Andrews é um mago poderoso de feições sábias, possui longas e esbranquiçadas barbas que lhe transmite ares de nobreza. Em seu rosto nota-se uma vasta cicatriz embaixo do olho esquerdo. Sempre conta histórias para os jovens de Zarépt sentado em sua rústica cadeira de balanço. De pé, ao lado do feiticeiro, está seu mais novo aprendiz da magia com a pedra azul reluzente repousada em pequenas mãos. -“Mago Andrews, nos conte uma história.” pedem as crianças. -“Sim, é claro” responde ele com sereno sorriso “Afinal, mil e duzentos anos
de vida me deixaram com muitas. Hoje irei contar-lhes a que, talvez, sempre quiseram ouvir. Minha história: a de oito magos e um único feitiço”...
Rafael Costa
Capítulo 1
O convite Agosto de1991 Em uma cidade chamada Belo Horizonte, acontece algo diferente. Um bebê recém-nascido é encontrado na calçada de uma avenida movimentada, correndo sério risco de vida ele é levado à porta de um orfanato. Não que isso seja muito fora do comum, afinal ocorre a todo o momento pelo mundo. Mas nesse caso a coisa chamava atenção: A criança, vestida com roupas medievais bordadas à mão, estava deitada no chão e toda encharcada, estranho sendo que não chovia naquela noite. Chorava muito. -“Pobre diabo...” disse Lurdes – responsável pelo orfanato. Senhora robusta, têm olhos negros e cabelo opaco na cor marrom. Imaginava que os pais da criança fossem tão pobres que até tiveram de fazer suas primeiras roupinhas. -“Lurde, olha só!” comentou seu irmão que a acompanhava. Ele aponta para um broche de prata preso à gola rasgada. Era realmente uma linda joia brilhante em formato de dragão contornada por pedras preciosas e caras – imaginavam. O nome do irmão é Marco, pulcro e não muito jovem, é um rapaz ao estilo do interior, simples e de sotaque mineiro forte. Tem pele escura e olhos verdes. Era óbvio crer que ela venderia a bela peça, pois devia valer muito dinheiro e eles não estavam lá em boas condições financeiras. Mas, ao virála, ela se deparou com o nome “Andrews L.F” gravado. No momento ela pensou ser o emblema de alguma ascendência, mas que tipo de família com até brasão abandonaria um bebê? Ainda mais naquelas condições? Um fato muito curioso. Então o acolheu como fizera com todos os seus vários outros órfãos. Resolve não vender a joia. -“Vamos entrar Marco.” dizia ela com o bebê nos braços.
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Oito Magos e um Feitiço Outubro de 2003 Com passar do tempo o jovem garoto, batizado de Andrews, começou a crescer com uma diferença dos seus irmãos e irmãs – como se tratavam – Desenvolvia sobrancelhas diferentes, uma era castanha e fina, enquanto a outra era loira e grossa. Sua infância era meio perturbada: primeiro pelas sobrancelhas que enchiam suas manhãs de risadas maldosas e de mexericos a cada jantar; depois pelo seu nome que todos zombavam ser horrível – o que é comum numa região de Joãos, Zecas e Joaquins. Andrews é um jovem esbelto, pele clara, tem olhos cor castanho, cabelo marrom e estatura mediana à idade. Algo interessante é ele sempre mostrar muito mais gosto que os outros jovens por contos no geral. Contos de fada, principalmente, eram tudo pra ele. Sempre que podia lá estava ele com um livro de histórias debaixo do braço, mesmo que às vezes não entendesse o significado de algumas palavras, pois só de ver as figuras ou pelo simples fato de saber que o mesmo tratara desse tema era suficiente para alegrá-lo. O momento que mais gosta na semana é no sábado anoite, quando Lurdes pega seu enorme livro e lê uma das várias fábulas para todos reunidos na sala. Era sempre o que ficava à frente, com os olhos vidrados, os joelhos rígidos e os ouvidos captando cada detalhe de tudo vindo da diretora, para ele era sublime. Como todo órfão, Andrews gostaria muito de ter um lar, uma família, irmãos de verdade, mas, principalmente, adoraria conhecer seus pais. Tem interesse especial em sua mãe, ele mesmo não sabe ao certo porque, mas sempre sentiu isso – talvez fosse pelo tradicional pensamento dos jovens em relação ao amor materno, ao colo de uma mãe. Pensava muito neles. Gosta de crer que tiveram motivos justificáveis para deixá-lo. Imaginava-os vindo com sorrisos estampados em seus rostos, convidando-o a um confortante abraço. O que sempre acalorava suas esperanças era o broche de prata que lhe pertencia. Lurdes o contou sobre a joia, naturalmente não deixou com ele por segurança, mas prometeu entregar-lhe logo que crescesse. Ver o broche, mesmo que ao longe na
