Director Luís Manuel Barbosa Marques Leal Coordenador Técnico Correia Góis Edição Câmara Municipal de Montemor-o-Velho Paginação Unidade de Turismo e Relações Externas | Ana Luísa Ferreira Câmara Municipal de Montemor-o-Velho Impressão Ediliber - Editora de Publicações, Lda. Tiragem 500 Exemplares Capa e Contracapa Le déjeuner ou Au dessert, óleo sobre tela, 142,5x175,7cm (exposto no Salon de 1911, Paris), UC.MNMC.MJ391 Imagem de Nossa Senhora da Vitória, Igreja de Santa Maria de Alcáçova, Montemor-o-Velho. Fotografia de João Lobo, Unidade de Turismo e Relações Externas, CMMV.
Ano 6 - Nº 10 · Abril 2011 Periódico Semestral Dep. Legal Nº 263153/07 ISSN 1646-9844
Índice Concurso Histórias e Ilustrações 2009 Marta Gaspar
7
Sinopse Cronológica do Movimento Republicano em Montemor-o-Velho (1908-1914) Mário Silva
29
O Remo e a República Carlos Manuel Henriques
67
I Centenário da República - Os Símbolos da República - Busto Correia Góis
79
Como ter um bom coração? Evitar doenças cardiovasculares. Armando Gonsalves
87
Tradições Populares José Carlos da Silva Duarte
95
A Instrução Pública em Montemor-o-Velho: A Escola Conde de Ferreira Mónica Santa Rita
103
A Biblioteca Municipal de Montemor-o-Velho Sandra Lopes
121
Reabilitação, a Vida e o Vale Miguel Figueira
135
Notícia da identificação do sítio arqueológico de Sevelha (Verride) Marco Penajoia
143
O Paludismo e os Campos do Mondego Manuel Dias
147
Teatro e Comunidade nos 40 anos do CITEC Deolindo Pessoa
151
Centro Equestre de Montemor-o-Velho: História e Projeção António Sousa
163
Tipos de Actividades Escutistas Jorge Luís Pardal de Oliveira | Rui Manuel Marques
167
António Correia da Fonseca e Andrade e a História Manlianense - 9 Sandra Lopes
173
Editorial No seu quinto aniversário, a revista Monte Mayor volta a demonstrar que é um projecto cultural promotor da multidisciplinaridade de conhecimentos que está já enraizado no panorama editorial. Tendo sempre presentes os objectivos que levaram à criação desta publicação, temos hoje uma revista onde se sente Montemor-o-Velho, das particularidades, às tipicidades, do que nos distingue e nos promove, das riquezas naturais, históricas, patrimoniais, gastronómicas, das suas personalidades, em suma, das Mulheres e dos Homens que construíram e continuam a construir esta nossa terra. O número dez da Monte Mayor – a terra e a gente abre com um Montemorense natural das Meãs do Campo que fez história na História da Arte. Recordamos o pintor Manuel Jardim que, há cem anos, viu o seu mais conhecido quadro ser a primeira obra de arte portuguesa apresentada no Salon, em Paris. A capa desta edição é, assim, mais uma forma de revelar a obra e perpetuar a memória deste artista Montemorense. Também os jovens vencedores do V Concurso de Histórias e Ilustrações têm aqui o seu digno destaque. Escrevendo ou desenhando, as crianças das escolas do 1º CEB do concelho de Montemor deram asas à imaginação e mostraram que qualquer um pode ser poeta. Atestando a panóplia de temáticas que tem vindo a pautar a história da Monte Mayor, esta edição volta a abordar áreas abrangentes, que vão da História da República Portuguesa, à saúde, às tradições populares, à vivência por terras de Montemor, à arqueologia ao teatro. Mais do que um documento de arquivo, esta revista é já uma ferramenta ao serviço da comunidade que está aberta a todos os concidadãos que queiram escrever para testemunhar o Património que faz de nós “Mayores”. Boas Leituras!
Luís Manuel Barbosa Marques Leal, Dr. Presidente da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho
Marta Gaspar*
Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 10, 2011, 7 - 28
Concurso de Histórias e Ilustrações 2009
A Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, através da Divisão de Educação, Cultura, Acção Social e Família | Serviços de Biblioteca Municipal tem vindo a dinamizar um Concurso de Histórias e Ilustrações, já na sua quinta edição mantém-se fiel à ideia que conduziu ao seu aparecimento: estimular o gosto pela Escrita, pela Leitura e pela Ilustração, junto das crianças das Escolas do 1º CEB. Durante o ano de 2009 o tema do concurso foi “…se eu fosse um poeta…”, dentro desta temática pedimos às crianças que frequentavam as Escolas do 1º Ciclo do Ensino Básico do concelho que registassem através da escrita ou da ilustração, tudo o que lhes suscitasse o tema. Foi um ano de visitas emocionantes pelas Escolas Básicas do primeiro ciclo concelhias. Muitas foram as peripécias vividas, muitos foram os momentos de surpreendentes revelações: de leituras muito animadas que arrancaram gargalhadas sonoras, mas também de leituras naturalmente muito emotivas quando o tema é a mãe. Durante um ano voámos muitas vezes nas asas da leitura, descobrimos que podemos brincar com as palavras, que os poemas podem ser muito divertidos, que só com um livro na mão e muita imaginação podemos passar uma hora inteirinha a jogar com as palavras … e sim a divertirmo-nos muito. Alguns dos meninos que concorreram foram os premiados… alguém teria de ser, porque é de facto um concurso, mas todos os que concorreram estão de parabéns …. Emocionei-me muitas vezes a ler os trabalhos que nos enviaram, é de facto um orgulho imenso verificar o empenho, a criatividade destas crianças sendo ainda de enaltecer os pais e professores, por nos terem presenteado com o envio de todos estes trabalhos. Afinal foram estes meninos que nos ensinaram uma grande lição durante o ano que passamos a visitá-los, não é assim tão difícil motivar para a leitura e para a escrita bastam uns pozinhos de perlimpimpim uns textos bem escolhidos e muita animação.
* - Marta Gaspar (Licenciada em História)
7
Marta Gonçalves
A forma entusiástica como todos receberam as senhoras da biblioteca que chegam às escolas carregadas de livros e histórias fazem-nos ter sempre vontade de voltar e voltar muitas vezes, as visitas continuarão para vos fazer sonhar a vocês e a nós …..
COMPOSIÇÃO DO JÚRI: Dr. Pedro Machado: Vereador do pelouro da Educação; André Caetano (Ilustrador), Luísa Ducla Soares; Representante da DREC: Dr José Correia Lopes; Lurdes Breda escritora
Vencedores do V Concurso de Histórias e Ilustrações: “…se eu fosse um poeta…” Os Vencedores e Menções Honrosas para a modalidade texto escrito são: Classificação Texto 1º Lugar “Quero ser poeta” ex-equo 2º Lugar ex-equo 3º Lugar ex-equo Menção Honrosa ex-equo
“Só para contrariar” “O lápis” “Boneca” “O Castelo” “A Família” “O meu lindo rio Mondego” “O castelo” “A Descoberta”
8
Autor Rita dos Santos Alegre Diana Sofia Duque Oliveira Diogo Miguel Azenha Tocha Juliana Batista Roque Maria Carolina de Melo e Matos Beatriz R., Mónica R. e Bárbara R. Filipa Garcia Almeida Pedro Tiago dos Santos Marques Diogo Alexandre Pereira Coelho
Escola E B. 1º Ciclo da Carapinheira E. B 1º Ciclo Tojeiro E. B 1º Ciclo Tojeiro E. B 1º Ciclo de Montemor E. B 1º Ciclo de Montemor E. B 1º Ciclo de Montemor E. B 1º Ciclo de Montemor E. B 1º Ciclo de Montemor E. B 1º Ciclo de Montemor
Concurso de Histórias e Ilustrações 2009
Os Vencedores e Menções Honrosas para a modalidade Ilustrações são: Classificação Ilustração 1º Lugar Andorinha ex-equo
O feitiço
2º Lugar
A sacola
3º Lugar
Sem título
ex-equo
A minha Janela Sem título Sem título Menção honrosa
Casamento cigano Sem título
Autor Diogo Rodrigues Pagaimo Francisca Coelho Alves Cantante, Beatriz da Silva Carvalho, Juliana de Sousa Ferreira Inês Daniela Gomes Serafim Gonçalo de Sousa Martinho, Diana Filipa Pires Silva e Daniel Alexandre Sousa Coelho Inês Sofia Varanda Juliana Raquel Ferreira Claro Leonia Tatiana dos Santos Ferreira Alunos 1 ao 4º ano de Pelichos Mauro António O. Duarte
Escola Pelicanos E.B 1º Ciclo de Ereira
Catarruchos E.B 1º Ciclo de Ereira
Bizarros E. B 1º Ciclo de Liceia E. B 1º Ciclo de Liceia Pelichos E B I de Pereira
9
Marta Gonçalves
Texto escrito 1º lugar Quero ser poeta Um dia queria ser poeta... Desenhar e imaginar Colorir e pintar... Inventar coisas e mais coisas Até adormecer... Queria ser poeta... Para escrever histórias E mais histórias... Sem nunca me cansar! Pois um poeta é assim... Tem de ser feliz
.
Saber sorrir... Inventar, inventar e inventar... Se não... Nunca vai lá chegar!... Um lápis de carvão. Outro amarelo e azul... Não falta mais nada, Vamos lá, é curar a folha constipada! Folha amarela Cuidado com ela, Pois ela é muito bela, Tem um segredo dentro dela!
Rita dos Santos Alegre E.B I da Carapinheira
10
Concurso de Histórias e Ilustrações 2009
Texto escrito 1º lugar Só p’ra contrariar Nada é tudo e tudo é nada
Nada é tudo e tudo é nada
Já não sei o que dizer,
Já não sei o que esperar,
Se me mandam estar parada
Se me pedem para abrir Logo me apetece fechar.
Logo me ponho a mexer. Nada é tudo e tudo é nada Já não sei o que fazer,
Nada é tudo e tudo é nada Já que pediste para começar, Sei que era tua vontade, Que quisesse terminar.
Se me mandam estar calada Logo me apetece dizer. Nada é tudo e tudo é nada
Diana Sofia Duque Oliveira E.B I do Tojeiro
Já não sei o que pensar, Se me mandam escrever Logo me apetece apagar. Nada é tudo e tudo é nada Já não sei o que querer, Se me pedem para lembrar Logo me apetece esquecer.
11
Marta Gonçalves
Texto escrito 2º lugar O lápis O lápis tem a cabeça pintada De verde, azul e outras cores, Mas na minha mão entusiasmada Ele desenha bonitas flores. Podemos escrever à vontade Tudo o que nos apetecer, Nas letras dá-nos liberdade Para escrever, escrever, escrever… Com ele invento muitas linhas No meu cadernito azul, Onde falo de coisas minhas E das aves que chegam do sul. Os lápis fazem magias, Em mãos que sabem escrever, Com eles farei lindas poesias Que ninguém há-de esquecer!
Diogo Miguel Azenha Tocha E.B I do Tojeiro 12
Concurso de Histórias e Ilustrações 2009
Texto escrito 2º lugar A Boneca Tive bonecas de trapos, Bonecas de papelão, Tive bonecas de loiça, Bonecas de estimação. Tive-as loiras e morenas, De cabelo aos caracóis, Olhos azuis cor do céu, Brilhando como dois sóis. Boca pequena vermelha, Faces macias, rosadas, Com vestidinhos de chita, Às bolinhas encarnadas. E eu brincava tanto, tanto, Com as minhas bonequinhas. E no mundo não há, Bonecas iguais às minhas. Juliana Batista Roque E.B I de Montemor-o-Velho 13
Marta Gonçalves
Texto escrito 3º lugar O Castelo A vista do nosso castelo, Deslumbra os visitantes. Pois por ser assim tão belo, Nos emudece nesses instantes. Em que as suas pedras antigas, Nos contam tantas histórias. Relembram lendas e cantigas, Que enchem as nossas memórias. Sou pequena, mas já sei, Que o castelo lá no alto, Foi já morada do rei, Em tempos de sobressalto. As suas pedras velhinhas, São sinal desse passado. E também dessas rainhas, Por quem era contemplado. Maria Carolina de Melo e Matos E.B I de Montemor-o-Velho 14
Concurso de Histórias e Ilustrações 2009
Texto escrito 3º lugar A Família A mãe é conforto Na dor, na aflição Apoio na doença Companhia, na solidão. O sol nasce para aquecer A chuva para regar A nossa mãe é luz Para nossos passos guiar. Seus braços estão abertos Dia e noite sem acabar Para que nas quedas da vida Tenhamos onde nos apoiar.
Beatriz R., Mónica R., Bárbara R. E.B I de Montemor-o-Velho
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Marta Gonçalves
Texto escrito Menção Honrosa O meu lindo rio Mondego Ó lindo rio Mondego,
Tantos peixinhos nadam por ti,
Que nasces na estrela da serra.
Tantos pescadores ganham o pão.
Como fazes tu,
E, noutros tempos, muitas lavadeiras
Para chegar à minha terra?
Roupas lavavam à mão.
Tu Mondego és viajante,
Hoje de longe vêem desportistas,
Desde a Estrela até à Foz.
Para o remo cá fazer.
Passas por Montemor,
E eu prometo um dia ir lá ver!
Que é uma alegria para nós. Por onde passas tu? Por onde caminhas?
Filipa Garcia Almeida
Para teres tantos peixinhos,
E.B I de Montemor-o-Velho
E tantas pedrinhas? Em ti há muitas trutas, Que se vêem a saltar. Mas também há as lampreias, Que do mar vêem desovar.
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Concurso de Histórias e Ilustrações 2009
Texto escrito Menção Honrosa O Castelo Olha o castelo, Lá está o D. Marmelo. Tão bonito, Que até parece amarelo. Tão giro, Como um dióspiro. E grande como um vigilante. Adeus castelo Até outro dia, Que hoje a aragem é fria.
Pedro Tiago dos Santos Marques E.B I de Montemor-o-Velho
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Marta Gonçalves
Texto escrito Menção Honrosa A Descoberta Indo por aí fora
Indo por aí fora
A caminho de Monte Real
A caminho de Paris
Vi um gato-bravo
Encontrei um leão
A fugir de um pardal.
A fugir de uma perdiz.
Indo por aí fora
Indo por aí fora
A caminho de Caminha
A caminho de Lisboa
Encontrei uma cobra
Encontrei uma leoa
A fugir de uma galinha.
A fugir de uma pessoa.
Indo por aí fora
Indo por aí fora
A caminho de Foz de Arelho
A caminho de Loulé
Encontrei um bode
Encontrei dez cobras
A fugir de um escaravelho.
A fugir de um chimpanzé.
Indo por aí fora
Indo por aí fora
A caminho de Porto Covo
A caminho da Serra da Estrela
Encontrei um touro bravo
Encontrei um puma
A fugir de um piolho.
A fugir de uma ovelha. Diogo Alexandre Pereira Coelho E.B I de Montemor-o-Velho
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Concurso de Histórias e Ilustrações 2009
Ilustração . 1º Lugar Andorinha Diogo Rodrigues Pagaimo, Escola dos Pelicanos
19
Marta Gonçalves
Ilustração . 1º Lugar O feitiço
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Concurso de Histórias e Ilustrações 2009
Francisca Coelho Alves Cantante, Beatriz da Silva Carvalho e Juliana de Sousa Ferreira; E. B. 1 de Ereira
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Marta Gonçalves
Ilustração . 2º Lugar A sacola Inês Daniela Gomes Serafim, Escola dos Catarruchos
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Concurso de Histórias e Ilustrações 2009
Ilustração . 3º Lugar Sem título Gonçalo de Sousa Martinho, Diana Filipa Pires Silva e Daniel Alexandre Sousa Coelho; E. B. 1 Liceia
23
Marta Gonçalves
Ilustração . 3º Lugar A minha Janela Inês Sofia Varanda; Bizarros
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Concurso de Histórias e Ilustrações 2009
Ilustração . 3º Lugar Sem título Juliana Raquel Ferreira Claro; E. B. 1 Liceia
25
Marta Gonçalves
Ilustração . 3º Lugar Sem título Leonia Tatiana dos Santos Ferreira; E. B. 1 Liceia
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Concurso de Histórias e Ilustrações 2009
Ilustração . Menção Honrosa Casamento Cigano Alunos do 1º ao 4º ano; E. B. 1 Pelichos
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Ilustração . Menção Honrosa Sem título Mauro António O. Duarte; E. B. 1 Pereira
Mário José Costa da Silva*
Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 10, 2011, 29 - 66
Sinopse Cronológica do Movimento Republicano em Montemor-o-Velho (1908-1914)
Conscientes da falta ou, melhor dizendo, ausência de informação sobre o movimento republicano no concelho de Montemor-o-Velho, decidimos iniciar a demanda de todos os acontecimentos e agentes, nomeadamente políticos, que pudessem fazer alguma luz sobre o mesmo. Assim, optámos, face à quantidade e riqueza da informação recolhida, por elaborar uma sinopse cronológica, estabelecendo como balizas temporais as datas de 26 de Janeiro de 1908, momento da fundação da primeira comissão republicana do concelho, a Comissão Paroquial Republicana de Arazede, e de 3 de Janeiro de 1914, quando a Comissão Executiva Municipal elege os seus presidente, vice-presidente, secretário e “vice-secretário”, colocando um ponto final num longo período de 36 meses em que a câmara, à semelhança dos restantes municípios, foi mantida fora de qualquer sufrágio eleitoral. A pesquisa ainda não terminou, antes pelo contrário, só agora se iniciou. Ao longo das páginas que se seguem o leitor terá oportunidade, não só de descobrir um pouco mais da história politica do concelho de Montemor-o-Velho nas duas primeiras décadas do século XX, mas também de lançar pontes, a partir da informação e fontes aqui coligidas, para investigações e trabalhos futuros.
1908 [26 de Janeiro] Organizada “no maior perigo da ditadura franquista, quando aqueles que se declaravam publicamente republicanos eram perseguidos em toda a linha e em todos os campos”, sofrendo, “por vezes, perseguições acintosas, sendo alcunhados com epítetos menos corrétos e com frases de uma ironia atroz”, nasce em Arazede a primeira e única, até 5 de Outubro de 1910, Comissão Paroquial Republicana do concelho.
* - Mário José Costa da Silva (Licenciado em História e Mestre em História Moderna pela Universidade de Coimbra.)
29
Mário José Costa da Silva
Desta primeira Comissão Republicana foi presidente António Ferreira de Figueiredo que aí se manteve até ao seu falecimento1. Após nova eleição, anterior a 27 de Outubro de 1911, a “Commissão Parochial Republicana do Amieiro e Arazede” ficou assim organizada: efectivos – Joaquim Ferreira de Figueiredo (presidente), Augusto Ferreira de Andrade (vice-presidente), Joaquim Soveral da Rocha (secretário), António Ismael da Cruz (tesoureiro) e Joaquim Monteiro Crispim; substitutos – João Gonçalves Pereira, António Rodrigues Cruz, Augusto Queda, João Maria da Queda e António Mário Branco2. [28 de Janeiro] Tentativa de golpe revolucionário para derrubar a Monarquia. A actuação repressiva da ditadura protagonizada por João Franco provocara uma mudança na definição da estratégia do Partido Republicano. Gradualmente, a linha que defendia a acção revolucionária imediata foi ganhando terreno face à linha mais moderada. Esta redefinição de estratégia leva à aliança com outras forças das quais se destacam a Carbonária, entre os civis, e a Corporação dos Sargentos, entre os militares3. [1 de Fevereiro] O ano iniciara-se com a prisão indiscriminada de vários chefes republicanos (António José de Almeida, Afonso Costa, etc.). À agitação que se ia tornando irreprimível, a ditadura continuava a responder com a repressão – no dia anterior fora aprovado um decreto que previa a deportação para qualquer província ultramarina, dos indivíduos que atentassem contra a segurança do Estado. Ao regressarem a Lisboa, vindos de Vila Viçosa, o rei D. Carlos e o príncipe herdeiro D. Luís Filipe são assassinados no Terreiro do Paço. Na sequência do regicídio, D. Manuel II sobe ao trono, com apenas 18 anos, e o ministério de João Franco cai, não resistindo aos ataques da oposição, por um lado, e às vozes que começavam a responsabilizá-lo pelo desaparecimento do monarca e do jovem herdeiro, por outro4. [5 de Abril] Realização de novas eleições para o Parlamento, tendo o Partido Republicano alcançado 7 deputados. No entanto, e apesar do crescimento rápido do movimento republicano, as esperanças de que a breve trecho o partido viesse a ascender ao poder por via eleitoral, eram praticamente nulas5. [26 de Junho] Fruto da acção da Loja Gomes Freire (n.º 274), de Leiria, criada a 31 de Julho de 1907 e filiada no Grande Oriente Lusitano Unido, procurando “desde logo oppôr ás casas religiosas os templos maçonicos”, é instalada, em Montemor-o-Velho, a Loja Manuel de Macedo (n.º 288), que laboraria até 1916.
1 - O Dever, 26 de Maio de 1912. 2 - “Agremiações do Partido Republicano…”, n.º 1, 1911, pp. 176-177. 3 - História de Portugal em Datas, 1995, p. 257. 4 - História de Portugal em Datas, 1995, p. 257. 5 - História de Portugal em Datas, 1995, p. 258.
30
Sinopse Cronológica do Movimento Republicano em Montemor-o-Velho (1908-1914)
Seguindo o Rito Escocês Antigo e Aceite (REAA), que consta de 33 graus, seriam investidos dos graus 4:. a 9:., a 10 de Outubro de 1908, António Augusto Rodrigues de Campos, Francisco da Costa Rebelo e António Cardoso da Mota Júnior, que, a 13 de Maio de 1909, receberia, “por declaração escripta”, os graus 10:. a 14:., tornando-se o primeiro Venerável da Loja. Ainda pelas mãos da Loja Gomes Freire, foram instalados no concelho: a Loja Trabalho e Solidariedade (n.º 303), a 24 de Abril de 1909, em Gatões, que teve Júlio Jacinto Nunes Neves da Costa como Venerável; o Triângulo de Verride (n.º 106), presidido por Amândio Passos da Cunha e Melo, elevado, a 15 de Janeiro de 1910, a Loja Lealdade, que “abateu colunas” em 1911; o Triângulo da Abrunheira (n.º 107), presidido por Manuel Baptista da Costa; “Delegados Maçónicos” nas freguesias de Tentúgal e das Meãs do Campo; e uma Liga de Instrução. Sobre o papel destas organizações junto da população, sabemos que, em 1909, a Loja Manuel de Macedo centrava a sua acção na “lucta contra a reacção que abunda nesta terra”, enquanto a Loja Trabalho e Solidariedade, além de projectar uma “Festa da Arvore”, refere ter fornecido “vestuario e livros a 100 creanças pobres da freguezia (Gatões) que frequentavam a escola”, bem como distribuído “premios pecuniarios ás creanças mais pobres e applicadas”6. Ainda hoje, a fachada principal da casa que, há mais de um século, pertenceu a Elísio Esteves da Costa7, ostenta orgulhosamente, no fecho da cantaria que emoldura a porta, dois dos mais importantes símbolos da maçonaria: o esquadro – que resulta da união da linha vertical com a linha horizontal, é o símbolo da rectidão e também da acção do Homem sobre a matéria e da acção do Homem sobre si mesmo:. Significa que devemos regular a nossa conduta e as nossas acções pela linha e pela régua maçónica, pelo temor de Deus, a quem temos de prestar contas das nossas acções, palavras e pensamentos:. Emite a ideia inflexível da imparcialidade e precisão de carácter:. Simboliza a moralidade:. – e o compasso – símbolo do espírito, do pensamento nas diversas formas de raciocínio, e também do relativo (círculo) dependente do ponto inicial (absoluto). Os círculos traçados com o compasso representam as lojas:.8 A Maçonaria, o Partido Republicano Português e as organizações livres-pensadoras eram três faces do mesmo movimento. Mais de metade dos ministérios da Primeira República foram presididos por maçons e a totalidade do seu tempo de governo elevou-se a 9 anos e 7 meses, ou seja, mais de 65% do período completo de vigência da República Democrática. Três presidentes da República – Bernardino Machado, Sidónio Pais e António José de Almeida – pertenciam à ordem maçónica. 6 - Grande Oriente Lusitano Unido…, 1909, pp. 21, 26, 29, 103-107, 109, 126-127. 7 - Sito na rua Dr. Francisco Luís Coutinho (antiga rua do Loureiro), próxima aos largos Macedo Souto Maior e do Passo, este edifício, construído ou reconstruído no início do século XX, muito provavelmente em 1906, data gravada na cantaria de uma das janelas da fachada principal, virada a sul, insere-se no estilo Arte Nova (inspirava-se na natureza e valorizava a linha ondulante e curva que sugeria a ideia de movimento) então em voga. 8 - HURTADO, 2006, pp. 235-236.
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Mário José Costa da Silva
Em 1907 havia 2733 pedreiros-livres (maçons). Em 1912 já eram 3980 e em 1913, auge da democracia, 4341. Em cinco anos, com a República, o número de Lojas e Triângulos passara de 120 a 263. Os maçons eram quase tantos como os padres católicos…9 [1 de Novembro] Realização das últimas eleições municipais da Monarquia. O Partido Republicano disputou as maiorias em 62 concelhos e representação em 17, tendo obtido representação em 5 câmaras e a maioria em 11, entre as quais Lisboa10. Em Montemor-o-Velho o Partido Progressista volta a vencer, renovando a sua maioria, com a seguinte lista: efectivos – Dr. Augusto Simões Cantante, António Maria da Silva Ferrão, José Luís Ferreira Galvão, padre José Joaquim Jorge Marçal, padre Manuel Maria Vieira de Resende, Luís Filipe Gomes Seco Machado e António Caldeira de Oliveira; suplentes – Eugénio Simões Marques, Bernardino Esteves da Silva Carvalho, padre Francisco dos Santos Pimenta, João de Deus Ferreira do Vale, Francisco da Costa Rebelo, Godofredo Pessoa Leitão e Joaquim Góis. Em relação à vereação anterior a grande novidade está na saída do seu presidente e líder do Partido Progressista no concelho, o conselheiro Dr. José Maria de Góis Mendanha Raposo (médico e proprietário de Montemor-o-Velho), “por o motivo da educação literaria de seu filho”11. [30 de Novembro] Tomada de posse da nova vereação, responsável pelo governo do município até Outubro de 1910, tendo jurado, conforme o art.º 16 do Código Administrativo, “fidelidade ao Rei, e obediencia á carta constitucional, aos actos addiccionaes e ás leis do reino.” No mesmo acto, procederam à eleição, entre eles e por voto secreto, do presidente e vice-presidente da Câmara, sendo escolhidos, para presidente, o Dr. Augusto Simões Cantante (4 votos), e, para vice-presidente, António Maria da Silva Ferrão (3 votos). Ocupando de imediato a cadeira da presidência, o Dr. Augusto Simões Cantante afirmaria “que não fazia programma da sua gerência porque tinha nenhuma fé em programmas; que pela sua parte havia de fazer convergir os seus esforços por fazer administração, pondo a chamada politica fora da porta das sessões e da Camara”12. [19 de Dezembro] Na sequência de um ofício da Câmara de Lisboa, a comunicar que na sua primeira sessão ordinária, que tivera lugar no dia 30 de Novembro, fora deliberado, por proposta do vereador José Simões da Cunha e Costa, “saudar cordealmente as vereações republicanas e todas as câmaras municipaes do pais, fazendo votos sinceros para que da sua acção solidária resulte, em breve praso, uma reforma largamente descentralisadora, consignando o principio da autonomia administrativa dos 9 - www.gremiolusitano.eu; RAMOS, vol. VI, 1994, p. 411; MARQUES, vol. III, 1986, pp. 278-279. 10 - Anuário Democrático 1910, 1910, pp. 46-49. 11 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1907-1911), fls. 61v.-62v. De forma a acompanhar os estudos de seu filho passa a residir em Coimbra, fl. 64v. 12 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1907-1911), fls. 63v.-64.
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Sinopse Cronológica do Movimento Republicano em Montemor-o-Velho (1908-1914)
municípios portugueses”, a Câmara de Montemor-o-Velho agradece as felicitações, “secundando os votos do primeiro município do paiz para que se realize a desejada autonomia administrativa dos municípios portuguezes.”13
1909 [2 de Janeiro] Em sessão extraordinária da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, dando cumprimento ao art.º 45 do Código Administrativo, foram eleitos, para presidente, o Dr. Augusto Simões Cantante (5 votos), e, para vice-presidente, António Maria da Silva Ferrão (4 votos)14. [24 e 25 de Abril] Realiza-se, em Setúbal, o Congresso do Partido Republicano Português. O crescimento da facção que defendia a acção revolucionária era tal, que do Congresso saiu um novo Directório a quem foi confiado o mandato imperativo de fazer a revolução. Dos 18 meses que mediaram entre o Congresso de Setúbal e a Revolução de 5 de Outubro, multiplicaram-se os trabalhos de organização do movimento para evitar que se repetissem os malogros de 1891 e 190815. [29 de Novembro] São eleitas 122 Juntas de Paróquia republicanas16. No final deste ano, o Partido Republicano Português regista comissões municipais em 118 concelhos17.
1910 [1 de Janeiro] As agremiações filiadas no Partido Republicano Português elevam-se a 167 em todo o território nacional18. [2 de Janeiro] Em sessão extraordinária da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, dando cumprimento ao art.º 45 do Código Administrativo, foram eleitos, para presidente, António Maria da Silva Ferrão (6 votos), e, para vice-presidente, o reverendo padre José Joaquim Jorge Marçal (5 votos)19. [28 de Agosto] Eleições para o Parlamento onde o Partido republicano consegue eleger 14 deputados20. 13 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1907-1911), fl. 66. 14 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1907-1911), fl. 68v. 15 - História de Portugal em Datas, 1995, p. 258. 16 - História de Portugal em Datas, 1995, p. 259. 17 - Anuário Democrático 1910, 1910. 18 - História de Portugal em Datas, 1995, p. 260. 19 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1907-1911), fl. 120. 20 - História de Portugal em Datas, 1995, p. 260.
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Mário José Costa da Silva
[1 de Outubro] Neste dia decorreu a última reunião do senado municipal montemorense durante a vigência da Monarquia21. [4 de Outubro] Os cruzadores S. Rafael e Adamastor bombardeiam o Palácio das Necessidades e o Rossio. Perante incertezas e hesitações as forças revoltosas concentram-se na Rotunda, local onde, durante a manhã, foram chegando inúmeros efectivos civis armados pertencentes à Carbonária e comandados por Machado Santos, bem como militares rebeldes que iam engrossando e moralizando o acampamento. Durante o resto da noite de 4 para 5 de Outubro, as forças monárquicas vão esmorecendo. Em face do desenrolar dos acontecimentos, o rei foge para Mafra, embarcando depois na Ericeira em direcção a Gibraltar e a Inglaterra22. [5 de Outubro] Cerca das 10 horas da manhã, a República é proclamada nos Paços do Concelho de Lisboa. É constituído um Governo Provisório presidido por Teófilo Braga, professor da Universidade de Lisboa23. [6 de Outubro] Proclamação da República em Montemor-o-Velho e noutras localidades da província, como a cidade do Porto, facto que vai acontecendo, paulatinamente, nos dias que se seguem. O anúncio da implantação da República foi chegando à província por meio de telégrafo, não se registando resistência significativa24. Em Montemor-o-Velho, caberia a Fernando Barbosa, à época administrador do concelho, a “suprema ventura” de comunicar à Câmara Municipal a chegada de um telegrama, proveniente da capital, dando conta da implantação da República no dia anterior25. A propósito deste turbilhão de acontecimentos e emoções, diz-nos o correspondente local do Diário de Notícias, em carta de 8 de Outubro, o seguinte: “Causaram n’esta villa profundissima emoção os successos da bemdita revolução republicana n’essa heroica capital em que o nobre civismo do povo, exercito e armada fizeram surgir resplandescente de gloria n’um baptismo de sangue generoso, um ideal de luz, liberdade, justiça e fraternidade, que consolidando-se ha-de redimir o nosso querido Portugal tão abatido na luminosa senda do progresso e civilisação mundiaes. Durante os dias em que se desenrolaram os solemnes e historicos acontecimentos não chegaram aqui os jornaes de Lisboa e por isso a anciedade por saber noticias era intensamente devoradora. Só hontem ás duas horas da tarde chegaram aqui os jornaes dos dias 5 e 6, conduzidos pelo comboio da manhã e os de hontem ás 5 da tarde, sendo logo todos vendidos e lidos com a maior avidez, não chegando para tantos pedidos. 21 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1907-1911), fls. 159v.-161. 22 - História de Portugal em Datas, 1995, pp. 260-261. 23 - História de Portugal em Datas, 1995, p. 261. 24 - História de Portugal em Datas, 1995, p. 261. 25 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1907-1911), fl. 163.
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Ao receber-se na quinta-feira a communicação official de se ter proclamado no dia antecedente a republica e a constituição do governo provisorio, foi a noticia acolhida com o maior enthusiasmo e regosijo, sendo logo hastiada na varanda do nobre edificio dos paços do concelho a bandeira verde e encarnada pelo sr. Ismael de Sá Carvalho Sampaio, estudante do 5.º anno de direito, dr. José Christino, conceituado clinico, Boaventura Paes de Oliveira Mamede e Abel Maria de Mello Brandão, distincto pharmaceutico e todos democratas convictos soltando em seguida calorosos vivas á republica portugueza, á patria, á liberdade, ao governo provisorio, ao exercito e á armada, sendo delirantemente correspondidos pelo povo, até pelas creanças. Abel Maria de Melo Brandão [© União, 14 de Julho de 1912].
Á noite, um rapasito de Seixo que passava pela praça a cavallo, disse gritando muito alegre para os que ali se achavam: ‘Eu sou republicano, viva a republica’, isto despertou grande hilaridade. Sabemos que em Verride houve tambem grandes demonstrações de jubilo com musica, vivas e foguetes.”26 Poucos dias depois, em data que não foi possível apurar, seria criada, nesta vila, uma Comissão Municipal Republicana composta dos seguintes elementos: efectivos – Ismael de Sá Carvalho Sampaio, Jaime Herculano Sarmento da Costa, António Alves Canais Guardado, Joaquim Augusto de Oliveira Neves, António Maria da Silva Ferrão; substitutos – Reinaldo da Silva Carvalho, António Pimentel Rolim, José Maria Afonso, José Monteiro de Campos e António Ferreira de Azambuja27. [8 de Outubro] O ministro do Interior, António José de Almeida, decreta a demissão “dos respectivos cargos os administradores effectivos, substitutos e interinos dos concelhos dos diversos districtos administrativos, nomeados anteriormente ao dia 5 do corrente mês”, e “que nos concelhos onde houver camaras municipaes republicanas essas camaras sejam mantidas; naquelles onde as não houver, sejam substituidas as camaras existentes pelas commissões municipaes electivas republicanas; e nos concelhos onde não houver estas commissões (como era o caso de Montemor-o-Velho), as camaras sejam indicadas pelo povo, por eleição ou acclamação.”28 26 - Diário de Notícias, 10 de Outubro de 1910. 27 - “Agremiações do Partido Republicano…”, n.º 1, 1911, p. 176. 28 - Diário do Governo, n.º 4, 10 de Outubro de 1910.
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Publicação dos decretos que instituem a expulsão dos Jesuítas e o encerramento dos conventos. São expulsas de Portugal as ordens religiosas. A 18 de Outubro foi abolido o ensino da doutrina cristã e o juramento religioso nos tribunais e noutros actos oficiais. A 20 de Outubro, o núncio apostólico abandona Lisboa, a 3 de Novembro estabelece-se o divórcio e, a 25 de Dezembro, é introduzido o princípio do casamento como contrato de validade exclusivamente civil29. [10 de Outubro] “Os principaes funccionarios administrativos e judiciaes”, de Montemor-o-Velho, escrevem ao governador civil de Coimbra declarando-lhe, “por forma inequívoca”, “adherirem ao novo regime. Entre estes, figura o nome do sr. dr. João Baptista Rodrigues Loureiro, distincto clínico municipal e abastado proprietário, brilhante escriptor que tem colaborado na ‘Gazeta da Figueira’, com artigos muito criteriosos e que teem sido lidos com bastante interesse.”30 [12 de Outubro] O Governo Provisório decreta, com força de lei, que “são considerados feriados, para todos os effeitos, os seguintes dias: 1 de Janeiro – consagrado à “fraternidade universal”; 31 de Janeiro – consagrado aos “precursores e aos martyres da Republica”; 5 de Outubro – consagrado aos “heroes da Republica”; 1 de Dezembro – consagrado à “autonomia da patria portuguesa”; e 25 de Dezembro – consagrado “á família.” No entanto, respeitando a individualidade e as tradições de cada concelho, o mesmo Decreto previa que as vereações pudessem, “dentro da area dos respectivos concelhos, considerar feriado um dia por anno, escolhendo-o de entre os que representam as festas tradicionaes e caracteristicas do municipio.”31 [13 de Outubro] Notícia de que “as quatro irmãs de caridade que se achavam prestando serviço no hospital d’esta villa, resolveram-se acceder ao pedido da administração d’aquelle estabelecimento (Hospital de Nossa Senhora de Campos e Misericórdia), e em harmonia com os desejos de todos, para que abandonassem os habitos e continuassem tratando os doentes como empregadas seculares. As referidas irmãs teem-se tornado dignas dos maiores elogios pelo carinho com que tratam os enfermos e cuidam de todos os arranjos do hospital, inclusivé da comida, sem obrigarem os doentes a praticas religiosas, no que obedeceram sempre ás indicações do sr. dr. Baptista Loureiro.”32 [15 de Outubro] Reúne, como até aqui, a vereação anterior ao 5 de Outubro, presidida pelo vice-presidente padre José Joaquim Jorge Marçal, ocupando a cadeira de administrador do concelho, no lugar do tenente-coronel João Freire Monteiro Bandeira, entretanto exonerado, o presidente da Câmara, António Maria da Silva Ferrão.
29 - História de Portugal em Datas, 1995, p. 262. 30 - Diário de Notícias, 11 de Outubro de 1910. 31 - Diário do Governo, n.º 7, 13 de Outubro de 1910. 32 - Diário de Notícias, 15 de Outubro de 1910.
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Aprovadas a minuta e a acta da sessão anterior (1 de Outubro), o vice-presidente afirmou que “em virtude do Decreto do Governo Provisorio da Republica de 13 do corrente mez, publicado no Diario do Governo n.º 9 de 15 do mesmo mez corrente, se acha dissolvida a Camara Municipal d’este concelho, bem como todas as demais Camaras com excepção apenas das de Lisboa e Porto, e das que se acham constituidas por Commissões nomeadas pelos respectivos governadores civis, conforme o artigo 3.º do citado decreto; e assim entende que a Camara não pode mais tractar d’assumptos municipaes. No entanto, é tambem opinião sua que a vereação antes de deixar as suas cadeiras, deverá communicar por telegramma ao excelentissimo Governador Civil que respeita e acata o novo Regime, e que adhere á Republica porque se convence de que o novo Regime procurará garantir e manter a autonomia nacional, implantar a moralidade e a economia na administração do Estado e levantar á altura a que tem direito a Nação Portugueza.” Colocada à discussão, esta proposta foi aprovada por unanimidade sendo de imediato remetido ao Governo Civil, em Coimbra, o seguinte telegrama: “A Câmara Municipal de Montemor-o-Velho reunida primeira sessão depois proclamação Republica, respeita-a e adhere Novo Regime e felicita V. Excelencia primeiro magistrado do districto. O vice-presidente. a) José Joaquim Jorge Marçal.” Expedido o telegrama logo mandaram “hastear a bandeira nacional no edifício dos Paços do Concelho.”33 [21 de Outubro] Toma posse como novo administrador do concelho, cargo para que fora nomeado por alvará do Governo Civil, datado de 20 de Outubro, António Alves Canais Guardado. O auto “foi coberto com 55 assignaturas, assistindo todas as auctoridades e empregados judiciaes, administrativos e da fazenda, alem de grande numero de cidadãos que vieram de Verride. (…) Ao terminar o acto da posse, que lhe foi conferida pelo sr. Quirino de Sampaio, secretario da administração, foi içada a bandeira republicana nos paços do concelho e foram queimadas dezenas de foguetes.”34 [27 de Outubro] Comparecem, nos Paços do Concelho e sala de sessões da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, os “cidadãos Albino de Noronha Botelho de Magalhães, Augusto Ferreira d’Andrade, Joaquim Cantante, Joaquim Ferreira de Figueiredo, Antonio Baptista Ferreira, Joaquim Esteves de Barros e Carlos Diniz d’Abreu, nomeados em commissão [Comissão Administrativa Municipal], por alvará de 24 do corrente mez do Excelentissimo Governador Civil do Districto [Dr. Francisco José Fernandes Costa], para desempenharem as attribuições que pertenciam á Camara Municipal na qualidade de vogaes effectivos35 por força da Lei de 13 do corrente mez d’Outubro. 33 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1907-1911), fls. 161-161v. 34 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1907-1911), fl. 163; Diário de Notícias, 22 de Outubro de 1910. 35 - Como “vogaes substitutos” foram nomeados: José de Almeida Machado, José Maria de Andrade, Arménio Rodrigues Pato, Francisco de Oliveira, José Augusto de Carvalho, Ismael de Sá Carvalho Sampaio e António Simões Marques (Almanach da Republica. Districto de Coimbra, 1913, p. 221).
