os preconceitos são subjectivos, haverá sempre opiniões divergentes na sociedade em que vivemos.” A cirurgia plástica pode ser um passo importante para que cada um goste mais de si mas querer uma alteração é diferente de se objectivar uma autêntica transformação. Susana Azevedo Catarina costa Joana castro silva
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Obsessões e fobias à luz da ciência «As pessoas têm uma necessidade imensurável de controlar.»
contar mentalmente o número de passos que dá ou o número de escadas, às vezes não é tão evidente para o exterior. Noutro caso, as obsessões também podem ser através de pensamentos de forma obsessiva em determinadas situações, como há certas pessoas que ouvem como se fossem umas “vozes” se não realizarem determinada tarefa de uma maneira que algo de mau irá acontecer, o que lhes cria uma enorme ansiedade.
Rosana Santos trabalha no Gabinete de Aconselhamento Psicológico e Pedagógico da Câmara Municipal da Maia, como Psicóloga Coordenadora. Para esta entrevista, colocámos dois temas em cima da mesa: obsessões e fobias. Ao longo da entrevista, fomos percorrendo os meandros das duas perturbações que afectam muitas pessoas em Portugal. Por: Ana Guedes e Célia Paula
Ágora: Como se pode detectar um comportamento obsessivo? Será mais fácil a pessoa detectar isso nela própria ou por via de outrem? Rosana Santos: Depende dos casos. Existem comportamentos mais visíveis e outros menos visíveis. Por exemplo, se uma pessoa volta constantemente para trás a verificar se fechou a porta e alguém notar é visível. Ou se, por exemplo, alguém estiver a
Á: O perfeccionismo pode levar a transtornos obsessivos? R.S.: Perfeccionismo pode sim levar à obsessão, mas muitas vezes não se sabe se o perfeccionismo é a causa ou a consequência. Muitas vezes, uma pessoa perfeccionista pode desenvolver um tipo de perturbação e o mesmo acontece ao contrário. Como exemplo, temos uma criança que está a fazer um desenho e está constantemente a apagá-lo devido a um traço mal feito, é uma forma exagerada, mas não quer dizer necessariamente que vai desenvolver uma perturbação. Muitas vezes até se reflecte numa necessidade de controlo de algo. Como as perturbações alimentares, por exemplo, são por vezes consequentes da necessidade de controlar e traduzem-se no controlo da quantidade de alimentos ingeridos. É exactamente isso que acontece nas obsessões, as pessoas têm uma necessidade imensurável de controlar. Á: Existem pessoas mais propensas a este tipo de comportamento? R.S.: Todos nós, como humanos, “carregamos” vá-
rias heranças genéticas e educativas. Muitas vezes tornamo-nos como “cópias” dos que nos ensinaram ao longo da vida, uma vez que temos tendência a reproduzir os nossos “modelos”. Tudo isso vai interferir no nosso desenvolvimento psicológico. Nestas situações de comportamentos obsessivos não há uma causa, mas múltiplas causas.
Á: Quais são os tipos de tratamento possíveis? R.S.: Não me vou alargar muito na farmacologia, que é da competência médica, mas esta pode ser fundamental na melhoria destas perturbações.. Muitas vezes, através da medicação as pessoas terão algum tipo de benefício. Apesar disso, existem certas metodologias que se podem utilizar, ao nível da psicoterapia, para efectivamente ajudar as pessoas a lidar com este tipo de comportamentos. Não são os medicamentos que vão dar às pessoas ferramentas para lidar com os seus problemas. Á: Mas estão esses géneros de terapias vão atenuar os comportamentos obsessivos ou as pessoas irão ter que viver com isso toda a vida? R.S.: Na minha opinião, é muito difícil para nós, resolvermos estas questões de uma forma definitiva. Estas situações têm a ver com o “lidar com”, cada um de nós tem que arranjar estratégias para lidar com determinado tipo de situações. Efectivamente é necessária a predisposição de cada um, para que em momentos problemáticos a ansiedade não volte a assumir contornos altamente
perturbadores. Á: Todos nós temos uma ideia do que são fobias, mas o que são elas verdadeiramente? R.S.: Quando pensamos em fobias temos que pensar essencialmente numa coisa: a fobia é um medo exagerado. A função do medo numa pessoa é também uma função protectora. “Por medo de, temos cuidado com”. Normalmente com as fobias isso não acontece. As fobias paralisam a pessoa. O que acontece é que as pessoas não conseguem ultrapassar o “cerne” do seu medo, mas aí já é caracterizado de fobia. Portanto pode existir uma fronteira sobre o que é “norma” e o que é uma perturbação. Por exemplo é positivo, eu ter medo de atravessar a linha do metro sem olhar, mas não é normativo nem positivo eu dar a volta a todo o distrito do Porto só para não atravessar a linha do metro (isto seria exagerado).
