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O Convento dos Capuchos
Vida, Memรณria, Identidade
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O Convento dos Capuchos
Vida, Memória, Identidade Catálogo da Exposição Coordenação
João Luís Inglês Fontes
(IEM - FCSH/UNL; CEHR - UCP) Autores
João Luís Inglês Fontes
(IEM - FCSH/UNL; CEHR - UCP)
Nuno Caeiro (CMA)
Nota de abertura
Maria Emília Neto de Sousa
Presidente da Câmara Municipal de Almada
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Exposição Exhibition Direcção e Coordenação Coordination
Luís Nascimento
Comissário Científico Scientific Curator
João Luís Inglês Fontes
Projecto Museográfico, Estruturas e Iluminação Exhibition Design
Nuno Caeiro
Nota de Abertura Opening Remarks
Maria Emília Neto de Sousa Textos Texts
João Luís Inglês Fontes Tradução Translation TLS, Lda Pesquisa Documental e Digitalização Research and Document Scanning
João Luís Inglês Fontes Nuno Caeiro
Pesquisa Iconográfica Iconographic Research
João Luís Inglês Fontes Luís Nascimento Nuno Caeiro Sandra Castanheira
Recolha de Recursos Fotográficos e Audiovisuais Photography and Video
Anabela Luís (fotografia) António Nabais (fotografia e vídeo) Secretariado Administration
Sandra Castanheira
Produção Audiovisual Audiovisual Production Mentes de Contacto, Produções Multimédia, Unipessoal Lda. Design Gráfico Graphic Design
Carlos Lima
Impressão de suportes expositivos e montagem de estruturas Printing and Exhibition Installation Urbanink – Design e impressão Digital, Unipessoal
Nuno Caeiro Sandra Castanheira
Montagem de Sistema de Iluminação Lighting System Installation DML - CMA Impressão de Jornal da Exposição Printing of Exhibition “Journal” Urbanink – Design e impressão Digital, Unipessoal
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Catálogo Catalogue Coordenação Editorial Editorial Coordination
João Luís Inglês Fontes
Design Gráfico Graphic Design Velcrum Design - Comunicação Adesiva, Lda.
Nota de Abertura Opening Remarks
Impressão Printing
Textos Texts
Tiragem 500 exemplares
Maria Emília Neto de Sousa João Luís Inglês Fontes Nuno Caeiro Capa Cover
Velcrum Design
Foto: Janela interior Convento dos Capuchos [Carla Soeiro (Velcrum), 2013] Digitalização de Documentos Document Scanning
Jorge Fernandes - Lda.
Almada, Novembro de 2013 ISBN 978-989-8668-05-9 Depósito Legal
Nuno Caeiro
Secretariado Administration
Sandra Castanheira
Gestão de Conteúdos Gráficos e Revisões Graphics Management and Review
João Luís Inglês Fontes Luís Nascimento Nuno Caeiro
A aplicação do Novo Acordo Ortográfico ficou ao critério de cada autor.
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Créditos Fotográficos Photo Credits
Agradecimentos Acknowledgments
Anabela Luís (CMA) António Nabais (CMA) Arquivo do Jornal “Diário de Notícias” Arquivo Municipal de Lisboa Arquivo Nacional da Torre do Tombo Arquivo Particular (D. Sissi Valadas) Arquivo Particular (Família Bastos de Matos) Arquivo Particular (Família Salvador Silva) Arquivo Particular (Olga Candeias) Bruno Figueiredo (Velcrum) Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian Biblioteca Nacional de Portugal Câmara Municipal de Almada - Arquivo Fotográfico / Museu Municipal Câmara Municipal de Almada - Arquivo Histórico Municipal Câmara Municipal de Almada - Departamento de Assuntos Jurídicos - Gabinete de Assuntos Jurídicos e Notoriado Câmara Municipal de Almada - Departamento de Obras Municipais - Divisão de Projectos Carla Soeiro (Velcrum) Fundação Oriente Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana - SIPA Ministério da Educação e Ciência - Divisão de Documentação e do Património Cultural Nuno Caeiro (CMA)
Arq. João Lucas (CMA) Arquivo Municipal de Lisboa Biblioteca Nacional de Portugal (Lisboa) D. Maria Margarida Nunes Rosa Tacanho D. Sissi Valadas Dr. Rui Mendes Dr. Salvador Silva Dra. Celina Bastos Família Bastos de Matos Família Quintella (Quinta da Conceição, Murfacém) Fundação Oriente Padre Joaquim Pedro Lobo Cardoso Quintella Paulo Rocha (Ecclesia) Prof. Doutor António Camões Gouveia
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Índice Nota de abertura Opening remarks Maria Emília Neto de Sousa
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O Convento dos Capuchos - Vida, Memória, Identidade João Luís Inglês Fontes 1. Perscrutando as origens 2. A reforma arrábida 3. Os fundadores 4. Os primeiros tempos do novo convento 5. Um convento, uma comunidade, um modo de vida 6. Os edifícios conventuais 7. A extinção da comunidade capucha da Caparica 8. Um longo abandono 9. A aquisição do convento pela Câmara Municipal de Almada e o primeiro restauro 10. Presenças provisórias 11. A afirmação e projecção do convento como espaço de fruição cultural: o Festival de Música dos Capuchos 12. A requalificação do Convento: as obras de 2000 - 2001 13. O convento hoje Convento dos Capuchos Life, Memories, Identity Fontes e Bibliografia
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O Convento dos Capuchos - Do Conceito Histórico ao Desenho Expositivo Nuno Caeiro Exposição “ O Convento dos Capuchos: vida, memória, identidade” Os conceitos base e o apoio da historiografia O Espaço pré-existente O Anteprojecto O Projecto - Desenhos Construtivos A Intervenção no património arquitectónico A identificação, criação e definição de linguagens museográficas e a construção de um projecto global Fontes e Bibliografia
21 33 43 49 55 63 83 89 91 99 123 133 141 203 205 211
221 221 222 222 228 230 237
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[Bruno Figueiredo (Velcrum), 2013].
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O Convento dos Capuchos
Nota de abertura
DEVEMOS TRABALHAR DE FORMA A QUE A MEMÓRIA COLECTIVA SIRVA PARA A LIBERTAÇÃO E NÃO PARA A SERVIDÃO DOS HOMENS. Jacques Le Goff
O
Convento dos Capuchos, vida, memória, identidade assim se intitula a exposição patente no espaço do antigo cenóbio arrábido da Caparica. Esta mostra pretende dar a conhecer um património que é por muitos de nós sobejamente visitado e admirado. O convento é, para os almadenses, um património único do concelho e que, aos nossos olhos, revela uma identidade alicerçada numa memória que procuramos conhecer. Com este objetivo e neste âmbito, a exposição procura dar a conhecer todo o seu percurso desde as origens à sua extinção, passando pela fase de abandono até à sua recuperação, bem como as atuais vivências, ligadas sobretudo à cultura.
Para os nossos contemporâneos, o convento surge associado à ideia de um espaço público, colocado ao serviço das populações, seja em eventos de cariz social ou cultural (da música às exposições ou ao teatro), seja em ocasiões mais festivas, como a celebração de casamentos, que ainda hoje se repetem na pequena capela conventual. Mas este espaço, hoje restaurado e transformado, guarda, no seu interior, memórias que tecem a sua história: da comunidade que albergou mas também dos que nele fruíram do espaço e do encanto bucólico dos seus recantos, da austeridade das suas formas e do recolhimento e encanto da sua capela. Assim, de convento capucho de estrita observância, o espaço, após a extinção das ordens religiosas em Portugal, no século XIX, foi abandonado, seguindo-se a depredação completa do seu recheio e a gradual ruína do edifício. Transitando pela mão de diversos proprietários particulares, viria finalmente a ser resgatado pela Câmara Municipal de Almada, que o compra em 1950. Em 2000, a autarquia iniciou a requalificação do Convento dos Capuchos. Para além da reconstrução do edifício principal, respeitando a traça original, técnicos especializados restauraram o espólio artístico existente na capela, na sua maioria cedido, pouco depois de 1950, pelo Museu Nacional de Arte Antiga. É a Câmara Municipal de Almada que, ao recuperar o espaço, garante uma conciliação entre a
sua matriz conventual e capucha e as novas funcionalidades que lhe passaram a ser atribuídas enquanto espaço cultural em si mesmo, e de fruição cultural aberto a todos, abrangendo públicos diversificados, com diferentes linguagens estéticas, sempre no respeito pela identidade capucha do próprio convento. Sujeito a sucessivos restauros e adaptações, o convento seguiu o crescimento e desenvolvimento de todo o concelho, com a procura de soluções para uma população cada vez mais numerosa e para as necessidades que esta suscitava e que urgia satisfazer. A intervenção realizada pela autarquia no convento obedece assim a uma política de requalificação do património histórico que privilegia a fruição e o usufruto criativo dos espaços. Riqueza patrimonial única, o convento partilha com toda a comunidade a sua história e cria uma memória que contribui para identificar a sociedade local apelando à sua participação e fruição. Apresentar esta mostra é, simultaneamente, criar novos laços entre todos os habitantes do concelho e recriar no convento uma memória coletiva que se constitui como documento para as gerações vindouras que assim saberão preservar e animar o que lhes pertence. Importa ainda acrescentar o facto de este espaço pertencer a uma rede de equipamentos municipais que dão visibilidade a um projeto de intervenção e de participação cultural que contribui para o desenvolvimento em Almada de uma identidade criativa e dinâmica ao serviço de uma cidadania ativa e inclusiva. Almada, Junho, 2013
Presidente da Câmara Municipal de Almada Maria Emília Neto de Sousa
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[Carla Soeiro (Velcrum), 2013].
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Convento dos Capuchos
Opening remarks OUR GOAL SHOULD BE TO ENSURE THAT COLLECTIVE MEMORY HELPS LIBERATE AND NOT ENSLAVE MEN. Jacques Le Goff
C
By restoring the space, Almada City Council was thus able to reconcile the site’s conventual and capuchin characteristics with the new functionalities that were expected of it as a cultural space open for enjoyment by everyone, embracing a diverse public, with various aesthetic languages and always respecting the convent’s capuchin identity.
For our contemporaries, the convent has been associated with the idea of a public space that serves the people socially and culturally (music, exhibits, theatre), not to mention festivals and weddings that are still held today in the small conventual chapel. However, this currently restored and transformed space holds within its walls memories that make up its history and the history of the community that it welcomed, and of those people that enjoyed the space and its bucolic nooks and crannies, not to mention the austerity of its forms and the enchantment and seclusion of its chapel.
It underwent successive restoration and adaptations, having thus followed the growth and development of the entire municipality, seeking out solutions for a population that is increasingly numerous and has urgent needs. The work done by the municipality in the convent is therefore in line with a restoration policy for historic heritage that focuses on the creative enjoyment of spaces. As a unique site of historical richness, the convent shares its history with the entire community and creates a memory that helps identifying local society, calling on its participation and enjoyment. This exhibit creates new ties between all the inhabitants of the municipality, recreating in the convent a collective memory that constitutes a legacy for future generations that will be able to preserve and invigorate what belongs to them. It should also be pointed out that this space belongs to a network of municipal facilities that offer visibility to a project of cultural intervention and participation which contributes to the development of Almada’s creative and dynamic identity, serving active and inclusive citizenship.
onvento dos Capuchos, life, memories, identity. This is the name of the exhibit that is being held in the space of the former convent in Caparica. The goal of this exhibit is to promote the cultural heritage that many of us love to visit and admire. For us citizens of Almada, the convent is a unique piece of heritage in the municipality that we believe reveals an identity based on a memory that we wish to divulge. With this goal in mind and within this context, the exhibit seeks to make the convent’s entire history known, from its origins until its end, including the phase from its abandonment until its restoration, along with current experiences linked mostly to culture.
The space ceased to be a convent after the religious orders were extinguished in Portugal in the 19th century. It was abandoned, its furnishings completely pillaged and the building as a whole gradually falling into ruin. It had various private owners and was finally taken over by Almada City Council, which purchased it in 1950. In 2000, the municipality began to restore Convento dos Capuchos. In addition to reconstructing the main building while still respecting its original characteristics, specialized technicians restored the existing artistic heritage in the chapel, most of it having been ceded shortly after 1950 by the Museu Nacional de Arte Antiga (National Museum of Ancient Art).
Almada, June, 2013
Lord Mayor of Almada Maria Emília Neto de Sousa
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Vida, Memรณria, Identidade
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Fachada da igreja conventual [Bruno Figueiredo (Velcrum), 2013].
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O Convento dos Capuchos
Vida, Memória, Identidade João Luís Inglês Fontes1
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esde há várias décadas que o Convento dos Capuchos, sobranceiro às arribas da Caparica, entrou nos circuitos turísticos do concelho de Almada como ponto de visita obrigatório para quem deseja conhecer o património histórico da região ou simplesmente ter acesso à belíssima vista sobre a costa atlântica que se alcança dos seus miradouros. Muitos terão a memória de aí se terem dirigido para participar nalgum casamento, para assistir a um concerto ou tomar parte em algum dos múltiplos eventos que aí se promovem. Com muita probabilidade, não teriam deixado de reparar no ambiente de silêncio e de austera beleza que se pressente ao percorrer o seu claustro ou ao entrar na sua capela. Mas, para muitos, a história desta antiga casa religiosa, ligada a um dos ramos mais austeros da Família Franciscana, permanece ainda, em larga medida, desconhecida. Não só a que é marcada pela presença dos frades neste espaço, que se estenderia de 1558 até à extinção do convento, em 1834, mas também a que se lhe seguiria, com o gradual abandono e ruína do edifício, a sua posse por particulares, o seu resgate pela Câmara Municipal de Almada, em 1950, e o esforço de requalificação do espaço protagonizado pela mesma edilidade em 2001. Uma história feita também de vivências diversas, desde a sua utilização provisória como sede de uma escola primária ou do Museu Municipal até à afirmação do convento como espaço de fruição cultural, ao serviço da comunidade. De toda a comunidade.
sobreviventes, as antigas memórias dos Arrábidos, os documentos dispersos por arquivos e bibliotecas, os testemunhos das vivências associadas ao convento. O que daqui resulta é um convite a revisitar uma história, a um olhar de novo o convento na sua materialidade e nas memórias e vivências que evoca. Que este contributo possa ajudar muitos a valorizar o próprio convento como um elemento fundamental de um património comum, e desafie outros a continuarem este caminho: procurando novos dados documentais que iluminem os muitos pontos ainda obscuros desta história, aprofundando algumas das pistas de investigação aqui apenas enunciadas ou alargando o questionário a outros âmbitos e problemáticas, passíveis de facultarem uma compreensão cada vez mais integrada da própria história desta comunidade capucha e do convento que a albergou.
É este o percurso que a exposição propõe e que aqui é retomado com mais demora, no intento de resgatar e devolver à população do concelho e a todos quantos visitam o convento, uma memória mais integrada e fidedigna deste espaço. Apesar de nem tudo poder ser dito ou conhecido, procurámos interrogar os vestígios materiais 1 Comissário Científico da Exposição. Doutorado em História Medieval pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e Bolseiro de Pós-Doutoramento pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Membro integrado do Instituto de Estudos Medievais (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa) e do Centro de Estudos de História Religiosa (Universidade Católica Portuguesa).
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1. Perscrutando as origens
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Perscrutando as origens
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Folha de rosto do contrato de emprazamento de 1585 [BNP].
