Monte Mayor - a terra e a gente

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Director Luís Manuel Barbosa Marques Leal Coordenador Técnico Correia Góis Edição Câmara Municipal de Montemor-o-Velho Paginação Unidade de Turismo e Relações Externas | Ana Luísa Ferreira Câmara Municipal de Montemor-o-Velho Impressão Gráfica Ediliber Tiragem 500 Exemplares Capa e Contracapa Pastéis de Tentúgal, Fotografia de Ana Luísa Ferreira, Unidade de Turismo e Relações Externas, CMMV. Moeda comemorativa de 2€, designada “500º Aniversário de Fernão Mendes Pinto”, emitida pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda (INCM)

Ano 6 - Nº 11 · Setembro 2011 Periódico Semestral Dep. Legal Nº 263153/07 ISSN 1646-9844


Índice

Revisitação nos 40 anos do CITEC Deolindo Pessoa Relatório de Sondagens Arqueológicas Prévias - Obras de Percurso Pedonal Assistido em Montemor-o-Velho Flávio Imperial

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A Caça e os Caçadores Júlio Delfim Torrão

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O Esforço do Remador Carlos Manuel Henriques

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O Trajo Popular Urbano e a Moda - O exemplo da Tricana de Coimbra Manuel Dias

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Manlianenses Ilustres - V - D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osório Mário José Costa da Silva

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II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho Correia Góis

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As Misericórdias no Espaço e no Tempo Mário Nunes

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Mondadeira do Mondego Lurdes Breda

129

A Literatura Popular de Tradição Oral António Lopes Pires

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Montemor-o-Velho e o Poder Local - Séculos XIII a XVI Mónica Santa Rita

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António Correia da Fonseca e Andrade e a História Manlianense - 10 Sandra Lopes

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Editorial As finíssimas e estaladiças folhas de massa e o selecto recheio de ovos fazem uma combinação única que merece ser apreciada até à última migalha. Depois de saborear é impossível ficar indiferente ao pastel de Tentúgal e nem o júri das 7 Maravilhas da Gastronomia conseguiu resistir a tão delicado doce conventual. Também a Monte Mayor se rendeu a esta delícia gastronómica que é, inquestionavelmente, uma das principais referências do património cultural de Montemor-o-Velho e de Portugal. Fernão Mendes Pinto, ilustre montemorense, volta a estar presente nesta revista, uma vez que os quinhentos anos do seu nascimento vão ficar materializados numa moeda comemorativa que irá circular por todo o mundo. Esta é mais uma iniciativa que honra a memória de uma das personagens históricas que bastante contribuiu para a expansão de Portugal no mundo, e que surge na sequência das comemorações do quinto centenário do nascimento de Fernão Mendes Pinto. Esta edição da revista Monte Mayor - a terra e a gente reúne, mais uma vez, uma panóplia de temáticas que faz deste projecto um exemplo da multidisciplinaridade de conhecimentos e uma ferramenta essencial para todos os interessados na Cultura e na História das gentes desta nossa Terra. Continuamos a perpetuar a memória dos Homens e Mulheres que transformaram o Viver e o Sentir do concelho. Assim, o décimo primeiro número da revista dedica às Gentes de Montemor várias páginas, dos 40 anos do CITEC, a João de Alarcão, a Mondadeira do Mondego, os mortos das Guerras Peninsulares, os que fizeram parte do Poder Local Montemorense dos séculos XIII ao XVI, sem esquecer a transcrição da História Manlianense. O folclore, a literatura popular, os costumes e tradições estão também presentes nesta revista. Ficamos ainda a conhecer o relatório das sondagens arqueológicas prévias realizadas em Montemor, para a construção do percurso pedonal assistido. Boas Leituras!

Luís Manuel Barbosa Marques Leal, Dr. Presidente da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho



Deolindo Pessoa*

Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 11, 2011, 7 - 13

Revisitação nos 40 anos do CITEC Quando foi delineado o programa comemorativo dos 40 anos do CITEC, uma das suas primeiras âncoras foi a remontagem de um espectáculo, com o mesmo elenco, que tivesse marcado a vida do grupo. E uma das primeiras hipóteses foi de imediato Na Barca com Mestre Gil, de Jaime Gralheiro, a partir dos autos de Gil Vicente, e que foi estreada em 17 de Julho de 1981. A grande questão que se levanta era voltar a reunir o elenco original, dado ser grande e muitos já não viverem em Montemor, para além dos que haviam falecido. Este factor era mais marcante no grupo dos músicos, onde três (António Batata, António Mendes e Joaquim Maranha) já não podiam voltar a participar. Dos actores só António Couceiro estava impedido por esta razão, mas já em 1986 havia sido substituído pelo Nuno Castilho. Iniciado o trabalho de pré produção, em que se começou por tentar garantir o elenco original, verificou-se com alguma surpresa uma adesão bastante significativa de todos, tendo no final havido apenas duas escusas por diferentes razões pessoais. Nesta fase é justo salientar o empenho do Henrique Maranha, um dos entusiastas deste projecto e um dos produtores do mesmo. O grupo de trabalho passados 30 anos é bastante heterogéneo, englobando pessoas que nunca mais voltaram a participar num espectáculo de teatro até outras que sempre mantiveram uma actividade regular nesta área, algumas mesmo de âmbito profissional. Daí que a gestão de diferentes expectativas e disponibilidades fosse um desafio simultaneamente aliciante e assustador, pois o plano de ensaios compreendia nove semanas, com ensaios de segunda a sexta-feira, tendo cada um de participar no mínimo pelo menos em dois dias, sendo a sexta comum para todos. Na última semana ensaios diários para todos.

* - Deolindo Pessoa (Natural de Montemor-o-Velho, médico ortopedista no Hospital Pediátrico de Coimbra, fundador do CITEC, Director da Companhia de Teatro “O Teatrão” de Coimbra).

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Deolindo Pessoa

O ritmo de trabalho proposto era intenso e desgastante para alguns ou até para a grande maioria. Há que recordar que havia quem viesse de Aveiro, de Coimbra e da Figueira da Foz, depois de um dia de trabalho, para além dos residentes em Montemor. Na planificação havia quem tivesse ensaios de segunda a sexta-feira e na maioria das semanas quase todos ensaiavam três vezes por semana. Apesar de todos os receios registou-se o cumprimento da planificação acordada entre todos, respeitando as indisponibilidades apontadas previamente. Naturalmente que se registaram tensões e dificuldades, que se foram ultrapassando com maior ou menor eficácia. Mas há que ressaltar os momentos de grande empenho e partilha de trabalho que permitiram esta “revisitação”, vividos com prazer e que despertaram o gosto em fazer em quem há muito andava afastado destas andanças. Foi notório nalguns o reacender da vontade de voltar a fazer teatro. Só por isto valeu a pena todo o esforço para realizar esta produção, que em princípio esteve agendada para a Praça da República e que acabou por se efectuar no Anfiteatro Municipal, por razões técnicas. Esta contrariedade inicial acabou por se revelar até bastante aliciante e geradora de estímulos que na nossa opinião beneficiaram o resultado final. E nos dias 10 e 11 de Junho de 2011, sexta-feira e sábado, pelas 21,30 horas, o CITEC lá apresentou no Anfiteatro Municipal, em Montemor-o-Velho, a “Revisitação” de Na Barca com Mestre Gil, texto de Jaime Gralheiro criado a partir dos autos de Gil Vicente. Uma nova versão do espectáculo estreado em 1981, em que participou quase todo o elenco original. Para complementar este registo deve ser referido que as duas falhas no elenco original foram colmatadas pelos restantes elementos. Esta âncora do programa comemorativo dos 40 anos do CITEC revelou-se a todos os níveis uma escolha acertada, pois esta produção na altura iniciou um novo ciclo na actividade do grupo. Em 1980 sob o lema de “1970-1980 – 10 anos de luta e amor ao teatro” iniciou-se um período de reflexão e de trabalho interno para relançar a actividade e a imagem do CITEC. É neste contexto que em 1981 se retoma a realização duma mostra de teatro no Castelo de Montemor-o-Velho que, após muitas peripécias e determinação, se veio efectuar de 12 a 19 de Julho de 1981, com a denominação de “Semana Cultural do Concelho de Montemor-o-Velho”. Projecto que em 1982 já se passou a designar por CITEMOR (Ciclo de Teatro de Montemor-o-Velho), que embora tendo o Castelo como palco principal procurava também explorar outros espaços. E para começar um novo ciclo no CITEC nada pareceu mais indicado do que um espectáculo a partir de textos de Gil Vicente. A estreia de Na Barca com Mestre Gil, de autoria de Jaime Gralheiro, foi em 17 de Julho de 1981 e foi o espectáculo de abertura da 1ª Semana Cultural do Concelho de Montemor-o-Velho. Nesta produção participaram catorze actores, nove músicos e quatro técnicos, além da colaboração de dez costureiras. 8


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Na altura escreveu-se no programa do espectáculo: “As pessoas que conheçam minimamente o trabalho do CITEC, (…) ao saberem da montagem de “Na Barca com Mestre Gil” poderão perguntar: Quando e como surgiu a ideia deste espectáculo? Porquê a escolha deste texto dramático? Quais os objectivos desta montagem? Se na verdade o CITEC nunca tinha montada até agora qualquer texto dramático de autor português, para além dos que foram escritos por elementos seus, isto não corresponde de forma alguma a uma opção do grupo nesse sentido, mas é o resultado de factos circunstanciais que assim determinaram esta situação. (…) Nesta fase de renovação do CITEC, nada mais lógico do que retomar a actividade de teatro para adultos (que simultaneamente marca a saída da crise em que o grupo caiu em 1978 e 1979, sobretudo devido a falta de apoios oficiais a nível local e regional, e cuja ultrapassagem tem vindo a ser preparada sem pressas mas de forma segura desde 1980) com o renovador do teatro português – Gil Vicente. (…) Com esta montagem pretende-se apresentar um Gil Vicente vivo e polémico, a tomar posição sobre questões concretas da vida, porque nada é indiferente a quem sente profundamente o seu pulsar, contrariamente ao que defendem “os apologistas do cosmos tradicional”. Assim a nossa principal preocupação é tirar o pó ao mundo vicentino e trazê-lo para fora do museu onde alguns o pretendem encerrar. Atitude que sabemos à partida não agradar a toda a gente, mas que arriscamos com plena consciência. Outro ponto importante nesta montagem, é o darmos ao actor toda a importância neste espectáculo, não o embrulhando num cenário naturalista ou realista. Pensamos ser esta a melhor forma de defender Gil Vicente, apesar do risco que se corre, pois nem sempre se poderá obter a homogeneidade desejada no trabalho dos actores.”

É este espectáculo que passados 30 anos o CITEC revisita, nas comemorações dos seus 40 anos, juntando o maior número possível de elementos do elenco de então. O que de inicio parecia uma missão impossível, revelou-se uma confraternização em que se evoca um momento marcante na vida do grupo. Na Barca com Mestre Gil marcou indelevelmente a actividade do CITEC. Foi o primeiro espectáculo criado pelo grupo para explorar as potencialidades teatrais do Castelo de Montemor-o-Velho. Foi o primeiro espectáculo a ganhar um prémio a nível nacional, em 1982. Foi o espectáculo com que arrancou o CITEMOR, que desde então nunca mais teve interrupção, e onde foi apresentado em três edições (1982, 1983 e 1986). Agora, em 2011, passados 30 anos, esta “revisitação” foi um remexer de memórias, que implicou reajustamentos dadas as naturais diferenças existentes em todos os que 9


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se predispuseram a reembarcar nesta nova viagem. Assente desde o inicio que nesta remontagem não se regressaria ao Castelo, mas que se iria explorar um novo espaço não convencional existente em Montemor-o-Velho. Desafio assumido por todos com a mesma determinação em ultrapassar obstáculos, a mesma vontade em correr riscos, a mesma inquietude em experimentar, a mesma tentação de se não acomodar. Sem esmorecer na busca de passar a mesma alegria e prazer em fazer teatro. Mas nos dias 10 e 11 de Junho de 2011, no Anfiteatro Municipal, junto da Igreja da Misericórdia, a Revisitação de Na Barca com Mestre Gil teve ainda mais um outro encanto, para além do revisitar de memórias. A afluência de público, que literalmente encheu o espaço e manifestou a sua adesão ao mesmo. Com este projecto terá ficado claro que se deverá criar uma dinâmica de interacção entre esta estrutura cultural e a comunidade em que está inserida. Há que estabelecer uma relação biunívoca entre criadores e espectadores, para que as pessoas possam participar ao longo do ano em diferentes acções culturais e teatrais, de forma activa e partilhar os problemas mais prementes numa perspectiva de animação sociocultural. Acreditamos que este projecto se aproximou bastante do teatro comunitário, que é um tipo de teatro realizado por pessoas com pouca ou nenhuma experiência na linguagem teatral. Apesar dos seus conteúdos terem que assentar mais na realidade quotidiana dos que participam na experiência e nos problemas específicos da comunidade, mas a análise dos autos de Gil Vicente não poderão ser um bom ponto de partida para se reflectir sobre a realidade dos nossos dias. Neste tipo de teatro a técnica e a formação de actores é apenas um dos caminhos que podem ser percorridos. Para o aprofundamento dum teatro comunitário há que ouvir e saber ouvir, partilhar experiências, definir estratégias de acção e criar um plano de comunicação, tudo para que a cidadania se possa expandir e o debate de ideias se fortaleça para um desenvolvimento efectivo da comunidade. O importante é realizar acções mobilizadoras e capazes de manterem uma dinâmica que resista ao desalento, às dificuldades, à falta de meios, etc. O primeiro objectivo terá que ser o de definir um plano de actividades que promova a animação, a formação e a produção cultural. Um conjunto de actividades que tenha o teatro como fio condutor, criando espaços de sinergias com as várias pessoas da comunidade, onde sem barreiras possam discutir os seus pontos de vista sem qualquer tipo de inibição. Se esta “revisitação” ao Gil Vicente tiver servido como ponto de partida para um novo ciclo na criação de espectáculos no CITEC, será uma dupla satisfação e mais uma vez este texto marcará um ponto de viragem na vida do grupo.

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As memórias do passado podem e devem fortalecer a construção do futuro, com esta jornada de confraternização pretendeu-se também promover outras actividades num futuro próximo, pois como é dito no espectáculo “fazer teatro é estar de pé onde os outros estão de gatas”.

Ficha técnica do espectáculo Na Barca com Mestre Gil (revisitação) Autor: Jaime Gralheiro, a partir de textos de Gil Vicente Dramaturgia e Encenação: Deolindo L. Pessoa Actores: Carlos A. Cunha, Deolindo Pessoa, Diana Cunha, Dina Melo, Fernando Campos, Fernando Capinha, Francisco Morais, Judite Maria, Nuno Castilho, Paula Camarneiro e Vitor Filipe Músicos: António Augusto, António Correia, Bruno Morais, Carla Correia, João Amaral, José Maria, Luis Amaral, Nuno José e Tó João Couceiro Luz: Nuno Patinho Montagem: José Pedro Noronha, Nuno Patinho e Vasco Neves Cartaz: Carlos Alberto Ferrão Produção: Henrique Maranha e Vasco Neves

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Flávio Imperial*

Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 11, 2011, 15 - 27

Relatório de Sondagens Arqueológicas Prévias Obras de Percurso Pedonal Assistido em Montemor-o-Velho INTRODUÇÃO Por despacho da Sr.ª Subdirectora do IGESPAR, IP, de 24/08/2009, foi emitido parecer Favorável condicionado ao Projecto Integrado de Regeneração Urbana de Montemor-o-Velho: Ascensor Mecânico – Percurso Pedonal Assistido (Construção) – Ofício da Direcção de Cultura do Centro nº S-2009/2822, de 24/08/2009, Procº nº DRC/2009/06-10/201/PPA/3671. Do ponto de vista da salvaguarda de valores patrimoniais de natureza arqueológica ficou determinado no parecer que “todas as áreas em que, para execução deste projecto, haja necessidade de haver intrusão no solo, deverão ser objecto de sondagens arqueológicas prévias e posterior acompanhamento arqueológico de todos os revolvimentos de terras”. O Plano de Trabalhos Arqueológicos apresentado foi aprovado pelo IGESPAR, IP., por despacho do Sr. Subdirector datado de 2010/02/17.

PLANO DE TRABALHOS De acordo com o previsto nas medidas de minimização preconizadas pelo IGESPAR, IP para a obra em causa, um primeiro momento do Plano de Trabalhos foi destinado a sondagens prévias ao início da obra, ao longo do traçado do ascensor. Foram previstas cinco sondagens, para avaliação do potencial arqueológico do solo e da cota a que se encontram os possíveis vestígios com interesse arqueológico. A sua implantação teve em conta a potência estratigráfica dos locais e foi discutida em

* - Flávio Imperial (Arqueólogo da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho).

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visitas de trabalho com técnicos da Direcção Regional de Cultura do Centro e da Extensão Territorial de Pombal do IGESPAR, IP. As sondagens têm uma dimensão de 2m x 2m, tendo sido implantadas com o apoio técnico dos serviços de topografia da autarquia, tendo em conta a sua georeferenciação. Para tal foi utilizado GPS (Datum 73). Devido ao atraso na aquisição de algumas parcelas de terreno, as sondagens nesta fase limitaram-se a três e desenrolaram-se entre Novembro e Dezembro de 2010. Os trabalhos por mim realizados contaram ainda com o apoio braçal de 2 trabalhadores disponibilizados pela Câmara Municipal. Todas as sondagens não recorreram à utilização de quaisquer meios mecânicos para a sua realização.

SONDAGEM 3 A sondagem 3 localiza-se perto da zona onde o ascensor terá o seu fim, abaixo do Caminho de Santo António, em quintais há muito abandonados e cobertos de silvas e demais vegetação. Inicialmente foi necessário proceder a uma limpeza do local que, para além do referido coberto vegetal, apresentava uma enorme quantidade de lixo recente. Depois de realizada a limpeza e da implantação do quadrado iniciou-se a escavação, bastante dificultada pela abundante quantidade de raízes de arbustos, de árvores e de canas. A terra apresentava-se com muita pedra e ainda com profusão de lixo recente. A uma profundidade de aproximadamente 23 cm deixam de aparecer as pedras de maiores dimensões, bem como o lixo recente. A partir desta cota começam a surgir raros fragmentos cerâmicos disformes, bem como um ou outro osso de animal e algumas cascas de bivalves. Surgem também algumas telhas. Damo-nos também conta de pedras calcárias fragmentadas que poderiam indiciar a proximidade de maciço calcário de afloramento. O afloramento veio-se a confirmar, apresentando-se muito irregular, com a parte superficial bastante margosa, desfazendo-se ao contacto, desenvolvendo-se no quadrado a cotas entre 35 cm e 57 cm de profundidade. O surgimento do afloramento a cotas tão superficiais já era por nós esperado. Com efeito, o muro adjacente ao quadrado assenta em maciço calcário visível, que aparenta ter sido cortado por forma a criar plataforma nivelada (que, como veremos mais à frente na descrição da intervenção noutro quadrado, pode ter sido preenchida com terras vindas de outro local por forma a permitir práticas agrícolas). Tendo em conta que nada de relevante se encontrou e foi atingido o maciço calcário, deram-se por terminados os trabalhos arqueológicos nesta sondagem.

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Relatório de Sondagens Arqueológicas Prévias - Obras de Percurso Pedonal Assistido em Montemor-o-Velho

SONDAGEM 4 Esta sondagem localiza-se numa plataforma de antigo uso agrícola, plataforma essa só possível devido ao enchimento proporcionado por muro de suporte de pedra solta que se desenvolve a poente do Caminho de Santo António. Estes “quintais” são típicos do morfologia urbana de Montemor-o-Velho, espraiando-se desde a barbacã do castelo até às cotas mais baixas do aglomerado. A sondagem situa-se no enfiamento das ruínas da destelhada Capela de Santo António (foto 1). Depois de proceder à implantação da sondagem e à limpeza de preparação do quadrado, iniciou-se a escavação que revelou pedras de derrube de muro de pedra seca a poente do quadrado. Este derrube deve ser bastante recente pois a presença das pedras só se justifica numa altura em que a prática agrícola foi abandonada neste quintal. O solo apresenta-se de cor muito escura, bastante arável (o que é natural devido à utilização agrícola e veremos posteriormente que também sucede na zona da sondagem 5). Esta terra arável não regista praticamente qualquer vestígio de cerâmica, assim permanecendo até aos cerca de 30/35 cm (estrato 1 do desenho) de profundidade. A partir dos 35/40 cm de profundidade começam a aparecer pedras misturadas na terra, bem como alguns fragmentos cerâmicos informes. Detecta-se também a presença de alguns, raros, ossos de animais e bivalves. À profundidade de 42 cm, junto ao vértice Norte do quadrado, começou a aparecer terra de tom castanho mais claro, com mais areia. Começam a surgir mais frequentemente vestígios de pedra, cerâmica e pequenos ossos de animais. Aos 58 cm de profundidade a terra de cor acastanhada mais clara estende-se a praticamente toda a sondagem (estrato 2). De notar que a estratigrafia vai descendo no sentido Poente/Nascente, acompanhando o declive natural da encosta do castelo. Este segundo estrato continua a caracterizar-se por vestígios de enchimento de entulho, sobretudo nos perfis confinantes com o vértice Norte do quadrado. Junto à banquette noroeste continuou a surgir pedra de maiores dimensões e terra castanha muito clara com areia mais grossa, quase saibro. Esta área começou a estender-se a toda a referida banquette. Começam também a surgir vestígios do que se vem a confirmar ser argamassa, o que leva a levantar a hipótese de estarmos perante um derrube de muro. Decidiu-se então pela subdivisão do quadrado, por forma a preservar o eventual derrube que começava junto ao perfil poente, tentando indagar se ele se prolongava a cotas mais baixas (acompanhando mais uma vez a pendente da encosta) em direcção a nascente. Confirmou-se que a camada continuava para cotas mais baixas (até cerca 17


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de 1 metro de profundidade) em direcção à banquette SE, apresentando alguma argamassa de cal mas com pedras mais pequenas. Nesta altura começou a tornar-se claro que esta camada estaria relacionada com o desmantelamento da Capela de Santo António. Com efeito, durante os anos 30 do século passado, todo o castelo passou por grandes obras de recuperação, tendo em vista as comemorações da Restauração da Independência que decorreriam em 1940. Um dos planos passava pela recuperação total da barbacã do castelo. Com este fim, foi destruída a Igreja Nova, que ficava junto à Porta do Sol, porta que liga o castelo à zona nobre da Vila. Também à Capela de Santo António estava destinado o mesmo fim, por se encontrar erigida em cima da referida barbacã. A capela foi destelhada e parcialmente desmantelada. A demolição total nunca foi terminada (o atraso das obras já não permitiam a recuperação da barbacã em tempo útil para as referidas comemorações) e a barbacã nunca foi reconstruída. A tese de o derrube estar relacionado com a demolição ganha mais força com o facto de a sondagem se situar no enfiamento de uma zona demolida da parede nascente da capela. Outro dado a ter em conta é que, aparentemente e à vista desarmada, a argamassa presente no derrube parece ser consentânea com a que ainda se pode ver nas paredes da capela. A prova cabal de que estávamos perante vestígios do desmantelamento da capela surgiu quando apareceu na escavação uma telha ainda solidária com o enchimento de argamassa de cal que lhe servia de base. A prova de que não se tratava de uma mera coincidência a sobreposição da telha e da argamassa é dada pelo facto de a argamassa apresentar claramente o negativo da telha. Esta telha deveria fazer parte do beirado duplo da capela, onde os dois níveis de telha seriam agregados com a referida argamassa de cal. A explicação para a quantidade de terra arável acima do desmonte foi-nos dada por um habitante local, que nos referiu que em finais dos anos 30, início dos anos 40 do séc. XX foi trazida terra das zonas baixas do campo (agrícolas por natureza) em ceirões transportados por burros. A mesma pessoa referiu-nos que em todo o terreno se praticava agricultura, tendo ajudado o seu pai nas culturas de milho e videiras. O desmonte do derrube não revelou nada de significativo. A partir de cerca dos 90 cm do lado poente da sondagem deixam de aparecer a argamassa e as pedras do derrube. Este terceiro estrato, por baixo do derrube, apresenta uma terra muito escura, compacta, com alguma cerâmica comum, de cozinha. Surgem também alguns ossos de animais e cascas de bivalves. Neste estrato, sensivelmente no centro da sondagem e a uma profundidade de cerca de 95 cm surgiu um prato côvo (com vestígios de combustão no exterior), partido sensivelmente ao meio, com a parte superior virada para baixo em sobreposição ao resto do prato (foto 3). Este prato, pela sua tipologia, parece remontar aos sécs. XIV/XV. Quando tratarmos da descrição dos trabalhos da 18


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sondagem 5 apresentaremos hipótese explicativa para o aparecimento de cerâmica e restos osteológicos nesta área. Por volta dos 105 cm de profundidade no perfil NO começam a surgir novamente pedras de grandes dimensões. A camada de terra mais compacta acaba por se encontrar no meio destas pedras, possivelmente devido a escorrências. De referir que só se regista no perfil NO, não existindo pedras desta dimensão nos outros perfis da sondagem. Além das pedras de maiores dimensões registam-se também fragmentos cerâmicos (aparentemente de cerâmica de construção), bem como alguns vestígios de argamassa. Pensamos que se tratará de um derrube também. Há documentação de D. Fernando em que este ordena o derrube de casas que se foram encostando à muralha, retirando-lhe capacidade defensiva e tornando-a mais “permeável” a ataques. As casas foram-se apropriando do espaço extra-muros (ao encostarem-se à muralha poupavam a construção de uma parede) devido ao tempo de alguma paz que se vivia. Mas, como sabemos, o reinado de D. Fernando foi uma época conturbada, pelo que as preocupações militares e de defesa se voltaram a avivar. Pensamos que a destruição das referidas casas ordenada pelo monarca se enquadra neste contexto. Além do derrube, D. Fernando promoveu ainda a construção da barbacã. Aliás, há zonas em que estas duas diferentes mas contemporâneas acções são bem visíveis: é possível verificar que, por vezes, a barbacã assenta sobre uma camada de destruição (com inúmeras telhas, penso que provenientes referida destruição de casas adossadas à muralha) que, por sua vez, se encontra mesmo por cima do afloramento. Por isso, estamos em crer que este derrube pode ser contemporâneo dos factos acima descritos. Não foram encontrados vestígios que permitam uma datação directa do derrube, mas o facto de o prato côvo (séc. XIV/XV?) ter sido encontrado a uma cota um pouco acima pode corroborar esta hipótese. De salientar que o derrube se encontra mesmo acima do afloramento calcário. O afloramento desenrola-se entre profundidades de 120 cm (perfil NO) e 140 cm (perfil SE). De referir que esta sondagem (comparativamente com a 5, como veremos adiante) revelou muito poucos fragmentos cerâmicos.

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SONDAGEM 5 A sondagem 5 foi implantada no enfiamento do Paço das Infantas do Castelo de Montemor-o-Velho (foto 2). Até aos 50 cm de profundidade a terra apresenta-se muito escura e solta, arável, como seria de esperar numa zona que foi utilizada com fins agrícolas (estrato 1 do desenho 2). Por volta dos 50 cm de profundidade começa a surgir mais pedra misturada na terra. O solo começa a clarear, o que se acentuará a partir dos 63 cm de profundidade (estrato 2). Aos 88 cm de profundidade, nas proximidades de banquette NO, começou a aparecer o afloramento rochoso. Imediatamente acima do afloramento, deparamo-nos com o surgimento de cerâmica doméstica, muita com vestígios de combustão, restos osteológicos de animais (incluindo um fragmento de chifre de cervídeo) e cascas de bivalves. A maior parte desta cerâmica é de cor escura. A escavação foi-se afundando a partir de meio da sondagem, acompanhando a descida do afloramento. Continuou-se a registar terra mais compacta (estrato 1), com pedras, cerâmica do tipo da anteriormente descoberta, ossos e bivalves imediatamente acima do maciço. A partir de sensivelmente meio da sondagem (direcção poente – nascente) o afloramento começa a descer de forma abrupta. Esta descida abrupta está directamente relacionada com o atrás referido desaparecimento do estrato 2. De facto, nesta zona em que o maciço apresenta uma pendente mais acentuada, também já não surgem os referidos vestígios (restos de cozinha) que surgiam imediatamente acima do afloramento calcário. Estamos em crer que os restos de cozinha referidos (fragmentos de cerâmica com vestígios de combustão, ossos e cascas de bivalves) nos transportam para uma tipologia de vazadouro, encosta abaixo. Estes dados recolhidos que apontam para a utilização da encosta como vazadouro de detritos parecem querer provar que na Idade Média o maciço calcário ainda estava à vista. Só assim se entende o surgimento dos materiais imediatamente acima do afloramento, fixando-se apenas onde a pendente do maciço é mais suave. Esta dedução vem também na linha do que se observa em muitos dos panos de muralhas do castelo, sobretudo da barbacã: assentamento directo sobre afloramento descarnado. Este facto permite-nos pensar que a imagem das encostas de Montemor-o-Velho seria bem diferente daquilo que hoje se vê, pois onde hoje nos deparamos com muros de fixação de terras e quintais agrícolas, pelo menos até à época medieval dever-se-ia registar rocha calcária nua.

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Relatório de Sondagens Arqueológicas Prévias - Obras de Percurso Pedonal Assistido em Montemor-o-Velho

A situação que atrás referimos encontra paralelo em algo que se passou em tempos bem mais recentes. Com efeito, nos sécs. XIX e XX existia na encosta poente de Montemor-o-Velho um local designado como Encosta do Monturo. Esta zona, como o próprio nome indica, era aproveitada pela população como vazadouro. Para obviar a este foco de insalubridade a autarquia decidiu limpar a zona e proceder à construção de uma escadaria. Quanto à proveniência dos restos de cozinha (as cerâmicas aparentam ser do séc. XII, foto 4), estes tanto podem ser do Paço como das casas que se vieram encostar à muralha, destruídas como vimos durante o séc. XIV. Na referida zona da sondagem em que a pendente do maciço se torna mais abrupta (em direcção ao perfil SE) surgem dois outros estratos, que apenas se diferenciam pela diferente tonalidade (estrato 4 de um castanho bem mais escuro que o estrato 3). Estas duas camadas são praticamente estéreis no que concerne a materiais arqueológicos e bastante compactas. Estamos em crer que se trata de dois níveis de enchimento, possivelmente até para regularizar esta zona de terreno em que, como vimos, o afloramento apresenta um desnível significativo. A sondagem deu-se por concluída quando o afloramento junto ao perfil SE surgiu aos 2 metros de profundidade.

CONCLUSÕES Na sondagem 3, conforme previsto, o afloramento rochoso apareceu a cotas muito superficiais, pelo que a potência estratigráfica era praticamente nula. As outras duas sondagens também foram levadas até ao afloramento calcário. Os perfis obtidos permitiram leituras estratigráficas bastante claras (ver desenhos). Como fomos referindo ao longo da descrição dos trabalhos, encontramo-nos numa zona extra-muros, de encosta, onde o afloramento devia estar à face pelo menos até à Idade Média. A morfologia e topografia desta zona irão ser alteradas posteriormente, quando se começam a construir muros de suporte de terras que permitem a criação de plataformas com intuito de edificar mas, sobretudo, de obter “quintais” que viabilizem a prática agrícola. Aliás, ainda hoje, a malha urbana do centro histórico acaba por ser mais marcada pela existência destes muros de pedra solta do que propriamente pela existência de edificado. Em ambas as sondagens não foram detectadas quaisquer estruturas. A sondagem 4 acabou por ser a que apresentou menos vestígios cerâmicos, até pelo facto de estar em boa parte coberta pelos derrubes do desmantelamento da Capela de Santo António.

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Flávio Imperial

No que concerne à sondagem 5, há a destacar o facto de dar a entender que a zona seria utilizada em tempos medievais como vazadouro. O facto de os restos cerâmicos de cozinha, ossos e conchas de bivalves se encontrarem mesmo acima do afloramento leva-nos a crer que esta seria uma zona algo desprezada, sem construções. As cerâmicas mais significativas (algumas apresentadas na foto 4) encontram-se em processo de selecção e tratamento para futuro desenho. Contudo há um dado que queremos desde já sublinhar: embora se encontrem cerâmicas na zona de vazadouro que aparentem ser do séc. XII, nenhuma delas se enquadra na tradição islâmica, o que é de estranhar quando se sabe que Montemor-o-Velho era zona de clara influência moçárabe. Não nos podemos, contudo, esquecer que, apesar de esporádicas investidas muçulmanas, Montemor se encontra em posse de cristãos desde a segunda metade do séc. XI.

Fotografia 2

Fotografia 1

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Relat贸rio de Sondagens Arqueol贸gicas Pr茅vias - Obras de Percurso Pedonal Assistido em Montemor-o-Velho

Fotografia 3

Fotografia 4

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Flรกvio Imperial

Desenho 1

Desenho 2

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Relatório de Sondagens Arqueológicas Prévias - Obras de Percurso Pedonal Assistido em Montemor-o-Velho

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Flávio Imperial

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Relatório de Sondagens Arqueológicas Prévias - Obras de Percurso Pedonal Assistido em Montemor-o-Velho

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Júlio Delfim Torrão*

Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 11, 2011, 29 - 35

A Caça e os Caçadores

A nossa fauna selvagem tem bastantes espécies, aves e animais, nativas e de arribação, que demandam e procriam em espaços comuns. Com diversos tamanhos, aptidões e regimes alimentares diferentes, algumas são predadoras e perseguem outras espécies de menor tamanho e capacidade de defesa, comprometendo a sobrevivência destas, às vezes, de forma preocupante. Já falamos da raposa, de gatos bravos, do lobo e de outros predadores, que demandam e procriam nas nossas matas. Mas, há muitos mais, entre as aves e animais selvagens, além dos cães e gatos domésticos e da imprudência e conduta irregular do ser humano, que assumem especial relevância na devastação dos nossos recursos cinegéticos.

* - Júlio Delfim Torrão (Advogado em Montemor-o-Velho).

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Júlio Delfim Torrão

O equilíbrio e manutenção dos seres selvagens, é algo que nos deve preocupar, não só por sermos caçadores, mas também porque são eles que vivem em permanente contacto e sob o efeito dos caprichos da natureza, emitindo sinais de perigos sanitários e ambientais, quando as condições do nosso meio ambiente sofrem alterações relevantes. Por efeito de doenças contagiosas, nos porcos domésticos, como a “Peste Suína Africana” e outras, também os javalis desapareceram de muitos espaços das nossas matas, durante bastantes décadas, onde abundavam e deixaram de ser vistos, apesar da sua sobriedade e invulgar resistência. Dizia-se, então, que foi o arroteamento de muitos espaços de mata; a abertura de rápidos e alongados troços de auto-estradas; o alargamento de zonas urbanas e industriais; maior ocupação e abrangência nas actividades agro-florestais, que afastaram esses seres bravios, amantes da vegetação densa e silenciosa. Na verdade, estes factores artificiais da acção humana, também tiveram alguma influência! Mas, não foi a causa principal da fuga, ou desaparecimento temporário e prolongado, deste animal selvagem, sóbrio e potente, capaz de adaptar-se e resistir em meios agrestes! Aliás, o mesmo aconteceu com os veados, cabritos monteses e outras espécies de médio porte, que regressaram às nossas matas e serranias, desde há algumas décadas, inicialmente com protecção especial e, agora, em condições de sobrevivência garantida, com excedentes preocupantes, em algumas zonas.

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A Caça e os Caçadores

Estes mamíferos selvagens “artiodáctilos porcinos”, da família dos “suidas ou suídeos, não ruminantes”, com focinho alongado e potente, dispõem de dentadura resistente, com caninos salientes e afiados, nos dois maxilares, mais desenvolvidos nos machos adultos, sua especial arma de ataque e defesa. Também são conhecidos, entre nós, como “javardos”, “porcos bravos” e “porcos monteses”. Com pelo alongado e rijo “cerdas”, couro espesso e duro, penetram e escondem-se em matas de espinhosas, silvados e canaviais, abrindo acessos e passagens, que outros animais raramente utilizam. A sua carne saborosa e bastante apreciada, sempre motivou a perseguição e o abate, por caçadores furtivos e em batidas regularmente organizadas. São animais gregários, agrupados em varas, com dezenas de exemplares de ambos os sexos e tamanhos, que se escondem e repousam silenciosos, durante o dia, saindo do seu esconderijo à noitinha e recolhendo antes do nascer do sol, deslocando-se em fila indiana, com as fêmeas e suas crias à frente e os machos dominantes na retaguarda e nos flancos, sempre cautelosos e vigilantes. Os machos adultos, são expulsos da vara, pelo macho dominante, na época do cio das fêmeas, que ocorre entre Novembro e Janeiro. E, nesse período do ano, os machos solitários percorrem grandes distâncias, à procura de fêmeas de outras varas, onde possam reagrupar-se, sem briga e eventual sucesso no acasalamento. Aliás, as fêmeas prenhas também se isolam da vara, para parir e amamentar as suas crias, em sossego e segurança, nos primeiros dias de vida dos seus bacorinhos, mas voltam a reagrupar-se, depois, quando os filhotes já conseguem correr e acompanhar a vara. E, nesses dias de isolamento, a fêmea parida enfrenta os perigos sozinha, com invulgar tenacidade e bravura. Lembro-me de um pastor, que foi alertado pelo ladrar dos cães, junto de um silvado, assinalando coisa estranha, mas os cães não entravam nem conseguiam pôr o “bicho” em fuga daquele local. Dirigiu-se ao silvado, levando apenas um pau como instrumento de defesa. Os dois cães maiores, de guarda, afastaram-se de imediato e foram para junto do rebanho. Mas, uma cadelinha mais pequena, de caça, ficou junto do dono.

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Júlio Delfim Torrão

Quando chegaram próximo da silveira, saltou uma javalina, furiosa e destemida, que tentou alcançar a cadelinha! Mas, como esta se refugiou junto do dono, a fera atacou o pastor, fê-lo cair no chão, rasgou-lhe as calças e causou-lhe alguns ferimentos numa perna. Aliás, não lhe causou maiores “estragos”, porque a cadelinha se manteve próximo, a ladrar, desconcentrando a fera, que acabou por voltar para dentro do silvado, onde tinha os bacorinhos, enquanto o pastor se arrastou e afastou do local, sem olhar para trás! À noite, quando regressou a casa, o pastor contou o sucedido ao meu irmão, mostrando-lhe os estragos na fatiota e as feridas ensanguentadas na perna, dizendo que a porca era pequena, de pelagem escura, mas muito brava, que entrava e saía da silveira de repente e mantinha os cães à distância! Por mera curiosidade, na manhã seguinte, fui com o meu irmão, até o sítio indicado pelo pastor, na esperança de avistarmos a fera com os seus filhotes, ou encontrar sinais inequívocos do sucedido. Mas, como é seu hábito, a javalina já tinha levado os bacorinhos para outro local distante, igualmente seguro e abrigado, deixando a cama no centro da silveira, pegadas e outros sinais, que nos permitiram concluir tratar-se de uma fêmea parida, de porte médio, com três ou quatro crias pequenas. Na época de caça de 2010/2011, em Outubro/Novembro, apercebi-me de pegadas de javali, nos caminhos e carreiros térreos, que ladeiam a zona da pocilga das Lapas, em Tentúgal. Alertei o meu colega de caça, que igualmente reconheceu as pegadas, pois eram bastante grandes, com os sinais dos esporões (unhas de trás), desenvolvidos e abertos, as unhas da frente, lado de fora, ligeiramente curvadas para dentro, revelando tratar-se de um macho de bom peso e tamanho. Dias depois, os cães localizaram o Javali, fizeram-no fugir até o fundão, do lado poente, onde costumava refugiar-se, passando perto do meu colega, que confirmou tratar-se de macho adulto e bastante grande. Aquele animal solitário, terá ido para as Lapas, proveniente de zona distante, pois não consta ter andado qualquer vara naquela zona, atraído pelo ruído e cheiro das fêmeas da pocilga, cujos barracões poderá ter visitado, ou rondado, à noite, durante o tempo em que permaneceu e vagueou por ali.

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A Caça e os Caçadores

Há várias espécies e tamanhos de javalis, cujo peso é variável, mais avantajado nos machos, que podem atingir 200 kg. Têm uma longevidade razoável, pois podem ultrapassar os 25 anos de idade. As fêmeas, andam com o cio a partir de 3 ou 4 anos de idade, nos meses de Novembro a Janeiro, tem um período de gestação de cerca de 20 semanas e parem, uma vez por ano, na primavera. Nos primeiros partos, têm menos crias. Mas, nos partos seguintes, podem atingir a dúzia de bacorinhos, embora sobrevivam, apenas, os mais fortes e, por isso, as ninhadas que subsistem, poucas vezes ultrapassam a meia dúzia. O javali, solitário ou em vara, esconde-se nas matas e canaviais, longe da permanência e passagens habituais dos seres humanos, preferindo descansar agrupado e em silêncio para detectar odores e ruídos estranhos. Percorre grandes distâncias, à procura de alimentos e charcos lamacentos para matar a sede e “enlamear-se”, diariamente. O javali é “omnívoro” e come quase tudo o que encontra, sobrevivendo com facilidade, em qualquer local e época do ano. Não se faz rogado, se encontra qualquer carcaça em decomposição, perseguindo e abatendo outras espécies cinegéticas, doentes ou feridas. Com o poderoso focinho, rastejante e de bom faro, orelhas espetadas e curtas, no alto da cabeça, sente, localiza e destroi luras de coelhos, lebratos, ninhos de patos e de perdizes, ratos e toupeiras, répteis, minhocas, caracóis, larvas e insectos, cogumelos e trufas, amoras, uvas, azeitonas, castanhas, bolotas e toda a espécie de fruta, batatas, abóboras, tubérculos, etc. etc.. Quando penetra nas hortas, searas de trigo, cevada, milho, etc., destrói mais do que come, causando prejuízos avultados. Nos campos de pastagem, também remexe a terra e causa estragos consideráveis, à procura de raízes, ratos e insectos. Consegue suportar a picada e o veneno das víboras e de cobras venenosas, que localiza, persegue, mata e come, beneficiando das suas cerdas e couro rijos, das gorduras e capacidade digestiva invulgar. Senhor dos nossos bosques, só o homem e o lobo lhe impõe receio e fuga habituais. Foge dos cães, em matilha, mas enfrenta-nos e causa-lhes graves ferimentos, quando é rodeado e lhe dificultam a passagem.

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Júlio Delfim Torrão

É dotado de boa audição e olfacto, mas dispõem de fraca visão. Desloca-se, quase sempre, de cabeça baixa e por zonas de vegetação densa, o que diminui o seu ângulo e alcance de visão.

Caçar javalis, em perseguição ou à espera, constitui tarefa arriscada. Exige-se alguma experiência e cautela. Boa arma, munições adequadas e tiro certeiro. Trata-se de uma presa irritadiça e agressiva. Que impõe respeito, quando se sente acantonada e ferida. Que carrega rápido, em força, de cabeça erguida, cerdas eriçadas, caninos salientes e afiados, que parecem aumentar o seu volume e força de combate. Aliás, já nos tempos das civilizações primitivas, se evidenciavam caçadas, em pinturas rupestres, tendo o javali como elemento preponderante. Até finais da Idade Média, os nossos fidalgos e alguns monarcas, “cavaleiros/caçadores”, também perseguiram e abateram javalis e veados, evidenciando coragem e destreza, habilitando-se para as nobres tarefas de perseguição e guerra. Nesses tempos, também houve peões, munidos de “chuços”, ou lanças curtas, com lâminas largas de dois gumes e um gancho, com os quais enfrentavam, espetavam e abatiam os javalis! O caçador tinha que possuir pulso forte para espetar e aguentar o embate com a fera, no “lanceamento a pé firme”, uma das modalidades mais nobres de caça aos javalis!