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Logo prestaram nas mãos do cidadão Illustrissimo Administrador do Concelho Antonio Alves Canaes Guardado o juramento ordenado pelo artigo 15.º do Codigo Administrativo de 6 de Maio de 1878 actualmente em vigor por virtude da Lei de 13 do corrente mez, cuja formula seguindo o Decreto de 18 do mesmo corrente mez foi pronnunciado pela seguinte maneira: ‘Declaramos pela nossa honra que desempenharemos fielmente as funções que nos são confiadas pela lei.’ Seguidamente, sob a presidencia do vogal mais velho Augusto Ferreira d’Andrade e em obediencia ao artigo 13.º do referido Codigo Administrativo, passaram os vogaes da Commissão a eleger o presidente e vice presidente da mesma Commissão (…).” Apurados os votos, verificou-se terem sido eleitos Albino de Noronha Botelho de Magalhães (presidente com 6 votos) e Augusto Ferreira de Andrade (vice-presidente com 5 votos). Terminada a eleição, e após terem decidido manter o sábado, pelas 12 horas, como dia das suas reuniões ordinárias, o vice-presidente eleito “levantou brindes á Patria, á Republica, ao exercito da terra e mar e ao povo portuguez, fazendo em breves palavras, mas eloquentes, a historia da revolução republicana em Lisboa, que deu no glorioso dia 5 do corrente mez, a almejada Republica Portugueza, frisando ainda no substanciozo discurso a influencia e os serviços prestados pela mulher tanto nos tempos idos, segundo a historia, como no referido dia da implantação da Republica. Para que se signifique ao Excelentissimo Presidente do Governo Provisorio, ao Excelentissimo Ministro do Interior e ao Excelentissimo Governador Civil resolveu que se lhes dirigissem telegrammas, communicando que a Commissão tomou posse, e que felicita Suas Excelencias pelos seus actos do governo e moralidade.” Assistiram à tomada de posse da Comissão Administrativa Municipal, assinando a respectiva acta, os seguintes cidadãos: António Alves Canais Guardado, Albino de Noronha Botelho de Magalhães, Augusto Ferreira de Andrade36, Carlos Augusto Dinis de Abreu, António Baptista Ferreira, Joaquim Ferreira de Figueiredo, Joaquim António Esteves de Barros, Joaquim Cantante, Francisco Luís Coutinho Carvalho, João Baptista Loureiro, Adrião Pereira Forjaz de Sampaio, Quirino de Sampaio, Francisco dos Santos, Francisco dos Santos Pimenta (padre), Ismael de Sá Carvalho Sampaio, António Ismael da Cruz, Humberto Beirão, Joaquim Soveral da Rocha, Joaquim da Cruz, Elísio Nunes da Serra e Moura, Bernardo Gonçalves Ferreira, Joaquim Contente Ribeiro, José Maria Teixeira, José Jorge Valente, Alfredo Mendes dos Santos, Henrique Mendes dos Santos, Adriano Simões Pinto, João Castanheira de Carvalho, José Augusto Duarte Geral, José Monteiro de Campos, Manuel Teixeira, José Maria Saraiva, Henrique Simões Cantante e António Peixoto da Silva37. 36 - De acordo com o republicano, de Pereira, Jerónimo de Carvalho, Augusto Ferreira de Andrade terá lutado ao lado de Machado dos Santos na Rotunda (Lisboa), referindo-se a ele como “o grande republicano que esteve na Rotunda” (União, 1 de Junho de 1912). 37 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1907-1911), fls. 161v.-162v.
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[29 de Outubro] Pela Comissão Administrativa Municipal é deliberado atribuir à “Praça Príncipe D. Carlos” o nome de “Praça da República”, “ficando encarregado o vogal senhor Esteves de Barros de lhe fazer collocar o novo distico”, e içar nos Paços do Concelho a bandeira nacional no dia da “festa nacional da mudança do nome do cruzador D. Carlos para o do almirante Candido dos Reis” (1 de Dezembro)38. [5 de Novembro] A convite das “Comissões Republicanas de Coimbra”, a Comissão Administrativa Municipal decide fazer-se representar “na carinhosa manifestação de sympathia e homenagem aos Ministros do Interior e da Guerra”, a realizar no dia 6 de Novembro na cidade de Coimbra. Manifestação que depois iria apresentar cumprimentos ao novo governador civil, Dr. António Cerqueira Coimbra (nomeado por despacho de 31 de Outubro), e ao novo comandante do Regimento de Infantaria 23. O vogal Augusto Ferreira de Andrade representaria, em simultâneo, a Câmara e a Comissão Republicana de Arazede39. [15 de Novembro] Greve dos trabalhadores da Carris que marca o início de uma vaga grevista, a primeira após o advento da República. O movimento grevista ganha, de facto, amplitude em finais de 1910, atingindo o seu ponto culminante (em sintonia, aliás, com o que se passava internacionalmente), durante o ano de 1911. De tal forma que, no conjunto dos dois anos considerados, ter-se-ão registado 237 greves40. [19 de Novembro] A Comissão Administrativa Municipal delibera atribuir à “Rua Direita” o nome do falecido Dr. José Augusto de Almeida Ferreira Galvão, natural e morador que fora nesta vila e em particular naquela rua que ficaria como “Rua Dr. José Galvão”, “pagando-se por tal forma a divida de gratidão que o concelho tinha por saldar com aquelle cidadão.” Resolveu ainda a mesma Comissão que à avenida que da
Rua Dr. José Galvão (2.ª década do século XX) [© Câmara Municipal de Montemor-o-Velho].
38 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1907-1911), fl. 164v. 39 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1907-1911), fls. 164v.-167. 40 - História de Portugal em Datas, 1995, p. 263.
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Misericórdia ia até ao Mosteiro, e que fazia parte da “Rua de S. Sebastião”, fosse dado o nome de “Avenida da Liberdade” em vez de “Avenida D. Amélia”, que tinha, ficando encarregue Joaquim Esteves de Barros de adquirir as “chapas” para serem aplicadas41. [15 e 16 de Dezembro] Alarmado pelas notícias entretanto saídas na comunicação social, nomeadamente no jornal O Século, de que a freguesia de Verride pretendia separar-se do concelho de Montemor-o-Velho, criando um novo concelho com sede naquela localidade, o povo de Montemor revolta-se contra os poderes instituídos. Durante estes dois dias, a Sociedade Filarmónica 25 de Setembro, protestando, também ela, contra o “esphacelamento” do concelho “e a creação do de Verride”, percorre, debaixo do troar dos foguetes, do toque dos sinos a rebate e à frente de uma “enorme massa de povo”, exaltado e armado de “todas as armas possíveis e imaginarias”, as ruas da vila tocando sempre o Hino Nacional, A Portuguesa. Os ânimos só acalmariam com a chegada, ao final do dia 16, de uma importante força militar que, curiosamente, ou talvez não, foi saudada entusiasticamente por uma Praça da República apinhada de povo42. [24 de Dezembro] Toma posse, interinamente, o novo administrador do concelho José Maria de Sousa Nápoles, tenente de infantaria43.
1911 [14 de Janeiro] Em reunião da Comissão Administrativa Municipal são lidas duas cartas, uma do vogal da Comissão e vereador Carlos Dinis de Abreu e outra do administrador do concelho, António Alves Canais Guardado, “nas quaes aquelles ciadãos protestavam contra as calumniosas affirmações de que os habitantes de Verride pretendessem que fosse creado um concelho com sede n’aquella villa de Verride. (…) e declaravam que nenhum seu conterraneo pretendeu sequer deixar de pertencer ao concelho de Montemor ou que fosse d’elle desannexada a sua freguezia de Verride, e antes pelo contrario muito desejavam que o concelho fosse augmentado com freguezias a elle presentemente estranhas.” A mesma posição tomaram os vereadores António Baptista Ferreira e Joaquim Cantante dizendo que “nem elles nem os seus collegas e conterrâneos podiam ser responsáveis por uns ‘sueltos’ que foram publicados no jornal O Seculo (…) o que demais já tinha sido publicamente asseverado pela Commissão Parochial Republicana da sua freguezia de Verride, e todos lamentavam que mal orientado e illudido o povo, aliaz bondozo de Montemor, tivesse practicado os excessos dos dias 15 e 16 de Dezembro ultimo contra o povo de Verride”. 41 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1907-1911), fls. 170-170v. 42 - Gazeta da Figueira, 17 de Dezembro de 1910; SILVA, 2006, p. 57. Durante estes tumultos a Comissão Administrativa Municipal pagou, a António Manuel Teixeira, 9$400 réis em comida para o “sargento e soldados de Cavallaria, destacados n’esta villa”, tendo ainda dispendido 17$740 réis em outras despesas, cuja origem desconhecemos, com a mesma “tropa” (AMMV, Diário da Receita e Despesa da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1908-1913), fl. 118). 43 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1907-1911), fl. 174.
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Ouvidas estas declarações, a Comissão, por proposta do seu presidente, aprovou, por unanimidade, a seguinte moção: “A Camara plenamente satisfeita com as leaes declarações dos senhores vereadores Carlos A. Diniz d’Abreu, Antonio Baptista Ferreira, Joaquim Cantante e senhor administrador do concelho Antonio Alves Canaes Guardado acerca da falsidade do boato da pretenção do povo de Verride a ser creado um concelho com sede n’aquella villa, e attendendo a que egual declaração foi feita pelas auctoridades superiores do districto, acompanha aquelles senhores vereadores e senhor administrador no seu protesto, e declara, solemnamente, despresando todas as insinnuações malevolas que lhe são feitas, que nunca deixou e jamais deixará de pugnar pela integridade e autonomia do concelho de Montemor-o-Velho.”44 [17 de Fevereiro] Toma posse do lugar de administrador do concelho António Bernardo. Mais tarde, a 26 de Agosto, a Comissão Administrativa atesta, a pedido do próprio e por unanimidade, “que o illustre cidadão Antonio Bernardo tem tido exemplar e superior comportamento moral e civil e que quanto ao modo como tem desempenhado as funções do seu cargo attesta também que tendo vindo para este concelho em Fevereiro do corrente anno (…), encontrando-se extremamente agitado e dividido por dissenções intestinas motivadas pelos lamentáveis acontecimentos de Dezembro de 1910 causados pelos tumultos gravíssimos de todo o paiz bem conhecidos, e ainda aggravados pelo administrador que o precedeu, elle com o seu bom senso alliado á sua bondade natural e espirito conciliador, que não é isento d’uma firmeza e bravura não vulgares soube acabar com esse mal estar intestino, conseguindo que terminasse a tenção que existia e que fosse até certo ponto esquecidos, sendo perdoados muitos aggravos havidos, serviço este de capital importancia para esta villa e concelho. Que alem d’este relevante serviço muitos outros e valiosíssimos tem prestado ao concelho, sabendo vencer com prudência mas com firmeza difficuldades e attrictos que algumas leis da Republica, e nomeadamente a da Separação da Igreja, levantaram aqui. Como por todos os valiosos serviços prestados ao Concelho e á Republica é por todo o concelho reconhecido como benemerito d’elle e da Republica, da qual é um velho e lealissimo paladino, e pela qual sempre se tem sacrificado, conseguindo pelo seu correctíssimo proceder que cada habitante délle seja seu verdadeiro e dedicado amigo.”45 [19 de Fevereiro] Realiza-se na Praça da República um grande “comicio de propaganda republicana”, com um tablado de madeira para os oradores46. [23 de Fevereiro] Nasce a Comissão Paroquial Republicana de Verride e Ereira: efectivos – Francisco de Oliveira, José Joaquim da Cunha e Eugénio Simões Marques; substitutos – Joaquim Nunes Dias, José da Costa Pereira e António Alvares Rosinha. 44 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1907-1911), fl. 177. 45 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1907-1911), fl. 182; id., Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fl. 21v. 46 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1907-1911), fl. 184v.
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[25 de Fevereiro] São criadas Comissões Paroquiais Republicanas nas freguesias de: Carapinheira. Efectivos – José António Monteiro da Costa, António Correia Simões Pessoa e José Correia Bessa; substitutos – José da Fonseca Vaz, Joaquim de Matos Rainha e Joaquim Correia Monteiro; Liceia. Efectivos – Manuel da Cruz e Costa, António Caldeira de Oliveira e José Gonçalves; substitutos – José Francisco Ângelo, António de Oliveira Rama e José de Freitas Oliveira; Meãs do Campo. Efectivos – Francisco Simões, Joaquim da Fonseca Vaz e José dos Reis Laranjeira; substitutos – Júlio Simões, Aníbal Mendes da Rocha e Joaquim Maria Laranjeira; Pereira. Efectivos – Afonso Teixeira de Figueiredo, José Maria da Cruz e Manuel Pimentel Bicho; substitutos – José Maria Ferreira Antunes, António Lopes Costa e António Girão; Reveles. Efectivos – Duarte Ornelas e Vasconcelos, João Baptista da Costa e Joaquim Contente Ribeiro; substitutos – Joaquim Augusto Ferraz, Manuel Cavalheiro e Joaquim Rodrigues de Oliveira; Santo Varão. Efectivos – Manuel Jorge Martinho, José Augusto Ferreira de Noronha e José Simões das Lapas; substitutos – António do Amaral Pessoa, Carlos Pimentel Girão e Armando Varão; Seixo de Gatões. Efectivos – Joaquim Góis, Serafim da Cruz Vieira e Manuel dos Santos Neto; substitutos – Joaquim Correia de Sousa, Manuel Custódio Pinto e João Gomes da Silva; Tentúgal. Efectivos – Dr. António Soares Couceiro, Luís Filipe Gomes Seco Machado e José de Almeida Machado; substitutos – José Pereira Baptista, António Faria Branco e José Maria Pimenta; Vila Nova da Barca. Efectivos – José Maria Gomes da Silva, João de Sousa Júnior e Manuel Maria de Sousa; substitutos – José Simões Cabeça, José António Cordeiro e António Cordeiro Lopes47. [14 de Março] Decreto que, em conjunto com outro de 5 de Abril, revogando a lei eleitoral de 1901, em que se tentava afogar os votos urbanos com os votos rurais, estabelecia um regime eleitoral misto. Alargava-se, ainda, substancialmente o sufrágio, concedendo-o a todos os portugueses maiores de 21 anos (não especificando o sexo), que soubessem ler e escrever ou que, não o sabendo, fossem chefes de família há mais de um ano. Refira-se, no entanto, que este decreto não instituía, como fora sempre defendido pelo Partido Republicano, o sufrágio universal48. 47 - “Agremiações do Partido Republicano…”, n.º 1, 1911, pp. 176-179. 48 - História de Portugal em Datas, 1995, p. 265.
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[20 de Abril] Publicação da Lei da Separação do Estado das Igrejas, pelos ministros da Justiça e do Fomento, respectivamente, Afonso Costa e Manuel de Brito Camacho, que declarava livres todos os cultos, proibindo o ensino do cristianismo nas escolas, nacionalizando os bens da Igreja e supervisionando as manifestações de culto49; e promulgação do Decreto, com força de Lei, que estabelece a divisão dos círculos eleitorais, a que se refere a Lei de 5 de Abril do mesmo ano, para a eleição da Assembleia Nacional Constituinte. De acordo com este Decreto, o concelho de Montemor-o-Velho, que durante a segunda metade do século XIX se constituíra como um círculo uninominal50, passava a integrar o círculo eleitoral n.º 25, com sede na Figueira da Foz, contribuindo para a eleição, juntamente com os eleitores dos concelhos da Figueira da Foz, Soure, Condeixa e Penela, de 4 deputados51. [22 de Abril] Visitam Montemor-o-Velho o ministro do Fomento, Dr. Manuel de Brito Camacho, o seu secretário particular, Carlos Calixto, e o governador civil Eduardo Vieira, com o objectivo de “inquirir acerca das maiores necessidades do concelho, com relação á sua pasta do fomento”. Entre as necessidades apontadas para o concelho destacou-se “a mudança da ponte sobre o Mondego do local em que foi construida para o local do Casal Novo do Rio (…)”52. [28 de Maio] Realização de eleições legislativas. O Partido Republicano e o Governo mostravam preocupação pela urgência das eleições, sem as quais as potências europeias não reconheciam o novo regime. Mantêm-se os círculos plurinominais, recusando-se, no entanto, os grandes círculos distritais. A representação das minorias é consagrada através do recurso ao princípio da representação proporcional (método de Hondt), nos distritos de Lisboa e Porto. Nos restantes círculos recorreu-se ao princípio da lista incompleta. Os monárquicos não concorreram, e os socialistas elegeram dois deputados53. Nestas eleições foram eleitos, pelo círculo eleitoral da Figueira da Foz (n.º 25), os seguintes deputados: Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Joaquim José Cerqueira da Rocha, Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho e Fernando Baeta Bissaya Barreto Rosa54. [3 de Junho] O senado municipal escolhe o dia 28 de Maio para feriado municipal, para comemorar o direito de voto do povo à eleição às Cortes Constituintes. 49 - Diário do Governo, n.º 92, 21 de Abril de 1911. 50 - Nas divisões eleitorais de 1859 e 1878, o concelho de Montemor-o-Velho surge, respectivamente, como círculo eleitoral n.º 70 e n.º 43. Mais tarde, com a Lei de 8 de Agosto de 1901, conhecida entre os seus detractores como “ignóbil porcaria”, os círculos eleitorais serão reduzidos para apenas 26, passando o município montemorense a integrar o círculo eleitoral n.º 8, com sede em Coimbra (MARQUES, 1986, vol. 3, pp. 61-64; VARGUES E RIBEIRO, 1993, vol. V, pp. 191-196). 51 - Diário do Governo, n.º 79, 6 de Abril de 1911 e n.º 92, 21 de Abril de 1911. 52 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1907-1911), fl. 194. 53 - História de Portugal em Datas, 1995, p. 267. 54 - Diário do Governo, n.º 151, 1 de Julho de 1911.
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Em sessão de 4 de Maio de 1912, a Comissão Administrativa Municipal decide consultar o Governo Civil a fim de saber se “era regular o dia feriado que a Camara escolheu para este Concelho, usando assim das prerogativas do Decreto de 12 d’Outubro de 1910 (art.º 2.º), e que é o dia 28 de Maio, anniversario do primeiro acto politico da Republica Portugueza – a eleição ás Constituintes, obriga não só os empregados administrativos, mas tambem todos os funcionarios e repartições publicas do mesmo e comarca (…)”. Na reunião seguinte, a 11 de Maio, chega a resposta, esclarecendo que o dia escolhido para feriado “é considerado para todos os efeitos feriado dentro da area do concelho para todas as repartições publicas”. Face a esta informação a Comissão Administrativa mandou “officiar a todas as repartições publicas e professores que tomassem e respeitassem como feriado official o referido dia 28 (…)”55. Mais tarde, em sessão de 6 de Abril de 1914 e por proposta do vereador e secretário, António Augusto Rodrigues de Campos, o município delibera transferir o feriado municipal para o dia 10 de Agosto, “anniversario das celebres e tradicionaes festas da Batalha do Abbade João” e dia de Nossa Senhora da Vitória, padroeira da vila de Montemor desde 20 de Dezembro de 1746, de forma a recordar a batalha travada com os mouros e da qual a guarnição do Castelo, comandada pelo Abade João, saiu vitoriosa56. A 13 de Julho de 1972, a Câmara Municipal delibera, por proposta do seu presidente, Dr. Eurico de Sá Sampaio Cristino, solicitar ao Governo, ao abrigo do art.º 4 do Decreto n.º 38.596 de 4 de Janeiro de 1952, o estabelecimento do dia 8 de Setembro, dia da Feira Anual, como feriado municipal. Dizia o referido presidente: “Na verdade, poder-se-á afirmar que Montemor-o-Velho tem a sua festa tradicional e característica, sempre realizada no mês de Setembro e em regra organizada pela Câmara Municipal, Grémio da Lavoura e Filarmónica (…) e que chama a esta vila muitos milhares de pessoas, principalmente no dia oito de Setembro, ponto alto das festividades e dia da Feira Anual. Aqui se têm feito exposições agrícolas e industriais, com a apresentação das mais modernas maquinarias, transacções valiosas de gado, competições desportivas, incluindo provas de perícia de tractoristas, exibição de ranchos e outros conjuntos de cunho acentuadamente popular, enfim, uma série variada de realizações que se prolongam durante sete dias e que culminam (…) com a grandiosa Feira Anual no dia 8 de Setembro.” Meses mais tarde, o Ministério do Interior – Direcção Geral de Administração Politica e Civil autoriza, pelo Decreto n.º 437/72, de 7 de Novembro, a Câmara Municipal a considerar feriado municipal o dia 8 de Setembro57. 55 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fls. 71-71v. e 72v. 56 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1913-1926), fl. 31v. 57 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 1971-1973, fls. 125v.-126. Todavia, não deixa de ser estranho que o presidente desconhecesse a existência, desde 1914, do anterior feriado municipal de 10 de Agosto, quando afirma que “desde há muito tempo Montemor-o-Velho aspira a ter o seu feriado municipal (…) muito embora nunca tenha solicitado ao Governo autorização”.
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[10 de Junho] A Comissão Administrativa Municipal aplaude e apoia convictamente a iniciativa da Câmara de Alter do Chão, que resolvera convidar todas as câmaras do país a fazerem-se representar na abertura “das Constituintes”, “que tem, incontestavelmente, um enorme alcance politico para dar um formal desmentido ás calumnias e aleivosias espalhadas pelos inimigos da Nação”, resolvendo ainda que “no caso de os seus membros não poderem ir a Lisboa no dia da abertura das Constituintes, por ser epocha terrível por motivo da faina agricula, sejam convidadas algumas pessoas de cathegoria para representarem a Camara n’esse grande acto de regozijo nacional.”58 [19 de Junho] Reúne pela primeira vez a Assembleia Nacional Constituinte, composta por 229 membros, que abole a “monarchia” e bane a “dynastia de Bragança”, sancionando a implantação da “Republica Democratica” em Portugal. É adoptado o sistema bicameral, sendo a Assembleia Nacional dividida em Câmara dos Deputados (com mandato trienal) e Senado (eleito por seis anos). [1 de Julho] Por proposta do vogal Esteves de Barros, a Comissão Administrativa Municipal delibera, “para solenizar o advento da Republica e a reunião das Constituintes”, atribuir o nome de “Rua das Constituintes” à rua que da Praça da República se dirigia, pela ladeira do Senhor dos Aflitos, à igreja de S. Martinho59. Ainda nesta acta foi exarado um “voto de congratulação” pelo restabelecimento do Ministro da Justiça, Dr. Afonso Costa, “da grave doença de que foi accomettido, havendo por essa ocasião o receio da perda d’um dos maiores vultos da Republica Portugueza e dos mais prestimosos membros do Governo da Republica”. Desta resolução deram conhecimento ao próprio e ao Presidente do Governo Provisório60. [22 de Julho] Dando cumprimento ao estatuído na Lei da Separação do Estado das Igrejas, a “Commissão Concelhia de Inventario”, composta pelo administrador do concelho (António Bernardo), por um membro da Junta de Paróquia de Montemor-o-Velho (Benedito Esteves da Costa)61 e pelo secretário de Finanças (António Inácio Pereira dos Santos), respectivamente, presidente, vogal e secretário da mesma, procede ao arrolamento, inventário e incorporação, no património do Estado, dos seguintes bens eclesiásticos: “Uma egreja com uma sachristia, casa das sessões com seu adro e prebisterio em estado de ruinas, denominada S. Martinho, com uma torre, tres sinos e uma sineta quebrada; uma egreja de Alcaçova (Santa Maria) com dois sinos, sita dentro do castello d’esta villa; um calix de prata lavrada com o peso de 899 grammas; um calix liso de
58 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fls. 4-4v. 59 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fl. 9. 60 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fl. 9. 61 - O representante da Junta de Paróquia nesta Comissão era “indicado previamente” pela Câmara Municipal, limitando-se o seu raio de acção única e exclusivamente à sua freguesia/paróquia.
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prata com patena tendo de peso de 507 grammas; um calix liso de prata com patena e colher com o peso de 383 grammas; um calix de prata com patena e colher que serve ao culto, na egreja de S. Martinho, com o peso de 609 grammas; um calix de prata liso que serve ao culto na egreja dos Anjos com o peso de 369 grammas; um vaso de prata que serve na egreja de S. Martinho com o peso de 369 grammas; um vaso de prata para particulas com o peso de 200 grammas; um relicario de prata para conducção do viatico com o peso de 160 grammas; um relicario de prata para o mesmo fim com o peso de 150 grammas; um prato e tres ambulas para sacramentos do baptismo e extrema-uncção tudo em prata; uma concha de prata para os baptismos; uma cruz de prata (cruz parochial) com um crucifixo; uma corôa de prata pertencente a Nossa Senhora da Graça; uma corôa pequena da mesma Senhora; uma corôa de prata pertencente a Nossa Senhora do Desterro; uma dita mais pequena da mesma Senhora; uma pequena corôa de prata, já partida, de Nossa Senhora d’Alcaçova; um resplandôr de prata de Santo Antonio; um resplandor de prata, mais pequeno, de S. Sebastião; um resplandor de prata, pequeno, da Senhora da Graça; tres gargantas de prata de S. Braz; um resplandor de prata do Menino Jesus; uma cadeira parochial nova; uma imagem de Nossa Senhora d’Alcaçova; um crucifixo grande de esculptura vulgar; duas mesas de pinho; um orgão pequeno em bom estado; vinte e quatro cadeiras ordinarias em mau estado; Objectos offerecidos á Senhora da Graça – um cordão d’ouro; um fio d’ouro; um fio d’ouro com um pequeno annel; um pequeno fio d’ouro com um coração do mesmo metal; um pequeno fio de contas d’ouro; duas pequenas argolas d’ouro; uma travinca d’ouro; tres anneis d’ouro de pouco valor da Senhora da Graça; dezoito castiçaes de madeira dourada; dois castiçaes grandes (tocheiras); Egreja dos Anjos – Egreja dos Anjos com sete altares, sendo 4 em capellas proprias, e tendo a capella-mor um retabulo a oleo da Senhora dos Anjos, com torre e 2 sinos e uma sineta; uma cadeira parochial estufada a damasco encarnado, em mau estado; vinte e oito castiçaes de madeira prateada e dourada; duas cadeiras de madeira ordinaria; dois confessionarios de madeira ordinaria; um lustre de vidro ordinario; quatro lampadas de metal amarello; dezenove imagens de differentes santos, existentes no ante-côro, todos de pouco valor; uma estante grande do tempo dos frades; duas arcas grandes; Bens pertencentes ao Passal do parocho de Montemor-o-Velho – Uma terra de semeadura constante de 216 m² no Campo de Ourique e sitio do Porto de Cães ou Sellão; uma terra constante de 2160 m² no Campo de Ourique e sitio da Barroca da Setella; uma terra constante de 1620 m² de superficie no Campo d’Ourique e sitio do Batafal; uma costeira de terra no sitio de S. Pedro, limite d’Alfarellos; uma arroteia com oliveiras no sitio do Jogo da Bolla, limite de Montemor; uma fazenda no sitio das Cubas, limite de Montemor; um quintal junto á egreja de S. Martinho; um cerrado com oliveiras no sitio do Barroco de Santo Andre; uma terra de semeadura denominada Passal de Baixo, no sitio das Hortas; uma terra denominada Passal de Cima, proximo
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á egreja de S. Martinho; dezesete oliveiras dentro d’um cerrado sitio no Barroco de Santo André, pertencente aos herdeiros de Francisco Maria Mattoso, que parte do norte com estrada velha, do sul com Eugenia Gomes Pires e do nascente com Joaquim Gomes Correia; a egreja de Santa Maria d’Alcaçova, sita junto do Cemiterio d’esta villa, onde pouco se exerce o culto, em mau estado, com tres altares, torre e dois sinos e a sachristia já a cahir.”62 [7 a 25 de Agosto] A “Commissão Concelhia de Inventario” procede ao arrolamento, inventário e incorporação, no património do Estado, dos bens paroquiais das seguintes freguesias: Arazede (7 de Agosto); Liceia (9 de Agosto); Reveles, Verride e Vila Nova da Barca (16 de Agosto); Santo Varão (19 de Agosto); Carapinheira, Meãs do Campo e Tentúgal (25 de Agosto)63. [21 de Agosto] Promulgação da Constituição, o mais curto dos textos constitucionais portugueses, que entraria em vigor a 25 de Agosto64. [26 de Agosto] Tendo tomado conhecimento de um telegrama, enviado no dia anterior pelo Ministro do Interior, onde se comunicava a eleição, a 24 de Agosto, do Dr. Manuel de Arriaga como Presidente da República, a Comissão Administrativa Municipal e demais assistência lançaram “vivas ao Excelentissimo Presidente da Republica Portugueza, á Patria e ao Governo Provizorio, que todos foram freneticamente correspondidos, dando-se ordem para que fosse içada na Camara a bandeira nacional, a cujo acto foram queimados muitos foguetes”. Mais decidiram, enviar “mensagens de congratulação ao Senhor Presidente da Republica, ao Senhor Presidente do Governo Provizorio e ao Senhor Governador Civil do districto, Dr. Silvestre Falcão”65. [21 de Setembro] Cisão no Partido Republicano Português em quatro tendências: democráticos ou radicais (liderados por Afonso Costa), unionistas, evolucionistas e independentes. Após o Congresso de Lisboa (27 a 30 de Outubro) o PRP passará a designar-se de Partido Democrático, transformando-se na força hegemónica do Parlamento entre 1911 e 192666. [23 de Setembro] A Comissão Administrativa Municipal convida o povo do concelho “a illuminar as fachadas das suas casas e fazer quesquer outras manifestações de regozijo para festejar o anniversario da proclamação da Republica no proximo dia 5 d’Outubro.”67 62 - ACMF, Comissão Jurisdicional dos Bens Cultuais – Coimbra/Montemor-o-Velho, liv. n.º 32 (1911-1943), fls. 268-271. 63 - ACMF, Comissão Jurisdicional dos Bens Cultuais – Coimbra/Montemor-o-Velho, liv. n.º 32 (1911-1943), fls. 257-306. 64 - História de Portugal em Datas, 1995, p. 268. 65 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fls. 19v.-20. 66 - História de Portugal em Datas, 1995, p. 269. 67 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fl. 29v.
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Nesta mesma data tomam conhecimento de um “officio cartão” enviado pelo Presidente da República, “a agradecer, reconhecido, as felicitações pela sua elevação ao primeiro cargo da Nação que a Comissão Administrativa lhe dirigiu”, e decidem fazer-se representar, a convite da “Grande Commissão Central da celebração do 1.º anniversario da Republica”, no grande cortejo cívico a realizar em Lisboa, através do seu presidente, Albino de Noronha68. [5 de Outubro] À semelhança do resto do país, Montemor-o-Velho comemora o primeiro aniversário da implantação da República, “dia entre os mais gloriosos para a Nação Portuguesa por que marca a commemoração do 1.º anniversario da proclamação da Republica Portugueza, o mesmo é que dizer do regime de moralidade e progresso deste paiz, fôra festejado não só pela Commissão Municipal (…), mas tambem pelo povo d’esta villa e de varios pontos do concelho que espontaneamente concorreu para o brilhantismo dos festejos, mostrando por tal forma achar-se perfeitamente identificado Busto da República existente no salão nobre com o novo regimen. A alvorada do gloriozo dos Paços do Concelho (1911) dia foi annunciada por centenas de foguetes [© Câmara Municipal de Montemor-o-Velho]. e morteiros queimados á porta dos Paços do Concelho seguindo-se á 1 hora da tarde uma sessão solene na sala das sessões da Camara Municipal á qual acorreram todas as pessoas gradas não só d’esta villa como de fora, e na qual usaram da palavra o cidadão que representava o juiz de direito da comarca – Albino de Noronha, o senhor administrador do concelho, representado pelo vogal da Commissão Administrativa Augusto Ferreira d’Andrade, o presidente da Commissão Municipal Politica, o academico Jayme Sarmento da Costa e pessoas extranhas.” Nesta sessão solene, foi também inaugurado, na sala das sessões dos Paços do Concelho, um “busto da Republica” (reprodução em gesso do busto alegórico à República, modelado em 1908), da autoria do escultor José Simões de Almeida, mais conhecido por Simões de Almeida (sobrinho), por distinção do tio seu homónimo. Trata-se de uma obra, ainda hoje existente, onde a República é “representada por uma mulher divinalmente formosa, tipo genuino de mulher portuguesa, de cujo rosto se irradia uma luz suave e amorável. A expressão da fisionomia é, ao mesmo tempo, bela, serena e altiva, resplandecente de vida e de energia, reflectindo bem a República tal como nós, portugueses, a sonhamos e almejamos.”69 68 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fls. 27-27v. 69 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fl. 26v.; O Século, 9 de Dezembro de 1910. Por ordem da Comissão Administrativa Municipal, foram adquiridos, a 1 de Julho de 1911, à firma
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Compareceu ainda a cumprimentar a Câmara um grupo de cidadãos do lugar de Formoselha que compunham a Tuna da freguesia de Santo Varão, “a qual desempenhou muito bem varios numeros do seu já variado reportorio, percorrendo a seguir as ruas, com a respectiva bandeira arvorada, seguida de muito povo (…)”. A fachada dos Paços do Concelho foi “embandeirada”, havendo à noite iluminação. “Como a filarmonica não tivesse saido, em parte por estar ausente algum pessoal, ha noite houve o tradicional gaiteiro a percorrer as ruas, não com o fim deprimente ás atuais instituições, mas para estimular a filarmonica.” Também em diferentes povoações do concelho, como Verride, Formoselha, Santo Varão e Carapinheira, “houve grandes festejos populares, alguns ate imponentes”, facto que, na óptica da Comissão Administrativa Municipal, demonstrava a “republicanização do concelho”70. [1 de Novembro] Toma posse do lugar de administrador do concelho o Dr. João Constantino71. [18 de Novembro] Atribuição de “pensões mensais provisórias”, nos termos do art.º 1.º da Lei de 17 de Agosto de 1911 e com a obrigação de continuarem “a pagar os direitos de mercê e quaisquer outros descontos a que já estavam obrigados anteriormente”, aos seguintes “ministros da religião católica”: Francisco dos Santos Pimenta, pároco colado na freguesia de Montemor-o-Velho (45$000 réis); Dâmaso Amado Lopes, pároco colado na freguesia de Pereira (30$500 réis); Joaquim Eduardo Pereira Barreto, pároco colado na freguesia de Gatões (16$665 réis); Joaquim Simões Cravo, pároco colado na freguesia de Vila Nova da Barca (13$500 réis)72. Com a concessão destas pensões, o Estado colocava o clero numa situação de dependência, esperando, no mínimo, que aquele não hostilizasse o novo regime.
Paulo Guedes & Saraiva, na cidade de Lisboa, dois bustos da República, um para o salão nobre da Câmara e outro para a “sala do Tribunal Judicial d’esta Comarca” ascendendo a despesa com os mesmos, incluindo “caixotes e transportes”, a 14$930 réis. A 16 de Setembro do mesmo ano, são pagos a Elísio dos Santos, carpinteiro desta vila, 4$000 réis da “despeza com operarios, empregados na construcção d’uma columna para collocação do busto da Republica, na sala nobre das sessões da Camara” (AMMV, Diário da Receita e Despesa da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1908-1913), fls. 127 e 135). 70 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fls. 30-30v.; Gazeta de Coimbra, 7 de Outubro de 1911. Nestes festejos foram gastos, a título de exemplo, as seguintes verbas: com Francisco Maria da Silva, “encarregado do serviço”, 11$500 réis pelo “aluguer do gazometro, sua montagem e agua para o mesmo, destinado ás illuminações”; com Eugénio Simões Marques, de Verride, 4$940 réis pela “despeza com a acquizição de 48 bandeiras nacionaes e respectivo frete”; com João António Rodrigues (Sucessor), desta vila, 8$880 réis em “fogo” (AMMV, Diário da Receita e Despesa da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1908-1913), fls. 136, 139 e 141; id., Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fl. 41v.). 71 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fls. 39-39v. 72 - Diário do Governo, n.º 282, 4 de Dezembro de 1911.
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Estes quatro sacerdotes não podiam encontrar nenhuma compreensão por parte do bispo de Coimbra, D. Manuel Luís Coelho da Silva, que tomou posições muito firmes perante as medidas da República, proibindo a adesão às pensões. Aos prevaricadores era-lhes de imediato retirado o poder de exercer funções eclesiásticas, não reconhecendo a validade de missas, casamentos, baptizados e outros actos de culto que viessem a praticar. Quem não se deu por vencido foi o padre Francisco dos Santos Pimenta que, apesar de excomungado e substituído no múnus da paróquia montemorense pelo padre Manuel Alves da Fonseca Pinto e Gama, nunca abandonou a igreja matriz de Montemor-o-Velho, onde continuou a exercer as funções de que a hierarquia o tinha privado, chegando mesmo a apresentar queixa contra o bispo conimbricense, a quem acusava de perseguição, numa demanda que se prolongaria entre Agosto de 1911 e Novembro de 191773. [25 de Novembro] A Comissão Administrativa Municipal delibera comemorar o dia 1 de Dezembro, “em harmonia com as forças do cofre, queimando-se foguetes á alvorada, ao meio dia e á noite, sendo devidamente içada nos Paços do Concelho a bandeira nacional.”74 [1 de Dezembro] Recenseamento da população. O concelho de Montemor-o-Velho, um dos 17 que compunham o distrito de Coimbra, espraiava-se por 12 freguesias: Arazede (Nossa Senhora do Pranto), Carapinheira (Santa Susana), Liceia (S. Miguel), Meãs do Campo (S. Sebastião), Montemor-o-Velho (Santa Maria de Alcáçova e S. Martinho), Pereira (Santo Estêvão), Reveles (Nossa Senhora do Ó)75, Santo Varão (S. Martinho), Seixo de Gatões e Gatões (S. João Baptista)76, Tentúgal (Nossa Senhora da Assunção), Verride (Nossa Senhora da Conceição) e Vila Nova da Barca (Nossa Senhora da Conceição). Com cerca de duas centenas de lugares, casais e quintas, abarcando uma área total de 235 Km², e uma população estimada em 23.916 habitantes, o concelho de Montemor-o-Velho emergia então como o quinto mais populoso do distrito, sendo apenas ultrapassado pelos de Coimbra (62.423 habitantes e 30 freguesias), Figueira da Foz (45.252 habitantes e 11 freguesias), Cantanhede (29.559 habitantes e 14 freguesias) e Oliveira do Hospital (27.242 habitantes e 20 freguesias). 73 - ACMF, Comissão Jurisdicional dos Bens Cultuais – Coimbra/Montemor-o-Velho. Processos Disciplinares. Manuel Alves da Fonseca Pinto e Gama, cx. n.º 497 (1911-1917). 74 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fl. 43. 75 - Com a publicação do Decreto n.º 15.133, de 8 de Março de 1928, a sede da freguesia é transferida para a Abrunheira. Apesar de ter perdido a sua autonomia administrativa, Reveles continuou a ser freguesia eclesiástica (CONCEIÇÃO, 1992, pp. 245 e 239). 76 - Nos censos de 1900 e 1908, Gatões (Nossa Senhora das Virtudes) surge ainda como freguesia independente, apresentando-se, no entanto, como a freguesia menos populosa do concelho (95 fogos e 337 habitantes, no censo de 1900), facto que talvez ajude a explicar a sua integração, em 1911, na de Seixo de Gatões. Restabelecida a 31 de Dezembro de 1936, pela publicação do novo Código Administrativo, a freguesia de Gatões já surge separada da de Seixo de Gatões no censo de 1940 (Censo da População do Reino de Portugal no 1.º de Dezembro de 1900, vol. I, 1905, pp. 122-123; Almanach da Republica. Districto de Coimbra, 1913, p. 104; CONCEIÇÃO, 1992, pp. 267 e 303).
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Num concelho marcadamente agrícola, cerca de 85,8% da população é analfabeta (59,4% do sexo feminino), um número bem acima dos 75,1% do todo nacional77. Quanto à sede do município, a terceira freguesia mais populosa do concelho (Arazede, com 4.920 habitantes, e Carapinheira, com 3.036, eram as freguesias mais povoadas) apresenta, numa área de 25,4 Km², um efectivo de 2.666 almas (81,7% analfabeta), dispersa pelos seguintes lugares: Casal da Anoa, Casal dos Bernardes, Casal Novo do Rio, Casal do Raposo, Casal dos Silvas, Fonte Cortiça, Fonterma, Forno da Cal, Moinho da Mata, Montemor-o-Velho, Quinhendros, Quinta do Aido, Quinta do Areal, Quinta do Bom de Água, Quinta do Fojo Lobal, Quinta do Reitor, Quinta do Rosmaninhal, Quinta de Santa Eufémia, Quinta de S. João do Prado, Rego de Água e Torre. [30 de Dezembro] A Comissão Administrativa Municipal em resposta a um ofício do Directório do Partido Republicano, em que se solicitava, por ser “conveniente insistir na propaganda doutrinaria da Republica”, informações “acerca das localidades onde de preferencia se deve fazer a propaganda”, informa, num tom algo crispado, “que não existe, nem tem motivo para existir, o Directorio do Partido Republicano Portuguez desde que foi votada a Constituição e existe um Governo republicano, não reconhece por isso esse tal Directorio, e resolveu que a propaganda dos bons principios republicanos continue a fazer-se não só pela palavra mas também por actos que demonstrem e provem a honestidade de regimen republicano, empregando-se assim os meios mais convenientes para a consolidação da Republica”78.
1912 Sede de concelho e comarca, distando 30 km de Coimbra e cerca de 16 km da Figueira da Foz, a vila de Montemor-o-Velho estava assim organizada: Administração do Concelho: João Constantino (administrador), Quirino Júlio Forte Coelho Sampaio (secretário), João Castanheira de Carvalho (amanuense), Joaquim Maria Lopes Maranha e José Mendes dos Santos (oficiais de diligências); Judicial: Agostinho Antunes de Lemos Viana (juiz), Elísio de Pina Mascarenhas de Mancelos (delegado do procurador da República), Bendito Galvão de Carvalho (contador), Adrião Pereira Forjaz de Sampaio, João Pais da Cunha Mamede e José de Paiva Bobela Mota (escrivães), Adriano Nunes da Serra e Moura, António Duarte Vilarinho Soares e José Maria de Melo Brandão (oficiais de diligências);
77 - Censo da População de Portugal no 1.º de Dezembro de 1911, parte I, 1913, pp. 100-103. 78 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fl. 48.
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Praça da República (1912) [© Câmara Municipal de Montemor-o-Velho].