A
s antigas crónicas arrábidas fazem remontar a 1550 a fundação do que viria a ser o Convento dos Capuchos da Caparica. Com efeito, nesse ano, Lourenço de Sousa decide acolher na sua Quinta, mais tarde dita da Conceição, no sítio da Cova, em Murfacém, no termo de Almada, uma pequena comunidade de frades capuchos, que aí se instalam, em casas construídas num dos extremos da propriedade1. Apesar de se ter perdido o cartório deste convento2, sabemos que, em 1585, já falecido o seu primeiro benfeitor, ainda eram bem visíveis os vestígios do primeiro cenóbio, com as suas casas e varandas, rodeado por um pomar e horta com a sua cerca3. 1 Cf. Frei António da Piedade, Espelho de Penitentes, e Chronica da Provincia de Santa Maria da Arrabida, da Regular, e mais Estreita Observancia da Ordem do Serafico Patriarcha S. Francisco, no Instituto Capucho, tomo I, Lisboa, na Officina de Joseph Antonio da Sylva, 1728, parte I, livro II, cap. III, p. 174. A sua identificação é ratificada por diversos autores: cf. Alexandre M. Flores, Chafarizes de Almada, Almada, Câmara Municipal de Almada – Serviços Municipalizados de Água e Saneamento, 1994, p. 86. 2 Com efeito, não foi ainda recenseada, nos arquivos públicos, qualquer documentação oriunda do cartório deste convento: cf. Bernardo Vasconcelos e Sousa (dir.), Isabel Castro Pina, Maria Filomena Andrade e Maria Leonor Ferraz de Oliveira Silva Santos, Ordens Religiosas em Portugal. Das Origens a Trento – Guia Histórico, Lisboa, Livros Horizonte, 2005, p. 349; Inventário - Ordens Monástico/Conventuais. Ordem de S. Bento, Ordem do Carmo, Ordem dos Carmelitas Descalços, Ordem dos Frades Menores, Ordem da Conceição de Maria, coord. José Mattoso e Maria do Carmo Jasmins Dias Farinha, elaboração de Isabel Castro Pina, Maria Filomena Andrade e Maria Leonor Ferraz de Oliveira Silva Santos, Lisboa, IAN/TT – Direcção de Serviços de Arquivística, 2002. O próprio inventário de extinção do convento, que refere a existência da livraria e sumaria o seu conteúdo, é omisso quanto ao cartório, não facultando quaisquer informações sobre o seu acervo em 1834 ou o destino que lhe foi dado (cf. TT, Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, cx. 2203, nº 81). 3 Conforme carta de venda então celebrada por D. Isabel de Eça, viúva de Lourenço de Sousa, quando a quinta
Deste conjunto conserva-se, ainda hoje, a pequena capela, de nave única, cuja simplicidade é apenas rompida pela elegância do tecto e do portal de entrada, ambos em pedra, de característico traço manuelino, com vestígios do alpendre (de que restam diversos capitéis em pedra, que o suportavam), alguns edifícios anexos (hoje ocupados para habitação) e o terreno fronteiro, outrora destinado para cultivo, delimitado por uma cerca que o isola do resto da quinta4.
passa para a posse de D. Maria Pinheira, viúva de D. João de Castelo Branco, cunhada de D. António de Castelo Branco e tia por afinidade de Lourenço de Sousa, moradora em Lisboa, na freguesia da Sé, por 7250 cruzados. Na mesma data, Maria Pinheira empraza a quinta, em três vidas, a Jerónimo Gomes e Leonor Lourenço, sua mulher, moradores na Caparica (BN, Manuscritos, Mss. 141, nº 95, fls. 3-8v (1585.07.18, Lisboa). Já no século XVII, as Crónicas da Ordem referem a subsistência de vestígios desta primeira fundação (cf. BN, Cód. 8064, p. 61), o mesmo sendo registado por Fr. António da Piedade em 1728 (cf. Fr. António da Piedade, Espelho de Penitentes…, tomo I, parte I, lv. II, cap. III, p. 174). Nas Memórias Paroquiais de 1758, o pároco da Caparica já não menciona a antiga localização do cenóbio, referindo apenas a existência de uma ermida dedicada a Nossa Senhora da Conceição na quinta de João Guedes Pereira, no sítio da Cova (cf. Alexandre Flores, «Vila e termo de Almada nas Memórias Paroquiais de 1758», in Anais de Almada, nº 5-6, 2002-2003, p. 44). 4 Agradecemos ao pároco do Monte de Caparica, Pe. Joaquim Pedro Lobo Cardoso Quintella, e à sua família, a possibilidade de acesso à Quinta da Conceição e à capela do antigo Convento. Perscrutando as origens
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Vista de conjunto do primitivo complexo conventual. Note-se a proximidade da área habitacional da quinta, bem como a presença, contígua à antiga cerca, de algumas fontes de água [Anabela Luís (CMA), 2013].
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Pormenor do alpendre fronteiro à capela de N. Sra. da Conceição [Anabela Luís (CMA), 2013].
Vista da zona fronteira à antiga capela conventual, com a cerca que a resguardava da restante área da quinta [Anabela Luís (CMA), 2013]. Perscrutando as origens
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Pormenor do acesso da quinta à antiga zona do convento, com a entrada, à direita, para a capela [Anabela Luís (CMA), 2013].
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Pormenor das colunas e muro que delimitavam o alpendre da zona do antigo pomar e horta [Anabela LuĂs (CMA), 2013].
Interior da capela [Anabela LuĂs (CMA), 2013]. Perscrutando as origens
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Mas, em 1558, quando a Quinta da Conceição passa para a posse de novos proprietários, já a comunidade capucha havia transitado para outro lugar, dito da Descida ou do Outeiro, no cimo das arribas que, mais a ocidente, em lugar recatado e isolado, lhes permitia o sossego necessário ao seu modo de vida. Ainda segundo as crónicas dos arrábidos, tal mudança, ocorrida em 1558, fora motivada pelo carácter doentio do primitivo lugar e pelos incómodos causados aos frades pelo convívio com as gentes, entre os lavradores da quinta e a população local, que ocorriam com frequência a um poço existente nas proximidades do convento5. Possivelmente, os capuchos desejariam um maior resguardo face à sua vizinhança, bem como uma maior autonomia pela integração no perímetro conventual das fontes de água tão necessárias à sua subsistência6.
5 Segundo relato das actuais proprietárias da Quinta, ainda havia memória de tal afluxo de gentes às fontes de água existentes na quinta em época bem recente. 6 A necessidade de um maior recolhimento dos frades como motivo principal da trasladação da comunidade para o lugar do Outeiro, agora sob o patrocínio de Lourenço Pires de Távora, é invocada por outros textos memorialísticos produzidos no âmbito da Província dos Arrábidos (cf. BN, Cód. 68, fl. 20). Fr. António da Piedade refere o mesmo facto, acrescentando o carácter «muito doentio» do lugar (cf. Fr. António da Piedade, Espelho de Penitentes…, tomo I, parte I, lv. II, cap. III, p. 174). Segundo as mesmas fontes, teria cabido a Fr. Baltasar dos Reis, enquanto guardião da Caparica, a realização de diversas obras, incluindo precisamente as relativas ao reforço do abastecimento de água opara o convento. Estas obras teriam ocorrido ainda na 2ª metade do século XVI, dado que este frade morreu no hospital de Setúbal em 23 de Maio de 1598 (cf. BN, Cód. 68, fl. 61). Importa também recordar que o primeiro convento se encontrava no perímetro da quinta dos fundadores, ao passo que o novo local, onde se viriam definitivamente a instalar, é perfeitamente autónomo e afastado da Quinta de Baixo, onde a família de Lourenço Pires de Távora tinha a sua residência.
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Foto das arribas sobre as quais veio a ser fundado o actual convento, no lugar dito “Outeiro” ou “Descida” [Vasco Gouveia de Figueiredo, 1967 (AML – PT/AMLSB/VGF/S00923)].
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Vista aérea da região de Almada e Caparica com a primeira e segunda localizações do Convento dos Capuchos [Google maps, 2013].
1 - Quinta de Murfacém [Google maps, 2013].
2 - Convento dos Capuchos [Google maps, 2013].
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O novo lugar onde se viriam definitivamente a instalar é-lhes cedido, em 1558, por Lourenço Pires de Távora, 4º senhor do morgado da Caparica. A demarcação face ao anterior convento é, desde logo, indiciada pela mudança de invocação do orago. Com efeito, as Crónicas da Província referem que a primeira casa, fundada na Quinta de Murfacém, fora dedicada a Nossa Senhora da Conceição (designação que a Quinta onde se haviam instalado acabaria por manter), enquanto que a segunda é colocada sob a invocação de Nossa Senhora da Piedade.
Instituto Geográfico do Exército - Centro de Documentação Geográfica e Militar - (Carta militar de Portugal,1993 - 1:25 000. Continente, série M888 ; 442 [fragmento]). Perscrutando as origens
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2. A reforma arrรกbida
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A reforma arrรกbida
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Não sobreviveram os documentos que atestam a fundação do cenóbio capucho da Caparica em 1550 ou a sua passagem, em 1558, para o lugar do Outeiro, impedindo-nos de conhecer o nome e o número dos primeiros frades que aí se instalaram. Sabemos, sim, que pertenciam à Custódia de Santa Maria da Arrábida, um grupo de conventos franciscanos ligados à reforma iniciada em 1539 pelo frade castelhano Fr. Martinho de Santa Maria (no século Martinho de Benevides), que se instalara na Arrábida sob a protecção e em terras cedidas por D. Álvaro de Lencastre, 1º duque de Aveiro. Tal como muitos outros franciscanos, Fr. Martinho advogava uma vida de estreitíssima observância, conduzida na mais rigorosa austeridade, fortemente marcada pelo eremitismo, pela pobreza e pela vertente contemplativa.
Escultura setecentista alusiva a Fr. Martinho de Santa Maria, existente junto à entrada da capela do convento da Arrábida. A sua localização estratégica, no acesso à capela e, por ela, ao restante conjunto de celas e dependências conventuais espalhadas pela encosta, lembrava que a entrada na vida capucha, segundo a reforma proposta pelos arrábidos, implicava o abandono do mundo, associando-se, tal como o fundador estigmatizado da Ordem Franciscana, à paixão de Cristo. O frade capucho está crucificado para o mundo, velando os olhos para que toda a sua atenção se volte para a procura de Deus que fala no interior do coração. Na base, a inscrição recorda também a figura do 1º duque de Aveiro, patrono do convento e de toda a Província [Anabela Luís (CMA), 2013]. A reforma arrábida
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Vista de conjunto do convento da Arrábida. A dispersão das celas pela montanha é típica destes conventos, ditos “recolectos”, de mais rigorosa austeridade. O mesmo se encontra no Convento dos Capuchos de Sintra. O modelo será distinto nos outros conventos da Província, de estrutura mais tradicional, definida a partir do eixo do claustro e da capela [Anabela Luís (CMA), 2013].
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A sua iniciativa não era nova. A história do franciscanismo atesta à saciedade essa tensão, vivida no interior da Ordem desde as origens, entre a cidade e o ermo1, entre os defensores de uma observância literal da pobreza proposta por Francisco e os que aceitavam as concessões exigidas por uma maior abertura das suas casas à actividade pastoral e à formação letrada. Os movimentos de reforma tenderam sempre a radicalizar o primeiro aspecto, buscando o refúgio do ermo e dando um papel muito especial a uma vida austera e à dimensão contemplativa no seu quotidiano. O panorama não era diferente nos finais do século XV e inícios da centúria seguinte. Em 1517, o Papa Leão X decretara a divisão da Ordem em duas: a dos Frades Menores, da Regular Observância, e a dos Frades Menores Conventuais, o que se reflectiu, em Portugal, na distribuição das casas franciscanas por duas províncias distintas, uma Observante e outra Claustral. Em 1532, as casas observantes eram divididas, a pedido do rei João III, em duas novas províncias: a de Portugal, com sede no convento de S. Francisco de Lisboa, e a do Algarve, com sede no convento de S. Francisco de Xabregas, esta última abarcando todas as casas fundadas a sul do Tejo (cf. Quadro I). Mas já então se fazia sentir a presença de outros movimentos que, de novo, reclamavam um regresso à austeridade primitiva, ditos, por isso, da mais estreita e regular observância. Os seus adeptos ficaram desde cedo conhecidos como capuchos, pelo feitio pontiagudo do capelo do seu hábito, sinal exterior de um rigorismo que afectava todo o seu quotidiano. Um primeiro grupo destes capuchos, ligados à figura de Frei João de Guadalupe, entrara no reino português em 1500, com uma primeira fundação junto à ermida de Nossa Senhora da Piedade, em Vila Viçosa, sendo desde cedo protegidos pelo duque de Bragança. Em 1517, estes capuchos haviam alcançado o número de fundações suficientes para se constituírem em Província autónoma, dita da Piedade2. Frei Martinho de Santa Maria, que se instala na Arrábida em 1539, participa das mesmas pretensões de reforma 1 A expressão é tomada de Giovanni Merlo Grado, Tra ermo e città. Studi sur Francesco d’Assisi e sul francescanesimo medievale, Assisi, Edizioni Porziuncola, 1991. 2 Desta Província se autonomizaria, em 1673, a Província da Soledade, reunindo os conventos sitos a norte do rio Tejo (cf. Quadro I).
Pequena capela construída no local dito do “Convento Velho”, na Arrábida, evocando a austeridade dos primeiros frades que aí se instalaram, a partir de 1529 [Anabela Luís (CMA), 2013].
do ideal franciscano. Mas, como referiria Fr. Marcos de Lisboa poucos anos depois, na sua Crónica da Ordem dos Frades Menores, a Arrábida destacara-se desde cedo dos outros capuchos pela sua maior austeridade, patente «na pobreza das casas, dos hábitos e das coisas necessárias ao uso»3. Propunha-se, pois, uma nova e ainda mais rigorista experiência de austeridade4.
3 Cf. Fr. Marcos de Lisboa, Tercera parte de las Chronicas de la Orden de los Frayles Menores del Seraphico Padre S. Francisco, Salamanca, 1570, livro IX, cap. XVI, fl. 239v. Citado por António Montes Moreira, «Memórias e crónicas da Província da Arrábida», in I-II Seminário “O Franciscanismo em Portugal” – Actas, Lisboa, Fundação Oriente, 1996, p. 197. 4 Para uma visão global da história da presença franciscana em Portugal, cf. António Montes Moreira, «Franciscanos», in Dicionário de História Religiosa de Portugal, dir. Carlos Moreira Azevedo, tomo II, Lisboa, Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa – Círculo de Leitores, 2000, pp. 273-280. A reforma arrábida
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Quadro I
A Ordem dos Frades Menores em Portugal (século XIII-1834)1
1300 -
1500 -
Reforma de Fr. João de Guadalupe
Estrita Observância ( Capuchos ou Descalços )
Reforma de Fr. Martinho de Stª Maria ( 1539 )
( 1500 )
Província da Piedade
Província da Arrábida
( 1517 - 1834 )
( 1560 - 1834 )
1600 Província da Piedade
Província da Soledade ( 1673 - 1834 )
1700 1 Quadro elaborado a partir de: António Montes Moreira, «Franciscanos», in ibidem; Fernando Félix Lopes, «Fontes narrativas e textos legais para a história da Ordem Franciscana em Portugal», in Colectânea de Estudos de História e Literatura, vol. I, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1997, pp. 1-269; Bernardo Vasconcelos e Sousa (dir.), Isabel Castro Pina, Maria Filomena Andrade e Maria Leonor Ferraz de Oliveira Silva Santos, Ordens Religiosas em Portugal. Das Origens a Trento – Guia Histórico, Lisboa, Livros Horizonte, 2005, pp. 255-259.
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Ordem dos Frades Menores ( Franciscanos ) Província de Espanha ( 1219 )
c. 1232 - 1239
Província de Aragão
Província de Castela
Província de Santiago ( Galiza, Leão e Portugal )
Província de Portugal
Observância
( 1418 ou 1421)
Claustrais ou Conventuais Provincia de Portugal ( 1517 - 1567 )
Província de Portugal
( 1392; vigairaria desde 1447 )
Observantes Província de Portugal da Regular Observância
Dão origem a
( 1517 - 1834 )
Integrado em
Província dos Algarves
Autonomizado de
( 1532 - 1834 )
Província de Sto António
Província de Portugal ( 1532 )
( 1568 - 1834 )
Província de S. João Evangelista dos Açores ( 1639 - 1834 )
Província dos Algarves
Província de Portugal
Província de Sto António
Província da Conceição de Portugal ( 1705 - 1834 )
A reforma arrábida
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Pormenor da vista de conjunto do convento da ArrĂĄbida. [Anabela LuĂs (CMA), 2013].