Actualmente, usam-se cães amestrados e potentes, de diversos tamanhos e raças, para localizar, perseguir e cercar os javalis, nas batidas. E, os caçadores, equipados com fardas que disfarçam a sua presença no local de espera, entre a vegetação mais ou menos espessa, empunham armas potentes, equipadas com miras telescópicas, carregadas com balas perfurantes e expansivas, que abatem e imobilizam qualquer animal à distância, sem o perigo da aproximação, prematura e arriscada, com a fera ferida e agonizante.

Temos javalis, em quantidades consideráveis, em muitas zonas do nosso país, para “repasto” nas batidas, de caçadores mais endinheirados, e aventuras de alguns “caçarretas clandestinos”, que ousam enlaçar e abater animais desta espécie, de qualquer sexo e tamanho, durante todo o ano, sem qualquer critério legal de preservação.

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A Caça e os Caçadores

Como anotamos, no início deste artigo, o javali é um predador relevante, de outras espécies de caça menor, nativas e de arribação, que procriam e demandam as mesmas zonas. Com seu olfacto e ouvido apurados, localiza, persegue e abate presas fáceis, durante a noite, nas suas alongadas deslocações e insistente procura, especialmente em vara, abrangendo áreas consideráveis. Há quem diga que os javalis “secam tudo”, por onde passam ou permanecem, atribuindo-lhes o efeito devastador de muitas espécies de caça menor. Certo é que, em muitos locais de procriação habitual de patos, perdizes e de outras espécies que nidificam no solo, esse efeito é evidente, a partir da permanência e aumento dos contingentes de javalis. As luras superficiais de coelhos e os lebratos novos, também não escapam à procura e destruição dos javardos.

Pelos contactos incontrolados e deslocações habituais, os javalis também podem contrair e propagar doenças aos porcos domésticos, de cujas pocilgas se abeiram e, por vezes, escalam atraídos pelo ruído e cheiro das porcas com o cio. Portanto, o javali é um elemento a ter em conta, no ambiente rural circundante, onde se alimenta e procria, não só em termos de interesses cinegéticos, mas também de saúde e preservação de outros animais domésticos e, sobretudo, das nossas culturas agrícolas.

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Carlos Manuel Gomes Henriques*

Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 11, 2011, 37 - 40

O Esforço do Remador Ramalho Ortigão descreveu o Remo com esta frase soberba: “De calças arregaçadas e pernas nuas, com o peito ao vento, a elasticidade de um bom remo espadeirando a água comunica-se ao nosso arcaboiço e parece que, nesse exercício triunfal, todos os ossos cantam, como canta o estropo do couro cru, amarrado ao tolete, quando se pica a voga. Dizem os do Algarve que, para remar, tudo puxa desde as unhas dos pés, até às pontas dos cabelos. Quando se rema estirado, pranchando o corpo todo no mergulho do remo, o esforço empregado distribui-se igualmente por todos os músculos das pernas, dos braços, do tórax e dos rins, dando a máxima plenitude da força, a mais intensa sensação de poder e de vitória. Remar, é dizer ao Oceano – chega-te para trás que vai aqui um homem! – e ver o Oceano obedecer.”

Atendendo a que o Remo desenvolve bastante toda a estrutura muscular e articular do corpo humano, não é um desporto pesado nem desaconselhável. Pode ser mesmo recomendável para pessoas com problemas de peso, asma e diabéticos. A sua prática pode ser efectuada por pessoas de todas as idades e sexo. A prática do desporto do Remo tem uma vertente recreativa, para manutenção do corpo e da mente e competitiva, mais exigente, com Campeonatos Nacionais, Europeus, Mundiais e Jogos Olímpicos. Aos atletas de competição existe a obrigatoriedade de pelo menos um treino diário, tendo como objectivo a melhoria da performance da força, velocidade, resistência e flexibilidade. Sendo um desporto essencialmente colectivo, a sua prática fundamenta-se em sucessivos e cadenciados movimentos do corpo e dos remos. A água é transformada no ponto de apoio do remo num movimento coordenado e ritmado dos remadores com o objectivo de projectar a embarcação o mais rápido possível.

* - Carlos Manuel Gomes Henriques (Treinador de Remo).

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Carlos Manuel Gomes Henriques

Dado que a melhor técnica é “aquela que faz andar o barco mais depressa” há sempre nos puristas a ideal. A maneira de pegar no remo, como sentar no carrinho, o ângulo do corpo, a colocação dos pés são motivo de discussão entre os treinadores e atletas. O atleta está sentado num assento com rodas – carrinho –, que se movimenta numas calhas (cerca de 72 cm.) colocadas no poço da embarcação. A remada divide-se em duas fases distintas: a propulsiva – quando o remo está dentro de água – e a de descanso quando o atleta vem à frente preparar nova remada. Os pés estão presos no finca pés ou pau de voga iniciando-se a remada com o deixar cair do remo na água – o ataque e a tomada de água – através do acto de levantar os punhos. Seguidamente, entram em acção as pernas empurrando com toda a força o pau de voga até estarem completamente esticadas. Nesse momento principia o movimento do tronco que está inclinado para a frente, estável, abrindo por completo até formar um ângulo confortável para, então, os braços puxarem o remo para o peito o mais rapidamente possível. Resumidamente, numa sequência sem paragem, de Pernas, Tronco e Braços. Sequentemente vem a fase de descanso, mais lenta que a anterior em que o atleta inspira profundamente e ganha alento para um novo esforço de remada. O atleta empurra o remo para baixo tentando conseguir uma saída limpa do remo da água – o safar – devendo para isso a velocidade do movimento descendente do remo ser igual à velocidade do barco (assim como no ataque a velocidade ascendente do remo), começando por esticar os braços completamente, colocando seguidamente o tronco na posição de inicio de remada e começando a encolher as pernas para preparar a nova remada. Verifica-se assim uma sequência de Braços, Tronco e Pernas. Para dificultar o remo tem que rodar na forqueta, sendo colocada a pá paralela à água na vinda à frente e, depois do punho passar os joelhos, na perpendicular à água para a próxima fase propulsiva.

A distancia de corrida padrão numa prova de Remo é de 2000 metros e tem uma duração média de cerca de sete minutos. É no início de prova – A Largada – que os remadores são capazes de aplicar a sua máxima força – 1 000 N *–. À medida que o barco acelera a força aplicada cai para um quarto. É também durante a Largada que a cadência é mais elevada chegando a ser medida uma voga – remadas por minuto – de 48 nos primeiros 45 segundos de prova diminuindo depois durante a prova para uma voga média de 33 - 35. * Newton: Corresponde à força exercida sobre um corpo de massa igual a 1 kg que lhe induz uma aceleração na mesma direcção e sentido da força de 1 m/s² 1N = 1 kgs . m 2

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O Esforço do Remador

Os músculos nas Fases da Remada Ataque:

Remada:

Final:

Ida à frente:

desenhos: http://www.vermontc2.com/remoindoorgruposmusculares.php

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A enorme potência aplicada induz, no remador, uma quebra instantânea do alimento muscular ATP (Adenosina trifosfato) e CP (creatina fosfato). Como a demanda de energia excede em muito aquilo que pode ser fornecido através do uso de oxigénio (metabolismo aeróbio) a repetição da contracção muscular só pode continuar como resultado da glucose (metabolismo anaeróbico) o que permite que a ATP seja gerada na ausência de oxigénio. O problema é que esta reacção química vai provocar uma acumulação de lactato (ácido láctico) nos músculos, causando fadiga extrema ao atleta. Se a duração da corrida fosse apenas de cerca de um minuto, a quantidade de lactato acumulado não iria causar dificuldade, no entanto, em 2.000 metros os remadores têm que conseguir tolerar uma grande quantidade do ácido e continuar a remar durante toda a corrida. As equipas melhor treinadas podem tirar vantagem de estar à frente desde o início, doseando o esforço durante o resto da prova, para isso contribui também a posição dos atletas no barco que ao remarem para trás controlam os seus adversários na tentativa de os alcançar. Após cerca de um minuto de prova até quase ao fim, a principal fonte de energia dos músculos é fornecida pelo metabolismo aeróbio, o glicogénio muscular é o combustível predominante juntamente com alguma gordura. Como está disponível oxigénio suficiente há uma produção mínima de ácido láctico. Na parte final da regata aumente bastante o ritmo de prova com as tripulações a tentarem tudo por tudo para vencer a corrida, para a isso a máquina humana sintetiza toda a energia à sua disposição e soma as duas energias – aeróbia e anaeróbia – para conseguir disponibilizar aos músculos todo o alimento possível, volta então a ser produzido acido láctico e, se o empenho for levado ao limite, a ultima remada será o ultimo esforço que o atleta consegue realizar. O plano de treino tradicional no remo é um plano anual, dividido em três fases: preparatória, transição e específica. A fase de transição tem a duração de quatro semanas, a fase específica de 21 semanas e o restante é utilizado como fase de preparação. A fase específica é normalmente também dividida em duas, a fase de pré-competição e a competitiva com duração de 9 e 12 semanas, respectivamente.

“When one rows it is not the rowing which moves the ship: rowing is only a magical ceremony by means of which one compels a demon to move the ship.” Nietzsche


Manuel Dias*

Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 11, 2010, 41 - 46

O Trajo Popular Urbano e a Moda O Exemplo da Tricana de Coimbra

Partindo da premissa de que o trajo popular está directamente ligado ao meio, umas vezes físico outras social (económico, cultural, ético, etc.) facilmente nos apercebemos de que se torna cada vez mais oportuno que nos debrucemos sobre o seu estudo aprofundado, com vista a uma correcta representatividade pelos agrupamentos de folclore do modo de vestir dos nossos Avoengos. Na verdade, noutros tempos, o meio físico ditaria, sem sombra de dúvida, a maneira de vestir a que não seria estranho a prática das diversas ocupações de trabalho, bem como as condições geográficas onde uma determinada população se inseria. Por outro lado, há que ter em conta o facto das exigências sociais terem também a sua influência na maneira de vestir dos nossos antepassados. Esta problemática do trajo popular levar-nos-ia a tecer muitas outras considerações, eventualmente mais profundas, mas que apesar de oportunas, não se enquadrariam nesta curta nota que nos propomos considerar neste momento. Mas será que o vestir do nosso povo não sofreu a pressão da evolução da “moda”, por vezes, importada doutras paragens e em parte trazida pela nobreza e grande burguesia? Estamos em crer que sim!... Ora, se é verdade ser do consenso dos folcloristas que cada componente dos agrupamentos deve ter um conhecimento pormenorizado do trajo que enverga, temos de concordar que, na prática e infelizmente são raríssimos os que, quando inquiridos, sabem explicar minimamente o que trazem vestido. E é pena, porque dão uma imagem pouco dignificante do que deve ser o papel que cada um representa dentro do seu grupo ou rancho de folclore. Entendemos que directores e componentes deveriam pesquisar mais profundamente as origens dos trajos, o porquê de terem sido utilizados numa determinada época pelos seus avós, bem como o seu enquadramento nas diversas ocupações e/ou profissões, não se ficando apenas pela reconstituição de cada peça, em termos de tecidos ou pouco mais!... * - Manuel Dias (Presidente da Assembleia da Associação de Folclore e Etnografia da Região do Mondego - AFERM)

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Manuel Dias

Dito isto, entendemos que a todos os que procuram participar e seguir os caminhos do estudo da nossa cultura tradicional popular devemos deixar-lhes um alerta, mesmo um desafio, no sentido de se preocuparem e estudarem o vasto campo do modo de trajar dos nossos Avós. Se, pelo menos cada um souber o que representa o trajo que enverga e um pouco da sua história com um passado mais ou menos remoto, creiam que já dão um bom contributo pessoal para esta nobre causa da defesa da Cultura Tradicional Popular. Mas e a propósito, não se esqueçam que os trajos que usamos, quantas e quantas vezes peças únicas, deverão ser manuseados com o máximo de carinho, como se tratasse de um pouco de nós próprios.

Um dos trajos populares da Coimbra antiga que se tornou mais emblemático foi, sem dúvida o da “TRICANA”!... Talvez pela interligação entre esta figura popular e a do estudante de Coimbra, cuja carga emotivo-tradicional era outrora uma constante no dia-a-dia da cidade; talvez pela carga simbólica que levou os mais diversos poetas a cantá-la em versos amorosos como musa das águas do Mondego!... Tantos e tantos versos tiveram origem na sua figura mítica inspirando inúmeros poetas, que seria quase impossível serem compilados, porque muitos perduram na bruma do tempo. Cardoso Marta, por exemplo, fala-nos assim da Tricana de Coimbra: Como a Tricana de Coimbra Sabe o chalinho traçar Se ao domingo vai à missa É um amor-perfeito a andar! P’ra vinho verde, o Minho; Tomar, em queijinhos timbra; Para alfarroba, o Algarve; Mas tricanas – só em Coimbra!

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O Trajo Popular Urbano e Moda - o exemplo da Tricana de Coimbra

Mas será que a imagem que hoje nos é transmitida através de estampas ou estatuetas corresponde realmente àquela figura da tricana de antanho? Será que ela não adaptou o seu trajo às tarefas que exercia no dia-a-dia?... Será que não sofreu nenhuma evolução de natureza social ou mesmo a influência da “moda” de cada época? Claro que sim!... Está demonstrado, através de descrições e de imagens de artistas, viajantes ou mesmo escritores, que já em finais do século XVI as raparigas das classes populares mais baixas não saíam à rua sem o seu “mantéu”, a que em Coimbra, já no tempo de D. João V, se dava o nome de “tricana”. Este mantéu era uma peça muito simples e modesta que cobria os ombros da mulher e era completada por um lenço colocado sobre um pente alto, dando-lhe um aspecto muito próprio e característico. Segundo Rafael Bluteau, o mantéu era conhecido em Coimbra pela designação de tricana que, possivelmente, por evolução de ordem semântica, acabou por identificar a mulher que o usava. Do trajo das mulheres de Coimbra de cerca do segundo quartel do século XIX, Borges de Figueiredo, no seu livro “Coimbra Antiga e Moderna”, dá-nos a seguinte descrição bastante pormenorizada, destacando que usavam então uma mantilha e que ela (passo a citar) “compunha-se duma tira de papelão grosso arqueada e convenientemente coberta de fazenda preta, colocada sobre a cabeça e segura sob o queixo por fitas, caía o pano preto exterior pelas costas e peito a modo de manteo”. Esta mantilha de longa tradição tomou uma forma citadina designada por “coca”, de forma extravagante. Se este trajo, nessa época, seria usado por mulheres de classe média, ele popularizou-se de tal forma, que passou a ser usado pelas camadas menos favorecidas da mulher coimbrã. Mas, em contraponto com este trajo como dizia Octaviano Sá “quem não usava a mantilha, tinha de pôr o capote de cabeção e o lenço de cambraia muito branco e muito engomado. O bico formado atrás da cabeça pelo lenço era a perfeita antítese do bico da mantilha.” Foi assim que as mulheres de Coimbra decidiram, lentamente, pôr de parte a velha mantilha, ridicularizada pelas novas modas, começando então a usar a capa, que rapidamente se popularizou nas suas versões de capote e capoteira, esta mais curta e menos rodada. Ainda em finais do século XIX, o aparecimento de uma pequena burguesia, ligada ao comércio e ao artesanato fomentou uma certa permeabilidade a novas modas de vestir. As mulheres deste estrato social introduziram o uso do xaile na cidade, nessa altura as peças de importação, umas vezes eram em caxemira outras em seda. Tal foi a adesão a esta nova moda pelas pequeno-burguesas que capotes e capoteiras tiveram o seu destino no fundo das arcas e baús. Elas que noutros tempos andavam de mão em mão, de mães para filhas, outras vezes servindo de mortalha às suas donas!...

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Manuel Dias

Os xailes de início importados de Caxemira e da Escócia começaram a ser fabricados na Serra da Estrela e em Lisboa. No entanto, as mulheres de Coimbra sempre deram maior preferência aos xailes de importação, especialmente os de padronagem oriental, os “xailes chineses” como eram então conhecidos. Com 4 ou 8 pontas, com ou sem franja, eram usados em triângulo ou em rectângulo, mas quase sempre traçados sobre o ombro esquerdo passando por baixo do braço direito. Este modo de usar o xaile teria sido, eventualmente, inspirado na maneira como o estudante de Coimbra usava a sua capa!... O uso do xaile pela mulher de Coimbra vulgarizou-se de tal forma ao longo das décadas, que nenhuma o dispensava, sempre que saía à rua. Mais rico ou mais pobre, com os mais diversos padrões, foi sempre seu fiel companheiro para onde quer que fosse – para ir ao Mercado D. Pedro V, já em 1867, para a venda de arrufadas na Estação do Caminho de Ferro, para o transporte da água, para vender leite ou para ir às Fogueiras de S. João, à Romaria do Espírito Santo ou às Festas da Rainha Santa. E assim se manteve nas mais diversas versões durante a primeira década do século XX, o que permitia que as mulheres de Coimbra teimassem em demarcar-se das demais, pela sua maneira de vestir!... Mas como inicialmente se referiu, o trajo da Tricana de Coimbra sofreu, ao longo do tempo, uma tal transformação que a tornou uma figura totalmente descaracterizada, em relação à sua ancestral dos finais do século XVI. Ela que durante tantos anos primava pelos seus belos cachenés de barra, a compor o toucado, ou mesmo de franjas, traçados ao peito, pelos seus aventalinhos, pelos seus chambres de renda, pelas saias de chita ou de barras, não resistiu ao ditar das novas modas. Mas a grande transformação deu-se a partir da implantação da república que ditou novos modos de vida comunitária e social. E foi assim que a mulher de Coimbra substitui a saia rodada e comprida por uma mais curta de dois panos, e, por isso, mais justa ao corpo; do chambre passou às blusas; o xaile de barras ou mesmo de ramagens foi substituído pelo de merino de 8 pontas; da meia branca rendada feita por si aos serões, passou à de seda e da chinela de verniz à de entrada e salto, mais tarde substituída por sapato preto de tacão baixo; e, em substituição do lenço às cores introduziu um lenço preto de seda, apertado como uma touca segura ao pescoço por uma fita de veludo preto, conhecida por “Vicente”. Estávamos nas décadas de 20 e 30 do século XX e com a “Tricana do Vicente” – lembrança de uma história de amor que marcou as raparigas da Velha Alta de Coimbra, acabou uma tradição de séculos do vestir da mulher coimbrã. Foi assim que a viu A. Gonçalves Cunha, no seu livro “Trovas de Coimbra”:

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“Tricaninha alegre e bela De amorosa, ingénua raça! Que fizeste da chinela Que te dava tanta graça?”

Assim vão morrendo lentamente as nossas tradições populares, que procuramos a todo o preço recriar e manter, como uma das formas de assumirmos a nossa sagrada identidade cultural!... Mas se o trajo da “tricana” teve esta evolução, vem a propósito referir que o mesmo não aconteceu com os homens do povo que se designavam de “futricas”. O seu trajo pouco ou nada evoluiu a partir dos finais do século XVIII até aos anos 20 do século XX. Hoje ficou na nossa memória através de estampas e estatuetas a figura emblemática da “tricana de Coimbra” com o seu asado ao lado de um estudante!... É uma representação que a nosso ver não foi muito feliz por ter sido introduzida a figura do estudante postergando para segundo plano a do “futrica” – filho de Coimbra. Quer se queira quer não Coimbra, ainda hoje continua a ser dominada pela sua vetusta Universidade com mais de 700 anos.

BIBLIOGRAFIA: Calisto, Diamantino, Costumes Académicos de Antanho, Imprensa Moderna, Lda, Porto, 1950. Cunha, A. Gonçalves, Trovas de Coimbra, Livraria Cunha, Coimbra, 1931. Figueiredo, A.C. Borges de Figueiredo, Coimbra Antiga e Moderna, Almedina, Coimbra, 1996, edição fac similada. Madahiil, A. G. da Rocha, Alguns Aspectos do Trajo Popular na Beira Litoral, Coimbra, 1941. Ribeiro, Herlander, Cartas de uma Tricana, Lisboa, 1936. Sá, Octaviano, A Tricana no Folclore Coimbrão, Coimbra,1942. Silva, Armando Carneiro da, Estampas Coimbrãs, no IX Centenário da Reconquista Cristã de Coimbra (por ordem da Câmara Municipal).


Mário José Costa da Silva*

Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 11, 2011, 47 - 67

MANLIANENSES ILUSTRES - V D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osório

– “Um grande e leal amigo do concelho de Montemor, por êle trabalhando como se seu dedicado filho fosse”1 – (1854-1918)

Filho de D. José de Alarcão Sarmento Correia da Fonseca Andrade e Vasconcelos ou D. José de Alarcão Velasques Sarmento Osório (n. 27.03.1823 m. 27.12.1856), como também era conhecido, natural do Espinhal, e de sua mulher (casaram a 08.10.1844) D. Maria do Ó Osório Cabral Pereira Forjaz e Menezes (n. 19.09.1824 m. 11.04.1872), natural de Coimbra, e, por isso mesmo, neto paterno de D. João de Alarcão Velasques Sarmento Correia da Fonseca Andrade e Vasconcelos, natural do Espinhal, e de D. Joana Francisca de Figueiredo Osório Cabral, natural de Coimbra, e materno de António Maria Osório Cabral, natural de Coimbra, e de D. Maria da Conceição Pereira da Silva Forjaz Menezes, natural de Braga, D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osório nasceu na vila do Espinhal, concelho de Penela, a 5 de Novembro de 1854, juntamente com seu irmão gémeo D. Duarte de Alarcão Velasques Sarmento Osório (m. 09.03.1905, Coimbra)2: “(…) mas Dom João nasceo primeiro, e Dom Duarte passado meia hora d’intrevallo, de que foi lavrado um termo de declaração pelo escrivão da villa de Penella, Joze Justino Dias Torres, cujo termo existe em caza do mesmo senhor Dom Joze d’Alarcão Vellasques Sarmento, para a todo o tempo constar a qual dos dous gemios pertence o Morgado, pois pertence a Dom João que nasceo primeiro, e Dom Duarte depois dele meia hora, e se examinou se entre elles avia algum signal distinctivo, e se achou que o segundo que he Dom Duarte, tinha o dedo minimo do pe direito sobreposto * - Mário José Costa da Silva (Licenciado em História e Mestre em História Moderna pela Universidade de Coimbra.) 1 - CONCEIÇÃO, 1992, p. 171. 2 - D. Duarte viria a ser secretário-geral da Universidade de Coimbra, director do Archivo Bibliographico (Coimbra, Imprensa da Universidade, 1877-1878, n.ºs 1-17), publicação que financiou do seu bolso (Bibliografia da História do Livro em Portugal: séculos XV a XIX, Diogo Ramada Curto (coord.), Lisboa, Biblioteca Nacional, 2003, pp. 24-25), e senhor da Quinta das Lágrimas, em Coimbra, que ainda hoje se encontra na posse dos seus descendentes.

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Mário José Costa da Silva

sobre o dedo imediato, e isto tudo foi examinado imediatamente ao nascimento deles e tanto que nem lavados ainda estavão de que dou fe, e juro in fide Parochi, foram testemunhas prezentes a este acto, o regedor desta freguesia Ancelmo Dias Simoens d’Almeida, e eu Antonio Simoens Leite como parocho desta freguesia, o reverendo Dom Agostinho das Dores da Costa Pereira d’Araujo, o reverendo Vicente Maria de Lima, João Albino de Souza Torres e Oliveira, Joze Manoel de Souza, o qual assestio tãobem aos partos, e Margarida Maximina, parteira da villa de Penella, os quaes todos asignamos a dita declaração que foi logo reconhecida pello ditto escrivão Joze Justino Dias Torres.”3

Registo de baptizado de D. João e D. Duarte de Alarcão (1854) [©Mário José Costa da Silva].

Baptizados solenemente, com os santos óleos, dez dias depois, na “parochial igreja de São Sebastião, do Espinhal, bispado de Coimbra”, pelo pároco António Simões Leite, tiveram por padrinhos: 3 - AUC, Registos Paroquiais do Espinhal (Penela) – Baptismos (1843-1859), fls. 141v.-142. Ao longo do artigo utilizámos as seguintes abreviaturas: n. (nascimento em), m. (morte em), a. (antes de), b. (baptizado em), c. (cerca de), cc (casou com), cs (com sucessão), csi (com sucessão ilegítima), d. (depois de), mm (morreu menor), mn (morreu novo), ms (morreu solteiro), nc (não casou) e ss (sem sucessão).

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Manlianenses Ilustres V - D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osório

“(…) Dom João (morgado), Joze Augusto Pereira Palha, de Lisboa, por quem tocou com a competente procuração Dom Vicente d’Alarcão Vellasques Sarmento, thio do baptizado, e madrinha Nossa Senhora das Dores, por quem tocou Dona Maria Francisca d’Alarcão Vellasques Sarmento, thia do baptizado, e ambos os procuradores deste lugar do Espinhal. (…) Dom Duarte (segundo), Pedro Vanzeller, do Porto, por quem tocou com a competente procuração Dom Francisco d’Alarcão Vellasques Sarmento, thio do baptizado, do Espinhal, e madrinha Nossa Senhora das Dores, por quem tocou (…) Dona Maria Carolina d’Alarcão Vellasques.”4 Além de D. Duarte, D. João de Alarcão teve ainda mais duas irmãs: D. Maria do Ó Alarcão Velasques Sarmento Osório (n. 1852 m. 1874); e Maria da Conceição Alarcão Velasques Sarmento (n. 20.11.1850, Sé Nova, Coimbra) cc Francisco de Alarcão Velasques Sarmento (n. 12.01.1858), de quem teve: Maria do Carmo Alarcão Velasques Sarmento (n. 10.06.1886, Espinhal, Penela m. Montemor-o-Velho), último elemento da família a habitar o “solar dos Alarcões”, nesta vila; José de Alarcão Velasques Sarmento (n. 19.06.1889, Espinhal, Penela); e o Dr. Luís de Alarcão Velasques Sarmento Osório (n. 07.12.1887, Espinhal, Penela m. Montemor-o-Velho), advogado, cc Maria de la Salette Ponces de Oliveira Pires (n. 06.05.1887), a 23.09.1916, de quem teve: Maria da Conceição Ponces de Alarcão Velasques Sarmento (n. 28.06.1917), última proprietária do “solar dos Alarcões”, que ainda conseguiu manter o edifício nas mãos da família até 1985, altura em que o vendeu a Deolindo Azedo Correia; e Maria João Alarcão Vasconcelos Sarmento (n. 21.09.1918), sétima neta de António Correia da Fonseca e Andrade e derradeiro membro da família a habitar o solar dos seus antepassados no Largo do Paço, acabando por o vender, em meados da década de 1980, ao Dr. George Tomaz Stilwell e à Dr.ª Rita Campos de Carvalho Stilwell, sua esposa, que aí fixaram residência5. Descendente “de uma ilustre família castelhana, que se passou a Portugal na pessoa de D. Elvira de Mendonça Alarcão, dama da rainha D. Maria, esposa de D. Manuel, O Venturoso”6, e de uma ilustre família manlianense, os “Fonsecas e Andrades”, entre os avoengos de D. João de Alarcão, destacaremos, pela sua profunda ligação a Montemor-o-Velho, os seguintes:

4 - AUC, Registos Paroquiais do Espinhal (Penela) – Baptismos (1843-1859), fls. 141v.-142. 5 - Na década de 1990, e depois de se ter retirado desta vila, este casal arrenda o edifício à Associação Fernão Mendes Pinto que aí permanecerá durante alguns anos. A 1 de Abril de 2006, é arrendado à Câmara Municipal para aí ficarem instalados os serviços instrumentais do “Projecto Cantata”, sendo mais tarde, na sequência de um protocolo estabelecido entre a autarquia, a Universidade de Coimbra e a Federação Portuguesa de Canoagem, transformado em residência universitária para jovens que aliam aos estudos a prática da canoagem em regime de alto rendimento, podendo ainda acolher selecções e equipas em estágio. 6 - Vida Regional, 30 de Outubro de 1959.

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Sétimo avô – António Correia, o Velho, instituidor, a 13 de Fevereiro de 1647, do Morgado da Casa Redonda, cc D. Maria da Fonseca, de Mortágua; Sexto avô – Capitão Domingos Correia da Fonseca (m. 29.03.1692) cc D. Maria de Melo da Fonseca de Andrade (m. 24.08.1698); Quinto avô – Capitão-mor António Correia da Fonseca e Andrade (n. 15.06.1648 m. 29.08.1717) cc D. Joana de Castelo Branco e Vasconcelos (m. 04.12.1695). Sua irmã, D. Leonor Inês de Castro (n. 1675) cc D. Tomás Velasques Sarmento de Vasconcelos, fidalgo da Casa Real, estabelecendo a primeira aliança matrimonial com a família dos Alarcões; Tetravô – Fernando Correia da Fonseca e Andrade (b. 19.01.1688 m. 31.12.1762, Montemor-o-Velho), fidalgo da Casa Real e 4.º senhor da Casa Redonda, cc D. Francisca Sebastiana Coutinho Pereira de Castro; Trisavô – Silvério Correia da Fonseca e Andrade (b. 24.08.1732 m. 27.01.1810), fidalgo da Casa Real e 5.º senhor da Casa Redonda, cc D. Ana Aldonça de Figueiredo Deus-Dará (m. 26.09.1773), filha de Manuel Homem Freire de Figueiredo, fidalgo da Casa Real e senhor do Morgado da Casa de Vila Cova, e de D. Maria Joana Pita Deus-Dará, senhora da Quinta das Lágrimas, na cidade de Coimbra; Bisavó – Maria de Melo Correia da Fonseca e Andrade cc D. José Velasques Sarmento (n. 27.10.1734), pais de D. João de Alarcão Velasques Sarmento Correia da Fonseca Andrade e Vasconcelos, seu avô7. A 13 de Fevereiro de 1863, D. Maria do Ó Osório Cabral Pereira de Meneses, já viúva e tutora de seu filho menor Dom João de Alarcão, possuidor de vínculos que seu pai administrava, pede o seu registo: 1º - Morgado instituído por Gaspar da Fonseca e Andrade e sua mulher D. Leonor de Mascarenhas, na vila de Montemor-o-Velho, por instrumento de doação de 10 de Julho de 1557; acrescentado por testamento de 12 e 13 de Setembro de 1559, com que faleceu Gaspar da Fonseca e Andrade. Em virtude da provisão régia de 1 de Agosto de 1598 a fazenda de Seiça, situada no termo da Vila de Ourém, foi substituída por bens em Montemor-o-Velho; 2.º - Morgado instituído por António Correia Velho e sua esposa D. Maria da Fonseca, na vila de Montemor-o-Velho em 12 de Fevereiro de 1647;

7 - Cf. SILVA, 2008, pp. 149-157; GAYO, 1938-1942, vol. I, p. 148 (Andrades Freires), vol. XII, p. 55 (Correias) e pp. 177-178 (Costas), vol. XV, pp. 147-148 (Gouveias) e vol. XIX, p. 37 (Macedos) e pp. 119-121 (Machados); GAYO, 1989, vol. IV, p. 593 (Costas); vol. V, p. 344 (Figueiredos); e vol. XII, p. 506 (Velasques de Lisboa e do Espinhal); e CANEDO, 1993, vol. II, pp. 302 e 305.

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3.º - Morgado instituído por Dom Tomás Velasques Sarmento de Vasconcelos, Cavaleiro Professo na Ordem de S. Tiago, no lugar do Espinhal, termo de Penela, por testamento de 1 de Janeiro de 17368. Em 1870, por ordem de D. Maria do Ó Osório Cabral são iniciadas as obras de reconstrução do solar em Montemor-o-Velho. “D. João de Alarcão, filho herdeiro de D. Maria do Ó, em 1889, mandou construir um celeiro e um depósito para pipas de água e vinho, no lugar onde existia um celeiro em ruínas. Esta parte foi, mais tarde, vendida e transformada em habitação. Já no século XX, em finais da década de 60, o solar foi votado ao abandono até ser definitivamente desocupado. Em finais da década de 70, o edifício foi alugado aos Serviços Hidraúlicos do Mondego. Em 1985, o imóvel foi vendido por Maria da Conceição Ponces de Alarcão Velasques Sarmento Lopes da Silva a Deolindo Azedo Correia, que o vendeu em 1988 à Santa Casa da Misericórdia de Montemor-o-Velho. Desocupado desde a saída dos Serviços Hidráulicos e em avançado estado de degradação, foi adquirido pela Câmara Municipal de Montemor-o-Velho em 1992. Recuperado o edifício, nele foi instalada, desde o dia 10 de Dezembro de 2007, a Biblioteca Municipal Afonso Duarte9.

Solar dos Alarcões (2007) [© CMMV João Lobo].

8 - CAPELO, registo n.º 23, pp. 19-20. 9 - Integrando toda uma multiplicidade de espaços – sala de leitura (infantil e adultos), de periódicos, espaço internet, auditório, jardim exterior e sala de catalogação –, disponibiliza um conjunto de serviços que vão desde o empréstimo e consulta de todo o género de publicações – livros, revistas, jornais, etc. –, até à realização de pesquisas na Internet e à possibilidade de usufruir de uma zona wireless. Farol de cultura e cidadania de todo um concelho, está também preparada para oferecer um serviço de qualidade a pessoas com mobilidade reduzida, com rampas de acesso e elevador, dispondo ainda de recursos tecnológicos capazes de apoiar cegos e amblíopes no acesso à informação e aos serviços.

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Caso exemplificativo da casa nobre de província do século XIX, com características de origem erudita, o solar dos Alarcões era constituído por r/c, 1.º andar, sótão, capela e logradouro. A fachada principal desenvolvia-se em três volumes: dois laterais e um central encimado por um frontão. Quatro pilastras demarcavam esses corpos ou alas simétricas. Os dois pisos do edifício eram separados por cimalhas (duas nos topos e duas demarcando o corpo central). No primeiro piso, as duas alas simétricas possuíam uma porta, ladeada por duas janelas com gradeamento de ferro forjado. No segundo piso, os dois corpos laterais ostentavam três janelas, sendo a do meio de varanda de sacada. O corpo central apresentava, no primeiro piso, um portal relativamente simples com enquadramento de cantaria e flanqueado por duas janelas com gradeamento de ferro forjado. No segundo piso, possuía três janelas de varanda de sacada. A cornija que demarcava o frontão era interrompida, no topo, por uma “chake” saliente trabalhada (semelhante a uma pluma). Um pouco mais abaixo estava o brasão, que estava numa posição central e um pouco acima relativamente às duas janelas do sótão. As pilastras que demarcavam os corpos da fachada terminavam, também, superiormente com “chakes”: as exteriores eram semelhantes a grinaldas e as interiores semelhantes a liras. Na fachada posterior do edifício rasgavam-se oito janelas no primeiro piso. No r/c existiam mais três janelas, a porta da cozinha e três janelas de sacada. Um pequeno muro, adossado e perpendicular à casa, separava a porta e a janela da cozinha. Na cobertura, esse espaço da cozinha manifestava-se pela chaminé. O muro, que continuava curvando para a direita até atingir o muro limite da propriedade, escondia ainda um pequeno pátio (zona de serviços, onde estavam uns galinheiros). Todas as janelas e portas do tardoz eram emolduradas tal como na fachada exterior. As janelas do r/c (excepto a da cozinha) tinham gradeamento (grelha reticulada). O interior do edifício era muito rico, com móveis trabalhados embutidos nas paredes, centros trabalhados de alguns tectos, átrio em calçada e outros elementos decorativos10. A 6 de Janeiro de 1913, é inaugurada, ao lado do solar, uma capela de arquitectura neo-manuelina, mandada construir por D. João de Alarcão e dedicada a Nossa Senhora da Conceição. Com capelão privativo onde, diariamente, se faziam as práticas religiosas para a família e amigos mas não só, era franqueada a todas as pessoas. Capela de Nossa Senhora da Conceição (2011) [© Mário José Costa da Silva].

10 - CAESSA, 1993; GÓIS, 1995, pp. 207-208.

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De pequenas dimensões e planta rectangular, os perímetros laterais da fachada exterior são demarcados por uma pilastra de cada lado. A porta, de madeira, é também emoldurada. Ao cimo está o brasão de família e no lado direito, o sino. Um vitral, no tardoz, deixa iluminar o interior da capela. As imagens pias estavam colocadas no altar. A fachada lateral esquerda tem uma pequena janela11. A 14 de Outubro de 1871, a caminho de completar os 17 anos de idade, matricula-se em Direito, na Universidade de Coimbra, tendo obtido o grau de bacharel a 28 de Junho de 1875 e a formatura a 19 de Junho de 187612. Em 1877, casa com D. Maria da Conceição de Castro e Lemos de Magalhães e Meneses, filha de Sebastião de Castro e Lemos, da Casa do Covo, e de sua esposa D. Emília Pamplona de Sousa Holstein (Beire), não tendo deixado filhos. Pouco tempo depois, a 7 de Janeiro de 1878, ele e sua esposa, já identificados como “proprietarios desta vila (Montemor-o-Velho)”, são padrinhos de baptizado, na igreja de São Martinho, igreja paroquial da freguesia de Santa Maria de Alcáçova e São Martinho, de Montemor-o-Velho, de uma menina, de nome Maria, nascida a 31 de Dezembro do ano anterior, filha de António Esteves da Costa, pedreiro, e de Teresa Machada13. Nos anos seguintes, voltamos a encontrá-los, talvez numa tentativa de ultrapassar o desgosto de não conseguirem ter filhos e sempre numa atitude protectora em relação aos mais humildes, na assunção da responsabilidade de padrinhos: a 26 de Junho de 1879, de um menino, de nome João, nascido a 12 do mesmo mês, filho de Francisco Torres de Meneses, ferreiro, e de Maria Rodrigues Moreno; e a 28 de Novembro de 1880, de um menino, de nome João, sempre o nome do padrinho, como era tradição, nascido a 25 de Outubro, filho de José Barriga e Ana Dias, jornaleiros que viviam no Casal Novo do Rio14. Para além dos baptizados, D. João de Alarcão é também solicitado para participar, como testemunha, em alguns dos casamentos, maioritariamente de gente humilde, que se vão realizando na vila: a 6 de Janeiro de 1882, na companhia de José de Ornelas da Fonseca e Nápoles, solteiro, advogado e morador nesta vila, no casamento de João Lopes de Carvalho, alfaiate, com Maria da Conceição Veiga, costureira; a 9 de Agosto de 1882, com a sua esposa, no casamento de José Rodrigues Verdete, barqueiro, com Teresa Pereira, criada de servir; e a 30 de Outubro de 1884, na companhia de sua esposa e do seu grande amigo comendador Dr. José Maria de Góis Mendanha Raposo “bacharel em Medicina, e proprietário e desta mesma villa”, no casamento 11 - A imagem de Nossa Senhora da Conceição foi, na década de 1980, doada pela família à Santa Casa da Misericórdia de Montemor-o-Velho. 12 - AUC, Actos, n.º 26, fls. 125 e 275. 13 - AUC, Registos Paroquiais de Montemor-o-Velho – Baptismos (1878), fls. 1v.-2. 14 - AUC, Registos Paroquiais de Montemor-o-Velho – Baptismos (1879), fls. 22-22v.; id., Registos Paroquiais de Montemor-o-Velho – Baptismos (1880), fls. 53-53v.

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de José Augusto de Góis Mendanha Raposo, viúvo de D. Madalena de Sá Couceiro Lobo Portugal, com D. Maria da Assunção Telo de Magalhães Colaço15. “Afortunado pelos bens de nascença, sabia ser generoso e compassivo para com os necessitados. Longe de ser hermeticamente egoísta, a sua riquesa, não era das que agravava ninguém; antes pelo contrário, servia para olhar os pobres. Para olha-los e socorre-los.”16 Entretanto, fruto de um passado universitário de grande envolvimento político e de defesa intransigente dos ideais do Partido Progressista, partido no qual se filiara, ingressa na vida política activa, tornando-se, nas palavras do Diário de Notícias, num “politico prestigioso, de um temperamento calmo e reflectido, tendo dado sempre irrefutaveis provas de uma energia indomavel.”17 A 5 de Abril de 1885, sucede a Vasco Guedes de Carvalho e Meneses (nomeado a 14 de Agosto de 1884) como Governador Civil da Madeira, tendo tomado posse do cargo a 8 de Maio do mesmo ano. Manter-se-ia nestas funções até 24 de Janeiro de 1890, data em que foi substituído por José de Azevedo Castelo Branco. A 4 de Abril de 1889 é nomeado, conjuntamente com Luís da Terra Pereira Viana, bombeiro voluntário da cidade do Porto que fora até à Madeira instruir os primeiros “soldados da paz” locais, e Randolfo Ramiro Correia Mendes, major do exército em comissão nas Obras Públicas, comandante honorário dos Bombeiros Voluntários do Funchal, fundados a 24 de Setembro de 188818, e a 2 de Maio de 1889, funda a Associação Protectora dos Pobres, popularmente conhecida por “Sopa Económica”, para dessa forma distribuir alimentos aos pobres e doentes da ilha19. A 2 de Junho de 1886 foi nomeado Governador Civil da Guarda, cargo que ocuparia até 5 de Abril de 188820. Em 1890 é eleito deputado pelo círculo eleitoral da Guarda (n.º 57). Exerceu o cargo de ajudante do Procurador-Geral da Coroa e Fazenda, por decreto de 13 de Janeiro de 1890, com posse tomada a 18 do referido mês, até 24 de Outubro de 1910, data em que, por Despacho do Ministério da Justiça – Direcção Geral dos Negócios da Justiça –, do Governo Provisório presidido pelo Dr. Joaquim Teófilo Braga, foi exonerado21. 15- AUC, Registos Paroquiais de Montemor-o-Velho – Casamentos (1882), fls. 1v-2v. e 7-7v.; id. Registos Paroquiais de Montemor-o-Velho – Casamentos (1884), fls. 17-19. 16 - Vida Regional, 30 de Outubro de 1959. 17 - Diário de Noticias, 13 de Setembro de 1918. 18 - Inventário do Arquivo da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Funchal …, 1998, pp. 2-3. 19 - MENESES, vol. I (A-E), 1921, pp. 58 e 191. 20 - In http://www.gov-civ-guarda.pt/governo/governadores.asp (consultado em 27/07/2011). 21 - O Tribuno Popular, 9 de Janeiro de 1892; e O Imparcial de Coimbra, 18 de Agosto de 1892. Diário da República, n.º 17, de 25 de Outubro de 1910.

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Em 1893 é eleito deputado pelo círculo eleitoral de Oliveira de Azeméis (n.º 37). É eleito deputado pelo círculo eleitoral do Funchal (n.º 97), na sessão legislativa de 1894 a 1895, na companhia do Dr. Manuel José Vieira, de Pedro Maria Gonçalves de Freitas e do Dr. Fidélio de Freitas Branco22. Em 1896, é um dos sócios fundadores, com o n.º 13, do Sindicato Agrícola de Montemor-o-Velho, criado com o objectivo de promover os interesses comerciais da agricultura local. A 11 de Fevereiro de 1897, é nomeado Governador Civil de Lisboa aí ficando até 25 de Junho de 1900. Mais tarde, entre 22 de Outubro de 1904 e 4 de Maio de 1905, quando passa a integrar o governo de José Luciano de Castro, voltará a ocupar este cargo23. Por carta régia, de 17 de Março de 1898, é nomeado Par do Reino juntamente com os condes de Castelo de Paiva, Martinho José Pinto de Miranda Montenegro de Vasconcelos Pereira de Bulhões, Vila Real, José Luís de Sousa Botelho Mourão e Vasconcelos, Monsaraz, António de Macedo Papança, Tarouca, Sebastião Eduardo Pereira da Silva de Sousa e Menezes, e Alto Mearim, José João Martins do Pinho; o visconde de Pindela, Vicente Pinheiro Correia Machado de Melo e Almada; os conselheiros Eduardo José Coelho, Elvino José de Sousa e Brito, António de Oliveira Monteiro, José Augusto Correia de Barros, Guilhermino Augusto de Barros, Luís Maria Pinto do Soveral e Francisco Joaquim Ferreira do Amaral; o general de divisão António Abranches de Queirós; os doutores José Frederico Laranjo e Gonçalo Xavier de Almeida Garrett; e, ainda, Francisco Eduardo Barahona Fragoso, Francisco de Barros Coelho de Campos, Francisco de Castro Matoso da Silva Corte Real, Joaquim Alves Mateus, Joaquim Coelho de Carvalho, José Vaz Correia Seabra de Lacerda e Luís de Melo Bandeira Coelho. A 26 de Março presta juramento e toma assento na Câmara dos Pares do Reino, aí permanecendo até à implantação da República, em 1910. Passa igualmente a fazer parte, como conselheiro, do Supremo Tribunal de Justiça. D. João de Alarcão na viragem do séc. XIX para o séc. XX [© Mário José Costa da Silva].