Câmara Municipal: Albino Noronha Botelho de Magalhães (presidente), Augusto Ferreira de Andrade (vice-presidente), Carlos Augusto Dinis de Abreu, António Baptista Ferreira, Joaquim Ferreira de Figueiredo, António Esteves de Barros e Joaquim Cantante (vogais efectivos), José de Almeida Machado, José Maria de Andrade, Arménio Rodrigues Pato, Francisco de Oliveira, José Augusto de Carvalho, Ismael de Sá Carvalho Sampaio e António Simões Marques (vogais substitutos), José Esteves de Barros (juiz de paz), António Esteves de Barros (substituto), Armando Geraldo Pinto Monteiro de Carvalho (oficial do Registo Civil), João de Jesus Simões (regedor), António Peixoto da Silva (secretário), Bernardo Gonçalves Ferreira (tesoureiro), José Augusto Duarte Geral e José Monteiro de Campos (amanuenses), João Baptista Rodrigues Loureiro (facultativo municipal), António Cardoso Mota (aferidor), Henrique Mendes dos Santos (contínuo), Adriano Simões Pinto, Joaquim da Cruz, Joaquim Pereira Baptista e Manuel da Costa Monteiro (zeladores), António Rodrigues de Campos (amanuense da polícia municipal), Faustino da Costa Figo e Manuel Serrano (guardas); Conservatória: Francisco Luís Coutinho da Silva Carvalho (conservador), Benedito Galvão de Carvalho e Raul Freitas Cardoso e Araújo (ajudantes); Repartição de Finanças: António Inácio Pereira dos Santos (escrivão), Augusto Duarte Soares (escrivão das execuções fiscais), Gil Pereira Gonçalves (1.º aspirante), António Cardoso Mota Júnior e José Maria da Silva Guardado (2.ºs aspirantes); Recebedoria: Joaquim Augusto de Oliveira Neves (recebedor); Fiscal dos Impostos: António Ferreira Gomes (fiscal) e Joaquim da Boiça (guarda); Agências Bancárias: Francisco da Costa Rebelo (agente do Banco de Portugal);
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Negociantes: Bernardo Gonçalves Ferreira, Henrique Milheiro de Oliveira, João Dias e José Esteves de Barros; Mercearias: Bernardo Gonçalves Ferreira, Domingos dos Santos, José Esteves de Barros, Manuel Dias e João António Rodrigues, Sucessor; Hospital de Nossa Senhora de Campos e Misericórdia: José Luís Ferreira Galvão (provedor), José Monteiro de Campos e Silva (secretário) e António Cardoso Mota (tesoureiro); Pároco: Francisco dos Santos Pimenta, prior e reitor; Saúde Pública: João Baptista Rodrigues Loureiro (subdelegado); Professores: Jaime Ferreira de Azambuja e Carmina Rainho Laranjeiro; Sociedades de Recreio: Sociedade Filarmónica 25 de Setembro e Teatro Infante D. Manuel79. [14 de Janeiro] Vê a luz do dia em Pereira (Rua do Freixo) o jornal republicano União, que se autoproclamava como “defensor dos interesses do concelho”. Com sede (redacção e administração) naquela vila, tinha como director o Dr. Humberto Paiva de Carvalho (histórico republicano do concelho de Montemor-o-Velho, onde chegou a ser considerado, por alguns, o fundador do Partido Republicano Português no município), e editor e proprietário Azuil de Carvalho. A partir do n.º 6, inclusive, são substituídos os subtítulos “Defensor dos interesses do concelho” e “Da união nasce a força” para “Jornal republicano radical” e “Defensor dos oprimidos”, numa clara radicalização do discurso. Do n.º 14 até ao último número (n.º 16) passa a ostentar um único subtítulo: “Jornal do Partido Republicano Portuguez”80. [10 de Fevereiro] O presidente da Comissão Administrativa Municipal informa, “parecendo-lhe interpretar bem os sentimentos da vereação e assim os do concelho, pois que todos amam e desejam a tranquilidade indispensavel no pais para que ele possa entregar-se ao trabalho e ao progresso economico”, ter enviado um telegrama ao ministro do Interior “protestando contra as desordens em Lisboa promovidas pelos grevistas nos dias 31 de Janeiro, 1.º e 2.º do corrente mez, aprovando as providencias tomadas e o procedimento do Governo em tão momentoso e melindroso assunpto, e desejando o restabelecimento da tranquilidade indispensável para a regeneração da Patria e consolidação da Republica.”81 [24 de Fevereiro] António José de Almeida funda o Partido Evolucionista82. 79 - Almanach da Republica. Districto de Coimbra, 1913, pp. 221-223. 80 - União, 14 de Janeiro, 24 de Março, 14 de Julho e 11 de Agosto de 1912. 81 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fl. 54. 82 - História de Portugal em Datas, 1995, p. 272.
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[25 de Fevereiro] Nasce em Arazede, onde tinha a sua redacção e administração, o “semanario republicano” O Dever. Sob o lema “Patria e Humanidade”, este jornal tinha como director, editor e proprietário Manuel de Melo, redactor principal Humberto Beirão, redactores J. de Almeida Júnior, António Ismael da Cruz, Soveral da Rocha e Cruz Gonçalves, secretário e administrador Augusto Baía83. [26 de Fevereiro] Brito Camacho funda o Partido União Republicana84. [21 de Abril] O correspondente do jornal União em Montemor, que assina por “Pancracio”, diz ser urgente a convocação de eleições para a Câmara de Montemor. Após a revolução de 5 de Outubro de 1910 foram as Câmaras entregues às comissões municipais republicanas que existiam pelo país, e como este concelho não possuía qualquer comissão, “formou-se uma comissão composta de republicanos e monárquicos que têm ocupado até hoje, ainda que irregularmente, os assêntos da camara. Esta comissão é formada de sete membros: sendo um de Montemor (Joaquim António Esteves de Barros, falecido a 28 de Março deste ano de 1912), tres de Verride, dois de Arazede e um de Santo Varão.”85 [1 de Junho] Na sequência da aprovação de uma moção, pelo Directório do Partido Republicano, reunido com os deputados e senadores daquele partido, em que se recomendava “paz e tranquilidade para que a consolidação da Republica se possa efectuar sem quaisquer perturbações”, proibindo ainda “todos os seus partidarios que respondam aos ataques que lhes dirijam, não tomando o menor conhecimento dêles”, o jornal União, auto-intitulado “jornal republicano radical”, lembra ao mesmo Directório “de que neste concelho mandam os monárquicos, tendo por chefe o ex-conselheiro D. João d’Alarcão! Parece-nos que este facto deverá modificar a opinião do Directorio pelo que respeita á vida partidaria no concelho de Montemór.”86 Dando continuidade à critica corrosiva ao fenómeno da “adesivagem”, o editor e proprietário deste jornal, Jerónimo de Carvalho, acusa D. João de Alarcão de ser o “chefe do evolucionismo” e “orientador da política” neste concelho”, bem como “chefe de todos os caciques monárquicos” e de que o “delegado do evolucionismo no concelho é o sr. José de Napoles, compadre e amigo intimo de D. João de Alarcão”. Empolgado pelo rol de acusações a D. João de Alarcão, que continuarão nos meses seguintes87, Jerónimo de Carvalho aponta mesmo o nome das principais figuras, “adesivos” ou não, que integram as fileiras do Partido Evolucionista neste concelho: “Albino de Noronha, presidente da Comissão Municipal Administrativa e ex-franquista; José de Napoles, capitalista e ex-progressista; D. João de Alarcão, chefe do evolucionismo no concelho e ex-ministro da monarquia; Antonio Peixoto da Silva, secretario da Camara 83 - O Dever, 25 de Fevereiro de 1912. 84 - História de Portugal em Datas, 1995, p. 272. 85 - União, 21 de Abril de 1912. 86 - União, 1 de Junho de 1912. 87 - União, 16 de Junho de 1912.
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e ex-regenerador; Quirino de Sampaio, secretario da Administração e ex-regenerador liberal; Dr. Santos Neto, notario e ex-predialista; Dr. Ismael Sampaio, administrador de Moimenta da Beira, advogado em Montemor, evolucionista puro com adesão por coeerencia no centro republicano Dr. José Falcão, de Coimbra; capelão-fidalgo da extinta casa real, Damazo Amado de Napoles, prior de Pereira e ex-predialista; Dr. José Maria Raposo, conselheiro da monarquia e ex-chefe progressista do concelho; Dr. Jaime Herculano da Costa Sarmento, quintanista de Direito e presidente da Comissão Municipal Politica; Dr. Fernando Gonçalves, medico em Pereira e ex-predialista; padre João Gomes Pinto, de Santo Varão, e ex-franquista; Guilherme José da Silveira, presidente da Comissão Paroquial de Pereira e ex-miguelista; Acacio Cardoso Aires Pinheiro, farmaceutico e ex-regenerador.”88 [13 de Julho] Na sequência da segunda incursão monárquica realizada por Paiva Couceiro, a 6 de Julho, no norte do país, a Comissão Administrativa Municipal é informada pelo seu presidente de que enviara, em nome do município, um “telegrama de congratulação pelo malogro da incursão dos inimigos da patria e pelos feitos brilhantes do nosso exercito aquando essa tentativa felixmente malograda.”89 [22 de Julho] A Comissão Administrativa Municipal “reconhecendo que S. Excellencia o Presidente da Republica tinha resolvido a crise politica pela forma mais consentanea com os interesses da Republica Portugueza, e ainda que o seu gesto de magnanimidade, próprio da sua alma altamente bem formada e do seu coração cheio de bondade e de amor, foi mais um acto de benemerencia á veneração de todos os portugueses que amam a sua patria, traduzido no perdão que concedeu aos penitenciarios velhos, loucos e tuberculosos”, decide expressar-lhe publicamente “a admiração d’este concelho por aquelles dois factos altamente significativos do seu grande tino politico e da sua muita e reconhecida bondade.”90 [31 de Agosto] A Comissão Administrativa decide, por proposta do seu vice-presidente, nomear comissões que preparassem o programa de festejos do 2.º aniversário da implantação da República, para que “tão faustoso dia” não passasse sem que o concelho de Montemor-o-Velho demonstrasse “quanto preza e estima essa data memoravel e glorioza”. Assim, propunha-se que no sul do concelho ficasse responsável pela organização dos festejos o presidente da Câmara, ficando o norte do concelho sob a responsabilidade do vogal José Maria de Andrade, enquanto os festejos na vila de Montemor seriam organizados pelo Dr. Ismael Sampaio ou, no caso de este não estar nesta vila por essa altura, já que era “auctoridade administrativa em Macieira de Cambra”, pelo secretário da Câmara, António Peixoto da Silva, podendo agregar à comissão “todas as pessoas, sem distincção de partidos, que queiram prestar á Republica 88 - União, 1 de Junho de 1912. 89 - História de Portugal em Datas, 1995, p. 273; AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fl. 90. 90 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fl. 85v.
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esse prestante serviço.” Mais decidiram que todos os vogais da Comissão Administrativa ficariam fazendo parte da chamada “Commissão Central”. Sensivelmente um mês depois, a 28 de Setembro, a Comissão Administrativa apresenta o Programa dos festejos de mais um “gloriozo aniversario” da implantação da República: alvorada e salva de 21 morteiros; às 12 horas sessão solene na Câmara Municipal, com “inauguração da bandeira municipal novamente feita”91 e salva de morteiros; à noite iluminação do edifício dos Paços do Concelho, convidando-se os moradores da vila a iluminarem as suas casas. Tudo seria abrilhantado com uma Filarmónica92.
1913 [2 de Janeiro] Reunidos em sessão extraordinária, os vogais da Comissão Administrativa Municipal, cumprindo com o disposto no art.º 13 do Código Administrativo ainda vigente, de 6 de Maio de 1878, procedem à eleição dos seus presidente (Albino de Noronha Botelho Magalhães) e vice-presidente (Augusto Ferreira de Andrade), estipulando que as sessões ordinárias se continuem a realizar aos sábados, pelas 12 horas93. [23 de Janeiro] Fruto da acção laboriosa do Dr. João Baptista Loureiro, que aderira ao Partido Republicano Português em Julho de 191294 e que, no final desse mesmo ano, fora encarregue “de organisar um partido de elementos conhecidos no concelho”, é finalmente eleita, em assembleia-geral realizada em Montemor-o-Velho, uma Comissão Municipal Política. Dessa Comissão fizeram parte, entre outros, homens como o Dr. João Baptista Loureiro, presidente da Comissão, Jerónimo Paiva de Carvalho, ex-director da União e, então, redactor e editor da Verdade, vogal da Comissão, José Luís Ferreira Galvão, Manuel Teixeira, Manuel Batista da Costa, Soveral da Rocha e o Dr. Armando Geraldo Monteiro de Carvalho, secretário da Comissão e mais tarde nomeado presidente da Comissão dos Bens Religiosos.
91 - Em Novembro, acabariam por adquirir a José António Gomes dos Santos, da cidade de Coimbra, por 60$100 réis, uma bandeira nacional para hastear igualmente no mastro dos Paços do Concelho (AMMV, Diário da Receita e Despesa da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1908-1913), fl. 176; id., Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fl. 124). 92 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fls. 105v. e 112. Os custos com estes festejos ascenderam a 51$020 réis (AMMV, Diário da Receita e Despesa da Câmara Municipal de Montemor-oVelho (1908-1913), fl. 171v.). 93 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fl. 131. A 19 de Julho de 1913, a Comissão Administrativa decide mudar as suas reuniões ordinárias para as quartas-feiras, à mesma hora (AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fl. 169). 94 - União, 28 de Julho de 1912.
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Meses depois, em Julho, na sequência de todo um conjunto de acontecimentos ligados à exoneração da sua esposa do lugar de professora interina da escola do sexo feminino de Montemor, pela chegada de uma professora efectiva proveniente de outra escola do concelho, o Dr. Armando de Carvalho, descontente com a alegada falta de solidariedade da Comissão Política Municipal, abandonaria a Comissão e o próprio Partido, no que foi acompanhado dos seus amigos Dr. Ismael Sampaio e Dr. João Baptista Loureiro95. [9 de Março] É fundada em Montemor-o-Velho a “Troupe Dramathica Esther de Carvalho”, por ser esta “uma justa homenagem prestada á memoria d’uma insigne actriz, nossa patricia, que na sua curta vida d’artista, foi uma das mais rutilantes estrellas que brilhou no theatro nacional e no brazileiro, cujas plateias lhe prestaram os mais ruidosos applausos”, liderada pelos republicanos e maçons Abel Maria de Melo Brandão (presidente) e António Cardoso da Mota Júnior (vice-presidente). Por esta mesma altura terão alterado a designação do pequeno teatro da vila de Teatro Infante D. Manuel, um dos poucos vestígios da monarquia que ainda resistiam, para Teatro Esther de Carvalho96. [5 de Abril] Por proposta do seu presidente, a Comissão Administrativa Municipal determina “que se perpetuasse immorredoura mas modesta por dever attender-se aos fracos e pequenos recursos financeiros da Camara, a memoria de varios illustres [Abade João, Diogo de Azambuja, Fernão Mendes Pinto, Jorge de Montemor, Macedo Souto Maior, Dr. José Galvão e Dr. Joaquim Alves de Sousa], desta villa, hoje decaida e pobre, mas outrora grande e valiosa, os quaes se tivessem tomado notáveis por seus feitos e virtudes, e cujas acções podessem e devessem ser imitadas pelos presentes e vindouros.” Assim, deliberam que: à “Rua Padre Fervença”, que da Praça da República conduz ao Castelo, fosse dado o nome de “Rua Abade João”; ao Largo dos Anjos fosse dado o nome de “Largo Diogo de Azambuja”; à chamada “Rua Nova”, que vai do Largo Macedo Souto Maior ao Taipal, fosse dado o nome de “Rua Jorge de Montemor”; à “Rua de Trás”, paralela à Rua Dr. José Galvão, fosse dado o nome de “Rua Fernão Mendes Pinto”; e ao Largo do Outeiro fosse dado o nome de “Largo Dr. Alves de Sousa”. Mais resolveu que, no 1.º orçamento suplementar, fosse inscrita uma verba para a aquisição de “chapas esmaltadas” com os nomes destas ruas, bem como com os das ruas Tenente Valadim, antiga “Rua das Ameixoarias”, e Dr. Francisco Luís Coutinho, antiga “Rua do Loureiro”97. [26 de Abril] Na sequência do “passeio fluvial” realizado a esta vila, no dia 20 de Abril, pelo “Sport Club Conimbricense” e pelo “Club Sportivo Francisco Lazaro”, a Comissão Administrativa Municipal, “tomando na consideração devida a maneira gentil, altruista e dedicada como Coimbra quis mostrar a sua gratidão a Montemor, 95 - Verdade, 12 de Novembro de 1913. 96 - SILVA, 2009, pp. 112-113. 97 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fls. 144-146.
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e considerando que festas d’esta natureza tendem para apertar os laços não só da amizade que deve ligar os dois povos, mas ainda os da fraternidade e solidariedade humana”, delibera dar o nome de “Rua de Coimbra” à rua que do Largo Diogo de Azambuja segue para o castelo. Ainda neste dia, a referida Comissão Administrativa decide atribuir o nome de “Avenida 28 de Maio” à parte da estrada que da capela de S. Sebastião ia até ao Casal Novo do Rio (antiga “Rua do Mártir Santo”), “porque representando essa data um dos factos mais notáveis da vida da Republica Portuguesa – as primeiras eleições – devia esse facto ficar consignado como já o estava pela escolha d’esse mesmo dia para a gala municipal.”98 Ainda neste dia, a Comissão Administrativa Municipal toma conhecimento de que tomara posse do cargo de administrador do concelho o Dr. Antero de Alte da Veiga99. [3 de Julho] Publicação do novo Código Eleitoral. Considerando-se os guardiões da República, os democráticos, receando o perigo monárquico e reaccionário, retiraram o direito de voto aos eleitores analfabetos, considerados fáceis de catequizar pelos caciques clericais100. [15 de Julho] O Dr. Armando de Carvalho e o Dr. Ismael de Sá Carvalho Sampaio declaram publicamente, no jornal O Dever: o primeiro que decidira “abandonar a vida activa da politica nêste concelho” e o segundo que não podia, “por motivos particulares, continuar a fazer parte do partido democratico dêste concelho”101. [27 de Julho] Reunião, na “casa de aula” da Sociedade Filarmónica 25 de Setembro, da estrutura concelhia do Partido Republicano Português ou Democrático, a que assistiu o administrador do concelho, Antero Alte da Veiga. Com a saída do Dr. João Baptista Loureiro, a Comissão Municipal Política do Partido Democrático passa a ser presidida por José Luís Ferreira Galvão, tendo como vice-presidente José Alexandrino Beja da Silva102.
José Luís Ferreira Galvão [© União, 14 de Julho de 1912].
[17 de Outubro] Surge em Pereira (redacção e administração) um novo jornal republicano intitulado Verdade, cujo último número (n.º 13) saiu a 15 de Maio de 1914. Este quinzenário tinha como director, redactor e editor Jerónimo Paiva de Carvalho, proprietário e administrador Azuil de Carvalho. No n.º 7 surge como propriedade da “empreza da Verdade”, para a partir do n.º 8 emergir com o novo título A Verdade, pro98 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fl. 149. 99 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fl. 148. 100 - História de Portugal em Datas, 1995, p. 275. 101 - O Dever, 27 de Julho de 1913. 102 - O Dever, 27 de Julho de 1913.
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priedade da “Empresa de A Verdade”. Ao longo da sua publicação apresentou sempre em subtítulo “Jornal Democratico”, demonstrando a sua afecção ao Partido Democrático, em contraponto ao ódio, que não ocultava, pelo Partido Evolucionista103. De facto, logo no primeiro número começam os ataques cerrados, por parte de Jerónimo de Carvalho, ao administrador do concelho, Antero Alte da Veiga, a quem acusa de não saber “compreender as necessidades concelhias”, de votar “um odio de morte aos democraticos”, sendo conivente com a “adesivagem maléfica” e com os “caciques locais”, de não “republicanizar” o concelho, apostando numa “politica de concentração e conciliadora, porque coloca acima dos interesses partidarios, os 80 centavos”, procurando “agradar a gregos (democráticos) e a troianos (evolucionistas e monárquicos), de viver “com a troupe que tem inutilizado todos os administradores, com excéção do tenente Nápoles” e de estar a contribuir, com tal postura, para uma possível derrota do Partido Democrático nas eleições de 16 e 30 de Novembro. Diz ainda Jerónimo de Carvalho que, à data da implantação da República, existiriam em Montemor “uns doze republicanos”: “em Montemór havia um ou dois; em Arazede alguns; e em Pereira outros.” No entanto, refere, “hoje são ás duzias (…). Alguns são republicanos sinceros (…). Mas o maior numero só entrou para a Republica para viver como outr’ora. Mais nada.”104 [29 de Outubro] A Comissão Administrativa Municipal, por proposta do vereador José de Almeida Machado, aprova, “por acclamação”, um voto de “congratulação com o paiz pela forma como o Governo debelou e dominou a tentativa da incursão monarchica no dia 21 do corrente mez”. Neste mesmo dia, a Comissão Administrativa, dando cumprimento ao art.º 28, §1.º e 2.º do Regulamento de 23 de Agosto de 1911 “e por não haver pessoas que se encontrem nas condições do §1.º com o grau de illustração necessaria”, nomeia para a Comissão de Recenseamento (eleitoral) os seguintes cidadãos: efectivos – José Luís Ferreira Galvão, Francisco da Costa Rebelo, Henrique Simões Cantante e Levy Vieira da Rocha, todos moradores nesta vila; substitutos – Silvino Ferreira da Silva Carvalho, Júlio Esteves da Costa, José Rodrigues Moreno e Hilário Bicho, todos moradores nesta vila105. [9 de Novembro] Sorteio, realizado no Tribunal Judicial da Comarca da Figueira da Foz, dos cidadãos do concelho de Montemor que teriam de presidir às assembleias eleitorais (círculo 25), nas eleições de 16 de Novembro: Montemor-o-Velho: Constantino Gomes Tomé, da Carapinheira, onde era professor do 2.º grau; suplente, José de Almeida Machado, de Tentúgal; Meãs: Augusto Ferreira de Andrade; suplente, Arménio Rodrigues Pato; Verride: António Baptista Ferreira; suplente, Carlos Augusto Dinis de 103 - Verdade, 17 de Outubro de 1913, 15 de Fevereiro, 1 de Março e 15 de Maio de 1914. 104 - Verdade, 17 de Outubro de 1913. 105 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fls. 190 e 191.
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Abreu, de Verride. A eleição em Verride decorreu na sala das sessões da Confraria do Santíssimo Sacramento daquela vila; Seixo: Manuel Mendes Coutinho, do Seixo; suplente, Albino de Noronha Botelho de Magalhães, de Santo Varão; Pereira: José Maria de Andrade, de Gatões; suplente, Manuel Bernardes Rasteiro, de Pereira106. [16 de Novembro] Eleições legislativas suplementares, em 28 círculos, para proceder ao preenchimento de 37 vagas de deputados, nos termos da lei de Julho que retirara o voto aos analfabetos e mulheres107. Apesar da vitória em toda a linha do Governo, pois dos 37 lugares de deputados disponíveis 33 foram ocupados pelos democráticos – embora tenham ficado com a maioria absoluta na Câmara dos Deputados, continuaram, contudo com uma posição minoritária no Senado da República –, 2 pelos evolucionistas e 2 pelos unionistas, no círculo da Figueira da Foz venceu o candidato evolucionista Augusto Cimbron por 105 votos. A título de exemplo, nas freguesias de Arazede, Liceia, Seixo e Gatões, dos 278 eleitores recenseados votaram 194, tendo Cimbron obtido 108 votos e Baldaque da Silva, o candidato democrático, 86 votos108. [23 de Novembro] Sorteio, realizado no Tribunal Judicial da Comarca da Figueira da Foz, dos presidentes e suplentes das assembleias eleitorais (círculo 25) para as eleições municipais de 30 de Novembro109. Entretanto, são apresentadas as listas de candidatos do Partido Evolucionista e do Partido Democrático a estas eleições: Partido Evolucionista: efectivos – António Faria Branco Júnior, José Pereira Batista, Acácio Aires Pinheiro, António Augusto Rodrigues de Campos, Dr. Mário Augusto Mota, Dr. António Joaquim Simões, Basílio Tavares Lebre, José Fernandes Patrão, Joaquim Góis, José António Esteves de Barros, Dr. Fernando Augusto Barbosa, Boaventura Augusto Simões, Augusto Ferreira de Andrade, Arménio Rodrigues Pato, José António Monteiro da Costa, António Mendes Laranjeiro, Joaquim Cantante e José Nunes da Silva; substitutos – José Maria Lopes, José Maria Batista, José Alves da Silva, Joaquim Monteiro da Costa Maia, José Maria Lopes de Sousa, Francisco Simões Caldeira, Joaquim dos Santos Maurício Júnior, José Simões das Lapas, Manuel Maria Lopes, João Maria da Silva Batista, José Joaquim da Cunha, Dr. José Maria Mendanha Raposo, Manuel Dias, José Melo Fagundo, Manuel Maria Ricardo, Domingos dos Santos, António Rodrigues Baía e António Manuel Teixeira;
106 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fls. 191v.-192. 107 - História de Portugal em Datas, 1995, p. 276. 108 - O Dever, 23 de Novembro de 1913. 109 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fls. 194v. e 197-197v.
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Partido Democrático: efectivos – João de Deus Ferreira do Vale, Dr. António Soares Couceiro, José Luís Ferreira Galvão, Dr. Francisco dos Santos Neto, António Mota de Matos, Eugénio Brandão Pereira de Melo, Godofredo Pessoa Leitão, José Maria de Andrade, Manuel Batista da Costa, Dr. Carlos Gaspar de Lemos, Guilherme dos Santos Pinto, José Batista Monteiro “Contente”, António Maria Fernandes Duarte, José da Costa Monteiro, António Ismael da Cruz, Serafim da Cruz Vieira, António de Oliveira Rosado e Francisco Lopes de Oliveira Bomtempo; substitutos – Olegário Simões Cantante, José Graça, Emídio Pastor Meireles, Joaquim da Silva Coelho, José Simões Lameira, Levi Vieira Rocha, Júlio Esteves da Costa, José Milheiro de Oliveira, Augusto Mendes da Silva, Joaquim Duarte Ferreira, Alfredo Marques de Castro, Hilário Bicho, Zacarias de Almeida, Elísio Nunes da Serra e Moura, José Augusto Pereira Veloso, José Nobre de Freitas e Eleutério Duarte Cadima110. Perante o avanço do Partido Evolucionista, um pouco por todo o concelho, o Partido Democrático vai procurando resistir: tendo constado ao administrador do concelho, Antero Alte da Veiga, que os “galopins andavam fazendo pressões e ameaças sobre os eleitores (…), a mesma autoridade, acompanhada dos senhores José Galvão, presidente da comissão municipal [do Partido Democrático], drs. Ismael de Sampaio e Armando de Carvalho, tem percorrido algumas freguesias do concelho, realisando conferencias de propaganda eleitoral, a fim de elucidar os eleitores sobre a liberdade do voto e direitos que a lei lhes confere, para se defenderem daqueles que procurem coagilos a votar contra a sua consciência.”111 [30 de Novembro] Realização de eleições para a Câmara Municipal tendo sido eleitos 18 “vereadores effectivos” pelo Partido Evolucionista e 6 pelo Partido Democrático: Partido Evolucionista: António Faria Branco Júnior, José Pereira Batista, Acácio Aires Pinheiro, António Augusto Rodrigues de Campos, Dr. Mário Augusto Mota, Dr. António Joaquim Simões, Basílio Tavares Lebre, José Fernandes Patrão, Joaquim Góis, José António Esteves de Barros, Dr. Fernando Augusto Barbosa, Boaventura Augusto Simões, Augusto Ferreira de Andrade, Arménio Rodrigues Pato, José António Monteiro da Costa, António Mendes Laranjeiro, Joaquim Cantante e José Nunes da Silva; Partido Democrático: Dr. António Soares Couceiro, Eugénio Brandão Pereira de Melo, José Maria de Andrade, Manuel Batista da Costa, Dr. Carlos Gaspar de Lemos e José Baptista Contente.
Mário Augusto Mota [© União, 14 de Julho de 1912].
110 - O Dever, 30 de Novembro de 1913. 111 - O Dever, 30 de Novembro de 1913.
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Nestas eleições municipais, o Partido Democrático perdeu na assembleia de Montemor, entre 87 votantes, por 23 votos, exactamente o mesmo número de votos porque ganhara dias antes para a eleição legislativa suplementar112. [10 de Dezembro] A Comissão Administrativa Municipal designa os cidadãos que hão-de presidir (efectivos e suplentes) às assembleias eleitorais paroquiais do dia 14 de Dezembro: Arazede: António Maria da Silva Ferrão (efectivo); Joaquim Ferreira de Figueiredo (suplente); Carapinheira: José Maria da Cruz; José Teixeira; Montemor-o-Velho: Abel Maria de Melo Brandão; Joaquim Cantante; Meãs: não existe qualquer referência; Verride: Carlos Augusto Dinis de Abreu; Arménio Rodrigues Pato; Seixo: Augusto Ferreira de Andrade; Joaquim Côca Júnior; Liceia: António Rodrigues Monteiro; Manuel Maria de Melo; Tentúgal: Luís Filipe Gomes Seco Machado; Francisco António Mendes Júnior; Pereira: Manuel Bernardes Rasteiro; José Augusto Ferreira de Noronha; Reveles: Francisco de Oliveira; António Alves; Vila Nova da Barca: Manuel Baptista da Costa; António Baptista Ferreira; Santo Varão: Júlio Ferrão de Carvalho; Albino de Noronha Botelho de Magalhães 113. [14 de Dezembro] Realização de eleições para as Juntas de Paróquia.
1914 [2 de Janeiro] Apresentam-se, na Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, os 24 “vereadores effectivos” eleitos para servirem no triénio de 1914-1916. Aberta a sessão pelo vereador mais votado, o Dr. António Joaquim Simões, logo foi solicitado que todos os vereadores apresentassem os respectivos diplomas, passados pela “meza da assembleia d’apuramento”, o que todos fizeram. Verificados os diplomas passou-se à eleição, entre todos e por voto secreto (cada um dos vereadores tinha de apresentar uma lista com os nomes dos vereadores que escolhia para o desempenho dos lugares em votação), do presidente, vice-presidente, secretário e vice-secretário da Câmara Municipal. Terminado o escrutínio verificou-se terem sido eleitos: Fernando Augusto Barbosa (presidente, com 13 votos); Boaventura Augusto Simões (vice-presidente, com 14 votos); António Augusto Rodrigues de Campos (secretário, com 14 votos); e Eugénio Brandão Pereira de Melo (vice-secretário, com 18 votos). Para além de 4 listas ou votos em branco foram ainda votados: Dr. António Joaquim Simões (presidente, 1 voto); Dr. António Soares Couceiro (presidente, com 4 votos); e Dr. Carlos Gaspar de Lemos (vice-presidente, com 4 votos).
112 - A Verdade, 15 de Maio de 1914. 113 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1911-1913), fl. 199v.
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Findo este acto eleitoral, logo se levantou da presidência o Dr. António Joaquim Simões, sendo o lugar ocupado pelo presidente eleito, Fernando Augusto Barbosa, ladeado pelos dois secretários. De seguida, os mesmos vereadores procederam à eleição, entre si, da Comissão Executiva. Corrido o escrutínio verificou-se terem sido eleitos: efectivos – Dr. António Joaquim Simões, com 20 votos; José António Esteves de Barros, com 15 votos; José António Monteiro da Costa (casado, proprietário da freguesia da Carapinheira), Augusto Ferreira de Andrade, Arménio Rodrigues Pato, Joaquim Góis e José Pereira Baptista, todos com 14 votos cada um; substitutos – Acácio Aires Pinheiro, Basílio Tavares Lebre, Joaquim Cantante, António Mendes Laranjeiro, José Fernandes Patrão e José Nunes e Silva, todos com 14 votos cada um. Por proposta do vereador democrático Dr. Carlos Gaspar de Lemos, a Câmara, “a primeira eleita dentro das Instituições Republicanas, e que presumidamente representa a vontade do povo”, delibera enviar ao Presidente da República um “telegrama de saudação, manifestando-lhe o seu respeito pelas instituições vigentes”114. [3 de Janeiro] A Comissão Executiva elege para seus presidente, vice-presidente, secretário e “vice-secretário”, respectivamente, o Dr. António Joaquim Simões, José António Monteiro da Costa, Arménio Rodrigues Pato e Augusto Ferreira de Andrade. Ficou ainda acordado que esta Comissão reunisse aos sábados excepto se nesse dia caísse algum feriado da República. Quando assim acontecesse a reunião teria lugar na segunda-feira imediatamente a seguir115.
Praça da República (2.ª década do século XX) [© Câmara Municipal de Montemor-o-Velho].
114 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1913-1926), fls. 6v.-7. 115 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (1913-1926), fls. 8-8v.
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Mário José Costa da Silva
FONTES MANUSCRITAS ARQUIVO CONTEMPORÂNEO DO MINISTÉRIO DAS FINANÇAS (ACMF) Comissão Jurisdicional dos Bens Cultuais – Coimbra/Montemor-o-Velho: liv. n.º 32 (1911-1943). Comissão Jurisdicional dos Bens Cultuais – Coimbra/Montemor-o-Velho. Processos Disciplinares. Manuel Alves da Fonseca Pinto e Gama, cx. n.º 497 (1911-1917).
ARQUIVO MUNICIPAL DE MONTEMOR-O-VELHO (AMMV) Diário da Receita e Despesa da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho: 1908-1913. Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho: 1907-1911; 1911-1913; 1913-1926; 1971-1973.
FONTES IMPRESSAS “Agremiações do Partido Republicano. Reconhecidas e registadas no archivo do Directorio até 27 de Outubro de 1911”, in Boletim do Partido Republicano, n.º 1, 1911, pp. 176-179. Almanach da Republica. Districto de Coimbra, Adriano do Nascimento (dir.), Coimbra, edição do jornal “O Reclamo”, 1.º ano, 1913. Anuário Democrático 1910, Lisboa, Livraria de Gomes de Carvalho, 1910. Censo da População de Portugal no 1.º de Dezembro de 1911, parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1913. Censo da População do Reino de Portugal no 1.º de Dezembro de 1900, vol. I, Lisboa, Imprensa Nacional. Diário de Notícias (1910). Diário do Governo (1910-1911). Gazeta da Figueira (1910). Gazeta de Coimbra (1911). Grande Oriente Lusitano Unido. Supremo Conselho da Maçonaria Portugueza. Annuario dos seus trabalhos, Lisboa, Grande Oriente Lusitano Unido, 1909.
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Sinopse Cronológica do Movimento Republicano em Montemor-o-Velho (1908-1914)
O Dever (1912-1913). O Século (1910). União (1912). Verdade (1913-1914).
BIBLIOGRAFIA ALEXANDRA, Nair, A Implantação da República na Imprensa Portuguesa, Lisboa, Temas e Debates, 2010. CONCEIÇÃO, Augusto dos Santos, Terras de Montemor-o-Velho, Montemor-o-Velho, CMMV, 1992. História de Portugal em Datas, António Simões Rodrigues (dir.), Lisboa, Círculo de Leitores, 1995. HURTADO, Amando, Nós, os Maçons, Lisboa, Ver o Verso, 2006. MARQUES, A. H. de Oliveira, História de Portugal, vol. III, Lisboa, Palas Editores, 1986. NETO, Vítor, “A questão religiosa na 1.ª República. A posição dos padres pensionistas” in Revista de História das Ideias, vol. 9, Coimbra, IHTI/FLUC, 1987, pp. 675-731. RAMOS, Rui, “A Cultura Republicana”, in José Mattoso (dir.), História de Portugal, vol. VI, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 401-433. SILVA, Mário José Costa da, Associação Filarmónica 25 de Setembro. Fragmentos de uma Memória Colectiva (1892-2005), Montemor-o-Velho, AF25S, 2006. SILVA, Mário José Costa da, História do Teatro em Montemor-o-Velho. Sinopse Cronológica (1839-1970), Montemor-o-Velho, CMMV, 2009. VARGUES, Isabel Nobre, e RIBEIRO, Maria Manuela Tavares, “Estruturas políticas: parlamentos, eleições, partidos políticos e maçonarias”, in José Mattoso (dir.), História de Portugal, vol. V, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993, pp. 183-211.
NETGRAFIA www.gremiolusitano.eu
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Carlos Manuel Gomes Henriques*
Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 10, 2011, 67 - 77
O Remo e a República O Remo como meio de propulsão, que consiste em colocar a pá dentro de água com um ponto de apoio na borda da embarcação é utilizado desde sempre, sendo mais fácil em mares abrigados, não invalida contudo o seu uso na travessia dos Oceanos como nos foi demonstrado pelos “Drakkars” Vikings. Tendo começado, certamente pela utilização de um tronco flutuante o Homem foi desenvolvendo embarcações cada vez mais sofisticadas através da união de troncos chegando até aos impressionantes Trirremes, que utilizavam cerca de 170 remadores. Foram Usados no Mediterrâneo, onde os homens chegavam a morrer à fome, à sede ou em pleno combate nessas embarcações. O Remo como desporto de competição é um dos mais antigos e tradicionais. Regatas entre galeras faziam parte das civilizações egípcias, gregas e romanas. Na Odisseia, Homero fala-nos numa viagem de Ulisses, pela ilha de Ítaca, num barco a remos, enquanto que na Eneida, Virgílio conta-nos que Eneias, príncipe de Tróia, homenageou seu pai, com uma disputa entre quatro barcos, movidos por duzentos remadores acorrentados às embarcações. O Faraó Amenophis II foi imortalizado na sua tomba remando, há também excertos de uma regata em Veneza no ano de 1315. Apesar do Remo ser muito popular entre profissionais só no inicio dos anos 1700 é que o desporto se popularizou entre cidadãos amadores quando principiaram as regatas ao longo do Tamisa, das quais a mais antiga que se conhece é a Doggett´s Coat and Badge Race que toma lugar desde 1715. Em 1775 realizou-se um festival de água da qual fazia parte uma regata de remo em Chelsea, no Tamisa, que conseguia muitos patrocinadores e que constituiu a possibilidade para Handel compor a sua “Water Music”. Nos finais do século XVIII o Remo começou a fazer parte do desporto Universitário o que lhe proporcionou um grande incremento, principalmente depois de em 1829 ter sido estabelecida a primeira das tradicionais regatas entre Oxford e Cambridge. Dez anos volvidos e efectuava-se a primeira das célebres regatas de Henley. Nos Estados Unidos a regata de Yale contra Harvard teve o seu início em 1852. O Canadiano Ned Hanlan (“The Boy In Blue”, dado que envergava uma camisola azul) * - Carlos Manuel Gomes Henriques (Treinador de Remo).
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a nível profissional sagrou-se Campeão do Mundo entre 1880 e 1884 em Skiff, ainda antes das Olimpíadas. O pai dos Jogos olímpicos, Barão Pierre de Coubertain, escreveu várias vezes sobre o desporto do Remo, uma das quais com esta bela frase que nos transmite a ideia geral do Remo “O intenso esforço do remador, a harmonia e o sincronismo dos seus movimentos na transposição das barreiras naturais fazem do Remo um desporto ideal”. A Federation Internationale dês Sociétés d´Aviron (FISA), fundada em 1892, é a mais antiga de todas as Federações desportivas, possui a sua sede em Lausanne com mais de uma centena de membros. A Federação Portuguesa do Remo, a mais antiga de Portugal, fundada em 1920 é membro da FISA desde 1922. Apesar da técnica de remo não ter sofrido grandes alterações ao longo do tempo, o desenho, a construção e o peso do equipamento utilizado no desporto do Remo sofreu grandes modificações em especial no século vinte. As primeiras embarcações de corrida eram de casco trincado robustas e pesadas, o atleta utilizava apenas os braços e o tronco como meio de propulsão. Existiam com um, dois, quatro seis e oito remadores, actualmente desapareceram as de seis. Os barcos eram conhecidos como inriggers ou outriggers conforme a sua forqueta ou tolete era colocada directamente no casco, ou utilizavam uns acrescentos em metal, as aranhas (que apareceram por volta de 1828). Em outriggers existiam o Skiff ou Single de um atleta com remos parelhos, o Pair-Oar de dois atletas, cada um com um remo de ponta e timoneiro, o Double Skull de dois atletas com remos parelhos, sem timoneiro e os de quatro, seis e oito remadores com timoneiro e remos de ponta. A beleza do Remo encontra-se no ritmo dos atletas que impulsionam a embarcação (“A Sinfonia do Movimento” como descrevia o construtor George Pocock). O estilo e o ritmo têm variado ao longo dos anos, sendo que actualmente, a remada consiste num movimento cadenciado e distinto durante o seu ciclo. A remada pode ser dividida em várias partes, iniciando-se no ataque, com a tomada de agua, a passagem do remo na agua e o final com o safar do remo, depois vem o deslize do remador com o remo fora de água e o inicio de um novo ciclo da remada. O remador está sentado de costas para a proa da embarcação, o movimento é gerado por uma sequência de Pernas, Tronco e Braços e o deslize fora de água é o inverso com Braços, Tronco e por fim as Pernas. Basicamente podemos dividir a modalidade em Remo de Ponta e de Parelhos. No Remo de Ponta o atleta segura um remo, com cerca de 3,90 metros, utilizando para isso as duas mãos, na disciplina de Parelhos, o remador segura um remo em cada mão, de cerca de 3m de comprimento. Os remos começaram por ser em madeira mas actualmente são construídos em material compósito, ultralight.
