Depois da chuva
Lucia Helena Alfaia de Barros A chuva corre impetuosa nos telhados, faz barulho e apressa o banho dos pombos que passeiam pelos muros. Forte faz desaguar meus pensamentos, fraca, ajuda fluir o tempo da criatividade, cadenciando o movimento das palavras que saltam para o papel e brotam a leveza da escrita. O som da chuva faz revoada em minhas lembranças, retorna ao meu lugar de afetos coletivos, o quintal, com as histórias vividas e tecidas na infância. Imersa, a memória potencializa a escrita, movimento apreciador do criar brincante, desígnio da humanidade escondida sobre a janela molhada no meio da tarde, com sentidos atentos aos cheiros cotidianos exalados e aos sujeitos multicores que trafegam molhados no asfalto escuro das ruas. Maracanãs assanhados balançam os galhos da mangueira anciã, curvada, quase descendo da calçada e conversam coletivamente, competindo com o som da chuva; famintos bicam o fruto maduro, jogam o caroço nas calçadas e gargalham uníssonos satisfeitos com o abundante banquete. De voo altivo sabem que podem chegar cada vez mais alto e permitem a metáfora com os sonhos humanos, que almejam longo alcance para a reverberação de inspirações e palavras. A chuva percorre os devaneios e comunica a potência sublime do líquido e seus diversos caminhos, deixa o exercício do recomeço, da revoada certeira, fortalecida pelo passado e ávida pelo presente.