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Em Maio de 1542, Fr. Martinho de Santa Maria recebe a visita do ministro geral da Ordem, Fr. João Calvo, obtendo então a erecção canónica do convento da Arrábida, que constitui como Custódia na sujeição da Província dos Algarves5. Fr. Martinho é nomeado como primeiro custódio, com poder para admitir frades e fundar até três ou quatro conventos. Pela mesma data, são aprovados os primeiros Estatutos, redigidos com o auxílio de dois importantes companheiros que, vindos de Espanha, se haviam juntado a Fr. Martinho: Fr. João Águila e Fr. Pedro de Alcântara, este último canonizado por Clemente IX em 1622. O texto inspirava-se em anteriores estatutos elaborados pelo futuro santo para os conventos da estricta observância de Espanha em 15406. Mas o movimento corria o risco de perder a sua autonomia, face às tentativas perpetradas pelo novo Geral dos Franciscanos Observantes, o português Frei André da Ínsua, no sentido de reduzir as casas arrábidas a meras casas recolectas da Província dos Algarves7 e de eliminar as particularidades decorrentes da sua vida austera, a começar pelo hábito dos seus frades, com o seu capelo pontiagudo e os remendos que os seus Estatutos ordenavam se aplicassem quando o hábito se rompia. Esta oposição de Frei André da Ínsua, geral da Ordem entre 1547 e 1559, marca precisamente o período em que ocorre a fundação do convento da Caparica8. 5 A Custódia constitui, originalmente, dentro da Ordem dos Frades Menores (Franciscanos), uma subdivisão da Província, governada por um custódio, abrangendo um menor número de conventos. Com o aparecimento dos movimentos da Observância e, mais tarde, da Estreita Observância, as custódias foram uma forma de consagrar a autonomia dos conventos a eles aderentes, numa fase em que não eram ainda em número legalmente suficiente para constituírem Província (cf. Fernando Félix Lopes, «Custódia», in Verbo: Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, tomo VI, Lisboa, Ed. Verbo, 1967, col. 669). 6 Para a sua biografia, cf. A. G. Matanić e G. Odoardi, «Pietro d’Alcantara, santo», Dizionario degli Istituti di Perfezione, dir. Gerrino Pellicia e Giancarlo Rocca, tomo VI, Roma, Edizione Paoline, 1980, cols. 1697-1699. Desconhece-se a versão integral destes Estatutos, apenas resumidos por Fr. António da Piedade, ob. cit., parte I, livro I, cap. XXIX, pp. 135-137, numa versão que pode também ser encontra em BN, Cód. 8064, fls. 46-50 e Biblioteca da Ajuda, 49-IV-30, parte I, lv. I, cap. 16, fls. 68-70v. 7 Consideravam-se como casas recolectas aquelas que, numa determinada Província, abraçavam uma vida mais austera e recolhida. Pretendia-se certamente seguir o exemplo da Província de Portugal da Observância, que conservara as suas casas recolectas, só em 1568 autonomizadas como Província independente, dedicada a Santo António (cf. Fernando Félix Lopes, «Recoletos» in Verbo: Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, tomo XV, Lisboa, Ed. Verbo, 1973, cols. 1181-1182). 8 Sobre Fr. André da Ínsua, cf. Fernando Félix Lopes, «Fr. André da Ínsua, Geral dos Observantes Franciscanos», in Colectânea de Estudos de História e Literatura, vol. II, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1997, pp. 153-225.
Este facto é importante, dado que, entre 1542, data da erecção da Arrábida como custódia, e o afastamento de Fr. André da Ínsua do generalato da Ordem, em 1559, se vão multiplicar as fundações de novas casas ligadas a essa reforma capucha, com o apoio de importantes figuras da Corte régia, que utilizarão também os seus contactos diplomáticos e a sua influência para travar a absorção da Arrábida na Província observante dos Algarves. Entre estas, destacam-se o duque de Aveiro, D. João de Lencastre, que obtivera a licença para a instalação de Fr. Martinho na Arrábida e a vinda para Portugal de Fr. Pedro de Alcântara, e o Infante D. Luís, que cede a sua quinta de Jericó, em Salvaterra de Magos, logo em 1542, para a fundação de um segundo convento, dedicado a Nossa Senhora da Piedade. No mesmo ano, uma outra figura da Corte, D. Francisco da Gama, filho de Vasco da Gama e 2º Conde da Vidigueira, patrocina uma outra fundação em Palhais (actual concelho do Barreiro), cuja construção seria superintendida pelo próprio Fr. Pedro de Alcântara, que aí viveu entre 1549 e 1551, dirigindo a formação dos primeiros noviços9. Estamos, pois, perante gente culta e de avultadas posses, intimamente ligada à Corte e ao serviço régio, atraída por uma piedade simultaneamente letrada e austera, desejosa de ligar a memória das suas famílias e a intercessão pelas suas almas a religiosos de vida exemplar; figuras de primeira grandeza que se correspondem com estes austeros reformadores, procuram o seu conselho e direcção espiritual e apoiam as novas casas por eles fundadas. Conforme salientou Félix Lopes, a figura de Fr. Pedro de Alcântara foi fundamental neste período, dado o prestígio que detinha junto da Corte portuguesa, conhecendose, efectivamente, um conjunto significativo de correspondência trocada entre o frade castelhano e muitos membros da família e da privança régia10.
Imagem (contemporânea) de Fr. Pedro de Alcântara, colocada no acesso ao recinto fronteiro à capela do convento da Arrábida [Anabela Luís (CMA), 2013].
9 Sobre as fundações arrábidas neste período, cf. Bernardo Vasconcelos e Sousa (dir.), Isabel Castro Pina, Maria Filomena Andrade e Maria Leonor Ferraz de Oliveira Silva Santos, Ordens Religiosas em Portugal.., pp. 348-351. 10 Cf. Fernando Félix Lopes, «Influência de S. Pedro de Alcântara na espiritualidade portuguesa do seu tempo», in Colectânea de Estudos de História e Literatura, vol. II, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1997, pp. 227-283, onde o autor publica a correspondência estabelecida entre o futuro santo e diversas figuras da Corte portuguesa. A reforma arrábida
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O Convento dos Capuchos
3. Os fundadores
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Os fundadores
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Por tudo isto, é compreensível que a fundação da Caparica, o quarto convento dos capuchos arrábidos, encontre também ligadas a si duas importantes figuras da nobreza do reino, ambas associadas ao serviço dos monarcas. Desde logo, Lourenço de Sousa, o senhor da Quinta de Murfacém, onde os capuchos se instalam em 1550. Do conselho régio, era aposentador-mor do rei e superior das aposentadorias do reino, cabendo-lhe superintender a toda a logística relativa ao alojamento do monarca e da sua corte. Filho de Rui de Sousa e de D. Leonor de Noronha, era casado desde 1534 com Isabel de Eça, donzela da rainha e filha de D. Jerónimo de Eça, poeta do Cancioneiro. Viria a falecer a 31 de Agosto de 1576, fazendo-se sepultar em capela instituída pela tia, Isabel de Sousa, na igreja de Santa Cruz do Castelo, em Lisboa1. O segundo e definitivo fundador dos capuchos da Caparica seria Lourenço Pires de Távora, que se crê natural de Almada, onde teria nascido em 1509 ou 15102. Segundo filho de Cristóvão de Távora e de D. Francisca de Sousa, herdaria do pai o morgado de Caparica, por morte precoce do primogénito, Álvaro Pires de Távora. Sabemo-lo ao serviço da capitania de Arzila entre 1526 e 1529, e, em 1535, entre o séquito que acompanha o infante D. Luís no exército que, liderado por Carlos V, conquista a praça de Tunes. Regressaria ao Norte de África em 1541 como embaixador de D. João III junto do rei de Fez. Após uma breve passagem pela Índia, entre 1546 e 1547, onde acompanha D. João de Castro no cerco a Diu, inicia uma intensa actividade diplomática ao serviço dos monarcas, funções que manteria até pouco antes da sua morte. É precisamente na qualidade de embaixador do rei português que percorre muitas das principais cortes da Europa de então, desde a Alemanha de Carlos V à Inglaterra 1 Sobre Lourenço de Sousa, cf. Anselmo Braamcamp Freire, Brasões da Sala de Sintra, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, pp. 138141. Lourenço de Sousa possuía ainda a comenda de Santiago de Beduído, da Ordem de Cristo. 2 A data é inferida do seu epitáfio, onde se refere ter falecido a 15 de Fevereiro de 1573, com 63 anos.
Gravura representando Lourenço Pires de Távora junto do papa Pio IV (Gravura de G. F. L. Debrie, publ. in Diogo Barbosa Machado, Memórias para a História de Portugal que compreendem o governo de el-rei Dom Sebastião, tomo I, Lisboa, na Officina de Joseph Antonio da Sylva, 1736, p. 297) [BNP]. Os fundadores
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de Maria Tudor, de Castela à França ou aos Países Baixos. Entre Abril de 1559 e Abril de 1562, permanece em Roma como embaixador de Portugal junto da Santa Sé, donde regressa para assumir, em finais de 1563, a capitania de Tânger, cujo governo assegura até Abril de 1566. Lourenço Pires de Távora manteria, em simultâneo, importantes funções como conselheiro dos monarcas, intervindo com frequência em assuntos de capital interesse para o reino, desde a política respeitante às praças africanas aos problemas de sucessão no trono português na menoridade de D. Sebastião3. Segundo a memória da família dos Távoras redigida por Álvaro Pires de Távora, 7º senhor da Caparica, o refundador do convento teria casado com D. Catarina de Távora, dama da rainha D. Catarina, da qual teve pelo menos quatro filhos varões: Cristóvão de Távora, Álvaro Pires de Távora, Rui Lourenço de Távora e António de Távora, os dois primeiros e o último falecidos ao serviço dos monarcas portugueses no Norte de África4. A estes acresceriam, segundo António Caetano de Sousa, pelo 3 Ver adiante, nota 6. 4 Historia de Varoens Illvstres do appellido Tavora continvada em os Senhores da Caza e Morgado de Caparica com a rellacam de todos os svccessos públicos deste Reyno e suas Conquistas desde o tempo do Senhor Rey D. Ioam Terceiro a esta parte. Notiçia de Cazamentos, Guerras, Pazes, Ligas, Negociaçoens e Embaixadas dos Senhores Reys de Portugal, e outros de Europa, Africa, e Asia, em que tiueram interuençam aquelles de quem se escreue. Recolhida pelas memorias originaes de seus passados, por Aluaro Pirez de Tauora Senhor da dita Caza, Caualleiro da ordem de Sanctiago, Comendador, e Alcaide mor das Villas das Entradas e Padroens e das Comendas das Pias, Seixas, e Lanholas na ordem de Christo. E pvblicado, Por Ruy de Tauora, perpetuo
menos cinco filhas: D. Joana de Távora, D. Antónia de Távora, D. Francisca de Távora, D. Maria de Távora e D. Paula da Silva5. Regressando à Caparica no fim da vida, aí viria a falecer a 15 de Fevereiro de 1573, fazendo-se sepultar no convento capucho, do qual foi o primeiro padroeiro6. Gouernador, Alcaide mor, e Capitam mor da Fortaleza de Sam Sebastiam de Caparica, e seu districto, Senhor da mesma Caza e Comendas. Offereçida a Magestade d el Rey Dom Ioam IV. Nosso Senhor, Paris, Por Sebastiam Cramoisy, Impressor delRey Christianissimo e da Raynha Regente, e Gabriel Cramoisy, 1648, pp. 294-364. 5 António Caetano de Sousa, História Genealógica da Casa Real Portuguesa, nova ed. revista por M. Lopes de Almeida e César Pegado, tomo XII, parte I, Coimbra, Atlântida – Livraria Editora Lda., 1953, pp. 48-49. A mesma descendência é apresentada por Vítor Aparício e Abrantes Raposo (cf. Os Távoras de Caparica, Caparica, Junta de Freguesia da Caparica, 1992, pp. 31-32), embora sem clarificarem as suas fontes. 6 Um sumário seguro do seu percurso pode encontrar-se em Mariana Lagarto, «Lourenço Pires de Távora (1510-1573)», in Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, dir. Luís de Albuquerque, vol. II, s.l., Círculo de Leitores, 1994, p. 1018. A sua biografia é também sumariamente tratada por António Caetano de Sousa, História Genealógica da Casa Real Portuguesa, nova ed. revista por M. Lopes de Almeida e César Pegado, tomo XI, Coimbra, Atlântida – Livraria Editora Lda., 1943, pp. 201-202 e tomo XII, parte I, 1953, pp. 47-49. Encontram-se desenvolvimentos seguros em Vítor Aparício e Abrantes Raposo, Os Távoras de Caparica, pp. 59-81, embora com escassa indicação das fontes utilizadas. Sobre o seu papel na política portuguesa no Norte de África, veja-se Maria Leonor Garcia da Cruz, Lourenço Pires de Távora e a política portuguesa no Norte de África no século de Quinhentos, 2 vols., Lisboa, Dissertação de Mestrado em História Moderna apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, policop, 1988, onde se encontram amplas e seguras informações sobre o seu percurso, fontes para a sua reconstituição e o paradeiro da sua abundante produção epistolar.
Imagens em cima: Brasões com símbolos da Ordem Franciscana e do ramo dos Távoras da Caparica, colocados na fachada da actual capela do Convento [Anabela Luís (CMA), 2013].
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A lápide sepulcral que hoje se conserva na capela dos Capuchos faz justamente memória de um marcante percurso, evocando os «muitos serviços que fez a este Reino na paz e na guerra e na Ásia África e Europa».
Pedra tumular da sepultura de Lourenço Pires de Távora conservada na capela-mor da igreja conventual dos Capuchos [António Nabais (CMA), 2013].
SEPULTURA DE LOURENÇO PERIZ DE TA VORA DO CONSELHO DO STADO D EL REI D. SEBASTIÃO . O I . DES TE NOME . INSTITUIDOR E PADROEIRO DESTA CASA FALECEO DE IDADE DE . 63 ANOS A . 15 DE FEVEREIRO NO ANO DE . 1573 . AVEMDO CIN QVO SOMANAS QUE DESCANSAVA . EN SUA CASA . DE MUITOS SERVIÇOS QUE FEZ A ESTE . REINO NA PAZ E NA GVERRA E N A SIA AFRICA . E EVROPA7 7 A transcrição é da nossa autoria.
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O Convento dos Capuchos
4. Os primeiros tempos do novo convento
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Os primeiros tempos do novo convento
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As crónicas da Província da Arrábida atestam como Lourenço Pires de Távora procurou suportar e proteger a nova casa capucha por ele fundada. Sabemos, pelo testemunho de Fr. António da Piedade, que Lourenço Pires obteve do papa Pio IV, a 30 de Setembro de 1560 – quando se encontrava, portanto, em Roma como embaixador da Coroa portuguesa – o breve Inter pia cordis nostri studia, pelo qual se estendia perpetuamente a todos os fiéis que mandassem dizer missas por sufrágio no altar-mor da igreja do convento da Caparica ou aos sacerdotes que aí as celebrassem, as mesmas graças e indulgências outorgadas aos altares das igrejas romanas de S. Gregório, S. Lourenço e S. Sebastião1. A concessão de tão importantes benefícios espirituais ao novo convento deveria certamente motivar outros fiéis a procurarem os ofícios litúrgicos aí celebrados pelos seus frades, capazes assim de garantir uma mais eficaz intercessão por sua alma ou pela dos seus antepassados e familiares. O teor do breve, que apenas conhecemos pelo sumário dado por Fr. António da Piedade e pela tradução apresentada por uma outra crónica dos arrábidos redigida no último quartel de Seiscentos2, atesta, contudo, a intervenção decisiva de Lourenço Pires de Távora na fundação da nova casa capucha, «edificada desde os primeiros fundamentos ate estar de tudo prefeita a sua custa e esmolas de algũs fieis, com Igreia dromitorio Refeitorio e outras offecinas necessárias pera o uso a abitação de frades da dicta ordem»3. No mesmo breve, referia-se ainda a intenção expressa pelo fundador de se fazer sepultar no jazigo que, na capela-mor, já então albergava os restos mortais de seu pai e de dois dos seus irmãos4. Assim aconteceria volvida mais de uma década, após a morte de Lourenço Pires, em 1573. No mesmo túmulo seria enterrada a sua consorte, D. Catarina de 1 Cf. Fr. António da Piedade, ob. cit., tomo I, parte I, lv. II, cap. III, pp. 175-176. 2 Cf. Biblioteca da Ajuda, 49-IV-30: Cronica da Prouincia da Arabida […], composta por João de Brito de Mello, provedor da alfândega de Setúbal (c. 1682), fls. 103-104v. 3 Cf. ibidem. 4 Cf. ibidem.
