Desvoar
Maíra Ferraz Lembra da primeira vez que te ensinaram a voar? Que te disseram exatamente como um voo deveria ser? Os pés fazendo pequenas incursões na terra para pegar o impulso necessário, o corpo inclinado para frente, na iminência de sair do chão. Um método científico sistematizado por etapas. Meus olhos acompanhavam os movimentos orquestrados, uníssonos, para depois enviá-los em frente ao espelho. Mas meu corpo sempre arqueou ridiculamente. Eu sequer sei usar meu corpo para sentar, andar, transar. Que dirá voar. Aqui, nesse milímetro de terra circunscrito nos meus pés, revoo para dentro com a ferocidade de quem parece incapaz de movimentar-se fora da abstração da consciência. Overdoses e overdoses de mim tentando tatear o jeito do meu voo. O jeito do meu voo é tosco, jocoso. Meu voo tem língua presa e rubor nas maçãs do rosto. Meu voo tem coração acelerado e mãos suando. Meu voo é temeroso e muito surpreso com tudo que avista nos céus em que ousa planar. Mas, tudo o que me ensinaram sobre as técnicas de voar em linha reta me fez imaginar um movimento glorioso, inédito, externalizado, sempre um voo em progressão, que poucas vezes consegui imitar. As palavras que descrevem um voo pareciam tão cintilantes que me faziam sentir estrela apagada, estrela morta e incrustada na areia, olhando do fundo a revoada alheia. Mal sabia que um voo feio ainda é um voo. Um voo tosco e jocoso ainda é um voo, desvio, desvoo. Eu repito até perder o