Á: Em que medida estes problemas afectam o quotidiano das pessoas? R.S.: O problema das fobias é que criam desconforto e mal-estar físico e psicológico e fazem com que as pessoas deixem de viver o seu dia-a-dia de forma funcional e adaptada. Á: O que é uma fobia social? R.S.: É uma fobia relacionada com situações sociais, como por exemplo a exposição a outras pessoas ou falar em público, cujo “medo” leva ao evitamento das situações. Mais uma vez, na minha opinião, o cerne da questão está no facto de interferir significativamente na vida quotidiana.
Ágora 12 | 23 . Julho . 2011
O Círculo do Vício Paira uma intensa nuvem de fumo. Luzes intensas contracenam com a solidão de muitos jogadores de casino. Ouvem-se palavras sussurradas, por entre o toque metálico das máquinas. É uma espécie de banda sonora de esperança. Ou desilusão… Deixando para trás a névoa fria da noite, entramos no calor sedutor do Casino Espinho – Solverde. Na entrada, a sensação de um ambiente tentador espreita. Somos então envolvidos num magnetismo e entramos no espaço de ilusão. O jogo é um modo de fuga para o dia-a-dia problemático dos portugueses. O póker, a sueca, o dominó e as slots machines geram entusiasmo na maioria das pessoas que procuram estes meios para entertinimento. Em tempo de crise, o jogo é o visto cada vez mais como um segundo rendimento, uma forma de lucrar, que nem sempre é conseguida. Recentemente a revista “Science” publicou que “a desordem comportamental mais semelhante à dependência das drogas, é o vício do jogo”. O vício leva muitos a perder as suas poupanças e o seu rendimento mensal, transformando crises financeiras em crises familiares. Uma jogadora contounos, “Vir ao casino, é um hábito que tenho há vários anos e não dispenso o prazer que sinto ao jogar”. Confrontada com os vícios do jogo, afirmou saber os riscos que corre “mas um jogador não desiste”. Questionada sobre o lucro que tem em casas de jogo, referiu com um sorriso “sorte ao jogo, azar no amor”.
O poker da vida Nuno Gonçalves, jogador de 23 anos, dedica-se inteiramente ao jogo do poker. Assume-o como um trabalho, encara-o como uma profissão. Refere que é do poker que gosta de viver, estuda-o como se fosse uma ciência e aposta nele como um modo de vida de forma a obter rendimentos. Admite que é um viciado no jogo? Se eu considerar o tempo que gasto a jogar, poderei ser considerado um viciado. Mas também consigo passar largos períodos de tempo sem sentir necessidade de jogar. Jogo como se estivesse num trabalho dito “normal”. Considero-me tanto viciado como qualquer outro desportista que tem os seus rendimentos através do desporto praticado. Como surgiu esse vício? Surgiu através de amigos. Depois surgiu o interesse e é então que descubro o poker online. Comecei a jogar a dinheiro fictício e quando achei que já estava num nível aceitável para arriscar dinheiro real, depositei 10 euros e começou assim o tal “vício”. Para si, o que é o vício do jogo? É quando uma determinada pessoa começa a jogar sem ter noção dos gastos que está a ter; quando começa a ter problemas sociais que surgem por não conseguirem desligarem do jogo; quando o corpo e a mente sentem falta de jogar.
Quais as consequências do vício? Pessoalmente foram positivas, consegui ter ganhos monetários satisfatórios. Conheci pessoas que me enriqueceram socialmente. Ganhei métodos de estudo (eu estudo o jogo para evoluir) que me poderão ser úteis no futuro. Negativamente considero o cansaço que ao fim de uma sessão de 8 horas de jogo se apodera do corpo, mas claro está, um indivíduo que trabalha no seu emprego 8 horas por dia presumo que sentirá o mesmo. O que poker?
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O dinheiro que ganho. É uma excelente forma de ganhar a vida. Mas só uma minoria é que consegue. O não depender de uma entidade patronal para ganhar dinheiro e não ter horários fascina-me. A longo prazo poderá surgir um reconhecimento público do que eu faço e isso também é atractivo para mim. Quantos de nós não se sentiriam satisfeitos por ter reconhecimento pelo seu trabalho? Qual a diferença entre o poker online e o jogado no casino? No poker online podemos jogar em várias mesas ao mesmo tempo e no casino apenas numa. Os lucros são obviamente diferentes porque no casino estamos restritos. No casino observamos expressões faciais dos outros jogadores e no online não. Outra diferença é que no online podemos usar programas (legais) que nos ajudam no nosso jogo.