Folha de rosto da Chronica da Provincia de Santa Maria da Arrábida redigida por Fr. António da Piedade, publicada em 1728 [BNP]. Os primeiros tempos do novo convento
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Folha de rosto dos primeiros Estatutos impressos da ProvĂncia de Santa Maria da ArrĂĄbida (1698) [BNP].
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Távora, igualmente devota da comunidade capucha. Com efeito, Frei António da Piedade atesta como «em sua casa tinha Habitos para os Religiosos os vestirem enxutos, quando no tempo do Inverno chegassem molhados»5. Não é improvável que se devam também à intervenção dos seus descendentes diversos privilégios obtidos da Coroa a favor do convento, como o outorgado por D. Sebastião para que pudessem mandar cortar toda a lenha que precisassem dos pinhais régios6, ou as posteriores esmolas outorgadas aos frades em açúcar7, burel8 ou especiarias9. Mas a intervenção de Lourenço Pires de Távora estendera-se também às próprias negociações conduzidas em Roma no sentido de obter a definitiva autonomização dos arrábidos face à província observante dos Algarves. O número das suas casas não cessara de aumentar na década imediatamente posterior à fundação do convento da Caparica, de novo e sempre com o apoio de eminentes figuras da corte régia: Santa Catarina de Ribamar, com o patrocínio dos infantes D. Luís e D. Isabel (1551); Vale de Figueira, fundado por D. Manuel de Portugal, filho do 1º Conde de Vimioso (1556); S. José de Ribamar, apoiado pelo próprio cardeal D. Henrique (1559); Santa Cruz de Sintra, por iniciativa de D. Álvaro de Castro, vedor da fazenda do rei D. Sebastião (1560)10. Percebe-se assim como a custódia da Arrábida, elevada a vigairaria por carta do Ministro Geral de 4 de Outubro de 1552, acabaria, por meio do breve Sicut aliquando exposuit nobis, de 10 de Maio de 1560, por ser erecta como província11. Os bons ofícios de Lourenço Pires de Távora cumpririam, também aqui, a sua função, num assunto que lhe era pessoalmente caro. Na nova província se integrava o convento que refundara, havia apenas dois anos, resgatando-o das suas anteriores dificuldades e constrangimentos, e para o qual, poucos meses depois, haveria de obter novo breve outorgando-lhe particulares graças espirituais, capazes de atrair novos devotos e benfeitores.
5 Cf. Fr. António da Piedade, ob. cit., tomo I, parte I, lv. II, cap. III, p. 176. 6 Cf. ibidem, p. 179. 7 Alvará concedendo a este e a outros conventos da Província da Arrábida quatro arrobas de açúcar de ordinária (1647.09.20, Lisboa – TT, Chancelaria de D. João IV, Padrões, Doações e Ofícios, lv. 15, fl. 71v). 8 Alvará concedendo a este e a outros conventos da Província da Arrábida 80$000 réis de ordinária para burel (1691.10.23, Lisboa – TT, Chancelaria de D. Pedro II, Padrões, Doações e Ofícios, lv. 37, fls. 117v-118). 9 Cf. TT, Mercês de D. Maria I, lv. 4, fl. 280: alvará determinando que se mantenha a esmola em especiarias atribuída ao convento (15 arráteis de pimenta, 6 de cravo, 10 de canela, 4 de gengibre e 5 de malagueta), assentada na Casa da Índia (1788.06.06). 10 Sobre estes conventos e a sua erecção em província, cf. Bernardo Vasnconcelos e Sousa (dir.) et al., Ordens Religiosas em Portugal…, pp. 258, 349-351. 11 O breve encontra-se traduzido em BN, Cód. 8064, fls. 104-108.
Os primeiros tempos do novo convento
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O Convento dos Capuchos
5. Um convento, uma comunidade, um modo de vida
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Um convento, uma comunidade, um modo de vida
Painel de azulejos existente na “Sala do Trânsito” do Convento da Arrábida, alusivo à figura de Fr. Agostinho da Cruz. Representação exemplar e motivadora de devoção para os frades que aí passassem, ilustra bem a austeridade que se propunha a todos os religiosos, patente no hábito pobre e remendado, com o seu capuz característico, na descalçatez do religioso e no de porte simples mas digno e recolhido do ilustre poeta e místico arrábido [Anabela Luís (CMA), 2013].
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Lourenço Pires de Távora legava, deste modo, à sua descendência, um convento habitado por frades de vida austera e exemplar, participando, com toda a sua família, nas suas orações e merecimentos. Na capelamor da igreja conventual reservavam-lhe os Estatutos da Província um lugar privilegiado de sepultura, junto ao altar onde quotidianamente se oferecia o sacrifício eucarístico1. Aos patronos era também atribuído todo o direito de propriedade sobre o convento, como forma de garantir uma observância escrupulosa da pobreza e o desapego efectivo, pessoal e comunitário, de toda a forma de posse. É sintomática desta disposição a determinação conservada nos primitivos estatutos para que o guardião de cada casa fosse anualmente levar as chaves do convento ao seu padroeiro, «rendendolhe graças pelo haver deixado morar nelle, e aos mais Frades, e pedindo-lhe pelo amor de Deos, houvesse por bem de os deixar continuar a habitação pelo tempo, que lhe parecesse; e nãos os querendo admitir, lhe obedecessem, deixando o que elle, ou seus antecessores houvessem dado». Os próprios patronos deviam, por isso, ter uma cópia do rol de todas as alfaias que houvesse na casa2. A defesa intransigente da pobreza, característica destes movimentos de estreitíssima observância, prolongava-se pelos diversos aspectos que pautavam a vida dos seus frades e dos conventos para eles erigidos. Desde logo, devia evidenciar-se no próprio despojamento exterior. Todos os frades deviam 1 Cf. Estatutos da Provincia de Santa Maria da Arrabida da mais perfeyta Observancia de nosso Seraphico Padre S. Francisco, feytos em virtude de hum Breve do Senhor Papa Innocencio XII, concedido á mesma Provincia, sendo Ministro Provincial o Irmão Frey Antonio da Apresentação Prègador, & Examinador das três Ordens Militares: aceytos & aprovados pelo Capitulo Provincial, que se celebrou em o Convento de São Joseph de Ribamar em 6 de Julho de 1697, em que foy eleyto Provincial o Irmão Frey Sebastião de Santo Antonio Prègador, Lisboa, na Officina de Miguel Deslandes, 1698, cap. XIII, pp. 28-29. Estes Estatutos, conforme indicado no próprio título, foram aprovados em capítulo provincial celebrado em S. José de Ribamar a 6 de Julho de 1697, após ratificação pontifícia de Inocêncio XII, dada a 4 de Maio do mesmo ano por meio do breve Nuper pro parte. Segundo Fr. António da Piedade, os mesmos Estatutos remontavam já ao ano de 1654, quando o capítulo celebrado a 31 de Outubro desse ano decidiu reformar a normativa da Província, sendo aprovados no capítulo seguinte. O mesmo autor refere uma outra reformulação anterior dos Estatutos, aprovada em 14 de Julho de 1607, no capítulo celebrado em S. José de Ribamar, e resume a normativa primitiva, redigida, como vimos, em 1542, ainda em vida do fundador da Arrábida, com o auxílio de Fr. Pedro de Alcântara e de Fr. João Águila (Fr. António da Piedade, ob. cit., tomo I, parte I, lv. I, cap. XIX, pp. 135-139). 2 Fr. António da Piedade, ob. cit., tomo I, parte I, lv. I, cap. XIX, pp. 136-137.
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Reconstituição existente no Convento da Arrábida de cama em cortiça, com um pedaço de madeira a servir de recosto para a cabeça, conforme proposto pelos Estatutos da Província [Anabela Luís (CMA), 2013].
andar descalços, «sem admitir nenhum género de calçado», e o seu hábito deveria ser «do mais grosseiro e vil pano, que se achasse», apenas coberto por um manto e remendado, sempre que necessário, pelos próprios frades3. A mesma austeridade e pobreza na alimentação: apesar da mendicância fazer parte do seu modo de vida, os frades não deviam pedir carne nem peixe, nem vinho ou ovos; «e se algumas cousas lhes mandassem os devotos, lhas aceitarião, excepto perdizes, galinhas e outras aves, nem pescado precioso». Assim se deviam restringir ao que «fosse comer de pobres, e servisse para a conservação da vida penitente, que professavam»4.
nos dois dias anteriores às Cinzas (evocando certamente as práticas devocionais que contrapunham aos festejos carnavalescos um tempo mais dedicado à oração e à penitência, particularmente promovidas pelos círculos franciscanos6), na véspera da festa de S. Francisco (4 de Outubro) e, por devoção à Virgem, nas vésperas de todas as festas marianas e aos sábados, dia dedicado na liturgia à memória de Santa Maria. Para além disso, os Estatutos referiam o costume, que estimulavam, de sempre se guardar o jejum às segundas, quartas e sextas-feiras do ano, dias em que os frades deviam restringir a sua dieta a «pão e caldo»7.
Tal frugalidade aliava-se ao cumprimento de diversos tempos de jejum, particularmente rigoroso nos conventos capuchos. Com efeito, para além do normalmente estipulado pela Igreja para a Quaresma, o Advento e as vigílias das festas principais5, os frades jejuavam de contínuo durante todo o período quaresmal,
As celas, por seu lado, não deveriam ter qualquer ornamento, excepto uma cortiça, ou esteira (era-lhes vedado ter cama levantada), com uma cabeceira que podia ser de palha mas que não raro, por penitência, alguns frades, com a bênção da ordem, substituíam por uma pedra ou um pedaço de madeira8.
3 Ibidem, pp. 137-138; Ceremonial da Provincia da Arrabida. Em o qual se trata do modo com qve se hão de celebrar os Officios divinos no Choro, & Altar, e de outros actos de comunidade, exercícios da Religião, & custumes da Provincia, Lisboa, na Officina de Henrique Valente de Oliveira, 1659, tratado IV, cap. VI, nº 3, p. 331; Estatutos da Província…, cap. XXV, pp. 49-52. 4 Fr. António da Piedade, ob. cit., tomo I, parte I, lv. I, cap. XIX, p. 137. 5 Para um quadro geral dos períodos de jejum estipulados pelas constituições diocesanas dos séculos XVI-XVIII, cf. António Camões Gouveia, «O controlo do tempo», in História Religiosa de Portugal, dir. Carlos Moreira Azevedo, vol. 2 – Humanismos e Reformas, coord. João Francisco Marques e António Camões Gouveia, Lisboa, Círculo de Leitores – CEHR da UCP, 2000, pp. 318-321.
O mobiliário era completado por uma banqueta, onde se sentassem, permitindo-se-lhes ter uma cruz (de pau, tosca) e eventualmente uma imagem em 6 Como acontece com a prática das Quarenta Horas, difundida a partir de 1527 (cf. João Francisco Marques, «A renovação das práticas devocionais», in ibidem, vol. II, pp. 564-568). 7 Estatutos da Província…, cap. XVIII, pp. 36-38; Fr. António da Piedade, ob. cit., tomo I, parte I, lv. I, cap. XXIX, p. 138. 8 Fr. António da Piedade, ob. cit., tomo I, parte I, lv. I, cap. XIX, pp. 137 e 138.
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papel, mas nunca quaisquer quadros ou retábulos9. Dormiriam com o hábito, cobertos, na primavera e outono, por uma manta de saial, que podia ser reforçada por uma outra nos meses de invernia10. Esta disciplina, bem como as restrições alimentares, apenas se poderiam mitigar para os irmãos de mais idade ou doentes11. Os Estatutos de 1697 permitiam ainda aos frades ter nas celas um livro da Regra, um breviário, umas disciplinas (para mortificação pessoal) e umas «contas chans» (ou seja, um rosário). O suficiente, afirma-se, «para passar huma breve, & penitente vida»12. O trabalho no interior da casa devia ser dividido por todos, proibindo-se o recurso a quaisquer criados de fora. Os Estatutos antigos prescreviam pelo menos uma hora de trabalho diário para cada frade, a ser indicado pelo guardião do convento, em tábua colocada no refeitório13. Do mesmo modo, estipulava-se que cada religioso devia servir-se a si mesmo «no lavar, coser, & remendar, & em tudo o mais do serviço próprio de cada hum», sem recorrer a noviços ou coristas para o fazerem14. O mesmo no barbear-se, devendo os frades ajudar-se mutuamente nessa tarefa. Em nenhum caso se deveria admitir barbeiros seculares e as bacias usadas para o efeito deveriam também ser pobres, de barro e nunca de latão15. Uma parte importante do tempo era dedicada à oração, pessoal e comunitária. No coro da igreja se deviam rezar as horas canónicas, acrescidas, todos os dias, de três horas de oração mental comunitária. As missas celebradas na igreja deveriam ser aplicadas pelos benfeitores, e só os guardiães poderiam dizer uma, ou no máximo, duas missas por alguma pessoa a quem se devessem mais especiais obrigações16. A oração pessoal completava os exercícios comunitários, fosse na própria cela, fosse noutros espaços do convento. A localização do cenóbio, junto às arribas, mostrava-se propício à meditação, sabendo-se que os frades dispunham de pelo menos uma capela ou ermida, no interior da cerca conventual, dedicada a S. Pedro, onde, segundo o testemunho de Fr. António da Piedade, muitos, cumpridos os actos da comunidade, iam fazer as suas devoções. Devia situar-se na parte mais alta da cerca, pois de um eirado a ela contíguo se podia contemplar «o dilatado das aguas do mar Oceano»17. A correcção fraterna fazia também parte do modo de vida capucho. À excepção dos Domingos e festas de guarda, a comunidade devia reunir-se na igreja conventual, onde cada um se devia retratar e penitenciar das suas faltas perante os restantes. Esta prática, dita nos Estatutos antigos como «disciplina», visava manter precisamente a conformidade da conduta pessoal e comunitária com a regra de vida adoptada, favorecendo ainda a coesão do grupo18. 9 Estatutos…, cap. XXVI, pp. 52-53. 10 Fr. António da Piedade, ob. cit., tomo I, parte I, lv. I, cap. XIX, p. 137. 11 Fr. António da Piedade, ob. cit., tomo I, parte I, lv. I, cap. XIX, p. 137; Cerimonial…, tratado IV, cap. VI, nº 8, p. 332. 12 Estatutos…, cap. XXVI, pp. 52-53. 13 Fr. António da Piedade, ob. cit., tomo I, parte I, lv. I, cap. XIX, p. 137; Cerimonial…, tratado IV, cap. VI, nº 12, p. 333. 14 Cerimonial…, tratado IV, cap. VI, nº 4, p. 331. 15 Estatutos…, cap. XXVI, p. 54. 16 Fr. António da Piedade, ob. cit., tomo I, parte I, lv. I, cap. XIX, p. 136. 17 Ibidem, parte I, lv. II, cap. III, p. 175. 18 Cf. ibidem, parte I, lv. I, cap. XXIX, p. 136; Estatutos da Província…, cap. XIX, pp. 38-40.
Pormenor de uma das janelas das antigas celas do Convento dos Capuchos [Anabela Luís (CMA), 2013].