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Actualmente, no Remo Olímpico, só existem barcos de tipo Shell (sucessores dos outriggers) podendo ser divididos no Skiff (1X) – Um atleta com dois remos parelhos, o Double Skull (2X) – com dois atletas de remos parelhos, o Quadri Skull (4X) – quatro atletas com remos parelhos, o Shell de dois sem timoneiro (2-) – dois atletas com remos de ponta, o Quatro sem timoneiro (4-) – quatro atletas cada um com o seu remo de ponta, e o barco rei do Remo o Shell de oito (8+) – oito atletas com timoneiro e cada atleta com um remo de ponta; competimos ainda em Shell de dois com timoneiro (2+) – dois atletas com um remo de ponta cada e com um timoneiro, no Quatro com timoneiro (4+) – quatro atletas com um remo de ponta cada e com um timoneiro, embora estas ultimas duas embarcações não pertençam ao alinhamento dos Jogos Olímpicos, por razões economicistas. O comprimento das embarcações varia entre cerca de sete metros no Skiff e dezoito metros no Oito, que é dividido em duas partes, para melhor ser transportado. Durante as regatas de Remo o plano de água permite o alinhamento de pelo menos seis tripulações, em pistas com um mínimo de 12,50 m até um máximo de 15m de largura e um comprimento de 2 Km em linha recta. As pistas são delimitadas por bóias que estão colocadas com um intervalo de 12,2 m. Nos rios de maior caudal é usual, em Portugal, especialmente em Lisboa, remar com uma embarcação de casco trincado com sete tábuas de cada lado – o Yolle – que é utilizado em barcos de quatro e oito atletas com timoneiro e remos de ponta. O Yolle (sucessor das Guigas) é uma embarcação na qual os atletas se colocam em zigzag e não em fila como no Shell ficando a forqueta colocada nas falcas portanto, sem aranhas (inrigger). Para direccionar as embarcações o timoneiro utiliza o leme, uma peça móvel em torno de um eixo colocado na ré e dirigido por uns cabos, chamados gualdropes (ou galdropes). Quando não existe timoneiro o leme é comandado por um dos remadores através do seu sapato (pé). Em 1857, J.C. Babcock de New York inventou uma forma de slide num Skiff e em 1870 adaptou-o num barco de seis remos. O slide ou carrinho veio dar um grande incremento no andamento da embarcação pois possibilitou a utilização das pernas na remada. Em 1875 Michael Davis patenteou a forqueta com travinca e no ano seguinte desenvolveu uma embarcação com aranhas móveis. As aranhas móveis foram mais tarde proibidas pela FISA, por este facto não é usado, apesar de possibilitar um andamento muito superior à das embarcações com aranhas normais. Em 1893 a FISA organizou o seu primeiro Campeonato da Europa de Remo, em Orta, Itália, nesse mesmo ano fundou-se em Cambridge`s Newnham College a primeira Sociedade de Remo Feminino. Em 1896 foram eliminadas das Regatas de Boston City as provas com profissionais. Ainda nesse ano, na Grécia, realizaram-se as I Olimpíadas modernas das quais o Remo fazia parte, no entanto as provas foram canceladas devido ao mau tempo. Desde essa data que o Remo faz parte dos Jogos Olímpicos sendo o único desporto com essa continuidade e longevidade.
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Em 1916 o Remo para ligeiros, atletas com menos de 72,5 Kg, foi introduzido nas universidades americanas por Joe Wright na Pensilvânia, ao mesmo tempo que, em Inglaterra, Steve Fairbairn começava a treinar no estilo que ficou com o seu nome e obtinha excelentes resultados. Em 1923 formava-se em Inglaterra a Women`s Amateur Rowing Association e em 1927 a tradicional Boat Race (Oxford - Cambridge), foi pela primeira vez televisionada pela BBC enquanto que se iniciava também a regata Oxford – Cambridge no Feminino. Nos anos seguintes o Remo continuou a ser um dos desportos mais praticados ao mesmo tempo que se assistia a um grande incremento técnico e de material, as embarcações tornaram-se mais leves e sofisticadas e as tripulações evidenciaram uma técnica mais apurada devido ao aumento do treino e do seu controle. Durante o período da II guerra mundial as competições foram praticamente todas suspensas. Com a divisão europeia nos dois blocos também o Remo sofreu grandes diferenças na sua técnica e estilo havendo duas grandes escolas, – a Alemã Ocidental e a dos países de Leste com a sua politica de desporto nacional. Em 1954 realizaram-se os primeiros campeonatos da Europa Femininos que foram dominados pela União Soviética. No ano de 1962 competiram-se em Lucerna os primeiros Campeonatos do Mundo realizados pela FISA, assim como em 1967 a primeira regata FISA Júnior foi organizada em Ratzburg, Alemanha. Durante o ano de 1969 foi construído a primeira embarcação desenhada para Remo de Recreio (o Alden Ocean Shell, lançado por Arthur Martin) o que veio introduzir uma nova vertente no Desporto mais antigo do Mundo. Nos mundiais de 1970 os alemães orientais conseguiram medalhas de ouro ou prata em todas as provas. Em 1974 pela primeira vez realizaram-se em Lucerna os Campeonatos do Mundo para Pesos Ligeiros e para Femininos em que a distancia para elas era de 1000 metros. Ainda nesta distância realizaram-se em Montreal, em 1976 as primeiras Regatas Olímpicas de Femininos. Na vertente de Pesos Ligeiros as classes Femininas e Masculinas só fizeram parte do emblema olímpico em 1996, Atlanta. Foi em 1977 que os irmãos Dreissigacker começaram a construir remos de material compósito e em 1981 lançaram também no mercado o ergómetro Concept II que veio revolucionar o treino do remo e universalizar um dos desportos mais completos que se pratica. O primeiro Campeonato do Mundo de Femininos Pesos Ligeiros teve lugar no ano de 1985 em Hazewinkel em que a distância de prova para as mulheres foi igualada à dos homens. Em 1991 mais uma vez os Dreissigacker desenharam e lançaram no mercado uma inovação – os remos com pá de cutelo – que com o aumento do tamanho da pá iria ajudar os atletas com pior técnica mas que em equipas de topo nunca se chegou à conclusão da sua vantagem, apesar da seguinte universalização das pás Big Blade (um melhoramento da pá de cutelo que fica sem a espinha). Ao longo das 70
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épocas estes remos continuam sofrendo várias alterações mínimas que apenas servem a economia e o consumismo da empresa americana. Nesse mesmo ano como não podia deixar de ser, foi inaugurado em Inglaterra, pela Rainha Isabel II o Museu do Remo com o nome de River and Rowing Museum. No limiar do século XXI o britânico Steve Redgrave conquistou a sua quinta medalha de Ouro olímpica em cinco olimpíadas consecutivas algo nunca conseguido por outro atleta em desportos de endurance. Outro atleta, também remador e inglês, Jack Beresford conseguiu três medalhas de ouro e duas de prata em cinco olimpíadas, tendo sido apenas traído pelo cancelamento dos Jogos Olímpicos que se deviam realizar em 1940.
A prática do Remo em Portugal, enquanto desporto organizado, terá começado com a fundação do Arrow Club em 18 de Agosto de 1828 por Abel Power Dagge, os irmãos Pinto Basto e alguns elementos da colónia britânica residente na metrópole, segundo documentos inéditos que nos foram recentemente facultados pela família Dagge. Este clube foi o antecessor do Clube de Remeiros Lusitano (1862), que volvidos alguns anos, 1883, se chamaria Rowing Club de Lisboa e que em 1891 os seus sócios fundariam o Club Naval de Lisboa, devido aos problemas financeiros do Rowing Club. Nesta agremiação e nos clubes da época existiam duas classes de sócios os Capitalistas (depois proprietários), que pagavam jóia, e eram os donos das embarcações e os Sub escreventes (depois contribuintes) que apenas pagavam uma subscrição, mas não eram proprietários do material do clube e só podiam remar desde que autorizados pelos Patrões. O incremento do Remo desportivo em Portugal, aconteceu apenas na segunda metade do século XIX. Até essa altura, o seu exercício estava mais reservado aos profissionais, sendo contudo conhecidas disputas entre embarcações de transporte de passageiros e entre as guarnições dos navios da Armada Real, as quais despertavam o interesse de multidões que afluíam às margens e aplaudiam com entusiasmo. No livro de José Pontes, “Quasi um século de desporto”, tomamos conhecimento que em 1849 Abel Power Dagge “teve a veleidade de organizar uma regata” de Remo, tendo sido esta portanto a primeira prova organizada em Portugal, acreditando na descrição do escritor. A primeira “Carreira de Barcos”, era assim que se denominava a regata, foi organizada por Abel Power Dagge, Edward Shirley, Alex Hudson e G. A. Hangcock em1850. Na reunião de preparação da regata esteve presente o comandante da escuna britânica Vixen onde o júri da prova estaria instalado. A 19 de Agosto de 1852 realizou-se outra regata em Belém que teve a honra de ser divulgada no Jornal inglês The Illustrated London News do dia 11 de Setembro.
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São célebres, pelo menos a partir de 1853, as Regatas de Paço de Arcos, em barcos à vela e a remos, promovidas pelo Conde das Alcáçovas, Abel Power Dagge, Hermann Moser e por um grupo de aristocratas, por ocasião dos festejos anuais. A regata de 1853, foi presidida pelo Infante D. Luís que se fez conduzir a bordo do vapor da Marinha Portuguesa Conde de Tojal. Aproveitando a estadia do barco de guerra inglês Odin, fundeado na Baia de Paço Arcos, realizou-se uma corrida de remos entre marinheiros portugueses e ingleses. Pode-se ler no Livro de Actas da Real Associação Naval: -“ (…) foi n´aquelle anno que se estabelecerão os seguintes prémios: uma rica Taça de Prata para os Iachts; avultadas somas de dinheiro para os barcos de todo o género, e uma bandeira d´honra para as Guigas. (…). No programa da Regata do Tejo de 11 de Setembro de 1854 constava a participação de duas guigas de 4 remos, “tripoladas por curiosos”. Nesta regata a prova de Vela foi ganha por Frederico Burnay vencendo uma Taça de Prata (O primeiro troféu conhecido de uma regata em Portugal). Na Regata organizada em 24 de Julho de 1855 havia provas de Remo e Vela. Esta regata veio dar lugar à Comissão Promotora da Real Associação Naval. Na sequência destes eventos foi fundada em1855 a Real Associação Naval (actual Associação Naval de Lisboa), a mais antiga agremiação desportiva da Península Ibérica e uma das mais antigas do mundo. A dita Associação foi fundada numa reunião presidida pelo Infante D. Luís no Hotel Bragança e a primeira Assembleia-Geral realizou-se a 6 de Abril de 1856 no Arsenal de Marinha. No alvorecer do século XX despertavam grande interesse as regatas em guigas de quatro e de seis remos. No entanto, a falta de uniformidade nas características das embarcações, a que se juntava uma deficiente regulamentação, suscitavam frequentes conflitos que, em alguns casos, conduziam à quebra de relações entre as principais agremiações náuticas. A necessidade de regulamentação das regatas de Remo mereceu alguma reflexão no Congresso Marítimo Nacional, promovido pela Liga Naval Portuguesa, em 1902, sem que contudo daí resultasse alguma alteração tendo, no entanto, sido aprovada a tese “Impulsionamento do rowing nacional. Sua utilização possível na educação física do povo português”. Em 1904, a pedido de Joaquim Leote, as principais associações náuticas de Lisboa concorrem à criação da Taça Lisboa que constituirá um prémio de honra perpétuo destinado a ser disputado num grande Campeonato Nacional, a realizar anualmente em inriggers de quatro remos, numa extensão de 2000 metros, sob as condições do Regulamento de Corridas aprovado no seio da Convenção a 20 de Abril daquele ano. A primeira regata foi realizada a 29 de maio de 1904, tendo lugar ao longo da muralha da Junqueira, entre as docas de Santo Amaro e do Bom Sucesso, comemorando em 2004 o seu centenário.
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A Real Associação Naval, o Real Club Naval de Lisboa, o Club dos Aspirantes de Marinha e do Club Naval Madeirense, promulgam as Bases da Convenção, ao mesmo tempo que aprovam o primeiro regulamento de regatas de Remo que estabelece as bases para a regulamentação “das corridas de embarcações de Remo”. A Convenção tem como fim último promover “o desenvolvimento do rowing portuguez”, a ela se devendo o rápido desenvolvimento que o Remo atingiu nos anos que se lhe seguiram. A proclamação da República teve repercussões nos desportos Náuticos, sobretudo na Vela com o desaparecimento dos Yachts Reais. Consequentemente, os clubes apadrinhados pela Família Real sofreram um duro revés. Porém, lentamente, conseguem reagir reformando os respectivos estatutos, ao mesmo tempo que diversificam a sua acção, tornando-se mais eclécticos, criando secções com diferentes modalidades desportivas, a par de uma intensa actividade cultural e social, patente na organização de festivais náuticos e na promoção de passeios à vela e a remos que movimentam grande número de sócios, respectivas famílias e despertam o interesse da sociedade da época. Paralelamente, promovem a construção em Portugal dos primeiros barcos a remos de corrida. O ano de 1919 é marcado pela realização, na Figueira da Foz, do Campeonato Internacional de Remo para comemorar a vitória das forças aliadas da Primeira Guerra, onde seria disputada a Taça da Vitória. Podiam concorrer a este campeonato todas as colectividades desportivas nacionais e estrangeiras legalmente constituídas. A Taça da Vitória foi instituída pela Associação Naval 1º de Maio e adquirida por subscrição entre as Nações Aliadas da Grande Guerra e destinava-se a ser disputada em outriggers de oito remos.
No Congresso Náutico Nacional realizado no Porto, em Abril de 1920, por iniciativa do Clube Fluvial Portuense, a Associação Naval de Lisboa e o Clube Naval de Lisboa apresentam as bases de uma Federação Nacional de Remo passando, a partir dessa data, a existir uma entidade reguladora do desporto do Remo em Portugal. Nesse mesmo congresso são também instituídos e regulamentados os Campeonatos Nacionais de Remo.
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Em 1922 a Federação Nacional de Remo (actual FPR) inscreve-se na FISA, o que lhe permite fazer-se representar nos campeonatos da Europa em Como, Itália, em 1923, com uma tripulação do Sport Clube do Porto e, em 1926, em Lucerna, Suíça, com uma tripulação do Clube Naval de Lisboa. Os Campeonatos Nacionais de Remo de 1931, organizados pelo Clube Fluvial Portuense e pelo Sport Clube do Porto, realizados no Porto, entre o Bicalho e a Alfândega, destacaram-se pela forte adesão do público que acorreu a ambas as margens para assistir àquele que foi o maior evento desportivo realizado em Portugal até aquela data, tendo-se computado uma assistência superior a 50 mil pessoas. Nesse mesmo ano, as Regatas Internacionais da Figueira da Foz tiveram igualmente grande adesão por parte do público, contabilizando-se cerca de 25 mil assistentes. A realização, a partir da década de trinta, dos Campeonatos Escolares de Remo, organizados pela Federação Portuguesa de Remo e a criação a nível estatal dos Centros de Remo da Mocidade Portuguesa, movimentaram um maior número de praticantes, facto que se reflecte no fomento da modalidade. No ano de 1948 Portugal inicia a sua participação nos Jogos Olímpicos. Em 1952, 1960 e 1972 volta a marcar presença nestes eventos. Em 1966 são criados os escalões etários para os mais jovens, como categoria de remadores. A partir de 25 de Abril de 1974, dá-se início a uma nova etapa no desenvolvimento do Remo desportivo, pautada pelos princípios de democratização do desporto, definidos na política estatal da época, tendo em vista a massificação da modalidade. No âmbito desta política, a Direcção Geral dos Desportos, implementa Planos de Desenvolvimento da Modalidade. Em 1976, inicia-se o processo de formação de treinadores, sistematizados em vários graus. É estabelecido um intercâmbio com a Polónia com a vinda da equipa olímpica polaca durante todo o mês de Fevereiro, tendo, no âmbito do mesmo, sido dada formação a um elevado número de técnicos nacionais. Paralelamente, assiste-se à criação de Escolas de Remo da DGD por todo o país. Nos anos 80, a ANL introduziu a variante de Remo Indoor em Portugal organizando, em 1992, o primeiro Campeonato Nacional de Remo Indoor que conta com um elevado número de participantes. Em 1985, realiza-se o primeiro Congresso de Remo, na Figueira da Foz onde, pela primeira vez, se reúnem todos os agentes desportivos que participam na vida da modalidade, tendo-se debatido amplamente os problemas do Remo. No ano seguinte o Remo passa a integrar as modalidades com planos de Alta Competição que a DGD apoia.
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Após esporádicas presenças em 1962 e 1982, Portugal inicia, em 1986, a sua participação regular e sistemática em campeonatos do mundo de remo com uma presença em Inglaterra. Dois anos depois, Henrique Baixinho, skiffista peso ligeiro, classifica-se em 4º lugar no Campeonato do Mundo de Milão. Em 1987 disputa-se em Óbidos um Oxford - Cambridge em shell de oito, numa pista já balizada, embora de forma rudimentar. Também neste ano são iniciados cursos de remo (remo indoor) para cidadãos com deficiência. Em 1989 são redigidos os novos estatutos e os treinadores criam a sua própria estrutura – o Conselho de Treinadores. A década de 90 é marcada pelo aumento de participações em competições no estrangeiro e pela obtenção dos resultados mais significativos na História do Remo nacional, destacando-se: • A conquista, em 1990, da primeira medalha na Taça das Nações com uma tripulação feminina em double-skull. No ano seguinte, novamente uma tripulação feminina conquista mais uma medalha na Taça das Nações, uma medalha nas regatas internacionais de Lucerna e atinge a final A no Campeonato do Mundo; •
O regresso aos Jogos Olímpicos, em 1992, após 20 anos de ausência, com uma tripulação de double-skull. Quatro anos depois volta a marcar presença olímpica.
• Em 1994, a conquista da primeira medalha num campeonato do mundo com uma tripulação de quadri-skull peso ligeiro; • Em 1999, uma tripulação de double-skull masculino conquista o seu primeiro título Mundial, no Campeonato do Mundo de Juniores em Plovdiv, Bulgária; • A publicação de legislação sobre o regime jurídico das federações, em 1993, implica que estas alterem os seus estatutos para poderem ser consideradas de utilidade pública desportiva; • Em Lisboa realiza-se a Conferência Anual FISA de Treinadores com a presença de técnicos de todo o mundo. Em 1997 tem início o plano de apetrechamento dos clubes, apoiado pela Federação, que viria a contemplar mais de 100 embarcações, dezenas de ergómetros e centenas de remos. Três anos mais tarde, cinco árbitros portugueses obtêm a licença internacional e, quatro deles, passam a partir desta data a marcar presença nas grandes regatas internacionais, incluindo campeonatos do mundo. No Congresso Ordinário da FISA, realizado em Lucerna, Suíça, em Agosto de 2001, José Nunes é eleito Presidente da Comissão do Remo Adaptado, sendo o primeiro português a ter assento nas estruturas executivas da Federação Internacional.
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Carlos Manuel Gomes Henriques
No ano 2002, depois de um processo iniciado em 1997, é inaugurada a pista de Montemor-o-Velho, obedecendo o seu projecto às especificações da FISA para pistas internacionais. Em 2003, e depois de uma primeira participação no ano anterior, uma tripulação de Remo Adaptado de Soure conquista a primeira medalha num campeonato do mundo. A prática desportiva do Remo tem-se diversificado nos últimos tempos e encontramos hoje nos planos de actividade federativos o Remo Indoor, o Remo de Mar, o Remo Adaptado e o Remo de Turismo. A conquista do primeiro título mundial da sua história, em 1999, a organização do Congresso Extraordinário da FISA na cidade do Porto em 2001, com a presença de 200 delegados de 60 países, e a realização em Montemor-o-Velho, em Agosto de 2002, da Coupe de la Jeunesse, competição onde estiveram presentes 400 participantes de 10 países europeus, deram à Federação e ao País, uma visibilidade exterior impensável poucos anos atrás. Em 2004 Carlos Henriques e André Correia presidentes do CNL e ANL organizam a regata comemorativa do Centenário da Taça Lisboa no mesmo local da 1ª prova e um Jantar no Museu de Marinha. Nessa regata o Náutico de Viana vence o Troféu Centenário, um Jarrão oferecido propositadamente pela Vista Alegre, a prova foi um sucesso de participação a nível de clubes e um record de espectadores nas provas organizadas em Lisboa. Serviu de ensaio para a Regata comemorativa dos 150 Anos da ANL, organizada em 2006 também um êxito de participação e organização. A Associação Naval de Lisboa aproveitou estes testes para iniciar a organização da Lisboa Classic Regatta, um êxito com a participação de vários países e alguns atletas que participaram em Jogos Olímpicos. Depois de algumas provas de selecção atribuladas, querelas dos treinadores da selecção com o treinador do Sport Clube do Porto e com o treinador particular dos atletas Pedro Fraga e Nuno Mendes, a tripulação de Double Skull Peso Ligeiro conseguiu o apuramento para os Jogos Olímpicos de Pequim e teve uma excelente prestação conseguindo chegar às Meias-Finais, melhor só a equipa do Galitos de Aveiro uns anos antes. A Federação Portuguesa do Remo participou activamente na fundação do Comité Paralímpico de Portugal e Carlos Henriques é eleito para a sua Comissão Executiva em representação do Remo português. O Remo Adaptado está em franco desenvolvimento em Portugal, com aumento do número de atletas e participação internacional nos Jogos Parlímpicos e Global Games, contando já com medalhas nos campeonatos do Mundo da Modalidade. A par a FPR desenvolveu projectos de programas sociais tais como em prisões, sénior mais e jovens com problemas de inclusão, contando mesmo com a Casa Pia como parceiro, que volta à prática do Remo que tinha terminado na década de setenta. 76
O Remo e a República
Em Avis, local privilegiado, para o treino do Remo dos clubes do Distrito de Lisboa e Setúbal, um antigo atleta internacional, Luís Teixeira desenvolveu um projecto meritório – Avizaqua – onde existe um centro de estágio, com um Hotel, Restaurante, Ginásio e Piscina, entre outras comodidades num ambiente de treino fantástico. Numa Pista de Remo totalmente renovada por influência do Secretário de Estado do Desporto Laurentino Dias, Montemor foi palco em 2010 do Campeonato da Europa de Remo, organizado pela FPR, avançando também a construção dos Centros de Alto de Rendimento de Montemor e do Pocinho, locais que irão permitir um aumento da qualidade de treino aos atletas da Selecção Nacional.
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Correia Góis*
Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 10, 2011, 79 - 85
“I CENTENÁRIO DA REPÚBLICA” Os Símbolos da República - Busto O regime republicano implantado em Portugal a 5 de Outubro de 1910, adoptou uma nova simbologia de forma a marcar as diferenças com o regime monárquico, vigente até então. Os novos símbolos, foram o Hino (a Portuguesa), a Bandeira e o Busto. O Hino e a Bandeira viram a sua oficialização quase no imediato, enquanto o Busto o processo foi mais moroso e a oficialização apenas se verificou em Outubro nas comemorações do 1º aniversário (Outubro de 1911)com a homologação oficial do 1º Presidente da República, Teófilo Braga. Ao tempo o modelo tradicional inspirador dos movimentos republicanos residia numa pintura panfletária do pintor francês Eugène Delacroix (1798-1803)1 pintada em 1831, titulada de “A Liberdade Guiando o Povo”. Os ideais republicanos propostos pelo pintor do romantismo francês encontram-se na evidência das cores (verde e vermelho), uso do barrete “A Liberdade Guiando o Povo”, Eugène Delacroix
* - Correia Góis (Licenciado em História de Arte e Graduado em Arte do Renascimento pela Universidade de Coimbra). 1 - Eugène Delacroix, pintor francês, nasceu a 26 de Abril de 1798 em Chareton-Saint-Maurise e faleceu em Paris a 13 de Agosto de 1863 aos 65 anos de idade. Em 1813, iniciou estudos de pintura no atelier de Pierre-Narcisse Guerin na École de Beaux-Arts (Escola de Belas Artes) onde teve por colega o célebre pintor Theodore Géricaut que expôs no Salão de Paris em 1822 “A Barca de Dante”, a provocar criticas favoráveis e desfavoráveis. A polémica acentua-se em 1824 com o “Massacre de Quios” ao narrar episódios dramáticos da Guerra da Independência da Grécia contra a Turquia. Em 1820, refez a tela, separou as pinceladas e avivou o colorido após visionar em Londres as obras de Bonington e Constable (1827). Em 1827, pinta uma composição extremamente movimentada de cores
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Correia Góis
frígio2, exibição de uma figura feminina de seios (mamas) descobertos, intuitos lascivos expressores de uma liberdade absoluta destemida e determinada contra os normativos vigentes. Esta liberdade imaginada por Delacroix em breve é traduzida e esculpida por diversos escultores ao longo dos anos com reinterpretações mui diversas mantendo porém o ar decidido e o barrete frígio. Em algumas situações cobriram-se os peitos, adicionou-se o ramo de loureiro3 triunfal ou a foice4 a simbolizar a abundância. Em França esta nova escultura da República tomou o nome de “Marianne” e a partir de 1949 ou mais exactamente após o termo da II Grande Guerra Mundial a Associação dos Autarcas Franceses decidiu a sua alteração e muitas foram as jovens modelos a inspirar a representação da República. Entre estas está Brigite Bardot (1968), a cantora Mireille Mathier (1978), a atriz Catherine Deneuve (1965) a modelo Inês de la Fressange (1989), a atriz Laetitia Casta (2000) e a não menos polémica apresentadora de Televisão Evelyne Thomaz (2003).
vivas passível de ser considerado na pintura francesa o “chefe” da escola romântica na medida em que cada vez se inspira mais nos temas românticos ou episódios medievais. É nesta ambiência que se converte no alvo principal dos académicos da Escola de Belas Artes, adeptos do neoclassicismo liderados por David e Ingres. Os acontecimentos políticos de Julho de 1830 motivaram-no a pintar a alegoria à Liberdade, à França e ao seu Povo representado nas diversa classes sociais “A Liberdade Guiando o Povo” (1831) exposta no Museu do Louvre. A partir de então pintou diversas obras para o Governo francês, visitou vários países do Mundo, conservou a originalidade na técnica, na cor e no seu atelier até aos últimos anos da sua vida, apesar de hostilizado pelos neoclássicos pintou o romantismo. A aceitação da sua mestria pelos neoclássicos apenas se verificou em 1857. 2 - O barrete frígio ou barrete da liberdade é uma espécie de touca ou carapuça utilizada na Antiguidade pelos moradores da Trígia (antiga região da Ásia Menor, actual Turquia) e foi adoptada a cor vermelha pelos republicanos franceses que lutaram pela tomada da Bastilha em 1789 a culminar com a instalação da 1ª República Francesa em 1793 e tornou-se um dos principais símbolos da Revolução Francesa. O barrete frígio foi usado no Império Romano pelos antigos escravos quando conseguiram a emancipação de seus mestres e cujos descendentes passaram a ser considerados cidadãos do Império. No Séc. XVII o barrete frígio vermelho funcionou como símbolo da liberdade quer na Guerra da Independência dos Estados Unidos da América, Revolução Francesa e vai aparecer nas armas de alguns novos países como sejam a Argentina, Nicarágua, Salvador e até em algumas cidades do Brasil (Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Viamar). 3 - O loureiro como todas as plantas que permanecem verdes no Inverno liga-se ao simbolismo da Imortalidade. Este simbolismo não foi omitido pelos romanos ao tomarem o louro como o emblema da glória, das armas e do espírito. Além disso, outrora representava-se como o protector dos relâmpagos. O simbolismo da Imortalidade é reconhecido na China. A Lua contém um loureiro e um Imortal e aos pés do loureiro (planta medicinal) a lebre da Lua mói as ervas das quais extrai a droga da Imortalidade. O loureiro é arbusto consagrado a Apolo a simbolizar a Imortalidade adquirida pela vitória a justificar o uso da sua folhagem no coroamento dos heróis, génios e sábios. Trata-se de uma árvore apolínea com o significante das condições espirituais da vítima em união com a sabedoria do heroísmo. Os Beni-Suns no Norte de África aquando das cerimónias sazonais armaram os portadores de máscaras com varas de loureiro. 4 - A foice devido ao seu formato com frequência se relaciona com o crescente lunar e daí Vítor Hugo a denominar por “foice de ouro no campo das estrelas”. Ela funciona como atributo de muitas divindades, principalmente de Saturno e Silvano. As armas curvas em norma relacionam o simbolismo lunar com a fecundidade – logo o signo da feminilidade. É também símbolo do ciclo das searas renovadas materializadas na morte e nos renascimentos. O ritual do uso da foice de ouro dos povos celtas na colheita do visco simbolizava a Imortalidade. A arte celta estiliza a forma da foice e a cauda do galo, um animal solar. Uma outra simbologia da foice em sentido bipolar reside na morte e na ceifa. A própria ceifa implica cortar do caule, tomado como cordão umbilical da semente e da terra que o alimente. A ceifa é a condenação do grão à morte, quer como alimento, quer como semente.
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I Centenário da República - Os Símbolos da República
O movimento republicano em Portugal não foi alheio à Marianne francesa e daí em 1908 aquando da eleição dos republicanos para a Câmara Municipal de Lisboa em 1908, Braancamp Freire (Presidente) e Ventura Terra (vereador e arquitecto do Palácio de S. Bento e muitos dos Liceus da época) encomendassem ao escultor Simões de Almeida (sobrinho)5 uma escultura passível de simbolizar os ideais republicanos da “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Simões de Almeida, executa a obra utilizando como modelo uma jovem mui bonita a viver em Lisboa, oriunda do Alentejo (Arraiolos) de nome próprio, Ilda Pulga6, a qual durante um mês durante duas horas posou para o escultor na presença da mãe que anuiu na condição da filha não se despir7. Nesta composição de 1908, Simões de Almeida retirou-lhe o barrete frígio e compõe uma figura feminina de olhar sensual, as mamas não são tão explícitas no erotismo, apesar de algo descobertas de implícito recatamento numa blusa de cordões apertados a deixar entrever a forma da mama. Acrescentou-lhe uma raminho de loureiro, um molhe de feno e uma foice. Mercê dos tempos e dos ideais republicanos o busto de Simões de Almeida ganhou alguma expressão em actos públicos emergentes na implantação da República. Está presente nos funerais conjuntos de duas grandes figuras na luta contra a Monarquia: - Miguel Bombarda (1851-3 de Outubro de 1810) e Cândido dos Reis (1852-4 de Outubro de 1910) realizados a 6 de Outubro. Nestes funerais, os novos símbolos ganham forma, o busto de Simões de Almeida é exibido com apoteose às “massas” a par do manifesto de Machado dos Santos (o herói da rotunda) ao destacar a peça de Simões de Almeida como o maior símbolo da Revolução Portuguesa. A 29 de Junho de 1911 a Câmara Municipal de Lisboa abriu um concurso público para a feitura de um busto da República destinado a ornamentar o Salão Nobre dos Paços do Concelho de Lisboa e o regulamento determina “a escultura ser realizada em gesso para efeitos de concurso, sendo depois o busto vencedor executado em mármore de Carrara de primeira qualidade”. O júri do concurso é formado pelos membros da Comissão de Estética Municipal. 5 - José Simões de Almeida (sobrinho) a distinguir-se de um tio também escultor nasceu em Figueiró dos Vinhos em 1880 e faleceu em Lisboa em 1950. Em Lisboa, formou-se em Belas-Artes no ano de 1903 e vai ser professor na mesma Escola a influenciar várias gerações de artistas. Além da escultura de 1908 para a Câmara Municipal de Lisboa, esculpiu a Fraternitatis para o Palácio de S. Bento, o baixo-relevo alusivo á República da escadaria da Câmara Municipal de Lisboa e as estátuas do Duque de Ávila e Bolama, Fontes Pereira de Melo existentes no Museu do Chiado. 6 - Ilda Pulga, trabalhava então como costureira numa camisaria da Rua Augusta frequentada por Simões de Almeida. Terá vindo de Arraiolos para Lisboa aos 16 anos de idade e velo a morrer em 1993 com 100 anos de idade num lar de idosos de Sacavém. Algum tempo antes de morrer, Ilda Pulga deu conhecimento público deste segredo, justificando a razão do silêncio no facto de para a época não ser conveniente para as raparigas este género de exposições. Ilda Pulga revelou então sua mãe aceder ao convite do escultor na condição de acompanhar a filha que posaria vestida e apenas seria modelado o rosto e assim posou todas as tardes durante duas horas para o escultor que a “fazia aborrecer”, uma expressão que o escultor não gostava. 7 - O molde em gesso desta escultura encontra-se na sede do Clube Figueiroense (casa da cultura de Figueiró dos Vinhos) e as fontes de Figueiró indicam ser doado por Simões de Almeida Júnior ao Município de Figueiró. O original em bronze encontra-se na Sala do Senado da Assembleia da República.
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Correia Góis
A este concurso concorreram 9 escultores e em sessão da Câmara de 21 de Setembro de 1911 foram aprovados e divulgados os resultados do concurso “...e deviam ser oferecidas réplicas aos outros Municípios do País...”. O escultor vencedor foi Francisco dos Santos8 com uma figura feminina, elegante, de cabelos caídos sobre os ombros e seguros na testa com uma discreta coroa de louros a distinguir-se das demais na simplicidade carregada de elementos simbólicos, um pouco a condizer com o modelo francês. Este busto a princípio esteve na Câmara dos Deputados e foi transferido mais tarde para o Museu Militar. O 2º lugar é a “Fraternitatis”9 de Simões de Almeida (sobrinho), um busto a denotar “traços portugueses, rosto cheio, fartos seios a revelar algum aperfeiçoamento em relação à peça de 1908...” e o 3º classificado é a “Austera”, de Júlio Vaz Júnior10, um busto “austero, semblante, grave e o peito pudicamente coberto por enorme ramo de loureiro...”. Apesar do júri do concurso valorizar a peça de Francisco dos Santos como ganhadora, por razões de sensibilidade, gosto popular, maçonaria e propaganda republicana, um decreto assinado pelo então Presidente da República (Teófilo Braga), a “Fraternitatis” de Simões de Almeida é homologada para símbolo da República Portuguesa e ser uma constante em todos os edifícios públicos portugueses, o que foi exemplarmente aceite e cumprido.
8 - Francisco dos Santos nasceu no ano de 1878 no lugar de Paiões (Rio de Mouro-Sintra). Órfão de pai aos 2 anos (sapateiro de profissão) ingressou na Casa Pia de Lisboa por influência do padre local. Na Casa Pia revelou grandes aptidões para o desenho, escultura e forte geito para o estranho desporto vindo da Inglaterra – o footoball. Aos 15 anos de idade matriculou-se na Escola de Belas Artes, termina o curso aos 20 anos, pratica futebol no Casa Pia e mais tarde a nível oficial no Sport Lisboa. Em 1903 vai estudar artes em Paris com uma magra bolsa de estudo, Em Paris, vive com dificuldades, casa com uma cidadã francesa e mais tarde ruma a Roma a prosseguir estudos, aprimorar a carreira de escultor e jogador de futebol no Lazio, onde foi capitão a constituir o primeiro português a jogar futebol no estrangeiro. Regressa a Portugal em 1909 diminuído nas finanças, prossegue a carreira de futebolista no Sporting Clube de Portugal, vai ser o fundador da Associação de Futebol de Lisboa e árbitro de futebol. Em 1930 aos 52 anos de idade faleceu após uma longa carreira como professor e escultor. 9 - O jornal O Século, nº 10414 de 9 de Dezembro de 1910, sobre esta obra escreve o seguinte: “...O jornal o Século noticia o “primoroso trabalho” executado “pelo moço escultor Simões de Almeida (sobrinho), cujos talentos se vêm, de há muito evidenciando em várias obras de fôlego”, um busto alegórico à “República” moldado em 1908 “a fim de satisfazer uma encomenda que lhe foi feita pelo dr. José de Castro”. O busto foi realizado de acordo com “o ideal de aquele ilustre democrata foi um dos mais activos e brilhantes paladinos” e conta agora com uma forte divulgação, uma vez que o encomendador, “de acordo com o notável estatuário, mandou fazer numerosas reproduções (...)em gesso, as quais deverão ser postas brevemente à venda”. Naquela obra a República é “representada por uma mulher divinamente formosa, tipo genuíno de mulher portuguesa, de cujo rosto se irradia uma luz suave e amorável. A expressão da fisionomia é, ao mesmo tempo, bela, serena e altiva, resplandecente de vida e de energia, reflectindo bem a República tal como nós portugueses, a sonhamos e almejamos...”. 10 - Júlio Vaz Júnior, nasceu a 3 de Agosto de 1877 em Lisboa, é filho de Júlio Alves de Sousa e Maria Vitória Brandoa de Souza Vaz. Em 1893 ingressou na Academia Portuense de Belas Artes, foi aluno de Teixeira Lopes e Marques de Oliveira. Enquanto estudante na cidade do Porto, executou violino na Tuna da Universidade do Porto. Nos finais do Séc. XIX vai a Paris em busca de aperfeiçoamento na Academia de La Grand Channiére sob a direcção do mestre Jean-Antoine Injalbert. Em 1904 encontra-se em Portugal a leccionar na Escola Industrial Dr. Bernardino Machado (Lisboa) e mais tarde na Escola Industrial Machado de Castro (Lisboa). Enquanto escultor e com uma carreira de cerca de 70 anos a trabalhar com a Sociedade Nacional de Belas Artes produziu muitas obras nas quais se destacam o Adamastor no miradouro de Santa Catarina e a “Austera” (3º prémio da República).
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I Centenário da República - Os Símbolos da República
É de notar o facto dos escultores a concurso apresentarem a imagem da República com o barrete frígio, então designado como “chapéu da época”, algo associado ao movimento revolucionário do 5 de Outubro e aos vitoriosos da liberdade, da República e da democracia a par de uma difusão de ensaios em desenhos, gravuras e caricaturas da época.11 Entre os escultores a concurso (além dos citados) está João da Silva, cuja cabeça do busto esteve colocada na Câmara dos Deputados durante a Assembleia Constituinte de 1911 e foi descrita por ter “forte expressão colérica”, a ser substituída em 1916 por uma estátua da República Portuguesa do escultor Anjos Teixeira, executada em gesso, vestida com uma toga a segurar na mão esquerda a esfera armilar com o escudo e as quinas e que actualmente se encontra na Sala das Sessões da Assembleia da República.
Busto oficial da República (da esquerda para a direita, 2º, 1º e 3º prémio).
Francisco dos Santos, Almeida Sobrinho e Artur Prat.
11 - O barrete frígio, associado à liberdade era uma prática em outros escultores como se observa na figura alegórica num dos medalhões do coroamento da porta do Senado de S. Bento. Trata-se de uma escultura em mármore de Carrara executada por Anatole Calmels, datada de 1865-1867 (anterior à implantação da República).
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Teatro Avenida (Coimbra). Primeiro Aniversário.
Moeda portuguesa de 1911 (efigie da República de Simões de Almeida).
Um outro escultor a concurso foi Artur Prat12 com a divisa “AEQUO ANIMO”, durante algum tempo exposta na Galeria da Câmara Municipal. Sobre esta escultura a edição do Diário de Notícias de 12 de Outubro de 1911 sob adirecção de Brito Aranha, diz o seguinte: “...É um formoso rosto de mulher varonil, de expressão enérgica e decidida, de olhar leal e profundo, fronte altiva e inteligente, coroada pelo barrete frígio e cercado de loiros. Tem ao pescoço uma corrente em forma de colar do qual pende um medalhão sobre uma âncora, tendo ao centro a data 5 de Outubro de 1910 e em volta as palavras Exército, Povo, Marinha. Da direita para a esquerda passa-se à laia de bandoleiras, uma fita com 8 estrelas, simbolizando as 8 Províncias Ultramarinas. Na base, ramos de oliveira e carvalho e ao centro dele um escudo e as iniciais R.P., ao meio das quais se vê uma bala de armas e de onde parte para um e outro lado uma fita com a segunda legenda; - Liberdade, Justiça, Solidariedade...”.
Em 1911, o director da Casa da Moeda realiza um concurso público para a efígie da moeda de 1 escudos, 50 e 20 centavos e determina esta “dever ser inspirada na Vénus de Milo e para lhe dar o cunho de formosura nacional teria de modelar-se a saliente rectilidade da sua linha facial, conforme perfil das nossas portuguesas d’Aquém e d’Além Mar...”. O júri foi composto por Velozo Salgado (pintor), Teixeira Lopes e Costa Mota (escultores). Ganhou o concurso, Simões de Almeida (sobrinho) e em 1912 a sua efígie está presente na moeda nacional.
12 - Artur Prat nasceu em 1861 no Brasil e morreu em Lisboa em 1918. Aos 10 anos de idade veio viver para Aveiro com os pais e o irmão José de Fonseca Prat. Em Aveiro frequentou o ensino Primário. Os estudos liceais decorreram na cidade de Lisboa na Escola Politécnica e Academia de Belas Artes. Após conclusão do curso leccionou e dirigiu a Escola Industrial de Portalegre e mais tarde as de Lisboa e Coimbra. Além de professor distinguiu-se como pintor com muitas exposições no Grémio Artístico de Lisboa e Exposição Universal de Paris. A partir de 1908 dedica-se à escultura e muitos dos seus trabalhos moram em França e algum tempo depois fixa-se em Lisboa na rua António Augusto de Aguiar a executar várias esculturas sendo a mais evidente a produzida em 1916 para encimar o mausoléu fúnebre no cemitério de Aveiro, titulada de “O Último Alento”.
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I Centenário da República - Os Símbolos da República
Após aprovação do concurso e homologação da “Fraternitatis” como busto oficial da República Portuguesa, as réplicas difundiram-se por todos os edifícios públicos e muitos são os fabricantes a produzi-las, algumas vezes adulterando. A prova pode aferir-se no edifício dos Paços do Concelho de Montemor-o-Velho em que o busto da Sala das Sessões está datado de 1908 e assinado por Simões C e o do Salão Nobre (antigo Tribunal) apenas está legendado “5-10-1910”. Estes dois bustos foram comprados em Lisboa em Julho de 1911 por 76$800 (setenta e seis mil e oitocentos reis) à firma de Paulo Guedes & Saraiva, cujo preço, transporte e encaixotamento pagou Henrique Simões dos Santos. Em Setembro de 1911, a autarquia montemorense pagou ao carpinteiro, Elísio dos Santos 4$000 (reis) pela feitura da coluna para colocação do busto e a 7 de Outubro de 1911 pagou-se a Francisco Maria da Silva a quantia de 11$500 pelo aluguer, montagem e água do gazómetro para a festa do 1º aniversário da República (AMMV).
