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Depois da chuva
Lucia Helena Alfaia de Barros
A chuva corre impetuosa nos telhados, faz barulho e apressa o banho dos pombos que passeiam pelos muros. Forte faz desaguar meus pensamentos, fraca, ajuda fluir o tempo da criatividade, cadenciando o movimento das palavras que saltam para o papel e brotam a leveza da escrita.
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O som da chuva faz revoada em minhas lembranças, retorna ao meu lugar de afetos coletivos, o quintal, com as histórias vividas e tecidas na infância. Imersa, a memória potencializa a escrita, movimento apreciador do criar brincante, desígnio da humanidade escondida sobre a janela molhada no meio da tarde, com sentidos atentos aos cheiros cotidianos exalados e aos sujeitos multicores que trafegam molhados no asfalto escuro das ruas.
Maracanãs assanhados balançam os galhos da mangueira anciã, curvada, quase descendo da calçada e conversam coletivamente, competindo com o som da chuva; famintos bicam o fruto maduro, jogam o caroço nas calçadas e gargalham uníssonos satisfeitos com o abundante banquete.
De voo altivo sabem que podem chegar cada vez mais alto e permitem a metáfora com os sonhos humanos, que almejam longo alcance para a reverberação de inspirações e palavras. A chuva percorre os devaneios e comunica a potência sublime do líquido e seus diversos caminhos, deixa o exercício do recomeço, da revoada certeira, fortalecida pelo passado e ávida pelo presente.
Depois da chuva a memória tem cheiros: igarapés gelados, canoas deslizantes, mingau de milho branco e café com beiju; depois da chuva os pensamentos seguem pelos caminhos do umbigo enterrado no quintal materno e sorriem para as conquistas e merecimentos advindos das heranças sagradas e educativas da convivência cotidiana.
Após a chuva há calma, o despir livre do vestuário encharcado, liberto pelo sorrir e pelo voar. Há também a alegria contagiante dos obstáculos contornados e a certeza de seguir sempre em frente.
Lucia é professora alfabetizadora dos anos iniciais do Ensino Fundamental em Belém, integrante do Grupo Acalanto, um dos rizomas do Movimento de Contadores de Histórias da Amazônia (MOCOHAM) e estudante do Programa de Pós-Graduação em Diversidade Sociocultural (PPGDS) do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG).