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Rodrigo Francisco nasceu em Almada em 1981. Foi assistente de Joaquim Benite (1943-2012) a partir de 2006 e é, desde dezembro de 2012, diretor artístico da Companhia de Teatro de Almada e do Teatro Municipal Joaquim Benite
rodriGo Francisco diretor artÍstico da companhia de teatro de almada e do teatro municipal Joaquim benite «o teatro municipal Joaquim benite é da cidade e do concelho de almada»
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A Companhia de Teatro de Almada está, desde 1978, instalada no concelho. Para celebrar estes 40 anos, está patente, ao longo de 2018, a exposição documental CTA – 40 anos em Almada. Estivemos à conversa com Rodrigo Francisco, diretor artístico da companhia e do Teatro Municipal Joaquim Benite.
Almada (A) – São 40 anos de muito trabalho? rodrigo francisco (rf) – O Grupo de Campolide é fundado em 1971 e, em 1978, instala-se aqui Almada, no teatro da Academia Almadense. Começa por chamar-se Grupo de Campolide – Companhia de Teatro de Almada (CTA). Esta denominação só desaparece em 1988 quando é inaugurado o primeiro Teatro Municipal de Almada (TMA), agora Teatro-Estúdio António Assunção. E é, de facto, um longo caminho, feito de muito trabalho, sob a liderança do Joaquim Benite, mas com a colaboração de muitas pessoas que estiveram envolvidas neste projeto. A 6 de janeiro, dia da apresentação da temporada de 2018 do Teatro Municipal Joaquim Benite (TMJB), inaugurámos uma exposição, com
conceção do José Manuel Castanheira, dividida em vários períodos, e que se estende durante todo o ano, em vários espaços dos TMJB. É possível ver alguns materiais do nosso arquivo e que constituem um objeto de estudo muito interessante para quem quiser conhecer a história da renovação do teatro português. Vamos também publicar um catálogo, mais desenvolvido, com excertos de muitos textos de reflexão, de muita correspondência, porque também é muito interessante analisarmos as notícias daquela época para termos uma imagem do que foram os períodos que antecederam a Revolução de 25 de Abril e pós-revolucionário e de como o teatro era feito nessa altura.
A – Em 1988, a CTA muda-se para o primeiro Teatro Municipal de Almada (TMA) e, em 2006, para o novo TMA, agora Teatro Municipal Joaquim Benite. Um projeto ambicioso, mas indispensável? rf – É interessante porque quando a CTA vem para Almada já existe o projeto de construção de um teatro de raiz. Em 1985, a Câmara Municipal de Almada (CMA) cede um terreno, em direito de superfície, na Avenida Rainha D. Leonor, à CTA para a construção do Teatro da Parábola. O projeto era do arquiteto Manuel Graça Dias. Só que os financiamentos não acontecem e esse projeto foi sendo adiado, concretizando-se apenas com a construção do novo TMA, agora designado de TMJB, da autoria dos arquitetos Manuel Graça Dias e Egas José Vieira. O encenador francês Bernard Sobel, a primeira vez que viu este teatro, disse que este era «um ato de loucura e de poesia».
A – Em 2006, a CTA muda-se para o novo TMA e o Rodrigo Francisco passa a assistente do Joaquim Benite? rf – Ainda não tinha pensado nisso, mas é curioso que exista essa coincidência. Eu fui assistente do Joaquim Benite na peça Dom Juan, de Molière, peça que inaugura este teatro municipal. Aliás, o Luís Miguel Cintra vem, este ano, ao TMJB fazer uma versão desse texto.
