Revoada

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Idas e vindas Karimme Silva

Sabe quando a gente tinha tempo e vontade? E quando a gente tinha escolha? Naqueles dias em que ir e vir não eram apenas verbos nem os direitos básicos de todos os cidadãos, mas as opções que tínhamos. “Hoje não, deixa pra amanhã”, era fácil pensar no amanhã, ainda que a incerteza sempre permeasse a existência. Mas havia amenidades. Havia. Uma vez me disseram para não pensar no amanhã. Tinha meus doze ou treze anos, muitos quilos a mais e a menstruação recente. De “criança gordinha” virei a pré-adolescente com curvas. Ali era um momento de deixar a infância e abraçar juventudes, enquanto eu brincava de bola na rua de casa, teria que usar absorventes. Não entendia direito essa coisa do ir e vir do sangue dentro de mim, sabia que existia, já tinha lido sobre, mas não entendia o caminho. Estava ali, consumindo processos novos e me diziam “não pensa no amanhã, pensa no que existe agora, aproveita o hoje”. Nunca fui imediatista, queria não ser obrigada a pensar hoje no amanhã. Deixei pra ontem o que hoje já não caberia mais em certeza alguma: a ideia do futuro. Olhei de novo para o hoje. Restavam alguns dias para o que seria o início do caos. Era uma tarde de segunda-feira, caía uma chuva fina. Desci do ônibus na Almirante Barroso e andei algumas ruas até a banca de revistas. Comprei uma apostila que há tempos queria, que iria ajudar com alguns estudos. Sempre fui melhor escrevendo, lendo e grifando, algo que no papel funcio-


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