Segundo os Estatutos de 1697, o convento da Caparica não deveria acolher noviços, reservando-se tal função para as casas de Loures, Alferrara, Nossa Senhora dos Anjos de Torres Vedras e Santa Maria Madalena de Alcobaça19. Contudo, é possível que tal determinação se tenha alterado posteriormente, dado que temos notícia de vários frades que tomaram hábito e professaram neste convento nas duas últimas décadas do século XVIII20. Do mesmo modo, a Província dispunha de enfermarias para os doentes, determinando-se que os frades da Caparica fossem tratados na enfermaria do Hospital Real, em Lisboa, e pudessem fazer a sua convalescença no convento de S. José de Ribamar, em Algés21. 19 Cf. Estatutos da Província…, cap. III, p. 7. 20 Fr. Joaquim de Santa Ana (tomada de hábito a 18 de Maio de 1783, profissão a 20 de Maio de 1784); Fr. António de Jesus (tomada de hábito a 18 de Julho de 1783, profissão a 19 de Dezembro de 1784); Fr. João de N. Sra. da Piedade (tomada de hábito a 2 de Agosto de 1785, profissão a 3 de Setembro de 1786); Fr. Francisco de Santa Maria Madalena (tomada de hábito a 14 de Maio de 1786, profissão a 17 de Maio de 1787); Fr. António de S. José (tomada de hábito a 1 de Novembro de 1789 e profissão a 2 de Novembro de 1790); Fr. Raimundo de S. José (tomada de hábito a 16 de Agosto de 1792, profissão a 17 de Agosto de 1792); Fr. Manuel da Soledade (tomada de hábito a 8 de Setembro de 1792, profissão a 9 de Dezembro de 1793); Fr. João da Pureza (tomada de hábito a 19 de Dezembro de 1793, profissão a 21 de Dezembro de 1794); Fr. José de S. Cândido (tomada de hábito a 9 de Agosto de 1794, profissão a 10 de Agosto de 1795) - cf. TT, Manuscritos da Livraria, nº 222, fls. 125, 144v , 148, 151v, 155v, 156v, 163v, 165v, 195v. 21 Cf. ibidem, cap. XXIX, pp. 58 e 60. Sobre este convento, cf. Bernardo Vasconcelos e Sousa (dir.), Ordens Religiosas…, p. 350. A enfermaria destinada aos capuchos, no Hospital Real de Lisboa, fora fundada pelo Infante D. Luís ainda em vida de Fr. Martinho de Santa Maria (falecido em Setembro de 1546), tendo sido ampliada posteriormente por D. João III e pelo CardealInfante D. Henrique (cf. BN, Cód. 68, fls. 4v, 24).
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Mas o recolhimento almejado pelos frades e o retiro do século que aí se procurava, não significavam a ausência de contactos ou de abertura ao mundo exterior. Bem pelo contrário. Com efeito, as crónicas da Província atestam como os frades procuravam acolher os mais pobres e doentes, inclusive aqueles, como os leprosos ou os atacados pelos recorrentes surtos de peste, que se viam por esse motivo relegados para fora do convívio social. As crónicas da Ordem, nas biografias exemplares de alguns dos seus frades, referem-se a diversos religiosos da Caparica que, não temendo o contágio, aí acolhiam os leprosos e, tal como aos outros hóspedes, não temiam em beijar e lavar-lhes os pés e as pernas, dando-lhes ainda de comer antes de os despedirem22. É possível que, tal como outros seus confrades, também os religiosos da Caparica tenham procurado socorrer as populações em seu redor aquando dos surtos de peste, como sabemos ter acontecido em 1598-9923. A normativa da Província faz referência à existência, nos conventos, de um porteiro, encarregue de tratar da «panela dos pobres»24 e as narrativas exemplares transmitidas por Fr. António da Piedade atestam a prática da hospitalidade por parte dos religiosos da Caparica, que tinham capacidade para acolher pelo menos seis visitantes25. É certo que este hábito, bem arreigado na tradição monástica e mendicante, devia ser bem controlado, em ordem a não perturbar o quotidiano da comunidade e o seu recolhimento. Daí que os estatutos limitassem a cinco dias a estadia dos hóspedes nos seus conventos, exigindo a licença expressa do Ministro provincial para a sua admissão por períodos mais longos26.
22 Assim um Fr. Paulo de Santa Maria, leigo natural de Estremoz, e Fr. Manuel Falcão, sacerdote, ambos ingressados na vida capucha ainda antes da erecção da Província (BN, Cód. 68, fls. 28v, 48-48v) 23 Encontramos notícia da morte de um religioso da Caparica por peste, Fr. Bento de Almada, sacerdote confessor, que viria a falecer no hospital de Lisboa a 8 de Fevereiro de 1599 (ibidem, fl. 63-63v). 24 Cf. Cerimonial…, tratado IV, cap. VI, nº 12, p. 333. 25 Cf. Fr. António da Piedade, ob. cit., parte I, lv. II, cap. III, pp. 177, 178. 26 Cf. Estatutos, cap. XXVIII, pp. 56-57.
A igreja conventual [Anabela Luís (CMA), 2013].
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Nas missas celebradas na igreja, também era admitida a presença de pessoasexteriores à comunidade. Um documento posterior à extinção do convento atesta como era hábito as populações que residiam nas suas proximidades aí virem assistir à eucaristia, sobretudo nos Domingos e dias santos, dada a distância a que se encontravam da igreja paroquial, sita no Monte de Caparica27. Do mesmo modo, os religiosos tinham permissão para acolher à sua mesa, no refeitório, algumas pessoas de fora: príncipes, infantes, bispos, o Duque de Aveiro, como «padroeiro geral da Província» e os patronos da casa28. Sabemos também que o convento foi sede, desde 1779, de uma «Escolla de ler, escrever, e contar», aberta ao exterior, por resolução régia de 16 de Agosto do mesmo ano29, e que se manteve em funcionamento no período posterior. Ainda em 1906, Bulhão Pato faria memória de como «os arrábidos do conventinho ensinavam a lêr os moços do Arieiro, de Villa Nova e da Costa»30.
O encontro com as populações era também uma ocasião para a sua actividade pastoral, e o impacto da presença dos frades entre as gentes da região parece ter sido significativo, dado o carinho e apoio que estas lhes votavam, segundo o testemunho das crónicas da Província. Inclusive entre gente bem grada. Assim, uns fidalgos de Almada, Francisco de Sousa Tavares e D. Maria da Silva, sua mulher, acolhiam-nos com regularidade e para eles tinham um aposento particular em suas casas33; um António Rodrigues, escrivão da Casa da Índia, e D. Luísa, sua mulher, contribuíam com a esmola de 14 mil reais para a cera necessária ao convento na celebração das missas e dos ofícios da Semana Santa, tendo destinado aquela, por seu testamento, um quarto de seis almudes de vinho para serviço das missas conventuais, a pagar das vinhas que trazia em Vale de Pera34; em 1630, D. António da Costa, morador na Quinta do Armeiro-mor, em Mutela, e sua mulher, D. Madalena, não hesitariam em socorrer os frades com um saco de trigo perante a carestia que então atingia a comunidade e as populações em redor35; uma D. Guiomar, moradora em Lisboa, mulher de um Dr. Julião de Campos, faria idêntica benesse por ocasião de nova escassez de víveres no convento, enviando-lhes «hum grande cesto de pão»36.
Outra forma de contacto com o exterior advinha da actividade pastoral dos frades e da mendicância. Se da primeira as informações escasseiam, para além do que nos é dado saber sobre a afluência de gentes dos arredores à missa conventual, já da segunda dispomos de mais dados. Bulhão Pato refere, no texto acima citado, que os frades «pediam esmola uma vez por semana»31, podendo fazê-lo, segundo os Estatutos da Província, num raio de quatro léguas em torno do convento, em ordem a não concorrerem com o peditório feito pelos frades de outras casas mais próximas32.
Outros benfeitores procurariam ainda o convento para sua última morada, como uma Bárbara João de Sousa, viúva, que determina no seu testamento, redigido a 2 de Agosto de 1684, que, após a sua morte, o seu corpo seja amortalhado com o hábito de S. Francisco e enterrado neste cenóbio, onde tinha sua sepultura37. Na capela-mor, como vimos, alguns
27 Cf. carta-exposição do pároco do Monte de Caparica, Pe. Vitorino José Teixeira Cabral de Andrade, de 26 de Abril de 1834 (TT, Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, cx. 2203, nº 81, fls. 14-14v). 28 Cf. Estatutos, cap. XXVII, p. 54. 29 Segunda carta da rainha Maria I de 26 de Novembro de 1779 (TT, Mercês de D. Maria I, lv. 4, fl. 207v). Para o efeito se destinava o pagamento anual de 40$000 réis, e se nomeava então como professor a Fr. Joaquim de Santa Ana. 30 Bulhão Pato, «Convento dos Capuchos» in Illustração Portugueza, vol. II, nº 36, 29 de Outubro de 1906, p. 389 (o texto vem com a data de Fevereiro de 1906); reed. por Alexandre M. Flores, Bulhão Pato na Outra Banda, Caparica, Junta de Freguesia da Caparica, 2012, p. 73. 31 Cf. ibidem. 32 Cf. Estatutos…, cap. XXX, p. 62.
33 Cf. Fr. António da Piedade, ob. cit., parte I, lv. II, cap. III, p. 178. 34 Ibidem, pp. 178-179. Vale de Pera fica no sítio de Pera, também chamado Vale de Marinhos (cf. Conde dos Arcos, Caparica através dos séculos, vol. II – Roteiro, s.l., Câmara Municipal de Almada – Comissão Municipal de Turismo, 1974, p. 83). 35 Fr. António da Piedade, ob. cit., parte I, lv. II, cap. III, pp. 177-178. Segundo R. H. Pereira de Sousa, a Quinta do Armeiro-mor, em Mutela (antiga povoação hoje integrada na Cova da Piedade) pertencia à família dos Costas, que desde finais do século XV surgem associados ao cargo da armaria-mor do reino, mais tarde feitos viscondes e condes de Mesquitela (cf. R. H. Pereira de Sousa, Almada: toponímia e história das freguesias urbanas, Almada, Câmara Municipal de Almada, 1985, pp. 79-80, 146-148). 36 Fr. António da Piedade, ob. cit., parte I, lv. II, cap. III, p. 178. 37 Documento publicado por Aires dos Passos Vieira, A vila de Almada e seu termo. Da Restauração à Guerra da Sucessão de Espanha (1640-1706), vol, II, Lisboa, Dissertação de Doutoramento em História Moderna de Portugal apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, policop., 2004, doc. nº 54, pp. 186-
membros da família patronal procuraram desde cedo assegurar a sua última morada, embora, com o tempo, novas ordens e congregações religiosas viessem a disputar com os capuchos este estatuto de panteão do ramo dos Távoras da Caparica, razão que pode estar na base de um eventual desinvestimento da família no convento da Caparica, facto que, aliás, está ainda longe de ficar suficientemente provado38. Com efeito, a comunidade capucha parece ter sido bastante zelosa, na fidelidade aos seus estatutos e modo de vida, na observância da pobreza e na recusa de doações patrimoniais. Aquando da extinção do convento, em 1834, os juízes inventariadores, para além do edifício conventual com todo o seu recheio e da respectiva cerca, pouco mais encontrariam entre os bens do cenóbio: apenas certos rendimentos anuais pagos pelo Marquês de Valada para sustento da comunidade (16 moedas, 72 alqueires de trigo e 2 cântaros de azeite) e um legado de 14$400 réis recebidos de um Quinta dita do Casquilho. A juntar a estes, uma dívida contraída pelos capuchos ao padeiro local, bem significativa da pobreza da comunidade39.
188. 38 Veja-se, a título de exemplo, o testamento de D. Madalena Bruna de Castro, Condessa de Arcos, casada com D. Tomás de Noronha e Brito, 5º Conde de Arcos, falecida em 1729. O documento, redigido na Quinta da Torre de Caparica a 8 de Dezembro de 1728, é claro quanto ao local de sepultura escolhido pela testadora: não o convento da Caparica, que aliás nem é mencionado entre as entidades por ela beneficiadas, mas o convento da Madre de Deus de Lisboa; os seus confessores são os padres António de Faria, da Congregação de S. Filipe de Néri (Oratorianos) e o pároco da Caparica, José António da Veiga; as outras igrejas às quais deixa bens por sufrágio estão fora do âmbito capucho (igreja de S. Roque, dos jesuítas; basílica de Santa Maria dos Mártires de Lisboa; a ermida da Quinta da Torre) – publicado por Alexandre M. Flores in Almada na História. Boletim de Fontes Documentais, nº 17-18, Almada, Câmara Municipal de Almada, 2010, pp. 27-31. A continuidade da família patronal parece contrariar o impacto tradicionalmente atribuído pela extinção dos Távoras no reinado de D. José I sobre uma pretensa decadência do convento e a documentação anterior parece assim sugerir a preferência de membros desta família por outras casas religiosas como lugar de sepultura e beneficiárias das suas doações por alma. Importaria escrutinar, sobretudo no arquivo dos Marqueses de Olhão / Condes de Castro Marim / Marqueses de Valada e Condes da Caparica, depositado na Torre do Tombo desde Maio de 2011, a evolução da relação desta família com o convento da Caparica. Infelizmente, e apesar de todas as nossas tentativas, não foi possível consultar este acervo, por ainda não estar inventariado. 39 Cf. TT, Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, cx. 2203, nº 81, Apensos A e B.
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6. Os edifĂcios conventuais
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Os edifĂcios conventuais
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O edifício conventual seguiria a mesma opção pela austeridade e pela pobreza. Já os Estatutos primitivos da província arrábida determinavam que as casas que se viessem a aceitar «fossem em tudo, e de tudo muito pobres, os materiaes de adobes, e as madeiras toscas, excepto as da Igreja, e Sacristia, na qual não haveria ornamentos de tèla, e seda, senão de lãa, mas tratadas com tal limpeza, e aceyo, que causem mais devoção, que as outras ricas»1. Os Estatutos seiscentistas desenvolveriam amplamente as directivas que deviam presidir à edificação dos conventos, retomando expressamente hábitos e normas já anteriormente em vigor na Província, reveladores de uma particular vigilância das autoridades arrábidas neste domínio2. Retomava-se, desde logo, a obrigação de se utilizarem os materiais «mais pobres, & de menos custo, que puder ser», dispondo, no sábio equilíbrio franciscano, que as casas se edificassem «não muy distantes dos póvos, nem muyto junto a eles»3. Numa gramática construtiva que, em larga medida, se mostraria transversal às várias províncias capuchas, os Estatutos arrábidos descriminavam cuidadosamente as características dos diversos espaços conventuais, assumindo como grandes elementos definidores a igreja, de planta rectangular, e o claustro, quadrangular, em torno do qual se alinhavam a maioria das restantes dependências4. 1 Cf. Fr. António da Piedade, ob. cit., tomo I, parte I, lv. I, cap. XXIX, p. 134. 2 Estatutos…, cap. XL, pp. 77-80. Assim se remete, à margem dos diversos parágrafos do capítulo, para os Estatutos «antigos» ou «antigos e modernos» da Província. Recorde-se que, dos primeiros, apenas dispomos do sumário dado por Fr. António da Piedade, pressupondo esta remissão que o texto aprovado em 1542 desse maior desenvolvimento às normas relativas à edificação dos conventos. 3 Ibidem, cap. XL, p. 78. 4 Vejam-se, sobre este assunto, os trabalhos de Victor Joaquim Fialho Medinas, A arquitectura capucha da Província da Piedade, 2 vols, Lisboa, Dissertação de Mestrado em História da Arte apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, policop., 1994, e Ana Paula Valente Figueiredo, Os Conventos Franciscanos da Real Província da Conceição – análise histórica, tipológica, artística e iconográfica, 3 vols., Lisboa. Dissertação de Doutoramento em Arte, Património e Restauro apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, policop., 2008.
Claustro do Convento dos Capuchos da Caparica [Carla Soeiro (Velcrum), 2013]. Os edifícios conventuais
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Claustro do Convento dos Capuchos da Caparica [Anabela LuĂs (CMA), 2013]. Os edifĂcios conventuais
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Vista actual do interior da igreja conventual [Antรณnio Nabais (CMA), 2013].
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Pormenor do piso superior [Anabela Luís (CMA), 2013].
Assim, a igreja, de nave única, deveria ter 26 palmos de largura (5,20 m) e não ultrapassar os 80 de comprimento (16m)5, medidos da porta até ao arco da capela-mor. Além do altar da capela-mor, deveriam existir apenas dois altares laterais, recomendando-se que os retábulos fossem «chãos quanto á marcineria, mas de muy boas pinturas, & com o menos ouro, que puder ser». No corpo da igreja, deveriam existir pelo menos dois confessionários, embutidos na parede, com acesso pelo corredor paralelo ao templo, na zona de clausura, de forma a preservar a comunidade da entrada de estranhos. O coro, alinhado com o alpendre ou galilé, deveria ser percorrido por cadeirais, chãos, «sem alguma curiosidade».