22 - In http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/xix.pdf (consultado em 27/07/2011). 23 - In http://www.gov-civil-lisboa.pt/portal2010/index.php?option=com_content&view=article&id=13&Itemi d=10 (consultado em 27/07/2011).

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No mesmo ano é nomeado Governador Civil de Coimbra interino, em comissão, nomeado em 4 de Fevereiro, tendo tomado posse em 5 e exonerado a 17 do mesmo mês e ano24, sucedendo ao Dr. Manuel Pereira Dias (1897-1898)25, e tendo ainda tempo para intervir, a pedido de José Luciano de Castro Pereira Corte Real, líder do Governo e do Partido Progressista, na Universidade de Coimbra, cujo reitor (António Augusto da Costa Simões) havia sido demitido, a fim de assegurar a “disciplina académica, no conflito surgido, naquele ano, entre os estudantes de Coimbra e o Comissário da PSP, por este agente de autoridade os ter proibido de se reunirem quando pretendiam combinar uma homenagem a Mousinho d´Albuquerque, no seu regresso a Portugal depois das campanhas de África, e de ter brutalmente repelido um grupo de estudantes republicanos, na estação do caminho de ferro em Coimbra, quando estes regressavam do Porto duma romagem ali prestada a correligionários seus.”26 A 25 de Fevereiro de 1899 é nomeado para a comissão que, à semelhança de ocasiões anteriores, iria representar a Câmara dos Pares na “conferencia internacional para a paz” a realizar “em principios de agosto d’este anno na Christiania”. Em 1901 é nomeado vogal Conselho Geral de Beneficência e, em 1905, é nomeado “vogal extraordinario do Supremo Tribunal Administrativo”, cargos que ocupará até 191027. Por esta altura, terá recebido a Grã-Cruz da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa. A 26 de Abril de 1905, é nomeado “Ministro e Secretário de Estado das Obras Públicas, Comércio e Indústria” do “Ministério”, como então se dizia, ou Governo, do “progressista” José Luciano de Castro Pereira Corte Real (20-10-1904 a 20-03-1906), 8.º Governo do reinado de D. Carlos, substituindo Eduardo José Coelho. No primeiro decreto que publicou, determinou a elaboração de estudos para a construção da ponte sobre o Mondego, em Montemor-o-Velho. A 14 de Maio, o Montepio Montemorense, reunido em Assembleia Geral, toma conhecimento de que na última “recomposição ministerial” D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osório fora chamado “aos conselhos da corôa”, deixando por isso o cargo de Governador Civil de Lisboa, “que sempre desempenhara com a mais elevada distinção”, para ocupar a pasta do Ministério das Obras Públicas. Por todas estas razões foi aprovada, por unanimidade, uma proposta do presidente da Assembleia Geral no sentido de que, quando viesse de visita a Montemor, “lhe fosse 24 - O Dever, 26 de Janeiro de 1936. 25 - RODRIGUES, 1990, p. 434; CAPELO e HENRIQUES, 1997, p. 162. 26 - http://www.cm-mealhada.pt/index.php?id=353&parcat=51&par=0&acao=mostra.php&id_p=51 (consultado em 25/07/2011); CONCEIÇÃO, 1992, pp. 171-172. 27 - In http://debates.parlamento.pt/catalog.aspx?cid=mc.cp2 (consultado em 20/07/2011).

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promovida por parte (…) d’este Montepio uma ruidoza manifestação de sympathia e apreço, indo todos encorporados a caza da residencia de sua excellencia cumprimenta-lo e ahi ler-lhe e entregar-lhe, juntamente com a copia d’esta acta”, uma mensagem de agradecimento pelo apoio dado à instituição28. Em Julho de 1905, os representantes de um importante grupo de associações de socorros mútuos da capital escrevem-lhe agradecendo o “alto serviço (…) prestado ás classes menos abastadas do paiz, que constituem a enorme maioria da população associativa de soccorro mutuo, com a publicação dos decretos de 4 de Julho corrente, pelos quaes foram dissolvidas as associações Lisboa Operaria e Familiar dos Operarios e Operarias da Fabrica de Papel da Abelheira”. A 12 de Outubro, a Câmara de Montemor-o-Velho prestou-lhe as homenagens devidas, após o que a Associação Filarmónica União Verridense29 e a Filarmónica Arazedense tocaram o Hino Nacional, à entrada dos Paços do Concelho, envolvendo-se no final numa contenda inconveniente, relatada pelo correspondente da Gazeta nos seguintes termos: “(…) como porem, qualquer festa quase nunca pode passar sem ter a sua nota comica, quando o cortejo ia a sair dos Paços do Concelho (em direcção à casa de D. João de Alarcão), travou-se um conflito entre as duas Filarmonicas, porque ali era aguardado, pelo facto de uma não querer dar a direita á outra. E por causa de uma ninharia destas sem importancia, os musicos agarraram-se enfurecidos uns aos outros, vendo-se os trombones já no ar por cima das cabeças e se não chegaram a agredir e ferir, foi isso devido á prudente intervenção de alguns cavalheiros que conseguiram serenar os animos. Uns e outros alegam as suas razões que tinham para proceder assim. Nós não achamos que possa haver motivos que justifiquem uma sensaboria destas numa tal ocasião, a não ser a falta de prudencia, tolerancia e repugnancia que houve de parte a parte. A fim de evitar a repetição de outro incidente lamentavel entre as duas sociedades musicais desavindas, a de Verride acompanhou o cortejo a casa do sr. D. João, enquanto a de Arazede ficou na Praça aguardando a comissão iniciadora dos festejos para acompanhar a casa do sr. conselheiro José Maria Raposo (…)”30. A 3 de Novembro do mesmo ano, assina o decreto que instituiu o ensino superior de indústria que habilitava ao título de Engenheiro Industrial.

28 - AMRIMV, Livro de Actas da Assembleia Geral (1894-1917), fls. 67-69. 29 - Tradicionalmente, a Filarmónica de Verride apoiava os Progressistas de D. João de Alarcão, enquanto a da Abrunheira estava ao lado dos Regeneradores de Ernesto da Costa Ornelas (Gazeta da Figueira, 23 de Outubro de 1901). 30 - Gazeta da Figueira, 21 e 25 de Outubro de 1905; GÓIS, 2008, pp. 54-55.

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A 27 de Dezembro de 1905, na sequência de uma reconstituição ministerial provocada pelo afastamento de José Maria de Alpoim, ministro da Justiça, que encabeçou uma cisão no interior do grupo parlamentar progressista, é exonerado do cargo, a seu pedido, sucedendo-lhe António Ferreira Cabral Pais do Amaral. Integravam este Ministério: José Luciano de Castro Pereira Corte Real (Progressista – Presidência); D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osório (Progressista – Obras Públicas, Comércio e Indústria); Eduardo José Coelho (Progressista – Reino); Manuel António Moreira Júnior (Progressista – Marinha e Ultramar); Manuel Afonso de Espregueira (Progressista – Fazenda); Sebastião Custódio de Sousa Teles (Progressista – Guerra); António Eduardo Vilaça (Progressista – Negócios Estrangeiros); Artur Pinto de Miranda Montenegro (Progressista – Negócios Eclesiásticos e de Justiça)31. A 18 de Abril de 1907, em plena greve académica, generalizada a todo o país, na qual houve não poucos conflitos, com 52 anos, este jurista de formação é nomeado reitor, sucedendo a António dos Santos Viegas que, na sequência da referida greve, apresentara o seu pedido de demissão, demissão essa que lhe foi deferida por decreto de 17 de Abril de 190732. D. João de Alarcão (1907) [© Anuário da Universidade de Coimbra 1907-1908].

Reitor da Universidade de Coimbra, num período particularmente agitado da vida pública e das reivindicações académicas, “soube nobremente suportar as responsabilidades do cargo, pela elegância das atitudes, estilo de vida, compreensão e bom senso conciliadores.”33 Fruto da sua acção apaziguadora, o Decreto de 22 de Maio de 1907 e o Decreto de 26 de Agosto de 1907 viabilizaram a reabertura das aulas, a realização de exames de

31 - RAMOS, 2006, pp. 347 e 362; PEREIRA e RODRIGUES, 1912, vol. VI, pp. 757-758; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, 1998, vol. 1., p. 714; RODRIGUES, 1990, p. 280. 32 - RODRIGUES, 1990, p. 278. 33 - Vida Regional, 30 de Outubro de 1959.

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fim de ano e a comutação das penas disciplinares de expulsão assinadas pelo Conselho de Decanos. Em Novembro de 1907, alguns meses antes do regicídio de 1 de Fevereiro de 1908, D. João de Alarcão solicita “a exoneração, por se sentir aggravado pela interview concedida por El-Rei D. Carlos a Galtier”, embora tivesse sido dissuadido de o fazer34. A 18 do mesmo mês, é nomeado um novo reitor, António das Neves Nunes Oliveira e Sousa, juiz desembargador da Relação de Lisboa e antigo delegado do Ministério Público na comarca de Montemor-o-Velho (década de 1870), que tomará posse, perante o Conselho de Decanos, a 12 de Dezembro seguinte35. No dia 8 de Dezembro de 1907, participa na “assembleia progressista”, reunida em casa e sob a presidência de José Luciano de Castro, “eminente estadista que dirigia o partido”, em que se discutiu e se expressou o mais profundo desgosto do partido pelo conteúdo da entrevista dada pelo rei D. Carlos em Cascais, onde a família real passava o verão, ao jornalista francês Galtier, redactor do “poderoso jornal parisiense Temps”. Vivia-se em plena ditadura franquista e nos primeiros dias de Janeiro de 1908, como habitualmente, reuniam-se todas as tardes no Centro progressista, instalado na rua Ivens, no mesmo edifício em que se redigia e imprimia o Correio da Noite, algumas das altas esferas do Partido Progressista, “quasi todos pares do Reino e deputados, conversando e commentando os factos anormaes, que iam succedendo.” Entre os mais assíduos destacavam-se: Alexandre Cabral e seu irmão António Cabral, Luís Bandeira Coelho, Francisco José Machado, D. João de Alarcão, Joaquim Telo, Lacerda Ravasco, Cabral Metelo, Carlos Ferreira, D. Fernando de Noronha (Angeja), Matias Lopes da Cruz, Lourenço Cayola, Chaves Mazioti, D. Manuel de Noronha, Sinel de Cordes, Álvaro de Azeredo, Tavares Festas, Sebastião Teles e Manuel Afonso de Espregueira, entre outros36. No Governo do “regenerador” Artur Alberto de Campos Henriques (25-12-1908 a 11-04-1909), 2.º Governo do reinado de D. Manuel II, ocupou, ele que era um “progressista”, a pasta da Justiça. Integravam este Ministério: Artur Alberto de Campos Henriques (Regenerador – Presidência e Reino); Sebastião Custódio de Sousa Teles (Progressista – Guerra); D. Luís Filipe de Castro (Regenerador – Obras Públicas, Comércio e Indústria); D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osório (Progressista – Negócios Eclesiásticos e Justiça); Manuel Afonso de Espregueira (Progressista – Fazenda); António Ferreira Cabral Pais

34 - CABRAL, 1923, p. 266. 35 - RODRIGUES, 1990, pp. 280-281. 36 - CABRAL, 1923, pp. 251, 254 e 255-256.

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do Amaral (Progressista – Marinha e Ultramar); e Wenceslau de Souda Pereira Lima (Regenerador – Negócios Estrangeiros)37. No Governo do “progressista” Sebastião Custódio de Sousa Teles (10-04-1909 a 05-05-1909), 3.º Governo do reinado de D. Manuel II, ocupou a pasta dos Negócios Estrangeiros, tendo tomado posse a 14 de Abril. Integravam este Ministério: Sebastião Custódio de Sousa Teles (Progressista – Presidência e Guerra); Alexandre Ferreira Cabral Pais do Amaral (Progressista – Reino); conde de Castro e Solla (Regenerador, da facção de Campos Henriqes – Negócios Eclesiásticos e Justiça); João Soares Branco (Progressista – Fazenda); João António de Azevedo Coutinho Fragoso de Siqueira (Progressista – Marinha e Ultramar); D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osório (Progressista – Negócios Estrangeiros); D. Luís Filipe de Castro (Regenerador, facção de Campos Henriques – Obras Públicas, Comércio e Indústria)38. Conservando-se fiel aos seus ideais políticos era ainda, à data da sua morte, presidente da Junta Monárquica do distrito de Coimbra39. A 20 de Dezembro de 1911, a Direcção do Montepio deliberou por unanimidade, “attendendo aos relevantes serviços prestados a esta associação”, nomeá-lo sócio honorário nos termos dos estatutos, devendo receber o diploma e um exemplar dos estatutos no dia 1 de Janeiro de 1912, dia do 29.º aniversário do Montepio. Representou-o nesta sessão solene seu sobrinho D. Luís de Alarcão40. Dedicou-se também ao jornalismo com distinção, “argumentando bem e mostrando-se espírito erudito e correcto”, tendo colaborado sobretudo no Correio da Noite, “órgão Progressista que funcionava, sobretudo, como centro de discussão política relacionada com o estado social, político e económico da nação”, fundado em Abril de 1881, do qual foi durante muito tempo director, sucedendo a vultos como Emídio Júlio Navarro e Anselmo José Franco de Assis de Andrade. Entre os frequentadores do Correio da Noite, tínhamos, para além de D. João Alarcão, nomes como Eduardo José Coelho (político alcunhado de violento, dado o seu carácter apaixonado), Luís de Melo Bandeira Coelho (general e deputado influente que abriu caminhos a António Cabral no mundo da política), Francisco José Machado, José d’Alpoim e Francisco Cabral Metelo (membros penetrantes do Partido

37 - PROENÇA, 2006, p. 247. Ver também http://www.mj.gov.pt/PT/Ministerio/HistoriaMinisterio/MinistrosJusticaPT/Documents/MinistrosJUSTICA.pdf (consultado em 15/07/2011). 38 - PROENÇA, 2006, p. 247. Ver também http://www.mne.gov.pt/NR/rdonlyres/014228B4-ADC3-429D-ACE9EB524AA5F804/0/mne_anuario_20071.pdf (consultado em 11/07/2011). 39 - O Século, 13 de Setembro de 1918. 40 - AMRIMV, Livro de Actas da Direcção (1911-1938), fls. 11-11v. e 14v.

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Progressista). De acordo com António Cabral, D. João de Alarcão foi mesmo uma das mais ilustres figuras do jornalismo português na transição do século XIX para o século XX. Mais tarde, em 1909, passam a reunir-se na redacção de O Liberal, impresso de acordo com os princípios do Partido Progressista, figuras ilustres deste partido, como Alexandre Cabral, o general e par do Reino Luís Bandeira Coelho, D. João de Alarcão, o conselheiro Eduardo José Coelho, o conselheiro Francisco Cabral Metelo, o general Macedo Lacerda, o par do Reino Francisco José Machado, os deputados Meneses e Vasconcelos, Aurélio Pinto, Lacerda Ravasco, Frederico Ramires, entre outros41. Como alguns políticos do seu tempo, deu-se ao “prazer deleitoso de cultivar as letras. Fê-lo com esmero e competência, com elas servindo dedicadamente o seu torrão natal, pois algumas belas páginas lhe deve a exuberante historiografia montemorense, publicadas sob o pseudónimo de João de Andrade.”42 Dedicou-se ao estudo da genealogia, escrevendo: Avós Ilustres, Coimbra, 1904 in 8.º de 273 páginas, saído com o pseudónimo de João de Andrade; Linhas Genealógicas (Alarcões e Andrades), acompanhadas de várias notas, manuscrito in folio sem nome do autor; Descendência de Gaspar Maria de Castro e Lemos e de sua mulher D. Maria Isabel de Melo e Meneses de Vilhena e Castro, também manuscrito in folio, sem nome do autor. Os referidos manuscritos, autógrafos, pertenciam à livraria do juiz conselheiro Dr. Eduardo de Campos de Castro de Azevedo Soares (Carcavelos), erudito genealogista43. De entre as obras existentes na sua biblioteca, temos ainda notícia das Memórias Genealógicas, escritas em 1694, com 53 árvores genealógicas da sua família, original inédito, que pertenceu à biblioteca do seu quinto avô, António Correia da Fonseca e Andrade44. A 9 de Novembro de 1917, “tendo-se dado circunstancias” que o obrigavam a alterar algumas disposições do seu último testamento, D. João de Alarcão resolveu revogá-lo, substituindo-o por um novo45. Vitimado por uma síncope cardíaca, viria a falecer, pelas 20.00 horas do dia 11 de Setembro de 1918, na sua residência, em Montemor-o-Velho. Na manhã do dia 13, “com extraordinaria concorrencia”, realiza-se o funeral, incorporando-se no mesmo pessoas “de todas as classes sociaes e de todas as feições politicas.”46 41 - PEREIRA e RODRIGUES, 1912, vol. VI, p. 758; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, 1998, vol. 1., p. 714; CABRAL, 1949, p. 56. 42 - Vida Regional, 30 de Outubro de 1959. 43 - Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, 1998, vol. 1., pp. 714-715; RODRIGUES, 1990, p. 280. 44 - SILVA, 2008, p. 155. 45 - AMMV, Livro de Registo de Testamentos do concelho de Montemor-o-Velho (1917-1918), n.º 74, fls. 13-17. 46 - O Século, 13 de Setembro de 1918.

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“As cerimonias funebres celebraram-se na capela particular do extinto, conduzindo o bicorne e o espadim o sr. José Maria de Vasconcelos de Sousa Nápoles, intimo e particular amigo do finado, e a chave da urna o sr. D. Miguel d’Alarcão. Organisaram-se cinco turnos, compostos das pessoas mais gradas da terra. No prestito tambem se incorporou a Associação do Montepio e Recreio Instrução, com o seu estandarte envolto em crepe. À beira da sepultura falaram, enaltecendo as qualidades do extinto, os srs. Dr. José Jardim, em nome da minoria parlamentar monarquica; José Maria Raposo, presidente da camara municipal, em nome dos povos da região; dr. Carlos Lobo, em nome dos antigos amigos de D. João d’Alarcão; dr. Antonio Marçal, filho, em nome de sua familia; dr. Mario d’Aguiar, em nome da Liga Nacional Monarquica; José de Napoles, em nome dos amigos íntimos do finado; dr. Luiz d’Alarcão, que, em nome da familia Alarcão, agradeceu a todos as homenagens prestadas a D. João d’Alarcão; e, por fim, o operario Alfredo Mendes dos Santos, em nome da sua classe. O ex-rei D. Manuel fez-se representar no funeral pelo sr. D. Fernando Pombeiro.”47 Foi sepultado no cemitério público desta vila, dentro do castelo, “e não em Coimbra, por sua expressa vontade”. Com a transladação para o novo cemitério, inaugurado em Dezembro de 1959, o seu jazigo, construído em 1921 pelo conimbricense Francisco António dos Santos, Filho, é colocado no 2.º talhão esquerdo, onde ainda hoje se encontra. Jazigo da Família Alarcão (2011) [© Mário José Costa da Silva].

A 28 de Setembro de 1918, o presidente da Comissão Administrativa do concelho de Montemor-o-Velho, José Maria de Góis Mendanha Raposo, apresenta um panegírico completo do defunto que, pelo seu interesse, passamos a trancrever: “Finou-se no dia 11 do corrente mez de Setembro por 7 ½ horas da tarde na sua casa de residencia n’esta villa o cidadão illustre que em vida se chamou D. João de Alarcão Vellasques Sarmento Osorio. Nascido de fidalga estirpe no Espinhal (villa) no anno 47 - O Século, 15 de Setembro de 1918.

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de 18[54] fez a sua formatura em Direito na Universidade de Coimbra no anno de 1876. Tendo entrado pouco depois na politica activa, filiou-se no Partido Progressista sob a chefia do conselheiro José Luciano de Castro, adquirindo em breve um logar de destaque e de prestigio mercê dos seus elevados dotes de intelligencia, bom senço, cordura e dedicação partidaria, ocupando sucessivamente os elevados de governador civil da Guarda, Funchal, Coimbra e Lisboa, logares que desempenhou com grande brilho e intelligencia por forma que em nenhum d’elles creou inimigos e incompatibilidades, tornando-se verdadeiramente notavel a forma como suluccionou, como reitor da Universidade de Coimbra, a importante greve academica de 1907. Tendo sobraçado a pasta do então Ministerio das Obras Publicas em 1[905], ascendeu ao Pariato em [1898] e ao Conselho de Sua Magestade em [1898], honras com que foi agraciado pelos seus grandes merecimentos moraes, civis e politicos. Nomeado ajudante do procurador geral da Coroa e Fazenda, em [1890], tornou-se particularmente notavel no desempenho rigoroso de tão difficil cargo pelos muitos e vastos conhecimentos jurid[ic]os que possuia e pelo aturado e inconcusso trabalho que sempre teve, havendo bastantes vezes e ocasiões em que era o único magistrado que relatava todos os inumeros processos d’aquelle tribunal, e até quando, para descançar de tão arduo trabalho, vinha passar alguma temporada na sua casa desta villa, se fazia acompanhar de varios processos em que aqui trabalhava. Na qualidade de marechal muito conceituado do seu partido e chefe politico neste concelho, o seu tacto politico, a sua muita cordura aliada a extrema a muita delicadeza e sympatia de que gosava serviram a resolver sempre a contento de todos as varias questões que por vezes se suscitaram entre os correligionarios, razão esta porque cada vez em maior conceito era tido e mais estimado era pelos seus amigos. Amando com entranhado affecto esta villa e concelho, por vezes lhe prestou assignalados [serviços], sendo o mais importante a parte que tomou na construcção da Ponte de Ferro sobre o Mondego, a qual devido aos seus esforços e aos outros vultos importantes dos partidos então militante e, subsequentemente, já no regime republicano, aos do senhor José de Vasconcellos Sousa e Napoles, tornou-se uma realidade penhorante para o concelho em 1 de Janeiro do corrente anno, em que foi inaugurada a sua abertura ao transito publico. Caido o regime monarchico em 10 (sic.) d’Outubro de 1910 regressou de Lisboa á sua casa nesta villa, dedicando-se a varios estudos literarios e historicos para matar saudades do muito trabalho que tinha na secretaria da Procuradoria Geral, e em virtude d’esses estudos publicou o livro Lendas e Contos e, em separata, O Abbade João, lenda ligada a esta velha villa, velha e histórica villa de Montemor e muito querida dos seus habitantes, e em honra dos quaes se faziam historicos festejos caidos em desuso desde 1863. Dotado d’uma alma simples e bem formada e d’um formoso coração, empregava uma parte da sua grande fortuna em obras de caridade e benemerencia, educando em sua 63


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casa com grande carinho e amizade creanças pobres e desvalidas, a quem, alem do pão necessario ao corpo, ministrava o indispensavel ao espirito, custeando as despezas da sua educação, sendo um exemplo vivo d’esse nobre proceder um oficial do exercito que n’elle ocupa uma magnifica posição. Extremoso e exemplar chefe de familia, sem descendencia directa, dedicava todos os seus affectos a seus sobrinhos, que alguns viviam na sua companhia, e a quem extremecia como filhos amicissimos. Despido de preconceitos de casta e heraldicos e liberal por convicção e dotado de bondade natural acolhia com affabilidade e carinho os pequenos e humildes pondo particular alegria em assistir as desfolhadas, malhas e serviço das eiras, conversando despertenciosamente com os pobres aldeãos a quem muito gostava de ouvir sobre os serviços agriculas de sua predilecção. Os muitos trabalhos e canceiras no espinhoso cargo que por tantos [annos] desempenhou abalaram o seu organismo pouco resistente por forma que de ha muito vinha soffrendo d’uma doença pulmunar e outros padecimentos de gravidade, no que procurava alivio nas thermas de Entre-os-Rios (situadas na Quinta da Torre, freguesia de Eja, concelho de Penafiel, distrito do Porto, e exploradas, por alvará régio de 6 de Maio de 1905, com a assinatura de D. João de Alarcão, então ministro das Obras Públicas, pela Sociedade das Águas de Entre-os-Rios)48 que todos os anos frequentava. Aggravados no corrente anno esses padecimentos, deram o fatal desenlace no referido dia 11 do corrente, não valendo os soccorros medicos e os affectos da extremecida familia a obstar a tão triste acontecimento que enxeu de lucto todos quantos tinham a dita de o conhecer e com elle de perto viverem.49 Acabada a leitura d’este documento o mesmo presidente propos que ao Largo defronte da casa da residencia do finado e rua a seguir até a Ponte da Alagoa – Largo Macedo Souto Maior, fosse dado o nome de Largo e Rua D. João d’Alarcão, proposta que foi por unanimidade approvada.” “À sua veneranda figura de homem probo, ecléctico, erudito, político de alto prestígio que o elevou aos mais altos lugares da hierarquia académica, do Governo e da Justiça e ainda porque o seu coração era um cadinho donde brotava a maior filantropia, como reconhecimento de tantos pergaminhos, aqui estamos a evocar a memória de tão insigne vulto.”50

48 - Collecção Official de Legislação Portuguesa - Anno de 1905, Lisboa, Imprensa Nacional, 1906, pp. 156-157. 49 - AMMV, Livro de Actas das Sessões da Comissão Executiva ou Administrativa da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1918-1922), fls. 39v.-40v. 50 - Diário de Coimbra, 10 de Novembro de 1984.

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FONTES MANUSCRITAS ARQUIVO MUNICIPAL DE MONTEMOR-O-VELHO (AMMV) Livro de Actas das Sessões da Comissão Executiva ou Administrativa da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho: 1918-1922. Livro de Registo de Testamentos do concelho de Montemor-o-Velho: 1917-1918. Livro de Vereações da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho: 1681-1690; 16901693; 1693-1698; 1714-1726.

ARQUIVO DO MONTEPIO RECREIO E INSTRUÇÃO DE MONTEMOR-O-VELHO (AMRIMV) Livro de Actas da Assembleia Geral: 1894-1917. Livro de Actas da Direcção: 1911-1938.

ARQUIVO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (AUC) Actos, n.º 26, fls. 125 e 275. Registos Paroquiais de Montemor-o-Velho: S. Martinho (1573-1669 e 1667-1793); Santa Maria de Alcáçova (1547-1729); S. Martinho e Santa Maria de Alcáçova – Baptismos (1878-1880); S. Martinho e Santa Maria de Alcáçova – Casamentos (18821884).

FONTES IMPRESSAS Collecção Official de Legislação Portuguesa - Anno de 1905, Lisboa, Imprensa Nacional, 1906. Collecção Official de Legislação Portuguesa - Anno de 1908, Lisboa, Imprensa Nacional, 1909. Collecção Official de Legislação Portuguesa - Anno de 1909, Lisboa, Imprensa Nacional, 1910. 65


Mário José Costa da Silva

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BIBLIOGRAFIA CABRAL, António, Alexandre Cabral. Memórias politicas: homens e factos do meu tempo, Lisboa, Editores J. Rodrigues & Cª, 1923. CABRAL, António, As minhas memórias de jornalista: casos de política - lutas da imprensa - cartas inéditas, Lisboa, Edições Gama, 1949. CAESSA, Ana Isabel de Sá, Reutilização do Solar dos Alarcões. Proposta de criação de uma casa municipal da cultura, CMMV, 1993 [policopiado]. CAPELO, Ludovina Cartaxo, Catálogo do Registo Vincular do Distrito de Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra. Ver o registo n.º 23, pp. 19-20. CAPELO, Ludovina Cartaxo, HENRIQUES, Isabel Maria, “Inventário do Arquivo do Governo Civil de Coimbra”, sep. do Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra, vol. XV e XVI, Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, 1997, pp. 157-337. CONCEIÇÃO, Augusto dos Santos, Terras de Montemor-o-Velho, 2.ª ed., Montemor-o-Velho, CMMV, 1992. Diário da República, n.º 17, de 25 de Outubro de 1910. Diário de Coimbra, 1984. Diário de Notícias, 1918. Fernando Augusto da Silva e Carlos de Azevedo de Meneses, Elucidário Madeirense, 3

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Correia Góis*

Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 11, 2011, 69 - 120

“II CENTENÁRIO DAS GUERRAS PENINSULARES” Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

Alegoria aos mortos durante as invasões francesas no Baixo Mondego. Aguada de tinta da china. Autoria Bráulio Figo. Elementos Iconográficos: pomba branca - a luta pela paz; anjo - memória; livro - registo dos nomes dos que perderam a vida; imagens - alegoria à guerra.

* - Correia Góis (Licenciado em História de Arte e Graduado em Arte do Renascimento pela Universidade de Coimbra).

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Albuera, vila da extremadura espanhola na Província de Badajoz, durante o mês de Maio funciona como epicentro evocativo e comemorativo das Guerras Peninsulares, ditas “Invasões Francesas”. Anualmente em Maio a vila é palco de eventos (conferências, distinções, desfiles militares, mercadilho, teatro, música, etc.) alusivos à tragédia verificada na tarde de 16 de Maio de 1811 num duro combate entre as tropas aliadas e napoleónicas. O saldo mortal (civis e militares) foi da ordem dos milhares. O “sítio” e as “marcas” arribaram ao Séc. XXI em alguns dos edifícios sobreviventes (Igreja Matriz, Pontes e campo da batalha) a par de um campo de interpretação monumental edificado para o efeito e onde é possível reaver as forças em confronto, bem como os painéis evocativos da tragédia nas entradas da vila, entretanto reconstruída. A primitiva foi praticamente destruída e queimada. A narração histórica, informa nesta batalha confrontarem-se tropas aliadas (10.499 militares britânicos, 10.201 portugueses e 14.634 espanhóis) e 24.270 militares franceses sob o comando do general Soult que vinha em socorro da Guarnição Militar sitiada pelos aliados em Badajoz. As tropas aliadas eram comandadas pelo general Beresford (luso-britânicas) e as espanholas pelo general Franciso Xavier Castanos e capitão-general Joaquim Blak. Da contenda resultou 40% de baixas (mortos, feridos e desaparecidos) nas tropas francesas e 5.916 nos aliados, entre os quais o major-general Daniel Hogton (inglês) “morto à cabeça da sua Brigada” e os tenentes-coronéis Daniel Whit e James Ward a morrerem em Elvas “por ferimentos na batalha” a 3 e 17 de Junho de 1811. E se Albuera é tomada como epicentro europeu, o epicentro português por ser local marcante, determinante, mais próximo de Albuera e todos os anos recordado é a vila da Redinha no concelho de Pombal, sítio onde a 12 de Março de 1811 se travou uma dura batalha entre as tropas luso-inglesas comandadas por Wellesley e francesas pelo marechal Ney. Desta contenda resultaram muitas baixas entre as tropas e civis, a vila foi queimada e muitos dos seus habitantes fugiram para as terras a norte do Mondego onde vieram a morrer e a jazer eternamente. Os franceses comandados por Massena entraram em Portugal em 1810, estadiaram e permaneceram numa região entre o Mondego e as linhas de Torres Vedras. Enquanto permaneceram nestas terras provocaram desacatos imensuráveis nas populações, não se coibindo de matar, violar, saquear e queimar. O insucesso em Torres Vedras, a falta de alimentos para as tropas, a obstalização das milícias locais aconselha Massena a retirar-se para uma zona mais fértil em alimentos (norte do Mondego?) e quiçá ao Quartel-General sediado em Almeida. A primeira retirada foi para Rio Maior e Santarém, com insucesso. Os alimentos faltavam, os exércitos estavam famintos e doentes e as dificuldades com o Comando Geral eram impossíveis a ponto de aquando do envio de um relatório a Napoleão, o general Fuy fez-se escoltar por uma Batalhão de Infantaria e um esquadrão de Cavalaria com cerca de 750 homens. O regresso foi com 1.800. Daí, a retirada final de Massena em cuja viagem as suas tropas rapinaram, mataram, torturaram e provocaram uma politica de “terra queimada”. 70


II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

O alerta da fuga transmitido a Wellesley foi dado por uma camponês na manhã de 6 de Março de 1811 ao afirmar “os franceses tinham deixado acesas as fogueiras dos acampamentos, mas retiraram-se durante a noite”. Afinal, em 1810 quando entrou em Portugal detinha um exército de 65.000 homens, agora apenas dispunha de 46.500 e muitos debilitados. Avisado Wellesley, imediatamente inicia uma perseguição na sua retaguarda, na tentativa de desbaratar as tropas francesas e impedir a ultrapassagem do Mondego onde o comandante de milícias coronel Nichola Trant estava precavido. Na fuga, o 1º combate trava-se em Pombal (11 de Março), segue-se o da Redinha a 12 de Março e Foz de Arouce a 16. A 22 de Maio as tropas sobreviventes francesas estão na Guarda e durante o mês de Abril permaneceram em Almeida até ao dia 11 de Maio quando se retiram apenas com cerca de 25.000 homens. O exército francês nesta fuga humilhante, provocou atrocidades horríveis sobre pessoas e bens nas localidades de passagem e de cujas “memórias” ficaram muitos testemunhos de que se ousa transcrever alguns. Entre os muitos temos: A 28 de Maio de 1811, o prior de Almagreira, Padre Francisco da Costa, escreveu o seguinte: “...nesta freguesia feriram mortalmente o Padre João Ferreira. Mataram 6 rapazes, 4 raparigas, 5 mulheres e 20 homens (2 queimados). Roubaram todas as casas da freguesia, faz com que a maior parte das pessoas morre de fome e epidemia. Lançaram o Sacrário e consumiram as formas sagradas. Roubaram um vaso sagrado, dois cálix, o relicário, três cálices das capelas e roubaram todos os ornamentos da igreja e capelas ditas, escapou o cálix de S. António do Val do Nabal e a cazula de Santo António dos Netos...”1.

Por sua vez o vigário encomendado da Igreja da Redinha, o padre Francisco Pereira de Sousa a 27 de Maio de 1811 informa o seguinte: “...nesta freguezia mataram 341 pessoas (171 homens e 170 mulheres). A Igreja Matriz não tem altar mor, nem retábulos, nem trono. A sacristia não tem couza nenhuma. Não há paramentos de qualidade nenhuma, não tem cruz, nem castiçais, etc....” 2

O vigário do Louriçal, D. Luís António dos Santos em 31 de Maio de 1811 enviou ao Arcipreste do Vouga a seguinte informação: “...o estado actual desta freguezia, na qual já não vive huma terça p.te das pessoas e destes são m.to poucas as que não se achao de todo igualmente doentes e não fossem prontamente acorridas pela Divina Misericórdia com brevidade não 1 - AUC- Invasões Francesas (Colecção Belisário Pimenta), D-IV-4-2-2 (Pombal) 2 - Em anexo junta o mapa com os nomes dos mortos, casas queimadas e objectos roubados.

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haveria aqui nenhuma pessoa; sendo talvez assim a principal causa com a qual se tem achado algumas pessoas mortas, umas em casa e outras pelo monte e por isso se fez impossível uma rigorosa averiguação. O que se pode saber é que o Santíssimo Sacramento, os templos e as sagradas imagens padeceram todos os possíveis insultos de desacato. Na Igreja Matriz arrebatarão o sacrário, lançarão por terra e pizarão com os pés as sagradas formas e roubaram o vaso sagrado. As vestes sagradas foram todas espalhadas por baixo dos pés dos animais, de forma que nada se pode aproveitar e este templo ficou sempre servindo de curral de gado. O Convento Real foi tão estragado que muito dificilmente poderão em algum tempo reparar-se tão grande ruína. A decência não permite referir os vergonhosos insultos com que ali foram tratadas as sagradas imagens...a Casa do Recolhimento da vila e a sua Igreja teve igual tratamento...”.3

O padre José Duarte, vigário geral de Pombal a 8 de Junho de 1811 informa: “...nesta freguezia foram mortos 69 do sexo masculino – mortos à bala e baioneta, alguns enforcados em árvores – em Pelariga dependuraram homens numa árvore e por baixo fizeram uma fogueira e estiveram até ao último suspiro. 8 mulheres foram mortas à baioneta e a tiro – o estado de ruína da vila não pode fazer-se uma exacta descrição – mais de 200 fogos de que ela se compunha, não estão habitados 50 – uma rua ardeu toda de um e outro lado e muitas outras aconteceu o mesmo e as que não arderam ficaram infinitamente arruinadas, apenas existem as paredes. A Igreja paroquial e outros templos, quebraram e queimaram portas e janelas, as campas de sepulturas, os balcões de paramentos, os retábulos, altares e trono foram demolidos e destruídos – as alfaias e paramentos foram roubados e apenas se encontrou um relicário para levar o sagrado viático aos enfermos...”.4

As nótulas supra identificam os “estragos” provocados nas pessoas e bens das populações aquando da estadia e da fuga das tropas invasoras; porém, não elucidam o drama e as “vivências” dos refugiados na ordem dos milhares que acorreram às povoações da margem direita do Mondego em busca de socorro e cujo destino na sua maior parte além da humilhação, desespero, fome, doença e sofrimento foi a morte em que nem sequer os restos mortais jamais voltarem à terra natal. Esta tragédia, porque de tragédia se trata está claramente expressa em 2 cartas (uma datada de 29 de Março de 1811 e outra sem data) enviadas ao Arcipreste do Vouga pelo padre João Gaspar Coelho, Pároco da “villa da Figueira” onde cita os muitos mortos (mais de 100 em alguns dias), o trabalho que tinha em actos de confissão e extrema-unção, as condições em que os refugiados viviam e muitos dos figueirenses abonados saíram para as cidades e vilas a norte da Figueira libertando-se do flagelo dos refugiados.

3 - AUC – Invasões Francesas (Colecção Belisário Pimenta), D-IV-2-2-2 (Pombal) 4- “ “ “ “ “

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A carta datada de 29 de Março de 1881 é do seguinte teor: “...desejo-lhe a mais feliz saúde e muitas felicidades por moléstia dos olhos e juntamente pellas m.tas doenças não escrevi pello portador, por estar avizado pª muitas confissões para enfermos na tarde q. elle aqui chegou, e no dia de hoje gastei toda a manhã em confessar enfermos para se sacramentarem, pois todos os dias sai o Senhor fora às seis da manhã e recolhe pellas duas e três da tarde, e muitas vezes mais tarde, as mortes são contínuas, há dias de quarenta e sincoenta e já houve dia de cento e sinco pessoas, os confessores são muito poucos, no Convento não há mais do q. três frades, mas hum está impossibilitado; na Fregª, não há mais do q. hum e o meu Quadjutor e seu irmão o P.e Ignº da Sª Pinheiro. O P.e Jozé Joaq.m de Olivª Rebelo chegou aqui de Lisboa a quatro dias e foi pª Thavarede suprir a falta de seu irmão falecido, cura q. hera da dita Freguezia; aqui nesta Fregª havia muitos Sacerdotes do Bispado de Leiria, q. confessavão os seus Freguezes entre os quais hera o Cura do Coimbrão, o Cura do Soito e o Cura da Rigueira de Pontes e o da Vieira e o da Fregª de Amor q. todos ajudavão; mas depois que aqui falecerão o Cura da Rigueira de Pontes e de Coimbrão e mais quatro Clérigos do Bispado de Leiria; alcançarão os mais Clérigos tanto medo das doenças q. se auzentarão todos, excepto quatro q. ficarão doentes. O número dos falecidos andão por quatro mil e sento e trinta e sinco pessoas, destas por senão poderem confessar por emloucocerem muitos e outros por não terem quem lhes fosse chamar confessor de sorte que se virão obrigados os Párocos a andarem pelos Armazéns onde estavão mais de sem pessoas e outros a mais de duzentas e estes todos doentes deitados sem camas nem roupas com que se cobrissem, morrendo ao frio e juntamente a necessidade, e agora de presente mandou o Senhor Trant preparar o Hospital para os doentes se curarem para o que mandou o Medico e o necessário para o seus sustento, mas não obstante isto não deixão de padecer necessidades os que saem do Hospital por não terem o necessário para a sua convalescência; nesta Freguezia ainda se achão mais de duas mil pessoas do Bispado de Leiria, de Pombal, Louriçal, Orém, Thomar e as que daqui tem sahido tem muitos morrido pelo caminho a necessidade, os pobres pelas portas são imensos sem achar quem os socorra porque as pessoas ricas desta terra humas fugirão para Lisboa, outras pª o Porto e outras pª o Minho e pª Aveiro, pª Ovar, Vagos e outras mais terras e outras muitas estão por aqui por não terem meios para se transportarem para as suas terras, emfim vejo perseguido de muitas pessoas para lhe dar esmola para a sua passagé e oxalá eu o podece fazer para me ver livre de aflição e compaixão q. tenho delles, porque torno a recair e porque as doenças vão cada vez a mais e mais perigozas, não só para as pessoas de fora, mas também para os nacionais...”.5

João Gaspar Coelho, pároco da Igreja de S. Julião da Figueira da Foz em carta não datada dirigida ao Arcipreste do Vouga queixa-se das medidas de socorro movidas pelo Governador, o general Nicholas Trant e mais informa as tropas francesas não haverem 5 - AUC – Invasões Francesas (Colecção Belisário Pimenta), D-IV-2-2-2 (Figueira da Foz)

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entrado na Figueira, as epidemias continuam e são responsáveis por muita miséria e mortes. A carta é do seguinte teor: “...Recebi a carta de V. S.a a que não respondo por próprio punho, porque alem da moléstia dos olhos tenho sido atacado de huma grande constipação que me fes estar de cama com febre e entendi ser queixa da moda, isto hé Malina, do que não estou fora de duvida, porquanto ellas vão cada ves a mais. Vejo o que me dis a resp.to da Grande esmola, q. o Ex.mo Sr. Bispo fas a este Mizeravel Povo e muito bem lembrado foi o Menistro desta villa, porq. hé capaz de toda a satisfação para não seçoder como socede no Hospital, donde sahem os Pobres, clamando q. o Sr. Trant, dirá aquellas esmollas pª os Pobres e os Administradores as comem, e dão a q.m não tem maior necessidade a respeito do q. me dis dos açasinados dos Francezes; e da mais gente que tem morrido nesta Freguezia hé impossível dizerce numero certo, nomes, naturalidades e idades porque nem huns sabião dos outros, asim naturalidades, nomes e idades. As cazas da villa estavão cheias de famílias e não conhecião humas às outras, os Armazéns da mesma forma que avião alguns que tinhão asima de trezentos e quatrocentos pessoas. Os que morriao logo logo os conduziao aos semiterios, que alem da igreja e seu adro, convento de Santo António e sua igreja e claustro e pátio, se fizerão três semitérios para acomodação de tantos corpos...”.6

Ora, a ambiência acima retratada traduz bem a essência da guerra maximizada na figura belicista, elogiando ou denegrindo os militares, os feitos e as “medalhas” da contenda. Por norma, omite-se os nomes e as filiações, as idades e as naturalidades das “vítimas” da guerra por meio do sofrimento e da morte, catalogados por “refugiados”. A omissão é tamanha que 200 anos volvidos sobre a destruição de bens e vidas humanas, as comemorações do bicentenário quedaram-se por desfiles militares, exibição de “brilhantes fardamentos” e meras reconstituições de “sítios” e tácticas de guerra. O evocar a trágica epopeia das populações e dos refugiados praticamente não existiu, salvo raras excepções. E entre as excepções, mora o tema agora publicado na Montemayor, cujo autor e Revista marcou presença na abertura das comemorações no Porto em 2008, evocou o feito do académico Zagalo, o encontro dos Generais em Montemor, o ataque a Arazede, conferências, simpósios, reconstituições em Portugal e Espanha, etc., etc.. Em suma foi uma presença activa e constante, na condição da diferença, é que o autor apelava, bradava, comentava e evocava os ditos “refugiados” obrigados a abandonarem os lares, sofrerem as amarguras de gente em fuga em procura de socorro e finalmente a morte e enterramento em terras estranhas. Foi o expressar apaixonado desta situação, que mereceu a atenção da comunidade nacional e internacional em muitas cidades e vilas de Portugal e Espanha (Caldas da Rainha, Óbidos, Foios, Almeida, Badajoz, Albuera, etc. e só não o foi em Irlanda, Inglaterra e França devido à fobia dos aviões). 6 - AUC – Invasões Francesas (Colecção Belisário Pimenta), D-IV-2-2-2 (Figueira da Foz)

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Porém, o estudo do tema na pesquisa arqueológica dos arquivos distritais e principalmente dos registos paroquiais em contexto credibilizam a possibilidade de saber-se como foi no concelho de Montemor e seu termo?7 Eis, pois uma razão para solicitar ao Ex.mo Director da Revista autorização para a sua publicação, trata-se de algo inédito, visa a memória futura e é porventura a melhor forma de evocar e homenagear os que inocentemente deram a vida pela Pátria e que numa primeira abordagem pode-se afirmar com segurança nas terras de Montemor jazerem 529 seres humanos (homens, mulheres e crianças) que “fugiram do inimigo francês” das terras a sul do Mondego. Aceite a proposta, é tempo de avançar na descrição, leitura e análise do material recolhido no “arqueu” e no terreno durante muitos meses. Genericamente pode avançar-se que num período compreendido entre 1810 e 1813 os refugiados a morrer em terras de Montemor foram 529 e o pico mais elevado verificou-se no mês de Março de 1811 com 400 mortos (média diária de mais de 10), algo muito próximo do verificado na Figueira. O quadro 1 constitui o alencamento dos mortos das freguesias/ /paróquias do concelho onde se mostra que só nas de Montemor foram enterrados 372, dos quais 172 em S. Martinho. A explicação advém das acessibilidades, situação geográfica, assistência hospitalar, protecção administrativa e militar. A seguir a Montemor vem a Carapinheira com 87 e depois as demais da periferia a reduzir para nascente (Meãs e Tentúgal). Nas freguesias da margem esquerda do Mondego, alguns moradores fugiram, engrossando a fileira dos “refugiados” a morreram nas freguesias da margem direita. As excepções, verificam-se em Pereira em 1810 com a presença de guarnições militares e em Verride onde o pároco local fugiu para a Ereira do “inimigo francês que todos os dias vinha atacar” juntamente com os povos de Verride e Outeiro da Moura. Na Ereira, muitos deles vieram a morrer e foram sepultados na capela de Santo António. Passamos pois a uma análise mais detalhada e identitária verificada em cada uma das freguesias de então cujas fontes provêm da informações dos párocos locais (registos paroquiais) colecção Belisário Pimenta nos Arquivos da Universidade de Coimbra e administração local (actas das Câmaras de Montemor, Pereira, Verride e Tentúgal). Os quadros apresentados permitem apreender a data e local da morte, os nomes e filiação, a naturalidade e enterramento dos mortos tudo na senda de mais e melhor maximizar a palavra MEMORIAL.