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Armando Gonsalves*
Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 10, 2011, 87 - 93
Como ter um bom coração? Evitar as doenças cardiovasculares.
As doenças cardiovasculares - angina de peito, enfarte do miocárdio, acidente isquémico transitório (AIT) e acidente vascular cerebral (AVC) - são a maior causa de mortalidade nos países desenvolvidos.
Factores de Risco das Doenças Cardiovasculares Os Factores de Risco das Doenças Cardiovasculares são muitos, devendo salientar-se que uns não são modificáveis como é o caso da Idade, do sexo e da história familiar de doença Coronária e outros são modificáveis pelo que é muito importantes evitálos adoptando estilos de vida mais saudáveis e/ou associando terapêutica medicamentosa, podendo assim evitar ou retardar o aparecimento das referidas doenças cardiovasculares. Passamos a enumerar os factores de risco modificáveis: o tipo de alimentação, o aumento do colesterol, o aparecimento da diabetes, da hipertensão arterial, a vida sedentária, a obesidade, o tabagismo e o stress. No que respeita à mudança do estilo de vida há que melhorar a dieta, combater a obesidade, diminuir o peso e evitar o sedentarismo aumentando o exercício. É fundamental não consumir excesso de sal, de gorduras, de bebidas alcoólicas e açúcar (doces). Relativamente à alimentação esta deve ser saudável e equilibrada, evitando o excesso de peso o que facilita o trabalho cardíaco, diminuindo o consumo de O2 durante o esforço e prevenindo as doenças coronárias. Uma dieta saudável e equilibrada contribui para manter os níveis das gorduras no sangue * - Armando Gonsalves (Médico Cardiologista). Ilustrações do pintor Abrunheiro.
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Armando Gonsalves
nos limites normais, previne o aparecimento de outras doenças como a Hipertensão Arterial a Diabetes e a Gota e melhora a qualidade de vida. Para combater a obesidade deve-se também praticar exercício físico que melhora o estado físico e psicológico, reduz o perigo das doenças coronárias, tonifica os músculos e estimula a circulação, controla o peso melhorando a função ventricular e aumenta capacidade ao esforço.
A prática de actividade física é fundamental e pode optar-se pelo seguinte: passeios 3 a 5 vezes por semana, natação de preferência em piscinas aquecidas, bicicleta em terreno plano ou em bicicleta estática, exercícios suaves de ginástica e de relaxamento, desportos convencionais e outros tipos de jogos, físicos, psicomotores e sociais. O tabagismo está directamente relacionado com as doenças pulmonares e com as doenças cardíacas nomeadamente com as doenças coronárias, pelo que é indispensável deixar de fumar. O tabagismo é um dos factores de risco mais controlável, estando relacionado à doença cardiovascular, nomeadamente por acelerar o aparecimento das placas de colesterol nas artérias.
A Hipertensão Arterial e como a Evitar De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera-se que todo o individuo que apresente, sustentadamente, valores de Tensão Arterial (TA) acima dos 140/90 mmHg é hipertenso. Contudo, os peritos da OMS, na sua última reunião, apontam como valores máximos desejáveis os de 120/80 mmHg, valores que não devem ser ultrapassados nomeadamente nos doentes coronários e ou diabéticos.
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Como ter um bom coração?
Incidência da hipertensão na população adulta portuguesa Como se sabe a hipertensão arterial (HTA) apresenta-se com uma elevada incidência, constituindo um problema de saúde pública, mas em grande parte dos doentes o diagnóstico não está feito porquanto os doentes hipertensos são muitas vezes assintomáticos. Assim, a HTA é considerada, por muitos especialistas, como uma “epidemia silenciosa”. De uma forma geral, a HTA não dá qualquer sintoma e o doente, antes do seu diagnóstico, pode ter uma excelente qualidade de vida, Segundo os estudos realizados em 2004 a incidência da hipertensão arterial (HTA) em Portugal é elevada, atingindo 40,9% da população para o contribuem os hábitos alimentares e o consumo de excesso de sal, inclusive no nosso pão.
M. E. Macedo e col. 2004 (SPH/IBMC 1
Tratamento da Hipertensão Arterial O tratamento inicial da HTA consiste na mudança dos hábitos de vida, começando por melhorar a dieta, combater a obesidade e diminuir o peso, combatendo o sedentarismo e aumentando o exercício. No entanto, para combater a hipertensão arterial é muito frequente a necessidade usar medicamentos antihipertensivos: diuréticos, IECAS, ARAS, antagonistas do cálcio, beta bloqueantes e outros. A qualidade de vida dos hipertensos tratados com estes fármacos pode ser afectada pelos seus efeitos colaterais o que constitui um dos factores para o facto de, em 2004, em Portugal, apenas 11% dos doentes hipertensos medicados se encontrarem com a sua tensão arterial controlada.
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Armando Gonsalves
A Culinária e o Colesterol Sem colesterol a vida humana não é possível pois tanto ele como os seus derivados são fundamentais, por exemplo para a produção de hormonas, da vitamina D e para a formação de membranas celulares. No entanto, um excesso de colesterol no sangue, mais do que um simples factor de risco das doenças cardiovasculares, é uma das principais causas da obstrução das artérias. O Colesterol atravessa a parede mais interna, a intima, deposita-se entre esta e a parede média, formando as placas de colesterol que estão na base do processo da aterosclerose. É indispensável saber que o Colesterol total é constituído por duas fracções que são transportadas pelo sangue ligadas às lipoproteinas O Colesterol LDL (ligado às lipoproteinas de baixo peso molecular) é conhecido como o colesterol mau, pois atravessa a intimas das artérias originando o aparecimento de placas de colesterol que constituem a base da aterosclerose. O Colesterol HDL (ligado às lipoproteinas de alto peso molecular) conhecido como o colesterol bom, não só não atravessa a intimas das artérias como também evita que a fracção LDL o faça.
Controlar o Colesterol Para controlar o colesterol é necessário diminuir o consumo de alimentos e gorduras de origem animal (carnes vermelhas. manteiga, queijo, pele das aves) e aumentar o consumo de peixe e o uso de gorduras vegetais como, por exemplo, o azeite. Para controlar o avanço da aterosclerose e das suas repercussões no aumento das doenças cardovasculares é necessário controlar os níveis de colesterol total para menos de 190 mg/dl, aumentar o colesterol bom (HDL)” para cima de 60 mg/dl e baixar o colesterol mau (LDL), principal responsável pelo aumento das referidas placas, para níveis inferiores a 100 mg/dl Ao mesmo tempo há que manter os triglicerídeos, outra gordura, em níveis inferiores a 150 mg/dl para o que além da dieta já referida se deve evitar o consumo de álcool e açúcar. Estas medidas que contrariam o aumento das placas de colesterol (ateroma) nas paredes das artérias, atrasam a evolução da aterosclerose assim como as manifestações de atrotrombose, principal causa do Enfarte do Miocárdio, do Acidente Vascular Cerebral e da Morte Súbita. 90
Como ter um bom coração?
Qualidade de Vida: diminuir o Stress Após a II Guerra Mundial começou a usar-se o conceito “Boa Vida” para referir a conquista de bens materiais tais como: casa própria, aparelhos electrodomésticos, carros particulares e outros meios de consumo.
O conceito evoluiu para “Qualidade de Vida” englobando o crescimento económico, melhores condições de trabalho, o direito à saúde, à educação e ao lazer. A luta para ter estes bens aumentou o Stress que agrava todos os factores de risco Para alguns Qualidade de Vida tem uma perspectiva social, defendendo que a mesma não traduz predominantemente bem-estar ou felicidade individual mas sim uma satisfação global. Finalmente, para a comunicação social, este conceito está frequentemente associado à saúde, a hábitos de comportamento, à qualidade ambiental, às condições económicas e ao exercício regular da actividade física.
Aterosclerose/Aterotrombose – Um processo de Doença Generalizado e Progressivo
Circulation 1995; 92;1355-1374
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Armando Gonsalves
Ao contrário do que se pensava alguns anos atrás, a aterosclerose começa na infância se bem que a maior parte das suas manifestações se façam sentir mais tarde, nomeadamente, na terceira da década da vida nos homens e 10 anos depois nas mulheres. Porém, a evolução temporal da aterosclerose, que se pode ver na imagem que se segue, inicia-se desde o nascimento ou mesmo na vida intra-uterina, com o aparecimento de células espumosas e estrias lipídicas. Estas formações evoluem para lesões múltiplas entre a intima e a média de todas as artérias (lesão intermédia) seguidas do aparecimento de placas de colesterol constituindo o ateroma. Esta placa de colesterol pode ser estável ou instável. Na primeira situação evolui diminuindo o fluxo sanguíneo do que resulta a falta de sangue e oxigénio nos territórios irrigados por estas artérias. Se a evolução é típica de uma placa de colesterol instável acontece a ruptura da parede e a formação de um trombo (aterotrombose) que obstrui, bruscamente, toda a artéria levando à morte dos tecidos que ela irriga.
Manifestações Clínicas da Aterosclerose e da Aterotrombose Como vimos a evolução da aterosclerose faz-se desde o nascimento mas os seus sintomas aparecem mais tarde e a partir dos 30 anos no homem e 10 anos depois nas mulheres com o aparecimento da menopausa, altura em que faltam as hormonas femininas que atrasam a evolução da aterosclerose. Se estamos perante uma evolução da aterosclerose com placas estáveis as manifestações clinicas são as seguintes: a nivel dos membros inferiores: dor musculares nas pernas após esforços, obrigando o individuo a parar, o que se designa por claudicação intermitente; a nível do cérebro: diminuições de algumas capacidades como, por exemplo, da memória e do raciocinio; e a nivel do coração: a angina de peito estável. Se estamos perante uma evolução em que a placa rompe para dentro do vaso, de que resulta um trombo, o que é mais frequente nas placas de colesterol instáveis as manifestações clinicas são as seguintes: a nivel dos membros inferiores: dor em repouso e necrose dos tecidos; a nivel do cérebro o Acidente Isquémico Transitorio e o Acidente Vascular Cerebral; a nivel do coração: Angina de peito instável, o Enfarte do Miocárdio e a Morte Súbita.
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Como ter um bom coração?
Adaptado de: Falk E et al. Circulation 1995; 92: 657–71.
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José Carlos da Silva Duarte*
Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 10, 2011, 95 - 102
Tradições populares A génese da cultura popular Define um povo, a sua identidade Enraizada através da oralidade Ao longo dos séculos, secular, Prevalece e importa preservar Passada de gerações em gerações Testemunhos de velhos anciões Prevalecem ao longo dos tempos Inesquecíveis, inéditos momentos, Os usos, os costumes e as tradições.
As Janeiras “Vamos cantar as Janeiras Vamos cantar as Janeiras Por esses quintais adentro Vamos às raparigas solteiras Vamos cantar orvalhadas Vamos cantar orvalhadas Por esses quintais adentro Vamos às raparigas casadas”
“Tradicional – José Afonso”
* - José Carlos da Silva Duarte (Natural de Santo Varão, Prémio Literário Afonso Duarte, 2010).
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José Carlos da Silva Duarte
Mal o ano está a começar Já as Janeiras dão o mote Do baú sai o capote A samarra a acompanhar Para as Janeiras ir cantar De viola e gabão Sanfona e acordeão Os ferrinhos a tilintar E o bombo sempre a rufar Percorre-se a povoação. Vamos de porta em porta, Como Cristo para o Calvário Até ao último destinatário Nem a geada se nota O frio perdeu a aposta Desvaneceu-se pelo caminho Agradece-se com carinho Brinda-se ao nosso anfitrião Trauteia-se outra canção Abençoado seja o vinho.
Os Badalos Nas frias noites de Inverno Que antecedem o Carnaval Prepara-se a preceito o ritual Depois dum jejum quase eterno Vem aí noites de inferno Após longa e exausta ponderação, Estudam-se os alvos em questão Escolhidos todos a dedo Não há que ter medo Cumpra-se pois a tradição. À hora que estava marcada A seita está reunida Chegou a hora da partida A estratégia é delineada A primeira “vítima” seleccionada Entretanto, pelo caminho Apanha-se um ou outro vasinho, Enfeita-se o adro da igreja Para que amanhã tudo veja Um altar bem jeitosinho. À porta do “Ti João” Prende-se uma linha à tramela, Presa a um fio de vela A um bom palmo de mão, Ata-se uma pedra do chão Estica-se o novelo prudentemente Até à distância conveniente. Está pronto o badalo Agora é só puxá-lo Soam pancadas suavemente.
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Tradições Populares
Já é tempo de acordar O badalo é o despertador Levanta-se o “Ti João Doutor” Preparado para ripostar Espavorido e a resmungar Sai para a rua desvairado A rogar pragas enervado No encalço dos meliantes Prontos a dar aos calcantes Em ceroulas e sem calçado. Regressa a casa esfalfado Depois de enorme correria Acossado pela gritaria Pega na forquilha e no machado Volta para a rua já trajado Saca de rompante da navalha – “Se apanho um leva uma malha” Já larga os bofes pela boca… Desiste, sente-se um lorpa Atrás dos apupos da canalha. A malta continua a digressão... Foi mais uma noite de glória Amanhã, repete-se a história, Na arte secreta da badalação. Cumpriu-se a tradição... Na capoeira já canta o galo A anunciar o intervalo Passa-se pela padaria Mata-se a fome e a azia, Ainda há tempo doutro badalo.
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José Carlos da Silva Duarte
“Serração da Velha” – “As freguesias” “Oh Velha, o que deixas aos teus netos?”
Abrunheira Deixo um vulgar espantalho Iguais aos da Abrunheira Para me guardar a cerejeira Poupa tempo e trabalho E tu meu bandalho Juro que me vou vingar Quando logo fores jantar Já que tens a língua afiada Só me queres é ver serrada Uma praga te vou rogar.
Arazede Vou mandá-los para Arazede Pois a Filarmónica vou comprar Para aprenderem a tocar Mas tu ainda estás muito verde Vou-te encostar à parede Não penses que te vais safar Das marcas estás a passar E sempre com insinuações Levas dois cachações Que até as calças vais sujar.
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Carapinheira Um autocarro do Moisés Daquele da Carapinheira Para poder ir à feira São mais que as marés Só que ninguém lá mete os pés Quem terá sido o obreiro? Talvez algum engenheiro… Como aquele que prometeu fazer Um moderno parque de lazer, Mas faltou-lhe o dinheiro.
Ereira Fui um dia destes passear Lá para as bandas da Ereira E que me deu na mioleira? Uma lampreia ir comprar Que o meu neto sabe arranjar Mas fui mijar atrás dum arbusto E o vestido era-me curto Rasguei a aba do vestido Que de curto passou a comprido Apanhei um grande susto.
Tradições Populares
Liceia
Montemor-o-Velho
O que eles vão herdar Dá para o seu sustento Está tudo no testamento Mas só me sabes é serrar Com um penico vais levar E já não eras o primeiro... Não fales é de boca cheia Vamos viver para Liceia Faço dele ti meu herdeiro Mas tem de me limpar o cagueiro.
Aquele monte onde o abade De Montemor se defendeu E o povo lhe agradeceu Com amor e lealdade Mas agora o que é verdade Nem eu sei o que dizer… Quem me pode esclarecer? Seja Domingo ou Feriado, Está sempre tudo fechado Nem o Castelo se pode ver. Mas agora vou fazer um fadinho Ao “Leal” e ao bom “Cristo” Que já andam há muito nisto E também ao “Santo Antoninho” Um lugar para o meu netinho Ou à “Vereadora da Cultura” Para lhe arranjar um lugar à altura Naquele complexo moderno De apoio à pista de remo Que agora parece uma sepultura.
Meãs Nas Meãs deixo uma herdade E uma grande ganadaria. Uma quinta onde tudo se cria. Diz quem sabe é verdade Uns tractores novos quem sabe Pois não há nada melhor Que a “Capital do Tractor” Porta sim, porta não Têm sempre um à mão Nem precisa ser agricultor.
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José Carlos da Silva Duarte
Pereira
Seixo/Gatões
Na monástica “Vila de Pereira” Deixo o meu velho celeiro Que era dos Duques de Aveiro Terra onde existiu a freira E da queijada verdadeira Deliciosa que é um encanto E gentes de nobreza Com a mania da realeza Têm a ponta do rabo branco Mas não é Vila, é Pereira do Campo.
Vacas charolesas, leiteiras, Patos, perus até mais não, Galos de pica no chão, Galinhas no choco, poedeiras, Coelhas, boas parideiras, Varas de porcos e leitões, Azeite, milho e mel, Vinho, tudo a granel, Duas oficinas de reparações Uma no Seixo, outra em Gatões.
Santo Varão Umas terras lhe vou deixar, Para fazer um nova associação Que já são poucas em Santo Varão. É mais uma a pedinchar E o “Zé Povinho” sempre a inchar. É para o Rancho, é para as “Ligas” Ou para o Centro Beira Mondego Anda tudo num desassossego O futebol são só urtigas E o povo quer é cantigas.
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Tentúgal Queijadas, pasteis deliciosos, De Tentúgal, são um regalo, Sei bem do que falo Fantásticos saborosos Tu e ele são uns gulosos E com muita imaginação Um grande pastel vai fazer Para o recorde mundial bater Vai causar furor e sensação E dar duas voltas à povoação.
Tradições Populares
Verride Uma barca para ir pescar Em Verride o “meixão” Mesmo que vá para a prisão Acabam por o soltar. E tu só me sabes é serrar Mas a vingança vai ser cruel Não queria estar na tua pele Devias era ter vergonha. Ai se a tua mulher sonha Nem São Mateus te vale.
Vila Nova da Barca Para o rio poder descer De Vila Nova uma barcaça Já pedi a quem lha faça Mas enquanto está a fazer Vai a nado para aquecer Acaba lá com o sermão Que se acabou a serração Por causa de ti meu idiota Estou a ficar mal disposta Venham dar-me a extrema-unção Caríssimos irmãos, encontramo-nos aqui neste momento, para encomendar a alma desta nobre criatura que antes de partir para o outro mundo, deixou todos os seus bens aos netos. Rezemos, pois, pela alma desta nossa avozinha, que apesar de ter pêlo na venta, antes de partir ainda teve forças
para deixar o seu legado, do que tinha de mais valor nas várias freguesias aos seus netos, para que estes usufruíssem duma vida melhor. Todos aqueles por mais ricos, ou forretas que sejam, lembrai-vos que a riqueza é um bem terreno, e que mais cedo ou mais tarde todos dela abrem mão. E todos aqueles que não souberem aceitar as criticas desta nobre avozinha, de bom grado, perdoai-lhes Senhor pelo seu mau feitio. E nesta hora de amargura, caríssimos irmãos, juntemo-nos pois todos em oração, e oremos pela alma da nossa avozinha, que já está amortalhada, e acompanhemo-la até à sua última morada, onde finalmente vai repousar em paz e sossego. Ámen. Á porta da infra benzaremos A nostre, patre filhos Espiritus santes ámen. Dominus, efectuns, defuntuns, Dominus bispo, ámen. Dominus bispo, O teu pai foi um corisco Mas ainda pior era a mãe Dominus bispo, ámen. Dominus, defuntuns, ámen. Dominus, efectuns, defuntuns, Dominus bispo, efectuns, Dominus, defuntuns, ámen.
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O 3 de Maio “Dia da Bela Cruz, mês de Maria” Mês de Maio, de celebração De Maria, da “Bela Cruz”, Imaculada mãe de Jesus, De Cristo, símbolo da paixão De recolhimento, de introspecção, De orações, rezar o terço, orar, E no adro namoricos ao luar Depois das novenas em louvor Da Virgem e do Redentor E dos cruzeiros enfeitar. “O sol é eterno não dorme Se morre volta a nascer É como a luz do nosso amor Que nunca há-de morrer”
“Popular”
Das declarações de amor Nas paredes como papéis As canetas eram pincéis “Amor a quanto obrigas” Poéticas missivas Satíricas ou não no seu teor Se atrás da mão do autor Estivesse já o prometido Ou algum outro preterido Ferido no orgulho, e no amor.
Mónica Santa Rita*
Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 10, 2011, 103 - 120
A Instrução Pública em Montemor-o-Velho: A Escola Conde de Ferreira Introdução Inaugurada a 6 de Agosto de 1870, a Escola Conde de Ferreira foi considerada um marco importante no desenvolvimento intelectual de uma população maioritariamente analfabeta. Neste sentido, e numa altura em que tanto se debate o estado da educação em Portugal e as reformas que se pretendem implementar, achámos pertinente investigar os primórdios do ensino primário na vila de Montemor-o-Velho e a realidade cultural e intelectual de uma população que tinha no campo o seu principal meio de subsistência e que não tinha posses para uma instrução particular. É este percurso, desde a constatação da falta de condições da escola existente até à inauguração da casa da escola Conde de Ferreira, que pretendemos ilustrar neste estudo, realçando o empenho das várias individualidades envolvidas. Assim, optámos por dividir este trabalho em cinco capítulos: o primeiro, mais geral, retratando a instrução primária em Portugal até ao século XX; no segundo, procurámos ilustrar a acção da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, nomeadamente em relação ao legado do Conde de Ferreira e à aquisição do terreno para a construção da casa da escola. O terceiro capítulo, sobre a construção da casa da escola, revela-nos quais os materiais, as obras e as mobílias definidas para o eficaz exercício do ensino; a inauguração da casa, no quarto capítulo, é o culminar de todos estes esforços e da boa vontade dos “ilustres” do Concelho. Finalmente, no quinto e último capítulo, procurámos ilustrar a utilização posterior do espaço, não como escola mas sim como Jardim-de-infância, que manteve a sua função educativa.
* - Mónica Santa Rita (Técnica Superior de Arquivo - A.M.M.V.).
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Mónica Santa Rita
1. A Instrução Primária, em Portugal, até ao século XX Ao longo dos séculos, em Portugal, o ensino público foi palco de sucessivos avanços e recuos, interesses e desinteresses. Desde o século XVI, e até à reforma empreendida pelo Marquês de Pombal, competia à Igreja o ensino das letras, dos números e do catecismo. Procurava-se moralizar os costumes e as consciências, incutindo nas crianças as regras de conduta morais e civis. Contudo, este ensino, ministrado pelos mestres e mestras, era “discriminatório” uma vez que apenas os mais favorecidos tinham meios para o pagar. Mesmo com as reformas introduzidas pelo Marquês de Pombal esta discriminação manteve-se: apenas os “homens bons” do Concelho, os pequenos e médios proprietários, que podiam pagar o subsídio literário, tinham acesso a um ensino gratuito. A legislação mais significativa destas reformas educativas, a Carta de Lei de 1772, de 6 de Novembro, apenas colocou o ensino sob a alçada do Estado, através da criação de um lugar de Director dos Estudos, na dependência directa do rei. De resto, tudo na mesma. Foi Passos Manuel, Ministro do Reino do Governo de D. Maria II, quem promoveu a criação e organização de novas escolas. No entanto, somente na Constituição de 1822 se estabeleceu a instrução primária e o papel dos Municípios: “Cuidar das escholas de primeiras letras, e outros estabelecimentos de educação que forem pagos pelos rendimentos públicos”. Na Carta Constitucional de 1826 e na Constituição de 1838 instituiu-se, finalmente, o ensino gratuito e livre a todos os cidadãos. Mas foi, sobretudo, no reinado de D. Luiz e graças ao legado do Conde de Ferreira, que se deu um grande impulso à regulamentação do ensino primário em Portugal, definindo-se a expropriação de terrenos com vista à construção de escolas (Lei de 27 de Junho de 1866, art.º 1º) e o estabelecimento das condições para o exercício do ensino (Lei de 20 de Julho de 1866). Em Julho de 1871, a Junta Consultiva da Instrucção Pública responsabilizava os Governadores Civis pela organização e coordenação de comissões que inspeccionassem e aprovassem, localmente, as casas e os objectos. Mas é com a República, cujo objectivo era a extinção do analfabetismo que, em 1911, se define que “O ensino primário elementar será obrigatório e gratuito”.
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A Instrução Pública em Montemor-o-Velho: A Escola Conde Ferreira
2. A acção da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho: o legado do Conde de Ferreira e a aquisição do terreno Ao acompanhar o Comissário dos Estudos do Distrito de Coimbra, em 23 de Agosto de 1864, na inspecção às casas da escola deste concelho, o executivo camarário teve conhecimento das condições, ou falta delas, em que era ministrado o ensino primário na vila de Montemor-o-Velho. O local, do qual não sabemos exactamente a localização mas que seria, talvez, a casa do professor como era costume na época, “[…] era insuficiente por falta d’espaço e a capacidade para o numero dos alumnos que a frequentam assim como que a mobilia é imprópria e incapaz”.1 A Câmara empenhou-se, então, na procura de soluções eficazes. Primeiramente, pensou-se na mudança para uma casa da Câmara, situada na Rua Direita desta vila, mas logo desistiram da ideia porque a mesma também não seria suficiente. Num segundo momento, procuraram outras casas e, encontrando uma que oferecia as condições necessárias, mas que precisava de obras, decidiram que se mudasse “desde já e interinamente para o celeiro da Magdalena pertencente ao Hospital d’esta villa”2, mediante o pagamento de uma renda. Contudo, o arrendamento destas casas, não só a da vila mas também as do concelho, era muito dispendioso para o Município. Só em 1865 e 1866 gastaram cerca de cento e noventa mil reis nas escolas, sendo que, por cada ano, as rendas perfaziam um custo de trinta mil reis e as mobílias, oitenta mil. Finalmente, a 23 de Abril de 1866, a Câmara constatou que, por ocasião da morte do Conde de Ferreira3, este havia deixado “144:000.000 reis para construcção de [fl. 83v.] casas d’eschola na cabeça do concelho”4 e “accordou pedir aos testamenteiros a quota respectiva para a construcção da casa da eschola obrigando-se a Camara a dar o terreno para a casa”5. Iniciadas, desde logo, as diligências com o Administrador do Concelho e com o Governo Civil, a 27 de Outubro de 1866 a Câmara recebeu um ofício6 deste último a remeter a planta do edifício e a lembrar a obrigatoriedade de construção da escola conforme a mesma, ao que deliberou responder que “[…] se obrigava a fazer a obra
1 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 1864-1869, fl.3r. 2 - Idem. 3 - O Conde de Ferreira, de seu nome verdadeiro Joaquim Ferreira dos Santos, nasceu a 4 de Outubro de 1782, em Campanhã, no Porto. Filho de lavradores, em 1800 emigrou para o Brasil onde fez fortuna. Regressando a Portugal em 1832 e, apoiando Costa Cabral a partir de 1842 e também a Rainha D. Maria II, foi agraciado com vários títulos, tais como: Par do Reino, Barão, Visconde e, finalmente, Conde. Afastado da vida política desde a Regeneração, faleceu a 24 de Março de 1866. 4 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 1864-1869, fls. 83r. – 83v. 5 - Idem, fl.83r. 6 - Cf. AMMV, Correspondência, 1866-1867.
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Mónica Santa Rita
projectada conforme a planta […]”7. No entanto, apenas a 19 de Janeiro de 1867, é que recebeu a confirmação da atribuição de 1:200$000 reis para a construção e conheceu o teor das sete condições a cumprir8: “[…] 1ª. A Camara obriga-se a fazer construir a casa para a eschola e vivenda do professor, observando rigorosamente a referida planta, e bem assim a prover a mesma eschola da mobilia mais indispensavel, a saber: mesa e cadeira para o professor, bancos e mesas munidas de tinteiros para 48 alumnos pelo menos, segundo o systhema approvado nas instrucções do Governo de 20 de Julho ultimo9. 2ª. O legado de 1:200$000 reis será realisado em quatro pagamentos eguaes, sendo o primeiro10 logo depois de ultimado o contracto mostrando-se estar na posse da Camara o terreno preciso para a eschola e suas dependencias; o segundo quando a obra de pedreiro estiver em meio; o terceiro depois de coberto o edeficio; e o quarto e ultimo depois de terminada a obra de carpinteiro e trolha. Terceira. esta nossa circular será copiada do theor no livro em que se lavram as actas e as Vereações e depois d’acceite o contracto e approvado pelo concelho do districto nos será remettida uma copia fiel tanto da acta como do accordam do concelho do Districto que o approvou para [fl. 123r.] nos serois de titulo como se fora escriptura publica. Quarta. Esta nossa circular servirá egualmente de titulo como se fora escriptura publica em que nos compromettemos a satisfazer o legado nos termos da condicção segunda. Quinta. Para receber as demais prestações de que tracta a condicção 2ª é necessário informação passada pelo Exmº. Sr. Governador Civil do Districto de como estão satisfeitas as condicções de que depende o pagamento da respectiva prestação nos termos da clausula segunda d’este contracto, e a pessoa que houver de receber a prestação deverá apresentar-se munida de procuração e passará o recibo no verso da informação. Sexta. A edeficação da casa deverá ser executada dentro do praso de doze meses a contar da circular em que accusarmos a recepção deste contracto na forma da condicção terceira. Septima. Finalmente terminada a edeficação dever-nos-ha ser remettida uma copia da acta da enauguração da eschola para com ella comprovar-mos a execussão do legado”.11
7 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 1864-1869, fl. 109v. 8 - Cf. AMMV, Correspondência, 1866-1867. 9 - AMMV, Colecção de Legislação Portuguesa, 1866, pp. 323-324. Lei de 20 de Julho de 1866, artºs 38º a 45º: define-se o local da mesa e cadeira do professor e dos bancos dos alunos; devem existir também, por exemplo, um quadro, um relógio, um quadro métrico, colecções de pesos e medidas, um metro, uma caixa de desenho com transferidor, entre outros. Cf. Fig. 1. 10 - Cf. AMMV, Correspondência, 1866-1867. 11 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 1864-1869, fls. 122r. – 123r.
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A Instrução Pública em Montemor-o-Velho: A Escola Conde Ferreira
Aceites as condições e confirmada a atribuição da quantia de mil e duzentos reis, era necessário, agora, encontrar um terreno que se adequasse à construção da casa da escola. O Presidente, José Augusto de Almeida Ferreira Galvão, na posse da autorização que lhe fora concedida na sessão de 19 de Janeiro de 1867, encetou várias diligências nesse sentido. Então, a 9 de Março de 1867, definiu-se que a edificação da casa da escola seria feita num terreno situado na “Rua das Amexearias”, pertencente a Joaquim António Teixeira Barbosa12. Apesar de se ter chegado a um entendimento amigável para a compra do terreno, a verdade é que o proprietário, atendendo à finalidade do mesmo, o doou, à Câmara Municipal, com a “[…] clausula expressa de não poder em tempo algum servir para outro fim que não fosse casa d’eschola […]”13. Assegurando, com esta escritura, o cumprimento do compromisso assumido para com os testamenteiros do Conde de Ferreira, a Câmara poderia agora dar início às obras de construção, visto que apenas dispunha de doze meses para a concluir.
3. A Construção da Casa da Escola Concluídas as formalidades legais, nomeadamente a aquisição do terreno e o acordo com os testamenteiros do Conde de Ferreira, a Câmara podia agora começar os trabalhos. Com base na planta definida, pelo Conde de Ferreira e na Lei de 20 de Julho de 1866, todos os pormenores foram atentamente observados: a normalização das áreas, a iluminação, o arejamento, a exposição solar, o mobiliário, o espaço do recreio e, ainda, a especialização de outros espaços, tais como a secretaria, a biblioteca, o gabinete da direcção, as salas de reuniões e de professores. A arquitectura do edifício foi, também ela, claramente definida: uma planta14 rectangular, com um telhado de duas águas e cercada por um muro de suporte e gradeamento em ferro com dois portões. A fachada, elemento privilegiado do edifício, era constituída por janelas rectangulares, rodeadas de cantarias, e uma porta principal, sobre a qual existiriam duas epígrafes: “24 de Março de 1866”15 e “Conde de Ferreira”16 e, acima destas, uma torre sineira17. A escola Conde de Ferreira de Montemor12 - Joaquim António Teixeira Barbosa era um importante negociante de Coimbra que, na altura, residia em Lisboa. 13 - AMMV, Idem, fls. 131v. 14 - Cf. Fig. 2. 15 - Data da morte do Conde de Ferreira. 16 - Esta inscrição, comum a todos os edifícios, pretende homenagear este benemérito cidadão que, doando parte do seu património para a construção de escolas primárias, pretendia assegurar um futuro mais instruído a quem não tinha recursos: “[…] convencido de que a instrucção pública é um elemento essencial para o bem da sociedade, quero que os meus testamenteiros mandem construir e mobilar cento e vinte casas para escolas primárias de ambos os sexos nas terras que forem cabeças de concelho, sendo todas por uma mesma planta e com acomodações para vivenda do professor”.
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Mónica Santa Rita
-o-Velho, construída segundo este modelo, tinha e tem, por baixo da segunda epígrafe mencionada, a inscrição “e Câmara Municipal de Montemor-o-Velho”18. Apesar de não termos notícia da data exacta de início dos trabalhos, pressupomos que teria sido quase imediatamente, pois tinham um limite temporal de doze meses. Era, então, necessário deitar mãos à obra. Arrematadas em praça pública a quem por menos as fizesse, as obras foram, também elas, alvo de uma descrição detalhada, definindo-se todos os materiais a aplicar. Desde a pedra para o pavimento aos caixilhos das janelas, passando pelas grades e portões, todos os pormenores foram explicitados, como podemos atestar pelos vários autos de arrematação efectuados. Neste sentido e, sendo o primeiro do qual temos conhecimento, a obra de cantaria, arrematada a Manoel dos Sanctos Pinto, de Verride, consistia na construção de “[…] um portal para a frontaria que tera tres metros […] Duas janellas para a mesma frontaria […] duas portas […] dez janellas de peito”19. Esta obra, arrematada por 112$500 reis, deveria estar concluída no prazo de dois meses. Não sabemos, no entanto, se as mesmas foram efectivamente realizadas pois, como veremos adiante, foi feita nova arrematação à obra de cantarias, no ano de 1868. A arrematação seguinte, feita a José Cardoso Mota, em 13 de Abril de 1868, estabelecia a “[…] factura da grade e portão de ferro em frente da casa d’eschola”20, respeitando o desenho elaborado pelo mestre José Pires Ferreira. Devendo estar concluída até 15 de Junho de 1868, esta obra seria paga, a grade “[…] na rasão de cincoenta reis por cada quatro centos e cincoenta e nove grammas”21 e o portão “a septenta reis cada peso egual”22. Neste mesmo dia foram ajustadas as janelas, caixilhos e portas a Joaquim Duarte Cadima, pelo preço total de 60$000 reis. Não querendo, contudo, correr o risco de tornar esta exposição muito exaustiva, referiremos apenas quais as obras arrematadas, a quem e quando, e remetemos o leitor para o quadro, no qual se especificam os modelos seguidos. Assim, foram arrematadas as obras de soalho a António Carvalho, em 18 de Julho de 1868; as cantarias, como referimos anteriormente, a António Maria Miranda, a 2 de Agosto do mesmo ano; e, na mesma data, a obra de pedreiro, a Luís da Silva Coelho; a obra de carpinteiro, em 16 de Agosto, a José Pires Ferreira; a pintura, a Bento José Pinheiro, em 2 de Dezembro; e, já em 1869, a 27 de Agosto, o feitio da porta de ferro do recinto, a Francisco Ferreira da Silva Carvalho. É, contudo, no ano de 1870, que se ultimam os trabalhos com a conclusão das obras de pedreiro, carpinteiro e grades das janelas da casa do professor.
17 - Cf. Fig. 3. 18 - Cf. Fig. 4. 19 - AMMV, Idem, fl. 141r. 20 - Idem, fl. 180r. 21 - Idem, fl. 180v. 22 - Idem, fl. 180v.
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A Instrução Pública em Montemor-o-Velho: A Escola Conde Ferreira
Obras
Arrematante
Preço
-Portal para a frontaria -Duas janellas para a mesma frontaria -Duas portas -Dez janellas de peito -Grade e portão de ferro para a frontaria
Manoel dos Santos Pinto
112$500 reis
Joze Cardoso Mota
Grade – 50 reis por cada 459 grammas Portão – 70 reis cada peso igual 60 mil reis
-Janellas com caixilhos e vidraças -Portas almofadadas -Lisonja(?) para o pavimento – Branca e Preta - Cantarias para o Pórtico da Frontaria - Altear o muro -Ultimar a guarnição do exterior do edifício -Telhado -Caiação -Solhar o pavimento -Guarnecer os três portões exteriores -Sancar as “Guarda-Baçouras”(?) -Portal mais pequeno na arrecadação -Forrar o tecto -Fazer tabiques -Dividir em duas casas o pavimento -Vigamentos e ferragens pregadas -Caixilhos brancos -Caixas verdes -Portas e janellas “fingindo carvalho” -“Alizaris”(?) cor de vinho
Joaquim Duarte Cadima António Carvalho
1100 reis o metro
António Maria 62 mil reis Miranda Luiz da Silva Coelho 40 mil reis
José Pires Ferreira
48 mil reis
Bento Joze Pinheiro
70 mil reis
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Mónica Santa Rita
Obras
Arrematante
Preço
-Ultimar as latrinas -Guarnecer as paredes e enchê-las -Guarda-Bacouso(?) de asulejo -Telhado -Altear o muro -Assentar alquetrava na frontaria e um caxorro - Grades para as janellas da Casa do Professor - Portão de ferro
Joze dos Santos Martinho
5 mil reis
José Pires Ferreira
4 mil reis
Francisco Ferreira da 65 reis por cada Silva Carvalho 458 gramas
Alvo de uma atenta e rigorosa vigilância, por parte do executivo municipal, os trabalhos foram sendo realizados mais ou menos dentro dos prazos e fiéis aos modelos definidos. No entanto, se alguma não se adequasse aos ideais estabelecidos, a Câmara procurava soluções alternativas, como podemos ver no exame efectuado ao portão, junto do terreno do lado da rua das Amexearias, em 30 de Maio de 1868, no qual o “Vice Presidente […] porquanto na sua opinião e na de muita gente, não ficava elegante o portão destinado a dar entrada para o mesmo terreno”23. Nesta altura, o executivo não esteve com meias medidas, optando por colocar o portão destinado à entrada principal naquele sítio e mandando fazer outro para a mesma entrada. Finalmente concluídas e aprovadas as obras, era necessário marcar o dia para a inauguração.
4. A Inauguração da Escola Conde de Ferreira Marcada para o dia 6 de Agosto de 1870, a inauguração da casa da escola foi o culminar de todo um processo, iniciado em 1866, para desenvolver o ensino primário na vila de Montemor-o-Velho e assegurar condições condignas para o exercício do mesmo. Considerada uma obra fundamental para minimizar o analfabetismo de uma população maioritariamente ligada à agricultura, foi com grande orgulho e sentimento de obra feita que, a Câmara e todas as individualidades envolvidas, se reuniram nesta casa para assim cumprirem a sétima e última condição do legado recebido. 23 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 1864-1869, fl. 192r.
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Relatos orgulhosos e extremamente sentidos, os discursos proferidos, quer pelo Presidente da Câmara quer pelo Comissário dos Estudos do Distrito de Coimbra, são fundamentais para expressar o sentimento que grassava os corações destes ilustres cidadãos que tanto se empenharam. Neste sentido, o discurso inaugural é o testemunho que melhor ilustra a vontade e necessidade que a Câmara da altura tinha em implementar e promover um ensino de qualidade para “os seus filhos”. Assim, pela sua importância, fervor e riqueza, achámos pertinente transcrever, na totalidade, o seu conteúdo: “Aos seis dias do mez d’agosto de mil oitocentos e septenta, n’esta villa de Montemor o Velho, sendo presentes, alem do Presidente da Camara, o Doutor Maximiano de Freitas Mascaranhas Leal, os Vereadores, Auctoridades, Commissario dos estudos, Clero, Nobresa e pessoas principais d’esta villa, abaixo assignados, todos reunidos na sala das sessões da Camara, declarou o Presidente aberta a sessão e convidou todos para o acompanharem a aula de instrucção primaria, e ahi leu o seguinte discurso. = É muito glorioso para a Camara Municipal d’esta villa o acto solemne, que ella vem hoje dezempenhar, inaugurando esta eschola d’instrucção primaria. Monumento perduravel da philantropia do Exmº. Conde de Ferreira, que legou os fundos para ella ser levantada, e do Exmº. Senhor Joaquim Antonio Teixeira Barbosa, da cidade de Coimbra, que deu gratuitamente o terreno para a sua construcção. Esta eschola abrirá uma epocha nova d’illustracção e de melhoramento moral, para todo este concelho e attestará ao mesmo tempo o zelo e a dedicação do Exmº. Commissario dos Estudos do Districto e das Vereações, que se empenharam em levar a cabo esta obra de tamanho alcance e utilidade. N’esta occasião permitti que eu diga duas palavras, que, sendo a confissão publica e sincera do nosso reconhecimento, animam ao mesmo tempo as nossas esperanças, à cerca dos beneficios e vantagens, que esta eschola [fl. 97 v.] espalhará por todo o concelho. Se eu quisesse discorrer sobre a utilidade e a necessidade da illustracção publica, nos seus variados ramos, diria que é a illustracção, a cultura da inteligencia, a qualidade, que mais enobrece o homem e o patrimonio mais seguro, que elle pode adquirir. É pela inteligencia, fecundada pelo estudo, que o homem sobresahe a todos os seres da creação, domina a natureza e converte em utilidade e commodo proprio, todas as cousas que o cercam. É também o seu patrimonio mais sólido e mais seguro, por que é independente da ingratidão dos homens, dos furores das paixões e dos partidos, e até da inconstancia da furtuna. Infelismente nem todos os homens podem dedicar-se ao estudo das sciencias ou das artes. A falta de meios, a necessidade de um trabalho corporal e quotidiano e mil
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outras circunstancias da vida, impedem principalmente o povo, os filhos do povo a frequentarem as escholas superiores e professionáes. O lavrador curvado sobre a terra, que o mais das vezes paga mal o seu suor, o artífice modesto, obrigado a trabalhar desde o romper do dia até ao pôr do sol, o industrial activo, sempre solicito em exercer a sua industria, ou nos meios de a tornar mais lucrativa. O operário e o trabalhador que suporta os ardores do sol e os gelos do inverno por um mingoado salario, que mal chega para se sustentar e a sua pobre familia, quando a tem; todos estes e outros muitos como poderiam entregar-se ao estudo das sciencias ou das artes, estudo que exige, alem de uma inteligencia superior, avultados meios pecuniarios e com [fl. 98 r.] completo ocio e tranquilidade! Mas se os filhos do povo não podem alcançar uma instrucção ellementar, indispensavel para qualquer condicção da vida social, por mais pobre e humilde que esta seja. D’aqui vem, que sendo poucos os estabelecimentos de instrucção secundaria ou Professional, e pouquíssimos os de instrucção superior; por toda a parte as naçoes e governos e até os particulares se tem empenhado em multiplicar as escholas de instrucção primaria, em melhorar as condicções dos professores, os mestrados d’ensino e o bem estar dos alumnos. Inspirado pelas ideias24 e necessidade do seculo o Governo entre nós tem melhorado muito este importante cursso(?) do bem publico. Tem sido creadas muitas escholas em logares e aldeias, que as não tinham, as escholas publicas de meninas são uma instituição, que era quase desconhecida entre nós, o methodo d’ensino mais fácil, mais proveitoso e mais perfeito25. Se ainda não são bem retribuídos, como convinha que o fossem, os professores sugeitos a um trabalho improbo (?), fastidioso e muitas vezes ingrato, tem se lhes proporcionado alguns recursos e gratificações, segundo o numero dos discipulos e outras condições, como a de se prestarem a dar aulas nocturnas em determinada parte do anno e dos quaes nós mesmos temos conhecido um resultado bastante satisfatório, devido ao zelo e cuidado do Professor, que rege esta eschola. Uma das cousas que muito convinha [fl. 98v.] attender era o edeficio das escholas. Nas aldeias e mesmo em muitas villas, não havia casas para escholas publicas, ou se as havia eram pela maior parte acanhadas, desabrigadas e insalubres e até immundas; todas ou quase todas faltas de mobilia, de utensílios, de instrumentos proprios para instruir e exercitar praticamente os meninos na leitura, na escripta e na contabilidade. Modernamente o Exmº. Commissario dos Estudos deste districto, incansavel no desempenho dos seus deveres, com a elevada inteligencia de que é dotado e com o amor 24 - Texto rasurado. 25 - Texto rasurado.
