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A NÁUTICA DE RECREIO, A FIBRA DE VIDRO E O AMBIENTE

Figura 1: Cemitérios de embarcações abandonados a

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céu aberto.

Figura 2: No entanto, muitos são descartados no mar,

simplesmente fazendo um furo no casco e deixando-os

afundar num qualquer lugar da costa.

O desenvolvimento sustentável é, tradicionalmente, definido como algo que atende às necessidades do presente sem comprometer as necessidades do futuro. À primeira vista a prática de náutica de recreio parece enquadrar-se neste conceito, mas… como qualquer atividade humana, trás consequências. A fibra de vidro alimentou o boom da navegação de lazer. A resistência e durabilidade da fibra de vidro transformaram a indústria náutica e possibilitaram a produção em massa de pequenas embarcações de lazer. No entanto, os barcos que foram construídos no boom da fibra de vidro das décadas de 1960 e 1970 estão, agora, em final de vida. Quando o custo da reparação ultrapassa o valor de revenda, o “ azarado ” proprietário descarta-se do “ amado ” barquito e da responsabilidade de o manter. A acumulação constante de embarcações em fim de vida nas comunidades costeiras tem vindo a gerar discussões em torno de uma variedade de questões ambientais e económicas interligadas. Atualmente, o destino mais comum para essas embarcações envelhecidas é o aterro ou pior: o abandono em quintais, estaleiros ou nas margens de rios e canais locais. Muito pouca pesquisa foi até hoje feita sobre o descarte no mar e a preocupação é que, eventualmente, esses barcos se degradem e se movam com as correntes e prejudiquem os ecossistemas locais, acabando por se decompor em microplásticos. Este tipo de descarte por abandono implica sérios riscos à saúde humana provocados por produtos químicos ou materiais usados no barco: borracha, plástico, madeira, metal, têxteis e, claro, óleo. Além disso, o amianto (era um material amplamente empregue como isolante nos sistemas de escape) e tintas com chumbo (comumente usadas como

inibidor de corrosão), ao lado de compostos à base de mercúrio e tributilestanho (TBT) como agentes anti incrustantes. Embora não tenhamos evidências sobre o impacto humano do TBT, o chumbo e o mercúrio são reconhecidos como neurotoxinas. E depois há as reparações, geralmente feitas a céu aberto, nas margens, criando nuvens de poeira no ar. Os trabalhadores nem sempre usam máscaras e alguns deles sucumbem a doenças semelhantes à asbestose. Inevitavelmente, parte dessa poeira tem como destino a água. A fibra de vidro é filtrada por crustáceos marinhos ou acabam nos estômagos de pequenos gastrópodes ou anelídeos e entram na cadeia alimentar de animais maiores, limitando, portanto, a capacidade dos organismos de detetar presas, alimentar-se, reproduzir-se e fugir de predadores. Enterrar milhões de toneladas de fibra de vidro por todo o mundo a toda a hora é uma prática contraproducente, por mau tratamento de materiais compostos e por serem resíduos perigosos para o meio ambiente. Essas micropartículas são as resinas que mantêm a fibra de vidro unida e contêm ftalatos, um grande grupo de produtos químicos associados a graves impactos na saúde humana, desde TDAH a cancro de mama, obesidade e problemas de fertilidade masculina. Os principais membros da indústria naval europeia sugerem que as nações costeiras da UE descartem, anualmente, entre 6.000 e 9.000 embarcações de recreio. Barcos abandonados são agora uma visão comum em muitos estuários e praias, vertendo metais pesados, microvidro e ftalatos: rapidamente, devemos começar a prestar atenção aos perigos que representam para a saúde humana e às ameaças à ecologia local.

Figura 3: Os gestores de aterros usam, geralmente, processos mecânicos simples para cortar e triturar a

manta de fibra de vidro, resinas de poliéster e material auxiliar, comprimindo-os e enterrando os restos

misturados com resíduos sólidos urbanos.

Figura 4: Onde vão morrer os barcos velhos? Por vezes, são colocados no OLX por míseros euros, na esperança

de se tornarem o problema de um outro qualquer sonhador ignorante…

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