7 - Ao tempo, ainda existiam os concelhos de Tentúgal, Verride e Pereira.

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Uma das questões a equacionar é de saber-se se os exércitos franceses permaneceram na região de Montemor? A documentação disponível informa não ser uma presença de facto, tipo “ocupação do território” e os desacatos provocados devem-se provavelmente a desertores e fugitivos após as derrotas do Bussaco, Coimbra, Torres Vedras, Redinha, etc. ou aquando da passagem em 1810 a caminho das linhas de Torres. Uma nótula deixada pelo Reitor da Igreja de Alcáçova de Montemor, o padre José António de Santa Ana a 6 de Março de 1812 como resposta a uma contenda movida pelo rendeiro das rendas das igrejas de Santo Varão, Alcáçova e Belide, José da Costa Alves Ribeiro (negociante de Coimbra), diz o seguinte: “...o inimigo verificou a sua invazão em tudo o que hé detruído da dª renda em o primeiro ou segundo de 8bro de 1810, tempo em que os fructos do campo mal principiava a colherse e por conseguinte, não vieram a recolher-se senão depois que o mesmo inimigo continuou a sua marcha em seguimento do exército aliado. Na sua passagem, seguindo direito às estradas do campo não fez prejuízo a searas algumas. Como porém se demorou coisa de quatro dias nestes sítios e a sua cavallaria se acantonou nos campos contínuos à Ponte da Cal, estes ficarão calcados e os seus fructos estragados. Quatro ou sinco geiras de terra pert.es ao destrito da renda, tiveram a m.a sorte e por isso o calculo do seu prejuízo ao muito se pode fazer subir a três moios de pão...”.8

Quadro 1 - Totais das vítimas mortais (refugiados) durante as Guerras Peninsulares nas Paróquias de Montemor-o-Velho. Paróquias

Período

Número de mortos

Verride Seixo de Gatões S. Martinho (Montemor) Carapinheira Madalena (Montemor) Salvador (Montemor) S. Miguel (Montemor) Alcáçova (Montemor) Liceia Tentúgal Meãs Pereira

12/01/1811 – 24/03/1813 3/02/1811 – 19/03/1811 27/02/1811 – 3/05/1811 16/01/1811 – 18/04/1811 24/02/1810 – 5/04/1811 16/02/1811 – 19/04/1811 15/02/1811 – 5/04/1811 6/11/1810 – 17/03/1811 14/02/1811 – 23/03/1811 15/02/1811 – 2/03/1811 6/02/1811 – 10/04/1811 6/03/1810 – 20/05/1810

19 20 172 87 99 26 27 48 16 4 5 6

TOTAL

27/02/1810 – 24/03/1813

529

8 - AUC – Invasões Francesas (Colecção Belisário Pimenta), D-IV-4-2-1 (Coimbra)

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A informação supra reforça a tese da não estadia morosa na região de tropas francesas organizadas e disciplinadas e os “estragos” verificados pelo “inimigo” devem-se a desertores/fugitivos ou tão pouco grupelhos agindo à revelia dos comandos. A “tragédia” da contenda responsável por danos avultados nas populações advêm das populações em fuga da região a Sul do Mondego na busca de alimentos, alojamento, conforto e cura das “maleitas” físicas e morais sobre uma região débil e em nada preparada para receber centenas de refugiados de guerra.

Analisamos então o decorrido nas Paróquias do Concelho.

I) Paróquias de Montemor (S. Martinho, S. Miguel, Salvador, Alcáçova e Madalena) Antes do detalhe convém observar como reagiram as entidades administrativas de Montemor e mais concretamente a Câmara local? Das consultas em observação retirou-se a posição assumida pela vereação camarária a 12 de Fevereiro de 1811, presidida pelo Juíz de Fora, José Luís Carneiro de Morais, na presença de João Mendes Barreto de Aguiar, José Pessoa de Carvalho (vereadores) e Manuel Monteiro de Ceyssa (procurador) de que se lavrou acta nos seguintes termos: “...Aos doze dias do mez de Fevereiro de mil outo centos e onze nesta villa de Montemor o Velho e cazas da Camera aonde se achava prezente o Doutor Juiz de Fora pella ley e os mais vereadores e Procurador della ao diante asignados e por elles foi detreminado o seguinte: - Que em execução do Avizo do Excellentísssimo Senhor Nicolao Trant, Governador das Armas do Partido do Porto, tendente a beneficiar os Povos que fugirão da margem esquerda do Mondego dos quais muitos se achavao nesta villa ao socorro dos quais este se não achava prompto afronte quanto possível lhe foce. – Detreminaram que logo examinase o escrivão com o Procurador e officiais que lhe focem nomeados os consertos cazas e celeiros desta villa que se achacem sem gente para dellas e cada huma dos mesmos se recolher a porção de gente que lhes podece commodamente respeitar dezempenhando os que em outros cazos em que dimensão se achavao muitos dos ditos Povos, deixando nestes só os que comodamente nelles podessem rezistir. – Detreminaram mesmo que achandose nesta villa rezidindo todas as Authoridades designadas pello Príncepe Regente para a regência do foro e ordem civil, não pode a razão que o Cirurgião do Partido desta Câmara da mesma se afaste antes de a ella se aproximar o inimigo e se retirarem as ditas Authoridades, rezultando da abzencia do dito Cirurgião gravíssimo prejuízo não só nos habitantes da mesma villa, mas aos que a ella se refugiarão da parte esquerda do Mondego alguns dos quais existindo no Hospital, onde o dito deve comparecer para os curar, tem passado dias sem a sua assistencia, o que mais fortemente tem acontecido aos Pobres refugiados em cazas e celeiros particulares, aquém gravitamente se deve prestar o seu ministério nos funestos e actuais

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circunstancias o querendo este servindo dos do referido as necessárias Providencias, detreminarão que o dito Cirurgião foce judicialmente avizado para se recolher a esta villa /achandose fora della/ no peremptório termo de vinte e quatro horas e de não saber delle mas senão quando as Authoridades della se afastassem por temor da aproximação e entrada do inimigo e não o praticando asim no dito termo e abzentandose de outra maneira por esse mesmo facto ficar privado do Partido desta Câmara visto não cumpria da sua parte as obrigações e encargos com que lhe foi conferido. – Que eu escrivão logo sem perda de tempo participase este mandato e por certidão da intimação...que se aclamase pregois em todas as pessoas alimparem as suas frontarias, pena de seis mil reis e isto em vinte e quatro horas peremptórias e que cada huma asignão para asim a fazerem, passados os quais se dará correição, e o que não tiver cumprido será condennado e o produto das condennasois apllicado para o socorro dos enfermos e dos miseráveis refugiados, cuja limpeza pertende não só nas ruas, mas nas travessas por tudo servidão e juntamente em torno da praça. – Que outro sim se avizarão os forneiros para cozer às pessoas de fora o seu pão que cada hum cozer para seu sustento, sem por isso levarem couza alguma com pena de duzentos e quarenta por cada huma razão contraria o praticao, cuja pena lhe será imposta, logo que constar pelas mesmas pessoas que cozerem que lhes levarão alguma couza. – E por não haver mais que detreminar o asignaram e eu eu Joaquim da Silva Portugal, escrivão da Câmara o escrevi....”.9

As determinações da Câmara em 12 de Fevereiro de 1811 constituem a prova provada da ambiência ao tempo na vila de Montemor. Aqui residiam as Autoridades, Cirurgião do Partido, o inimigo ainda não tinha chegado, muitos eram os refugiados “pobres e miseráveis” da margem esquerda a viver em celeiros e casas particulares. Tudo decorria numa vila em nada pronta para cuidar de tanta gente, tanta necessidade em que nem sequer os subsídios governamentais eram suficientes para socorrer tamanho flagelo, logo a tentativa de suavizar a situação por medidas de limpeza, arranjo das casas e celeiros disponíveis, prover o Hospital e até obsequiar forno para coser pão. Porém, apesar das medidas tomadas não foi possível evitar as centenas de mortos que ocorreram nos meses subsequentes. O vigário da Igreja de S. Martinho, João Félix Pinheiro Pimentel, entre 27 de Fevereiro de 1810 e 3 de Maio de 1811 registou a morte de 171 pessoas (militares e refugiados). Os enterramentos a princípio foram no Adro, passaram depois à Igreja, capela de Santo António da Ereira, convento de S. Francisco e finalmente ao castelo, em local inserto, provavelmente num momento em que os locais habituais encontravam-se já esgotados. A leitura atenta do Quadro 2 permite aferir dos nomes, filiações, naturalidades e desaparecimento por inteiro de famílias nucleares. Uma outra nota a retirar dos registos é o facto de provar-se em 181010 a vila de Montemor encontrar-se 9 - AMMV- Livro da actas da Câmara de Montemor-o-Velho, 1811 10 - 1810 é o ano da dita 2ª invasão francesa e grande Batalha do Bussaco.

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II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

guarnecida de forças militares (fuzileiros, caçadores, artilheiros, etc.), deter hospital militar na medida em que muitos militares faleceram no “hospital militar da vila” e foram sepultados no adro da igreja de S. Martinho.

Quadro 2 - Paróquia de S. Martinho (Montemor) Data da morte

Local da morte

27/02/1810

Hospital da vila

3/03/1810

6/03/1810

Hospital militar da vila

12/03/1810

Hospital militar da vila Hospital militar da vila

13/03/1810

15/03/1810

Hospital militar

16/03/1810

18/03/1810

Hospital militar

19/03/1810

Hospital militar da vila

Nome e filiação Manuel Marques dos Santos, soldado do Batalhão de Caçadores Pedro Ramos, soldado da 3ª Companhia do Regimento de Cascais, 19 António Xavier Martins, soldado da 7ª Companhia do Regimento de Cascais, 19 Manuel Pires, soldado da 1ª Companhia de Fuzileiros Jerónimo Luís, soldado da 1ª Companhia de Granadeiros do Regimento de Setúbal Francisco João da 8ª Companhia do Regimento de Cascais Francisco Antunes, do Regimento de Cascais, 2ª Companhia de Fuzileiros Manuel Antunes Castro, soldado da 2ª Companhia de Granadeiros do Regimento de Cascais António Francisco da Rocha, da 1ª Companhia de Granadeiros do Regimento de Cascais, 19

localidade

Enterrado em Adro da Igreja Adro da Igreja Adro

Adro

Adro

Adro

Afro

Adro

Adro

79


Correia Góis

30/03/1810

4/04/1810

8/04/1810

Hospital da Misericórdia Hospital da Misericórdia Hospital da Misericórdia

13/04/1810

Hospital da Misericórdia 19/04/1810 Hospital da Misericórdia 10/10/1810 Montemor

José Monteiro, soldado do Regimento de Setúbal

Adro

Manuel de Jezus, soldado da 3ª Companhia do Regimento de Cascais Manuel Gonsalves, soldado Granadeiro da 1ª Companhia do Regimento de Cascais Manuel Jezus, soldado da 2ª Companhia do Regimento de Cascais José Machoqueiro, soldado dezertor

Adro

Adro

Adro

Adro

Manuel José, casado com Maria Crava Joaquim, fiho de José António e Joaquina Maria Manuel, filho de João Domingos e Jozefa Inácio Joaquim da Cruz, casado com Marcelina Gonçalves

Abrunheira

Adro

Almagreira

Adro

Pombal

Adro

Granja do Ulmeiro

Igreja de S. Martinho Capela de S. António (Ereira) Igreja

17/01/1811

20/01/1811

28/01/1811

20/01/1811

Ereira (S. Martinho)

Maria, filha de Francisco da Costa e Marina Moniz

Vinha da Rainha

31/01/1811 Montemor

Granja do Ulmeiro Soure

Vinha da Rainha

29/01/1811

30/01/1811

Ereira

Bernardo, filho de Luís Ferreira e Maria Paiva António Dionísio, casado com Ana Cardosa Esperança Areias

31/01/1811

Ereira

Maria Areias

80

Vinha da Rainha

Igreja Capela de S. António (Ereira) “


II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

31/01/1811 Montemor 3/02/1811

6/02/1811

7/02/1811

7/02/1811

8/02/1811

8/02/1811

9/02/1811

10/02/1811

10/02/1811

10/02/1811

10/02/1811

11/02/1811

12/02/1811

13/02/1811

13/02/1811

14/02/1811

Manuel Pimentel, casado Granja do com Joaquina da Cruz Ulmeiro José Bento, viúvo de Maria Brunhós Ferreira José Rodrigues, viúvo de Soure Mariana Quiteria Leonor Cardoza, casada Alfarelos com António Rodrigues Carraca João, filho de Bráulio FerBrunhós reira e Vitória Cordeiro José Ferreira, casado com Soure Izabel Ferreira Ana Cardoza, viúva de Soure António Dinzo Maria das Neves, viúva de Soure Lourenço Rodrigues Joaquim, filho de José RoSoure drigues e Quitéria Maria Maria Rosa, casada com Soure João Gomes Maria, filha de Manuel Soure Lourenço e Maria da Conceição Um inocente, filho de João Soure Antunes e Luísa Maria Joana Bernarda, casada Figueiró do com João Duarte Campo Maria, filha de Manuel Rodrigues e Maria do Rosário António da Conceição, solteiro José da Costa, casado com Maria Cardoza João Alves Serrano, casado com Vitória Rodrigues

Alfarelos Casconho

Adro da Igreja Igreja “ “

“ “ “ “ “ Adro da Igreja “

“ Igreja de S. Martinho “

Soure

Adro da Igreja “

Alfarelos

81


Correia Góis

14/02/1811

Isabel Carvalho, viúva de Manuel Francisco Amaro

Soure

15/02/1811 15/02/1811

“ “

Casconho Gesteira

15/02/1811

Samuel

17/02/1811

Alfarelos

17/02/1811

Maria da Cruz, solteira José Duarte dos Reis, casado com Maria da Costa Filipa de Sousa, filha de Bento de Sousa e Maria Alfaiate Quitéria Ramos, viúva de José Alves Leite Ana dos Santos, viúva de Clemente Alves

Fora da igreja de S. Martinho “ “

17/02/1811

Ereira

19/02/1811 Montemor

20/02/1811

Hospital da vila

21/02/1811 Montemor 23/02/1811

23/02/1811

24/02/1811

24/02/1811

82

Caetano Francisco, viúvo de Natália Rodrigues

Maria Cordeira, casada com António Duarte António João, soldado miliciano da Companhia do regimento de Aveiro António Cardoso, casado com Joaquina Dias Maria Pereira, casada com João de Campos António Luís de Carvalho, viúvo de Escolástica Travassos José Rosa, filho de José da Costa e Maria Cardoza

Isabel Maria, viúva de José Ferreira

Vila Nova da Barca

Hospício de S. Francisco Samuel Capela de S. António (Ereira) Gesteira Igreja de S. Martinho Fermentelos “

Cercal

Vila Nova da Barca

Hospício de S. Francisco Igreja de S. Martinho Fora da Igreja de S. Martinho “

Alfarelos

Casconho

Gesteira


II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

24/02/1811

24/02/1811

25/02/1811

25/02/1811

25/02/1811

26/02/1811 26/02/1811

“ “

27/02/1811

27/02/1811

27/02/1811

27/02/1811

27/02/1811

27/02/1811 28/02/1811

“ “

28/02/1811

28/02/1811

Nascimento da Fonseca, filho de Manuel da Fonseca e Ana Maria Luísa da Cruz, solteira, filha de António da Crus e Maria da Crus Dionísio de Sousa, filho de Manuel de Sousa e Filipa Pereira Rosa, filha de Manuel Mendes e Joana Maria

Joaquina Cordeiro, solteira Joana Martins, solteira António, filho de José Serrano e Vitória Luiza Maria Jozefa, casada com Bento de Sousa António Carvalho, casado com Caetana dos Santos

Ana Duarte, filha de José Duarte e Mariana Neves Josefa Campizes, casada com Joaquim Luíz de Carvalho Rosa Maria, casada com António Francisco Joana Maria, solteira Joaquina Dionízio, casada com José Mendes José, filho de António Gomes e Maria Madeira José, filho de Manuel Bispo e Ana Guardado

Samuel

Soure

Adro da Igreja

Cercal

Brunhós

Igreja de S. Francisco Fora da igreja de S. Martinho “

Almagreira Alfarelos

“ “

Samuel

S. Francisco Fora da igreja de S. Martinho “

Alfarelos

Soure

“ “

“ “

Verride

Igreja de S. Martinho

Casconho

Cercal/Samuel

83


Correia Góis

28/02/1811

1/03/1811

1/03/1811

2/03/1811

2/03/1811

2/03/1811

2/03/1811

2/03/1811

2/03/1811

5/03/1811 5/03/1811

“ “

5/03/1811

5/03/1811

5/03/1811

5/03/1811 5/03/1811

“ “

84

Fortunata, filha de JoCasal do Fora da aquim Ferreira e Maria Espírito Igreja Ferreira Santo/Soure Francisco Gonsalves, filho Cercal/SaS. Frande José Gonsalves e Isabel muel cisco de Sousa Soure Fora da Francisco Gonsalves, solteiro, filho de José GonsalIgreja de S. Martives e Tereza Maria nho Maria Cordeiro, filha de Gesteira “ Manuel Cordeiro e Ana Nunes Vitória Rodrigues, casada Alfarelos “ com João Serrano Jacinta, filha de João Serra“ “ no e Vitória Rodrigues Manuel Simões Caixeira, Alfarelos “ casado com Maria Rodrigues Rosa da Costa, viúva de Alfarelos S. FranSebastião Rodrigues cisco Maria Pereira Mendes, Alfarelos Igreja de casada com Manuel Pereira S. MartiMendes nho José Coelho, solteiro Gesteira Castelo Manuel Cordeiro, casado “ “ com Ana Nunes Um inocente, filho de José Casal do S. FranCardoso e Teresa Madeira Redinho cisco José Pereira da Costa, Soure S. Franviúvo de Rosa Jacinto cisco Manuel Simões, casado Soure Castelo com Úrsula Duarte Ana Rodrigues, solteira Soure “ Mariana da Costa, casada Vila Nova “ com Pedro Gonsalves de Anços


II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

6/03/1811

6/03/1811

6/03/1811

6/03/1811

6/03/1811

6/03/1811

6/03/1811

6/03/1811

7/03/1811

8/03/1811

8/03/1811

8/03/1811

9/03/1811

9/03/1811

10/03/1811

10/03/1811

João Fernandes, solteiro, Freixianda filho de António Fernandes e Josefa Marques Teresa Nunes, filha de Gesteira Manuel Jorge Evilheira e Maria Nunes António Gomes, casado Carvalheira com Maria Gonsalves de Baixo/ Soure José, filho de Luíz Cardoso Vila Nova e Maria Cardoza da Barca Maria, filha de Bernardino Almagreira da Silva e Maria da Silva Maria, filha de João RoCasal drigues Nabarro e Maria Novo/Soure Duarte Maria, filha de Sicília Casal do Baptista Redinho Vicente Cardoso, casado “ com Sicília Baptista Josefa Maria, casada com Casal de Plácido Domingos S. Mateus/ Soure Maria Santos, casada com Redinha João Carvalho João Peixoto, casado com Casevel/Ega Teresa dos Santos Caetana Ribeiro, solteira, Brunhós filha de Carlos Francisco e Maria Ribeiro José Domingos Alfaiate, Cercal/Sacasado com Maria Josefa muel Luíz Figueira, casado com Soure Maria Madeira Francisco, filho de Bernar- Almagreira dino Cardoso e Maria do Rosa Ana Maria, viúva de Arlin- Casevel/Ega do Pinto

S. Francisco “

Castelo

“ “ S. Francisco “ “ Castelo

“ S. Francisco “

“ “ Castelo

85


Correia Góis

10/03/1811

10/03/1811

10/03/1811

10/03/1811

13/03/1811

13/03/1811

13/03/1811

13/03/1811

13/03/1811

14/03/1811

14/03/1811

14/03/1811

14/03/1811

14/03/1811

14/03/1811

15/03/1811

15/03/1811

86

Joaquim, filho de José Gesteira Jorge e Maria Pereira Maria, filha de José GonGesteira salves e Isabel Nunes Tereza Gomes, casada com Brunhós Francisco Nunes Bernardo Ferreira, solteiEga ro, filho de Manuel Monteiro e Mariana Ferreira Luiza Leal, casada com Samuel Luíz Dias Manuel, filho de José Fran“ cisco e Luísa Carvalho Salvador, filho de CustoAlfarelos dio da Cunha e Rosa de Palos Manuel Neves, filho de Soure Lourenço Rodrigues e Maria Neves Matilde, filha de Luís “ Francisco e Maria Joaquina Maria Martins, viúva de Vila Nova Manuel Gomes de Anços Manuel António, casado Redinha com Rosália Maria José Mendes, casado com Soure Joaquina Maria Isabel Nunes, viúva de Gesteira António Guarizo Ana Pimentel, filha de José Soure de Sousa Pimentel e Maria Colaça Rosália, filha de António Vendas/ Lopes e Angélica de Sá Soure Marianna, viúva de AntóMarco/ nio Gomes Soure Maria da Conceição, casa- Almagreira da com Manuel Domingos

“ “ “ “

“ “ “

“ “ “ “ “ “

“ “ “


II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

15/03/1811

15/03/1811

15/03/1811

15/03/1811

15/03/1811

15/03/1811

16/03/1811

16/03/1811

16/03/1811

16/03/1811

16/03/1811

16/03/1811

16/03/1811

16/03/1811

17/03/1811

17/03/1811

17/03/1811

17/03/1811

Joana Rodrigues, viúva de António Leal António, filho de José Pereira e Maria de Jesus Quitéria Pimentel, casada com Francisco Pimentel Marianna Nunes Castanheira, casada com José Barreto Mariana Pina, filha Manuel Pina e Mariana Pina Francisco Ribeiro, casado com Isabel Cordeiro

Alfarelos

Seiça

Alfarelos Gesteira

S. Francisco Castelo

Samuel

Carvalhal da Azóia/ Samuel Ega

Joana Antunes, casada com António Ferreira José, filho de João Barreto Gesteira e Mariana Nunes Maria Rosa, casada com Almagreira Manuel Leal Maria Josefa, casada com Redinha Manuel Barreto José, filho de José Cordeiro Gesteira e Ana Nunes Margarida, viúva de MaSamuel nuel Duarte José, filho de Francisco Almagreira Monteiro e Rosa Jacinto Maria Cordeira, casada Samuel com Bernardo Gomes Maria de Andrade, viúva Gesteira de Manuel Fernandes Manuel Jorge, viúvo de Gesteira Maria Nunes José, filho de Lourenço Ro- Casconho drigues e Maria das Neves João Martins, casado com Redinha Maria Santa

“ “ “ “ “ “ “ “ S. Francisco “ Castelo “

87


Correia Góis

17/03/1811

17/03/1811

17/03/1811

17/03/1811

18/03/1811

18/03/1811 18/03/1811

“ “

18/03/1811

18/03/1811

19/03/1811

19/03/1811

19/03/1811

19/03/1811

19/03/1811

21/03/1811

21/03/1811

88

Maria Duarte, viúva de Francisco Nunes Joaquim, filho de Francisco Gomes e Isabel Cordeiro Maria do Carmo, casada com António Barboza Maria de Souza casada com José Mendes João Martins, viúvo de Maria Carvalho Joaquim Luís de Carvalho Maria, filha de Joaquim Luís de Carvalho e Josefa Campizes João, filho de Lourenço Rodrigues e Maria das Neves Simão, filho de António Rodrigues e Ângela Monteiro Pedro Duarte, casado com Maria Duarte Maria Duarte, viúva de Pedro Duarte Maria Josefa, viúva de José Francisco Alfaiate Filipa Pereira, viúva de Manuel de Sousa José Simões, solteiro, filho de Manuel Simões e Maria de Campos Rozália, filha de Manuel da Silva e Ana de Jezus Luísa Cordeiro, viúva de Manuel Rodrigues

Samuel

Carvalhal

Soure

Brunhós

Igreja de S. Martinho Castelo

Redinha

Alfarelos “

“ “

Soure

Ega

Samuel

Igreja de S. Martinho S. Francisco Igreja de S. Martinho “

Brunhós

Castelo

Seiça

Soure

“ Cercal/Samuel


II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

21/03/1811

21/03/1811

22/03/1811

26/03/1811

26/03/1811

26/03/1811

31/03/1811

12/04/1811

6/04/1811

10/04/1811

12/04/1811

15/04/1811

15/04/1811

16/04/1811

24/04/1811

24/04/1811

Maria Gramacho, casa“ da com Joaquim Espírito Santo Maria, filha de Manuel Casal do Pereira Coutinho e Maria Rey/Soure Esteva Maria de Jezus, casada Vendas/ com Francisco Lopes Seiça Margarida Rosa, filha de Gesteira José dos Reis Francisco Roque, casado Reveles com Maria Moreno Maria Ribeiro, viúva de Vila Nova José Guerra da Barca Manuel Domingos, casado Almagreira com Maria da Conceição João Pereira, casado com Caxarias/ Ana Pereira Seiça Maria de Oliveira, casada Soure com Manuel Gregório Josefa de Oliveira, solteira, “ filha de Manoel de Oliveira e Luísa Maria Marianna Nunes, casada Carvalhal com Joaquim Francisco Maria Nunes, filha de Joa- Carvalhal quim Francisco e Marianna Nunes Manuel, filho de Bento da Almagreira Silva e Maria da Silva Maria Baptista, viúva de Vila Nova José Francisco da Barca Maria, filha de João Rosa e Redinha Joana Martins Isabel Graal, casada com Carvalhal Nicolau Reis Graal

“ “ “ “ “ S. Francisco Misericordia Castelo

S. Francisco Castelo

“ “ “ Igreja de Verride

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Correia Góis

26/04/1811

29/04/1811

3/05/1811

Joaquina Graal, filha de Nicolau Graaal e Isabel Graal Veríssimo António, filho de Luís António e Maria da Piedade Maria Rosa, filha de José dos Reis e Margarida Rosa

Azinhaga/ Santarém

Castelo

Gesteira

Por sua vez a paróquia de S. Miguel11, situada na zona mais ocidental da vila, o padre José Joaquim Monteiro da Silva registou 27 mortos (Quadro 3), dos quais alguns morreram na Quinta de Santa Eufémia. A paróquia do Salvador12 com jurisdição do lugar da Torre onde ao tempo era Prior o padre António Mendes Barreto, registou 26 mortos (Quadro 4) enterrados dentro da igreja, adro e capela de Nossa Senhora da Piedade no lugar da Torre. Em Alcáçova, cuja igreja da paróquia funcionava no interior do castelo com jurisdição do Casal do Raposo registou a morte de 48 pessoas. O Reitor de então, o padre Manuel de Jesus Soares assinou o seu enterramento dentro da igreja, adro e capela do Casal do Raposo. Finalmente a paróquia da Madalena com 99 mortos (a 2ª mais atingida). Os seus padres Curas, Bento da França Campos e Jozé Pereira Velozo registaram os seus enterramentos na igreja, adro “alguns juntos à muralha do castelo” e Misericórdia (Quadro 6).

Quadro 3 - Paróquia de S. Miguel Data da morte

Local da morte

15.02.1811

Quinta de S.ta Eufémia “

15.02.1811

Nome e filiação

Naturalidade

Enterrado em

António Serrano, casado

Alfarelos

Igreja de S. Miguel

Miguel, casado com Águeda

11 - A paróquia de S. Miguel tinha a sua Igreja Matriz na rua do castelo (actualmente de Coimbra) e o “sítio” corresponde à casa e quintal de residência do senhor Morais Jorge. 12 - A Igreja Matriz da paróquia do Salvador situava-se no local do edifício da Junta de Freguesia de Montemor.

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II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

22.02.1811

24.02.1811 6.02.1811

“ Montemor

5.05.1811

9.02.1811

16.02.1811

10.02.1811

3.02.1811

6.03.1811 4.03.1811

“ “

8.03.1811

10.03.1811

11.03.1811

15.03.1811

16.03.1811

15.03.1811

20.03.1811

27.03.1811 29.03.1811

“ “

Matheus, casado com Tereza Bento Henriques Ana Galvão

Clemente, sapateiro, casado com Maria Lemos Maria, casada com Clemente, sapateiro Maria Marques, casada com António Marques Maria Marques, casada com António Lemede Rosa e Maria (4 e 5 anos) netos de Clemente, sapateiro Um filho de José Lemede Um filho de António Lemede João Ramos, sacristão, casado com Joaquina Marques Manuel Anselmo, casado com Joana Campizes Joaquim Pereira, casado com Marianna Marianna, casada com Joaquim Pereira Isidora, viúva de Alexandre Gomes Maria Marques, casada com João Claro Maria Faria, casada com Manuel dos Santos Maria Gonsalves Francisca, mulher de Manuel Neto

“ S. Pedro/ Granja do Ulmeiro Alfarelos

“ “

“ “

“ “

“ “

Adro da Igreja “

Igreja de S. Miguel Adro da Igreja “

“ Gabrielos

“ “

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Correia Góis

26.03.1811

28.03.1811

5.04.1811

4.03.1811 9.03.1811

“ “

11.02.1811

Maria Antónia, mulher de Palião/Soure Igreja de Caetano José S. Miguel Marianna da Costa, mu“ “ lher de José Gaspar José Gaspar, viúvo de “ “ Mariana da Costa Joana Bento Belide “ Padre Luís Rodrigues, Ansião “ sacerdote da Louriceira Bento Serra da Costa S. Verão “

Quadro 4 - Paróquia do Salvador Data da morte 16.2.1811 16.02.1811 20.02.1811

20.02.1811 27.02.1811 28.02.1811 “ 28.02.1811 30.03.1811 5.03.1811 5.03.1811

92

Local da morte

Nome e filiação

localidade

Enterrado em

Montemor António de Sousa, soldado Igreja do do Regimento de Aveiro Salvador “ Possidónio, filho de João Alfarelos “ Cardoso e Maria Alves “ Marianna Nunes, filha de Casével/Ega “ António Nunes e Maria Ferreira “ Bernardo, filho de DominFigueiró “ gos Góis e Teresa Bernardo “ Manuel Henriques Casével/Ega “ “ Justina, filha de José Mar“ “ ques e Rosa Simões 3 meninos abandonados Adro da mortos no Adro da Igreja Igreja “ Francisco Geral, casado Carvalhal da Igreja do com Florencia Azoia Salvador “ Florencia, viúva de Fran“ “ cisco Geral “ Maria, filha de Francisco “ “ Geral e Florencia Torre Bernardo Anjo, casado Figueiró Capela da Torre


II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

6.03.1811 7.03.1810 10.03.1811 10.03.1811

11.03.1811 11.03.1811

12.03.1811 13.03.1811

14.03.1811 15.03.1811

19.03.1811 20.03.1811 21.03.1811 23.03.1811 19.04.1811

Montemor Um inocente, filho de pais incógnitos “ Maria Saúde, casada com Manuel Nunes de Oliveira “ Manuel, filho de José de Carvalho e Quitéria Maria “ Leonardo, filho de D. José António da Silva e D. Maria Ignácia “ João Gonsalves “ Josefa Duarte, solteira, filha de Manuel Duarte e António Nunes “ António, filho de José da Costa e Tereza dos Santos “ Sicília, filha de Bento Gonsalves e Isabel Gonsalves “ Fr. Manuel, Beneficiado do Colégio de S. Martinho “ Francisca Joaquina, filha de Dionízio Gomes da Silva “ Luiza Santiago, solteira “ Maria, filha de Jozé Vaz e Maria Gomes “ Rosa, filha de Manuel Leal e Maria Carraca Tereza, filha de Manuel Leal e Maria Carraca “ Felizberto, engeitado

Gesteira Alfarelos

Igreja do Salvador “

Redinha

Reveles

Casevel/Ega Gesteira

“ “

Redinha

Gesteira

Pombal

Gesteira Casal do Redinho Alfarelos

“ “

Caixeira

Adro da Igreja

93


Correia Góis

Quadro 5 - Paróquia da Alcáçova Data da morte

Local da morte

6.11.1810

Montemor

12.11.1810 20.01.1811

“ Casal do Raposo

Nome e filiação

Naturalidade

Enterrado em

Luísa Seca, viúva de José Jorge Caetano das Neves Inês de Almeida, casada com Manuel Soares

Arrifana/ Ega Ega Granja do Ulmeiro

Igreja de Alcáçova “ Capela do Casal do Raposo Igreja de Alcáçova “

29.01.1811 Montemor António Gonsalves, casado Casconho/ com Marina Lourenço Soure 2.02.1811 “ António, filho de Francisco S. Verão Arruda e Justina Gonsalves 8.02.1811 “ Francisco Dinis, viuvo Belide 8.02.1811 “ Teresa de Jesus, mulher de Soure José Carvalho 10.02.1811 “ Sebastião. filho de António Casconho Gonsalves e Maria Lourença 10.02.1811 “ António, filho de Manuel Redinha da Silva e Ana Gonsalves 10.02.1811 Casal do Luíza Pereira, mulher de Poucapena/ Raposo José Pereira Soure

14.02.1811 Montemor 15.02.1811

15.02.1811

20.02.1811 21.02.1811

“ “

22.02.1811

94

Manuel da Silva, casado com Ana Gonsalves Margarida da Costa, filha de Manuel Gonsalves Felicidade, filha de José da Silva e Maria Cordeira António de Carvalho Cecília, filha de Francisco Nogueira e Joaquina Dias Cecília Carvalho, casada com Manuel Nogueira

“ “ “

Pombal

Capela do Casal do Raposo Igreja de Alcáçova “

Pombal

Redinha Figueiró do Campo Torre/Soure

“ “

Redinha


II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

23.02.1811

23.02.1811

24.02.1811

24.02.1811

24.02.1811

25.02.1811

Casal do Raposo

Luísa, filha de Alexandre Belide Teixeira e Joana Maria Alexandra Antunes, casada Campizes com Manuel Bico Isabel Francisco, casada Gesteira com Francisco Nabarro José António Correia, Gabrielos casado com Ana de Jesus Isabel Simões, viúva de Alencar de Joaquim Gaspar Sima, Soure José Pereira, viúvo de Luíza Soure Pereira

“ “ “

28.02.1811

28.02.1811

Casal do Raposo

Maria, filha de Manuel Nunes e Joaquina Maria Maria de Oliveira, solteira, filha de Manuel José Maria Pereira, casada com António da Costa

1.03.1811

Montemor

D. Antónia Maria

2.03.1811

3.03.1811

Belide

4.03.1811

Adro da Igreja

6.03.1811

Pombal

6.03.1811

Casal do Raposo

Marcelina Caldeira, casada com José Marques Joaquina Pedro, mulher de João Lázaro Maria Teixeira, filha de Alexandre Teixeira e Joana Pedro Libania Maria, filha de Valentim António Cristina, casada com Manuel Francisco Roxo

Adro da Igreja Igreja de Alcáçova Capela do Casal do Raposo Igreja de Alcáçova Adro da Igreja Capela do Casal do Raposo Igreja de Alcáçova “

Soure

7.03.1811

Capela do Casal do Raposo “

27.02.1811 Montemor

Maria, filha de José Pereira e Luiza Pereira

Olival/Ourém Redinha Soure

95


Correia Góis

8.03.1811

8-03.1811

Montemor

8.03.1811

9.03.1811

Casal do Raposo

9.03.1811 9.03.1811

10.03.1811 10.03.1811 10.03.1811 11.03.1811 17.03.1811 17.03.1811 17.03.1811 14.03.1811

17.03.1811

Maria, filha de Valentim António e Libania Maria Cecília Ferreira, casada com José Rosa

Montemor Francisca Silva, casada com Francisco Mendes “ Maria dos Santos, casada com Manuel Simões Ferreira “ Luiza Maria, casada com António José “ Eugenia Maria, casada com João Cravo “ José Pina, casado com Dionízia Maria “ Joana Maria, casada com Alexandre Teixeira “ Gaspar Gonsalves, viúvo de Vitória da Silva “ António João, casado com Maria de Jesus “ Rosa, filha de Alexandre Teixeira e Joana Maria Casal do Manuel Gonsalves Roxo, Raposo viúvo de Cristina Buiça

17.03.1811 Montemor

96

Inácio Roxo, casado com Maria Ferreira D. Francisca Inácia, viuva

Francisca, casada com Simões José, filho de Bento Sarralho e Luísa Madeira

Redinha

Igreja de Alcáçova “

Pombal Soure

Pombal Soure

Capela do Casal do Raposo Igreja de Alcáçova “

Estreito/ Ourém Carvoeira/ Ourém Soure

Belide

Granja do Ulmeiro Pombal

“ “

Belide

Soure

Capela do Casal do Raposo “

Alencar de Sima

Igreja de Alcáçova

“ “


II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

Quadro 6 - Paróquia da Madalena (Montemor) Data da Morte

Local da morte

24/12/1810 Montemor 3/01/1811

13/01/1811

28/01/1811

2/02/1811

3/02/1811

4/02/1811

5/02/1811

9/02/1811

9/02/1811

11/02/1811

11/02/1811

13/02/1811

13/02/1811

13/02/1811

Nome e filiação

Naturalidade

Bernarda Maria, viúva de Campizes José Ferreira Pimentel Rita, filha de José Dinis Campizes/ Pinheiro e Rosa Ferreira Ega António, filho de Manuel Granja do da Costa e Ana Aires Ulmeiro Maria Leiroa, filha de Soure Domingos da Costa Isabel Mendes, casada com Soure Manuel Rodrigues António, filho de José DiCampizes nis Pinheiro e Rosa Tereza Maria Madeira, filho de Soure Joaquim da Silva e Luíza Madeira Carlos Mendes, casado Vila Nova com Maria Madeira de Anços Maria de Oliveira, solteira, Redinha filha de Manuel João Manuel Rodrigues Pina, Soure casado com Isabel Nunes Domingos Mendes, casado “ com Teresa Simões Ana, filha de Manuel Ro“ drigues Pina e Isabel Nunes Josefa Tereza, viúva de João Sebal GranFrancisco de Mariana da Costa, casada Campizes/ com António Marques Ega Garrido Maria Gaspar, casada com Redinha Manuel Leitão

Enterrado em Igreja da Madalena “ “ “ ? Igreja da Madalena Adro da Igreja Igreja da Madalena Adro da Igreja “ Igreja da Madalena Adro da Igreja “ Igreja da Madalena Adro da Igreja

97


Correia Góis

13/02/1811

13/02/1811

14/02/1811

16/02/1811

17/02/1811

17/02/1811

18/02/1811

18/02/1811

20/02/1811

21/02/1811

22/02/1811

23/02/1811

23/02/1811

24/02/1811

24/02/1811

24/02/1811

25/02/1811

25/02/1811

98

Luíza Domingos, filha de Soure Igreja da Manuel Domingos e Maria Madalena Tereza Maria Bárbara, casada com “ “ João Mendes Joaquim Domingos, casaEga Adro da do com Rosa Maria Igreja Vitória Rodrigues, casada Alfarelos “ com Luís Ferreira António Carlos, casado Abitureiras Igreja da com Rosa Maria Madalena António Marques, viúvo Cazével Adro da de Mariana Maria Igreja Josefa Leitoa, casada com Redinha “ Manuel Mendes António da Costa, casado Formoselha Igreja da com Madalena Teresa Madalena Ana Maria Pereira, viúva Alfarelos Adro da de José do Espírito Santo Igreja José Madeira, casado com Soure “ Josefa da Silva Ana, filha de José Madeira “ “ Gante e Josefa da Silva Maria da Costa, casada Belide “ com Miguel Dinis Rosa, filha de José da Rosa Alfarelos “ e Maria Sardão António Pedrozo Ega Igreja da Madalena José Ferreira, casado com “ Adro da Maria Milhorada Igreja Miguel, filho de Domingos Soure “ Gonçalves e Maria Nunes Clara, filha de José Duarte “ Miserie Maria Nunes córdia Um inocente, filho de José Paleão/ Adro da Gomes e Maria Joaquina Soure Igreja


II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

25/02/1811

26/02/1811

26/02/1811

26/02/1811

26/02/1811

26/02/1811

28/02/1811

28/02/1811

28/02/1811

1/03/1811

2/03/1811

2/03/1811

3/03/1811

3/03/1811

3/03/1811

4/03/1811

4/03/1811

Mariana, filho de Bento da Costa e Bárbara Gomes Maria, filha de Manuel Costa Ramos e Joaquina Maria Joaquina, filha de António Couto e Clara Ribeiro Ana Maria, casada com Manuel Lourenço Helena, engeitada (faleceu em casa de António Fererira) Maria Assença, casada com Manuel António Barbeiro Manuel Lourenço, viúvo de Ana Maria Manuel, filho de Luís Ferreira Coutinho e Vitória Rodrigues Maria, solteira, filha de José Simões e Maria da Conceição Ana, filha de Francisco Bernardes e Teresa da Costa Domingos, viúvo de Maria Tereza Tereza dos Santos, solteira Maria Joaquina de Carvalho, solteira, 25 anos João, filho de Manoel Fernandes e Maria Reis Maria Rodrigues, viúva de Joaquim Gonçalves Miguel Dinis, viúvo de Maria da Costa Manuel, filho de José Leal e Francisca Gomes

Casal do Redinho Soure

Igreja da Madalena “

S. Mateus/ Soure

Adro da Igreja

Tapeus

Alfarelos

Igreja da Madalena Adro da Igreja “

Alfarelos

Belide

Soure

Alfarelos

Misericórdia “

Soure

“ Soure Casal do Redinho Belide Alfarelos

Adro da Igreja Misericórdia Adro da Igreja “

99


Correia Góis

4/03/1811

5/03/1811

6/03/1811

6/03/1811

6/03/1811

6/03/1811

6/03/1811

7/03/1811

7/03/1811

8/03/1811

8/03/1811

9/03/1811

10/03/1811

10/03/1811

10/03/1811

11/03/1811

11/03/1811

100

Joana, filha de José Ferreira e Isabel Maria Domingos, filho de Manuel Domingos e Maria Tereza Clara Antunes, viúva de José da Costa Luíza Rodrigues, mulher de João da Silva Maria Gomes Correia, solteira Maria da Conceição, Mulher de José Simões Manuel, filho de Manuel António Barbeiro e Maria Assença Luíza Gonçalves, casada com Manuel Luís Maria, filha de Manuel António Barbeiro e Maria Assença Ana, filha de Manuel António Barbeiro Sebastião, filho de Francisco da Cruz e Tereza Lourenço Mariana Gomes, solteira Maria, filha de José Leal e Maria Serrano Ana Galante, viúva de Joaquim da Encarnação Mariana Serrano, viúva de Joaquim Pereira Josefa Monteiro, viúva de Pantaleão Mateus Joaquina Maria, casada com José Rodrigues

Ega

Soure

Campizes/ Ega Almagreira

Misericórdia “

Allfarelos

Tapeus

Alfarelos Tapeus

Adro da Igreja “

Soure

?

