Revoada

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Voos ancestrais Ester Corrêa

Dei-me conta recentemente de que, na minha linha ancestral, a escrita é um privilégio não experimentado por minhas avós e bisavós. Revirando os documentos de família, milagrosamente encontrei a certidão de casamento da minha bisavó paterna. Ela não pôde assinar o livro de casamento, por não ser alfabetizada. “Asignando a rogo da nobente por dizer não saber ler nem escrever” diz o documento escrito à mão, de caneta azul, no ano de mil novecentos e trinta e oito. Outro homem assinou por ela. Iniciei naquelas linhas um voo ancestral. Surgiu a necessidade da escrita da história das minhas mais velhas. Por meio da escrita poderia me tornar porta-voz das que vieram antes de mim. Uma forma de justiça e reparação que quebrava as últimas barreiras a separar minha história a das minhas avós. Mas como a gente sobrevoa o passado? Como a gente coordena as asas e ajusta o olhar? A representação é necessária, mas como fazer isso se nem toda poesia do mundo consegue captar as fortalezas que se armaram ao redor das vidas das mulheres que nunca assinaram seus nomes e histórias em um papel? Iniciei uma busca! Um voo sobre papéis e oralidades. Encontro nomes. Sobrevoo as histórias contadas. Busco cores, localizações, compartilho sabores e saberes. Teriam elas plantado alguma árvore que me faz sombra agora? Há algum resquício debaixo do solo? Não sei se um dia saberei.


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