No poker e em qualquer outro jogo, é importante saber parar? Por vezes temos que parar para pensar, tanto quando corre bem e principalmente parar quando corre mal. Quando estamos a perder dificilmente irá haver retorno. Mentalmente ficamos mal e só parando é que podemos recuperar. Existe uma evolução por parte dos jogadores portugueses de poker? Há muitos jogadores a dedicarem-se ao poker em Portugal. André Coimbra, João Barbosa, Luís Medina, Henrique Pinho, Carlos Oliveira… são nomes que estão no top mundial. A sua família e amigos têm conhecimento que é jogador de poker? Sim. Apesar de vivemos numa sociedade onde este estilo de vida é por vezes condenado, tenho sentido apoio das pessoas que me rodeiam. No entanto eles preferiam que eu tivesse outro tipo de vida. Filipa Seara Cardoso Helder Pereira André Monteiro João Rocha
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Shopaholics viciados em compras Anos e anos a viver apenas com o que era extremamente necessário, eis que chegamos a uma era em que estamos entregues ao consumismo. Dia após dia somos invadidos pelo marketing e pela publicidade, o ser humano tornou-se muito mais vaidoso e ambicioso.
23 . Julho . 2011 |
Ágora 12
T: A minha vida no geral. Sempre tive tendência para deprimir facilmente. Tudo T: Desde cedo que gastava era um problema e tinha muito dinheiro em malas, constantemente crises de sapatos, roupa, enfim,uma choro, lamentava-me da série de coisas que todas as vida que tinha, do trabalho, mulheres gostam. O proble- nos amigos, de tudo. Nas ma, foi quando arranjei o épocas que estava sem nameu primeiro part-time, que morado ainda era pior. Acho inicialmente era para juntar que quanto menos tinha no algum dinheiro, foi, duran- que pensar, mais me tentate meses, gasto em roupas va distrair nas compras. No e outras coisas desneces- fundo, via naqueles trapos, sárias, e, aí, os meus pais a companhia que me faltacomeçaram a avisar-me que va. tinha de controlar os gastos, mas eu achava normal. Aos Acredito que agora tenha 23, quando comecei a tra- alguns truques para que não balhar a full time é que foi haja uma recaída em mopior. O ordenado era maior e mentos de crise. Pode desos gastos também. Cheguei vendar-nos algumas delas? inclusive a pedir dinheiro emprestado aos meus pais T: Não ter crises (risos). para estes luxos, e foi aí que Tentar minimizar os proeu percebi que não conse- blemas ao máximo, e disguia largar este vício e uma trair-me com outras coisas. psicóloga amiga começou a Ir passear, ir ao cinema, ir avisar-me que estava peran- tomar café com os amigos, tudo serve. te um problema.
comprar mais uma peça cobriu que era oneomaníaca? nova. “Isto condiz mesmo bem com o vestido que comprei a semana passada”; “está tão barato que não dá para resistir”; “está a 50%, aproveito e levo dois”; “a minha actriz favorita também tem um, vou ter de levar” - são apenas algumas expressões utilizadas por estes dependentes do vício de comprar sem parar, o que, começa a preocupar cada vez mais famílias quando estas compras as fazem contrair dívidas preocupantes.
Comparada ao vício do jogo, a dependência pelas compras começa a ser factor de estudo pela medicina, nomeadamente pelos psicólogos e psiquiatras, sendo que, na Alemanha, existe já uma clínica que trata este tipo de dependência cada Tal como em todos os ouvez mais comum. tros vícios, o primeiro pasMulheres entre os 20 e pou- so é admiti-lo para depois cos e 30 e muitos anos, são se procurar a ajuda de um o alvo principal desta de- especialista, mas, há que pendência. Com uma vida ter cuidado redobrado, pois, emocioal muito aquém do ao contrário do álcool e das desejado, com dificuldades drogas, é um vício muiem se imporem pela sua to mais fácil de esconder. personalidade, e, por norma, QUEM DIZ ISTO???? muito dedicadas à sua vida profissional, este é o perfil De ano para ano, o número de oneomaníacos dá um da viciada em compras. pulo, e o número, começa já Esconder do seu núcleo a ser preocupante, existindo familiar e de amigos, o nú- já mais de 15milhões de vimero de vezes que vão ao ciados em compras. shopping, e ainda, os valores monetários dispensados Tânia ????, é um exemplo em roupas, sapatos, aces- de quem vive para usar e sórios, artigos decorativos abusar das compras. Com para a casa e outros artigos dezenas de sapatos usados sem fim é uma constante no uma única vez, telemóveis dia a dia destes viciados que topo de gama e um quarto têm receio de ser recrimina- decorado ao pormenor, esta mulher de 26 anos revedos e descobertos. la que teve uma depressão Com dezenas de peças por causada por esta dependênestrear, os também chama- cia. dos de oneomaníacos, usam centenas de desculpas para Tânia, com que idade des-
Quando ia a um shopping conseguia entrar sem levar alguma coisa? Com que regularidade ia?