5 Tomamos o palmo como equivalente a 0,20 m, segundo a proposta de A. H. de Oliveira Marques («Pesos e Medidas», in Dicionário de História de Portugal, dir. Joel Serrão, s.e., vol. V, Porto, Livraria Figueirinhas, 1990, p. 68).
Determinavam-se ainda as medidas para a sala do Capítulo (3,10 m de largura por 4,20 m de comprimento), com seu altar onde se pudesse celebrar a eucaristia, para a sacristia (com 3,80 m de largura e o mesmo de comprido ou o que fosse exigido pela configuração dos restantes espaços) e para os corredores do claustro (1,40 m). As mesmas precisões eram assumidas para o refeitório (até 3,60 m por 4 m), a cozinha (3,60 por 3 m) e a despensa ou pataria (3,60 m por 2,80 m), que deveriam ser contíguos entre si. A pobreza devia aí reflectir-se na ausência de púlpito ou de estante, normalmente presentes nos refeitórios conventuais como suportes para a leitura espiritual que acompanhava as refeições, substituídos aqui por «hum assento bayxo, & humilde, em que se lea a lição da mesa». A madeira utilizada no Capítulo e Sacristia, ainda que polida, dada a dignidade desses espaços pela sua associação à liturgia, devia ser «sem curiosidade». No piso superior, os dormitórios não deviam ter mais que 18 celas, ligadas entre si por um corredor, com largura entre 1 m e 1,20. As celas, reduzidas ao essencial para o descanso e meditação dos frades, teriam pouco mais de 2 metros de comprido por 1,80 de largo, e as portas 0,50m de largo. Fora do dormitório, os Estatutos previam pelo menos duas outras divisões, uma destinada à livraria e outra ao acolhimento dos hóspedes6.
6 Estatutos da Provincia…, cap. XL, pp. 78-79.
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Vista da igreja a partir do Coro [Antรณnio Nabais (CMA), 2013].
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Não é claro o local onde se guardaria o cartório conventual, embora as normas da Província obrigassem à existência, em cada casa, de um «archivo particular», onde se conservariam as memórias de cada convento, os documentos relativos à sua fundação e obrigações para com padroeiros e benfeitores ou que atestavam a autenticidade das relíquias que eventualmente possuíssem, bem como outros livros, desde os inventários de bens ou da livraria aos registos das esmolas anuais ou dos defuntos aí sepultados e dos sufrágios que lhes eram devidos. No cartório se devia ainda guardar o selo próprio do guardião de cada casa, com o qual este autenticava «os negócios mais graves de seu officio»7. Em redor, a cerca delimitava o espaço conventual, velando-se para que fosse cerrada o mais rapidamente possível. Assim se garantia a efectiva clausura da comunidade e o seu resguardo, sobretudo no que respeitava à entrada nesse espaço de mulheres, mas também da indevida intromissão de padroeiros e benfeitores. Daí que se proibisse também a abertura de tribunas nas igrejas para as famílias patronais dos conventos8. No interior da cerca poderiam pontuar algumas parreiras, árvores de fruto e espaços para horta, de onde a comunidade podia obter alguns recursos para o seu sustento, cabendo aos religiosos o cuidado devido pela sua manutenção9. As disposições conservadas nos Estatutos arrábidos são-nos hoje tão mais importantes quanto nos permitem reconhecer, com muita probabilidade, algumas das antigas dependências conventuais entretanto desaparecidas ou muito alteradas na sua configuração original, fosse pelo abandono e consequente ruína que durante mais de um século se abateu sobre o convento após a sua extinção, fosse pelas obras de restauro que, após a aquisição do imóvel pela Câmara Municipal de Almada em 1950, eliminaram 7 Cf. ibidem, cap. XLIII, pp. 82-84. 8 Ibidem, cap. XL, pp. 79-80. A proibição de entrada de mulheres no espaço conventual ou na cerca é reiterada no cap. XLI (pp. 80-81), abrindo-se apenas como excepção as rainhas ou infantas, ou ainda quando, em certas ocasiões, as celebrações litúrgicas eram precedidas ou prolongadas por meio de algumas procissões que então percorriam o claustro, como acontecia no Domingo de Ramos, na Apresentação do Senhor (2 de Fevereiro) ou no Corpo de Deus, integrando estas o povo que participava nesses actos. 9 Ibidem, cap. XLII, pp. 81-82.
muitos dos vestígios ainda existentes, sem que se tenha feito um prévio levantamento ou registo dos mesmos10. É certo, por outro lado, que o próprio convento foi, ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, alvo de sucessivas obras e ampliações, introduzindo paulatinas modificações à traça do primitivo cenóbio edificado por Lourenço Pires de Távora em 1558, que sabemos, segundo testemunho coevo, integrar a «Igreia dromitorio Refeitorio e outras offecinas necessárias pera o uso e abitação de frades da dicta ordem»11. Devem ser pouco posteriores as obras atribuídas a Fr. Baltasar dos Reis, então guardião da Caparica, que procuraram melhorar o sistema de abastecimento de água ao convento12. Em 1618, eram reedificados os dormitórios «com algũas offecinas»13 e, em 1630, ampliada a igreja conventual, com o acréscimo do coro e do alpendre14. A crermos no testemunho de uma das crónicas manuscritas conservadas pela Província, também nessa data se teriam feito obras na cozinha e pataria do convento15. Apesar de se desconhecer o impacto do terramoto de 1755 sobre o convento16, sabemos que algum estrago deve ter provocado no edifício, obrigando a diversas obras que se prolongaram até 175917. A normativa imposta pela Província sobre as suas casas no que respeita à volumetria e disposição dos espaços, à qualidade e natureza dos materiais utilizados e ao próprio recheio e funções das diferentes 10 Sobre este restauro, cf. infra, p. 99 e ss. 11 Cf. texto do breve Inter pia cordis nostri studia de Pio IV, de 30.09.1560 (traduzido in Biblioteca da Ajuda, 49-IV-30, fls. 103-104v). 12 Assim o atesta a biografia deste frade, conservada no Cód. 68 da Biblioteca Nacional de Lisboa (fl. 61). Falecido em Setúbal a 23 de Maio de 1598, quando já se encontrava no convento capucho de Alferrara, Fr. Baltasar dos Reis fora, durante algum tempo, guardião do Convento da Caparica, onde, se afirma, «fez muitas obras porque tendo a Casa pouca agoa lhe trouxe outra de fora com muito trabalho, diligencia e industria». 13 Cf. Fr. António da Piedade, ob. cit., tomo I, parte I, lv. II, cap. III, p. 174; BN, Cód. 8064, p. 212; Biblioteca da Ajuda, 49-IV-30, fl. 102v. 14 Cf. Fr. António da Piedade, ob. cit., tomo I, parte I, lv. II, cap. III, p. 174; BN, Cód. 8064, p. 212. 15 Cf. Biblioteca da Ajuda, 49-IV-30, fl. 102v. 16 As memórias paroquiais redigidas em 1758 pelos párocos das freguesias do concelho são omissas sobre este aspecto, embora atestem a violência do terramoto e o seu efeito devastador sobre muitos outros edifícios, entre conventos e igrejas, casas nobres e habitação comum (cf. Alexandre M. Flores, «Vila e termo de Almada nas Memórias Paroquiais de 1758», in Anais de Almada, nº 5-6, 2002-2003, pp. 23-76). 17 Cf. Rui Mendes, «Património religioso de Almada e Seixal. Ensaio sobre a sua história no século XVIII», in Anais de Almada, nº 11-12, 2008-2009, tabela 3, p. 104.
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Terreiro fronteiro à igreja conventual [António Nabais (CMA), 2013].
dependências deve ter contribuído, ao longo de todo este processo de reajuste e ampliação do complexo conventual, para que se conservassem os seus traços fundamentais, no respeito pela austeridade, simplicidade e pobreza característicos do seu modo de vida.
A igreja, de nave única, com a capela-mor e dois altares colaterais, devia incluir outrora os confessionários embutidos na parede, mantendo o coro em linha com a galilé, que abria para o alpendre, por onde as populações locais podiam ter acesso à celebração da missa.
O inventário elaborado em 1834 não nos permite perceber a invocação dos dois altares laterais, mas ilustra, ao elencar os bens da igreja, a profusão de imagens e painéis outrora existentes no templo. Muitos deles atestam uma sensibilidade tipicamente pós-tridentina mas também muito franciscana, na devoção à humanidade de Cristo (são referidas quatro imagens do «Santo Cristo», a presença de um presépio e de 14 painéis da Via-Sacra), à Virgem (a capela-mor comportava quatro retábulos, de temática mariana, identificando-se os motivos da Anunciação, Natividade e Assunção, além de três imagens de Nossa Senhora) e a santos da sua Ordem (S. Francisco, S. Pedro de Alcântara e Santo António). Outras imagens também aí presentes entravam no quadro tradicional do santoral cristão, fossem figuras associadas a Cristo ou à Virgem (S. João Baptista, S. José, S. Joaquim e Santa Ana) ou outras desde longa data veneradas pelas populações (Santa Bárbara, S. Amaro, Santa Luzia e Santa Teresa de Ávila)19.
18 TT, Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, cx. 2203, nº 81, «Autos d’Inventario», fl. 2.
19 TT, Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, cx. 2203, nº 81, «Autos
Assim o atestam também os dados facultados pelo inventário dos bens do convento produzido no âmbito do respectivo processo de extinção, iniciado a 14 de Março de 1834, na sequência de portaria régia datada de 4 de Março do mesmo ano18. Apesar das muitas lacunas evidenciadas pelo que resta deste processo, que não inclui qualquer descrição das dependências conventuais e omite algumas que necessariamente integrariam o complexo capucho – nada é dito, por exemplo, sobre o cartório da comunidade e o destino que lhe foi dado – o inventário dos bens então elaborado faculta informações importantes sobre o recheio da capela ou da sacristia e ajuda-nos a aferir um pouco melhor o que existiria em alguns outros espaços do cenóbio. Cruzando as informações disponíveis com o que ainda hoje podemos reconhecer da antiga traça conventual e com o que se conhece sobre a arquitectura dos conventos capuchos, podemos, desde logo, verificar a permanência desse diálogo fundamental, na estrutura do edificado, entre a capela e o claustro, em torno do qual os restantes espaços se distribuem e organizam.
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Pormenor da fachada da igreja, com nicho actualmente ocupado por uma imagem de Santo António com o Menino [Anabela Luís (CMA), 2013].
A fachada, fruto da ampliação do templo operada em 1630, incluía um triplo pórtico com colunas simples, articulado com um janelão e nicho, originalmente com uma imagem de S. Francisco, a crer no testemunho de Vieira Júnior20. A ladeá-los, as armas dos Távoras e os símbolos da Ordem Franciscana. Os dois panos laterais apresentavam janelas similares ao janelão central. A galilé devia ter algumas pinturas nas suas paredes, ainda visíveis em 195021, documentandose também a presença, no mesmo espaço, de vários painéis de azulejos, que acabariam por desaparecer após a extinção do convento22, a par com outros que, segundo o Conde de Arcos, ornamentariam a própria d’Inventario», fls. 3v-4v. 20 Cf. Duarte Joaquim Vieira Júnior, Villa e termo de Almada: apontamentos antigos e modernos para a história do concelho, Lisboa, Typ. Lucas, 1896, p. 109. 21 Cf. J. Luís da Cruz, O Convento dos Capuchos da Costa da Caparica, Cacilhas, Gráfica do Sul, 1954, pp. 17 e 18. 22 Cf. Norberto de Araújo, «Como se poderiam aproveitar as ruínas do convento dos Capuchos a par de Vila Nova de Caparica, num sítio de deslumbramento de céu e mar», in Diário de Lisboa, ano 16, nº 4953, 31.08.1936, Apêndice 10.
Vista da fachada da igreja, com a torre sineira [Anabela Luís (CMA), 2013]. Os edifícios conventuais
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O acesso interior à capela-mor [António Nabais (CMA), 2013].
Aspecto actual do refeitório do Convento da Arrábida, onde se conservam as mesas em madeira, suportadas por pilares de cantaria [Anabela Luís (CMA), 2013].
Pormenor da cozinha do Convento da Arrábida [Anabela Luís (CMA), 2013].
capela23. Lateralmente, uma pequena torre com o seu sino, marcaria o ritmo do quotidiano monástico24 e um relógio integraria ainda este conjunto, de acordo com o inventário de 183425.
capela, valorizavam sobretudo temáticas associadas à Paixão (documenta-se a presença de uma imagem do Santo Cristo e outra de Cristo Ressuscitado, uma Senhora da Soledade, dois painéis da Virgem e um da Verónica, certamente com a efígie do Salvador) e a memória das grandes figuras da Ordem Franciscana (à parte os apóstolos Pedro e Paulo, os outros santos aí representados são todos franciscanos: S. Francisco, Santo António, S. Boaventura, S. João Capistrano e S. Pedro de Alcântara)26. Deste espaço resta hoje o lavabo em pedra, incrustado numa das suas paredes.
por o seu conteúdo não incluir qualquer património digno de relevo. Do refeitório, sabemos que tinha «Seis mezas de Pau fixas em Pilares de Cantaria», adequadas ao limite de 18 membros proposto pelos Estatutos da Província para a constituição das comunidades.
A sacristia, à qual se passava pela porta junto à capela-mor, integrava diversas funções. Espaço de suporte às celebrações litúrgicas que deveriam decorrer na capela ou no coro, aí se guardavam a maioria dos paramentos e alfaias litúrgicas, bem como os livros utilizados na celebração da Eucaristia ou de outros sacramentos e os necessários ao Ofício Divino. Era também aí que os oficiantes se preparavam para as celebrações e para onde regressavam concluídos os ofícios litúrgicos. Esta sua estreita ligação à liturgia explica o investimento outrora patente, neste espaço, em retábulos e imagens que, tal como na 23 Cf. Conde dos Arcos, Caparica através dos séculos, vol. I, Almada, Câmara Municipal de Almada – Comissão Municipal de Turismo, 1972, p. 39. 24 O seu sino já havia desaparecido em 1936 (cf. Norberto de Araújo, «art. cit.»). 25 TT, Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, cx. 2203, nº 81, «Apenso A», fl. 2 - «Hum Relogio de Torre falto de algumas Peças».
Em torno do claustro, de planta quadrangular, se distribuía a maioria das restantes dependências. No piso térreo, o refeitório e, na sequência deste, a cozinha e a pataria, onde os víveres eram armazenados. Ainda no piso inferior, deveria constar a sala do capítulo, onde a comunidade se reuniria para tratar dos seus assuntos quotidianos, ausente do inventário oitocentista, talvez 26 Ibidem, «Autos d’Inventário», fls. 4v-6.
A esta se ligava a despensa ou pataria, bem como, muito possivelmente, a casa com um pequeno lagar de cantaria, referida numa avaliação do convento feita em 183627 e onde se guardariam certamente as «duas Pipas de levarem vinho» referidas pelo inventário de 1834, suficientes para armazenarem o vinho indispensável para as missas ou para consumos mais ocasionais, só permitidos, como vimos, a doentes28.
27 Ibidem, doc. 42, fl. 6v. 28 Ibidem, Apenso C, fls. 2-2v. Parece-nos abusiva a dedução, a partir deste elemento, da existência de uma adega, até porque a produção própria de vinho estava vedada aos capuchos. É mais provável que numa única divisão se reunissem todos os provimentos necessários ao dia-a-dia da comunidade.
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Sala onde outrora se situaria o refeitório conventual [Anabela Luís (CMA), 2013]. Os edifícios conventuais
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Actual terraço, no piso superior, onde outrora o corredor que percorria as celas dos frades devia fazer ligação com o Coro da igreja e a “escada das Matinas” [António Nabais (CMA), 2013].
A “Escada das Matinas” [António Nabais (CMA), 2013].