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do progresso e desenvolvimento da instrucção, promoveu e conseguio que nas escholas houvesse estes instrumentos e mobilia, com o que os alumnos tem aproveitado muito. Esta villa era uma das muitas, que não tinha uma casa publica. Á filantropia inimitavel, do Exmº. Conde de Ferreira, devemos nõs na máxima parte a bella eschola, em que agora nos achamos. E digo na maxima parte, por que os fundos legados para ella, ainda que avultados mal chegarem para sua fabrica em terreno acommodado, faltava porem esse e a necessaria mobilia. Á força de vontade, ao zelo inexcedivel da Camara transacta26, pelo adiantamento dos filhos do povo d’esta villa, se deve tambem a construcção d’este edificio, por que teve de lutar com muitas defficuldades, e venceu-as. Este local, em que nos achamos, separado do maior bulicio da villa, quase no meio d’ella, junto d’uma rua larga e aceada e n’uma posição desafrontada, era certamente aquelle, que parecia estar nas melhores condicções, para n’elle se levantar o edificio da nova eschola. [fl. 99r.] Feita a escolha surgem as maiores deficuldades. O logar escolhido pertencia ao maior proprietário d’este concelho o Exmº. Joaquim Antonio Teixeira Barbosa. Era necessario ou uma convenção amigavel ou uma expropriação judicial e para qualquer dos casos eram necessarios meios, de que a Camara carecia pois que tinham applicação obrigada aquelles, de que ella podia dispor. O Presidente da Camara transacta encarregou-se do negocio e foi avaliado o terreno em 600$000 reis por uma convenção muito favoravel. No dia, porem, em que devia ser assignada a escriptura de compra, apareceu uma procuração bastante do Exmº. Vendedor e sua esposa, na qual deziam que davam gratuitamente o terreno e os materiaes, que n’elle existiam, vista a applicação imminentemente civilisadora, para que a Camara a destinava. E eu tive a honra de assignar essa escriptura, em 9 de abril de 1867. Começou-se a obra durante a administração da Camara transacta e a actual a levou a effeito; Heis-nos aqui hoje n’este edeficio construido nas mais vantagosas condicções, que nos mesmos podiamos desejar. Casa vasta, bem arejada, com o retiro e tranquilidade conveniente para os meninos, e com a commodidade para o Professor. Quem deixará de abençoar o nome dos cidadãos beneméritos, aos quaes devemos esta eschola?
26 - Segue-se letras riscadas.
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Qual de nós (e mesmo dos que vierem depois de nós) vendo esta eschola deixará de traser á memoria o beneficio d’aquelles que deram os fundos, para a sua construcção? [fl. 99v.] E é por isso que eu disse ha pouco que esta eschola, munumento da filantropia do Exmº. Senhor Conde de Ferreira e Joaquim Antonio Teixeira Barbosa, é um insentivo poderoso para o nosso respeito e para a nossa gratidão. Se nos hoje bem disemos os primeiros fundadores do Hospital e da Misiricordia d’esta villa, que attestando a religião e piedade dos nossos maiores, nos tractam nas nossas doensas e nos soccorrem no tempo da indigencia; seremos menos gratos, para com os fundadores de uma eschola de instrucção primaria, destinada a dar o pão e a esmolla do ensino aos filhos dos habitantes d’esta villa? O pão do espirito valerá menos que o pão do corpo? Esta eschola, memorial de nossa gratidão, é egualmente seguro pinhor das nossas mais bem fundadas esperanças. Disse um sabio antigo – Os homens tudo o que são à educação o devem. E com rasão nós podemos dizer que a educação é o homem. É a educação da mocidade o primeiro fundamento da felecidade homana. Pela sua influencia se formam os costumes domésticos, se preparam as inteligencias para a sciencia, se afiançam os corações para a virtude, se lança emfim o germen de todo o bem e de todo o mal, que se realisa na sociedade. Donde, nada mais importante do que a boa educação da mocidade; d’ella depende distribuir(?) a completa e salutar reforma(?) dos povos e das nações. Pois a eschola d’instrucção primaria é o principio ou a continuação da primeira [fl. 100r.] educação da mocidade. Seria um erro grave julgar, que as escholas d’instrucção primaria tem por fim unico e exclusivo ensinar os meninos a ler, a escrever e a contar. N’estas escholas, alem dos conhecimentos, que começam a dezenvolver a inteligencia, devem inocular-se no coracção dos meninos as máximas, que dirijam bem a sua vontade. N’estas escholas, quando n’ella se observa a verdadeira disciplina, os meninos contrahem o habito de respeito e observancia para com os mestres e superiores27, da cortesia e urbanidade, para com os outros, da decência e do aceio proprio. É na edade tenra que se adquire o espirito ou a tendencia da ordem, da regularidade e sobmissão; espirito ou tendencia, que facilmente se conserva, pelo decurzo da vida. A educação corrige as más disposições naturaes e anima e desenvolve as boas. 27 - Segue-se letras riscadas.
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É verdade que esta eschola não é nova entre nós, mas é certo que as más condicções dos edeficios antigos não consentiam que podesse observar-se a disciplina, o aceio, a regularidade que hoje pode e (e eu o espero) hade manter-se e conservar-se na nova eschola, que está convidando os paes de família a mandarem para aqui os seus filhos e ao mesmo tempo attrahir28 os meninos pela novidade e pela bellesa do sitio. Eu espero que d’aqui a 6 ou a 10 annos não haverá quase nenhum homem ou moço n’esta villa, que não saiba ler escrever e contar correctamente. [fl. 100v.] E é isto um grande bem para elles proprios e para esta villa e concelho. Elles terão mais meios de se aperfeiçoar e de gozarem vida mais facil e commoda. O concelho terá maior numero de cidadãos aptos para os cargos e officios, que exige a boa administração da sociedade. A instrucção e a educação trará consigo a docusa(?) dos costumes públicos e particulares que nos elevará no conceito de todos e de todos nos ganhará a affeição e respeito. Não o duvideis senhores, esta eschola será um principio fecundo de grandesa para esta terra se for, como eu o espero, convenientemente deregida, será um principio da illustracção e moralidade, preparará uma geração nova, educada de modo que possa attingir os fins, a que incessantemente aspira a homanidade. Mas para isso é necessario que a eschola não só instrua mas eduque. A instrucção é util; a educação é indispensável. Não basta desenvolver a inteligencia, é necessario sobre tudo aperfeiçoar o coração. Não basta que os meninos saibam ler e escrever, é necessario que aprendam primeiramente a observar as máximas e os preceitos religiosos, que aprendam no exemplo dos Professores a respeitar a obediencia, a modestia, a urbanidade e emfim as virtudes religiosas, que creio são o ornamento da vida christãa e social. E eis aqui por que eu disse que esta eschola se traduz em gratidão e esperança. Gratidão por que effectivamente a devemos a todos aquelles que concorreram para que ella se levasse a effeito. Esperança por que ella nos promette um [fl. 101r.] futuro risonho para os filhos do povo desta nossa terra e antiga villa. Ao Senhor Professor, e seus discípulos actuaes e vindouros, ficam abertas as portas d’esta eschola com todos os seus utensílios. Não deixeis Senhor Professor de lhes recordar muitas vezes quanto devem aos bemfeitores que lha prepararam, eu vos suplico. A Camara tem a bem fundada esperança que n’ella os filhos do povo hão de ser verdadeiramente instruídos n’aquelles princípios, que o vosso magisterio vos obriga; sem os quaes o homem não pode ser bom pae, bom marido, bom filho e bom cidadão. Rezo a Deus que não sejam frustadas nossas esperanças e desejos. 28 - Segue-se letras riscadas.
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Depois do que o Exmº. Commissario dos Estudos pedio a palavra e proferio um discurso bem disendo o bem feito do Exmº. Conde de Ferreira por ter com mão larga percorrido os melhoramentos da instrucção primaria, cegundo o favor d’este fundo, para a edeficação de cento e vinte casas d’eschola e por ser elle o primeiro que se lembrou de dar applicação tão justa para a instrucção dos filhos do povo. Em vida pacenteou (?) os seus sentimentos com relação a boa construcção d’esta casa d’eschola declarando ser a melhor de todo o districto, e finalmente mostrou a vantagem da instrucção, convidando os filhos do povo a frequentarem a eschola. E tendo sido ou [fl. 101v.] ouvidos estes discursos com a maior attenção houve elle Presidente com a Camara por inaugurada esta casa d’eschola entregando ao professor da mesma Manuel Joaquim Pereira Cardote as chaves d’ella com todos os seus utencilios de que se hade fazer inventario que o mesmo hade assignar para sua responsabelidade. E por esta forma se deu por concluido este acto que a Camara com o Exmº. Commissario dos Estudos e todos os digo Estudos Administrador do Concelho, Exmº. Juis de Direito, Doutor Delegado e mais pessoas illustres que vieram honrar este acto vam aseignar depois de lido por mim Sebastião Pinto Garcez(?) escrivão da Camara que o escrevi. Assinaturas: Francisco António Dinis, Commissario dos Estudos; Francisco Amado de Mello Ramalho; Maximiano de Freitas Mascarenhas Leal; João de Mello Ramalho Pimentel de Almeida; Augusto Gomes Martins; Jose (?) Goes Mendanha P. de Carvalho; José Alves de Santiago; Joao Ignacio Barreto de Ponces(?); Antonio Augusto da Ferreira Neves; Adelino Berardo Pinheiro Pimentel; António Maria d’Azambuja Ferreira; António da Rosa Rovisco(?) d’Andrade; Selonio(?) Joaquim Jesus; Manuel Joaquim Pereira Cardote; Augusto Pereira Cardote; Joze Rainho Correa; Francisco Marques de Carvalho; Joze Lopes Serra; Joze Pereira Vellozo; [fl. 102r.] Abilio Augusto Ferreira Couceiro Peixotto; Ignacio Augusto Mendes Pinheiro; Elysio Luís d’Almeida Pessoa; Carlos Duarte (?); Jose d’Anes da Fonseca; Gaudemio Jose das Neves; Francisco de Goes Mendanha; Antonio Joaquim de Miranda; Lino Berardo de Goes Mendes Rapozo; Antonio Maria da Fonseca Souza Machado; Joze Pires Ferreira; Joaquim Roiz Moreno”29.
29 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 1869-1871, fls. 97r.-102r.
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5. A utilização posterior do edifício Com a atribuição das competências relativas às escolas primárias para as Câmaras Municipais, em 1911, algumas sofreram alterações, tais como ampliações e reajustamentos. No caso da escola primária de Montemor-o-Velho sabemos que, em 12 de Outubro de 1912, estava a funcionar numa casa arrendada pois o edifício da Escola Conde de Ferreira “há muitos annos se encontra em ruína e por isso abandonada”30. Considerando que “em face da exposição feita e da necessidade urgentíssima de ser reconstruído aquelle magnifico edifício escolar”31, a Câmara deliberou que se contraísse o empréstimo necessário para se efectuarem as obras de reconstrução, apurando-se que as mesmas resultaram num custo total de 460$000 reis. Manteve-se em pleno funcionamento até à década de 60 do Século XX, altura em que foi concluída a construção da escola primária, no âmbito do plano dos Centenários. Ainda hoje, a Escola Conde de Ferreira, mantém a sua funcionalidade educativa, acolhendo, desde 28 de Fevereiro de 1977, o Jardim-de-infância da Associação Fernão Mendes Pinto.
Conclusão Construída há mais de cem anos, a Escola Conde de Ferreira de Montemor-o-Velho foi, na altura da sua construção, considerada um monumento fundamental para o desenvolvimento da vila e dos seus filhos. Procurando assegurar condições condignas para o exercício do ensino primário na vila de Montemor-o-Velho, esta Escola serviu de incentivo para a construção de outras escolas primárias no Concelho, como foi o caso das de Pereira, Seixo, Formoselha, Santo Varão e Verride. Hoje em dia, embora já não esteja ligada ao ensino primário, esta Escola mantém a sua função comunitária, albergando o Centro Ilda Moreno. Este Centro, pertencente à Associação Fernão Mendes Pinto, funciona como Jardim-de-Infância, e assegura, mais uma vez, a instrução das crianças da vila. Podemos assim concluir que, apesar da mudança dos tempos, a Escola Conde de Ferreira cumpriu o objectivo para o qual foi construída: garantir as condições apropriadas para o ensino primário, quer ao nível do conforto dos alunos e dos professores, quer ao nível do apetrechamento das salas de aula e espaços lúdicos.
30 - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 1911-1913, fl. 113r., fl. 115r. 31 - AMMV, Idem, fl. 115r.
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Manuscritos e Bibliografia Manuscritos - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 1864-1869. - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 1869-1871. - AMMV, Livro de Actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 1911-1913. - AMMV, Correspondência, 1866-1867. - AMMV, Colecção de Legislação Portuguesa, 1866. - AMMV, Colecção de Legislação Portuguesa, 1878.
Bibliografia - GRAÇA, Odete, FELGUEIRAS, Margarida Louro (Coord.) - Escolas Conde de Ferreira. Marco Histórico da Instrução Pública em Portugal. Sesimbra: Câmara Municipal de Sesimbra, s/d. - OLEIRO, Feliciano, BARRADAS, Luís – Escola Conde de Ferreira. Um pouco da sua História. Almada: Câmara Municipal de Almada, 2008.
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Anexos
Fig. 1 - Peças de mobiliário escolar recomendadas, em 1877, pela Direcção-Geral da Instrução Pública. Biblioteca Nacional de Lisboa. Fotografia retirada de Oleiro, Feliciano, Barradas, Luís - ob. cit., p. 21.
Fig. 2 - Reprodução do projecto para as escolas Conde Ferreira, em 1866. Arquivo Histórico da Div. de Documentação da Secretaria-Geral do M.O.P. Lisboa. Fotografia retirada de Oleiro, Feliciano, Barradas, Luís - ob. cit., p. 22.
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Fig. 3 e 4 - Pormenor da frontaria da Escola Conde Ferreira de Montemor-o-Velho. Gabinete de Relações Públicas, Câmara Municipal de Montemor-o-Velho.
Sandra Lopes*
Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 10, 2011, 121 - 133
A Biblioteca Municipal de Montemor-o-Velho Introdução Falar da Biblioteca Municipal de Montemor-o-Velho é falar de mais de um século de actividade em prol da instrução e da cultura do Concelho. Não devemos esquecer igualmente as acções estatais de fomento destas instituições, bem como as vicissitudes provocadas pelos conturbados períodos políticos da história de Portugal. O aparecimento das bibliotecas está muito ligado com as preocupações com a instrução e a alfabetização das sociedades. A Revolução Francesa, ocorrida em 1789, e os ideais defendidos “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” foram um passo importante para que a instrução deixasse de ser privilégio de apenas alguns e estivesse disponível para toda a população. Em Portugal, o ano de 1796 marcou a abertura das portas da Livraria Real à população (no reinado da Rainha Maria I) e foi também por esta altura que surgiu a primeira biblioteca pública portuguesa. No entanto, só no século XIX, após o triunfo dos liberais e dos seus ideais (1834 - Fim da Revolução Liberal), se deu inicio à construção de várias bibliotecas em todo o país, maioritariamente nas capitais de distrito. Estas Bibliotecas eram construídas a partir das livrarias dos conventos extintos. Em 1870, o governo português publicou uma lei que criou as Bibliotecas Populares, decidindo que deveria ser construída uma em cada concelho, tarefa a cargo das respectivas Câmaras Municipais, o que viria a dar origem às Bibliotecas Municipais. O então Ministro da Instrução Pública, António Costa, pretendia que estas Bibliotecas fossem para todos, através da leitura gratuita e domiciliária. Mas o impacto destas bibliotecas não foi grande entre a população. Foi só em pleno século XX, que se assistiram às maiores transformações no que toca à implementação de bibliotecas em Portugal.
* - Sandra Lopes (Técnica Superior de Arquivo - A.M.M.V.)
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1 – Fundação da Biblioteca A primeira referência escrita à existência de uma biblioteca em Montemor-o-Velho surge no seguimento da criação da primeira escola masculina na vila, em 1870, a Escola Conde Ferreira. O Comissário dos Estudos do Districto de Coimbra, Francisco António Dinis, estando presente no acto da inauguração, oficiou à Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, a 17 de Agosto de 18701, a enaltecer o esforço da Autarquia na construção de um dos melhores edifícios deste tipo no distrito de Coimbra, bem como a intenção de “fundar na eschola uma bibliotheca popular para instrução dos habitantes da villa de Montemor e dos logares circumvisinhos”. Este louvor foi reconhecido pelo Governo através da Portaria do Ministério da Instrução Pública, publicada no Diário do Governo nº 15180, de 13 de Agosto de 18702. Mas a acção do Estado não se ficou por aqui. Em 18773, a Biblioteca Nacional oferecia um conjunto de livros para a biblioteca de Montemor. Podemos afirmar, desta forma, que a génese da Biblioteca Municipal de Montemor-o-Velho se encontra neste momento da história do Concelho e deveu-se, sobretudo, à acção do então Presidente da Câmara, Manuel Joaquim de Macedo Souto Maior. Claro que estamos a falar de uma instituição insipiente, com fundos modestos, talvez algumas dezenas de livros, e que tinha como principais missões o combate ao analfabetismo e apoio na instrução pública. Convém aqui realçar o papel do Conselheiro Joaquim Souto Maior no desenvolvimento do Concelho a todos os níveis. Nascido no Amieiro, Arazede, a 7 de Janeiro de 1832, pertencia à família dos Távoras e Souto Maior de Tentúgal. Foi conselheiro de Estado e por várias vezes eleito deputado, foi governador civil de Coimbra e de Viana do Castelo e presidente da Câmara de Montemor-o-Velho durante alguns anos. Teve um papel preponderante no desenvolvimento do concelho, através da construção de estradas, escolas de instrução primária, serviço médico, criação da biblioteca municipal, a passagem do caminho-de-ferro da Beira Alta pelo concelho, bem como da estrada nacional Lavariz-Cantanhede-Viseu. De acordo com a deliberação de câmara de 10 de Novembro de 18774, o presidente Souto Maior informou que “se achavam collocados n’um gabinete da escola publica desta villa, em uma estante que expressamente mandara fazer, os livros dados pelo Governo para a bibliotheca municipal”. Refere ainda que ele próprio tinha oferecido vários exemplares e que a Câmara tinha adquirido diversas obras pelo custo de 50 000 reis, dedicadas à história de Portugal e à agricultura. No entanto, o executivo achava
1 - AMMV, Correspondência recebida, 1870. 2 - Ver Anexo I. 3 - AMMV, Correspondência recebida, 1877. 4 - AMMV, Livro de actas da câmara: 1877/1881.
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que os livros eram poucos e que não dignificavam a importância que devia ter uma biblioteca pública e, dado os parcos recursos da Autarquia, foi deliberado pedir a pessoas do Concelho que pudessem disponibilizar algumas obras das suas bibliotecas. A este pedido respondeu Joaquim de Sousa5, com uma carta datada de 12 de Abril de 1878, a ofertar alguns livros para a biblioteca6.
2 – Período Pós-República Com a implantação da República em 1910, assistimos a uma tentativa de democratização da cultura e maior acessibilidade à instrução e ao saber. E as bibliotecas assumiam neste campo um papel fundamental, regulamentado pelo Decreto de 21 de Maio de 1911, que preconizava que as bibliotecas eram locais onde se guardavam livros que serviam para instruir as pessoas, mas sobretudo informá-las do que se passava no país, criando hábitos de leitura. Assim, estipulava o acesso gratuito a estes espaços, o alargamento da leitura domiciliária, a criação das bibliotecas móveis e do depósito legal. Foi neste contexto que surgiram algumas bibliotecas municipais. Em 1920, já havia 50 unidades móveis em funcionamento. Não obstante, com a implantação do regime ditatorial no país, só restavam 19, mas com reduzida utilização. A ditadura imposta por Salazar veio diminuir ainda mais o desenvolvimento das bibliotecas, uma vez que preconizava que não se fornecesse ao público quaisquer livros, revistas ou panfletos que contivessem doutrinas imorais e contrárias à segurança do estado. Em Montemor-o-Velho, a biblioteca que existia passava por graves dificuldades. Tal como já foi referido, foi criada e instalada num gabinete da Escola Conde Ferreira. No entanto, em 1911, esta escola estava completamente em ruínas e as aulas eram dadas noutro edifício, para o qual o professor levou também os livros que conseguiu recuperar da biblioteca. Em sessão de câmara de 18 de Março de 1911, referia-se que “e assim crê a Comissão que n’essa casa de aula, arrendada pelo Estado, hão-de encontrar se os volumes para ella transportados, ignorando se as obras são lidas por alguém ou se algumas servem para ornamento da casa escolar, caso lá existam ainda, o que não pode affirmar”7. Desta constatação podemos concluir que a biblioteca estava abandonada, perdeu parte do seu acervo bibliográfico, não era frequentada por leitores e o poder municipal não tinha qualquer preocupação com esta matéria. Em 1912, a Direcção Geral da 3ª Repartição de Estatística ofereceu para a biblioteca do Município de Montemor várias publicações8, nomeadamente um Anuário Estatístico de Portugal, referente aos anos de 1900, 1903, 1904 e 1905; o Anuário Estatístico das contribuições directas dos anos de 1907 a 1909 e a Emigração Portuguesa, referente 5 - AMMV, Correspondência recebida, 1878. 6 - Ver Anexo II. 7 - AMMV, Livro das actas da câmara: 1911/1913. 8 - AMMV, Livro das actas da câmara: 1911/1913.
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aos anos de 1906 a 1910. Naquele ano, a biblioteca manteve o estado de abandono, notando-se já uma preocupação do Executivo em alterar esta situação, tal como é referido em reunião de câmara de 12 de Outubro de 1912: “A Commissão foi informada pela presidência e por o vogal Ferreira d’Andrade que na antiga casa d’escola Conde Ferreira existia uma bibliotheca municipal devidamente instalada na mesma casa e a cargo do respectivo professor, creação essa que foi devida à alta comprehenção e desvellado interesse com que o benemérito e saudoso extincto Manoel de Macedo Souto Maior tractava os assumptos municipaes a cuja testa se achou largos annos. Que com a ruína dessa casa, agora em via de reconstrução, a expensas da Câmara, desappareceram varios livros e talvez alguns dos melhores, encontrando-se os que se salvaram, presentemente na casa d’escola arrendada n’esta villa para exercício da escola official, os quais pelo professor Jayme Ferreira d’Azambuja para alli foram levados sem os relacionar nem dar do facto conhecimento a esta Câmara. Espera porem a Câmara desde que a casa escolar seja reconstruída, reorganisar a referida bibliotheca municipal no antigo local.”9 A Escola Conde Ferreira foi recuperada e voltou a cumprir a sua função, mantendose ali a Biblioteca Municipal até 192910. Neste ano, a Câmara Municipal solicitou ao professor a devolução dos livros para a instalação da biblioteca municipal noutro espaço, devidamente organizada. No entanto, esta mudança não deve ter sido realizada, uma vez que em 1944 António Augusto Rodrigues de Campos oficiava à Câmara para que se tivesse em atenção o engrandecimento daquelas duas instituições municipais.11 Nela António de Campos referia que tinha organizado a Biblioteca Municipal Jorge de Montemor e que esta se encontrava abandonada e fechada, numa das dependências da Escola Conde Ferreira. Relatava ainda que fundou o Museu Municipal Diogo de Azambuja, em 1932 instalado em duas salas de uma grande casa que a Câmara tinha adquirido, tendo sido nomeado seu director em Julho de 1937. O autor da carta expressou ainda o seu desagrado pelo estado em que se encontravam aquelas duas instituições naquele ano, totalmente votadas ao abandono.
9 - AMMV, Livro das actas da câmara: 1911/1913. 10 - Cf. Deliberação de Câmara de 11/05/1929. 11 - Ver Anexo III.
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A Biblioteca Municipal de Montemor-o-Velho
3 – O papel da Fundação Calouste Gulbenkian em Montemor-o-Velho Em 1958, existiam 84 bibliotecas municipais, mas a esmagadora maioria não era mais do que uma sala de leitura com escassa documentação. Ainda nesse ano, baseado na experiência pioneira de Branquinho da Fonseca e sob a sua direcção, foi criado pela Fundação Calouste Gulbenkian, instituição privada, o Serviço de Bibliotecas Itinerantes, com o intuito de tentar resolver um problema: o da educação pós-escolar dos cidadãos. No início, foram colocadas em circulação 15 bibliotecas itinerantes (sobretudo na região de Lisboa e litoral), mas o seu crescimento inicial foi muito acentuado e em 1961 já circulavam pelo país 47 veículos. A opção inicial por bibliotecas itinerantes foi motivada sobretudo pelo facto de grande parte das populações não terem tido antes contacto com este tipo de serviço, tornando-se essencial que a biblioteca se deslocasse até elas. O cerne deste serviço era o leitor e as suas efectivas necessidades, desde a falta de tempos livres à escassez de meios de deslocação. Por outro lado, devido ao valor material do livro, este era acessível, na época, apenas às classes mais favorecidas. Com os veículos móveis era possível chegar ao Portugal das aldeias e dos pequenos lugarejos de habitações dispersas.
Bibliotecas Itinerantes (Citröen) da Fundação Calouste Gulbenkian12
A Fundação Calouste Gulbenkian estabeleceu parcerias com as autarquias, através das quais estas últimas cediam instalações para depósito dos livros e pontualmente contribuíam no pagamento de despesas. No ano seguinte, a Gulbenkian estendia a rede 12 - Fotografia retirada de VILARINHO, Fernando - As Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian (1958-2002), [consultado em 09/03/2011]. Disponível em http://bep-suporte.blogspot.com/2006/12/as-bibliotecas-itinerantes-da-fundao.html.
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Sandra Lopes
com a criação de bibliotecas fixas. Em Montemor-o-Velho, a Biblioteca Itinerante nº 7 já funcionava em Janeiro de 1959, pelo que podemos concluir que terá sido das primeiras a ser criadas no país13. A criação da Biblioteca fixa era aprovada pela Câmara em 1961, numa casa na Rua Dr. José Galvão, tendo como encarregado José António de Oliveira14. No entanto, a sua instalação não foi concretizada de imediato15, tendo sido inaugurada no dia 6 de Março de 1968, sendo a Biblioteca Fixa nº 6816. O Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas da Gulbenkian assumiu, desta forma, um ponto de viragem e um marco incontornável na história das Bibliotecas Públicas da actualidade, em Portugal. Foi a primeira efectiva rede de bibliotecas, pautada por um serviço de leitura pública moderna. Manteve-se a Biblioteca de Montemor a funcionar num edifício municipal na Rua Dr. José Galvão, havendo várias notícias da precaridade das instalações e do reduzido horário de funcionamento. Em 1982, a Câmara Municipal pretende mudar a Biblioteca para o rés-do-chão do edifício dos Paços do Concelho, numa tentativa de melhorar as suas condições, para a qual teve a concordância da Fundação Gulbenkian. No entanto, esta mudança não ocorreu e em 198717 a Fundação ameaçava retirar todo o seu apoio se a Câmara Municipal não tomasse medidas para as necessárias alterações respeitantes à Biblioteca, nomeadamente, instalações e modo de funcionamento. De forma a solucionar este problema e dado que a Câmara Municipal tinha adquirido recentemente o Solar dos Pinas, foi decidido18 a realização de algumas obras no edifício para a instalação da Biblioteca Municipal, bem como de outros serviços. Ao mesmo tempo, a Câmara Municipal tomou conhecimento da existência de apoios financeiros aos municípios19, através de contratos programa, para a construção ou adaptação de edifícios para bibliotecas, tendo decidido preparar processo para candidatura aos referidos apoios20. Tratava-se do Programa Nacional de Leitura Pública, criado em 1987, que visava a construção de bibliotecas de feição mais moderna de acordo com os princípios de Manifesto da UNESCO. Por outro lado, muitas destas novas bibliotecas começaram a integrar o serviço de biblioteca itinerante. Contudo, em muitos dos casos a gradual ausência das bibliotecas itinerantes da Gulbenkian das povoações não foi colmatada pelos novos serviços móveis, sobretudo nos povoados mais periféricos. Apesar disso, aquele serviço era definitivamente extinto a 19 de Dezembro de 2002.
13 - Cf. Deliberação de Câmara de 15/01/1959. 14 - Cf. Deliberação de Câmara de 19/01/1961. 15 - Cf. Deliberação de Câmara de 10/11/1966. 16 - Cf. Deliberações de Câmara de 18/01/1968 e 29/02/1968. 17 - Cf. Deliberação de Câmara de 30/09/1987. 18 - Cf. Deliberação de Câmara de 22/04/1988. 19 - Decreto-Lei nº 111/87, de 11 de Março. 20 - Cf. Deliberação de Câmara de 01/06/1988.
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A Biblioteca Municipal de Montemor-o-Velho
4 – A actualidade Apesar das intenções de mudança, a Biblioteca Municipal, em finais da década de 1980, mantinha-se no mesmo edifício precário na Rua Dr. José Galvão. As instalações não tinham luz adequada, tinham muita humidade, havia falta de espaço para albergar os volumes que iam chegando e para as actividades lúdicas, bem como não tinha pessoal qualificado21. As obras no Solar dos Pinas tardavam em realizar-se e a Fundação Gulbenkian, após vários avisos, ameaçou com a retirada da Biblioteca Fixa nº 6822. Em 1991, procedia-se à contratação de um técnico para a organização da Biblioteca Municipal, bem como se equacionava a sua instalação nos claustros do Convento dos Anjos23. Na sequência da aquisição do Solar dos Alarcões, em 1992, mais uma vez se mudam as ideias e, em 199324, era decidida a abertura de um concurso de ideias, dirigido a arquitectos, para a adaptação deste imóvel a serviços culturais, incluindo a Biblioteca Municipal. É também neste ano que este serviço atinge o pior do seu estado, a partir do dia 14 de Junho de 199325 a Biblioteca passou a estar fechada ao público, deixando de cumprir todas as suas funções. Em 1996, foi adquirido mobiliário para a instalação da Biblioteca num novo espaço, pelo valor total de dois milhões, duzentos e trinta mil, seiscentos e trinta e um escudos26. A Biblioteca Municipal foi reaberta ao público, em Fevereiro de 1997, numas instalações ainda provisórias, no edifício da Cadeia Velha, com o horário de segunda a sexta-feira das 10h às 13h e das 15h às 18h27.
Biblioteca Municipal: instalações em 1997 (Gabinete de Relações Públicas e Comunicação - CMMV)
21 - Cf. Deliberação de Câmara de 15/11/1989. 22 - Cf. Deliberações de Câmara de 13/07/1988, 28/09/1988, 15/02/1989, 15/03/1989, 17/05/1989 e 23/08/1989. 23 - Cf. Deliberação de Câmara de 22/02/1991. 24 - Cf. Deliberação de Câmara de 04/01/1993. 25 - Cf. Deliberação de Câmara de 05/03/1993. 26 - Cf. Deliberação de Câmara de 05/06/1996. 27 - Cf. Deliberações de Câmara de 29/01/1997 e 26/02/1997.
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Sandra Lopes
Em 1998, foi apresentada candidatura ao Programa da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas para adaptação do Solar dos Alarcões a Biblioteca Municipal. O projecto em causa visava recuperar um imóvel degradado de enorme interesse patrimonial, que importava reabilitar como forma de salvaguarda, reabilitação e dinamização do Centro Histórico. O Contrato-Programa com o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas era assinado a 2 de Abril de 2002, com vista à integração da Biblioteca Municipal de Montemor-o-Velho na Rede Nacional de Bibliotecas Públicas. Entre 2002 e 2007, procedeu-se à execução de projecto e da obra em si, com um custo total acima de um milhão e quinhentos mil euros. Com este novo espaço, que abriu as suas portas ao público no dia 10 de Dezembro de 2007, os Munícipes podem consultar os livros nas salas de leitura (adultos e infantil), navegar na Internet, ler jornais e até fazer uma visita guiada à nova infra-estrutura. A Biblioteca disponibiliza ainda um serviço de apoio a cegos e amblíopes, propiciando apoio no acesso à informação aos utilizadores portadores de deficiência visual através de material informático adaptado. Estes recursos tecnológicos permitem fornecer serviços e materiais específicos para cidadãos com dificuldades que não podem usar os materiais correntes. Para além dos Serviços Educativos e das Visitas Guiadas – mediante marcação –, os utilizadores podem requisitar livros para levar para casa.
Biblioteca Municipal na actualidade (Gabinete de Relações Públicas – CMMV)
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A Biblioteca Municipal de Montemor-o-Velho
Pretende-se que a Biblioteca Municipal de Montemor-o-Velho acompanhe as bibliotecas do século XXI, isto é, que seja uma biblioteca híbrida, com espaços, serviços e colecções simultaneamente físicos e virtuais, em que as novas tecnologias de informação e comunicação passam a ser a base do serviço e da inter-relação com o utilizador; passando a oferecer ao cidadão um conjunto de informações que as novas tecnologias tornam disponível, mas já de forma tratada e seleccionada, possibilitando uma maior rapidez de acesso à informação.
FONTES E BIBLIOGRAFIA Fontes Manuscritas Arquivo Municipal de Montemor-o-Velho: Correspondência recebida: 1877 e 1878 Livro de actas da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho: 1877/1881; 1911/1913; 1929/1930; 1958/1959; 1960/1961; 1965/1967; 1967/1969; 01/07/1987 a 30/12/1987; 06/01/1988 a 29/06/1988; 28/06/1989 a 29/12/1989; 04/01/1991 a 21/06/1991; 04/01/1993 a 26/04/1993; 03/01/1996 a 19/06/1996 e 02/01/1997 a 18/06/1997.
Bibliografia CONCEIÇÃO, A. Santos - Terras de Montemor-o-Velho, Montemor-o-Velho, Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, 1992 (reedição). MELO, Daniel - A Leitura Pública no Portugal contemporâneo : 1926-1987, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2004. MELO, Daniel - Leitura e leitores nas bibliotecas da Fundação Calouste Gulbenkian (1957-1987), [consultado em 09/03/2011]. Disponível em http://pt.wikipedia. org/wiki/Bibliotecas_Itinerantes_da_Funda%C3%A7%C3%A3o_Calouste_ Gulbenkian#Hist.C3.B3ria. NEVES, Rui – As bibliotecas em movimento. As bibliotecas móveis em Portugal. [consultado em 09/03/2011] Disponível em www: <URL> Comunicação apresentada no “II Congreso de Bibliotecas Móviles”, que decorreu em Barcelona, de 21 a 22 de Outubro de 2005. (em formato word-pdf ). O Dever, Semanário republicano, número único, 1936. VILARINHO, Fernando - As Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian (1958-2002), [consultado em 09/03/2011]. Disponível em http://bep-suporte.blogspot.com/2006/12/as-bibliotecas-itinerantes-da-fundao.html 129
Sandra Lopes
ANEXOS ANEXO I
Diรกrio do Governo nยบ 15180, de 13 de Agosto de 1870
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A Biblioteca Municipal de Montemor-o-Velho
ANEXO II
Carta de Joaquim de Sousa, 12 de Abril de 1878
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Sandra Lopes
ANEXO III
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A Biblioteca Municipal de Montemor-o-Velho
Carta de Ant贸nio Augusto Rodrigues de Campos, 19 de Fevereiro de 1944
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Miguel Figueira*
Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 10, 2011, 135 - 141
Reabilitação, a Vila e o Vale.
“Da vila morta, e de um mar extinto”
A vila de Montemor-o-Velho ocupa um lugar singular no vale do mondego: o seu centro. A importante capacidade agrícola do vale é responsável pelo assentamento urbano nas suas margens e pelo desenvolvimento da região no seu processo secular de construção. No entanto, na contemporaneidade, com a industrialização do sector e a consequente mobilização para o terciário, o papel daquela agricultura que marcava o território como centro perde-se; o sistema urbano transforma-se e o protagonismo da vila esvanece-se. A consolidação do sistema urbano longitudinal no vale substitui a orientação transversal, a concentração dá-se nos extremos mais distantes, em Coimbra e na Figueira da Foz, enquanto no centro a ocupação dispersa re-orienta os núcleos isolados neste emergente continuum urbano apoiado nas novas vias, de costas voltadas ao vale. O vale, agora, divide a mesma comunidade que já uniu, retirando ao rio o protagonismo de via principal. Ao uso colectivo do campo sucede-se um quadro legal proibitivo em favor das novas práticas agrícolas mecanizadas, reservando-o ao uso exclusivo do agricultor especializado, apoiado por um zonamento que impõe a segregação. Paradoxalmente, hoje é possível, com todo o conforto da vida moderna, ir ao hipermercado comprar um saco de arroz do baixo mondego sem o desconforto de atravessar o campo onde é cultivado. Neste novo contexto o campo e o rio deixam de ser os lugares de convergência, limitando a centralidade do vale e da vila à dimensão histórica.
* - Miguel Figueira (Coimbra, 1969; licenciado pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (Oporto, 1993). Efectuou estágio de pré-profissionalização no atelier Bugio com Pedro Maurício Borges (Lisbon, 1992/93), e frequentou o Taller D’Urbanisme na ETSAB (Barcelona, 1993). Manteve escritório em Lisboa, entre 1993 e 1997, com Pedro Maurício Borges e Paulo Fonseca. Coordenou o Gabinete Técnico Local de Montemor-o-Velho entre 1997 e 2002. Actualmente vive e trabalha em Montemor-o-Velho. Distinguido com o prémio “American Institute of Architects Award” em 1990, e com o Prémio Nacional de Arquitectura “Alexandre Herculano” com a Intervenção no espaço urbano de Montemor-o-Velho, em 2003). 1 - Afonso Duarte in Ossadas, Livro segundo, poema Monte-mor
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Miguel Figueira
É neste enquadramento que, para o centro histórico de Montemor-o-Velho, foi criado em 1997 um Gabinete Técnico Local (GTL) para apoiar a acção da administração local ao abrigo de um programa nacional para a recuperação de áreas urbanas degradas. Saliente-se que este programa nada tem que ver com aqueles contextos à margem da estrutura administrativa a coberto dos programas feitos por medida e operacionalizados por modernas sociedades anónimas. A Expo 98, o Porto 2001, ou o programa Polis, comprovam a ineficácia da regra aplicável ao resto do país. Ainda assim conseguimos canalizar investimento público para o centro histórico, até porque, após décadas de abandono, tal constituía tanto uma necessidade como um imperativo ético. Sendo o valor inerente a uma operação de reabilitação abrangente incomportável para o município, atendendo às suas (a)normais limitações orçamentais, ainda que co-financiado, a definição de acções prioritárias era um imperativo antes de ser uma opção estratégica. O facto de estarem previstas algumas intervenções de forte impacto no centro histórico, como a execução da rede de saneamento, obrigou desde logo a focalizar a nossa atenção sobre o espaço público. Estas intervenções constituíram a oportunidade para avançar na direcção desejada. A necessidade de uma profunda reestruturação do espaço público, gravemente degradado e desqualificado, tornar-se-ia um eixo fundamental da política para o centro histórico, no sentido de operar uma profunda reestruturação funcional, capaz de potenciar outras formas de relacionamento no espaço. Não estamos portanto no contexto da encomenda que tem invadido o espaço urbano em jeito de cruzada contra o vazio, nem tão pouco nos revíamos no discurso fácil anti-automóvel ou no politicamente correcto elogio das zonas pedonais. Pretendíamos reorganizar acessibilidades, distinguir tipos de tráfego e orientar fluxos por forma a potenciar/recuperar outras apropriações do espaço: garantir a circulação automóvel opcional em vez de obrigatória, assegurando algumas acessibilidades fundamentais ao funcionamento da rede; vocacionar o espaço público para o cumprimento da sua vocação não subjugado à circulação viária e ao estacionamento, que impediam o desempenho do seu papel na construção do modelo urbano.
Intervenção na Rua Dr. José Galvão
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Reabilitação, a Vila e o Vale.