E agora, sente-se completamente recuperada?
T: Sem dúvida. Sou uma nova mulher e até me acho T: Sempre que podia. Tinha capaz de dar conselhos a a vantagem de morar perto outras pessoas. de um shopping então quase todos os dias ia. Quando não podia ir ao shopping tinha de entrar num supermercado para comprar qualquer coisa. Um creme, um champô, mais umas compras para o frigorífico, qualquer coisa servia, desde que comprasse. Qual o factor que desencadeou esta dependência?
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Ágora 12 | 23 . Julho . 2011
Precisei de um vício
Precisei de um vício
A memória é um elemento misterioso. Aproxima-nos de qualquer coisa que talvez não recordemos sequer. Odores indistintos que nos incitam a entrar em contacto com dimensões oníricas, eventos e sensações impossíveis de definir mas que confusamente sabemos que aconteceram. Para um psicanalista não é particularmente importante a distinção entre a mentira e a verdade. A mentira pode ser igualmente interessante, eloquente, reveladora. Aliás, entendamonos: a mentira é sempre mais interessante do que a verdade. A verdade é como vem, como se dá. Desconfio sempre de um indivíduo que diz a verdade. A mentira é criação, construção, detalhe. Existe numa sensação, numa intuição, numa premonição. É anunciada por um aroma, sugerida por uma folha tremente.
“As pessoas precisam de Fios / Escritores, heróis, estrelas, / dirigentes / Para dar sentido à vida…” escreveu o Rei. The Lizard King. Não era português. Era Homem. Era Strange. Era dependente da Vontade. Viciado na Loucura. A vontade vicia. A loucura faz depender. Hoje, reduziram-se os consumos. Já ninguém se perde por loucura ou vontade. É pesado. Pois.., vocês tem a razão, estão melhor assim. Têm os fios. Mas e eu? Não resisto. Não me canso de vertigem. Ainda bem que ninguém os quer. São vícios reles porque não dão sentido prá vida. Dão Nada. Bem, a vida tem sentido? “As pessoas precisam de Fios / Escritores, heróis, estrelas, / dirigentes / Para dar sentido à vida…” Pronto. O Homem é dependente, e depois? O
Não condescendo a uma experiência de algum modo desagradável, no plano estético, plástico. Pelo que sou susceptível à verdade. Para além do divertimento de criar personagens, situações, mundos, de sobrevoar banalidades inexpressivas da vida que passa, há também uma satisfação profunda, secreta, e despudorada na mentira: algo intimamente relacionado com a lenda de Narciso e com a sedução de um poder quase divino. O mentiroso tem sempre algo de divino. O mundo fascina-me no que tem de psicológico. As marionetas sentem-se confortáveis na sua condição de marionetas, quando o marionetista é um bom marionetista. Fellini nasceu um mentiroso, eu não. Precisei de um vício para me lembrar que sou humano.
Porto, Julho 17
ORA DIGA-NOS
Na rua, alguns preferem não falar, outros lá vão dizendo o que pensam do mundo confuso e, para muitos, ainda indecifrável, dos vícios, das fobias, das obsessões e outros transtornos. Entre a esplanada de um café e a entrada de uma praia, sempre em passo apressado, algumas pessoas foram falando com o Ágora e partilhando as suas opiniões.
Iva Gomes 48 Desempregada
Mickael Moreira 18 Anos Estudante
Susana Moreira 19 anos Estudante
Sofro de depressão há vários anos e estou dependente dos medicamentos que tomo para tratar esta doença. Considero que as pessoas que dizem ser viciadas em compras ou operações plásticas são apenas pessoas excêntricas e não sofrem de nenhuma doença social.
Para mim dependência é um vício uma fobia é um trauma. Há dependências na nossa idade como o Facebook, há jovens que passam o dia nas redes sociais a ver o que os amigos vão publicando, são dependências que hoje em dia estão ao alcance de todos.
Uma fobia é uma ansiedade exagerada a dificuldade de ultrapassar qualquer obstáculo, pessoas ou situações. Eu por exemplo tenho fobia a cães e não supero esta fobia. As pessoas muitas vezes recorrem ao ses vícios pois encontram neles as portas de saída dos seus problemas.
que há a seguir? Não, não é o resto. É o a seguir. ? Ah, já me esquecia! É que as crónicas de merda também tem vício, acabam sempre aqui. No ponto final.
ÚLTIMA
Ágora 12
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