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No piso superior alinhavam-se as celas, ligadas por um corredor que se devia estender originalmente, do lado poente, até ao coro, dando acesso ao local onde a comunidade se reunia para o ofício coral. Daí saía a «Escada das Matinas» que permitia, depois, o acesso à capela-mor. A destruição completa dos vestígios das antigas celas, hoje apenas sinalizadas pelas janelas rasgadas nas fachadas do convento, não nos permite aferir ao certo quantos frades comportaria o dormitório. O número apontado pelos Estatutos – cerca de 18 frades – parece plausível, adequando-se, como referimos, à própria dimensão do refeitório. Os dados muito dispersos que subsistem quanto à composição desta comunidade capucha parecem atestá-lo: em 1620, a população do convento não ultrapassava os 12 elementos29, referindo uma crónica manuscrita da Província, por finais da mesma centúria, que no convento residiam «12 ate 14 Relligiozos»30. Frei António da Piedade, já no século XVIII, ao exaltar a generosidade dos benfeitores para com os capuchos da Caparica, não ultrapassa estes valores, ao contabilizar, entre frades e hóspedes, cerca de 19 pessoas (13 «moradores» e 6 hóspedes)31. O inventário de extinção dá também duas listagens da população do convento, uma remontando a 1833, por ocasião do desembarque liberal em Lisboa, e outra relativa à altura da redacção do inventário, ocorrida no ano seguinte. Os números apresentados confirmam a mesma ordem de grandeza, com 14 religiosos e um donato em 1833 (referem-se nove sacerdotes, um corista e quatro leigos, sendo três sacerdotes e um dos leigos oriundos de outros conventos)32, número que desce para oito religiosos em 183433. Mas um manuscrito não datado, possivelmente de meados do século XIX (é então guardião o Pe. Fr. Manuel da Conceição), em listagem que apresenta de frades oriundos do convento, contabiliza 29 religiosos, entre sacerdotes (14), coristas (5) e irmãos leigos (10), sem contudo clarificar se todos viveram em simultâneo no convento. Pelo menos quatro nomes parecem ter sido escritos por outra mão mais tardia e para muitos deles se acrescentou posteriormente a indicação do convento para onde saíram ou mesmo um caso em que um frade foi secularizado34. Tratar-se-á de uma lista que misturaria, num determinado período de tempo ainda lato, a comunidade residente com os que aí teriam professado e depois partido para outras casas? A questão, sem outros dados, não tem solução imediata, até porque Vieira Júnior, em finais da centúria, refere que o convento «chegou a ter quatorze padres de missa, além dos leigos e noviços»35. Se tal número corresponder a uma ocupação efectiva da casa num determinado período, que em qualquer caso apareceria como excepcional face à 29 Cf. Fr. Nicolau de Oliveira, Livro das Grandezas de Lisboa, fac-simile da edição original de 1620 e texto actualizado por Maria Helena Bastos, prefácio de Francisco Santana, Lisboa, Ed. Vega, 1991, fl. 88v e p. 560. Também editado por António Nabais, «A margem sul do estuário do Tejo durante a expansão portuguesa» in Al-Madan, nº 2, Nov. 1983-Maio 1984, p. 61. 30 Cf. Biblioteca da Ajuda, 49-IV-30, fl. 102. 31 Cf. Fr. António da Piedade, ob. cit., tomo I, parte I, Lv. II, cap. III, p. 177. 32 TT, Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, cx. 2203, nº 81. Confrontem-se as listas apresentadas no fl. 5 («Religiosos existentes no Convento quando chegou o Exercito Libertador») e nos «Autos d’Inventário», fl. 7-7v. 33 Ibidem, «Autos d’Inventario», fls. 7v-8. 34 Cf. TT, Manuscritos da Livraria, nº 66 (Livro de registo dos frades da Província de Santa Maria da Arrábida), fls. 26-28. 35 Cf. Duarte Joaquim Vieira Júnior, Villa e termo de Almada…, p. 109.
Actual terraço, no piso superior, onde outrora o corredor que percorria as celas dos frades devia fazer ligação com o Coro da igreja e a “escada das Matinas” [Bruno Figueiredo (Velcrum), 2013]. Os edifícios conventuais
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população bem mais modesta do cenóbio atestada para outras alturas, isso significa que existiriam possibilidades logísticas de acolhimento em simultâneo de tantos frades… talvez à custa do reajuste, para os religiosos, dos espaços tradicionalmente reservados aos hóspedes, que sabemos, como antes referimos, terem certamente existido...36 Fora do enquadramento do claustro, embora em local hoje impossível de determinar, ficavam outras dependências, como a livraria, cuidadosamente inventariada em 183437, o cartório, ausente do que resta do processo de extinção do convento, ou a Capela do Senhor Jesus da Saúde, ligada à devoção ao Senhor dos Passos, cuja imagem aí pontuava. O seu conteúdo é minuciosamente descrito no âmbito do mesmo processo mas nada se diz sobre a sua localização no conjunto do complexo conventual. Tratar-se-ia de uma capela situada junto à portaria do convento, como acontecia comummente em outras casas capuchas, possivelmente no lado direito da galilé? 38
36 Vejam-se acima os dados sobre o acolhimento de hóspedes no convento. Cremos ser por isso questionável a afirmação dos oficiais que inventariaram os bens do convento em 1834 de que não existia hospedaria, a não ser que esta tivesse sido entretanto adaptada para outro tipo de utilizações (cf. TT, Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, cx. 2203, nº 81, Apenso C, fl. 2). 37 São listados 206 títulos, todos correspondendo a obras impressas. Não cabe aqui a análise e identificação das obras inventariadas. Permita-se-nos apenas salientar, por um lado, a presença de obras em distintos idiomas (português, latim, castelhano e francês), fazendo supor uma razoável formação cultural dos frades e, por outro, a aparente conformização da livraria, nas suas temáticas (da teologia ao Direito, da parenética às obras devocionais e de espiritualidade) aos deveres de pregação e de acompanhamento espiritual a que estavam obrigados os sacerdotes das comunidades. 38 Cf. Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana e Instituto de Gestão do Património Arqueológico e Arquitectónico, Kits – Património, Kit 05 – Património arquitectónico – Edifícios conventuais capuchos, versão 1.0, Lisboa, IHRU-IGESPAR, 2010, p. 14. Disponível em www.portaldahabitacao.pt; www.monumentos.pt; www.igespar.pt.
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Fachada nascente do convento, sendo visĂvel, no piso superior, a sequĂŞncia regular das janelas das antigas celas dos religiosos [Bruno Figueiredo (Velcrum, 2013]. Os edifĂcios conventuais
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Em torno do edifício conventual, os frades dispunham ainda de um terreno cuidadosamente delimitado por uma cerca, que partia de ambos os lados da frontaria da capela. Aí se incluía, como referimos, uma antiga capela de S. Pedro, que os juízes inventariadores não mencionam em 1834 mas da qual, segundo o Conde de Arcos, ainda restavam alguns vestígios pouco antes da aquisição do convento pela Câmara Municipal de Almada em 1950 e sobre os quais se ergueria mais tarde a capela de Santo António39. No inventário de 1834, as terras que envolviam o cenóbio são sumariamente descritas como «Huma pequena Cerca árida anexa ao Convento que consta de Orta, algumas Parreiras, e hum Poço»40. Mas, em nova avaliação feita em 1836, precisa-se que a cerca compreendia uma horta, «Poço, Engenho e tanque de Alvernaria», com «seu bocado de Vinha, e Arvores de fruto»41.
39 Cf. D. José Manuel de Noronha e Menezes de Alarcão (Conde de Arcos), «Relação dos templos de Caparica», in Estremadura. Boletim da Junta de Província, série II, nº 10, Set.-Dez. 1945, p. 351; reeditado em Caparica através dos séculos, vol. I, Almada, Câmara Municipal de Almada – Comissão Municipal de Turismo, 1972, p. 42. 40 TT, Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, cx. 2203, nº 81, Apenso A, fl. 2. 41 Ibidem, doc. nº 42, fl. 6v.
Sala situada à direita da galilé, onde possivelmente se localizaria outrora a capela do Senhor Jesus da Saúde [António Nabais (CMA), 2013]. Os edifícios conventuais
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O Convento dos Capuchos
7. A extinção da comunidade capucha da Caparica
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A extinção da comunidade capucha da Caparica
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O processo de inventário dos bens que temos vindo a citar, e que constitui, para nós, uma imprescindível fonte de informação para a compreensão deste espaço conventual, assinala, simultaneamente, a definitiva extinção da comunidade dos frades arrábidos que viveram na Caparica durante quase três séculos. O contexto em que este decorre é, contudo, interessante também por si, dado que o processo é anterior à supressão generalizada das ordens religiosas, que só viria a acontecer com a publicação do famoso decreto de Joaquim António de Aguiar de 30 de Maio de 18341. Ora, os juízes inventariantes apresentam-se para iniciar o seu mandato logo a 14 de Março desse ano, trazendo consigo a portaria régia que ordenava a extinção do cenóbio, emitida em Lisboa a 4 de Março anterior2.
1 Cf. António Delgado da Silva, Colecção de Legislação Portugueza desde a última compilação das Ordenações, […], Legislação de Agosto de 1833 a Dezembro de 1834, Lisboa, Typ. de A. S. Coelho & Companhia, 1837, pp. 458-462; João M. Pacheco Teixeira Rebello, Colecção Completa de Legislação Ecclesiastico-Civil desde 1832 até ao presente […], vol. I, Porto, Typographia Gutenberg, 1896, pp. 47-55. 2 TT, Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, cx. 2203, nº 81, «Autos d’Inventário», fls. 2-3.
Capa do processo de extinção e inventário do Convento dos Capuchos da Caparica (1834) [TT]. A extinção da comunidade capucha da Caparica
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Mas já a 10 de Fevereiro se ordenava que o juiz de fora de Almada, com o escrivão do seu cargo e o fiscal da Fazenda Pública procedessem ao inventário de todos os bens do convento, desde propriedades e rendas à mobília e utensílios do culto divino, com indicação para que de imediato se arrendassem os prédios existentes3. É já bem conhecido o contexto de crescente animosidade face às ordens religiosas que, desde finais do século XVII, se fora acentuando, quer por uma certa decadência interna das próprias ordens e congregações, quer por toda a mentalidade regalista e iluminista do século XVIII que com dificuldade entendia o papel da dimensão contemplativa da vida religiosa. Esta propiciava, aliás, o crescente intervencionismo da Coroa neste domínio, com a criação, em 1789, da Junta do Exame do Estado Actual e Melhoramento Temporal das Ordens Regulares e o avolumar de medidas tendentes ao cerceamento dos privilégios eclesiásticos, à diminuição da capacidade de interferência da Santa Sé em questões relacionadas com a Igreja e o clero de Portugal e ao aumento do usufruto da Coroa em relação aos bens da Igreja4. O liberalismo iria assumir e radicalizar estes aspectos, abrindo «uma grave questão religiosa, que teve expressão não apenas na extinção e expropriação das ordens religiosas, mas também no conflito de competências jurisdicionais, em matéria de política e administração religiosa, e no corte de relações diplomáticas entre o governo de Lisboa e a Santa Sé»5.
3 Ibidem, doc. nº 42, fls. 2-2v. 4 Veja-se a síntese proposta para este período por José Pedro Paiva, «Igreja e Estado. II – Época Moderna», in Dicionário de História Religiosa de Portugal, dir. Carlos Moreira Azevedo, tomo II, Lisboa, Círculo de Leitores – CEHR da UCP, 2000, pp. 393-401. 5 Manuel Braga da Cruz, «Igreja e Estado. III – Época Contemporânea», in ibidem, p. 401.
Início dos autos de inventário, com a nomeação do juiz inventariante e escrivão e a publicação da portaria régia ordenando o arrolamento dos bens do convento (1834) [TT].
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As medidas liberais de cariz anticongregacionista, já aplicadas nos Açores a partir de 1832 durante a regência de D. Pedro IV, com a extinção de numerosos mosteiros e conventos e a desamortização dos respectivos bens, aumentariam de intensidade e alcance após a definitiva implantação do regime constitucional no continente, com a tomada de Lisboa, a 24 de Julho de 1833. Entre 5 e 9 de Agosto desse ano, diversos decretos impunham a supressão de todos os mosteiros e conventos abandonados ou que tivessem recebido eclesiásticos hostis ao governo liberal, proibiam a aceitação de noviços e de emissão de votos religiosos e estendiam a imediata extinção a todos os conventos com menos de 12 religiosos6. É na sequência desta legislação que muitos conventos capuchos da Província da Arrábida conhecem, neste período, a sua precoce extinção: Mafra, para onde transitam os cónegos regrantes do mosteiro de S. Vicente de Fora e a própria Cúria e Seminário Patriarcais7 e S. Pedro de Alcântara, em Lisboa8, ambos ainda em 1833; no ano seguinte, Santa Catarina de Ribamar e Santa Maria Madalena de Évora dos coutos de Alcobaça, por decretos de 3 e 29 de Março de 18349. Os capuchos da Caparica entram nesta lista a 4 de Março, conforme o decreto de extinção apresentado dez dias depois pelos oficiais nomeados para a inventariação dos respectivos bens10. Presidia à comissão o Pe. Vitorino José Teixeira Cabral de Andrade, prior do Monte de Caparica e vigário da Vara, acompanhado pelo escrivão António Joaquim Ferreira e pelo juiz de fora de Almada com o respectivo escrivão11.
6 Cf. António Montes Moreira, «Franciscanos», in ibidem, p. 278. 7 Chronica Constitucional de Lisboa, ano 1833, nº 25, 26.08.1833, pp. 139-140 (carta de José da Silva Carvalho ao Patriarca de Lisboa, de 21 de Agosto); ibidem, ano 1834, nº 25, 29.01.1834, p. 98 (decreto de D. Pedro IV de 21 de Janeiro, atestando a definitiva transferência para Mafra dos Cónegos, do Patriarcado, do Seminário Patriarcal e da Câmara Eclesiástica). 8 Aí se devia instalar a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, com as suas órfãs (decreto de 31.12.1833 in ibidem, ano 1834, nº 1, 01.01.1834, p. 2). 9 Ibidem, ano 1834, nº 57, 07.03.1834, p. 238 e nº 87, 14.04.1834, pp. 358-359. 10 Não nos foi possível localizar o texto deste decreto, que não se encontra publicado na Chronica Constitucional e que apenas é mencionado no que resta do processo de extinção do Convento dos Capuchos da Caparica. 11 Cf. TT, Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, cx. 2203, nº 81, «Autos d’Inventário», fls. 2-3.
Intui-se do processo que a decisão de suprimir o convento tenha estado ligada, quer ao escasso número de religiosos nele residentes, quer sobretudo ao posicionamento favorável à facção absolutista assumido pelo guardião dos Capuchos e por alguns dos seus confrades, aquando da tomada de Lisboa pelas forças liberais a 24 de Julho de 1833. Com efeito, inquiridas várias testemunhas e recolhido o próprio depoimento do novo guardião do convento, assume-se como provado o abandono do cenóbio por parte de Fr. António do Amor de Deus, guardião da casa à data dos acontecimentos, bem como de Frei António da Soledade e Fr. Manuel do Amparo, sacerdotes, do corista Fr. João da Anunciação e do Irmão José, donato12. O superior da casa levara consigo todo o dinheiro que a comunidade possuía, obrigando-a à venda de uma custódia de prata para garantirem a sua subsistência13.
Fig. esq.: Início do inventário dos bens da igreja conventual (1834) [TT]. Fig. dta.: Arrolamento dos bens móveis existentes na sacristia (1834) [TT].
12 Ibidem, [1º caderno], fl. 5 e «Autos d’inventário», fls. 7-11v. 13 Ibidem, «Autos d’inventário», fls. 12-13.
A extinção da comunidade capucha da Caparica
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Decretada a extinção do convento e criada a comissão que deveria presidir ao inventário e tomada de posse dos respectivos bens, os trabalhos necessários à devida entrada dos mesmos na posse da Coroa iniciam-se a 14 de Março de 1834, seguindo de perto os procedimentos definidos pelos decretos de 10 de Fevereiro e 4 de Março. Assim, até 5 de Abril, são inventariados todos os objectos, alfaias, imagens e retábulos existentes na igreja e sacristia do convento e na capela do Senhor Jesus da Saúde, cuja guarda é confiada ao prior do Monte de Caparica, que recebe também as chaves desses espaços, sinalizando a passagem da sua posse para a esfera real14. De 5 a 7 de Abril, decorrem as inquirições sobre a composição da comunidade à data do desembarque das forças liberais em Lisboa (24 de Julho de 1833) e são recolhidos os depoimentos de diversas testemunhas, que dão como provado o abandono do cenóbio pelo seu guardião e por outros frades da comunidade, pelo seu alinhamento a favor das forças «rebeldes»15. Deve datar de 14 de Março a inventariação dos restantes bens do convento, pois, apesar dos róis respectivos não estarem datados16, sabemos que deles foi passado termo de depósito a 14 de Março, a favor de Joaquim Baltasar Teixeira, um fazendeiro morador no sítio dos Capuchos17. Mas os oficiais ainda estavam em actividade a 24 de Abril, quando inquirem o antigo guardião pelo paradeiro da custódia de prata que outrora existira no convento, apresentando este o recibo comprovativo da respectiva venda, ocorrida a 27 de Janeiro de 183418.