Campizes/ Ega Alfarelos

Igreja da Madalena “

Campizes/ Ega Soure

“ Igreja da Madalena


II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

11/03/1811

11/03/1811

11/03/1811

12/03/1811

12/03/1811

13/03/1811

13/03/1811

14/03/1811

14/03/1811

14/03/1811 14/03/1811

“ “

14/03/1811

15/03/1811

16/03/1811

16/03/1811

17/03/1811

18/03/1811

19/03/1811

Ana, filha de António Francisco e Maria Inácia Maria Coelho Giraldo, solteira Tereza, filha de Manuel Luís e Luíza Gonçalves Teresa da Costa, mulher de Francisco Bernardes António, filho de Francisco Bernardes e Teresa da Costa Bernardo José, casado com Manuel Cavaco Doroteia Pereira, viúva de José Rodrigues Bexiga Josefa Maria, viúva de Nicolau Ayres Maria, filha de José Aires Castanheira e Joana Gomes Pinheiro Rosa Luíz, solteira Maria, filha de António Francisco e Maria Inácia Margarida, solteira, filha de Lourenço José de Morais e Ana Eugenia José Ferreira, casado com Isabel Manso Caetano, filho de José Fernandes e Maria Cordeira Rosa de Andrade, casada com Tomás Caetano Margarida Ribeiro, viúva de José Pimentel Ana de Paulos, viuva Angelo Brás, filho de Francisco Marcelino e Maria Gomes

Pombal Vila Nova de Anços Alfarelos Belide “ Soure Vila Nova de Anços Campizes/ Ega Alfarelos

“ Pombal Soure

Misericórdia Igreja da Madalena Adro da Igreja Igreja da Madalena “ Misericórdia “ “ Igreja da Madalena “ Adro da Igreja Misericórdia

Ega

Vila Nova de Anços Alfarelos

Igreja da Madalena Adro da Igreja Misericórdia Adro da Igreja Misericórdia

Alfarelos “ Soure

101


Correia Góis

19/03/1811

Gesteira Alfarelos

José, filho de José Gonçalves e Maria dos Mártires Maria Pereira, casada com Francisco Gomes Luís, filho de José Gonçalves e Maria dos Mártires Maria da Costa, casada com João Costa Maria dos Santos, solteira Padre José Gomes Pinheiro Cardoso Rosa Maria, viúva de Joaquim Domingos Manuel Mateus, boticário, casado com Teresa Inácio João Cristo, casado com Maria da Costa Maria Pimentel, viúva

20/03/1811

20/03/1811

21/03/1811

22/03/1811 23/03/1811

“ “

24/03/1811

25/03/1811

26/03/1811

26/03/1811

Alfarelos

Casal do Redinho Belide

28/03/1811

António, solteiro

Soure

3/04/1811

4/04/1811

Campises/ Ega “

5/04/1811

Maria Perpétua, viúva de José Ferreira de Almeida José, filho de Francisco Correa e Mariana Cardoso Mariana Alves, mulher de Manuel Serrano

Ega Soure Belide Ega

Alfarelos

Adro da Igreja “ Igreja da Madalena Adro da Igreja Misericórdia Adro da Igreja Misericórdia Adro da Igreja “ Igreja da Madalena Adro da Igreja

II) Paróquia de Santa Susana da Carapinheira A paróquia e freguesia da Carapinheira, uma das maiores do concelho de Montemor-o-Velho, foi uma das mais atingidas pela “tragédia” a seguir à vila de Montemor. A freguesia, tinha sido vítima de alguns “estragos” das tropas francesas em 1810 aquando da passagem a caminho das linhas de Torres conforme narra a 19 de Abril de 1811, o cura local, padre Joaquim Ignácio Tavares Castanheira, nos seguintes termos:

102


II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

“...esta igrª não padeceo estrago algum mais do q. q.do os Francezes passarão pª baixo, quebraram húa das Portas, hú caixão, caixas de Cruzada e Almas e a porta do Sacrário, ao qual não fizerao dezacatos por estar acautelado e roubarem duas toahas e hú calix da confraria das Almas e como a esta fregª não tornarão a chegar os d.tos Francezes nenhuma pessoa aqui morreo asasinada por elles; apezar de q. nesta freguezia morrerão muitas pessoas q. nella estavam retirados, por evitarem a morte q. os sobred.tos faziao aq.m encontravao; como se vera no mapa adiante...em q.to aos Sacerdotes, não tem esta igrª mais do q. hú, natural da m.ma fregª e outro da Fregª de S. Mª de Poyares q. a nove annos vive nesta fregª em compª de húa irmã viúva e sobrinhos q. tanto hú como outro sempre assistirão nesta fregª, ajudando-me a tantos sacramentos q. todos os dias avia, q. se não fossem elles seria impossível administrar 15 a 20 sacramentos por dia a tantos enfermos13 espalhados por toda a fregª, tanto às pessoas de fora da fregª como às m.mas da fregª e prezente m.te aos da fregª q. não passa de 6 até 7, hú dia por outro em rezão das infermidades estarem prezente m.te aumentando como seve do numero de doentes q. já disse e outros muitos. Sacerdotes, som. te morreo o R.do F. Theotónio José, Coadjutor da Redinha...”.14

Porém, nesta dita freguesia entre o 16 de Janeiro e 18 de Abril de 1811 o padre em referência registou e enterrou 87 mortos no adro, igreja e sacristia velha de “refugiados” provindos da margem esquerda do Mondego, desde Alfarelos a Alvaiázere e Pedrógão do distrito de Leiria (Quadro 7).

Quadro 7 - Paróquia da Carapinheira Data da morte

Local da morte

Nome e filiação

Naturalidade

Enterrado em

16/01/1811

Carapinheira

Manuel Rosa Garizo

Alfarelos

“ “

Manuel Mateus António, filho de Maria Joaquina

Pereira Soure

Igreja de Santa Susana “ “

21/01/1811 23/01/1811

13 - O padre Joaquim Ignácio Tavares Castanheira, nesta informação junta uma relação dos enfermos necessitados nesta freguezia e que são: Bernarda Bispo e húa filha, João Correa Marques e mulher, Rosa Maria Baptista, Joaquim Raposo, Maria Fontella, Tereza Couceira, Ana da Silva, Luís Bessa mulher e 3 filhos, Francisco dos Santos, Maria Monteiro, Marcelino Pimentel mulher e 5 filhos, Rosa Travassos, José da Silva mulher e 3 filhos, João David, Manuel Lavrador, Francisco Forte e mulher, Manuel da Costa e 3 filhos, António Gandarez, Rosa Maria Baptista, Feliciana Rosa e outros muitos, “os quais todos se achao infermos e em perigo de vida, sem ter nem pª o seu sustento, nem pª remédio q. por cuja cauza tem morrido muitos apezar de terem sido socorridos com esmolas tiradas pelos povos e confrarias...”. 14 - AUC – Invasões Francesas (Colecção Belisário Pimenta), D IV-2-2-2 (Montemor-o-Velho)

103


Correia Góis

24/01/1811

Luís António

4/02/1811

5/02/1811

Felizarda Cardozo, viúva de Joaquim Cardoso Pinheiro António Nunes

5/02/1811 6/02/1811

“ “

7/02/1811

Caxarias/ Ourém Alfarelos

Alfarelos

João Pascoal Catarina, mulher de Manuel Bico António Simões

“ Sebal Grande Soure

7/02/1811

João Brás

Alvaiázere

10/02/1811

Alfarelos

13/02/1811

Mariana Nunes, casada com António dos Santos Amado Joaquim, filho de Luís Maria

20/02/1811

Mateus Gonçalves

Soure

21/02/1811

António, filho de José Pereira

Vila Nova de Anços

22/02/1811

22/02/1811

Felizardo, filho de Joaquim Gameiro Manuel Gonçalves

23/02/1811

12/02/1811

Joaquina, filha de António Gonçalves Leonardo, filho de Pedro Cruz

Maceira/ Pombal Pinheiro/ Soure Figueiró do Campo Granja do Ulmeiro

27/02/1811 28/02/1811

“ “

António João Josefa Maria da Costa, viúva de Francisco Redondo

Palião Granja do Ulmeiro

104

S. Verão

Adro da Igreja Igreja de Santa Susana Adro da Igreja “ “ Igreja de Santa Susana Adro da Igreja “

Igreja de Santa Susana Adro da Igreja Igreja de Santa Susana Adro da Igreja “ “ Igreja de Santa Susana “ “


II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

1/03/1811 ?

“ “

3/03/1811 4/03/1811

“ “

3/03/1811

4/03/1811 “

“ “

5/03/1811

4/03/1811

5/03/1811

5/03/1811

7/03/1811

8/03/1811

8/03/1811

8/03/1811 8/03/1811

“ “

9/03/1811

11/03/1811

10/03/1811

10/03/1811

Pedro da Silva Soure Maria Luísa, mulher de “ Pedro da Silva e os filhos João, Lucas e Maria José de Almeida “ Luísa Redonda, casada com Granja do José de Gois Ulmeiro José, filho de Manuel Gon- Lages/Soure çalves Mariana Rodrigues “ José de Oliveira, casado “ com Maria Brígida João, filho de Mateus Gon- Charneca/ çalves Soure Francisco Simões, casado “ com Maria Soares Teresa Simões, viúva de “ Domingos Mendes Joana dos Santos, casada “ com Manuel Ferreira Maria Fernandes, viúva de “ António Francisco Francisca Maria, casada “ com Francisco Ferreira José e Ana, filhos de “ Manuel Francisco e Maria Francisca Marcelina Engrácia, viúva S. Verão José de Góis, casado com Granja do Luísa Redondo Ulmeiro José Aires Ega

Manuel Simões, casado com Antónia do Vale Luís, solteiro, filho de João Gomes Luísa Maria

“ “

“ Adro da Igreja “ “ “ “ “ “ “ “ “ “

“ “

Freixianda

Igreja de Santa Susana Adro da Igreja “

Almagreira

Soure

105


Correia Góis

10/03/1811

Josefa Nunes, viúva de Joaquim Jorge

Gesteira

10/03/1811

Ega

10/03/1811

11/03/1811

Mariana, solteira, filha de José Marques e Rosa Monteiro Rosa Monteiro, mulher de José Marques Maria, filha de Luíz de Sousa

11/03/1811

11/03/1811

11/03/1811

12/03/1811

12/03/1811

12/03/1811 12/03/1811 12/03/1811 12/03/1811

“ “ “ “

9/03/1811

12/03/1811

13/03/1811

Marcelino Castanheiro, casado com Mariana Cardoso Joana, solteira, filha de José de Oliveira e João de Oliveira Isabel Alves, casada com Manuel Rego Francisco da Silva, casado com Marcelina Marta Maria Alves, casada com Manuel Francisco Maria dos Santos Manuel Simões Sebastião Barreto Manuel, filho de António Francisco Maria Dinis, viúva de Joaquim Rodrigues Teresa da Costa, mulher de Estevão Rodrigues José Cruz

13/03/1811 13/03/1811 14/03/1811 14/03/1811 14/03/1811

“ “ “ “ “

José Gonçalves Maria Rodrigues, viúva Ana Paz, viúva Joana, solteira Francisco Sousa, viúvo

106

Igreja de Santa Susana Adro da Igreja

Ega

Vila Nova de Anços Alfarelos

Igreja de Santa Susana “

Ega

Pereira

Adro

Soure

Ega Redinha “ Soure

“ “ “ “

Belide

Casal do Redinho Soure “ Barril/Soure Almagreira Soure

“ “ “ “ “ “


II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

14/03/1811 14/03/1811

“ “

Maria Correia, viúva Marcelina, filha de António José Joana Maria, viúva de Mateus Gonsalves Domingos Cardoso Maria Joaquina, casada com Manuel Francisco Josefa, filha de Manuel Redondo Rodrigues

Alfarelos Soure

“ “

15/03/1811

15/03/1811 17/03/1811

“ “

“ “

“ “

18/03/1811

Granja do Ulmeiro

Igreja de Sana Susana Adro da Igreja “

18/03/1811

19/03/1811

19/03/1811

Maria Roxa, casada com José Alves Mateus, casado com Joaquina Leitoa Bernardo Cordeiro

19/03/1811

Ana, filha de Luís Bernardo

19/03/1811

19/03/1811

Rosa da Silva, casada com José de Figueiredo Maria Carraca

Casal do Redinho Alfarelos

19/03/1811

Manuel da Silva

Pedrógão

21/03/1811

Formoselha

21/03/1811

Ana, solteira, filha de António Baptista João, filho de Mário Aires Cardoso e Josefa Antunes

23/03/1811

Lage/Soure

24/03/1811

António Cascão, casado com António Aires José de Figueiredo

Casal do Redinho Almagreira Vila Nova de Anços Figueiró do Campo

Ega

Casal do Redinho

“ Sacristia velha da igreja ? Adro da Igreja Sacristia velha da igreja Adro da Igreja Igreja de Santa Susana Adro da Igreja “

107


Correia Góis

25/03/1811

Rosa, filha de Luís Oliveira e Filipa Rosa

Belide

26/03/1811

Soure

26/03/1811 29/03/1811

“ “

3/04/1811

10/04/1811

13/04/1811

Maria Teresa, casada com José Rodrigues Maria, filha de Manuel Bras Padre Theotónio, Coadjutor da Redinha José Pedro, casado com Josefa Mateus Maria de Jesus, viúva de Manuel Francisco Josefa Salema, casada com S. Bernardo

18/04/1811

18/04/1811

Maria, solteira, filha de Francisco Couceiro Joana Secília, casada com Manuel Pires

Alvaiázere Redinha

Igreja de Santa Susana Adro da Igreja “ “

Casével

Soure

Vinha da Rainha

Sacristia velha da Igreja Adro da Igreja “

Almagreira Ega

III) Paróquia de Gatões Provavelmente devido a ser uma das mais pequenas do concelho, a “tragédia” dos refugiados das guerras peninsulares não se terá feiro sentir muito e daí não se haver encontrado nos registos paroquiais quaisquer referências15. Porém, a 23 de Abril de 1811, o padre José de Araújo (cura local) em ofício enviado ao arciprestado do Vouga, afirma “...que não houve invasão dos francezes na fregª; mas em compensação, desenvolveu-se grade epidemia da qual tem morrido muita gente, principalmente por falta de médico...”. O ofício é do teor seguinte: “...Senhor, cumpri com o Decreto que recebi de V. S.a. Logo ao primeiro dia em que o recebi fiz ajuntar a confraria do Santíssimo e com o Sacrário aberto fiz Te Deum... e luminárias três dias. A gente de fora forao m.tos e m.tas necessidades. Mortes só hum homem e três mulheres de fora, e desta freguesia entre homens e mulheres no anno de 1811 tem morrido vinte duas. Clérigos de fora só o Vigº da Redinha e nesta freguezia não há algum – Não houve tropas nesta 15 - Apesar do padre José de Araújo, informar a morte de 1 homem e 3 mulheres de “fora” na consulta dos óbitos nos registos paroquiais não se conseguiu a identificação por afirmar somente o local da morte e não da naturalidade.

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II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

freguezia, nem na freguezia as duenssas graçao agora mais que nunca. Muitos têm morrido por falta de medico, pois nesta freguezia não há hum serurgião e não haverem remédios, por os não darem fiados e m.tos por falta de sustento, por serem pobres; hé o que posso emformar a V. S.a...”.16

IV) Paróquias de Liceia e Seixo de Gatões As Paróquias de Liceia e Seixo de Gatões, apesar de mais afastadas da sede do concelho, acolheram refugiados oriundos das freguesias a sul do Mondego, mais concretamente de Soure e Pombal, Freixianda e Vila Nova de Anços, Vermoil e S. Tiago de Litém, Almagreira, Coimbrão e Reveles. Alguns destes vieram a morrer nas freguesias de acolhimento, os seus corpos foram sepultados nas Igrejas e Adros das respectivas Matrizes. As provas do afirmado constam dos registos paroquiais de óbitos lavrados e assinados pelos respectivos párocos das Paróquias, o padre João Pereira de Carvalho de Liceia com 16 mortos (quadro 8) e o vigário Leandro José Fernandes do Seixo de Gatões com 20 mortos (quadro 9).

Quadro 8 - Paróquia de Liceia Data da morte

Local da morte

14.02.1811

Liceia

20.02.1811

4.03.1811

4.03.1811

4.03.1811

Nome e filiação André Cordeiro Pequeno, casado com Micaela dos Santos José, filho de Manuel Bernardo José Cordeiro, casado com Maria de Jesus Manuel Cordeiro Carvalho, casado com Maria da Encarnação Josefa, filha de André Cordeiro Pequeno e Micaela dos Santos

Naturalidade

Enterrado em

Almagreira

Igreja de Liceia

Soure

Almagreira “

Adro da igreja “

16 - AUC- Invasões Francesas (Colecção Belisário Pimentel), D IV-2-2-2-(Montemor-o-Velho).

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Correia Góis

11.03.1811

12.03.1811

12.03.1811

12.03.1811 15.03.1811

“ “

16.03.1811

16.03.1811

19.03.1811

23.03.1811

23.03.1811

23.03.1811

Maria de Jesus, viúva de José Cordeiro Isabel dos Santos, mulher de André Cordeiro Brito Maria Simões, mulher de Manuel Gonsalves Ana Joaquina, solteira Manuel, filho de Manuel Gonsalves e Maria Simões Antónia da Silva, casada com André Cordeiro Fabrício Rodrigues Rosa Maria, viúva de Vicente José Guardado José Luís, casado com Maria Débora Maria Antónia, casada com Francisco António Maria, filha de José Luís e Maria Débora

“ “ Soure “ “ Almagreira

Igreja de Liceia “ Adro da igreja “ “

Almagreira

Igreja de Liceia Adro da igreja Igreja de Liceia Adro da igreja “

Coimbrão

Naturalidade

Enterrado em

Soure “

Igreja Matriz “

Pombal

Vermoil

Soure

Coimbrão Reveles Coimbrão

Quadro 9 - Paróquia do Seixo de Gatões Data da morte

Local da morte

3/02/1811

Seixo

8/02/1811

14/02/1811

15/02/1811

19/02/1811

23/02/1811

110

Nome e filiação Um filho de António Gonçalves Tereza da Oliveira, viúva de Diogo Mateus Um filho de João Gonçalves Manuel, filho de Manuel Luís e Luiza Maria Maria Ferreira, viúva de Joaquim Lopes Joaquim da Encarnação


II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

26/02/1811

28/02/1811

1/03/1811

5/03/1811

5/03/1811

6/03/1811

8/03/1811

11/03/1811

11/03/1811

11/03/1811

12/03/1811

15/03/1811

19/03/1811

19/03/1811

José Ferreira, casado com Felícia da Conceição Maria Joaquina, viúva de João Gameiro Antónia Simões, casada com Manuel Rodrigues Josefa, filha de José da Fonseca e Maria Tereza Luíza, filha de António Leitão e Josefa Joaquina Custodia Maria, casada com António Gaspar Domingos Cordeiro Ana Bernardes, mulher de João de Sousa Maria Lopes, casada com Luís José Manuel Domingos, viúvo de Josefa de Figueiredo José, filho de António Gonsalves e Josefa Soalheira Maria Assença, casada com José Gonçalves Filipe José Gonçalves Filipe, viúvo de Maria Assença Uma mulher, (desconhecido o nome)

S. Tiago de Litém “

Adro da igreja “

Soure

Igreja Matriz “

Milagres/ Leiria Freixianda S. Tiago de Litém Soure Vila Nova de Anços S. Tiago de Litém, Milagres/ Leiria S. Tiago de Litém

“ Adro da Igreja Igreja Matriz “ “ “ “

Soure

Adro da Igreja

111


Correia Góis

V) Paróquias de Meãs do Campo e Tentúgal Estas paróquias foram daquelas que menos refugiados acolheram em muito devido ao afastamento das zonas atacadas pelo “inimigo francês” responsável pela invasão e destruição de bens e pessoas nas zonas a sul do Mondego. Porém, não foram imunes ao drama dos refugiados. Em Meãs do Campo, o vigário local, padre Manuel Fernandes registou 5 mortos (quadro 10) e em Tentúgal o padre Coadjutor António Carvalho da Costa 4 mortos (quadro 11).

Quadro 10 - Paróquia das Meãs do Campo Data da morte

Local da morte

Nome e filiação

6/02/1811 3/03/1811

Meãs do Campo “

José Gomes, viúvo de Luísa Gomes Francisco Ferreira

7/03/1811

José Filipe

11/03/1811

José Henriques

10/04/1811

Rosa Maria, viúva de José Filipe

Naturalidade

Enterrado em

S. Verão

Igreja Matriz “

Casal do Rei/Soure Casal Simeiro/Figueiró do Campo Marachão/ Figueiró do Campo Casal Simeiro/Figueiró

Quadro 11 - Paróquia de Tentúgal Data da morte

Local da morte

15/02/1881

Tentúgal

22/02/1811

1/03/1811

2/03/1811

112

Naturalidade

Enterrado em

José, filho de José Pascoal e Mariana de Oliveira

Ega

João Pinheiro, casado com Mariana Carvalho Mariana Carvalho, viúva de João Pinheiro José Campos, casado com Ana Cazal

S. Verão

Adro da Igreja Matriz “

Pereira

Igreja Matriz

Nome e filiação


II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

No respeitante a Tentúgal e por ao tempo ser sede de Concelho procurou-se saber qual a atitude tomada pelo Senado Municipal no respeitante ao drama. Das leituras disponíveis apurou-se que em reunião de Câmara de 23 de Maio de 1811 presidida por João Carlos da Fonseca (juiz de fora) e na presença de Francisco Manuel de Melo e Salvador Marques (vereadores), José de Oliveira Pereira (tesoureiro) e Onofre Pereira Forjaz (escrivão) aprovou-se uma proposta do presidente nos seguintes termos:17 “...festejar-se a expulsão dos inimigos deste Reino à imitação da capital e outras terras e villas dalli; porém, que esta festividade devia ser compatível com as forças e rendas do Concelho que nas actuais circunstâncias se acham ser muito pequenas, por cuja razão assentarão que houvesse huma missa cantada solennemente e hum sermão por hum orador dos mais abalizados e que se daria de esmolla seis mil e quatro centos reis....saudará com huma iluminação nos Paços do Concelho na véspora da mesma festividade e que o dia da mesma seria no dia de Páscoa do Espírito Santo...”.18

A 1 de Outubro de 1810, após a batalha do Bussaco e na “ressaca” da derrota elementos dos exército francês em fuga, assaltaram, saquearam e mataram na vila de Tentúgal. Uma das vítimas mortais foi o padre Francisco Saraiva a 5 de Outubro e no mesmo dia sepultado no convento de Santa Cristina da Póvoa. O mosteiro de Nossa Senhora da Natividade foi um dos primeiros alvos a atacar o que motivou a fuga das religiosas para os mosteiros de Rilhafoles (Lisboa), Porto, “bosques” e casas de familiares. A Prioresa e algumas religiosas fugiram para Aveiro levando em caixão a imagem de Nossa Senhora do Carmo. O regresso das religiosas a Tentúgal e ao mosteiro verificou-se somente a partir de Abril de 1811 e ao entrarem nele encontraram as portas da igreja e sacristia arrombadas, muitos dos seus haveres roubados ou destruídos e a igreja infuncional. Esta situação de calamidade levou as religiosas a solicitarem ajuda à duquesa do Cadaval (donatária de Tentúgal) e tomada em consideração com base na informação do seu Administrador e Procurador, Dr. José Joaquim Couceiro nos seguintes termos: “...quando o general Junot entrou em Portugal, tirou às supplicantes toda a prata e ouro que possuíam, até sobre impor uma grande contribuição pecuniária, de que logo pagaram grande parte e com a Invazão do inimigo em mil oitocentos e dez, ficaram as supplicantes de sorte prejudicada que tarde se verão instituídas áquelle bom modo de viver que dantes gosavam – porque só quando o inimigo se avizinhava de Tentúgal em distancia e uma légua é que as supplicantes precipitadamente se desamparam a clausura, fugindo umas para Lisboa, outras para o Porto, outras por velhas ficaram no dezerto imbrenhando-se nos

17 - AMMV – Tentúgal, actas da Câmara Municipal de 1811 18 - Nesta mesma reunião o senado Municipal nomeou para levarem as lanternas na festa de Corpo de Deus António Machado e António Coutinho, José Marques Cordeiro, José Caetano Couceiro. Luís da Cunha, Dr. Francisco Coutinho Pereira, Francisco Macedo e António Mateus Nora pegariam nas varas do Pálio.

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Correia Góis

bosques até que tiverao ocasião de buscar agasalho onde a caridade lhe o permitia e deixarão à descripção tudo o que era do convento e do seu particular e entrando o inimigo, quebrando as portas do Convento, roubou o que lhe conveio e inutilizou tudo o mais estando agora as supplicantes privado de fazerem com a devida pompa as funções sagradas em que tanto se esmeravam; e como o tempo da Invasão fosse na colheita dos fructos, pouco veio às supplicantes, cujo mal sentia ainda este anno porque sendo o seu maior fundo em terras de campo e faltava para a cultura d’estas sementes, os bois e os mais que era preciso ficarem sem sementeiras, e pasto que as tivessem em rendeiros, estes não querem pagar, e sustentam demandas, e eis aqui porque contemplo as supplicantes obrigadas a submeterem-se a empréstimos e empenharem-se muito até que a Previdência do Céo permitta por amor um socego estável...”.19

VI) Paróquias de Santo Varão e Pereira Ao período em análise, é vigário da paróquia de Santo Varão o padre João de Lemos e Oliveira. Não registou qualquer óbito quer fosse atribuído à acção dos franceses nem tão pouco alude à sua presença. No entanto, a localidade foi assediada pelo “inimigo francês” aquando da retirada após a derrota em Pombal a motivar a fuga de habitantes para as freguesias a norte do Mondego. A prova reside no facto de alguns haverem morrido na situação de refugiados nas freguesias de Meãs e Tentúgal (ver quadros 10 e 11). Em Pereira, o pároco da paróquia de Santo Estêvão, Dr. António Cardoso de Meneses, em 1810, deu sepultura a meia dúzia de soldados dos Regimentos (Caçadores e Artilharia), provavelmente aquartelados em Pereira numa situação de vigilância e prevenção. Os exércitos franceses acantonavam-se nas terras da Beira Alta e preparavam-se para atacar as linhas de Torres Vedras e portanto Lisboa, a capital do Reino. As datas, nomes e locais de sepultura encontram-se registadas no livro de óbitos da paróquia de Santo Estêvão (Quadro 12).

19 - Códice 1114, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.

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II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

Quadro 12 - Paróquia de Pereira Dia da morte

Local da morte

6/03/1810

Pereira

14/03/1810

20/03/1810

19/04/1810

20/04/1810

20/05/1810

Nome e filiação Francisco de Sousa, soldado do 3º Batalhão de Caçadores Manuel José, soldado do 3º Regimento, agregado à 1ª Companhia de Caçadores Manuel Leal, soldado do 3º Batalhão de Caçadores Manuel Jacinto, soldado da 4ª Companhia do Regimento de Infantaria 23 Francisco Cardoso, soldado da 5ª Companhia do Regimento 15 Pedro de Jesus, casado com Joaquina Caetana “soldado da tropa viva”

Local do enterramento Igreja de S.to Estêvão Adro da Igreja

Igreja de S.to Estêvão Adro da igreja

Igreja de S.to Estêvão “

A presença dos franceses em Pereira no ano de 1811 foi um facto, como atesta um auto de reunião de Câmara a 30 de Março de 1811, presidida por Francisco Ferreira (vereador mais velho e juiz de fora substituto) na presença do Dr. Guilherme Neyton (médico do Partido) e Egídio José Tavares Esteves (capelão da Misericórdia). O teor do auto é o seguinte: “...e logo pelo juiz foi proposto que se tinha pedido ordé a este juízo para se cobrar e remetter o dinheiro da contribuição detriminada por Sua Alteza Rial para subsídio de guerra, porem vendo o mizeravel estado de pobreza em que se acha este Povo, que depois de ter sido saquiado pello inimigo, inutilizados os poucos fructos e atacados agora pella epidemia mortífera que graça nesta villa sem terem os nesesarios recursos para salvarem suas vidas paresia muito justo expor este estado em benefício do Povo a S.A.R., a sua misericórdia do mesmo Senhor...e a graça de transferir a solução da dita contribuição para outro tempo, em que possao pagar em outro anno...”.20

20 - AMMV – Pereira, livro de actas da Câmara de Pereira, ano de 1811.

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Correia Góis

Aquando do assalto à vila de Pereira, Fr. Alexandre do Espírito Santo Palhares, então director espiritual do Real Colégio das Ursulinas, perante o levantamento da população contra os franceses, fez questão de proclamar “vivas” a Napoleão, o que originou na população tentativa de linchamento. Fr. Palhares, viu-se obrigado a retirar para Coimbra, regressou mais tarde a tempo de evitar que os soldados franceses entrassem no Colégio. Desta forma não houve saqueamento, destruição e morte.

VII) Paróquias de Vila Nova da Barca, Verride e Reveles A paróquia de Vila Nova da Barca, uma das mais pequenas do concelho não registou qualquer óbito entre o dia 7 de Setembro de 1810 e 17 de Novembro de 1811. Em 1810 é cura o padre José Joaquim de Brito e em 1811 o padre Francisco José da Graça Teixeira. Não é crível que neste período não tenham ocorrido óbitos na paróquia. As tropas francesas passaram em Vila Nova como prova a presença de refugiados naturais de Vila Nova da Barca a morrerem e a sepultarem-se nas freguesias de acolhimento a norte do Mondego. Em Verride paroquiada pelo padre Francisco José da Costa Serrão a situação não foi nada pacífica onde “o inimigo vinha diariamente” a saquear, matar e obrigar os moradores a fugirem para lugares mais seguros nos lugares a norte do Mondego. O 1º a ser morto foi Francico (filho de Luís Fresco e Caetana Luís) do Oureiro da Moura a sepultar-se na Igreja Matriz, mas sem receber sacramentos da extrema-uncão “por ser morto pelo inimigo e não dar tempo”. Em Janeiro de 1811 morre António de Sousa “sem sacramentos da extrema-unção por cauza da fugida do inimigo que se achava neste couto” e o seu corpo foi sepultado na capela de Nossa Senhora do Rosário. Em Fevereiro de 1811 a fuga intensifica-se e o padre Francisco Serrão regista a morte de alguns dos seus paroquianos na Ereira a sepultarem-se na capela de Santo António e no registo de Manuel Fernandes Preto a 15 de Fevereiro afirma “morrer sem sacramentos porque o pároco e geralmente todos tinham fugido do inimigo que todos os dias vinha ao dito lugar”. O facto do padre se ausentar da paróquia não significa ter fugido do inimigo (em alguns casos os padres foram os primeiros a abater) mas sim dar apoio espiritual aos seus refugiados. Além da Ereira (Quadro 13) verifica-se alguns haverem morrido em outras terras de Montemor, como se prova na consulta dos registos das paróquias (ver quadros). Em 1813 (Fevereiro e Março) os registos grafam a morte e sepultura na Igreja Matriz de 4 soldados irlandeses ao serviço da Cavalaria Inglesa (5º Dragão). Não referem a causa de morte nem a razão da estadia. Na ausência de dados é possível admitir a morte ser devido às epidemias ocorridas após as invasões e a sua presença integrada nas tropas aliadas (não mercenárias) ser devida à vigilância e segurança das populações no rescaldo da guerra. 116


II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

Quadro 13 - Paróquia de Verride Data da morte

Local da morte

Nome e filiação

Naturalidade

Enterrado em

12/01/1811

Verride “

Francisco, filho de Luís Fresco e Caetana Luís António de Sousa

Outeiro da Moura Verride

4/02/1811

Ereira

Lourenço Mateus

16/02/1811 17/02/1811

“ Verride

Arcangela da Mota Manuel Fernandes Preto

“ “

19/02/1811

Ereira

Isabel de Sousa, viúva

26/02/1811

Perpétua Guardado

27/02/1811 7/03/1811

“ “

8/03/1811 9/03/1811

“ Verride

Manuel Vicente António Henriques Carvalho Manuel da Silva Isabel, mulher de Domingos Rainho

Outeiro da Moura Verride “

Igreja Matriz Capela do Rosário Capela da Ereira “ Igreja Matriz Capela da Ereira “

30/01/1811

17/03/1811

Ereira

Maria Victória, mulher de Joaquim de Freitas

Verride

13/03/1811

Barbara da Silva

13/03/1811 16/03/1811

“ “

12/02/1813

Verride

24/02/1811

“ Outeiro da Moura

Ana Santos “ José Amaro, casado com Outeiro da Ana da Silva Moura Samuel Sanon, soldado Nação Irlando Regimento de Cavalaria desa Inglesa 5ª Dragon Dochon Fosselina, soldado “ do Regimento 5ª Dragon

“ “ “ Capela do Rosário Capela do Rosário Igreja Matriz “ “ Igreja Matriz “

117


Correia Góis

2/03/1813

24/03/1811

Jelmo Deal, soldado do Regimento de Cavalaria Ingleza, 5º Dragon Bernard M. Grath, soldado do Regimento da Cavalaria Inglesa, 5º Dragon

sepultura 15

sepultura 16

No período em análise perante o flagelo das populações e à semelhança das demais procurou-se saber qual terá sido a posição da Câmara de Verride. Das consultas obradas, apurou-se que na reunião de 18 de Abril de 1811 sob a presidência de António Simões Pinto (juíz ordinário dos órfãos), na presença de José da Costa e Manuel Ferreira (vereadores), José Baptista (procurador do concelho) e António Alves de Freitas (escrivão) não é analisada esta situação, apenas se determinou o pagamento de 200$000 (duzentos mil reis) a Francisco Manuel Brites Caldas (Médico do Partido).21

Em Reveles e devido à destruição dos livros de óbitos pelos franceses, a fuga dos revelenses e o seu regresso verificar-se a partir de Março de 1811, levou o vigário local, padre Francisco da Paula Silva Barradas a alencar as pessoas em falta e as tomar na sua maioria por falecerem nas terras de acolhimento, como se infere do registado no livro de óbitos da paróquia de Reveles, cujos termos são os seguintes:22 “...o livro dos óbitos desta Fregª de Revelles foi apanhado pelos franceses e feito em pedaços, q. apenas restao poucas folhas q. se ajuntarão a este, ainda que ouvese, como de facto ouve grd.e cuidado em salvallo como os mais com todas as cautellas... principia novo livro a 10 do dia de Março de 1811 pª diante, dia em q. principiaram os Povos a recolherem-se a suas cazas depois da fugida do inimigo...”.23 “...não hé o Pároco obrig.do a fazer o auto das pessoas q. morreram fora da sua Fregª; mas como as pessoas seguintes morrerão da invazão dos Francezes em diferentes lugares e freguezias per cautella e deligencia e percizão q. pode haver de q. a certidão da cada hum dos q. fora desta Fregª morrerão, lembrandose o m.mo R.do Parocho, que pello tumulto e gente sem numero que se achavao fugitivos nas d.as Freg.as não podia os seos respectivos Parochos fazer auto de todos o q. por ser athé impossível os ditos acentos por esta cauza acenta as pessoas q. lá faltao nesta Fregº de Revelles desde a fugida, té sua recolhida ou vinda. - Francisco Pinto, casado com Maria da Graça do lugar da Abrunheira; 21 - AMMV – Verride, Livro de actas da Câmara, 1811 22 - AUC – Registos paroquiais (óbitos) da paróquia de Reveles, 1811 23 - A 17 de Março de 1811, regista o óbito de António da Costa, casado com Rosa da Graça da Abrunheira, que não recebeu sacramentos “por vir quase morto da fugida do inimigo”.

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II Centenário das Guerras Peninsulares - Memorial aos mortos em Montemor-o-Velho

- Thereza da Silva, solteira, filha de Jozefa da Silva de Revelles; - Antónia Duarte, viúva da Abrunheira; - Maria Jozefa, viúva de Abrunheira, - Maria Coutinho de Abrunheira; - Manuel Ignacio, casado com Ana Caixeira, de Val Grande; - João Lopes Machado, casado com Maria Monteiro da Abrunheira; - Thereza da Silva, casada com Ignacio Duarte de Reveles; - Ana Cotovia, casada com Jerónimo Ribeiro de Reveles, - Aida dos Santos, mulher de Simão Pedro de Matos de Reveles, - Sebastiana Maria, casada com Lourenço da Silva de Reveles; - Lourenço Gonçalves Manco, casado com Ana de Jesus de Reveles; - Thereza Dias, mulher de João cardo do Val Grande, - Maria Dias, solteira, filha de João Cardo do Val Grande; - Madalena Maria, viúva do Val Grande; - Thereza dos Reis, casada com Manuel Contente do Val Grande; - Rita Milheiro, filha de Bernardo Milheiro de Reveles; - Maria Rita, mulher de Luís Francisco Aleixo...”.

Concluída esta empresa (invulgar, senão inédita) mobilizadora de muitas e muitas horas de investigação, leitura e interpretação em documentos mui diversos, urge peticionar ao LEITOR alguma morosidade e paciência para a leitura dos conteúdos em referência. Não se roga imitação da paixão que envolveu o autor na sua materialização; mas, pede-se que no silêncio da leitura e da análise eleve os pensamentos mais nobres em memória de tantos e tantos portugueses indefesos vítimas da guerra cujas vidas sagraram ao serviço da Pátria e que durante dois séculos foram ignorados pela História (local, regional e nacional).

119


Memorial da Guerra Peninsular. Foz do Arouce (Lous達).


Mário Nunes*

Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 11, 2011, 121 - 127

As Misericórdias no Espaço e no Tempo Misericórdia, um movimento do coração provocado pela desgraça alheia. Misericórdia, uma palavra de raiz latina, que em hebreu possui, ainda, um sentido mais concreto, pois aquele que é objecto de misericórdia é como que gerado por aquele que dá uma misericórdia, o sujeito.

Antigo Hospital de N. S.a de Campos. Actualmente a funcionar como Lar de Idosos da Misericórdia de Montemor-o-Velho.

E, de misericórdia, nasceram as instituições, designadas de misericórdia, onde o valor espiritual e material constituiu um código social, em que a compaixão pelo semelhante numa situação de sofrimento, físico, moral ou da alma, abraça um projecto de salvação eterna. Aliás, os Compromissos primeiros das Santas Casas assim o expressam, tecendo uma exortação aos irmãos, chamando-os a praticar as 14 obras de misericórdia, em que a caridade, o desapego dos bens a favor dos necessitados e a preocupação da salvação, obtendo uma vida além túmulo, são virtudes que se alcançam pela fé e pelas obras.

E, se a Misericórdia instituiu, naqueles princípios, a caridade, esta como emblema social e espiritual pertence aos irmãos, pois a caridade assente na esmola, obrigatória, faz a ligação entre toda a comunidade, estando a ela obrigados todos os cristãos. Porque a caridade como era entendida, tal como a obediência a Deus e a penitência, nos séculos XV a XIX, preceituava a esmola. Esmola, igual à economia da salvação. Obrigação do cristão dar para alcançar a vida eterna.

* - Mário Nunes (Ex-vereador da cultura da Câmara Municipal de Coimbra).

