Revoada

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Mestre Nato arfando nos dias Monique Malcher

Toque no meu peito, coloque os dedos cheios aqui nessa parte em que guio sua mão estranha ao toque do que não é seu, sinta a respiração que extrapola qualquer torácica caixa. Entenda que a casca do caranguejo é areia movediça. Que as anatomias perdem os títulos. O peito já não é o peito, é a gosma de meus medos, e quem voa tem tantos que não cabem em tabelas de Excel e em contas primárias de vinte dedos humanos, nem todos os humanos têm os vinte. Tenho cinquenta, cem, quatrocentos e trinta e oito. Tudo em mim é pena de ser e de proteção. Por cima do oceano, por um minuto me sinto perdida na noite em que água sempre é espelho. Prazer em lhe conhecer desconhecida criança que esmago em meu peito. Sinta o arfar, não é preparo de voo, apenas, é o instante de toda a vida que não sabe sobre sentimento e ação em suas diferenças. Nem todo pássaro é captado pelas lentes com altivez. Escondo meus brilhos em meio ao barro, dizem que nesse oco não nasce a doença de chagas, mas sinto os furos nas minhas mãos. Tenho mãos diferentes das suas, repara. Dentro de minha caixa mora Mestre Nato do Guamá, com sua alfaiataria moderna, de um lugar que os olhos de quem acha o voo coisa de privilegiados não consegue alcançar. Sou a pupila de Mestre Nato, cortando os cabelos dos atores e transformando na plumagem de figurinos que sobrevoaram o tempo. Sou o chão sujo da rua, que Nato dormiu


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