Estudo para a Praça da República
A intervenção aqui não é verdadeiramente de re-qualificação do espaço público mas antes de qualificação do espaço público, porque não havia praça, rua ou largo, que funcionasse como tal. Libertámos a Praça da República do atravessamento automóvel porque é ali o centro, espaço do cidadão e da cidadania. Para recuperar a praça tivemos que alterar o sentido de circulação da rua principal e implementar dois sentidos na rua de traz. Construímos passeios onde antes tínhamos valetas e carros mal parados. Na rua de traz, no lugar da vala que noutro tempo limitou a Vila, organizámos o estacionamento, os acessos viários e as ligações ao exterior. Apenas aqui, perante a indisponibilidade de um proprietário, se tornou inevitável a expropriação para a reconfiguração da forma urbana. A nascente, na envolvente do Convento dos Anjos, desenhámos a articulação do centro histórico com a parte nova da Vila. Os trinta e dois mil metros quadrados de intervenção resultam do conjunto de compromissos vários neste quadro de interdependência. Intervenção no Largo dos Anjos
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Miguel Figueira
Desenhámos o espaço do Centro Histórico com a pedra e a circulação viária na ligação ao exterior com o betuminoso. Ficou o paralelo de granito na rua principal, no mesmo traçado da antiga estrada nacional. Usámos calcário nas calçadas dos passeios, nos lancis, nos degraus... Os lajeados, também em calcário, foram usados com parcimónia. Recuperámos o seixo para revestir e reforçar o caracter simbólico da praça e das principais entradas no Centro Histórico. Empenámos as superfícies para resolver drenagens e corrigir deficiências na articulação com as edificações. Negociámos com os confinantes a construção de muros e de outras pequenas intervenções e com as entidades responsáveis pelas redes eléctrica, de gás e de telecomunicações, a revisão das infra-estruturas. Intervenção no Largo Macedo Soutto Mayor
A obra que transformou a totalidade da frente urbana sul-nascente de Montemor-oVelho foi concluída em 2002 com um desvio orçamental de 3%. A escala de intervenção possibilitou a reestruturação da rede viária e da sua articulação com a envolvente; a hierarquização da circulação em função da vocação dos diferentes espaços, bem como a sua respectiva adequação à escala e ao uso. Ao investimento público a comunidade correspondeu de forma positiva: os comerciantes aproveitaram a oportunidade do financiamento para a modernização do comércio tradicional; os residentes investiram na habitação por iniciativa própria, motivados pelo processo de transformação que lhes elevou a auto-estima. Lamentavelmente, no campo do apoio financeiro à recuperação da habitação de uso próprio - situação que infelizmente não é característica exclusiva de Montemor-o-Velho, mas sim transversal à maioria dos aglomerados urbanos fora dos grandes centros - a escassez de meios financeiros limitou desde logo uma actuação concertada naquele que é o primeiro uso do centro histórico. O trabalho de reabilitação que conhecemos em Lisboa ou em Guimarães, fortemente apoiado em programas nacionais de reabilitação não tem aqui qualquer viabilidade2.
2 - À data, o quadro vigente de apoios à habitação era claramente insuficiente para este tipo de contextos. 79% do apoio do Estado à habitação é por via do crédito bonificado, que dado a sua vocação específica orienta inevitavelmente o investimento para habitações em condição de uso; 3 a 4% vem por via dos programas de reabilitação, e também neste caso pouco adequados a contextos de habitação própria, unifamiliar, e degradada. Dados referentes à década de noventa - Seminário “Pacto para a Modernização do Património Habitacional”, Ministério do Equipamento Social, Secretaria de Estado da Habitação, Aveiro, 10 de Abril de 2001.
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Reabilitação, a Vila e o Vale.
Já os apoios disponíveis para outros sectores, como seja o caso dos equipamentos culturais, conferem viabilidade a esta opção de investimento. O facto da autarquia ser detentora de um importante conjunto de edifícios de valor no Centro Histórico, a necessitar de obras de conservação/consolidação, completa um quadro de intervenção obrigatório. A Casa de Chá do Paço das Infantas (equipamento de apoio ao Castelo), o Teatro Esther de Carvalho, a Biblioteca e a Galeria de Exposições Municipais, entre outros, constituem também um importante investimento público em Montemor-o-Velho. Constituem apostas em componentes programáticas importantes para a definição do perfil funcional do centro histórico e, ainda, acções de reabilitação de imóveis (ou uma ruína, no caso da Casa de Chá) de valor assinalável e de referência na estrutura urbana. Apesar de os dois primeiros casos constituírem opções anteriores à formulação da estratégia delineada, atendendo à sua natureza, não poderiam ser isoladas deste mesmo processo. Sendo certo que estes equipamentos se justificam para colmatar carências, também atestam quanto à existência de dinâmicas endógenas, que assim se vêm reforçar. Dinâmicas instaladas que, com maior ou menor visibilidade e com diferente alcance, também contribuem para a construção da uma nova imagem externa de Montemor-o-Velho.
Intervenção na Galeria Municipal
Intervenção na Biblioteca Municipal
Para o processo de desenvolvimento do centro histórico, independentemente do valor próprio de cada intervenção e do cuidado com a salvaguarda da consolidação de genuínos valores identitários, procurámos sempre uma articulação compatível com o direccionamento para o turismo cultural - target incontornável nestes contextos. Hoje estamos no entanto a re-equacionar esta direcção, substituindo a óptica do consumo pela óptica da produção, alinhando pelas indústrias criativas. Seguimos por esta via conscientes de que este é um novo lugar comum, mas também uma aposta global com acesso a importantes fundos para investimento. E conscientes também das capacidades instaladas, tirando partido da proximidade de centros universitários com capacidade para o necessário apoio a este processo.
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Miguel Figueira
É no entanto do investimento no centro do vale que estamos certos que irá resultar a transformação de maior impacto em Montemor-o-Velho. Depois da intervenção em 2002, no canal do sec. XVIII3, para a prática do remo e canoagem, conseguimos em 2009 avançar com a obra do centro náutico de Montemor-o-Velho integrado na rede nacional para o desporto alto rendimento, que receberá ainda as modalidades olímpicas de triatlo e natação de águas livres. Trata-se de um projecto urbano estruturante para Montemor e para a Região, quer nas escalas de proximidade, dado o impacto na frente ribeirinha de Montemor-o-Velho e nos demais núcleos urbanos do centro, quer pela expressão territorial, na forma como marca o centro do vale do Mondego. Efectivamente este equipamento localiza-se no centro do vale e constrói a diagonal que simultaneamente materializa a articulação entre as suas margens e reestrutura o principal eixo urbano do vale (relacionamentos transversal e longitudinal). Rompe com o perfil monofuncional do vale establecendo-se como âncora para novos usos, promovendo a recuperação do movimento entre as margens e o centro do vale, ainda que apoiados por artefactos distintos (substituindo o foicinho pelo remo ou pela pagaia). Desenhámos o centro náutico para disputar os mais importantes campeonatos, referenciando o país nos respectivos circuitos que normalmente estavam circunscritos aos países do norte. Já vimos reconhecido o nosso esforço pelas federações internacionais com a eleição de Montemor-o-Velho para acolher os mais importantes campeonatos europeus do remo e da canoagem em 2010, 2012 e 2013.
Centro de Alto Rendimento de Montemor-o-Velho. Fotografia de Márcio Oliveira.
3 - O Leito Padre Estêvão Cabral foi aberto nos finais do século XVIII com o mesmo objectivo da recente empreitada de regularização do Leito Central do Mondego. Ambas as intervenções partilham o fracasso no controle das cheias do Mondego, mas distinguem-se pelo actual desempenho no sistema hídrico do vale, já que a segunda libertou a primeira da sua função. Trata-se de um canal de traçado rectilíneo que rasga o vale na diagonal. Está ancorado na margem esquerda em Formoselha e, na margem direita, em Montemor, prosseguindo para jusante até às portas de Maiorca, Concelho da Figueira da Foz. O Centro Histórico de Montemor-o-Velho está sensivelmente a meio do seu traçado.
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Reabilitação, a Vila e o Vale.
Aguardamos espectantes a afluência de atletas e público para romper com o vazio que se instalou nas últimas décadas do século XX. Acreditamos na força destes novos usos para a reconciliação da comunidade urbana com o seu território, sendo certo que a re-significação do vale do mondego com a diversificação do seu perfil funcional é fundamental para a qualificação do seu sistema urbano e consequentemente para a recuperação da centralidade Montemor-o-Velho.
Referências de Planos e Projectos Plano de Urbanização de Salvaguarda do Centro Histórico de Montemor-o-Velho – Miguel Figueira GTL.CMMV com João Figueira. Intervenção no espaço urbano de Montemor-o-Velho - Miguel Figueira / GTL. CMMV. Casa de Chá do Paço das Infantas - João Mendes Ribeiro. Teatro Esther de Carvalho / reabilitação - José António Bandeirinha. Biblioteca Municipal / reestruturação do Solar da Família Alarcão - Pedro Maurício Borges, Paulo Fonseca e Armando Rabaça. Galeria Municipal / reestruturação do Mercado Municipal - Miguel Figueira / GTL.CMMV. Centro Náutico de Montemor-o-Velho / CARMMV - Miguel Figueira / GEP. CMMV.
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Marco Alexandre Ferreira Penajoia*
Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 10, 2011, 143 - 145
Notícia da identificação do sítio arqueológico de Sevelha (Verride) Em primeiro lugar, aproveito para agradecer o convite que me foi proposto e é com agrado que presto o meu contributo para dar a conhecer um pouco do património arqueológico de Montemor-o-Velho. O texto que aqui se apresenta enquadra-se no projecto: Prospecções Arqueológicas Pontuais de Sítios no Concelho de Montemor-o-Velho1, dirigido pela Prof. Doutora Helena Catarino, docente da FLUC e aprovado pelo IGESPAR, IP. Procura-se aqui apresentar alguns testemunhos arqueológicos evidenciados pelas prospecções de terreno já iniciadas, nomeadamente para a área de Verride, uma freguesia do concelho detentora de uma favorável aptidão geomorfológica, onde convergiram antigos braços navegáveis do Mondego, fornecendo às populações locais uma importante acessibilidade. O objectivo de visitar a pequena povoação de Outeiro da Moura e subir ao cabeço que lhe fica adjacente (Costa do Barrão), acabou por resultar na identificação de um sítio arqueológico inédito com a designação de Sevelha. O seu acesso é feito pela Estrada Municipal que liga Verride a Reveles, por um caminho de terra batida, que sobe para a povoação de Outeiro da Moura. O sítio arqueológico fica sensivelmente a meio do percurso, numa plataforma à direita (entre os 18 e os 25m), virada a SE. Esta plataforma é circundada por uma antiga reentrância paleoestuarina2 estando parcialmente coberta por mosaico vegetal (predomínio da oliveira, loureiro, carvalho, alguns sobreiros, vegetação rasteira, onde se encontra a planta do acanto (amplamente utilizada como ornamento arquitectónico no período Romano), e contaminações – salgueiros e acácias. Ao nível pedológico verifica-se uma diversificada presença de afloramentos calcários, terrenos arenosos no vale e mais argilosos em altitude. De uma forma geral são solos argilo-calcáreos que propiciam as sementeiras do arroz, milho e leguminosas. * - Marco Alexandre Ferreira Penajoia (Licenciado em Arqueologia e História, Mestrando em Arqueologia e Território - FLUC). 1 - No âmbito do meu estudo académico sobre povoamento em torno de Montemor-o-Velho. 2 - A presença de blocos tipo conglomerado de grandes dimensões, onde se observa claramente cascalho arredondado unido por uma matriz fina de areia. Relaciona-se esta presença com a dinâmica fluvial, onde o transporte de sedimentos grosseiros e areia atingia zonas costeiras.
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Marco Alexandre Ferreira Penajoia
Foi, precisamente, a partir desta plataforma que se realizou a primeira identificação do sítio, em terrenos agrícolas, mais próximos do caminho, onde se detectou considerável concentração de materiais cerâmicos. Os vestígios estendem-se, porém por taludes e desníveis até ao vale, onde se encontram sobretudo pedras e elementos de construção. Destes destacam-se os seguintes: • Fragmentos de cerâmica • Cerâmica comum, nomeadamente bordos de panelas3; • Uma asa de ânfora4, enquadrável na tipologia Dressel 2-4 de origem Itálica, ou imitação, para transporte de vinho, de cronologia entre o fim do Séc. I a. C. / Séc. I d.C.; • Um fragmento de cossoiro5; • Tegulae (uma com impressão digitada), imbrices, lateres, tijolos de quadrante e lateral, ladrilhos, sendo de particular interesse os que apresentam decoração incisa numa sequência de linhas onduladas. • Elementos arquitectónicos • Fragmentos de blocos calcários facetados, de pequena e média dimensão, que integrariam as estruturas habitacionais; • Uma base de coluna fragmentada aparentemente de estilo Toscano; • Um fragmento de calcário decorado. Registe-se, ainda, a presença de escórias, algumas cerâmicas de construção e alinhamentos pétreos, principalmente em direcção ao vale. Embora localizado a cerca de 560m a SW das prospecções, podemos relacionar o sítio de Sevelha com as águas termais, designadas por Termas do Brulho / Tanque ou Fonte de Sevelha6. 3 - Um dos bordos detém um fabrico calcítico. 4 - Contentor que servia para o armazenamento e transporte de géneros consumíveis. Sabemos que os produtos envasados em ânforas se associam mormente ao período romano onde o ciclo militar e comercial assume maior expressão. 5 - “Os cossoiros, verticili ou fusaiola, num sentido lato, são pequenos discos lisos ou decorados, de vários tipos ou formas, na sua maior parte feitos em argila (…) tendo uma perfuração central. Eram colocados na parte inferior do fuso, como remate e, assim, davam o equilíbrio necessário, servido de volante, que mantinha e prolongava o movimento rotativo que a mão da fiandeira lhe imprimia” SILVA, Maria; OLIVEIRA, Paula (1999) - “Estudo tipológico dos cossoiros do Museu da Sociedade Martins Sarmento (Citânia de Briteiros, Castro de Sabroso e proveniência diversa)”, Revista de Guimarães, Volume Especial, II, Guimarães, pp. 636. 6 - Conforme informações orais do Sr. António Ricardo Camarada, que refere esta designação para as termas do Brulho. Acrescentando também que em todo aquele perímetro existiam vários moinhos que aproveitavam a vala ainda existente, mas que na sua «juventude tinha muito caudal», e que um deles se chamava Moinho de Sevelha.
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Notícia da identificação do sítio arqueológico de Sevelha (Verride)
Descritos os resultados preliminares, este sítio arqueológico continua a ser objecto do nosso estudo, estando contempladas prospecções mais sistemáticas. Os trabalhos a desenvolver visam obter a mancha real de dispersão dos vestígios e conseguir distinguir áreas habitacionais e/ou funcionais, relacionadas com aspectos vivenciais e económicos, inerentes à exploração de uma villa romana. Assim, oportunamente esperamos aqui divulgar esses resultados.
Fig. 1 - CMP nº 239, com a posição do sítio arqueológico.
Fig. 2 - Panorâmica geral do sítio arqueológico.
Fig. 3 - Fragmento de base de coluna
Fig. 4 - Conjunto de alguns materiais descritos (tijolo de quadrante, tégula, ladrilhos, calcário decorado e escória).
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Manuel Dias*
Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 9, 2010, 147 - 150
O Paludismo e os Campos do Mondego
O Paludismo, Impaludismo, Malária, Maleitas, Sezões é uma doença provocada por um protozoário cuja designação em linguagem científica se designa por “Plasmodium”. À semelhança de outros parasitas tem um ciclo de vida no qual entra um mosquito do género Anopheles, que é o responsável pela transmissão da doença de homem para homem. O Paludismo é uma das pragas que mais dramaticamente tem flagelado a humanidade, desde os tempos pré-históricos até à actualidade. Imediatamente após a Segunda Grande Guerra Mundial atingiu 350 milhões de pessoas anualmente, matando por ano 3,5 milhões. Apesar das campanhas levadas a efeito pela Organização Mundial de Saúde ainda em 1962, atingia mais de 100 milhões de pessoas, com mais de 1 milhão de mortes, numa população global de 3 biliões, naquela época. A distribuição natural desta doença inclui todas as regiões tropicais e zonas de temperaturas semelhantes. Estão isentas desta regra as zonas desérticas e de altitude superior a 1.300 metros, onde não é possível a vida do mosquito Anopheles. Continua a ser a mais importante endemia mundial.Com efeito, existe em 125 do total dos países inseridos na O.M.S.. Verifica-se que entre os humanos que correm o risco de fazer crises de paludismo 4% ocupam as Caraíbas, América Central e América do Sul; 69% a Africa; 3% o Sudoeste Asiático; 23% a Ásia Central e Ásia do Sudeste e 1% o Oceânia.
* - Manuel Dias (Presidente da Assembleia da Associação de Folclore e Etnografia da Região do Mondego - AFERM)
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Manuel Dias
O ciclo de vida dos Plasmódios é bastante complexo, o que importa mais aos médicos e parasitologistas. Por isso não é oportuna a sua escalpelização neste trabalho. Convém no entanto reter duas ideias: o ciclo de evolução passa-se na fêmea do mosquito, que é hospedeiro definitivo do parasita e outra fase no Homem que é o reservatório natural do parasita. Pelo exposto pode considerar-se que o reservatório dos Plasmodios é o Homem infectado. O transmissor, entre nós, é a fêmea do “Anopheles maculipenis variedade atroparvus”. Este mosquito encontra boas condições de vida nos arrozais, águas paradas, tranquilas e aquecidas. As fêmeas fazem a postura nesta águas; dos ovos nascem as larvas, destas resultam as pupas, donde emergem os insectos adultos. Este ciclo dura aproximadamente 15 dias. As fêmeas logo que saem das pupas têm necessidade de ingerir sangue para a maturação dos ovos. Esta necessidade leva-as a picar o Homem. Se este for portador de Plasmodios, os mosquitos 12 dias depois já tem a sua saliva infectante.
A receptividade do Homem é absoluta se exceptuarmos um certo grau de imunidade dos indivíduos com paludismo. O combate a esta doença foi desenvolvido em duas frentes: por um lado o diagnóstico e o tratamento dos humanos infectados com drogas antipalúdicas, o uso de rede de malha fina nas janelas e portas, bem como fricções da pele descoberta com substâncias repelentes para afugentar os mosquitos. Por outro, foram adoptadas medidas que levassem à exterminação dos mosquitos fêmeas adultas, sendo de destacar a utilização de DDT ou seus sucedâneos (Clordane,
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“Maria do Cú Fresco” e a Rapariga de Montemor-o-Velho: Dois casos de morte aparente...
Gamexane, etc.) e das larvas, promovendo a irrigação intermitente dos arrozais, o povoamento das águas com peixes do Género Gambusia (os quais se alimentam das larvas e se reproduzem com rapidez), etc.. Em Portugal Continental existiam em 1942 cerca de 70.000 casos anuais de paludismo. Ora, tratando-se de um País relativamente pequeno, como é o nosso, este número era um valor importantíssimo. Foi, por isso que se enquadraram as seguintes zonas ou regiões sezonáticas: ZONA CONTINENTAL NORTE: que correspondia à bacia hidrográfica do Alto Douro e seus afluentes e na qual, naturalmente, estava incluída a Região do Pocinho; ZONA CONTINENTAL SUL desde a Beira Baixa, passando pelo Alto Alentejo, Baixo Alentejo, sem chegar ao Algarve; ZONA LITORAL NORTE que incluía os campos do Mondego; ZONA CENTRAL correspondente à zona dos arrozais do vale do Tejo e seus afluentes; ZONA DO LITORAL SUL que compreendia os campos do vale do Sado, Sorraia e Litoral Alentejano. Logo que foi possível delimitar estas zonas palustres, foram criadas redes de postos anti-sezonáticos, fornecendo gratuitamente medicamentos e levando a efeito medidas violentas contra os mosquitos das regiões impaludadas. Todo este trabalho foi levado a efeito com a intervenção do Organização Mundial de Saúde e o apoio proporcionado pelo Instituto Rockefeller de Nova York que contribuiu com meios financeiros, indicações técnicas, pessoal especializado, etc., de tal forma que em 1947 já só se verificaram 27.053 casos de paludismo em Portugal Continental. Em 1962 apenas foram diagnosticados 10 casos e um ano depois, em 1963 já se não verificou nenhum caso. Foi neste ano de 1963 que se considerou completada a campanha de irradicação do Paludismo no nosso País. De acordo com todas estas medidas que foram desenvolvidas por todo o País os campos do Mondego tiveram uma atenção muito particular pelo facto de neles estarem implantados os maiores arrozais do Continente. Dai que em Montemor-o-Velho ter funcionado durante largos anos uma estação anti-sezonática, instalada no Solar dos Pinas, equipada de forma a dar assistência às populações do Baixo Mondego onde este flagelo tomou proporções muito consideráveis. Depois de todo o trabalho profícuo desenvolvido e em face do sucesso alcançado na erradicação do Paludismo em Portugal Continental, pergunta-se se podemos estar tranquilos.É claro que não! A partir de 1962/63 surgiu um intercâmbio de populações entre as nossas ex-colónias de África, onde o paludismo era endémico e o Continente Português. Esse intercâmbio era representativo, sobretudo pelas tropas que permaneciam naqueles territórios durante a guerra colonial.
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Neste momento temos entre nós um grande número de indivíduos que regressaram a Portugal em consequência da descolonização. Não tenhamos dúvidas que muitas dessas pessoas (tropas e civis) vieram infectados e constituem reservatórios de paludismo. Por outro lado, temos no Continente Português mosquitos Anopheles em densidade suficiente para promover uma disseminação maciça do Paludismo. Há, no entanto, um facto que é necessário ter em linha de conta – Não há neste momento, a certeza de que este Anopheles do Continente Português, se preste ao papel de ser hospedeiro definitivo e agente propagador das estirpes de Plasmodios que foram importados das nossas ex-colónias. Este facto é que ainda está por verificar. Mas se porventura essas fêmeas de Anopheles se prestarem a esse papel, teremos, com toda a certeza, a recrudescência de outra endemia palustre em Portugal Continental.
BIBLIOGRAFIA: Brown, Harold W., Parasitologia Clínica, Editorial Interamericana, México, 1970. Curso de Bacteriologia e Parasitologia, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, 1979. Faust, Beaver e Jung, Agentes e Vectores Animais de Doenças Humanas, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1967. Goulard,Enio Garcia;Costa Leite,Inácio, Parasitologia e Micologia Humana, Editora Cultura Médica,Lda., Rio de Janeiro, 1978.
Deolindo Pessoa *
Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 10, 2011, 151 - 158
Teatro e Comunidade nos 40 anos do CITEC
Quando se comemoram os 40 anos de actividade do CITEC parece-nos oportuno uma pequena reflexão sobre as perspectivas que motivaram a sua fundação, o trabalho entretanto efectuado e os projectos que se poderão delinear para um futuro próximo. O CITEC foi fundado por um grupo de jovens que tinha por principal objectivo animar a vida cultural da terra onde tinham nascido ou viviam e promover uma actividade teatral diferente daquela que até então tinha sido realizada. Logo em 25 de Julho de 1970, na sua primeira apresentação pública, fizeram questão de divulgar um manifesto de intenções que se pode considerar bastante esclarecedor: “Gostaríamos de lembrar-vos que estamos no ano de 1970 e que mesmo em Montemoro-Velho pudemos ver pela Televisão a chegada de homens à Lua. Gostaríamos ainda de vos lembrar que existem problemas para além dos problemas de cada um, que merecem ser pensados e analisados com o maior cuidado e ponderação. É sobre estes problemas que devem ser analisados com o maior cuidado e a maior ponderação que o teatro que nos propomos fazer vai incidir.”1 Este propósito foi uma linha claramente assumida ao longo dos tempos e, passados 40 anos, ainda nos parece adequada para suscitar questões capazes de mobilizar a sua comunidade, embora sem nunca ter a pretensão de estabelecer normas orientadoras. Claro que na altura havia muitas ideias em ebulição, mas procurou-se sempre rejeitar os dogmas, e quem participou na vida do CITEC durante a década de 70 não se esquece das longas discussões nas reuniões, onde se promovia o debate de tudo, e que alguns carinhosamente ainda consideram como “a sua universidade”. E dessa época há que relembrar o empenho nas campanhas de alfabetização, o que demonstra bem a sua inserção na comunidade e a sua vontade de contribuir de forma activa para o seu bem-estar. “Quanto à forma, tudo será também muito diferente assim, se é certo que deveremos apresentar certas peças de cunho tradicionalista - com cenários e indumentárias tais que enquadram o espectador “no tempo” em que a acção decorre - outras peças há – e nelas se * - Deolindo Pessoa (Natural de Montemor-o-Velho, médico ortopedista no Hospital Pediátrico de Coimbra, fundador do CITEC, Director da Companhia de Teatro “O Teatrão” de Coimbra). 1 - Excerto do texto lido em 25 de Julho de 1970, aquando da realização do primeiro espectáculo do CITEC, de autoria de D. L. Pessoa e Henrique Milheiro. Consta também do programa das duas primeiras peças.
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Deolindo Pessoa
inclui “A Gota de Mel”- em que os cenários e os adereços são de todo dispensáveis e até desnecessários. Daí que ides ver um palco completamente vazio de cenários, e os intervenientes na peça vestidos de preto e cara pintada de branco.”2 O primeiro espectáculo foi a ruptura total com a forma de fazer teatro em Montemor, representou um grande salto sobretudo a nível da forma, pois nele a luz assumia um papel determinante como até aí nunca tinha sido experimentado. O dispositivo cénico resumia-se a alguns objectos de cena. Certos de que as opções assumidas não eram do agrado de muitos, procurou-se nunca ignorar as vozes discordantes e debater as razões evocadas, para melhor as ultrapassar de forma segura. “Com este tipo de teatro não pretendemos começar um teatro novo mas fundamentalmente acabar um teatro velho.”3 Esta afirmação espelha bem a intenção e a convicção de que não se estava a inventar nada mas tão só a procurar adaptar a prática teatral ao momento em que se vivia e aos meios técnicos disponíveis na altura. A animação sociocultural fazia-se a partir da discussão das ideias, dos conceitos e das práticas teatrais, mas que também se reflectia na promoção da cidadania activa e na dinamização da democracia, sobretudo a partir de 1974. Não foi por acaso que as pessoas que integraram o CITEC na década de 70 se tornaram agentes importantes na vida associativa, cultural e politica a nível local, exercendo uma cidadania activa capaz de alimentar projectos ao serviço da comunidade. Nesta década, embora por razões diferentes, a procura de um espaço democrático de reflexão capaz de contribuir de forma positiva para o debate participativo e construtivo de uma cidadania plena, emergente das vivências quotidianas em comunidade foi o que determinou o CITEC, como o espaço privilegiado de intervenção cultural em Montemor. Porém, há que enquadrar esta intervenção no contexto social, cultural, económico e político da altura, em que uma postura crítica e provocadora de ideias profícuas para a democracia e cidadania tinha um alvo bem preciso e gerador de consensos alargados, sobretudo até 1974. Hoje esta praxis necessita de ser reinventada para voltar a envolver de forma activa diferentes grupos sociais, com uma participação democrática com sentido de responsabilidade crítica e tolerante pelo bem comum. A construção da democracia e do bem comum tem de ser uma tarefa do dia-a-dia e com as mãos de todos, onde ninguém deverá regatear esforços. Passados 40 anos acreditamos ser mais fácil entender e aceitar algumas das opções tomadas na altura.
2 - idem 3 - idem
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Teatro e Comunidade nos 40 anos do CITEC
A primeira peça4 tinha por tema a guerra e as razões que determinam a sua eclosão na maior parte das vezes. E o grande fantasma da juventude de então era a “guerra colonial” que condicionava, na maioria dos casos, cerca de quatro anos da vida de uma pessoa, por vezes mesmo mais. Assim, a escolha deste texto não pode deixar de ser tida como natural, pois muitos não se deixavam de interrogar “Morreremos então, sem saber porquê?” e a resposta obtida na maioria Implantação de cena de “A Gota de Mel!. Desenho de João Flórido. das vezes era “Sem saber porquê, morreremos então?”. As preocupações da comunidade no momento não poderiam estar mais presentes e se dúvidas houvesse, foram introduzidas leituras de recortes de jornais que procuravam ilustrar como a gota de mel tinha caído no chão e lá ficado. A segunda peça5 abordava as relações de poder em diferentes situações, usando a comédia como forma de comentar certas situações. Nesta produção foram utilizados meios mais convencionais, embora recorrendo ao estratagema de a apresentar como um espectáculo de marionetas. Esta opção resultou da inquietação sentida de que se não “nos libertarmos das regras velhas, continuaremos todos a ser marionetes manobradas pelos donos dos Telão de fundo de “A Ilha dos Escravos”. Pintura de João Flórido. mesmos”6 e do sentimento colectivo de que “irmanados pelos mesmos ideais e aspirações, todos poderão lutar por um provir que nos realize cabalmente e onde cada um seja aquilo que é, sem necessidade de subterfúgios ou hipocrisias”7, sendo mesmo expresso como principal objectivo que “pretendemos o desenvolvimento de um sentimento comunitário capaz de harmonizar as exigências individuais com as exigências sociais”8.
4 - “A Gota de Mel” de Leon Chancerel 5 - “A Ilha dos Escravos” de Marivaux 6 - Programa do espectáculo 7 - idem 8 - idem
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Deolindo Pessoa
Com a terceira produção9 houve claramente uma concessão ao considerado gosto dominante na comunidade, apesar da preocupação de nunca se nivelar por baixo nos trabalhos realizados. Embora usando o espaço cénico mais convencional de todas as produções do CITEC, nos seus 40 anos de existência, procurou-se que o espectáculo fizesse rir, embora sem cair na piada fácil, pois não se pretendia “que o público consuma e digira este espectáculo comodamente sentado nas cadeiras, rindo quando o fizerem rir”10. A produção só se concretizou à quarta tentativa de constituição do elenco, devido à incorporação no serviço militar de uns e ao afastamento temporário de outros. Mas as sucessivas mutações não impediam de se afirmar “queremos que o CITEC seja uma equipa, em que todos os elementos comunguem do mesmo sentimento de alegria ou de tristeza. Esta é a ideia básica do nosso pensamento «citequiano» e a razão do nosso existir.”11 Para ilustrar melhor o espírito que se vivia na altura: “Hoje, para todos nós, é um dia de azáfama e de preocupações, mas no fundo também de prazer, que no final será redobrado se tudo tiver corrido normalmente. Mas na nossa equipa faltam quatro elementos e viemos aqui precisamente para os lembrar.
“Oh! Que delicia de Coisa” de Miguel Gila
Um está aqui entre vós, ainda há pouco tempo andava aqui a viver os nossos problemas e deve estar tão nervoso como se estivesse lá dentro a preparar-se para entrar em cena. Outro vi-o hoje de manhã. Metido numa farda verde e de saco de viagem na mão, a ir para nãosei-onde. A estes dois que ainda estão no nosso convívio, queremos apenas lembrar-lhes 9 - “Oh! Que Delicia de Coisa” de Miguel Gila 10 - Texto lido na estreia do espectáculo 11 - idem
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Teatro e Comunidade nos 40 anos do CITEC
que continuam a fazer parte da equipa, quando se desfardarem cá os esperamos. Mas hoje queremos recordar, de um modo especial, os outros dois que já estão no outro-lado-do-mar, mas que continuam bem presentes em todos nós, une-nos o fio da esperança e da compreensão, tal qual cordão umbilical que mesmo depois de cortado persiste em unir o fruto a quem o gerou.”12 As realidades sociais exigem respostas imediatas, sustentadas num processo de intervenção cultural, como prática social e política, e sem nunca perder a ideia da participação activa das pessoas. Uma preocupação que consideramos que deve estar inerente em qualquer projecto de intervenção comunitária. A prática teatral procurava estar alicerçada num movimento de mudança social capaz de assumir um papel de contra-poder, daí a escolha de reportório que invariavelmente era muito censurado e criava constrangimentos sérios na produção dos espectáculos do CITEC. Dada a preocupação de se manter uma atitude clara contra o pensamento homogéneo e capaz de estimular as consciências críticas face às realidades sociais a quarta produção13 foi um parto bastante arrastado. O texto dramático abordava mais uma vez as relações de poder e agora também a burocracia do estado, mas numa visão trágico grotesca da realidade. Os personagens da peça falavam não do que na realidade estavam a falar mas doutros problemas, através de uma situação inverosímil e um pouco caricatural descrevia-se uma situação real. De novo era a busca da forma de melhor se interagir com a comunidade. Com o 25 de Abril de 1974 a situação alterou-se radicalmente e houve que redefinir estratégias, mas sem descurar a intervenção em vários contextos da vida comunitária, como no domínio da educação para a cidadania activa. A actividade do grupo visava ser um agente dinamizador da vida comunitária com o envolvimento de pessoas para além da mera prática teatral, assumindo também de forma clara que a prática teatral não se esgotava no acto de representação. Porém, há que referir que a explosão da actividade do CITEC resulta da aposta forte na formação em 1972 e curso de iniciação teatral começado em 1973, o que permitiu a chegada de muita gente nova e a estreia de dois espectáculos em 1974, um no dia 1 de Junho e o outro no dia 20 de Agosto, para além da realização da Semana de Teatro no Castelo, predecessora do que a partir de 1982 se chama CITEMOR. A dinâmica obtida permitiu que o CITEC possa reivindicar um papel de intervenção determinante na vida sociopolítica da comunidade, bem como no enriquecimento dos seus elementos, por sempre ter fomentado o debate de todas as suas actividades. E o papel da democracia interna saía reforçado quando a posição dominante nos debates era assumida por todos, sem apagar as diferenças de opinião existentes. Era o caminho que se tinha que percorrer para se valorizar a democracia, disseminando a consciência do papel central do debate na sua edificação e manutenção. 12 - idem 13 - “A Curva” de Tankred Dorst
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Deolindo Pessoa
O reportório nos anos que se seguiram a 1974 foi amplamente discutido em reuniões abertas aos elementos do grupo, muitas vezes com grandes discussões acaloradas, o que pressupunha a leitura prévia dos vários textos apresentados. Para colmatar as eventuais falhas o Conselho Artístico fazia uma sinopse de cada texto, bem como uma caracterização de cada produção, para possibilitar a participação no debate de todas as pessoas presentes. A criação de condições para uma participação responsável era uma tarefa permanente, que exigia informação que permitisse uma opinião crítica num trabalho que se desejava comum e partilhado, num puro exercício de democracia. Quando o país andava em efervescência revolucionária e a maioria fazia um teatro panfletário, o CITEC andou pela região centro com uma metáfora poética14 em que se dizia que “governar não é explorar” e que pelo absurdo e fantasia se mostrava como se pode manter a ignorância para se perpetuar o poder e as regalias. Mas passado algum tempo havia quem não andasse satisfeito com o texto, por se sentir em contra ciclo, por desejar um teatro de intervenção, como se este também não o fosse, embora de uma forma mais depurada.
“O Rei Mirlitão” de Pierre Gamarra
14 - “O Rei Mirlitão” de Pierre Gamarra
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Teatro e Comunidade nos 40 anos do CITEC
Como a militância cultural exige uma atitude activa, crítica e reivindicadora de espaços e de tempos para a construção de uma sociedade mais democrática, o grupo criou o espaço necessário para a procura de um novo texto dramático que correspondesse aos anseios da maioria. Assim, este debate centrado nos problemas e necessidades da comunidade levou à montagem de uma nova produção15 que percorreu diferentes localidades do país na busca da “utopia do possível”. “Aprender e viver a democracia” pode ser um mero slogan, mas a construção de uma intervenção cultural regular e empenhada exige um trabalho permanente e sustentado na auscultação de vontades e necessidades da comunidade que estão em constante mudança.
Cartaz de Francisco Amaral
Foi nesta linha e na sequência de um inquérito realizado nos anos 70 que o CITEC planeou o seu reportório para a década de 80. Uma das críticas que ressaltava do inquérito era o facto de até então nunca se ter realizado um espectáculo a partir de um texto de um dramaturgo português, pelo que para os anos 80 foi decidido efectuar um ciclo com autores clássicos portugueses, o que se concretizou em 1981, 1984 e 198616.
“Na Barca com Mestre Gil” de Jaime Gralheiro a partir de Gil Vicente.
“As Guerras de Alecrim e Manjerona” de António José da Silva «o Judeu»
As realidades sociais actuais exigem também posições firmes e respostas concretas, com estratégias consensuais e mobilizadoras. A comunidade e os actores sociais têm de manter uma relação permanente de intercâmbio e uma necessidade de constante aprendizagem, capaz de gerar uma boa relação entre eles, além de cumplicidades que permitam ultrapassar as dificuldades.
15 - “Operação Branca de Neve ou A Direita Não Perdoa” de Alfredo Nery Paiva 16 - “Na Barca com Mestre Gil” de Jaime Gralheiro, a partir de textos de Gil Vicente, “As Guerras de Alecrim e Manjerona” de António José da Silva «o Judeu», e “Morgado de Fafe Amoroso” de Camilo Castelo Branco, respectivamente.
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Na década de 90 a produção foi muito escassa e a actividade do CITEC resumiu-se quase à organização do CITEMOR, que desenvolveu uma linha e uma estrutura que possibilitou a sua consolidação no panorama nacional e a sua afirmação internacional. Na primeira década deste século foi retomada a produção de espectáculos, mas há um desiderato que persiste, acreditamos que devido ao facto de durante algum tempo, talvez em demasia o grupo se ter fechado muito sobre si mesmo, numa provável estratégia de melhor enfrentar as suas dificuldades. Verdade ou não, não sei, pois não acompanhei de perto essa fase. Mas reportando apenas aos últimos quatro anos, pode-se dizer que os espectáculos montados, de uma forma genérica, abordam a solidão e as relações de poder, mesmo que disfarçadas de jogos sensuais. Temas relevantes para a vida comunitária e que podem promover um debate aberto, crítico e consciente entre as pessoas, e destas com o grupo, como forma de restabelecer novas empatias e sinergias geradoras de projectos colectivos que criem uma renovada identidade e influência comunitária. Um processo contínuo de reflexão e acção, como natural consequência das leituras do local e do mundo neste momento, poderá permitir um acto transformador do grupo e da comunidade. Esta será uma “viagem” de renovação e de transformação, parcial ou global, que há que definir de forma precisa, com uma estratégia de mudança e de futuro bem fundamentada, mas aberta a todos os contributos resultantes de um debate que se deseja vivo e participado. E sem receio de se assumir como alternativa e complemento a eventuais políticas locais.
“Victoria Station” de Harold Pinter. Forografia de N. Patinho.
Mem贸rias do Tempo
António Manuel Gomes de Sousa*
Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 10, 2011, 163 - 165
Centro Equestre de Montemor-o-Velho História e Projeção
Montemor-o-Velho, vila situada no coração do “BAIXO MONDEGO”, é por direito próprio a Capital desta Região que começa em Coimbra e termina na Figueira da Foz. Aqui a história da criação de cavalos tal como doutros equídeos (burros e Mulas) e de toiros bravos, perde-se no tempo. O Centro Hipico desta terra, com o apoio da Camara Municipal, tem enriquecido com trabalho sério e dedicado o legado de vários séculos de evolução histórica do cavalo, nas margens do rio Mondego e freguesias envolventes, em paralelo com as outras espécies atrás citadas. Desde sempre o cavalo fez parte da vida das nossas gentes. Primeiro em liberdade, em manadas, que iam melhorando as terras estrumando-as, entrando assim como núcleo importante, na cadeia do sistema ecológico local. Mais tarde surge como complemento imprescindível no amanho da terra Outras tarefas na lavoura eram-lhe igualmente confiadas como por exemplo os calcadoiros. Os rebanhos de ovinos eram, não raras vezes, conduzidos por gente de idade avançada, que vergados ao peso dos anos se serviam de burros e cavalos para ajudar nas caminhadas, no transporte das merendas e do leite quando os prados eram longe de casa. O transporte das colheitas do campo para as aldeias era também uma das suas atribuições a par com as juntas de gado. Desde sempre o peixe fez parte da dieta regional, por isso praticamente em todas as aldeias da região havia quem se dedicasse à venda do pescado que iam buscar sobretudo às praias da Figueira, Tocha e até a Mira, de carroça ou pura e simplesmente com seirões.
* - António Manuel Gomes de Sousa (Centro Equestre de Montemor-o-Velho).
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António Manuel Gomes de Sousa
Nas idas às feiras e romarias a sua colaboração era fundamental ora tranportando sobre o dorso os seus amos, ora carregando alforges (quando não as duas coisas em simultâneo), ora ainda na maioria das vezes tirando das carroças que transportavam famílias. O povo do baixo Mondego e arredores envolveu-o mesmo na vertente religiosa e assim é que na Ferreira e em Ançã e não só, se comemora o dia de S. Tomé com procissões a cavalo. Há também na História do cavalo na região, uma componente romântica. Quando os meios de transporte eram diminutos ou pura e simplesmente não existiam, os estudantes da universidade de Coimbra, Oriundos desta região, deslocavam-se para a cidade normalmente a cavalo e era à beira rio, montados, que se encontravam com as Tricanas que ou recolhiam água do rio ora aí lavavam roupa. Estes quadros estão profusamente divulgados em gravuras da época. Foi também o cavalo importante na guerra. Daqui desta vila, saiu o exercito comandado por Wellington em direcção ao Buçaco que venceu o exército Francês, acabando aí com as invasões Francesas. Com o passar dos tempos vieram o cavalo e a equitação, a ter uma subida importância no desporto, no aproveitamento lúdico com o passeio e até na terapia. Em Coimbra, na Quinta da Conrraria, nasceu um projecto de Equiterapia pioneiro, o segundo no país que se mantém em prefeita evolução, com contactos permanentes com outros países mais evoluídos nesta matéria. Com a criação de vários centros hípicos na região, começaram a nascer jovens apaixonados pela equitação clássica (DRESSAGE), pela disciplina de saltos de obstáculos e pelas provas de resistência “Raids”. A guarda republicana dava e dá dignidade às Procissões mais carismáticas da região. Ao ser fundado há cerca de 30 anos o Centro equestre de Montemor, abriu-se um novo capitulo da História no que ao cavalo e á equitação diz respeito. 1 – Com o recurso a sementais do estado, deu este centro origem ao profundo Melhoramento das raças na região. 2 - Com a organização de Concursos de saltos estimulou a modalidade, que alargou ao nível do centro do país com a iniciativa e a responsabilidade ao longo de 15 anos, do concurso regional do Centro. 3 - Com o concurso de modelos e andamentos premeia a criação de equinos na região, estimulando-a. 164
Centro Equestre de Montemor-o-Velho: História e Projeção
4 – com as aulas de equitação ministradas no Centro, estimula o gosto pelo cavalo e pela equitação. 5 - Na feira do ano, este centro atravessa praticamente todas as vertentes da equitação, Horse Ball, equitação representativa, dressage, obstáculos e toureio, tornando-se o polo mais visitado da feira. 5 – Com a organização, há 5 anos a esta parte, de 5 corridas de toiros e 2 novilhadas, reavivou este centro uma tradição secular da região do Baixo Mondego, que reza a história ter sido aquela em que pela primeira vez apareceram toiros em Portugal.