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prateleira de Lurdes, pra ele era fascinante. Mas o tempo desfavorecia seus desejos, afinal, ele já havia completado doze anos e nada de mãe ou pai surgia aos seus olhos. Nem sequer outra família querendo adotá-lo. Isso o preocupava, pois todos ali sabiam que quanto mais velho se ficava, mais difícil é a adoção. Certa manhã, todos das redondezas estavam nas ruas, observavam a chegada de um circo internacional chamado Zarépt. Ele é reconhecido no mundo inteiro por produzir os melhores efeitos visuais durante suas apresentações, estava comemorando o seu décimo segundo aniversário. É coordenado por Xam Laho – um famoso mágico que tem interesse pessoal em agradar as crianças. No orfanato, todos explodiam de emoção vendo o desfile circense que passava logo a sua porta. Andrews se espremia entre os outros na esperança de ver melhor alguma coisa, mesmo que fosse detrás das grades do portão já se daria por satisfeito. Todos o empurravam de um lado a outro e nada pôde ver, apenas ouvia o badalar de sinos, o estouro de fogos e o bumbar dos tambores. Lurdes estava conversando lá dentro com a cozinheira, falavam sobre o circo quando um ser pequeno esverdeado e de orelhas pontudas entra pela porta dos fundos, pulava e cantarolava. -“Muito, muito boa tarde, senhoras!” dizia ele. A mulher, boquiaberta, não sabia o que dizer ou fazer – se achava ruim de alguém entrar no orfanato dessa forma ou, talvez, pelo fato de nunca ter visto um duende tão perfeito antes, sorrir. Opta pela segunda opção, ela dava risadas ao perguntar: -“A que devo a honra da visita, senhor duende?” ouviram-se risos da cozinheira. -“Vim trazer-lhe este convite” responde ele “para todo o orfanato
comparecer gratuitamente hoje anoite na nossa única apresentação por aqui! É para TODO o orfanato, sem exceção, ou perderão o direito da entrada...” estendeu-lhe um envelope preto pérola. Lurdes pega o convite do pequenino que em seguida sai aos pulos pela janela da cozinha.
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Oito Magos e um Feitiço -“Espere!” gritou Lurdes se aproximando da janela “Você quer que
todos estejam lá? Mas tenho duas meninas doentes e elas não poderão ir.” O duende para, coloca a mão no queixo e responde: -“São meninas a senhora disse? Pois bem, elas podem ficar.” Depois seguiu pulando como um sapo. Logo ela desmorona aos risos com sua amiga, para elas, ele não passava de um excepcional artista circense bem disfarçado. Naquela tarde, Lurdes comunica as crianças sobre o evento. Todos pulam de emoção e correm a se aprontar, enquanto ela e seu irmão Marco organizavam a lista de chamada para não haver nenhum problema tanto na ida quanto na volta. -“Como vamo leva tudo isso de criança?” perguntou ele. Não havia pensado nisso, realmente o orfanato não possuía meio de transporte, apenas o fusca velho do marido da cozinheira, no qual, mal cabiam cinco dos mais de quarenta órfãos. Como mágica, logo em seguida à pergunta de Marco, um ônibus circense buzina estacionando frente à calçada, estava cheio de luzes e brilho por toda volta. Os dois olham pela janela, Lurdes estica a face ainda mais boquiaberta ao ver novamente o pequeno duende, desta vez ele estava cantando e pulando em cima do ônibus. Naturalmente ela acha estranho tanto cortejo para apenas alguns órfãos, mas não vê motivos para negar a carona, ainda porque Xam possuíam autorização legal da prefeitura da cidade para tais atitudes – segundo no verso do convite. Alguns minutos depois e todos estavam dentro do ônibus a caminho do famoso circo. A alegria estava contagiante durante o passeio que se animava mais e mais com as brincadeiras do duende ao lado do motorista. Andrews estava na penúltima cadeira do ônibus, ou seja, bem longe do pequeno bagunceiro. Lurdes conversava com Marco logo atrás do garoto sentada na última cadeira. Um dos meninos que muito perturbava a ordem ali pelas poltronas, aproveita a ocasião para tirar sarro do irmão de orfanato.
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-“Hei pessoal!” gritou ele “Quem sabe Andrews não consegue um
emprego no circo como a aberração das sobrancelhas!”. Os risos a seguir foram inevitáveis, eram altos e repetitivos. Desta vez o garoto não baixou a cabeça: -“Cale a boca!” disse levantando-se, corria em direção ao menino. Todos levantam de seus lugares e fazem montinho em cima dos dois engalfinhados no corredor ladeado por assentos. -“Briga, briga, briga, briga!” gritavam. Lurdes e Marco correm pelo ônibus em direção ao tumulto. O duende, na frente, larga a cartola que segurava brincando e se aproxima. -“Parem! Pare Andrews!” gritava a diretora segurando o menino que havia zombado, enquanto Marco levanta Andrews. O anãozinho organizava todos de volta em seus lugares quando seus olhos fixam em Andrews, o fitava com tal fervor que fica evidente ter percebido algo. Ele simplesmente não piscava paralisado. O garoto até se sente um pouco constrangido com o jeito que olhava. Mas, subitamente, ele disfarça e continua a cantar, só que desta vez mais alto e mais contente. Ninguém notou o que houve ali, apenas o jovem já sem graça. Andrews percebe que o duende orelhudo acelerava o motorista algumas vezes olhando para trás.
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