121


Mário Nunes

Amador Arrais, no século XVI, por exemplo, escreveu que “ladrões são os ricos que consomem em gastos supérfluos o que Deus lhes deu de sobejo para repartir pelos pobres, pelas misericórdias, dar esmola”, enquanto Manuel Bernardes afirmava que “não dar esmola nos casos em que há obrigação, é tanto como roubar”. E, Heitor Pinto, foi mais longe, afirmando que “existe um contrato pré-estabelecido entre Deus e os homens, em que o que dá esmola e faz misericórdia, é sempre recompensado na Terra e na eternidade”. Mas, anteriormente a estes conceitos e preconceitos, como se praticava a caridade e as restantes obras de misericórdia? Solitária ou colectivamente ou das duas formas? Seguindo um percurso multimilenário, o homem amparou-se sempre noutro homem para enfrentar os perigos que o rodeavam e prover à sua sobrevivência presente e dos vindouros. Inicialmente por risco próprio, mais tarde com carácter participativo, em grupo. Este processo de organização em comunidade remonta, como sabemos, à Suméria, ao Egipto, civilização míndica, Grécia e Roma, e validou o apoio e a cooperação em momentos menos agradáveis e difíceis das populações, incluindo a doença e a invalidez. Com o avolumar das necessidades e perante o progresso e maiores exigências na qualidade de vida, surgiram movimentos humanos cada vez mais diversificados, cada qual com fins específicos de actividade. Fundaram-se na época medieval e com base naqueles princípios, de invalidez, doença e pobreza, riscos de calamidades e outros, inúmeras instituições, designadamente as fraternidades, as caridades, as irmandades, as confrarias, as comunidades, as corporações de artes e ofícios, os colégios, as jurandes, as guildas e as companhias. Algumas não sobreviveram e outras construíram uma herança duradoira que se transmitiu de geração em geração. Todas elas imbuídas do espírito associativo e comunitário, voltadas sobretudo para a vertente social e espiritual. Ajudar, contribuir, oferecer apoio material e espiritual numa comunhão entre a matéria e o espírito. De todas elas e das que interessam ao nosso tema, sublinhamos as Confrarias e as Irmandades oriundas dos valores do cristianismo e inseridas em actos de previdência, onde a salvação da alma estruturava o objectivo principal da fundação. As Confrarias eram instituições que auxiliavam, sob o rótulo da caridade, os doentes, pobres, viúvas, órfãos e idosos. Em Portugal, as Confrarias e depois as Irmandades com princípios semelhantes, afirmavam-se, assim, pelos sentimentos de fé e pelos valores identitários da caridade cristã, associações que proliferaram, em maior número, e diversificaram os seus atributos, a partir do século XVI. No campo da assistência criaram pequenos hospitais, que eram, em verdade, modestas albergarias, mas que contribuíam para assistir aos necessitados e marginalizados, e tendo por devoção o seu santo padroeiro e naturalmente a salvação da alma. Interessante mencionar que existiram em Lisboa, no século XVII, duas Confrarias de mendigos com importantes privilégios e santo padroeiro, e que em Coimbra se fundou em 10 de Dezembro de 1324, uma Confraria dos Bacharéis da

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As Misericórdias no Espaço e no Tempo

Sé, “Coro da Sé de Coimbra, que estabelecia um acordo fraternal de entre-ajuda em caso doença e a celebração de missas em louvor de Santa Maria e por alma dos seus defuntos, designados de “Companhôes” e a celebração dos passamentos dos confrades. O mesmo espírito de caridade e do espiritual. Como referimos e recuando no tempo e no espaço, assistimos na linha do pensamento da época, Alta Idade Média, ao estabelecimento das Confrarias e Irmandades, na Europa. Em Portugal e das primeiras sobressaem as Confrarias do Espírito Santo com Compromisso desde 1237 e tendo a Rainha Santa Isabel por fundadora. Instituições que segundo a opinião avalizada do penelense, Padre António Brásio, tiveram como sucessoras as Santas Casas da Misericórdia. Neste entendimento, as Misericórdias são herdeiras das Confrarias do Espírito Santo, embora alterassem alguns dos seus princípios, porquanto os ajustaram à época, à realidade existente, mas mantendo a principal essência da sua actividade e conceito. O património espiritual, assistencial e histórico é aquele que melhor as identifica como valências de carácter social. Em sentido lato, e na definição de Marcelo Caetano, eram associações voluntárias em que se agrupavam os irmãos para um auxílio mútuo, tanto no contexto material como espiritual, mas sempre privilegiando os necessitados, abandonados, doentes e presos. Elucidamos que os mesteirais, dada a afinidade dos ofícios, conduziram o seu agrupamento para Confrarias, com um Compromisso de regulação, em que se inseria o seu santo padroeiro. Por sua vez, Joaquim Veríssimo Serrão, na História da Misericórdia de Lisboa acentua que “aos muito objectivos praticados, nessa época, pelas confrarias medievo – nacionais e estrangeiras – deve reconhecer-se, também, que um espírito novo animou a fundação da Irmandade Olissiponense. Por isso, o nascimento das Misericórdias tem de entender-se como uma nova política assistencial em que se centralizam os serviços das antigas albergarias, hospitais e gafarias”, e resultante desta alteração a Misericórdia é a Confraria das Confrarias de outrora. Por seu lado, deve sublinhar-se, ainda, que as Confrarias e o tema da Virgem do Manto surgiram numa altura importante do desenvolvimento da devoção mariana, o período em que a Virgem é escolhida como intercessora preferencial para o bem da Humanidade e sua protectora. E é nessa devoção que Maria recebe o título de Virgem da Misericórdia, Nossa Senhora da Misericórdia, passando a apresentar-se como aplacadora das fúrias divinas, como se designavam as diversas calamidades, e de defensora dos homens. Anteriormente a esta escolha, a devoção estava circunscrita à figura do Bom Pastor. Estas breves palavras tiveram por objectivo esclarecer da importância que os movimentos humanos, diversificados nos seus fins específicos, ousaram executar desde sempre na vida do ser humano. Uma herança que permanece, oriunda sobretudo dos valores do cristianismo, e que ajudava, sob o rótulo da caridade, os doentes, os pobres, as viúvas, órfãos e idosos. Afirmaram-se, entre nós, pelos sentimentos de fé e de esperança na vida eterna, e pelos valores identitários da esmola e da caridade cristã. Caridade, hoje, identificada, muitas vezes, com solidariedade. 123


Mário Nunes

Onde e quem criou as Misericórdias? E, se em Portugal uma Rainha, D. Isabel de Aragão, a Rainha Santa, foi a criadora e a impulsionadora das Confrarias do Espírito Santo, génese das Misericórdias, outra Rainha, D. Leonor, viúva de D. João II, filha de D. Fernando, filho dos reis D. Duarte e D. Beatriz, teve a honra de transformar uma actividade voluntária de ajuda ao semelhante, num projecto mais ambicioso e adequado ao seu tempo, as Misericórdias. Estas nasceram num período em que a peste negra era uma epidemia em expansão, em que a pobreza grassava e abrangia a maioria da população das cidades, em que as calamidades climáticas e outras doenças, como a sífilis, germinavam em força e quase sem controlo. A miséria morava em todo o lado. A fome e a morte irmanavam-se na dor. E foi neste momento desesperado da sociedade indefesa, que D. Leonor tomou a iniciativa e aplicou os seus bens pessoais e régios para serviço aos outros. Convidou o estratega e frade trinitário, Frei Miguel Contreiras, conhecedor da situação de miséria e da quase inexistente assistência em Portugal e da necessidade urgente de apoiar os desprotegidos, para fundar uma obra assistencial com novos métodos de acção e de eficácia. Um plano ambicioso foi elaborado. No dia 15 de Agosto de 1498, na capela de Nossa Senhora da Piedade, instalada no claustro da Sé Catedral de Lisboa (capela alcunhada pelo povo, de Senhora da Terra Solta), foi erguida a Misericórdia de Lisboa, embrião e orientadora de todas as instituições de benemerência com idênticos atributos e que, posteriormente se fundaram por todo o Portugal e no estrangeiro. A Rainha e Frei Contreiras foram acompanhadas nesta exemplar iniciativa por mais cem fiéis e bons irmãos. Definiram os princípios de trabalho, escreveram o documento de princípios a cumprir, o Compromisso, que pode intitular-se como a Constituição das Misericórdias, a sua Magna Carta, um documento com tudo aquilo que se exigia à instituição, aos irmãos eleitos e â administração da vida da Confraria. A essência compaginava-se na ideia de que todos os homens são filhos do mesmo Deus Criador, logo unidos na vivência de irmãos pelo sangue. Assim, a assistência aos pobres e pessoas em risco é dever de todos. As mãos devem agarrar a caridade no desvelo integral para com a pobreza, a doença, e a dor. Os enfermos, os pobres, os órfãos, os moribundos, o auxílio moral para com os presos e a sepultura aos mortos, além de outros benefícios impõem a prática gratuita pelos irmãos. Um profundo sentimento de caridade. D. Manuel I, que fugiu da peste em Lisboa, estando em Coimbra nessa altura, apoiou D. Leonor nesta grande empresa de amor ao próximo, divulgando a mensagem pelo Reino e estimulando os juízes, vereadores, procuradores, fidalgos, cavaleiros e homens bons a acompanhar, com a fundação, o exemplar trabalho feito em Lisboa, a Confraria de Nossa Senhora da Misericórdia. E, nas suas cartas expressava que não olvidas124


As Misericórdias no Espaço e no Tempo

sem os presos, pobres e desamparados, ordenando: “ folgamos muito que em todas as cidades, vilas e lugares principais do Reino se estabeleçam Confrarias, pela forma que no dito regulamento de Lisboa se contém”. Consignaram, também, que “as eleições, anuais, se realizassem em 2 de Julho, dia consagrado à Visitação de Nossa Senhora a sua prima D. Isabel e que os eleitos não pudessem invocar qualquer escusa para o não cumprimento dos cargos, sendo o Provedor um homem nobre, de autoridade, virtuoso, de boa fama, muito humilde e paciente”, e os irmãos possuírem “boa fama e sã consciência, honesta vida, mansos e humildosos a todo o serviço”. E, logo nesse ano de 1498, se fundaram Confrarias da Misericórdia em Vila de Pereira (Montemor-o-Velho), Góis, Montemor-o-Velho, Valença, Lagos, Tavira, Angra do Heroísmo e Vila da Praia. No ano seguinte no Porto, Évora, Montemor-o-Novo e Albufeira. De 1498 a 1500 existiam já 23. Em 1525, ano em que morreu D. Leonor, contavam-se 62, para em 1559, ano da criação da Misericórdia de Penela, o número atingir, 132, tendo chegado à Madeira e Índia. Durante o século XVI criaram-se 139, e no XVII, mais 36. Em 1755 atingiam 231. Em 1937, o número totalizava 303 e em 1988 subia para 389 (Continente, 361; Açores, 22; Madeira, 5; Paris, 1; Luxemburgo, 1). E, naquele ano e seguintes fundaram-se outras em Toronto (Canadá), Angola, Brasil, Cabo Verde, Timor, Nova Iorque, Venezuela e outros países. Actualmente existem em Portugal 390 e no Mundo umas largas centenas. Perdida a independência em 1580, os Filipes procederam a alterações no governo da Misericórdia de Lisboa. O Compromisso foi adaptado à nova realidade política, vigorando a partir de 1618, como a segunda Magna Carta e por mais duzentos anos, até ao Liberalismo. A intromissão dos Filipes fez perigar a notável missão da Misericórdia, exemplo da diminuição dos recursos, do aumento de fugitivos, com receio da guerra, e dos que abandonaram a agricultura para os centros urbanos com as inevitáveis consequências, acrescido da multiplicação de nascimentos ilegítimos e abandono das crianças nas praças, igrejas e ruas e que eram encaminhados para as Rodas dos Expostos. A situação deixada pelos Filipes e adensada com a guerra da Restauração tornou difícil a vida das Misericórdias. E este percurso doloroso continuou muito mais tempo, agravando-se dia a dia, e atingindo o extremo com o terramoto de 1755. A falência estava à vista. Houve, então, a feliz ideia de criar uma lotaria nacional e anual, com prémios. Esta nasceu em 1783, e os lucros obtidos mitigavam as lacunas e acudiam às urgências, sobretudo dos Hospitais Reais de Todos os Santos (da responsabilidade da Misericórdia de Lisboa) e dos Expostos da Roda. E, deste expediente colocaram-se cauteleiros nas ruas a vender lotaria, resultando daí o pregão, que ainda subsiste: “amanhã, anda a roda”, que anunciava o sorteio e a finalidade das vendas, neste caso para a Roda. Veio o Liberalismo e nova alteração. Os irmãos eram escolhidos pela sua ideologia. E, em 1834, por decreto do Ministério de D. Pedro, Duque de Bragança, foi ordenada a dissolução da Mesa Administrativa e a estatização da Misericórdia de Lisboa. Um 125


Mário Nunes

duro golpe que feriu a essência da instituição, pois perdeu a autonomia e provocou o caos. A nível nacional e além fronteiras as consequências foram desastrosas. Encerraram muitas e os necessitados passaram a miséria maior e morte prematura. Porém, em 1851, a Regeneração reconheceu o erro e o valor do trabalho social e de caridade das Misericórdias, que em muitos casos eram a única forma de apoiar o semelhante. Revitalizaram os centros de assistência das instituições. Mas, em 1866, novo ataque com a desarmotização dos bens fundiários das Misericórdias para pagamento de encargos do Estado. Outra crise. As Misericórdias reagiram e nos últimos anos da Monarquia receberam mercês de D. Luís a D. Manuel II. A implantação da República alterou o sistema de eleição dos Provedores que passaram a ser nomeados pelo Governo. Legislação acatada por muitas mas rejeitada por outras que mantiveram o seu Compromisso, exemplos da Misericórdia de Penela, de Montemor-o-Velho, do Porto e de outras. Em 1911, com a Lei de separação da Igreja do Estado, viveram-se momentos sombrios, pois os lugares eram disputados, já que ser Provedor ou mesário constituía caminho andado para ascender à presidência das Câmaras. E, os não escolhidos não aceitavam integrar listas. Surgiu forte crise, pois até os arquivos, espólios e propriedades e bens foram vasculhados e espoliados, a par dos saneamentos políticos. Encerraram 70, conforme inventário de 1977. Com a vinda do Estado Novo algo mudou, mas a instrumentalização também se operou. A ideologia e as denúncias marcaram o período da ditadura salazarista. As Misericórdias que eram o sustentáculo e refúgio dos carenciados e dos que precisavam de auxílio material e espiritual, de conforto moral e de coragem, sentiram-se esvaziadas de parte do conteúdo secular e marcadas pelas arbitrariedades que foram recebendo. O sentimento de caridade tornou-se mais materializado. A realidade era outra. O 25 de Abril de 1974 trouxe, também, alguma desordem institucional com a passagem de hospitais, casas da criança e outras obras de assistência para a administração estatal. Muitas ficaram com Mesas Administrativas em vez de Provedores e mesários. Uma intromissão em instituições que trabalhavam bem e o que desejavam era o apoio estatal, porque sabiam gerir e apoiar quem precisava, embora, como em tudo, houvesse oportunistas e resistentes ao novo regime que procuravam boicotar a organização. Mas, a situação tornou-se tão evidente com os abusos que, as Misericórdias reagiram e criaram a União das Misericórdias Portuguesas, cujo movimento obrigou o Estado a recuar e a reconhecer o valor do seu trabalho, a devolver-lhes algumas das instituições de que se apossara e a pagar renda em hospitais que administrava e noutras valências sociais. Inclusive passou a apoiar e a comparticipar projectos sociais de diversa natureza, já que as Misericórdias inovaram os seus objectivos, diversificaram os auxílios, abraçaram outros campos de acção, exemplos da Cultura, da Saúde e da Educação, e adaptaram-se muito bem aos novos desígnios que lhes são exigidos pelas populações.

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As Misericórdias no Espaço e no Tempo

Concluímos, afirmando que as Misericórdias, numa missão multissecular, permanecem os baluartes que sustentam as diversas valências que suavizam e ou eliminam as carências que afligem as populações, sobretudo as pessoas que são abandonadas ou marginalizadas pela sociedade, muitas que o Estado olvida, quer por impreparação social, quer por ignorância activa ou esquecimento hipócrita. E, as Misericórdias estendem o seu manto benfazejo a todos sem olhar a credos, ideologias, cores da pele, origens e estatutos sociais. Todos têm lugar na sua dimensão de ilimitado amor fraterno.

Rosto do Livro de todallas liberdades da sancta confraria da misericordia de coimbra, 1500. Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (Ms. 3124)

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Lurdes Breda*

Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 11, 2011, 129 - 130

Mondadeira do Mondego

Mondadeira de mãos doces…

Mondadeira de mãos doces…

Embarca os teus sonhos

Agarra a pressa do vento

De terra molhada

Por entre o abraço das espigas

Na sede das águas…

Que preenchem os arrozais.

Solta as velas,

Dança na luz

Que guiam o teu corpo,

Que te adoça a pele.

No perfume das marés.

O teu chapéu de abas

Entrega ao Mondego

É como um malmequer

As cantigas da tua pátria,

Com pétalas de Sol,

Que os lábios beijam

Onde as libélulas vêm pousar

No voo das andorinhas.

Para escutarem o teu riso.

* - Lurdes Breda (escritora e poetisa natural de Liceia).

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Mondadeira de mãos doces…

Os braços que embalam Os filhos do teu ventre São os mesmos Que em ternura se abrem Aos arrozais infinitos. E os campos, Pintados de verde e ouro, Guardam os segredos Dos teus pés descalços, Felizes, a sangrarem.

Mondadeira de mãos doces…

Quando a noite chegar, Descansa o gume da tua foice Sobre as marachas em flor E enche os olhos de céu. No silêncio das marinhas, As estrelas misturam-se Com as raízes do arroz E os versos do teu canto Arrebatam fios de luar À nostalgia do Mondego…


António Lopes Pires*

Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 11, 2011, 131 - 139

A Literatura Popular de Tradição Oral

A tradição oral é um dos aspectos da tradição popular a que podemos, sem receio, apelidar de literatura popular ou, talvez com mais rigor, de literatura popular de tradição oral. A maneira simples como o povo se exprime e comunica tem levado alguns eruditos a considerá-la como coisa inferior e, portanto, incapaz de ser incluída no campo da Literatura. Isto, certamente, face à sua origem, forma de transmissão e de uso e também à sua simplicidade, à sua linearidade. Em nossa opinião, a Literatura Popular de Tradição oral merece o maior respeito devendo, por isso, ser estudada por quem tiver gosto e capacidade para o efeito. Ela vem de comunidades culturalmente significativas que lhe deram forma, a adoptaram como coisa muito sua, a utilizaram de forma oportuna e apropriada, a foram transmitindo de geração em geração, a fruíram com satisfação e em plenitude. Estudá-la e dá-la a conhecer é ficar de posse e partilhar o conhecimento da alma de um povo que, na maioria dos casos, mesmo sem ter frequentado mais do que os bancos da escola da vida, revela assinaláveis conhecimentos e sentido de defesa de valores que o definem. Enquanto literatura viva, tem algumas características que a distinguem: 1. É sempre transmitida por via oral, de geração para geração. 2. Tem sabor estritamente popular. 3. É anónima quanto ao seu autor. 4. É assumida por toda uma comunidade culturalmente significativa e não apenas por indivíduos isolados. 5. Naturalmente, face à sua forma de transmissão, sofre em cada momento naturais transformações. Podemos por isso dizer que não há duas versões rigorosamente iguais, pois quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto.

* - António Lopes Pires (Inspector Principal do Ministério da Educação (aposentado). Estudioso da Antropologia Cultural).

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António Lopes Pires

Não se pense que esta forma de literatura, por ser de origem popular, não erudita e por não ser escrita, terá menor valor do que a outra, a dos grandes escritores que a fazem segundo regras mais ou menos impostas ou aceites, pensando bem no que escrevem para que os futuros leitores possam pensar de forma positiva do seu autor, corrigindo frases e textos as vezes que entendem, antes de serem entregues no editor ou na tipografia, para só muito mais tarde — às vezes anos — chegar às mãos do seu destinatário, o leitor. Na literatura popular a intenção vai no sentido de uma acção para o imediato; quem a usa pretende obter resultados sem demora, e sem nunca pensar que o interlocutor possa alguma vez dar ao seu dito, sentença, adivinha, quadra, conto ou trava-línguas uma interpretação diferenciada: — Ó Zé, ainda hoje não fizeste nada. — Quem se mata, morre cedo. Ou — Tamanha pagueta, tamanha trabalheta. Ou ainda — Não fales tão alto, que te podem ouvir.

Circunstâncias há em que a literatura erudita, científica, escrita, não funciona, ao contrário da de expressão exclusivamente oral que pode utilizar pequenas subtilezas vocálicas para iludir o interlocutor. Vejamos a seguinte adivinha: Cal (qual) é coisa, cal é ela, que ainda agora falei nela?

(a cal)

A Literatura Popular de Tradição Oral funciona na relação directa com o outro, tem quase sempre uma função utilitária; por isso é viva, capaz de se adaptar às circunstâncias do momento e, sobretudo, do utilizador. O erudito que a recolhe, o etnógrafo (se for capaz de merecer esta designação) ao estampá-la no meio áudio-visual ou na folha de papel desenvolve uma acção de carácter definitivo. Por isso deve ser sério, rigoroso no cumprimento dos procedimentos científicos adequados. Procede como o biólogo quando capta uma borboleta de belas asas coloridas e a guarda em caixa apropriada, atravessada por um alfinete. Está salva, não se perderá, serve para fruição de quem a recolheu, de todos os apreciadores e para estudo dos muitos interessados. Ela continua linda, admirada, cada vez mais bem estudada; mas está morta. Infelizmente não há outra forma de salvaguardar algum património vivo que não seja matá-lo, ou seja, fazê-lo parar no tempo e retirá-lo do espaço que lhe deu vida e razão de ser e de existir. Sem este procedimento, as naturais mudanças nos espaços, nos comportamentos e nas condições da vida se encarregariam de os levar ao desaparecimento.

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A Literatura Popular de Tradição Oral

Na Cultura Portuguesa, mais especificamente, na Literatura Portuguesa há uma componente de raiz popular, que nunca foi transmitida de geração em geração pela via da escrita, mas que, tal como a sua irmã erudita, merece igualmente ser bem tratada, ser bem guardada, ser bem estudada, ser bem conhecida. E como quem é seu depositário é, por via de regra, o povo mais humilde, menos evoluído científica e escolarmente, cabe a todos aqueles que para tanto têm meios — e o meio principal consiste em saber ouvir e saber escrever — a obrigação de salvar do esquecimento, talvez da perda total e irremediável, o muito que ainda por aí anda no pensamento e na boca dos mais idosos, fontes de sabedoria que podem secar de um momento para o outro. Este trabalho de recolha e salvaguarda, a meu ver, vai muito bem a todos quantos têm responsabilidades no domínio da Cultura, sem esquecer, naturalmente, alunos e professores das nossas escolas, designadamente, daqueles que aprendem e fazem aprender a Língua Portuguesa e daqueles que descobrirem que aqui podem encontrar excelente material para, pondo à prova metodologias de hoje, conseguirem que os seus alunos adquiram competências que permitam a apropriação … de métodos de trabalho e de estudo e proporcionem o desenvolvimento de atitudes e de capacidades que favorecem uma cada vez maior autonomia na realização das aprendizagens. De um enorme rol possível, registamos alguns aspectos da Literatura Popular de Tradição Oral a que as escolas poderiam recorrer, acrescentando também alguns exemplos significativos para que seja possível apreciar a beleza com que, por certo, se deparariam: Segundo alguns autores, a Literatura Popular de Tradição Oral é constituída por três grandes grupos ou géneros:

Formas e jogos da língua. provérbios; ditos; comparações; adivinhas; lengalengas; trava-línguas; parlengas e jogos infantis; rezas; orações.

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Formas narrativas. lendas; contos; mitos.

Formas dramáticas e musicais. teatro popular; rimances; cantigas.

Se a segunda e terceira formas são de mais difícil recolha por parte de algumas escolas, já outro tanto não direi a respeito da primeira que me parece perfeitamente ao alcance dos alunos de uma qualquer escola portuguesa. Vejamos:

Provérbios Os provérbios têm diversos nomes por que também são conhecidos: adágios, ditados, rifões, aforismos, anexins (ch), prolóquios, apotegmas, máximas, sentenças … São talvez dos aspectos mais conhecidos da Literatura Popular de Tradição Oral. Toda a gente sabe de cor várias destas peças. Todo o burro come palha; a questão é saber-lha dar. Quem quer, vai; quem não quer, manda. Quanto mais me bates, mais eu gosto de ti.

Ditos Populares Parecidos com os provérbios, não devem confundir-se com estes, pois fazem apenas uma afirmação. Não deixam por isso de ter grande importância pela forma como através deles podemos conhecer melhor o povo que os utilizou e a sua sabedoria: Estar entalado. Fartar-se depressa.

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A Literatura Popular de Tradição Oral

Comer da mesma manjedoira. Cantar de galo. Pintar a manta.

Comparações Fazem uma clara comparação com algo cujo sentido já é comummente aceite: Fininho como o arame. Manhoso como uma raposa. Escuro como breu. Falso como Judas. Pesado como chumbo.

Adivinhas Andam por aí à espera de quem se lembre delas. É só recolhê-las: Na água não se molha; no fogo não se queima. O que é?

(Sombra)

O que é que, sendo apenas teu, é mais usado pelos outros que por ti? (O teu nome) O que é que se tira uma vez e fica para sempre?

(O retrato)

Lengalengas As lengalengas, ou parte delas, não fazem grande sentido. Vivem do seu forte ritmo, da sua rima e são óptima oportunidade para os meninos treinarem a pronúncia de algumas palavras e exercitarem o aparelho fonador: Tão, balalão,

Antoninho, cravo roxo,

Cabeça de cão,

Não passes no meu quintal,

Orelha de gato,

Que está lá um bicho mau,

Não tem coração.

Que te pode fazer mal.

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António Lopes Pires

Trava-Línguas Tal como as lengalengas, vivem da rima e do ritmo, servindo para exercitar a pronúncia, mas também, um pouco em jeito de ratoeira, para apanhar os desprevenidos a quem se levantam dificuldades por vezes traiçoeiras: O rato roeu a rolha da garrafa do rei da Rússia. Debaixo daquela pipa está uma pita: Pinga a pipa, pia a pita; Pinga a pipa, pia a pita; Pinga, etc. Em cima daquela árvore está um ninho de mafamaguifa, com sete mafamaguifinhos; quando a mãe mafamaguifa vai dar de comer aos sete mafamaguifinhos, fazem tamanha mafamaguifada que se ouve na serra da Arada. Estender cordões, encolher cordões; estender cordões, encolher cordões. Cachapim, capachorra; Cachapim, capachorra; Cachapim, … Debaixo daquele púlpito pardo, Está um pardal pardo palrante. Porque palras pardal pardo palrante? Palro e palrarei, Porque sou o pardal pardo Palrador d’el rei.

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A Literatura Popular de Tradição Oral

Parlengas e Jogos Infantis Por vezes a poderem confundir-se com as lengalengas, as parlengas ou parlendas infantis são pequenos jogos acompanhados e até comandados por linguagem simples, rimada e bem ritmada por movimento manual: Batendo com a mão nas cabeças dos presentes colocados em roda, para saber quem é o escolhido: Serrubico, bico, bico, Quem te deu tamanho bico? Foi Nosso Senhor Jesus Cristo; Ele vai, ele vem, Por cima desta montanha. Ouro, ouro, prata, prata, Disse o rei que fosse à ma...ta.

Ou para descobrir o faltoso: Pipa nova, piva velha, Foi ao mar e se afundou; Com licença, meus senhores, Aqui está quem se pei...dou.

Rezas Frequentemente se confunde o sentido das rezas com o das orações. O povo nunca as confundiu e utilizou-as adequadamente, na circunstância exacta. Rezar consistia na utilização de fórmulas da tradição, às vezes com procedimentos acessórios, sempre com o objectivo de curar de males do corpo as pessoas e até os animais. É que numas e noutros, como dizia o povo, tirante a alma, tudo é de carne. Rezava-se, por isso, à rângula, ao ventre caído, ao embaçado, à dada, ao mau olhado, ao mal de inveja, ao sol, à zirpela, ao zirpelão, à cabrita, à peçonha, ao aberto, ao augado, ao ventre caído…

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Rezar ao sol Como dizia a Ti Elisa dos Prazeres: Quando as pessoas têm tonturas e dores de cabeça, é preciso tirar o sol. Reza-se com um copo e um guardanapo dos antigos, dos que tinham até uns olhinhos. Dobra-se o guardanapo e põe-se-lhe o copo com água em cima, ficando o cu do copo virado p’ra cima e tem que se segurar o copo para que a água não caia pela cabeça da pessoa, e diz-se: Deus é sol, Deus é lua, Deus é toda a claridade. Nosso Senhor te tire, criatura de Deus, Esta enfermidade. Padre Nosso Ave Maria.

Reza-se três vezes. Sendo sol, a água fervilha.

Orações As orações são fórmulas elaboradas de forma cuidada, e recitadas de acordo com a tradição. Servem para comunicar com o divino a quem o povo presta a sua homenagem e a quem recorre pedindo ajudas que podem ser a favor das almas dos mortos, das almas dos que ainda vivem e que, orando, se vão prevenindo colocando a seu favor pontos positivos. Usam-se ainda as orações para que a hora da morte seja seguida de imediata entrada no Céu e também para que Deus e os santos se compadeçam de quem está passando por uma aflição ou provação. São exemplos: Para afastar as trovoadas: S. Gregório se alevantou, Seu cajadinho tomou, Seu carreirinho andou, E encontrou Nossa Senhora. Nossa Senhora lhe perguntou: Para onde ides, S. Gregório? 138


A Literatura Popular de Tradição Oral

Vou espalhar as trovoadas Sobre nós andam armadas. Espalhai, espalhai, S. Gregório, Por onde não haja eira nem beira, Nem pé de figueira, Nem bafo de menino, Nem galo que cante, Nem galinha que cascareje. Padre Nosso, Ave Maria.

E também, por tudo quanto aqui fica dito, por tudo quanto pretendi sugerir, por tudo quanto eu gostaria de ver mudado, para melhor, na defesa das tradições culturais populares do meu País, Padre Nosso, Ave Maria.

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Mónica Santa Rita*

Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 11, 2011, 141 - 155

Montemor-o-Velho e o poder local Séculos XIII a XVI Introdução Situada entre o rio Mondego, que lhe garantia campos férteis e facilidades comerciais, e vários montes, que lhe asseguravam uma defesa eficaz face às ameaças externas, Montemor-o-Velho desde cedo viu regulamentada a sua vida quotidiana, económica, política e social. É a sua organização enquanto concelho que procuraremos estudar neste trabalho, ilustrando as várias alterações que sofreram as suas estruturas concelhias, desde o século XIII até ao século XVI. Optámos, assim, por dividir este trabalho em três capítulos: o primeiro, no qual procurámos definir alguns conceitos fundamentais para o estudo do mesmo; no segundo, onde quisemos retratar a realidade nacional nesta época; e, um terceiro, tentando constituir ou reconstituir qual seria a estrutura concelhia da vila de Montemor-o-Velho neste período de tempo definido.

1. Os Conceitos Ao procurarmos estudar a organização do poder local na vila de Montemor-o-Velho não poderíamos deixar de definir dois conceitos relevantes para o claro entendimento da realidade: o conceito de foral ou carta de foral e o conceito de concelho. Contudo, devemos ter em atenção que, antes do aparecimento dos forais propriamente ditos, os primeiros instrumentos de regulamentação da vida comunitária foram as cartas de povoação, que tinham como finalidade principal o povoamento de locais ermos ou a atracção de “nova mão-de-obra a locais já habitados”1.

* - Mónica Santa Rita (Técnica Superior de Arquivo - A.M.M.V.). 1 - SERRÃO, Joel - Dicionário de História de Portugal. Porto: Livraria Figueirinhas, 1972. Vol. II, p. 279.

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Posteriormente, e no contexto da Reconquista Cristã, tornava-se necessário proteger as zonas fronteiriças, dotando-as de mecanismos que as legitimassem. Surgem, então, as cartas de foral ou forais. Uma carta de foral era “um diploma concedido pelo rei, ou por um senhorio laico ou eclesiástico, a determinada terra, contendo normas que disciplinam as relações dos seus povoadores ou habitantes entre si e destes com a entidade outorgante”2. Valdeavellano define-a como “o estatuto jurídico que contem na sua redacção escrita a soma dos privilégios outorgados a uma localidade pelo rei ou senhor, consubstanciando em essência os preceitos do poder local, recolhidos parcialmente ou na sua totalidade, e ainda os poderes concedidos pela coroa”3. Estes forais medievais regulamentavam a vida social e quotidiana: aspectos de natureza administrativa, exercício da justiça, definição de tributos a pagar, direitos e deveres dos habitantes locais. Contudo, o progressivo robustecimento do poder do rei e a uniformização jurídica, alcançada através de legislação geral, iam determinando o declínio das instituições concelhias, o que leva D. João II, entre 1481 e 1482, a mandar recolher todos os forais. Pelo contrário, em 1497, D. Manuel I encarrega Fernão de Pina de proceder à reforma dos mesmos, em virtude das más interpretações e do mau estado de conservação dos antigos documentos. Estes forais, designados comummente por forais manuelinos, apesar de mais agradáveis à vista, em termos de conteúdo deixam muito a desejar pois perdem o seu carácter de estatuto político-concelhio e apenas preservam o aspecto de registos actualizados das isenções e encargos locais. Surge, então, relacionado com o conceito de foral o conceito de concelho. Na Idade Média, o termo concelho, do latim concilium, designa uma circunscrição de carácter territorial, com uma dimensão maior ou menor, e cujos habitantes tinham visto consagradas nas chamadas cartas de foral normas de convivência interna e o seu relacionamento com a autoridade que outorgava esse mesmo foral. Joel Serrão4 define os concelhos como “a comunidade vicinal constituída em território de extensão muito variável, cujos moradores – os vizinhos do concelho – são dotados de maior ou menor autonomia administrativa”. E continua dizendo que “os nossos concelhos são organismos de carácter tipicamente medieval, que surgem em função do próprio condicionalismo da sociedade da Reconquista, resultando de factores de ordem económica, social, política e até militar”5. Divididos em concelhos rurais e urbanos, são sobretudo os do segundo grupo, que seguem o modelo do foral de Coimbra de 1179, que nos interessam pois tratam de “territórios fronteiriços ou, pelo menos, ainda sob a ameaça dos Muçulmanos, a que servia de reduto um castelo, à volta do qual se desenvolve o núcleo urbano que constituía o centro da administração municipal”6. 2 - SERRÃO, Joel – Ob. Cit. p. 279. 3 - apud Humberto Baquero Moreno - Os municípios portugueses nos séculos XIII a XVI. Estudos de História. 1º ed., Lisboa: Ed. Presença, 1986. p. 12. 4 - SERRÃO, Joel – Ob. Cit. Vol. III, p.137. 5 - SERRÃO, Joel – Ob. Cit. Vol. III, p.137. 6 - SERRÃO, Joel – Ob. Cit. Vol. III, p.138.

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Montemor-o-Velho e o poder local - Séculos XIII a XVI

Ao longo dos séculos os concelhos vão-se modificando e podemos concluir que os mesmos são diferentes consoante os espaços, os tempos, as conjunturas políticas e até os vários ocupantes do espaço. Assim, partilhamos da opinião de António Manuel Hespanha quando o mesmo afirma que “fazer a história da divisão administrativa é fazer a história das relações entre o poder e o espaço; é também assumir, à partida, que tanto o poder como o espaço têm uma história”.

2. A realidade nacional nos séculos XIII a XVI As estruturas políticas mantiveram-se, ao longo destes três séculos, praticamente inalteradas: poder régio, poder senhorial e poder concelhio. Contudo, as relações entre eles foram-se modificando, em consequência, não só das várias crises, como também das inconstantes vontades régias. Se, num primeiro momento, a monarquia opta por conceder vários privilégios e regalias aos concelhos na tentativa de expandir e consolidar o território conquistado, num segundo momento, em que esta finalidade já não se justifica, procura reforçar o poder régio, centralizando-o e colocando nos concelhos vários oficiais dependentes directamente da Coroa. É o caso de D. Afonso III e D. Dinis que, ao alargarem a legislação existente, colocaram na alçada directa do rei a actuação final em termos de justiça7 e o controlo de toda e qualquer documentação originária da Igreja8, bem como a criação de um corpo militar permanente9. Estes dois monarcas criaram, assim, os cargos de Meirinho-Mor, Juiz de Fora, Corregedor e Almoxarife, os quais espelham as diferentes configurações da malha territorial. Assim, enquanto que no século XIII o território nacional estava dividido em senhorios, reguengos e julgados, no século XIV, surgem em lugar destes últimos as comarcas e, já nos finais do século, os almoxarifados. No entanto e apesar de estarem continuamente sujeitos quer ao poder régio quer ao poder senhorial, competia aos concelhos medievais a administração da justiça, a cobrança de impostos, as tarefas administrativas e a regulação dos bons costumes sociais e morais.

7 - Em 1317 é instituída a “Justiça Maior” que definia a Corte como uma jurisdição acima das jurisdições, ou seja, um tribunal de último recurso. 8 - O “Beneplácito Régio” era uma forma de controlar a documentação papal, submetendo-a à apreciação da corte. 9 - Este corpo militar, designado por Besteiros do Couto, era constituído por elementos recrutados nos diversos concelhos, os quais deveriam estar preparados para actuarem em qualquer eventualidade.

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3. A organização do poder concelhio, em Montemor-o-Velho, nos séculos XIII a XVI Existindo desde os séculos VIII-VII a.C., primeiro como feitoria fenícia e depois ocupada por romanos e árabes10, Montemor-o-Velho foi um local privilegiado para a fixação das populações, graças à proximidade do Rio Mondego e dos seus campos férteis, aliados à existência de montes, favoráveis à defesa do território. Andando constantemente a saltar de mão em mão é, em 1034, reconquistada aos mouros por Gonçalo Trastemires, voltando a cair sob o jugo muçulmano pouco tempo depois. Só em 1064, com a conquista definitiva de Coimbra por Fernando Magno, conhece alguma paz e estabilidade. D. Raimundo, para recompensar os esforços despendidos pelos presores para a reanimação do povoamento, doa-lhes, em 1095, a herdade de Montemor11 e nomeia, para o governo do território, “um tenente, colocava um alcaide no castelo e certamente, porque Montemor seria sede de um julgado aí havia juiz e mordomos, além de existir um concilium deliberante, uma assembleia de homens importantes, como o atesta o foral de Soure de 1111”12. Palco de inúmeros acontecimentos históricos, o Castelo de Montemor-o-Velho é doado por D. Sancho I, no século XIII, à sua filha D. Teresa, juntamente com a vila de Esgueira13. D. Afonso II, cuja política considerava que só ao monarca competia nomear alcaides para os castelos e que os bens e direitos régios deviam ser controlados pela coroa, para evitar os abusos do clero e da nobreza, mandou elaborar confirmações e inquirições e criou o cargo de tabelião, oficial que dava fé pública aos actos que lavrava14. Neste sentido, e não concordando com os legados de seu pai, procura impugnar os mesmos. As irmãs, D. Teresa, D. Branca e D. Mafalda, entrincheiraram-se dentro do castelo de Montemor e, procurando o apoio e a fidelidade dos homens da vila, concederam, em Maio de 1212, uma carta de foral que lhes outorgava os mesmos privilégios dos habitantes de Coimbra, definidos no foral de 1179. É este documento, conhecido por Foral das Infantas, que nos permite reconstituir aquela que seria a primeira organização do concelho15: 10 - COELHO, Maria Helena da Cruz – Forais de Montemor-o-Velho. Montemor-o-Velho: Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 2002. 11 - Foi, nesta altura, que D.Raimundo terá, provavelmente, concedido uma carta de povoamento aos novos colonizadores. 12 - Coelho, Maria Helena da Cruz, “A Origem do poder concelhio e o enquadramento do foral de Montemor”, in Montemor-o-Velho. 20 Anos de Poder Local. Montemor-o-Velho: Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 1992. p.68. 13 - O Testamento de D. Sancho I, de Outubro de 1210, foi publicado por Rui de Azevedo, Padre Avelino de Jesus da Costa e Marcelino Rodrigues Pereira – Documentos de D. Sancho I (1174-1211). Coimbra: Centro de História da universidade de Coimbra, 1979. Vol. I. doc. 194. 14 - É o que se entende, nesta altura, como a preservação da memória do escrito. 15 - De referir que a Dr.ª. Maria Helena da Cruz Coelho apresenta-nos outra perspectiva do que seria o governo no concelho, nesta altura, com o alcaide, o alcaide pequeno e o adail; o concilium, com os alvazis, o saião e o porteiro, os almotacés e o mordomo. No entanto, optámos por nos manter fiéis ao documento do foral de 1212, como base documental para este organograma.

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Montemor-o-Velho e o poder local - Séculos XIII a XVI

Alcaide Porteiro Adail

Concilium

Almotacé

Mordomo

Alcaide do termo

Pretor do termo

D. Sancho II, no ano de 1223, ratifica a carta de foral das infantas16, assim como os reis seus contemporâneos: D. Afonso III (1248); D. Pedro (1357); D. Fernando (1371); D. João I (1386)17 e D. Afonso V (1450 e 1494)18. Apesar de confirmarem o foral, muitos destes monarcas, numa tentativa de controlar o poder concelhio, criaram novos cargos, que permitiam fiscalizar e intervir na vida dos concelhos. É o caso de D. Afonso III que criou os almoxarifes, os meirinhos e os meirinhos-mores. Não temos, no entanto, prova de que tenha existido algum, durante o seu reinado, no concelho de Montemor. Sabemos, contudo, que um dos principais cargos da cúria régia, o de governador de terras, foi desempenhado, nesta vila, por D. Martim Afonso Chichorro, entre 1270 e 1273. Temos, também, referência ao alcaide e alvazis de Montemor-o-Velho num documento de 11 de Janeiro de 1278, escrito em Lisboa: “Carta ao alcaide e alvazis de Montemor-o-Velho, mandando que não exijam anúduva aos homens de Santa Cruz, pois estão isentos por privilégio real”19.

16 - COSTA, António Domingues da, “Mestre Silvestre e Mestre Vicente, juristas da contenda entre D. Afonso II e suas irmãs”, p.120, apud Maria Helena da Cruz Coelho - Forais de Montemor-o-Velho. Montemor-o-Velho: Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 2002. p. 11 . 17 - Assumem-se os concelhos, como áreas imunes, vigorando no seu interior normas próprias, que os mandantes locais, os juízes no judicial e os almotacés no económico, fazem executar. 18 - CONCEIÇÃO, Augusto dos Santos - Terras de Montemor-o-Velho. Montemor-o-Velho: Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 1992. pp. 61-62. 19 - VENTURA, Leontina, OLIVEIRA, António Resende de - Chancelarias de D. Afonso III. Coimbra, 2006. Livro I, Vol. II, p. 365 .

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D. Dinis, nos finais do século XIII inícios do século XIV, criou o cargo de corregedor que, à semelhança dos criados por D. Afonso III, não aparece referido em qualquer dos documentos consultados. Outro cargo, o de procurador, aparece já referido no traslado do foral das infantas, elaborado em Lisboa, em 1337, na presença do “alcaide”, de quatro “vezinhos” e do “procurador do concelho de Montemor-o-Velho”, assim como o cargo de alcaide menor20. Se no século XIII tínhamos o país dividido em julgados, no século XIV, a partir do reinado de D. Afonso IV, assistimos à divisão do território em comarcas, inserindo-se Montemor na da Estremadura. Assim, em cada comarca era nomeado um corregedor, ou seja, um delegado do rei, que devia percorrer a sua circunscrição e verificar a actuação dos oficiais régios e concelhios. É também neste reinado que surge a figura do juiz de fora, oficial régio que controlava o privilégio da justiça própria do concelho. Continuavam, no entanto, a permitir a eleição de juízes locais. É somente em 1361, nas Cortes de Évora, realizadas no reinado de D. Pedro I, que encontramos referência ao almoxarife de Montemor-o-Velho. Devemos, contudo, realçar a subjectividade da interpretação do documento . Refere, também, a existência de “moordomos”22, de “alcaides”23 e de “porteiros”24. Temos, assim, a seguinte estrutura concelhia, cuja supervisão correspondia ao Almoxarife: Alcaide mor Alcaide pequeno Alvazil Porteiro

Almotacé

Concilium

Mordomo

Juiz

Procurador

20 - COELHO, Maria Helena da Cruz - Ob. Cit. p. 67. 21 - MARQUES, A. H. de Oliveira (dir.) - Cortes Portuguesas. Reinado de D. Pedro I (1357-1367). Lisboa: INIC, 1986. pp. 29-30: “[…] A este Artigoo Tenho por bem e mando Ao meu Almoxariffe e escrivam de Buarcos e Ao de Coinbra e de monteMoor o Velho, que veiam os Lyvros Antjgos e busquem as Recadaçõoes […]”. 22 - MARQUES, A. H. de Oliveira (dir.) - Ob. Cit. p. 103. 23 - MARQUES, A. H. de Oliveira (dir.) - Ob. Cit. p. 104. 24 - MARQUES, A. H. de Oliveira (dir.) - Ob. Cit. p. 105.