Por todo este trabalho desenvolvido - com a ajuda da Camara Municipal de Montemor o Velho, nunca é de mais recordar – está este centro satisfeito, mas preparado para novos desafios.
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Jorge Luís Pardal de Oliveira* Rui Manuel Marques **
Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 9, 2010, 167 - 171
Tipos de Actividades Escutistas
Os mais de 100 anos que o Escutismo tem, leva-nos a crer que o método é fiável, eficaz e promissor. Então a que é que se devem todos estes elogios? Em primeiro lugar, ao seu método (Sistema de Patrulhas) que já temos vindo a falar ao longo dos últimos números da nossa revista, ou seja, é muito mais fácil aprender em pequenos grupos, estando alguém muito próximo da nossa idade a ensinar, do que em grandes grupos a ouvir um adulto a debitar teorias. Em segundo lugar, é muito mais agradável aprender ao ar livre, em plena liberdade e em harmonia com a natureza, do que enfiado numa qualquer sala e sentado por vezes em posições incómodas. Pois desta vez é disso mesmo que vamos tratar, das actividades. Uma das causas do sucesso do Escutismo deve-se ás suas actividades, pois estas devem ser a céu aberto, que é como quem diz, ao ar livre. Se o objectivo deste artigo fosse enumerá-las, então teríamos artigo para quatro ou cinco números da revista, mas não é isso que se pretende. Pretendemos falar das grandes actividades e depois das outras mais pequenas mas que na sua maioria se encaixam nas anteriores. A maior actividade Escutista (em termos de importância e duração) é o Acampamento. Qualquer pessoa relaciona Escuteiros com acampamentos, mas não saberão porque acampam os Escuteiros. Os acampamentos servem principalmente para consolidar conhecimentos, é nos acampamentos que colocamos em prática as técnicas aprendidas semanalmente; dessas técnicas falaremos mais adiante. * - Jorge Luís Pardal de Oliveira (Natural de Montemor-o-Velho, Enfermeiro no Hospital dos Covões em Coimbra, Dirigente do Corpo Nacional de Escutas) * - Rui Manuel Marques (Dirigente do Corpo Nacional de Escutas)
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Jorge Luís Pardal de Oliveira e Rui Manuel Marques
Existem também os acantonamentos, onde procuramos fazer actividades semelhantes ás dos acampamentos, mas com a diferença de dormir não em tendas, mas numa casa. Normalmente os acantonamentos são mais usuais no inverno e principalmente para os mais novos (Lobitos). Deve ser preocupação dos Chefes motivar os seus elementos (mais velhos – Pioneiros e Caminheiros) a acampar também no inverno. Utilizamos até uma máxima que serve de motivação ao acampamento – “Com bom tempo qualquer burro acampa” – quando chove ou quando faz frio, nós não deixamos de ir á escola ou ao trabalho, toma-mos as devidas precauções e fazemos a vida normalmente, pois os escuteiros também acampam no inverno, tomando as devidas precauções, agasalhos para o frio, impermeáveis para a chuva e seguem a sua vidinha. Outras actividades de excelência para os Escuteiros são o Raid e o Hike. Muitas pessoas irão perguntar o que será isto, então vou aproveitar para ensinar também alguns Escuteiros: Muitos Escuteiros pensam que um Raid é maior do que um Hike e muito mais difícil, que os Raids são para os mais velhos e os Hikes para os mais novos, pois desenganem-se, não é nada disso. Tanto um Raid como um Hike são uma caminhada pela natureza, com objectivos que podem em tudo ser semelhantes, a sua duração pode ser igual, mas a primeira e principal diferença é que num Raid também se caminha durante a noite e num Hike a noite é para descansar, de preferência num abrigo construído para o efeito. Neste tipo de actividades não se pretende calcorrear terreno no menor tempo possível, tanto o Raid como o Hike são marchas de “endurance”, deve manter sempre o mesmo ritmo de caminhada, fazendo refeições ligeiras. Calcula-se que neste tipo de actividades se caminhe uma média de 5 Kms por hora, não se devendo ultrapassar os 25 Kms diários para menores de 14 anos e os 35 Kms para os maiores. Neste tipo de actividades desenvolve-se o espírito de observação não deixando passar despercebido uma cascata, uma paisagem bonita, um pôr do sol e deve-se valorizar os contactos com os nativos dos lugares que cruzamos. Um factor bastante importante é o peso da mochila que carregamos ás costas, esta só deve ter o essencial, o supérfluo fica em casa. As paragens durante a caminhada devem ser regulares, não devendo porém exceder os 5 ou 10 minutos para que os músculos não arrefeçam e enrijeçam. 168
Tipos de Actividades Escutistas
Não se deve tirar a mochila das costas nas paragens, pois isso proporciona o arrefecimento e a secagem do suor nas costas, o que é perigoso para a nossa saúde. Para terminar, estas deslocações devem ser efectuadas com o auxilio de cartas topográficas e bússola, promovendo assim o desenvolvimento de mais uma técnica escutista – a orientação. Resta-nos falar sobre o Bivaque, palavra proveniente do alemão “beiwache” ou do francês “bivouac” que significa área de estacionamento, em que nós só dispomos de abrigos naturais, especialmente árvores, cavernas ou pedras planas. Bivaque é a técnica de dormir na natureza sem a utilização de tendas, com o maior conforto possível e a menor agressão ao meio ambiente. Pode-se, quando não existirem abrigos naturais, construir o seu próprio abrigo defendendo sempre as regras anteriormente mencionadas. Afinal para que serve um Bivaque? É uma saída para a natureza para o desenvolvimento de outras técnicas que não a montagem de campo. Feita que está uma retrospectiva das grandes actividades, ficaria no ar a questão, mas é só isto que eles fazem, é só isto que aprendem? A resposta é não, toda a outra aprendizagem é feita através das pequenas actividades, que na maior parte das vezes são enquadradas nas grandes actividades e que nós identificamos como técnicas escutistas. Assim temos algumas que já falamos, como por exemplo orientação; esta técnica começa pela aprendizagem de leitura de cartas topográficas, passando depois à orientação propriamente dita, como por exemplo: orientação por indícios, orientação pelo sol e pelas estrelas, orientação por bússola e actualmente também por GPS. Também o Pioneirismo é uma técnica escutista, muito útil na montagem de um acampamento, mas também na progressão no terreno. O Pioneirismo consiste na construção das comodidades que podemos ter em campo, como por exemplo a construção de uma mesa, de uma cozinha, de uma torre, de uma ponte, etc. tudo o que a nossa imaginação e a nossa prática o permitir.
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Outras técnicas utilizadas, que iremos simplesmente mencionar sem nos alongarmos, mas também de extrema importância, como por exemplo: O Socorrismo, pois ninguém está livre de um acidente, e ter os conhecimentos básicos por vezes pode salvar uma vida. Técnicas de comunicação como ter conhecimentos de morse e homógrafo, que é uma forma de comunicar à distancia utilizando pequenas bandeiras. Técnicas como espeleologia, rappel, escalada, etc. Sendo que este tipo de técnica já requer monitores especializados e credenciados. Outras técnicas mais simples como cozinha selvagem, fogo de conselho (onde se desenvolve habilidade musical, representação) fazem parte do nosso universo de conhecimentos. Creio que após esta pequena explanação ficarão as pessoas mais esclarecidas do manancial de conhecimentos que se adquire no escutismo, deixando os nossos jovens mais preparados para a sua vida futura.
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Tipos de Actividades Escutistas
Bibliografia: Campismo Ilustrado – Enrique Brito Zaragoza The U.S. Armed Forces Survival Manual – John Boswell Topografia – Álvaro Parreira Manual de Leitura de Cartas – Serviço Cartográfico do Exército Roteiro do Céu – Guilherme de Almeida Manual de Socorrismo – Cruz Vermelha Portuguesa Na senda do Escotismo – Associação de Escoteiros de Portugal As mil e uma actividades para Escuteiros – Robert Baden-Powell
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Monte Mayor - A Terra e a Gente, Nº 10, 2011, 173 - 183
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De forma a dar continuidade à publicação da História Manlianense, Cronologica, Epithomatica, Bellica, Genealogica e Panegírica, na qual a curiozidade descifra successos que admiram, progressos que asombram e dezenganos que aproveitam…, disponibiliza-se agora a transcrição do livro quarto, capítulos terceiro a sexto desta obra de considerável importância para o Concelho de Montemor-o-Velho. Os critérios de transcrição adoptados1 foram apresentados no nº 1 da revista Monte Mayor, pp. 108-109.
Livro 4º Cap. 3º [fl. 66-r.] Em que se responde a umas duvidas, que se podiam por ao que nesta historia se relata, e a implicância que avia se facelita 23 Temos visto no principio desta historia que Gracia, principal figura nesta tragicomédia fora achado enjeitado e2 que para o ser no Convento de Sam Martinho desta villa hua [fl. 66-v.] noute do Natal tinha grandes contradiçoens no tempo. Temos dado as razoens já para que nam podesse ser, e como os Historiadores acentam fora sem duvida engeitado, e que o Abbade o mandara a Corte de Leam, donde com effeito fora armado cavaleiro, disemos nam podia ser fosse Dom Ramiro o que o armasse, porque a vida lhe nam deo lugar a que o fizesse, porem a doacam da renuncia que o Abbade fez desta villa, e mais terras prova evidentissimamente o fizera a Dom Ramiro, e este a confirma. E asi para que fiquemos sem duvida, e a nam tenham os que lerem esta historia nos Autores, que a escrevem e fique sem obrigaçoens o que
* - Sandra Lopes (Técnica Superior de Arquivo - A.M.M.V.) 1 - Na transcrição deste documento procurámos, na generalidade, seguir Avelino de Jesus da Costa, Normas Gerais de transcrição e publicação de documentos e textos medievais e modernos, 3ª edição, Coimbra, 1993. 2 - Segue-se à margem: Desfazem-se algumas duvidas destas e outras historias.
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dizem, avemos de entender, que3 o Abbade quando veio para esta villa traria já comsigo a Garcia, e que vendo o com prendas, o mandaria á Corte a Leam, para que seo sobrinho el Rey Dom Ramiro, lhe fizesse honrras. E huma vez isto acertado ficara de todo cesando o escrúpulo, e correrá a historia directa, sem aver obstáculo que se lhe oponha. Isto que os Autores nam dizem, pudemos conjecturar para nam tenham os curiozos de que os arguir, e menos no poderam fazer, se quizerem admetir, que o amor da pátria pode desculpar, ainda que me alargue em o referir. 24 Negar que os moradores do Castello de Montemor nam recebessem socorros dos Monges de Lorvam, seria desluzir a caridade, com qual aquelles servos de Deos se destrilava [fl. 67-r.] em seo serviço, pois empenhados no que lhe dava mayor cuidado, he sem duvida se nam descudariam por nenhum modo que quando o amor de Deos aquenta, sempre a vontade esta prompta, por ser a milhor lizonja o servir, para que mais se chegue a merecer. 25 Fundava se a duvida no modo como se fazia o socorro, pois escreve o doutíssimo Cronista Brito, na sua Crónica Cistersiense, que por uma mina secreta se introduzia no Castello, e como este esteja seis legoas de Lorvam, justamente se podia duvidar pudesse ser, pois nesta distancia como haja montes, valles, e campos impossível parece que por baixo do Cham se vadeasse, e que a agua o nam impedisse, sendo também que nenhuns vestígios se acham naquella serra de que tal ouvesse nem neste castello gruta por que se sahisse, e dado que assim fosse, ou em huma, ou outra parte avia de aver algum sinal que o mostrasse, porque posto com o tempo se consuma tudo, nam podia ser esta memoria, que com elle se gastasse. 26 E assim para credito da verdade, com que o dito coronista escreve, deve conjecturar se que aquella huma secreta de que falla, se deve mudar a fraze em estrada encuberta, que como naquelles tempos fossem grandes as mattas, e espessos os arvoredos de grossos e robustos troncos, averia alguma vareda occulta porque se vadiasse, e o socorro [fl. 67-v.] se introduzisse, e que este nam faltasse o confessa o mesmo Dom Joam naquella doaçam por que fez deixasam do convento, castello, e mais terras de que era Senhor, como atraz fica escrito, e o mesmo coronista no lugar asima o refere, e só comte variar o nome, fica sem ecclipses a verdade, e de todo desterrada a duvida, com que o escrúpulo se apostava a escurece la. E4 para confirmaçam do que digo, se vê que Dom Joam de Attayde prior terceiro do Mosteiro de Santa Cruz, no anno de 1192 deo foral aos moradores de Taveiro, e he para reparar que estando este lugar huma legoa de Coimbra, ouvesse naquelles sítios taes mattas, que andavam nellas ursos, pois mandou o Foral que quem os mattasse seria obrigado a dar ao Mosteiro ambas as mãos do urso, e hoje em todo aquelle destrato não há matto, em que se esconda hum coelho. 3 - Segue-se à margem: Hé de supor que o Abbade traria consigo o engeitado, que seria achado á porta do Convento de Lorvão e não ao desta villa. 4 - Segue-se à margem: Cron. dos Con. Regr.de St.º Agostinho, L. 9, Cap. 8, pag. 208, nº 6.
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27 He de advertir que o Coronista Britto refferindo esta historia na Crónica de Cister, nomea a Abderramen Rey de Córdova, e o mesmo faz Frei Leam de Santo Thomaz na sua Benedictina Luzitana, e como outros escrevendo o mesmo lhe chamam Almançor, como em huma rellaçam escrita5 em letra gótica, impressa em Sevilha na officina de Luiz Cabreira no anno de 1584 que ha hoje 129 annos, e nella se trata de Almançor Rey poderozo daquella cidade, he preciso para que se nam fique com duvida, e milhor [fl. 68-r.] inteligência da historia, saber se que este cognome Almançor entre os Mouros era uma denominaçam illustre, que significa deffensor da Ley, e asi delle se prezavam muitos6 capitaens famozos entre aquelles bárbaros, grangeando com tal nome estimaçoens e respeito, como também outros Alcaides Gerais se chamavam Alhazeb, que e o mesmo que em Hespanhol Vizo Rey, e eram estes os que juntos apessoados Meranolins Reys de Córdova tinham a mayor autoridade, sendo capitaens mayores de seos exércitos e asi que nas historias Arabrigas, se acham muitos cabos, cognominados Alhazeb Almançor, que no governo das armas logravam proheminente autoridade, e se lhe guardava notável respeito. 28 O que supposto nam pode fazer duvida que o Rey de Cordova7 fosse Abderramen, ou por outro nome Almançor, pois tudo vem a ser o mesmo. Era no tempo desta historia Abderramen segundo deste nome, decénio terceiro rey mouro de Hespanha, e quarto de Córdova, o qual succedeo a seo pay Hali Hatam. Teve o dito Abderramen por succesor Almender primeiro do nome, sexto rey de Córdova, ao qual succedeo hum irmam seo chamado Abdalá terceiro do nome, septimo Rey de Corvova, e a este succedeo seo filho Abderramen terceiro do nome, decimo septimo Rey Miramolim de Hespanha, e outavo Rey de Córdova, que8 teve o cognome de Almançor, e succedeo a seo pay no anno [fl. 68-v.]9 de 789, este foi aquelle notável inimigo dos Catholicos, pois em seo tempo padeceo cruel perseguiçam a christandade de Hespanha,10 e foi o que em Córdova mandou martyrizar ao gloriozo Dom Payo honrra e credito da família dos Cunhas originarios11 de Tuy. E asi se ficara entendendo que o cognome de Almançor se pode atribuir a qualquer daquelles Príncipes, nam sendo esta denominaçam para que se entenda sam diversos, os que sam na verdade os mesmos, que como em todos era o zello geral na observância da sua seita, estimavam a perrogativa que os podia adiantar nella, e o chamarem nos asi, teriam por lizonja, sendo tal a sua cegueira, que tinham por honrra o que os infamava.
5 - Segue-se à margem: Vener. C., fl. 44. 6 - Segue-se à margem: Garibay Comp. Hist. de Hesp., L. 37, cap. 9, pag. 985. 7 - Segue-se à margem: Razoens de se chamar Abderramen tambem Almançor. 8 - Segue-se à margem: Garib. Comp. Hist. de Hesp., L. 37, cap. 10, pag. 985. 9 - Segue-se à margem: Tar. Eur. Port., tom. I, parte 4, cap. 10, pag. 419, nº 9. 10 - Segue-se à margem: Gand. Arm. e Triumph. de Galiza, cap. 10, nº 9, pag. 95. 11 - Segue-se à margem: Ven. Euch. fol. 44.
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29 E se nas historias mais modernas, achamos tanta variedade12 entre os Autores, que fará nas antigas que penteam tantas brancas, e em materiaes que podiam nam aver duvidas, como se ve em Polidoro na Historia Ingleza no livro vinte da vida del Rey Ricardo Segundo, donde escrevendo alguns particulares tocantes a Portugal, diz que Dom Joam o primeiro era filho del Rey Dom Fernando, sendo que era seo irmam, e nam so se enganou neste particular, mas também em dizer, que fora monge da Ordem13 de Sam Bento, ou Cisterciense, e que deixados os habitantes viera a reynar, nam tendo noticia do que fora Mestre [fl. 69-r.] da Ordem de Avis, profesora da regra de Sam Bento. 30 E o mesmo Garibay no livro 24, capitulo quinze, pagina 797, nomeando os filhos que teve el Rey Dom Sancho o primeiro de14 Portugal diz que Dona Sancha acabara sua vida em Religiam no Mosteiro de Alemquer, que era da Ordem de Sam Francisco, sendo que esta pteclarissima Infanta, viveo e morreo no Convento de Cellas, junto a Coimbra, e seo corpo esta no Convento de Lorvam, e Duarte Nunes de Leam quer que esteja enterrada em Santa Cruz de Coimbra. 32 E se destes e outros exemplos, em que sam manifestos os enganos, com razam devem cessar os escrúpulos nos particulares, cuja averiguaçam faz a antiguidade mais defficultoza, por ser aquella a pólvora da lembrança. E asi cada qual poderá julgar o que melhor lhe parecer, pois a anteguidade he um escuro manto, que tudo encobre, e quando nam ha ver, he desculpável se apalpe, nam sendo muito se nam acerte.
Cap. 4º Em que se faz memoria das grandes oppressoens que padeceo Hespanha, e de como Coimbra foi tomada, e otras noticias mais 32 Foi mais que fatal para Hespanha o anno de 714, pois qual15 naufragante nao que impelida pelas ondas, se fez em pedaços16 nas praias, experimentou que no cavalo da porta correo com tal violência a disgraça, que já no anno de 716 estava17 a maior parte das cidades de toda ella, gemendo debaixo do pe[fl. 69-v.]zado jugo dos sarracenos, que com o ferro cauterizando os corpos, aplicavam tanta lenha aos incêndios, que as sinzas testemunhavam os estragos, nam tendo que ver já os olhos, porque afogados em lágrimas estavam de todo cegos, sendo só os ouvidos os que se confundiam com soluções, e se Coimbra já neste anno, como as mais cidades sentia as mesmas calamidades, he de conjecturar que as suas vezinhanças sofreriam as mesmas afrontas, sendo 12 - Segue-se à margem: Apontam se alguns enganos históricos. 13 - Segue-se à margem: Garib. Comp. Hist. de Hesp., L. 35, cap. 2, pag. 890. 14 - Segue-se à margem: Falla na Senhora Santa Sancha. 15 - Segue-se à margem: Sed. Nos Var. illustr., lit. A., cap. 12, fol. 14. 16 - Segue-se à margem: Arg. Soled. Laur., tom. 5. Igreja de Coimbra, cap. 12, pag. 108, nº 2. 17 - Segue-se à margem: No anno de 716 tinham os mouros já quaze o domínio de Espanha.
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os nossos Montemorienses, os a quem nam bastasse o seo valor, para que se nam vissem ultrajados, que posto fizessem o que deviam a honrrados, como a innundaçam era grande, forçozamente haviam de naufragar, e posto que fluctuantes, aviam como os mais de vir a perecer, e ainda que desse tempo nos nam individuem as historias suas acçoens, comtendo as podemos prezumir, porque a influencia dos astros a obrar acçoens heroycas, os avia de obrigar, porque o valor18 nace e nam se adquire, sendo Hércules que no berço o testemunhe, pois no despedaçar serpentes se diverte. 33 Succedeo a primeira desgraça a Coimbra no anno de 71619 depois que Rodrigo foi exemplar da maior desdita, perdendo o ceptro e coroa ganhada aos Catholicos pelo Capitam Maça em nome de Miramolim Jacob Almançor. Estiveram estas terras dominadas dos bárbaros e o estaria também Montemor, pois nam he crível deixasse de padecer os mesmos infortúnios que seos vezinhos, e nesta sogeiçam estiveram vinte [fl. 70-r.]20 annos athe que no anno de 736 vindo Mahometo Abdalazis tomou21 segunda vez Coimbra aos mouros que a senhoreavam, por se terem levantado com ella, deixando o nome de Alcaides pelo de Reys, negando a obediência ao Gram Califa de Arábia, que o era entam Abenziris, e para que o senhorio de Hespanha, que estava devidido em muitos Reys Mouros, se reduzisse so a obediência de huma coroa dos Árabes mandou Abenziris a seo capitam Mahometo Abdalazis, para que os reduzisse e sogeitasse, o que obrou com felicidade, sendo certo que por estes annos padecessem estragos sem conto os catholicos. 34 Quando o Capitam Muza (?) tomou Coimbra dos catholicos no anno de 716, deo em tenencia aquella cidade e mais terras circumvezinhas, a hum dos mais valorozos capitaens que o aviam servido, chamado Mahometo Alhamar, filho de Tariph22 o que venceo a el Rey Rodrigo na infausta batalha de Guadalete, e como era moço de altivos pensamentos, tendo a sogeiçam por oprobios, se intitulou Rey de Coimbra, negando a Miramolim a obediência, e morto este Rey, lhe succedeo seo filho Alhamari. Ignora se o quando, porque a Coroa lhe durava tam pouco tempo, que muitas vezes era de hum dia até ao outro, que a fellicidade humana he tam febrecitante, que nam necesita de tempo para que maligue, sendo qual flor que se ao sol, vestida de gala, corteja ao nacer, lá pela tarde toda [fl. 70-v.] descomposta o acampanha a sepultar, mostrando que o lucir he a correr, e que as trevas sam só adonde se vai parar, que he tal a inconstância do que se logra, que tudo he huma sombra, e vale o mesmo que nada. E como Alhamari viveo pouco, entrou no governo de Coimbra seo filho Alboarem, do qual
18 - Segue-se à margem: Saavedra Emp. 1ª. 19 - Segue-se à margem: No anno de 716 depois que Hespanha foi tomada, succedeo a Coimbra infortúnio, e he de prezumir que a Montemor o Velho. 20 - Segue-se à margem: Arg., tom. 3, Igreja de Coimbra, cap. 12, pag. 108, nº 2. 21 - Segue-se à margem: No de 736 tomou Coimbra aos mouros seg. ver p. de Grao Califa seo capitam Mahometo Abdalaris. 22 - Segue-se à margem: Mahometo alhamar se apelidou Rey de Coimbra, negando a Miramolim obediência.
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há mais noticia, por comstar de hum amplo privilegio, passado23 no anno de Christo de 734, porque permitio que os catholicos tivessem em Coimbra hum conde, que os governasse e em Eminio outro, sendo senhor de toda a terra entre Alva, Mondego, e Águeda, que era o por donde o seu domínio se devedia, no qual asignando os tributos, que os christaons, e conventos aviam de pagar, izentou a Lorvam de tudo, confesando a boa vontade que naquelles religiozos conhecia, quando por aquelles montes hia a caça, permetindo lhe franca licença para que pudesem ir e vir a Coimbra. He o bom modo, com que se serve, fará obrigar a caixa mais forte, pois aqui nam se gastam os fuzis com o uso, antes se reforçam com elle. E assi será ouzana (?) para adquirir, em que no servir mais se esmerar, porque do empenho com que se porta, lhe nace o que aproveita, e se nam veja se o como os Monges obravam, e a izençam com que lhe agradeceram, sendo como Lorvam tudo singularidades, que a respeito dos mais excede, como as trevas, as luzes. [fl. 71-r.]24 No tempo em que isto succedia era Rey de Astúrias Dom25 Pelayo, que falleceo no anno de 737, a quem succedeo seo filho Dom Favila (?), que morreo no anno de 739, e como tinham tanto a que accudir, a nenhum delles foi posivel chegar a Portugal, rezervando Deos esta gloria para outro que o pudese fazer.
Cap. 5º Em que se prossegue a matéria do pasado e otras noticias mais ao mesmo intento 3626 Governava por estes tempos aos catholicos de Coimbra27 com o titulo de Conde Theudo, filho de Athanogildo, e28 neto de Agdulpho, que tiveram o mesmo governo, e eram da linhagem dos Reys Godos da família del Rey Vuitica(?). Acha se deste Conde huma doaçam que fez ao Mosteiro de Lorvam, para que tenha aquelles Relligiozos propícios, e possam interceder por elle ao Rey de Coimbra Miramolim Muza que era seo amigo e lhe fazia particulares favores, e se acha confirmado por seos três filhos Theodorico Attaulpho, e Hermozendo. No que se vê he muito antigo para aver de receber, ser precizo o dar, e quando de tam longe trás seo principio este achaque, que fará ao tempo prezente? Que se pede, pois ao merecimento se desconhece, se falta protecçam que com empenho patroci[fl. 71-v.]nio, que se o mar reparte com fontes he porque os rios correm para elle, e asi nunca se veria dar, se nam precedesse o receber. He de prezumir que todos os catholicos que avia por estas partes reconhecesem ao Conde que estava em Coimbra para lhe detreminar as duvidas que tivesem, e lhe
23 - Segue-se à margem: Em 734 permitiu Albazem que os catholicos tivessem um conde em Coimbra. 24 - Segue-se à margem: Cath. R. de 35 Hesp. fol. 26. 25 - Segue-se à margem: Nestes tempos reinava já D. Pelayo. 26 - Segue-se à margem: Tendo conde conimbricense pera prezidir aos catholicos. 27 - Segue-se à margem: Gardim. de Port. cap. 49, fol. 135. 28 - Segue-se à margem: Arg. Soled. Lavr., tom. 5, Igreja de Coimbra, cap. 14, pag. 110, nº 2.
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fazer a justiça que pretendesem. E como nam ache especiaes memorias desta villa de Montemor, refferindo as de Coimbra se vira na inteligência do que a esta toca, pois sendo povoaçam tam nobre, dominando huma fronteira tam arriscada, nam averia pouco que escrever della, mas o descuido dos antigos, dis que sentir aos custozos, porque sempre foi inconsolável a magoa cuja fonte he culpa, imposivel de emenda, que quando nam ha para onde, so appeito, só se encontra que penalize. 37 Aquelles annos que reinaram Dom Pellayo e seo filho Dom29 Favila, attee que entrou no reino o prodigiozo Rey Dom30 Affonso o primeiro, cognominado o catholico, monarcha tam guerreiro, que com trinta e quatro batalhas campaes eclypsou as estrellas dos mouros e fez em quartos as suas luas, sendo tam gloriozo nos triumphos, que era asombro dos bárbaros, desejozo de multiplicar os tropheos sahio com poderozo exercito, e nam so entrou todo o regno de Galiza, mas passando as de Portugal, ganhou a cidade do Porto, e entrando [fl. 72-r.] pelo Bispado de Coimbra avasallou a cidade de Eminio (já entam chamada Agereda) que dista sete legoas daquella cidade. Sucedeo esta conquista conforme a conta de Alhoralis, refferido por Argaiz, no anno de 742. Em todos quelles annos devia citar Montemor como os mais povos da sua vezinhança, pagando tributos aos Mouros que como senhores absolutos punham, e dispunham a sua vontade, que quando há poder, nam avendo quem a encontre, sempre como dominante logra o q appetece. 38 Em todos aquelles annos, em que os Reys de Astúrias, e31 Leam andavam a braços com os Mouros, desde o tempo que reynou o grande Rey Dom Affonso o primeiro, chamado o catholico, athé que succedeo no reyno o Angélico Príncipe Dom Affonso segundo, cognominado o Casto, que foram mais de noventa annos, estiveram os mouros senhores destas terras, e como fose Príncipe magnânimo, dezejozo de fazer aos bárbaros todo o dano, levantou hum dos milhores exércitos que lhe foi posivel, com o qual entrando por entre Douro e Minho, tudo o que lhe rezistia ficava emprego da lastima, porque com innundaçoens de sangue cobria a terra, sendo qual fogo que com incêndios a abrazava. E como a cidade de Braga estivese bem prezidiada de Mouros, e estes32 confiados assim no seu valor, como nos mouros, se paresem em rezistencia, a sitiar, e posto se nam individue o tempo, que [fl. 72-v.] sobre ella esteve, dizem muitos Autores a entrou no anno de 798, e que com furor militar, ficava hum vivo retrato de Troya ou Numancia.
29 - Segue-se à margem: Phelip. Borg. Suplem. Cron. L. 12, fol. 191. 30 - Segue-se à margem: El rey D. Affonso o primeiro cognominado o catholico ganhou o Porto e Eminio no anno de 741. 31 - Segue-se à margem: Arg. Soled.Laur., tom. 3, Igreja de Braga, cap. 72, nº 2, l. 6, tom. 5, Igreja de Lisboa, cap. 11, pag. 59, nº 3. 32 - Segue-se à margem: Ganha Braga aos mouros D. Affonso o primeiro de Castella.
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39 Confuzos os Árabes de tanto estrago, experimentaram os efeitos, que introduz o medo, fugindo sem acordo, e o Rey victoriozo continuando a mesma fortuna, conquistou todas33 as cidades até Lisboa, rendendo as a sua obediência, e fazendo o mesmo della, a entrou e saqueou, e voltando a Braga rico com os despojos, fez seo acento nella, tratando de a fortificar com reparos, para que podese tornar a ser hum padrasto fatal para os mouros, e se escreve ser este succeso no mesmo anno de 798, e he para advertir que nesta feliz34 entrada tomou a cidade de Coimbra, sendo entam Ali Marvam Rey della, fazendo o mesmo a todas as mais terras athe Lisboa como fica dito. Que hum exercito victoriozo, he na terra como o Rayo, a quem para se rezistir tudo he pouco, ou como innundaçam arrebatada, que nam fica palmo de terra, que nam cubra, sendo papel o estrago, em que o furor escreve, tendo por tinta o sangue, que os clamores dos vencidos, sam as aclamaçoens dos victoriozos. 40 Foram os escriptores daquelle tempo tam breves no que escreveram, que apenas se explicam, deixando nos sempre anciozos de saber o que os antigos obraram, e asi podemos [fl. 73-r.] conjecturar que se el Rey Dom Affonso rendeo todas as cidades athe Lisboa, que correndo a mesma fortuna Coimbra como fica dito, nam ficaria Montemor sem que a reduzisse à sua obediência pois he sem duvida nam deixaria huma praça de tanta consequência na vezinhança, e posto que os Autores nam façam della especial memoria, he porque os muitos succesos que nella ouve, se confundem com os mais desta Província, deixandonos campo largo para se conjecturar o muito que entam sem duvida, se havia de padecer, pois em tromenta, em que tantos naufragam, cobrindo a todos as ondas, que sobiam as estrellas, como se podia escapar, sem se afogarem nas agoas? Sendo qual roda que agitada com violência nam para, ainda que a mam se devirta, que huma vez despedida a bola nam se detem na carreira, que as disgraças communs sam tam valentes, que peleijam com forças de gigantes, tendo os estragos em todos por alvitres.
Cap. 6º Em que se da noticia do quando e por quem fora tomada Coimbra e de El Rey Dom Ordenho primeiro e de outras couzas mais 41 Temos visto que quando El Rey Dom Affonso o casto35 tomou Coimbra, era Rey della Alli Marvam, do qual [fl. 73-v.]36 tomaram o nome aquelles montes junto a Lorvam, pelo continuo exercício que aquelle Rey e seo pay Marvam tinham de andar
33 - Segue-se à margem: Toma Lisboa aos mouros e a saquea e faz acento em Braga. 34 - Segue-se à margem: Era Rey de Coimbra Ali Marvam anno de 798. 35 - Segue-se à margem: De Ali Marvam tomaram o nome os montes junto a Lorvão. 36 - Segue-se à margem: D. Sal. Sign. de Cast., liv. 1, cap. 11, fol. 13.
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à caça nellas, sendo entam como centro de javalis, e veados, e se dis corria o anno de 798 ou 799, e nam falta quem escreva que nesta guerra ajudara a El Rey Dom Affonso, o Emperador Carlos Magno, seo cunhado, se bem o encontro o que se reffere, que dos despojos que trouxera de Lisboa, lhe mandara hum riquisimo prezente, que os Princepes quando mandam, he com tanta grandeza, que fora injuria da liberdade nam ficar acreditada. 4237 Succedeo no Reyno ao dito Rey Dom Affonso o Casto, seo38 sobrinho Dom Ramiro o primeiro, que sempre o foi em tudo, pois nas virtudes nam teve segundo. Delle disemos já no livro primeiro capitulo doze aqui fora, se bem imposivel seria dizer cabalmente o que era, dispor as couzas tocantes ao goberno do seo reyno com o maior acerto aos ladroens, que nunca faltaram, mandava castigar, tirando lhe os olhos, merecido castigo da sua culpa, porque nam lhe ficando com que ver, tivesem sempre com que chorar. E aos nigromanticos e feiticeiros castigou com fogo, antecipando lhe já o do inferno, pois era bem ardesem, e que nem sinzas delles ficasem. Delle fica dito o que basta para se saber e non pela volta do valor, com que o Abbade Dom Joam seo tio deffendeo o Cãs[fl. 74-r.]tello desta villa de Montemor, e raros succesos que se admiram tam prodigioza guerra, pois as mais foram como desta sombra, sendo tudo asombros o que della se relata, e o motivo principal para que estimulado o dezejo se despertase o cuidado a escrever esta historia, que por ser o mais digno emprego da fama, he razam se nam ignore e se saiba. 43 Tem sido tam sensíveis as desgraças que Hispanha avia experimentado no discurso de tantos séculos, como se tem visto, fazendo a diversas naçoens theatro, em que o ódio se mostrou poderozo, e a compaixam nam fez figura, que como desconhecida, so a tyrannia blazonava (?) veio a succeder na Coroa gótica vuitiza, que foi peste da Republica, pois nam se contentando com preverter os costumes, se conjurou contra as paredes, nam avendo muros que nam derrotase, nem fortalezas que nam desfizese. E asi no anno de 709 mandou este Rey por terra as muralhas de Coimbra, como as das mais cidades de Hespanha, e como se apostou a q nam ficase castello em pé no que dominava forcozamente nam ficaria izenta a villa de Montemor de lamentar estragos próprios, pois via os mesmos nos vezinhos. Porque nunca deixou de arder quem esta perto de se queimar, que dos incêndios vorazes defficultozamente se escapa por mais que trabalhe a industria, que qual contagio inficiona a disgraça para que em todos seja a fortuna a mesma. 44 A primeira vez que Coimbra se perdeo foi no anno de 71639 [fl. 74-v.] depois da morte del Rey Rodrigo, ganhou a aos christaons o Capitam Muça em nome de Miramolim Jacob Almançor, que como entam se quis deffender, a destruio, arruinando
37 - Segue-se à margem: Succede em Castella D. Ramiro primeiro. 38 - Segue-se à margem: Man. Hist., tom. 1, L. 7, cap. 15, pag. 27. 39 - Segue-se à margem: A primeira vez que se tomou Coimbra.
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Sandra Lopes
o40 milhor de seos edifícios. A segunda se tomou, quando no anno de 736 a entrou Mahometo Abdalaris, tomando a aos mouros, que com ela se aviam levantado, deixando o nome de Alcaides e tomando o de Reys, negando a obediência ao Gram Califa da Arábia, como fica dito, que he tal a audiçam que huma vez posta no trono da vaidade, se desvela por adiantar intereses próprios, posto corte por respeitos alheios, que he tal a escravidam deste vicio, que so a que consiga, atende, nam reparando se informe, que como os ânimos se inferionam, sempre as que devem faltam. 45 Neste estado estava Coimbra, quando el Rey Dom Affonso41 o Casto, a ganhou a Ali Marvam no anno de 798 ou 799, como dizemos. Porem esta felicidade durou pouco, porque como Dom Affonso nam tivese gente bastante para deixar prezidios, se retirou as Astúrias com os despojos, e os Árabes tornaram42 a occupar Coimbra e Ali Marvam a quem se avia tomado, a senhoreou de novo, e como este fallecese, lhe succedeo no senhorio seo filho Alimalh Hem Ali, que concorrendo43 com el Rey Dom Ramiro o primeiro, na entrada que fez por Luzitania, o despojou della, e de todas as mais terras desta Comarca, sendo a de maior estimaçam das que entam tomou, a villa de Montemor o Velho, da qual fez doaçam a seo tio [fl. 75-r.] o Abbade Dom Joam, em cujo governo succedeo o que fica relatado. Depois andando os annos, chegou o de 895, em que a tomou aos mouros el Rey Dom Affonso o terceiro como veremos, e no anno de 1064 a tomou el Rey Dom Fernando o44 primeiro, como se dirá em seo lugar, do que se ve que os pobres dos catholicos o nam aguentavam naquelle tempo, refiro por mayor estes naufrágios de Coimbra, para que se entenda45 que esta villa de Montemor corria os mesmos riscos na tromenta, que quando he procelloza o nam perecer se reputa maravilha, pois o seria grande vadear a pé enxuto o pego, sem que se molhase o vestido, julgando se chimera pasear sobre as agoas, como se foram áreas, sendo que a vista de grandes infortúnios, ainda os mais valentes ficam desmaiados. E asi he de advertir, que em todos seria corrente o chorar, porque se as luzes se encobrem, os ares se enlutam, as nuvens se sangram, e os ventos asopram, sendo tudo horror, ninguém tem olhos para ver, por estarem todos occupados no sentir. 46 Feitas as exéquias a el Rey Dom Ramiro o primeiro, se46 enxugaram as lágrimas de seos vassallos na aclamaçam do47 seo filho, Dom Ordonho o primeiro, que igualmente das48 virtudes, como do sceptro, foi herdeiro do Rey defunto.49 Era a sua condiçam 40 - Segue-se à margem: A segunda vez que se perdeu. 41 - Segue-se à margem: Toma Coimbra aos mouros el Rey Dom Affonso o Casto. 42 - Segue-se à margem: Torna Ali Marvão a senhorear Coimbra. 43 - Segue-se à margem: Torna Coimbra a ser dos catholicos por toma la el Rey D. Ramiro como taobem toma Montemor. 44 - Segue-se à margem: Toma taobem Coimbra el Rey D. Fernando primeiro no de 1064. 45 - Segue-se à margem: Blot. no seu vacab., tom. 2, pag. 363. 46 - Segue-se à margem: Cath. R. de Esp., cap. 44, fol. 33. 47 - Segue-se à margem: Man. Hist. de Esp., tom. 1, l. 1, cap. 16, pag. 285. 48 - Segue-se à margem: D. Ordonho primeiro. 49 - Segue-se à margem: Fe. Var. Illustr., tit. 13, lit. 0, cap. 3, fol. 246.
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tam benévola, que todos tinham a sogeiçam50 por alvitre e lizonja. E asi a nobreza como vi[fl. 75-v.]lanismo se apostavam anciozos a fazer lhe o gosto, que quando as correntes, com que se prende, se forjam nas officinas do agrado, sempre os serviços se obram com extremo. 47 Adquiriu celebres victorias dos Mouros, podendo ficar desvanecidos51 os Reys de Toledo, Huesca e Zaragoça de serem52 seos vasallos, povoou as cidades de Tuy, Aronse, Anoya, Leam e Astorga, e outras muitas, que estavam ermas, e mal povoadas do tempo del Rey Dom Affonso o Casto, e Príncipe tam vegilante, nam devia de descurar se do que tinha na Lusitânia, pois era huma das milhores pedras, que ornavam sua coroa, que como seo pay Dom Ramiro avia ganhado Coimbra, e esta villa de Montemor o Velho, como fica dito, se nam mostraria na conservaçam della descudado, nam sendo justo o fose com vasallos de tantos brios, que antepozeram as honras às suas vidas, mostrando ao Mundo, serem so ambiciozos de que vivesem sem manchas os seos créditos, pois chegaram a derramar todo o sangue por nam perde los. Cazou Dom Ordonho com Dona Nuna, Senhora53 illustrisima espanhola, e avendo reynado doze annos falleceo de gota na cidade de Oviedo, anno de 862.
50 - Segue-se à margem: Bened. Luzit. tom.2, trat. 1, parte 2, pag. 93. 51 - Segue-se à margem: Far. Eur. Port., tom. 1, parte 4, cap. 7, pag. 405, nº 1. 52 - Segue-se à margem: Povoou Tuy e muitas mais cidades. 53 - Segue-se à margem: Falleceo D. Ordonho de gota em Oviedo anno de 862.
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