«uma continuação do trabalho do Joaquim benite»
A – Sentiu que estava a ser preparado para suceder ao Joaquim Benite? rf – O Joaquim Benite não me preparou só a mim, ele preparou uma equipa e são esses homens e mulheres que agora estão à frente da CTA. No documentário que integra a exposição CTA – 40 em Almada, várias personalidades da cultura e não só, referem que ele era um grande constituidor de equipas e foi isso que ele fez. Este teatro é gerido pela equipa que ele criou e preparou para a gestão complexa deste edifício. A – É o atual diretor artístico da CTA e do TMJB. Mudou alguma coisa ou houve uma continuidade intencional? rf – Tudo o que se faça aqui será uma continuação do trabalho do Joaquim Benite. Mas é natural que as coisas evoluam, porque as pessoas são diferentes e têm outras sensibilidades. O próprio Joaquim Benite não gostava de manter as coisas. Ele próprio procurou evoluir e fazer com que as coisas evoluíssem. Este teatro municipal é sinal disso mesmo. Nós temos a perfeita noção de que tudo o que fizermos terá sempre origem no trabalho por ele realizado, mas também sabemos que a evolução é constante, sobretudo nos processos de criação teatral. Esta companhia, como é feita de pessoas, é um organismo vivo.
A – Mas este modelo de atividade é para manter ou deverá haver alterações? rf – Os princípios de rigor artístico e de amor pelo público serão para manter, porque eram valores que o Joaquim Benite já trazia quando começou a fazer teatro. Queremos colocar os espetadores sempre no centro do fenómeno teatral e ter um teatro que não seja um edifício fechado, ou seja, com um horário alargado, com valências distintas, aberto à comunidade local e que acolha as criações, de natureza distinta, de outros grupos ou companhias. O Teatro Municipal Joaquim Benite é da cidade e do concelho de Almada.
A – O Joaquim Benite e a CTA sempre defenderam a mobilização de públicos para o teatro e demais artes de palco. Este princípio também se mantém? rf – A afluência de público e a reação das pessoas fazem-me acreditar que ainda é este tipo de teatro, baseado nos grandes textos e dramaturgos, que mais agrada aos espetadores. É uma fórmula à qual não podemos escapar. A – O Festival de Almada é o trabalho mais marcante e visível? rf – Quando a companhia decidiu instalar-se em Almada, para além da criação e apresentação de espetáculos, fazia parte do projeto um vasto programa de animação cultural. A primeira edição aconteceu em 1984, no Beco dos Tanoeiros, com espetáculos montados por amadores. E a história do Festival de Almada é uma das partes importantes desta exposição comemorativa dos 40 anos da CTA aqui em Almada.
A – Ao longo destes anos, o apoio da CMA tem sido importante? rf – Houve uma grande evolução. Quando a companhia chegou a Almada não existiam grande apoios. Eles foram sendo estabelecidos à medida que as condições assim o permitiram. Estive a ver a gravação vídeo da cerimónia de cedência do antigo Teatro Municipal à CTA, em 1988, e a presidente da CMA, na altura, Maria Emília de Sousa, falava que os primeiros anos, após a Revolução de Abril, foram de colmatar as necessidades básicas das populações, mas que nos anos 80 do século XX, começa a existir um desenvolvimento mútuo entre a CMA e a CTA, o que permite que no final dos anos 90 haja um grande apoio por parte do Ministério da Cultura, o que leva a que o Festival de Almada ganhe outra dimensão.
A – Ao longo dos anos têm passado pela CTA muito encenadores, atores e atrizes. Mantêm uma boa relação com estes profissionais? rf – Há histórias muito engraçadas… por exemplo, em 1984, a CTA convidou uma dupla de encenadores alemães, o Peter Schrott e o Peter Kleinert, para dirigirem aqui um espetáculo do Bertolt Brecht. E este ano, quase 40 anos depois, o Peter Kleinert vai voltar a Almada para dirigir outra peça do Brecht. Muitos destes atores e encenadores que, de alguma forma estiveram ligados à CTA, já desapareceram, mas também foi uma marca do Joaquim Benite ter formado gerações de pessoas ligadas ao teatro que, depois, desenvolveram os seus próprios projetos, em várias partes do país e do mundo. A vinda do Grupo de Campolide para Almada foi a semente que veio germinar todos estes frutos.