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Em 1380, nas Cortes de Torres Novas e, em 1383, de Santarém, no reinado de D. Fernando, aparecem já outros cargos concelhios. É o caso dos vereadores25, dos pregoeiros, dos tabeliães e do corregedor da Estremadura e seu escrivão. Em 1385, no reinado de D. João I26, o monarca fazia-se representar em Montemor pelo alcaide-mor e pelo alcaide menor, o qual garantia a execução das obrigações militares; o mordomo, que zelava pela administração dos reguengos e cobrança das rendas da coroa; dois alvazis, também designados juízes; um almotacé, que era responsável pelas questões económicas; e uma assembleia de vizinhos, que deliberava colectivamente. Sabemos, também, que Montemor tinha participação em Cortes, neste ano, ocupando um digníssimo quinto banco, ao lado de concelhos como Ponte de Lima, Vila Real e Faro27. Podemos, assim, verificar que a estrutura concelhia, ao longo do século XIV, manteve o seu núcleo (Concilium, alcaides, mordomos, almotacés e juízes) e quando o monarca pretendia controlar mais profundamente a actuação do governo dos concelhos, criava novos cargos, como fez com o almoxarife, o corregedor e, com o intuito de aumentarem o seu poder, os juízes de fora. Com o renovado dinamismo socio-económico dos centros urbanos, no século XIV, surgem também os cargos de tesoureiro, procurador e chanceler, este já nos finais do século, e do qual não temos qualquer indício que tenha existido em Montemor. Surgem, inclusive, novos juízes: dos mouros, dos judeus, das sisas e dos órfãos. Coadjuvando estes cargos encontramos os escrivães, oficiais executivos, que anotavam tudo o que dizia respeito à justiça, à economia e à administração concelhia. Este conjunto de oficiais dá origem a um novo órgão concelhio: a Câmara, que, ao contrário do Concilium, se realizava já num espaço resguardado, privado. Para dar a conhecer as suas decisões, surge o pregoeiro, oficial que as anunciava, em voz alta, nos locais públicos do concelho. Todas estas alterações vão configurar uma estrutura concelhia mais complexa:

25 - O cargo de vereador surge na década de 30 do século XIV, e eram em número variável, que podia ir de 1 a 4, conforme as autarquias. Em relação ao concelho de Montemor, só aparecem referidos na Procuração de Cortes, apresentada em Torres Novas, em 1380 (MARQUES, A.H. de Oliveira - Cortes Portuguesas. Reinado de D. Fernando I (1357-1383). Lisboa, INIC, 1990. Vol. I, pp. 179-181) e de Santarém de 1383 (MARQUES, A.H. de Oliveira - Ob. Cit. Vol. II, p. 215). 26 - COELHO, Maria Helena da Cruz - “Montemor-o-Velho e o poder concelhio em tempos de D. João I”, in Monte Mayor – A Terra e a Gente. Montemor-o-Velho: Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, Setembro de 2007. Ano 2, Nº 2. p.7. 27 - SOUSA, Armindo de – Cortes Medievais Portuguesas (1385 – 1490). Lisboa: INIC, 1990.Vol. I, p. 192.

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Alcaide mor

Câmara

Alcaide

Juízes

Almoxarife

Corregedor da Estremadura Escrivão

Vereadores Procurador Geral Pregoeiro Jurado Tabelião

D. João I, ao tomar consciência dos abusos cometidos na nomeação “local” para os cargos28, publicou a Lei dos Pelouros29, em 12 de Junho de 1391, e definiu o processo de eleição dos mesmos. No entanto, apesar de se passar a elaborar listas30, acabou esta lei por não alterar nada, pois eram os mesmos homens bons do concelho que indicavam os nomes que faziam parte dessas listas. Se isto se verificava no país, a verdade é que a realidade montemorense espelhava a de todo o território nacional, sendo os cargos de juízes, vereadores e até tabeliães, desempenhados por nobres. Contribuiu para o acréscimo da senhoralização a atribuição de recompensas pela fidelidade e serviços prestados, através da concessão de terras, direitos e jurisdições na vila e termo de Montemor. Manteve-se o monarca, contudo, atento às divergências entre os senhores e o poder local, aceitando as reclamações destes últimos, quando lhe pareciam justas31. Não nos podemos esquecer que o país, neste século, viveu um clima de crise generalizada, causada pela peste negra, em 1348, e os maus anos agrícolas, que originaram fomes e, como se não bastasse, havia ainda a guerra. Tudo isto leva a uma nova e complexa problemática socio-económica, que implica uma especialização dos cargos administrativos, que assegurasse resposta a todo o tipo de questões. 28 - Existe o chamado Elitismo Camarário, ou seja, eram quase sempre as mesmas pessoas a desempenhar os cargos, grupos de homens-bons, que firmavam alianças familiares e matrimoniais, e que, assim, se mantinham no poder. 29 - Nesta lei D. João I propõe acabar com os “bandos que sse ffazem quando se ham de enlleger os juízes e vereadores e procuradores e outros ofeziaaes dos Concelhos”. Documento publicado por Maria Helena da Cruz Coelho e Joaquim Romero Magalhães em O Poder Concelhio das Origens às Cortes Constituintes. Coimbra: Cefa, 1986. Doc. IX. pp. 129-130. 30 - O corregedor nomeava duas pessoas da nobreza e governança para que criem uma lista da nobreza. De seguida, convocam o povo para que escolha seis eleitores com as características exigidas. Estes seis eleitores são divididos por três listas, de duas pessoas cada, a quem competia elaborar uma outra lista com o nome dos vereadores para os três anos seguintes. O corregedor e o juiz de fora analisam as nove listas e comparam-nas, questionando os três grupos sobre as mesmas. Os vereadores seriam aqueles cujo nome fosse o mais votado. 31 - COELHO, Maria Helena da Cruz - “O Poder Concelhio em tempos de D. João I”, Ob. Cit, p. .

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Montemor-o-Velho e o poder local - Séculos XIII a XVI

Ao aproximarmo-nos do século XV, e ao longo do mesmo, comprovamos que o concelho de Montemor “sofreu as transformações administrativas internas e externas decorrentes das mutações do aparelho burocrático estatal e da nova estrutura do município”32. Em 1387, a vila e termo de Montemor são doados, por D. João I, à rainha D. Filipa e, após a morte desta, à sua filha D. Isabel, em 1415. No ano seguinte, mais precisamente a 10 de Setembro, em Santarém, “D. João I e o infante D. Duarte doam ao infante D. Pedro, duque de Coimbra, a vila e castelo de Montemor-o-Velho, com todos os seus direitos e jurisdições, os quais tiveram por renúncia da infanta D. Isabel, recebendo em troca a vila de Alvaiázere”33. Em relação ao século XIV, o século XV, não apresenta alterações significativas, apenas se aumenta o número de pessoas que desempenham alguns cargos, como é o caso dos almotacés, que passam a ser doze por ano. Nas Ordenações Afonsinas, principal corpo legislativo desta época, procurou-se normalizar as regras de funcionamento das Câmaras, nomeadamente, no Título XXVII, artigos sétimo e décimo nono. O primeiro definia que era às Câmaras que competia prover as ordenações e vereações e costumes da “cidade ou villas antigas e as que virem que nom som boas […], fação nas correger e outras fazer de novo […]”34. Já o artigo 19º refere-se ao cargo de vereador e suas atribuições: “teem carreguo de todo o regimento da terra e das obras do concelho e qualquer cousa que poderem saber e entender […] e se souberem que a justiça não é guardada devem informar os juízes para que vão à terra e não o fazendo, informar o corregedor da comarca e a nos”35. Apesar de os concelhos invocarem que os monarcas lhes tinham concedido a possibilidade de escolherem e nomearem os tabeliães, os procuradores do número, os escrivães dos órfãos, da Câmara e da almotaçaria, D. Afonso V ordenava que se conservassem os oficiais que tivessem sido designados por D. João I e D. Duarte36. Assim, e por falta de elementos referentes ao concelho de Montemor-o-Velho, apenas podemos concluir que os monarcas prosseguiam uma política de afirmação da sua soberania e que desenvolvesse um aparelho burocrático centralizador. Sem esquecer que, nesta altura, Portugal procurava, sobretudo, estender os seus horizontes, pelo mundo conhecido e por conhecer.

32 - MAGALHÃES, Joaquim Romero, COELHO, Maria Helena da Cruz - O Poder Concelhio das Origens às Cortes Constituintes. Coimbra: CEFA, 1986. pp. 9-28. 33 - COELHO, Maria Helena da Cruz – “O poder concelhio em tempos de D. João I”, Ob. Cit., p. . 34 - Ordenações Afonsinas, Livro I, Coimbra, 1972, pp. 174-178 apud Humberto Baquero Moreno - Ob. Cit,. P.40. 35 - Idem, p. 40. 36 - Idem, p. 41.

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Mesmo assim, D. Manuel I, em 1497, encarrega Rui de Pina de proceder à reforma dos forais, com o objectivo de clarificar e actualizar os antigos e assim evitar más interpretações e o desgaste dos documentos existentes, já precariamente conservados. Em 20 de Agosto de 1516, D. Manuel concede novo foral à vila de Montemor que, como dito anteriormente, apesar de ser mais agradável à vista, em termos de conteúdo é mais pobre que o foral outorgado pelas infantas, em Maio de 1212. Podemos, no entanto, através do documento do foral manuelino37 comprovar a existência de almoxarife e seus escrivães, mordomos, juízes, procurador, vereadores e outros oficiais, que nos permitem reconstituir aquela que seria a estrutura concelhia da época:

Alcaide mor

Câmara

Almoxarife

Corregedor da Estremadura

Alcaide

Juízes

Escrivães

Porteiro

Vereadores

Oficiais dos direitos reais

Contador da Comarca

Procurador Geral Mordomo Escrivão Meirinho Tabelião Juiz Vintaneiro Quadrilheiro

37 - COELHO, Maria Helena da Cruz – Ob. Cit. Montemor-o-Velho: Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 2002. pp. 173-219 .

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D. Manuel I tem, sobretudo, a preocupação de organizar a legislação e, consequentemente, as práticas administrativas e judiciais do reino, impondo “ao mosaico concelhio de extrema variedade […] a uniformização dos revistos forais – forais novos […] que, vindo a provocar enormes conflitos patrimoniais e obrigações contratuais nos próprios forais, gerando confusão entre direito público e direito privado”38. Assim, o rei procura restringir os poderes senhoriais indicando-lhes a forma de actuação em termos de justiça, no caso de não ter sido definida nos direitos concedidos na área de um senhor39. Os corregedores, também designados juízes de fora parte, passam a ser os mais altos representantes da coroa junto das comarcas. A multiplicação das mesmas obriga os corregedores a acompanharem de perto o exercício dos governos, como estipulado nas Ordenações Manuelinas: “determinava-se que os corregedores entrassem todos os anos nas terras integradas na sua área de jurisdição”40. Os monarcas, tendo consciência de que existiam áreas difíceis de controlar, começam a delegar competências nas Câmaras. Em 1519 é-lhes atribuída a cobrança das sisas e, em 1527, é-lhes fixada uma quantia, por concelho, o qual é responsável pelas avaliações e cobranças. Os provedores das comarcas, a partir de 1568, passam a desempenhar funções de administração financeira, em ligação com os concelhos. E com D. Sebastião, entre 1569 e 1570, é entregue às Câmaras a execução dos alistamentos militares. Estas escolhem o capitão-mor, o sargento-mor, os capitães e os alferes. O alcaide-mor escolhia o alcaide pequeno, que era depois aprovado pela Câmara. Em relação ao concelho de Montemor-o-Velho sabemos que, em 1552 e 155341, existia um juiz de fora, um alcaide-mor e um alcaide, um juiz dos órfãos, entre outros, o que configurava a seguinte estrutura:

38 - MAGALHÃES, Joaquim Romero - “D. Manuel I. A Construção do Estado” in MATTOSO, José (dir.) História de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 1992-1994. Vol. III, pp. 525-526. 39 - Os juízes ordinários, vereadores, procurador do concelho e outros oficiais seriam eleitos pelos homens bons e confirmados pelos corregedores das comarcas ou pelos desembargadores da corte. Aos ouvidores nomeados cabialhes a administração da justiça intermédia entre os juízes da terra e os tribunais régios. 40 - Apud Margarida Sobral Neto, “O poder senhorial” in MATTOSO, José (dir.), Ob. Cit. Vol. III, p. 166 41 - AMMV, Manuscriptos, 1552-1553.

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Juiz de fora

Alcaide

Juízes Pedâneos

Recebedor das sisas

Carcereiro

Pregeoiro

Tabelião

Porteiro

Almotacés

Escrivães

Procurador

Vereadores

Juiz pela ordenação

Câmara

Alcaide mor

Porteiro

Porteiro Escrivão

Juiz das Vallas

Juiz dos órfãos

Almoxarife

Caminheiro da Correição

Corregedor

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Montemor-o-Velho e o poder local - Séculos XIII a XVI

De realçar a existência, neste ano de 1552, de um “guoarda-mor”42. Este cargo, eventual, foi criado na altura em que havia peste em Aveiro e tinha como função controlar as entradas e saídas e soar o sino em caso de alarme. Em 1553, encontramos os mesmos oficiais do ano anterior, mas também os juízes pedâneos, que tinham as varas de “Bara”, Figueiró do Campo, Alfarelos, Granja, Carapinheira, “Gravyellos”, “Vylla Nova”, Carvalhal, Vila Franca, Gatões e “Burinhos”43. Podemos, assim, concluir que o rei, ao fortalecer os grupos sociais que dominam a vida municipal e que, em nome do mesmo, desempenham funções que pareceriam exclusivas do poder central e que tornam realidade a ligação entre este poder e os municípios, propicia a estruturação do reino como um todo.

4. Conclusão Ao analisarmos as várias estruturas concelhias de Montemor-o-Velho, nos séculos XIII a XVI, podemos ver que o mesmo acompanhou as alterações introduzidas pelo poder central, a nível nacional. Desde a nomeação de meirinhos, juízes de fora, corregedores, almoxarifes, e outros funcionários, o poder real procurava conceder alguma liberdade de acção aos concelhos mantendo, contudo, uma vigilância rigorosa. Passámos, contudo, de uma estrutura relativamente simples, que englobava as cinco funções principais em dois organismos, a alcaidaria (função militar) e o Concilium (funções administrativa, judicial, económica e social); para uma estrutura um pouco mais complexa que, apesar de manter estas mesmas funções, era constituída por quatro organismos diferentes, compostos por um maior número de funcionários, com o intuito de dinamizar a actuação de cada organismo.

42 - AMMV, Ob. Cit., fl. 129r. 43 - Idem, fl. 151r.

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Mónica Santa Rita

Bibliografia Manuscritos AMMV, Manuscriptos, 1552-1553.

Bibliografia COELHO, Maria Helena da Cruz – Forais de Montemor-o-Velho. Montemor-o-Velho: Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 2002 CONCEIÇÃO, Augusto dos Santos - Terras de Montemor-o-Velho. Montemor-o-Velho: Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 1992. LOPES, Sandra Andreia Dias Madeira - O Arquivo Municipal de Montemor-o-Velho: Estudo de Caso. 2001 MAGALHÃES, Joaquim Romero, COELHO, Maria Helena da Cruz - O Poder Concelhio das Origens às Cortes Constituintes. Coimbra: CEFA, 1986. MARQUES, A. H. de Oliveira (dir.) - Cortes Portuguesas. Reinado de D. Pedro I (1357-1367). Lisboa: INIC, 1986. MARQUES, A.H. de Oliveira - Cortes Portuguesas. Reinado de D. Fernando I (1357-1383). Lisboa: INIC, 1990. 2 Vols. MATTOSO, José (dir.) - História de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 1992-1994. 8 Vols. Monte Mayor – A Terra e a Gente. Montemor-o-Velho: Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 2006-2009. Montemor-o-Velho. 20 Anos de Poder Local. Montemor-o-Velho: Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 1992. MORENO, Humberto Baquero - Os municípios portugueses nos séculos XIII a XVI. Estudos de História. 1º ed., Lisboa: Ed. Presença, 1986. OLIVEIRA, César (dir.), História dos Municípios e do Poder Local. Lisboa: Temas e Debates, Novembro 19 SERRÃO, Joel - Dicionário de História de Portugal. Porto: Livraria Figueirinhas, 1972. 6 Vols.

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Montemor-o-Velho e o poder local - Séculos XIII a XVI

SOUSA, Armindo de – Cortes Medievais Portuguesas (1385 – 1490). Lisboa: INIC, 1990. 2 Vols. VENTURA, Leontina, OLIVEIRA, António Resende de - Chancelarias de D. Afonso III. Coimbra, 2006. 2 Vols.

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Mem贸rias do Tempo



Sandra Lopes*

Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 11, 2011, 159 - 179

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De forma a dar continuidade à publicação da História Manlianense, Cronologica, Epithomatica, Bellica, Genealogica e Panegírica, na qual a curiozidade descifra successos que admiram, progressos que asombram e dezenganos que aproveitam…, disponibiliza-se agora a transcrição do livro quarto, capítulos sétimo a décimo segundo desta obra de considerável importância para o Concelho de Montemor-o-Velho. Os critérios de transcrição adoptados1 foram apresentados no nº 1 da revista Monte Mayor, pp. 108-109.

Livro 4º Cap. 7º [fl. 75-v.] Em que se trata del Rey Dom Affonso terceiro o magno e successos de Coimbra 48 Deminuio a grande saudade, que hum tal Rey, como este, [fl. 76-r.] deixou,2 em lhe succeder seo filho Dom Affonso o terceiro3 cognominado o magno, denominaçam illustre, que lhe grangeou4 a sua virtude, e em dezasete batalhas campaes, que alcançou5 dos Mouros, fez gloriozo o seo nome. Tirou do ingiesto6 poder7 dos Bárbaros em Portugal as cidades de Braga, Porto, Vizeo, Coimbra e Chaves, fazendo por toda a Hespanha8 tantas proezas, que eram temidas e respeitadas as suas armas.9

* - Sandra Lopes (Técnica Superior de Arquivo - A.M.M.V.) 1 - Na transcrição deste documento procurámos, na generalidade, seguir Avelino de Jesus da Costa, Normas Gerais de transcrição e publicação de documentos e textos medievais e modernos, 3ª edição, Coimbra, 1993. 2 - Segue-se à margem: D. Affonso Terceiro de Castella. 3 - Segue-se à margem: Cath. Or. de Esp. Cap. 45, fol. 34. 4 - Segue-se à margem: Seden. Ver. Illustr. Tit. 1, lit. A, cap. 14, fol. 18. 5 - Segue-se à margem: Mar. Hist. de Esp., to. 1, L. 6, cap. 19, pag. 288. 6 - Segue-se à margem: Arg. Soled. Lavir., tom. 5, Igreja de Coimbra, cap. 16, pag. 115, nº 2. 7 - Segue-se à margem: Tirou em Port. do poder dos Mouros as cidades. 8 - Segue-se à margem: Vicero Eut. fol. 44. 9 - Segue-se à margem: Cron. de S. Agostinho, p. 2, l. 4, tit. 1, fol. 12, tit. 2, § 1, fol. 12.

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49 Chegou o anno de 895 que foi ditozo para os Catholicos de Coimbra, porque nam admetindo el rey socego, vendo10 o Christianismo tam vexado, sahiu com hum tal exercito de soldados escolhidos do milhor que avia nas Asturias11 e Galiza12, e entrando pelo Porto, o sogeitou, e chegando a Coimbra, a sitiou e ganhou, tirando a do poder dos13 Mouros. Nam dizem os historiadores os trabalhos que se14 padeceram neste cerco, sendo nam faltaria que escrever, nem menos que sentir, e pello que vemos se colhe a grande inquietaçam, que se avia de experimentar naquelles tempos, pois se variavam tanto os domínios, que em poucos annos se viam os povos com Senhores bem diversos, sendo esta huma das calamidades mais sensíveis, porque nam podem os homens por mais que se esmerem em servir, ver como podem viver, que como se vareo de vontades, o que huns agrada, a outros disgosta, andando sempre as vidas postas em balança [fl. 76-v.] e para qualquer parte que o fiel se incline, sempre tem pezo que o derrube, que a querer ficar em pé, he esperar hum milagre. 50 Achase no anno de 899 noticia desta cidade como já ganhada15 em hum privilegio, que el Rey naquelle anno em16 favor17 da Igreja de Santiago aos trinta de Dezembro, em18 que se celebrava a trasladaçam de seo corpo, donde lhe dá algumas povoaçoens nos arrabaldes de Coimbra, as quaes (falla com o Apostolo) Deos Nosso Senhor, pouco há que per nossa intercesam as tirou do poder dos Infiéis, e as sogeitou a nosso Senhoreo. Deste privilegio se lembrou Morales, livro quinze, capitulo vinte e quatro, e o trás Ferrer, livro quarto, capitulo dezouto, refferidos por Argaiz. 51 Alcançados estes gloriozos triumphos, se recolheo El Rey à Corte, deixando por Governador desta cidade, e mais terras o Conde Dom Guterre Mendes de Ária, que era seo parente19 muito chegado, capitam general das fronteiras de Portugal, Governador do Porto e Tuy, e seo mordomo [fl. 77-r.] mor, filho que foi de Hermenegildo, que logrou os mesmos20 postos, a quem nam tanto illustra o preclarissimo sangue21 de seos progenitores, quanto o enobrece ter por filho ao gloriozo Sam Rozenda, Bispo de Mondonhedo, depois de Iria e Governador do Reyno de Galiza, honra e credito da illustrissima22 família dos Souzas deste Reyno, e esplendor das Reaes Cazas dos Reyes de Leam e Castella de cujo parentesco se prezaram tanto os Reys Dom Affonso o sábio, e Dom Fernando o quarto, que o confesam nos privilégios, que deram ao Mosteiro de Sam Salvador de Cella Nova. 10 - Segue-se à margem: Occavir nas Gemal. De Gran. Tom. 1. 11 - Segue-se à margem: Faria Eur. Port., tom. 1, p. 4, cap. 8, pag. 410, nº 1. 12 - Segue-se à margem: Tomou o Porto e Coimbra. 13 - Segue-se à margem: Bened. Luzit. tom. 1, trat.1, Prelad. 2, p. 2, pag. 93. 14 - Segue-se à margem: Solar. Dign. de Castel., L. 1, cap. 12, fol. 14. 15 - Segue-se à margem: Agiol. Luz., to. 1, pag. 140. 16 - Segue-se à margem: Seder. Var. Ill., tit. 1, cap. 15, fol. 18. 17 - Segue-se à margem: Privilegio que concede a Santiago em 899. 18 - Segue-se à margem: Soled. Laur., tom. 5, Igreja de Coimbra, cap. 16, pag. 116, nº 2. 19 - Segue-se à margem: D. GuterreMendes de Ária Governador de Coimbra. 20 - Segue-se à margem: Gand. Arm. e Triumph. da Gal., cap. 12, pag. 37 e 38. 21 - Segue-se à margem: Arg. Soled. Lavr., tom. 3, Igreja de Iria, cap. 40, pag. 370, nº 1. 22 - Segue-se à margem: Cron. dos Com. Reg. de S. Agostinho, p. 1ª, L. 3, cap. 14, pag. 145, nº 8.

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53 Com tam excellente Governador ficaria Coimbra, Montemor e as mais terras, enxugando as lágrimas das calamidades passadas, porque he grande addiçam para esquecer o enfado pretérito, pasar no presente com gosto. E asi he de conjecturar, que os Montemorienses tratariam de reedificar as ruínas que tivesem, pois lhe faltavam já trabalhos que sentisem, que como se viam senhores da sua liberdade, toda ocioza, seria culpa, pois o he grande para a honrra, passar sem occupaçam a vida. Que os que fazem pundonor do procedimento honrrado, tem por alvitre o trabalho, porque se o forno se gasta com ouro, com elle cresce a estimaçam e credito, sendo como a palma a quem o pezo nam derruba, antes alevanta, que exercitar no que importa [fl. 77-v.] he na pintura a sombra, e nunca o cristal fora espelho a faltar lhe nas espaldas o aço, e sempre o diamante fora bruto a nam pasar pelo sinzel do lapidário, com que o estar occupado, he como desbastar com a lima o ferro, nam lhe deixando por ferrugem, que he contagio do luzimento.

Cap. 8º Em que se narra a entrada que Almançor fez na Luzitania, tyramas que executa e grandes estragos de Coimbra23 54 Aviase conservado Coimbra em liberdade, desde o tempo que el Rey Dom Affonso o Magno a tomou aos Mouros que foi24 no anno de 895, dahi a outenta e seis no de 981 entrando pela Luzitania Almançor, capitam tam bárbaro, como cruel, com hum poderozissimo exercito fez em todos os povos por que pasava tal estrago, que só se via sangue, ferro e fogo, sendo as letras com que escrevia a lastima as ruínas que intimidavam os coraçoens, que destillados pelos olhos, ficavam horrorozo espectáculo dos sentidos. Chegou este bárbaro a Coimbra e a fez hum theatro lastimozo de desgraças, empenhando o seo furor, a que reduzida a sinzas, nam ficasem em seo lugar as mesmas pedras, sendo se athe entam cristaes as agoas do Mondego, líquidos rubins, com que se cobria o campo. [fl. 78-r.] 55 Entre as muitas tyranias que executou este Bárbaro foi huma25 dellas passar a espada sesenta religiozas com a sua Abbadesa Combei do Convento de Arcos, situado na estrada que vai de Coimbra para Vizeo, que quaes odoríferas rezas se conservaram tantos annos entre os espinhos, vindo agora acrescentar o numero de cândidas asucenas no jardim da Igreja Conimbricense, que por deffenderem a Angélica virtude da castidade, pasaram de flores a ser estrellas, livres de contrastes que as murcham, e cheias já de luzes com que brilham. E nam satisfeitos os bárbaros de tirarem tanta vida, foi tal a sua raiva que nam deixaram no Convento pedra sobre 23 - Segue-se à margem: Salaz. Dign. de Cast., Liv. 1, cap. 12, fol. 14. 24 - Segue-se à margem: Almançor capitam bárbaro toma Coimbra A. de 981. 25 - Segue-se à margem: Tirannias que obra.

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pedra, de cujas ruínas ficou por testemunha huma pequena Ermida para credito do muito que o tempo pode, pois tudo com elle se confunde, cujas rendas e jurisdiçam, pelo tempo adiante, se aplicaram ao Real Convento de Lorvam,26 que com frondozo loureiro foi sempre izento dos incêndios de tanto rayo. 56 Nestes annos em que Coimbra logrou aquelle socego, teria Montemor o mesmo alivio, e seria para elle igual o enfado naquelle calamitozo tempo, em que Almançor destruio tudo, porque ainda que os historiadores nam individuem succeso particular que lhe toque, o podemos prezumir, pois trazendo o Mondego tanto sangue, forçozo era que com [fl. 78-v.] o destas terras se acrescentase, que quando a tempestade he grande, nam há a quem nam intimide, e o incêndio sendo voraz, se nam abraza, sempre queima, porque esperar lograr izençoens em tempo que a desgraça reyna, he fomentar com delírios a loucura. E sempre a terá o que o contrário considere, pois isto he o que convem, para que do que succeder se nam enfade, que quando a moléstia se vê de longe, tem menos pennas a flecha com que fere. 57 Assi ficou Coimbra depois deste estrago, já tam outra que nem apparencias27 tinha do que fora. E tomando Almançor no anno de 997 rebuscou nella o que lhe avia ficado de catholicos, e deixando lhe um grande prezidio de Mouros, cada dia amilhoravam de edifícios, e na fortaleza de seus muros, ficando lhe huma christandade tam fraca em duas igrejas, que a dobelidade della movia a lastima, pois dentro da cidade só avia a de Sam Pedro,28 e a de Santo André fora dos muros, tendo só este pequeno refugio os catholicos, que com lágrimas de sangue a choravam, pois se viam nos últimos paraxismos, que quando se nam acha sahida ao pezar, no único remédio o morrer. Neste29 lastimozo estado passou Coimbra sessenta e seis annos, athe que no de 1063 tornou a respirar, como diremos adiante, e para que nam interrompamos a serie dos reys de que temos tratado, faremos memoria dos que floreceram athe ao dito anno.

[fl. 79-r.] Cap. 9 Em que se da noticia dos Reys que succederam na coroa de Leam, annos que floreceram e alguns progressos que obraram 5830 Succedeo a el Rey Dom Affonso Terceiro o magno, seo filho31 Dom Garcia, que cazando com Dona Nuna filha do Conde Dom Nuno Fernandes da Maya, alcançando dos mouros32 algumas victorias, nam deixou succesam, falleceo no anno33 de 26 - Segue-se à margem: Rendas do Convento de Arcos aplicadas a Lorvam. 27 - Segue-se à margem: Torna o Capitam Almançor a Coimbra A. de 997. 28 - Segue-se à margem: ASó a Igreja de Santo André e a de S. Pedro haviam concedido os bárbaros aos christaos. 29 - Segue-se à margem: Lastimozo estado de Coimbra 66 annos. 30 - Segue-se à margem: D. Garcia XVI Rey de Hespanha cujo nome sig. Em agua. Gótica (?) princepe de grandioza vista. 31 - Segue-se à margem: Mar. Hist. de Esp., tom. 1, l. 7, cap. 20, pag. 288. 32 - Segue-se à margem: Seden. Var. ill., tit. 1, cap. 15, fol. 19. 33 - Segue-se à margem: Cath. A. de Esp., cap. 47, fol. 34.

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913 avendo reynado três, que nam podia durar muito,34 quem a seo pay obrigou a largar o reyno, que os filhos dezobedientes, sempre em tudo são infelizes. Vejam se as historias35 em que simelhantes dezobediencias se escrevem com letras36 tam escandalozas, que ainda hoje fazem horror aquellas37 lembranças. Que sempre os princepes que se adiantaram ambiciozos, uzurpando a seos pays os reynos, se viram lastimozo desposo dos estragos, que imposivel he subsista a coroa na cabeça, de quem presente a obrigaçam, faltando ao que Deos manda, de que he tantos exemplos, que de os ler, se escandalizam os olhos. E decendo a particulares quem já mais vio filhos que perdesem respeito a seos pays? Que por abomináveis nam ficasem aborrecidos, experimentando evidentisimos castigos, como em alguns se vio nos nossos tempos, foi o dito Rey sepultado na Cathedral de Oviedo. [fl. 79-v.] 5938 Por morte deste Rey, lhe succedeo seo irmão Dom Ordonho segundo,39 deixou o titulo de Rey de Oviedo, como athe ali seos antecesores aviam uzado, e se chamou Rey de Leam. Foi bom Princepe,40 seos fins corresponderam aos princípios, porque o sangue dos condes de Castella, que mandou mattar sem cauza,41 por grande nódoa em sua fama, que huma injustiça executada, sempre grita, e em todas as idades atroa, sendo hum desdouro42 que a opiniam mancha, e por mais que se faça nam se lava. Adquirio felizes victorias das armas sarracenas, fazendo em muitas occazioens se eclypsasem as suas luas, ficando de corpos bárbaros juncadas as campanhas. Cazou trez vezes a primeira com Munia Dona ou Elvira, filha de Bermudo Gatonez, filho do Conde Dom Gaton, Senhor do Berço, o que povoou Astorga, e de sua segunda molher Egilona. Segunda vez com Dona Aragonta illustrissima senhora gallega, á qual repudiou e parece que com pouca razam, como testemunhava o arrependimento que depois teve, que muitos a facelidade com que43 se rezolve he hum carácter que o culpado imprime, por manter regreso o que se empreende, ficando castigada a leviandade com que44 se obra, na magoa que se publica. Cazou a terceira vez com a Ifanta Dona Sancha, filha de Dom Garcia Iniguez, Rey de Navarra,45 e avendo reynado nove annos e meyo, falleceo em Zamora o de 923, tendo 40 de idade. Jaz sepultado na Cathedral de Leam com a Raynha sua primeira molher, fabrica sua.

34 - Segue-se à margem: Far. Eur. Port., tom. 1, p. 4, cap. 9, pag. 412, nº 1. 35 - Segue-se à margem: Gand. Arn. e Triumph. de Gal., cap. 10, pag. 70. 36 - Segue-se à margem: Salar. Dign. de Cast., l. 1, cap. 13, fol. 15. 37 - Segue-se à margem: Vener. Euch., fol. 59 e 60. 38 - Segue-se à margem: Faria G., cap. 9, pag. 412, nº 3. 39 - Segue-se à margem: Bened. Luz., tom. 2, trat. 1, Prel. 1, p. 3, pag. 115. 40 - Segue-se à margem: Salor. Dign. de Cast., L. 1, cap. 13, fol. 15. 41 - Segue-se à margem: Seden. Var. ill., tit. 1, cap. 15, fol. 19 e tit. 13, cap. 4, fol. 247. 42 - Segue-se à margem: D. Ordonho 2 e 17. 43 - Segue-se à margem: Benedict. Luz., tom. 1, trat. 2, cap. 9, pag. 335 e tom. 2, cap. 1, pag. 123. 44 - Segue-se à margem: Far. Eur. Port., tom. 1, p. 4, cap. 10, pag. 419, nº 9. 45 - Segue-se à margem: Gand. A. e Triumph. de Gal., cap. 11, pag. 73.

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[fl. 80-r.] 60 Em seo tempo dando se huma cruel batalha aos Mouros, ficaram captivos os Bispos Dulcidio de Salamanca e Hermogio de Tuy. Foi Hermogio natural de Coimbra, e tam illustre que trazia sua ascendência dos Reys de Leam, o qual desprezando morgados, tomou o habito no Convento de Lorvam, donde foi escolhido para Bispo, e dado em reféns seo sobrinho Pelayo, conseguio em Córdova a palma do martyrio mais gloriozo, mostrando em idade tam tenra a constância mais robusta. Delle diz Gandara que era da linhagem dos Cunhas, originários de46 Tuy, o que se ve claro, pois os Cunhas sam legítimos descendentes da caza real de Leam, tudo diz Frei António da Purificaçam na Crónica de Santo Agostinho. E asi poderá Coimbra gloriar se de ter neste Prelado hum filho a todas as luzes grande, como também Lorvam pelo mesmo respeito desvanecer se, pois nam há gloria que iguale a que procede da virtude, que he só a permanente, que a com que o mundo brinda corre paralelo com a emploa da agoa, sendo flor que logo murcha, tocha que se apaga, lux que se eclypsa e vidro que se quebra. 61 A Dom Ordonho segundo succedeo seo filho Dom Fruela48 segundo do nome, foi chamado o cruel, cognome que lhe49 adquirio a severidade de suas acçoens, sendo estas taes, que o faziam mal quisto e de todos aborrecido. Cazou duas vezes a50 primeira com Dona Nanilia Ximena, a segunda com51 Dona Urraca. Neste tempo como os castilhanos se visem sem Condes, pelos aver mandado matar Dom Ordonho segundo52 ellegeram53 por juízes e cabos aos celebrados Nuno Razura, [fl. 80-v.] e Laim Calvo, aquelle para administrar justiça e este para o que tocase a guerra. E avendo reynado hum anno, morreo cheo de lepra em Leam, o de 924, tendo 40 de idade. Jaz na cathedral daquella cidade. Grande exemplar para se ver, que o violento nam dura muito, e que a Magestade a nam izenta a grandeza de estar, como os mais mortaes, sogeita ás mizerias desta vida. 62 Dom Affonso quarto, filho del Rey Dom Ordonho segundo,54 succedeo a Dom Fruela segundo, seo thio. Alcançou algumas55 victorias dos Mouros, com ajuda do grande Conde Fernam Gonçalvez,56 gloria da naçam hispanhola, pois suas proezas voaram57 nas azas da fama por toda a redondeza da terra. Cazou58 com Dona Ximena, filha de Dom Sancho Abarca, Rey de Navarra. E com estrépito grande do pasmo, renunciou 46 - Segue-se à margem: Gand. A. e Triumph. de Gal., cap. 11, pag. 79, p. 1ª, l. 5, tit. 1, § 1. 47 - Segue-se à margem: Dom Fruela (?) 48 Rey. 48 - Segue-se à margem: Cath. R. de Esp. Cap. 48, fol. 35. 49 - Segue-se à margem: Cron. dos Con. Regrantes de Santo Agostinho, L. 3, cap. 16, pag. 153 e 154. 50 - Segue-se à margem: Gand. A. e Triumph. de Galiza, cap. 10, pag. 72. 51 - Segue-se à margem: Sal. Dign. de Cast., L. 1, cap. 13, fol. 15. 52 - Segue-se à margem: Sedens. Var. ill., tit. 1, cap. 15, fol. 19 e tit. 6, cap. 4, fol. 126. 53 - Segue-se à margem: Eleiçam que fazem de juízes os castelhanos. 54 - Segue-se à margem: D. Affonso 4 e 49. 55 - Segue-se à margem: Cath. R. de Esp., cap. 47, fol. 35. 56 - Segue-se à margem: Far. Eur. Port., tom. 1, p. 4, cap. 10, pag. 418, nº 5. 57 - Segue-se à margem: Gand. A. e Triumph. de Gal., cap. 11, pag. 77. 58 - Segue-se à margem: Salar. Dign. de Cast., l. 1, cap. 13, fol. 15.

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o reyno em seo irmam Dom Ramiro e tomou o habito de Sam Bento no Convento de Sahagum anno de 927, mas para mostrar nam tivera vocaçam, mas que nacera de leviandade aquella fatal mudança, mostrando se arrependido, quis tornar ao século, porem seo irmam Dom Ramiro, lhe mandou tirar os olhos, no anno de 930, castigo merecido da sua loucura, pois queria tornar a ver o que desprezava, sendo religiozo por força, já que tanto das suas obrigaçoens se esquecera, ficando nelle hum grande exemplar para que se nam dê o que se hade vir a pedir, por ser difficultozo se dezapegue o que já posue, ficando lhe mais fácil ser ingrato, que agradecido, porque entre o dar e tornar a pedir, há huns termos [fl. 81-r.] tam distantes, que para se unirem, sempre os homens sam negligentes. E asi morreo frade contra a vontade, dous annos adiante, avendo reynado seis e meio. Jaz com sua esposa em Santo Izidoro de Leam. 6359 Dom Ramiro sgundo, filho del Rey Dom Ordonho segundo,60 e da Raynha Dona Elvira sua primeira molher, succedeo61 na coroa a el Rey Dom Affonso quarto pela renunciaçam que nelle fez, cujo favor foi tam agradecido que lhe custou62 nam menos que os olhos, o avelo feito, que assim paga o63 mundo o que se faz, e avendo tantos de que se aprendese, he64 lastima que a liçam se desprezase. Alcançou dos Mouros celebres e asinaladas victorias, sendo acompanhado do Conde Fernam Gonçalves. Fundou mosteiros, alevantou templos, sendo nam menos piedozo que guerreiro. Deste rey reffere o Conde Dom Pedro no seo Nobiliário o que lhe succedeo no Castello de Gaya, em cuja historia se vê os delírios a que obriga huma affeiçam dezordenada, sendo mosntruozos os partos que nacem della, e se admira a ingratidam da admiraçam mais empenhada, refforçando a culpa a offensa. Podendo considerar se que se este Princepe pagou ingrato a seo irmam o beneficio, tirando lhe os olhos da cara, que o ficarem lhe na sua foi para ver a sua offensa, porque ter á vista os ingratos, he o non plus (?) ultra dos tromentos, e de milhor partido fica o que nam se ve a quem o afronta, que o que com elle esta de cara a cara, pois sempre a magoa avulta com prezumçoens de agigantada. [fl. 81-v.] 64 Cazou duas vezes, a primeira com Dona Urraca, a segunda com Dona Thereza, filha de Dom Sancho Abarca, Rey de Navarra, e avendo reynado dezanove annos, falleceo em Leam o de 950 com grande arrependimento de seos peccados, que he dita conhecel os para chora los, por ser tal a agoa dos olhos, que de todo tira as manchas que occazionaram as culpas, pois nem cicatrizes ficam, se com a dor se lavam, sendo esta a única tormenta, em que o fluctuar entre as ondas he fortuna, porque nas do mar se perde a vida, nestas se asegura a da alma.

59 - Segue-se à margem: Dom Ramiro 2º e Rey. 60 - Segue-se à margem: Cast. A. de Esp., cap. 50, fol. 56. 61 - Segue-se à margem: Far. Luz. Port., tom. 1, p. 4, cap. 11, pag. 420, nº 2. 62 - Segue-se à margem: Gand. A. e Triumph de Gal., cap. 11, pag. 75. 63 - Segue-se à margem: Seder. Var. ill., tit. 1, cap. 15, fol. 19. 64 - Segue-se à margem: Sal. Dign. de Cast., l. 1, cap. 14, fol. 16, tit. 21, pag. 111.

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6565 Dom Ordonho terceiro, filho del Rey Dom Ramiro segundo66 e de sua molher a Raynha Dona Thereza, succedeo a seo pay no reyno. Foi chamado o Fero, pela terrebilidade de alguns feitos,67 que sempre se adquire o nome conforme e como se procede. Foi Princepe de grande coraçam, teve muito exercício nas armas e singular prudência no governar. Nas guerras68 com os mouros logrou muitas vezes aplauzos de victorias, fez sua entrada na Luzitania, com que foram suas armas temidas69 e respeitadas. Cazou duas vezes, a primeira com Dona Urraca,70 filha do Conde Fernam Gonçalvez, á qual repudiou, que parece a facelidade naquelles tempos animada do enfado, rompia71 neste exceso, pois se topava nelles nam acezo, mas de propozito. A segunda com Dona Elvira, senhora illustre. Domou as alteraçoens dos galegos e tendo sinco annos de governo, falleceo em Zamora o de 955, está sepultado com sua segunda espoza em Santo Izidoro de Leam. [fl. 82-r.] 66 Dom Sancho o primeiro, chamado o gordo, pelo ser em extremo,72 foi filho del Rey Dom Ramiro segundo e da Raynha Dona73 Thereza sua segunda molher, succedeo no septro a el Rey Dom Ordonho terceiro seo irmam. Teve bem natural74 e admirável constância nas adversidades e as suas acçoens foram75 em tudo nobres. Domou os galegos e ao Infante Dom76 Ordonho77 o mão. Libertou a Castella da sugeiçam dos Reys de Leam.78 Fez grandes mercês ao Conde Dom Gonçalo e lhe perdoou as suas dezatençoens79 e quando hum vivo agradecimento avia de ser acreditado dezempenho das suas obrigaçoens, por sua ordem lhe deram veneno em huma maçãa, moeda corrente no mundo, com que se paga o que se deve, que os ingratos fazem peçonha dos benefícios, publicando mais estes, quando intentam escurece los, sendo tam abominável este procedimento, que fica a quem o tem, para infâmia o castigo. No que se deve advertir, que quando os cremos desdouram a fidelidade, que castigados he virtude, porque o corpo mal comphecionado, facilmente se corrompe, e com os bezoaticos se destroe, que nam importa aplicar triaga, se nas entranhas esta a peçonha. E como toda a mezinha seja nociva, só com ferro e fogo e rebeliam se cura, que se este Princepe assim fizera, nam achara fruta de tam má casta. Cazou com Dona Thereza, filha de Alpur Fernandes, Conde de Monçam. Morreo junto a Leam, anno de 967, avendo reynado doze, está sepultado em Santo Izidoro, convento daquella cidade. 65 - Segue-se à margem: Dom Ordonho 3. II chamdo o Fero. 66 - Segue-se à margem: Ca. R. de Espa., cap. 51, fol. 38. 67 - Segue-se à margem: Far. Eur. Port., tom. 1, p. 4, cap. 11, pag. 417, nº 1. 68 - Segue-se à margem: Bend. Luz., tom. 2, trat. 1, Prel. 2, nº 3, pag. 111. 69 - Segue-se à margem: Gand. A. e Triumph. de Gal., cap. 11, pag. 76. 70 - Segue-se à margem: Sal. Dign. de Cast., l. 1, cap. 11, fol. 16. 71 - Segue-se à margem: Ben. Var. ill., tit. 1, cap. 15, fol. 19. 72 - Segue-se à margem: Silva Cath. R. de Esp., cap. 62, fol. 38. 73 - Segue-se à margem: Far. Eur. Port., tom. 1, p. 4, cap. 12, pag. 429, nº 7 e na pag. 430, nº 8 e 9. 74 - Segue-se à margem: Ben. Luz., tom. 2, trat. 1, Prel. 2, p. 3, pag. 117. 75 - Segue-se à margem: Vener. Euch., fol. 46. 76 - Segue-se à margem: Gand. Arm. e Triumph. de Gal., cap. 15, pag. 120. 77 - Segue-se à margem: D. Sancho II e III rey chamado o gordo. 78 - Segue-se à margem: Salar. Dign. de Cast., l. 1, cap. 14, fol. 16. 79 - Segue-se à margem: Seden. Var. ill., tit. 1, cap. 15, fol. 19.

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[fl. 82-v] 6780 Dom Ramiro terceiro succedeo a seos pays Dom Sancho o primeiro81 e Dona Thereza, tendo seis annos de idade. Ganhou huma celebre victoria dos Normandos, que com huma poderoza82 armada entraram em Galiza, arrazando povos e pondo83 os castellos por terra. Cazou com Dona Urraca, senhora illustrisima, e avendo reynado quinze annos, falleceo em84 Leam o de 982. Jaz com a Raynha sua molher em Santo85 Izidoro. 68 Dom Bermudo segundo, chamado o gotozo, por ter este achaque,86 foi filho del Rey Dom Ordonho terceiro e da Raynha Dona87 Elvira sua segunda molher. Succedeo no reyno a Dom Ramiro terceiro, seo primo com irmam. Em seo tempo Alcorrexi88 Rey de Sevilha, fez huma entrada por Luzitania, e89 pasando a Galiza destruio a cidade de Compostella. Porem castigando90 Deos este atrevimento deo huma repentina peste no91 exercito do inimigo, que ficaram poucos para que levasem a nova do estrago. Neste tempo Almançor foi sobre a cidade de Leam e a teve cercada perto de hum anno e a destruio. E no anno de Christo Senhor Nosso de 993 tomaram os Mouros de novo as armas e entrando por Luzitania destruindo muitas terras pasaram a Galiza, e puzeram fogo á cidade92 de Compostella, que tal era o ódio que lhe tinha esta infame canalha, e nam perdoara ao sepulchro do gloriozo San[fl. 83-r.]Tiago, se hum grande resplendor, que de repente foi visto, lhe nam reprimira o intento. Nesta occaziam por tropheo de sua victoria,93 fizeram levar os sinos aos ombros dos catholicos para Córdova, donde por largos annos serviram de alampadas na mesquita mayor dos Mouros. 69 No anno de 998 venceo em batalha a Alhagib Mafoma, Capitam94 famozo de Córdova, que governava vinte e sinco annos quelle estado, porque o Rey se portava em tudo com descuido. Deste Capitam se escreve acomettera a terra de Christaons cincoenta95 e duas vezes, e que em muitas dellas vencera, porem foi tal nesta occaziam a sua raiva, que nam querendo comer, morreo della, vindo a fome a matar a quem a teve tam grande de destroir aos catholicos, pois na anciã que mostrava, se conhecia ser 80 - Segue-se à margem: Eur. Port., tom. 1, p. 4, cap. 13, pag. 253, nº 1. 81 - Segue-se à margem: Bened. Luz., tom. 2, trat. 1, Prel. 2, p. 3, pag. 117. 82 - Segue-se à margem: Cathal. R. de Esp., cap. 53, fol. 38. 83 - Segue-se à margem: Gand. A. de Gal, cap. 11, p. 79. 84 - Segue-se à margem: Salar. Dign. de Cast., l. 1, cap. 15, fol. 17 e 18. 85 - Segue-se à margem: Seden. Var. ill., tit. 1, cap. 15, fol. 19. 86 - Segue-se à margem: Fer. Eur. Port., pag. 434, nº 4, cap. 15, pag. 443, nº 1. 87 - Segue-se à margem: Ba. Flor. Hist., p. 2, cap. 9, pag. 239. 88 - Segue-se à margem: Band. Luz., tom. 2, trat. 1, Prel. 2, p. 3, pag. 117. 89 - Segue-se à margem: Gand. A. e Tr. De Gal., cap. 11, pag. 78 ate 81. 90 - Segue-se à margem: Salar. Dign. de Cast., l. 1, cap. 16, fol. 18 e 19. 91 - Segue-se à margem: Seden. Var. ill., tit. 1, lit. E t., cap. 15, fol. 19. 92 - Segue-se à margem: Põem fogo o Capitam Almançor a Compostella. Apparece um resplendor que impede dezacatem o sepulcro de S. Tiago. 93 - Segue-se à margem: Occazião em que os mouros fazem levar os signos aos catholicos a Córdova. 94 - Segue-se à margem: Alhagib Mafoma (?). 95 - Segue-se à margem: Acconteceu 52 vezes os christaos e nesta occazião morreu de raiva por vencido.

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só este o cuidado que desvelava. Porem nem sempre os intentos preversos prevalecem, por serem muitas vezes como as névoas que se desfazem, que posto se faça estudo para destruir hum acazo desta para se desvanecer. 70 Cazou duas vezes, a primeira com Dona Velasquita, filha da Raynha Dona Urraca e de seo segundo marido o Infante Dom Ordonho o mão, a segunda com Dona Elvira. Mandou recopilar as leis dos Godos e que se guardasem os Cânones Sagrados, e tendo reynado dezasete annos, morreo em Villa Boa do Berço anno de 999. Jaz com suas duas espozas no Convento de Santo Izidoro de Leam. [fl. 83-v.] 7196 Dom Affonso Quinto filho del Rey Dom Bermudo segundo e de sua97 segunda molher a Raynha Dona Elvira, naceo no anno de 996. Foi Princepe zelozisimo da conservaçam do seo reyno, reformou as98 leys antigas de seos progenitores, deo foros á cidade de Leam e99 a ennobreceo com edifícios, por estar asolada pelas entradas que100 nella tinham feito os Mouros, e para ella tornou outra vez a Corte no anno de 1020, que seo pay avia mudado para Oviedo. Teve101 guerras com os Mouros, e dezejando ampliar os lemites de seo reyno, entrou pela Luzitania com hum poderozo exercito e pondo cerco á nobre cidade de Vizeo, senhoreada entam de bárbaros, chegando se hum dia á cidade dezarmado, experimentou o dano que trás a pouca cautella comsigo, porque atirando lhe huma seta,102 morreo logo da ferida, que quando há inimigo á vista qualquer descuido faz avultar a disgraça. A mesma experimentou Richardo Rey de Inglaterra que tendo cercada a cidade de Limoges103 em França, foi morto com huma seta, que das muralhas lhe atiraram. Cazou com Dona Elvira Gonçalvez, filha do Conde Dom Mendo Gonçalvez de naçam galego, Senhor do Berço e da Condeça Dona Mayor, e avendo reynado 29 annos, sendo de 32 de idade, falleceo no de 1028. Está sepultado com a Raynha sua molher em Santo Izidoro de Leam. 72104 Dom Bermudo terceiro succedeo a seos pays Dom Affonso quinto e Dona Elvira. Naceo no anno de 1017. Cazou com Dona105 Thereza, filha do Conde Sancho Garcia de Cas[fl. 84-r.]tella, netto do Conde Fernam Gonçalvez. Falleceo em huma batalha106 junto de Ribeiras de Carriam, vencido por ser cunhado107 o Infante Dom Fernando, avendo reynado nove annos, tendo vinte de idade, no de 1037, sendo qual exalaçam que posto108 luza, logo se apaga, ou como a flor a quem o sol se a ve 96 - Segue-se à margem: Cath. A. de Esp., cap. 55, fol. 40. 97 - Segue-se à margem: Mar. Hist. de Esp., tom. 1, l. 8, cap. 10 e 11, fol. 315 e 320. 98 - Segue-se à margem: Seden. Var. ill., tit. 1, lit. B, cap. 15, fol. 19. 99 - Segue-se à margem: Far. Eur. Port., tom. 1 e p. 4, cap. 7, pag. 454, nº 1. 100 - Segue-se à margem: Bened. Luz., tom. 2, p. 4, Prel. 1, pag. 190. 101 - Segue-se à margem: Gand. A. e Tr. de Gal., cap. 14, pag. 109. 102 - Segue-se à margem: Salar. Dign. de Cast., l. 1, cap. 17, fol. 20. 103 - Segue-se à margem: Mar. Hist. de Esp., 1ª p., l. 11, cap. 21. 104 - Segue-se à margem: Seden. Var. ill., tit. 1, cap. 15, fol. 19. 105 - Segue-se à margem: Cath. A. de Esp., cap. 56, fol. 41. 106 - Segue-se à margem: Far. Eur. Port., tom. 1, p. 4, cap. 8, pag. 460, nº 1. 107 - Segue-se à margem: Benedit. Luz., tom. 2, p. 4, Prel. 1, pag. 130. 108 - Segue-se à margem: Gand. Arm. e Trium. De Gal., cap. 14, pag. 111.

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nacer109 he testemunha da acabar, tendo tam pouca duraçam a sua galla, que se serve de agrado á vista, fica depois em breve espanto da mesma magoa. Digno era este Princepe de vida mais dilatada, mas foi tam veloz a carreira della, que podia servir de dezengano esta inconstância, pois irmos da grandeza tam vezinha a ruína, que apenas o nome as differença. 73 Temos visto que desde o anno de 913 em que falleceo Dom Garcia, athe o de 1037, em que morreo Dom Bermudo terceiro, se pasaram 124 annos, no discurso dos quaes falleceram onze reyes, vendo se em tam pouco tempo tanta grandeza por terra, e quando tantas coroas cahem das cabeças, quem averá nam tema ruínas, argumento fatal para o dezengano, para que nam haja fiar na instabilidade deste Mundo. Considerar as muitas batalhas que ouve, regar se a terra com inundaçoens de sangue, nam terem conta as vidas que se tiraram, perder se o algarismo nos trabalhos que se padeceram, serve de asombro ao mesmo pasmo, e faltam hyperboles para encarece lo. 74 No discurso destes annos gemeriam os catholicos, padecendo ludíbrios, e vitupérios, tudo lhe occazionaria a crueldade dos Mouros, pois estes fazendo na paciência enraios, era mul[fl. 84-v.]tiplicarem os opróbrios. Da sogeiçam em que entam estavam estas terras, nam dam cabal noticia as historias, por serem tam escasas, que as deixou o esquecimento nas suas almas, e como em quase todos elles faltem as memorias de Monte Mor, pouco teremos que dizer, mas si muito que conjecturar, por ser certo se experimentariam calamidades sem conto, e se sofreriam injurias e tyranias sem termo.

Cap. 10 Em que se dá noticia do tempo em que Almançor tomou Monte Mor e do em que foi instaurado por Dom Gonçalo Trastamires da Maya, e se reffere sua grande calidade 75110 Quando na era de Cezar de 1026, que he anno de Christo Senhor Nosso de 988, aquella fera vestida em carne humana, mas cruir (?) que ade Hircania Almançor Abenamet entrando pela Luzitania, experimentou Coimbra os rogos da sua ira, pois as labaredas de fogo, com que se abrazava lhe nam deixaram pedra sobre pedra, sendo tal a ruína em que111 a poz que se affirma esteve sete annos dezabitada, mais morada de feras que de gente humana, nam sendo entam bastante toda a agoa do Mondego para lavar as sinzas de tanto estargo, se bem as lagrimas que chorariam seos habitantes envoltas em sangue, acrescentariam a este rio a sua corrente.

109 - Segue-se à margem: Salar. Dign. de Cast., l. 1, cap. 19, fol. 23. 110 - Segue-se à margem: Cron. Got. no apêndice da 3ª p. da Mon. Luz., fol. 27. 111 - Segue-se à margem: No anno de 988 destruio Coimbra Almançor Abenamet e dizem estivera 7 annnos deshabitada.

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[fl. 85-r.] 76 Depois os mesmos ismaelitas a reedificaram e posuiram, mostrando112 que se o ódio se empenhara a destruir, se transformam em o cudado de conservar, sendo que como a felicidade nam dura muito, lá lhe veria occaziam em que os edifícios de novo estremecesem e se arruinasem, que os males sam tam deligentes, que no voar excedem a ligeireza das aves, porque o empenho das azas sem tempo, cresce todas as horas, que como nam faltam penas, deixam muito atraz nos voos as mesmas Águias, e quem o contrario prezumir, entenda se engana porque quer, pois nam só a experiência a gritos o publica, mas com innundaçoens de lagrimas o chora. 77 He para admirar que destruindo Coimbra este tyrano se113 pasasem dous annos primeiro que tomase a Montemor, pois diz a Crónica dos Godos que na era de Cezar de 1028 (que he anno da Nosa Redempçam de 990). Reynava entam em Leam Dom Bermudo segundo o gotozo, tomara Almançor a Montemor, do que se pode conjecturar, que estando esta villa tam vezinha de Coimbra, e aver dous annos de demora, devia achar aquelle Bárbaro nos seos habitadores hum atam grande rezistencia, que nam podese entrar a praça, sendo para os montemorenses hum vivo testemunho do grande valor, com que aviam obrado, pois a um inimigo tam poderozo poderam rezistir tanto. E sendo a brevidade tanta, com que a dita Crónica o relata, he para o abono desta villa o melhor padram, que se levanta, pois sem hyperboles a acredita, e ve la ao depois a tomou [fl. 85-v.] nam lhe tira a gloria de se deffender, porque quando se faz o que se pode, nam se falta ao que se deve. Estimulado o Bárbaro de lhe averem rezistido, poria a ferro e fogo tudo, porque quando a um soberbo se encontra, sem que a todos destrua, se nam contenta. Muitas gentilezas nas armas se deviam entam obrar e he lastima se nam escrevesem para que agora se soubesem. 78114 Quarenta e quatro annos gemeria esta villa debaixo da sugeiçam tam barbara, padecendo escravidoens que poderiam compungir a mesma tyrania, quando na era de Cezar de 1072 que anno de115 Christo Senhor Nosso de 1034 o insigne Capitam Dom Gonçalo Trastamires da Maya a tomou aos Mouros, e a restituio aos Catholicos, sendo o mesmo anno, em que Dom Affonso quinto116 de Leam foi morto com huma seta no cerco de Vizeo, e para que de algum modo se reconheça a grande divida em que este povo esta a memoria deste fidalgo, pois foi o seu restaurador, confesarei a obrigaçam por ser credito o agradecimento, que occultar o beneficio, sempre foi desdouro, como honrra o publicado. E asi como se lhe nam deve menos que a liberdade, nam he posivel haja satisfaçam equivalente, mas como nam seja falta o poder pouca, só o ficaria sendo se a vontade em tudo se nam mostrase e para que milhor se conheça, a acreditará esta memoria.

112 - Segue-se à margem: Os mesmos ismaelitas a reedificarão, passado o anno de 988. 113 - Segue-se à margem: Pasados dous annos tomou Montemor. 114 - Segue-se à margem: Gemeria 44 annos com sogeição aos mouros Montemor. 115 - Segue-se à margem: Em 1034 a tomou aos mouros D. Gonçalo Trastamires da Maya. 116 - Segue-se à margem: Em cujo tempo foi morto com uma seta, no cerco de Vizeu D. Affonso V de Leam.

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79117 Foi Dom Gonçalo Trastamires da Maya hum juzue luzitano, hum118 castriolo albanense, emulaçam de Sertorio e enveja de Viriato, igual aos mais illustres que celebra a fama, quando a todos se nam [fl. 86-r.] adiante nella. Era nelle hereditário o valor por ser este o morgado em que avia succedido a seos progenitores, que da Hespanha eram os mais illustres, por descenderem dos Reys de Leam os seos mayores. Foy senhor da Maya de que tomou o apelido como se uzou naquelle tempo, que era toda a terra entre os Rios Lima e Douro. Floreceo no tempo dos Reyes Dom Affonso quinto de Leam e o sexto de Castella. Delle reffere o Conde Dom Pedro,119 he progenitor dos bons cavalheros de Portugal, Castella e Galiza, foi filho de Trastamiro Albeozar, e de Dona Mendola Gonçalvez,120 filha do Conde Dom Gonçalo Nunez. Neto do Infante Dom Albeazar Ramires, chamado o cid, o qual venceo muitas vezes aos Mouros em Castella e Portugal, deitando os fota de todo entre Douro e Minho, Trás os Montes, Alem Douro, Sam Martinho de Mouros, Lamego e Coimbra, sendo taes as suas proezas que para publica las, nam tem a fama cabaes lingoas, nem trombetas. Bisnetto del Rey Dom Ramiro segundo de Leam, 3º neto de Dom Ordonho segundo, 4º netto de Dom Affonso terceiro o magno, 5º netto de Dom Ordonho o primeiro, 6º netto de Dom Ramiro o primeiro, 7º netto de Dom Bermudo o primeiro, 8º netto do Infante Dom Vimaram, 9º netto de Dom Affonso o primeiro chamado o catholico, 10º netto de Pedro Duque de Cantábria, 11º netto de Recaredo, 12º121 netto de Pedro Duque de Cantábria, 13º netto del Rey Liuba segundo, 14º netto de Flavio122 Recaredo primeiro e da Raynha Bada, filha de Artus Rey de Ing[fl. 86-v.]lterra,123 hum dos nove que celebra a fama, em cujo tempo iho124 obedeceram trinta reynos e delle se escreve que em huma batalha matara por suas maons quatrocentos, e secenta inimigos, favoreceo125 muito a Igreja e foi devotisimo da Virgem Nosa Senhora, 15º netto de Leovigildo, 16º netto de Atanagildo Capitam del Rey Aguila, a quem succedeo no reyno, o qual se occupou a lanças fora os Romanos, aos quaes avia metido nelle. Falleceo em Tolledo no anno de 567, avendo reynado treze. 80126 Foi pela parte materna nam menos illustre, pois foi filho do Conde Dom Gonçalo Nunez, bienetto de Nuno Nunez Razura,127 celebrado juiz de Castella, 3º netto de Nuno Belchides, que era da128 caza de Angleres, Reyes de Angleria e Milam, 4º netto de Milon Conde de Angleria, 5º netto de Máximo, 6º netto de Ubertino,129 que 117 - Segue-se à margem: Conde D. P. No. Bil., tit. 2, pag. 117, nº 5. 118 - Segue-se à margem: Luci. na Not. ao Cond., D. 6º, pl. 11, lit. B. 119 - Segue-se à margem: Far. Eur. De Port., tom. 1, p. 4, cap. 11, pag. 424. 120 - Segue-se à margem: Benedict. Luz., tom. 2, trat. 1, p. 1, cap. 3, pag. 16 e 17. 121 - Segue-se à margem: Venc. Euch., fol. 155. 122 - Segue-se à margem: Adm. Var. ill., tit. 1, cap. 23, lit. B, fol. 41. 123 - Segue-se à margem: Vargas Desp. da Nob. de Esp., disc. 16, § 7, fol. 34. 124 - Segue-se à margem: Artur Rey de Inglaterra hum sol que celebra a fama. 125 - Segue-se à margem: Matou em huma batalha por sua mão 460 inimigos. 126 - Segue-se à margem: Sandaval na Desc.de Sanden., pag. 193. 127 - Segue-se à margem: Conde D., tit. 3, pag. 5. 128 - Segue-se à margem: Vica. Gen. de N. R. de Gran., tom. 1, A. 3, pag. 451, § 21. 129 - Segue-se à margem: Arg. Nob. de Na., l. 1, cap. 62 e cap. 100, fol. 102.

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foi grande Princepe naquelle Reyno, e nelle entrou na caza real de França, 7º netto de Lúcio terceiro Rey de Angleria e Milam, 8º netto de Lúcio segundo rey de Angleria e Milam que floreceo no tempo de Cezar e Pompeo, 10º netto de Bredumario, 11º netto de Falaranando, 12º netto de Brunisedo, 13º netto de Bringens, 14º netto de Beloneso, que foi Rey de quaze toda Itália, 15º netto de Rachis, 16º netto de Elimach segundo130 que reynou tambem em Etruria, 17º netto de Galeremundo, que se chamou Rey e ajuntou a seo reyno a Fuschia, 18º netto de Ascanio, 19º netto de Albanio primeiro em cujo tempo reedificou Rómulo a Roma, ou a povoou, que foi no terceiro [fl. 87-r.] anno da Olimpíada sexta, e depois da destruiçam de Tróia, anno de 394, e da criaçam do mundo 3408, e antes que Christo Senhor Nosso encarnase 682, 20º netto de Semchundo, 21º netto de Albanico, 22º netto de Elimach primeiro, 23º netto de Renecio, 24º netto de Philo, 25º netto de Deiphobo, 26º netto de Abida, 27º netto de Breno Anglo, que foi hum dos cavaleiros que escaparam da destruiçam de Trya, e foi o que povoou a cidade Anglanse, situada em humas montanhas a parte de França, quarenta milhas donde agora esta Milam. 81 Foi morto este Cezar Catholico no anno de 1032, occazionando131 a sua falta aos christaons tam grande magoa, que com inconsolável a sua pena, pois todos o veneravam como o Redemptor dos seos trabalhos, razam porque o amavam com extremos, que quando se perde o que se estima, por mais que se sinra, nunca he o que basta. Delle e seo avo procedem as preclarisimas famílias de Cunhas, Tavoras, Sousas, Anajas (?), Teyses (?), Castellos Brancos, Coelhos, Athaydes, Alvarengas, Soverozas, Almeidas, Rezendes e otras muitas, que apenas a achara família na Hispanha, que por suas iças (?) este illustre e sangue nam corra.

Cap. 11 Em que se narra como Dom Fernando o primeiro, Emperador de Hespanha tomou Coimbra e otros succesos mais a este propozito132 82 Dom Fernando o primeiro, cujo nome no idioma gótico [fl. 87-v.] significa133 deffensor da Religiam, e no tudesco poz da terra, foi134 filho segundo del Rey Dom Sancho de Navarra, cognominado135 o Grande e de Dona Nuna sua molher, Condeça proprietária de Castella, bisnetta do magnânimo Conde Dom Fernam Gonçalvez.

130 - Segue-se à margem: Phelip. Borg. no Sap. Coron., l. 12, fol. 181. 131 - Segue-se à margem: Morte. 132 - Segue-se à margem: D. Fernando 1º Imperador de Espanha toma Coimbra aos Mouros cujo nome no gótico sign defensor da Rel. e no tudesco poz da terra. 133 - Segue-se à margem: Siv. Cath. R. de Esp., cap. 57, fol. 43. 134 - Segue-se à margem: Mar. Hist. de Hesp., tom. 1, l. 9, cap. 182, pag. 328. 135 - Segue-se à margem: Seden. Var. ill., tit. 6, lit. F, cap. 5, fol. 122.

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Cazou com Dona Sancha, filha dos Reys136 de Leam Dom Affonso Quinto e de Dona Elvira, que succedeo137 na coroa por morte de seo irmam Dom Bermudo terceiro. E asi por sua may tomou o titutlo de Rey de Castella e138 gozou do de Leam por sua molher, suas gloriozas acçoens lhe deram139 o cognome de Magno e de Emperador de Hespanha, razam porque em todos devia aver o mayor cuidade de que fose sem140 igual o agradecimento, pois este he só o que adianta, porque nos Princepes lhe grangea cognomes que os illustram e aos particulares honrras que os acreditam. 83 Ornaram estes Princepes no anno de 1037 o escudo de suas armas, pondo á mam direita o Castello de Ouro em campo vermelho, insígnia de Castella, e á esquerda o Leam rapante de púrpura, em campo de prata, do de Leam. Venceo em gloriozas e sanguinolentas batalhas aos Mouros, ficando muitas vezes cheos os campos de corpos mortos. 84 Para a despeza de tantas guerras mandou a esclarecida e singular141 Raynha Dona Sancha vender os seos vestidos e jóias, querendo142 antes ficar sem galas que seos vasalos, pondo lhes tributos sem fazendas. Acçam tam prodigioza e catholica que143 a deviam os Princepes eternizar na lembrança, porque [fl. 88-r.] se as forças nos súbditos se enfraquecem mais cause nos superiores144 os respeitos, sendo precizo para a conservaçam se145 sangrem pouco para que a Republica nam sinta dano, que146 só quando está vigoroza se estabelece a coroa, por serem estes os nervos em que se sustenta, nam tendo duvida que nos Monarchas a piedade, he o melhor esmalte do diadema, que se neste brilham as pedras a que a estimaçam avalia, aquella a mantem, por ar em tudo primeira. 85 Conhecendo este Princepe que extorpar o paganismo era para147 a Igreja o mayor serviço entrou em Portugal com formidável poder e apertando com duro cerco a cidade de Vizeo, a veio a ganhar, nam fazendo tanto apreço desta victoria pela importância de huma cidade tam nobre, como por tomar as maons aquelle mouro, que com huma setta avia morto a seo sogro Dom Affonso Quinto, como fica rellatado a easi primeiro que o marasem, lhe tiraram os olhos, cortaram maons e um pé, ficando este exemplar castigo por satisfaçam de crime tam horrendo.

136 - Segue-se à margem: Vener. Euch., fol. 46. 137 - Segue-se à margem: Occa. nas Geneal. del novo R. de Gran., tom. 1, prelud., pag. 54. 138 - Segue-se à margem: Far. Eur. Port., tom. 1, p. 4, cap. 14, pag. 465, nº 1. 139 - Segue-se à margem: B. Fol. Hist., p. 2, cap. 8, pag. 257. 140 - Segue-se à margem: Benedict. Luz., tom. 1, trat. 2, p. 2, cap. 7, pag. 325, 326, 330 e 331. 141 - Segue-se à margem: Gand. Arm. e Tr. de Gal., cap. 14, pag. 111, nº 3, cap. 115, nº 5. 142 - Segue-se à margem: Mar. Hist. de Hesp., tom. 1, l. 9, cap. 1, pag. 328 e cap. 2, pag. 329. 143 - Segue-se à margem: Salar. Dign. de Cast., l. 2, cap. 1, fol. 24. 144 - Segue-se à margem: Agiol. Luz., tom. 2, pag. 505. 145 - Segue-se à margem: Seden. Var. Ill., tit. 6, cap. 5, fol. 122 ate 127. 146 - Segue-se à margem: D. Luis de Men. Conde da Eryc. Port. Ast., tom. 1, l. 1. pag. 4. 147 - Segue-se à margem: Arraez Bispo de Portalegre, Dial. 4, cap. 21, fol. 126.

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86 Tornada a cidade de Vizeo, proseguio a mesma fortuna, indo sitiar a cidade de Lamego, a qual posto a deffendesem valerozamente os Árabes foram mortos e destruídos, repondo aquella praça á sua obediência, como o Castello de Sam Martinho de Mouros, e as mais povoaçoens daquella Comarca, sendo qual innundaçam que tudo cobre, nam avendo rezistencia de que nam triumphe, porque a armas victo[fl. 88-v.] riozas nam se reziste, pois igualmente que o ferro o medo os constrange, tratando só de fugir, como único meio para nam morrer, que quando se chega a semelhantes extremos, nam se admitem outros remédios. 87 Dezejando este Monarcha ampliar os seos domínios, acrescentando os lemites de seos reynos, se rezolveo a fazer cruel guerra aos Mouros, e para implorar o auxilio divino, foi a Compostella vezitar ao gloriozo Apostolo Santiago, donde dando muitas esmolas, asegurou as suas fortunas, pois Deos da cento por hum a quem destribue o que tem por seo amor.148 Foi avizado el Rey samtamente por dois Religiozos do Convento de Lorvam, que informando o das forças que Coimbra tinha e estado em que se achava, poderia intentar esta empreza, pois era glorioza. E asi ajuntando hum poderozo149 exercito, trazendo nelle o famozo Ruy Dias de Bívar150, chamado o Cid, que entam principiava a dar mostras de151 seo valor, marchou contra Coimbra e pondo lhe apertado cerco, o combate fortemente muito tempo, e durando o sitio sete mezes e nam sete annos, como alguns dizem, quando desconfiados os Catholicos de a levarem, por lhe faltarem no arrayal os mantimentos vieram os Religiozos de Lorvam152 offerecer a el Rey os frutos que tinham guardado de outrso annos, e provendo do necesario o exercito, tiveram por vindo do céo aquelle socorro, e como os Mouros experimentavam já fo[fl. 89-r.]me, vendo um grande lanço dos Mouros cahido se entregaram, salvas as vidas, o partido, sendo o alegre dia deste triumpho hum domingo vinte e sinco de Julho, a horas de terça do anno de 1061, em que as bandeiras catholicas se açoraram nas torres do Castello, sendo entam flamante emprego dos ventos aquelles tafetás, que voando, sem se mudarem, dominavam a regiam aeria, quando nam fosem lingoas, em que o estrondo do bambolear se podiam capitolar vozes, que aclamando a victoria eram recreaçam do milhor emprego da vista, por serem estes os galhardetes que mais empenham o agrado, que como seja grande o preço porque se compram he sem medida o gosto quando se logram. 88 Agradecido el Rey do grande favor, que Deos Nosso Senhor lhe fizera e ao Apostolo Santiago de ser em sua ajuda, propôs de ir a Compostella, como em effeito foi dar lhe repetidas graças. E querendo premear o zello, com que o Abbade e Monges de Lorvam o aviam servido, assim no socorro que aviam dado como el levarem a enterrar ao seo Mosteiro os Cavalleiros que aviam fallecido, lhe mandou que pedisem mercês 148 - Segue-se à margem: Avisam a el Rey dous Religiozos de Lorvão do pouco poder de Coimbra para que a tome. 149 - Segue-se à margem: B. Flor. Hist., 2ª p., cap. 8, pag. 257. 150 - Segue-se à margem: Cron. dos Com. Regr. De S. Agostinho, p. 1, pag. 165, nº 10. 151 - Segue-se à margem: Bloteau no vac., tom. 2, pag. 363. 152 - Segue-se à margem: Offerecem os Religiozos de Lorvão a el Rey fructos.

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e153 que da cidade o que quizesem e esperando lhe pedissem a metade della, que era o que detreminava dar lhe. Os Religiozos mostrando em tudo desinteresse154 lhe diseram que se pelo amor de Deos lhe quizese sua Alteza dar huma Igreja dentro na cidade o teriam por mercê grande, o que ouvindo el Rey e os cavalleiros ficaram adimirados de verem tam grande dezape[fl. 89-v.]go naquelles Religiozos e mais quando lhe chegaram a offerecer huma coroa de ouro e pedras preciozas, dadiva de Gonçalo Munhir, que foi cazado com huma filha del Rey Dom Bermudo segundo. E nam admittindo el Rey a offerta da Coroa lhe mandou dar para fazerem huma cruz de prata dos Zarcos (?), e conferindo lge todos os privilégios dos Reys seos predecesores, lhe deo algumas cazas na cidade, e155 a156 Igreja de Sam Pedro, que fazendo a Priorado de Lorvam lhe puzeram Religiozos, que a servisem, o que tudo consta do Privilegio que se conserva no archivo daquella caza. 89 Asi ficou el Rey Dom Fernando Senhor de Coimbra, Montemor157 e de todas as mais terras athe o mar, e seria entam igual a gloria que aquella cidade tivese, á em que esta villa tambem se vise por se acabar a opresam, em que os Barbaros a tinham, e lhe seriam mais pezados pelo aborrecimento que lhe cauzaria a lembrança dos antigos, pois como herdeiros do sangue o aviam de ser tambem do ódio e quem poderá dizer o q que entam fose e individuar o que succedese? Pois no discurso de duzentos e dezaseis annos158 que tantos pasaram desde que o Abbade Dom Joam deffendeo o Castello, atte o em que Dom Fernando logrou tanto triumpho, sendo as ahuas tam turvas, nam se vê nos regatos as áreas, e posto sejam sem conto as estrellas [90-r.] se há nublados, he imposivel devizadas, por serem os longes inimigos capitães das vistas que por mais que a perpicacia seja, sempre o ambaraçam névoas. 90 Purificou se a Cathedral e nella premiou el Rey a muitos159 do seo exercito, e asi armou cavalleiro ao valerozo Hércules daquelle tempo Cid Ruy Dias, de cujas proezas estam cheas as historias, de que daremos alguma noticia, pela grande veneraçam, que devemos ter á sua memoria, pois se achou como na conquista de Coimbra, na dita villa, e asi em capitulo particular se dezempenhará a nosa obrigaçam em o refferir. 91 Teve este Monarcha grandes e felices succesos nos seos reynos, e avendo dividido entre seos filhos os reynos herdados e adquiridos, tendo reynado trinta annos, morreo em Leam o de 1067, sendo de secenta de idade, donde está sepultado em Santo Izidoro, junto á Raynha sua molher, que falleceo sendo Religioza no anno de 1069,

153 - Segue-se à margem: Manda lhe pedissem os Religiozos e pedem só hua Igreja na cidade. 154 - Ao fundo da página: Feita aqui uma palavra que pelo sentido quer dizer dezapego das cousas do mundo mas que no original está expressa numa só palavra que foi cortada da tinta a não pode ler. 155 - Segue-se à margem: Benedit. Luz., l. 1, trat. 2, p. 2, cap. 7, pag. 326 e 327. 156 - Segue-se à margem: Da lhe el Rey a Igreja de S. Pedro e algumas cazas na cidade. 157 - Segue-se à margem: Marinh. Gran. de Lixboa, l. 4, cap. 1, pag. 363. 158 - Segue-se à margem: Havião pasado 216 annos que o Abbade D. João tinha defendido o Castelo. 159 - Segue-se à margem: Agiol. Luz., tom. 1, pag. 48 e 49.

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trocando pelo véo a coroa, que só quando se despreza, se faz mayor a grandeza por ser a humildade o Zenith da Soberania, pois no descer, está o subir, sendo o fazer pequeno, o milhor brilhar.

Cap. 12 Em que se dá noticia do invencível Cid Ruy Dias, e se160 apontam algumas das suas proezas 92 Foi Ruy Dias de Bívar filho de Dom Diogo Larnez e de Dona Thereza Nunes filha de Dom Nunes Alvarez da [fl. 90-v.] Maya161 a quem alguns, e he certo, chamam Dom Rodrigo Alvarez162 Conde e Governador das Astúrias, Senhor de Gijon,163 filho del Rey Dom Affonso Quinto, que morreo sobre Vizeo.164 Naceo em Bívar, povo duas legoas de Burgos, anno165 de 1026. Teve tantas e tam singulares prendas que todos166 o veneravam e traziam nas palmas, que a virtude nam necesita167 de padrinhos para que se estime, pois empenhado o alvoroço168 a solecita, para lhe fazer cortejos o agrado, sendo tal o169 contentamento quando se busca, que se contrahe pena, se se nam acha, e asi o que a logra se faz a credor de todo o aplauzo, por ser como no ouro, o esmalte de mayor credito. 93 No valor nenhum lhe excedeo, porque foi o Josué e Sansam Espanhol, logrando tantos triumphos, quantos foram os inimigos, porque o mesmo era sahir ao campo, que velos alcatifados de corpos mortos. Na benevolência nam ouve quem170 lhe levase a palma, porque aos vencidos tratava com tam execellentes termos, que se podiam vangloriar de ficarem escravos, sendo o mais forte grilham que lhe lançava, a171 urbanidade com que os prendia. Era a piedade a que mais illustrava172 o seo animo, dezejando nam vencer, como o ter occazioens de perdoar, que quando iam decorozos os empenhos,173 se adquirem os mais reluzentes créditos. Foi liberalíssimo, estimando só o ter, para poder dar, que a grande[fl. 91-r.]za só quando exercitada, se faz mayor,

160 - Segue-se à margem: Noticia do invencível Cid. 161 - Segue-se à margem: Conde D. O. Nobil, tit § pag. 66, nº 7. 162 - Segue-se à margem: Seden. Var. Ill., tit. 16, cap. 3, fol. 294. 163 - Segue-se à margem: Occaz. Geneal. Do R. de Gran., tom. 1, arv. 3, pag. 250, § 21. 164 - Segue-se à margem: Prelud. pag. 54. 165 - Segue-se à margem: Vener. Euch., fol. 157. 166 - Segue-se à margem: Far. Eur. Port., tom. 2, cap. 1, pag. 19. 167 - Segue-se à margem: B. Flor. Hist., 2ª p., cap. 8, pag. 257. 168 - Segue-se à margem: Bened. Luz., tom. 2, trat. 1, Prel. 1, p. 4, pag. 192. 169 - Segue-se à margem: Grand. Arm. e Tr. de Gal., cap. 15, pag. 119. 170 - Segue-se à margem: Garibay Comp. Hist. de Esp., l. 38, cap. 2, pag. 1006, cap. 3, pag. 1007 ate cap. 10, pag. 1016. 171 - Segue-se à margem: Salar. Dign. de Cast., l. 1, cap. 1, fol. 15. 172 - Segue-se à margem: Arg. Norb. Andal., l. 1, cap. 12, fol. 129 e 130. 173 - Segue-se à margem: Pineda Monarch. Eul., tom. 1, l. 18, cap. 3, § 5, fol. 7.

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sendo os alicerces em que se estriba, o avasallar as vontades nesta forma. Na fidelidade nam teve igual, por se adiantar aos mais que celebra a fama nesta virtude, porque os disfavores nam fizeram desmayar o amor que tinha ao seo Princepe, pois ainda que desterrado, tomava aos Mouros praças, e as offerecia ao seo domínio, fineza em que se acreditava a lealdade e quem tam heroycamente obrava, merecia no templo da estimaçam nam só o milhor lugar, mas que todos geralmente o chegasem a aplaudir. E para que se diga em huma palavra o que fizera o mais honrrado Cavalleiro, que fora de ser Rey, teve Hespanha, criou se em caza del Rey Dom Fernando Primeiro, o Magno, e quem teve tal criaçam nam podia ser piqueno, porque qual outro Hércules no berço, começava a mostrar o que veria a ser depois de adulto. Venceo em huma batalha a cinco Reys Mouros, e fazendo os seos vasallos lhe pagavam annuaes tributos e repartindo pelos soldados os despojos, ficou mais rico no que deo pelo dezinteresse que mostrou, que a victoria que dos vícios se alcança he entre todas a mais glorioza, merecendo por arriscada os mayores aplauzos da fama, pois a nam pode aver igual a aquelle, que vencendo se de si triumpha. 94 Sendo el Rey Dom Fernando em Compostella, entraram pode[fl. 91-v.]rozos os Mouros suas terras e sahindo lhe Cid Ruy Dias ao encontro, alcançou huma grande victoria, perto de Atiença e seguindo sete legoas o alcance, foi tal o estrago, que nas estradas se nam via mais que sangue, sendo taes os gritos dos moribundos, que faziam horror aos ouvidos, e tantos os agonizantes devididos em pedaços, que impediam vadiarem se os caminhos. 95174 Achou se com el Rey Dom Fernando no cerco de Coimbra, donde175 tomada aquella praça, foi armado cavalleiro na cathedral della e consecutivamente se conjectura vadiase estes campos, sogeitando Montemor e as mais terras até ao mar, lançando de todas ellas os bárbaros fóra e que estes a gritos públicos, sem os golpes da sua espada, sendo tanto o seo sangue, que com elle o Mondego augmentase a sua corrente, podendo com razam vangloriar se esta terra, a pizase hum Heroe a todas as luzes grande, e que tirado do poder bárbaro em que estava, se vise aos catholicos substituída, enxutas já as lágrimas que chorava, tornando a vir a ter o que de contas era. 96 Asestio nas conquistas de Lamego, Vizeo, Porto e outras muitas terras foram todas theatro, em que se admiravam suas façanhas, nam avendo palmo della, em que a fama nam tocase a sua trombeta. Venceo a el Rey Dom Garcia e a el Rey Dom Affonso, e o prendeo, que depois [fl. 92-r.] foi Rey de Castella, Leam e Portugal. Venceo por duas vezes ao Conde de Saboya, que governava todo o poder de França. O mesmo fez a Dom Ramon, Conde de Bracelona, e o prendeo, e a el Rey Dom Pedro de Aragam, e assim os Reys barabros o temiam e os mais procuravam telo por amigo. Venceo a el Rey Hunas de Marrocos, que morreo de pezar,176 e a seo irmam el Rey Bucar com outo Reys. 174 - Segue-se à margem: Achou se com el Rey D. Fernando no cerco de Coimbra. 175 - Segue-se à margem: Far. Eur. Port., tom. 4, p. 4, cap. 1, pag. 767, nº 1. 176 - Segue-se à margem: Marrocos.

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97 Nam foram bastantes tantas proezas para que a enveja não vibrase contra elle as suas armas, e asi el Rey Dom Affonso por dezaffeiçam, lhe mandou despejase as suas terras, e quando no desterro nam se esquecia das obrigaçoens de bom vasallo, pois que a el Rey mandava riquisimos prezentes, e lhe offerecia as praças e castellos. O Soltam da Perra movido de tam grande fama lhe mandou embaixadores e custozos prezentes e formaram paz e amizade. 98 Tendo noticia que el Rey Bucar vinha contra elle com grande poder, estando huma noite considerando o como poderia dar batalha, se diz aver lhe apparecido o Apostollo Sam Pedro, o qual lhe revelou que dali a trinta dias passaria177 deste Mundo, e que depois de morto venceria a el Rey Bucar com ajuda de Deos e do Apostollo Santiago, e asi adoeceo, e tomados os sacramentos falleceo no anno de 1098, tendo setenta e três de idade, e avendo vencido setenta e no[fl. 92-v.]ve178 batalhas de inimigos da Fé. Pasados três dias aportou na praya de Valença el Rey Bucar com hum atam poderoza armada, que enchendo o mar cobria a terra a gente que trazia, apertaram os asaltos, rezistiram com denodado valor os catholicos,179 e montando no seo cavalo Bavieca ao Cid Ruy Dias com a espada Tizena na mam, sahiram aos inimigos, e foi tal o estrago que lhe fizeram, que huns mortos e outros afogados,180 poucos escaparam. Nesta batalha se affirma que o Apostollo Santiago trazia na mam esquerda huma bandeira vermelha, com huma cruz branca, e na direita huma espada de fogo, com que a todos abrazava, com que el Rey Bucar desbaratado181 o seo poder, mortos os outo Reys foi chorando a sua disgraça, e Cid Ruy Dias depois de morto alcançou do seo inimigo este triumpho, o que se nam se reffere de nenhum outro Princepe, nem Cavallero. E levado o seo corpo a Castella ao Mosteiro de Sam Pedro de Cardenha o acentaram182 em huma cadeira com a sua espada Tizena na cinta, e se affirma que chegando hum Judeo a elle, querendo lhe puxar pelas barbas, elle metera mam a espada e tiramdo a perto de hum palmo, o Judeo cahio logo quasi morto, e tornando a si se converteo a Fé de Christo, permanecendo naquella caza por toda a vida. Que sam taes os crimes contra o respeito que os nam soffre hum deffunto, e assim será sempre este vi[fl.93-r.] vo, pois na memoria dos homens eternizado, ficará em todos os séculos memorando, consagrando lhe estas memorias, para que contrastado o esquecimento, nam faça aquella guerra, com que triumpha da lembrança, sendo a confiçam desta divida, parte da satisfaçam della, querendo aliviar a pátria no modo que he posivel, porque o descendo na obrigaçam sempre foi intolerável.

177 - Segue-se à margem: Appareceo lhe o Apostolo S. Pedro. 178 - Segue-se à margem: Venceo 79 batalhas aos inimigos da Fé. 179 - Segue-se à margem: Servia se do seo cavallo Bavieca 40 annos. 180 - Segue-se à margem: Esc. Dacc., 7ª p., de. 10, liç. 7, nº 598. 181 - Segue-se à margem: Unicid. de Cid Ruy Dias. 182 - Segue-se à margem: Uzou de 2 espadas, hua ___, outra colada. A primeira guardam a vinculada os marquezes de Fal. em Navarra, a segunda na Arme

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99 Foi este Princepe hum recopilado Mappa de acçoens heroycas, tam singular em todas, que a quererem se refferir, seria empreender contar as estrellas. Prendeo a vários Monarchas, e dos Reys Mouros mattou muitos. Excedeo aos annos que teve de vida, que foram setenta e três, nas victorias que alcançou de inimigos da Fé, pois conseguio setenta e nove, cujas proezas só sendo papel a admiraçam, tinta o asombro e letras o pasmo, ficariam escriptas com bom modo. Elle o teve tam excellente que sofreo disfavores e desterros, recompensando os em fazer novos serviços, sendo a sua fidelidade tam singular, que se esmerava na fineza, quando o tratavam com esquivanças. De que se podia aprender nam admettir as lizonjas com que o Mundo brinda por nam avultar com tam grande corpo a quesva (?), e que o desprezado he o que mais importa, pois o fiar delle he loucura, que se os beneméritos castiga e com sequidoens os affronta, o que tiver menos prendas, que espera.

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