Assinaturas dos elementos presentes aos autos de inventário do convento, incluindo as dos religiosos nele residentes (1834) [TT].
Apenso ao processo de extinção relativo ao conteúdo da livraria conventual dos Capuchos da Caparica (1834) [TT].
capucha da Caparica, que continuavam a residir na área da freguesia e referia como para breve a tomada de posse do convento e cerca pelo Juiz de Fora de Almada19. E assim deve ter acontecido, pois logo a 28 de Abril é o juiz de fora da vila, o Dr. Gaspar Pereira da Silva, quem preside ao auto de arrematação da cerca conventual, então arrendada por 5$000 réis, ao Padre Pedro de Alcântara Sequeira, por um período de três anos20.
A 26 de Abril, é o pároco quem se dirige à Coroa, solicitando a possibilidade de assegurar a continuidade da celebração da eucaristia na antiga igreja conventual nos Domingos e outros dias santos, normalmente frequentada pelos moradores vizinhos, pela distância face à paroquial. Informava ainda da secularização da maioria dos frades da comunidade
Concluídas as tarefas de que a Comissão fora incumbida, ainda a 28 de Abril se dava por terminado o processo, remetendo-se os autos para a Junta do Exame do Estado Actual e Melhoramento Temporal das Ordens Regulares21.
14 Ibidem, fls. 3-6v. 15 Ibidem, fls. 7-11v. Além de Fr. António da Madre de Deus, o guardião do convento, são ouvidas quatro testemunhas, todas residentes ou assistentes na freguesia do Monte de Caparica: Joaquim Rebelo Tavares, casado, proprietário; Remígio Belido, casado, juiz da vintena; Tibúrcio Valeriano Neiva, solteiro, merceeiro; e Miguel Joaquim Pais, viúvo, proprietário e boticário. 16 Cf. Ibidem, Apensos A, B, C e D. 17 Cf. Ibidem, doc. nº 42, fl. 5v. 18 Ibidem, «Autos d’inventario», fls. 12-13v.
19 Ibidem, fls. 14-14v. 20 Ibidem, «Auto de Rematação dos Rendimentos da Cerca do Convento dos Capuxos em Caparica». 21 Ibidem, doc. nº 42, fl. 6.
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Um dos fólios do inventário da livraria conventual (1834) [TT]. A extinção da comunidade capucha da Caparica
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Sabemos que o convento e a respectiva cerca não entraram de imediato no circuito de venda dos bens nacionalizados. Devia ser esse, é certo, o intuito do auto de avaliação que, a 26 de Março de 1836, leva ao convento o administrador interino do concelho, António Cândido Viana, acompanhado de um escrivão e de quatro homens nomeados para o efeito, entre os quais um mestre carpinteiro e um mestre pedreiro. O conjunto, que acusava já um «grande estado de ruína», era então avaliado em «hum Conto seiscentos e cincoenta mil reis»1. Contudo, o processo deve ter sido travado graças à intervenção da antiga família patronal do convento, pois, em anotação aposta ao processo de extinção, mandava-se «sobre-estar na venda do sobredicto convento» em obediência a um «Despacho do Tribunal de 14 de Settembro de 1835», dado «a requerimento da Marqueza de Vallada»2. Em cima, à esquerda: O Convento dos Capuchos em 1906. É visível, nesta imagem e na seguinte, o aproveitamento de parte das estruturas fronteiras à antiga igreja conventual para armazenamento agrícola e guarda de animais. Note-se ainda a sobrevivência de vestígios da antiga cerca de ambos os lados do templo, bem como a derrocada de parte significativa das coberturas do conjunto conventual (publ. in Illustração Portugueza, ano II, nº 36, 20.10.1906, p. 388).
Não conhecemos as circunstâncias de todo este processo, mas é certo que só em 1872 avançaria a venda da cerca e das dependências conventuais em hasta pública. Assim, o convento, com a respectiva cerca, era
Em cima, à direita O Convento dos Capuchos em 1905 (Foto de A. Lima; publ. in PortugalBrasil, nº 154, 16.06.1905, p. 148).
1 TT, Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, cx. 2203, nº. 81, caderno com diversos autos de avaliação, fls. 6-6v. 2 Ibidem, folhas iniciais não numeradas, [fl. 3].
proposto a arrematação a 15 de Novembro, pelo valor de 400$000 réis3, tendo sido vendido nessa data ou pouco depois, embora desconheçamos a identidade dos seus primeiros compradores4. Sabemos, sim, que algumas décadas depois era sua proprietária uma certa Maria Tomazia Rodrigues Blanco, que o vende a Narciso Alves Xavier a 30 de Abril de 19015. Rico proprietário morador na Caparica, juntava assim o convento a um vasto património, que fora paulatinamente engrossando também comnumerosas aquisições de bens urbanos e rurais em Almada e em toda a região circundante6. É por via da herança deixada aos seus descendentes que o convento virá a entrar na 3 Diário do Governo, ano 1872, nº 240, 23.10.1872, p. 1606. 4 Segundo a descrição predial conservada na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada (lv. B-3, nº 849, fl. 28v), a carta de arrematação é anterior a 14 de Fevereiro de 1873. Não nos foi possível descobrir o paradeiro desta carta de arrematação, que não consta dos livros de cartas de arrematação identificados como pertencentes aos anos de 1872 e 1873 conservados no Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, actualmente depositado na Torre do Tombo. 5 Cf. Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças / Arquivo /DGFP/ SET/ALM/CONVF/002 (carta da Direcção de Finanças do Distrito de Setúbal ao Director Geral da Fazenda Pública – Património, de 04.07.1944). 6 Encontramos muitos bens arrematados por Narciso Alves Xavier entre 1886 e 1897, em Almada e nos lugares de Olho de Vidro, Vale de Flores, Pedreira, Vale de Figueira, Vale de Navalhas, Quinta de Baixo, Fornozinhos, Areeiro, Vila Nova, Raposeira e Quinta de Brielas (TT, Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cartas de Arrematação, lv. 109, nº 32401 e 32402; lv. 116, nº 34629; lv. 119, nº 35674 e 35675; lv. 121, nº 36036 e 36094; lv. 122, nº 36323 e 36587; lv. 174, nº 52045 e 52046).
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posse de um dos seus filhos, Virgílio Alves Xavier7, o detentor do imóvel aquando da sua aquisição pela Câmara Municipal de Almada em 1950. Todo este percurso deixaria marcas profundas no antigo cenóbio dos Capuchos, onde a comunidade conventual, definitivamente extinta, passou a ser substituída por rendeiros que, a troco de um foro anual, cultivavam os terrenos da cerca, adaptando as dependências do edifício a novas funcionalidades habitacionais, de armazenamento de produtos e alfaias agrícolas ou para guarda de animais. Assim o refere, em traços bem expressivos e indignados, Norberto de Araújo, num artigo publicado no Diário de Lisboa em Agosto de 1936:
«O convento […] é agora habitação do tal inquilino, um casal humilde e bronco, pejado de filharada.» «Oito miúdos, filhos do rendeiro, esgrouviam por ali […]; ronca um porco, picam galináceos, ladra um cão horrível – e a paisagem é um deslumbramento!». Na galilé, «os míseros rendeiros destas ruínas e terras em redor fazem hoje depósito de tomates e abóboras», neste palmo das ruínas único que tem a defesa das grades exteriores»8. O panorama não é muito diferente do encontrado no início do século por Bulhão Pato, conforme o ilustra a fotografia que acompanha o texto que publica em 1906 na Illustração Portugueza9, bem como a que, um ano antes, saía na revista PortugalBrasil10. 7 Cf. capítulo seguinte, p.104. 8 Norberto de Araújo, «Como se poderiam aproveitar as ruínas do convento dos Capuchos a par de Vila Nova de Caparica, num sítio de deslumbramento de céu e mar», in Diário de Lisboa, ano 16, nº 4953, apêndice 10, 31.08.1936. 9 Bulhão Pato, «Convento dos Capuchos», in Illustração Portuguesa, ano II, nº 36, 29.10.1906, p. 388. 10 Foto de A. Lima, publ. in Portugal-Brasil, nº 154, 16.06.1905, p. 148.
O Convento dos Capuchos cerca de 1940 [António Passaporte (1901-1983); CMA – MM/AF].
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Mas os relatos de quem visitou o convento ao longo destas décadas acentuam sobretudo a ruína crescente do edifício e a depredação quase total do seu recheio artístico. O «grande estado de ruína» já encontrado pelos avaliadores em 1836 não cessaria de agravar-se nos anos subsequentes, afectando duramente as estruturas do edifício e levando à degradação cada vez mais visível do imóvel, bem patente no desaparecimento quase completo das coberturas dos pisos superiores, de parte da cerca ou de antigos espaços de cariz devocional como a capela do Senhor Jesus da Saúde ou da ermida de S. Pedro. Já em 1924, Teixeira de Pascoais e Raúl Proença mencionavam os «tetos arruinados» por onde entrava o sol, num «desencantamento luminoso», descrevendo o convento como um amontoado de ruínas «frias, silenciosas, incaracterísticas»11. A par da degradação do edificado, o desaparecimento gradual do seu espólio. A legislação liberal demorou a definir com clareza o destino dos diversos tipos de bens desamortizados, criando espaço para muitos descaminhos, sobretudo quanto aos cartórios e livrarias conventuais. No que respeita às imagens e alfaias litúrgicas até então ao serviço do «Culto Divino», o decreto de 30 de Maio de 1834 colocava-as à disposição dos prelados diocesanos para que fossem distribuídas pelas igrejas mais carenciadas, ordenando uma portaria de 4 de Junho do mesmo ano que entretanto se conservassem em seguro depósito até ulterior determinação12. O inventário feito em 1834 atestava, com efeito, a entrega do recheio da igreja, da sacristia e da capela do Senhor Jesus da Saúde aos cuidados do pároco do Monte de Caparica. Mas, oito anos volvidos, admitia-se já o desconhecimento do paradeiro das alfaias litúrgicas em metal precioso então recolhidas, perante o falecimento recente deste clérigo, entretanto regressado à sua terra natal, em Arcos, no arcebispado
O Convento dos Capuchos em 1946 [Foto de Mário Novais (1896-1967 in Fundação Calouste Gulbenkian, Galeria da Biblioteca de Arte – CFT003 00431.ic].
Pormenor da fachada da igreja conventual e da galilé (s.d.; a.1950) [IHRU/SIPA].
11 Teixeira de Pascoais e Raúl Proença, «Ao Monte de Caparica e aos Capuchos» in Guia de Portugal, vol. I – Generalidades; Lisboa e arredores, Lisboa, Biblioteca Nacional de Lisboa, 1924, p. 612. 12 Sobre este assunto, cf. António Martins da Silva, Nacionalizações e privatizações em Portugal: a desamortização oitocentista, Coimbra, Livraria Minerva, 1997, pp. 91-116.
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de Braga13. Das imagens, sabemos que as do Senhor Jesus dos Passos e da Senhora da Soledade transitaram, logo em 1837, para a igreja de S. Pedro da Trafaria, com licença de D. Marcos Pinto Soares Vaz Preto, arcebispo eleito de Lacedemónia14. Segundo o testemunho do Conde de Arcos, diversas outras imagens, quadros e móveis oriundos dos Capuchos teriam transitado para a capela de Nossa Senhora da Conceição, na Costa de Caparica, possivelmente após a sua reedificação em 188015. Mas de grande parte do património móvel do convento ter-se-á perdido completamente o rasto16. Do mesmo modo, muito do recheio artístico que se manteve no convento acabaria por desaparecer, sobretudo no que respeita à azulejaria e às obras em talha e marcenaria. Já em 1906 Bulhão Pato fazia memória dos «magníficos azulejos» que forravam diversas áreas do convento, entretanto «vendidos de rastos ao primeiro que lhe deitou olhos mais ou menos entendedores»17. A depredação continuaria nos anos subsequentes, denunciada tanto pelo Conde de Arcos18 como por Norberto de Araújo19.
O Convento dos Capuchos antes do restauro de 1950. Note-se a presença de um edifício contíguo, com fins habitacionais, que, segundo testemunhos recolhidos, se encontrava já em ruínas e sem ocupantes pouco antes da aquisição do convento pela Câmara Municipal de Almada (Arquivo particular - Família Bastos de Matos).
Do mesmo modo, também o Conde de Arcos refere o desaparecimento de um belíssimo frontal de altar do século XVII20, certamente uma entre muitas das obras em marcenaria que ornavam a capela e outras divisões do convento e que com o tempo acabariam por tomar outros destinos.
13 Cf. Contas correntes dos objectos preciosos de ouro, prata e joias que pertenceram aos conventos suprimidos do Continente do Reino, Lisboa, na Imprensa Nacional, 1842, Districto de Lisboa, Caparica – O Convento de Nossa Senhora da Piedade». Incluíam-se neste rol 1 âmbula, 3 cálices, 3 colheres, 2 coroas, 1 cruz, 3 patenas, 1 píxide e 11 resplendores. 14 Cf. Arquivo Paroquial de Nossa Senhora do Monte de Caparica, Livro das Pastorais, Decretos e Provisões, fls. 37v-38 e 77v-78 (portaria de 6 de Junho de 1837, reforçada por portarias de 27 e 28 de Junho do mesmo ano). Agradecemos ao Dr. Rui Mendes a indicação destes documentos. 15 Cf. Conde dos Arcos, Caparica através dos séculos, ed. cit., vol. I, p. 35. 16 Aguarda-se aqui o trabalho entretanto iniciado de tratamento arquivístico dos arquivos paroquiais do concelho, que poderá facultar outras informações neste sentido. 17 Bulhão Pato, «Convento dos Capuchos», in Illustração Portuguesa, ano II, nº 36, 29.10.1906, p. 389. 18 Conde de Arcos, ob. cit., vol. I, p. 39. 19 Norberto de Araújo, «art. cit.». 20 Conde dos Arcos, ob. cit., vol. I, p. 39.
O claustro do convento dos Capuchos, antes do restauro (desenho de D. José e Mendonça, Conde de Mossamedes; publ. in Conde de Arcos, Caparica através dos séculos, vol. I, Almada Câmara Municipal de Almada- Comissão Municipal de Turismo, 1972, entre as pp.42 e 43).
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As intervenções feitas por Norberto de Araújo na imprensa contra a ruína que atingia desde há longa data o Convento provocaram as entidades oficiais e suscitaram o pedido de pareceres diversos sobre o estado do imóvel e o seu interesse patrimonial ou militar1. Para mais, o jornalista falava, em 1936, do interesse recente pelo lugar por parte de uma companhia inglesa para serviços de telegrafia ou sede de importante instituição de comunicações internacionais2. Se do interesse militar do sítio, dada a localização do convento, não havia dúvidas3, já sobre o seu valor histórico o veredicto dado em 1939 pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais era peremptório: «não tendo qualquer valor artístico a propriedade denominada “Convento dos Capuchos”, não vejo inconveniente em que a mesma seja demolida para fins militares»4. 1 Cf. IHRU/SIPA, Arquivo da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, DSARH, TXT.05476456-63. 2 Cf. Norberto de Araújo, «art. cit.». 3 Cf. cartas do Director Geral da Fazenda Pública de 24 e 28 de Março de 1939 (IHRU/SIPA, Arquivo da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, DSARH, TXT.05476459-60); cópias em Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças, Arquivo/DGFP1/SET/ALM/CONVF/002. 4 Cf. cartas do Arquitecto Director e do Engenheiro Director Geral da DGEMN, de 31 de Março e 3 de Abril de 1939 (IHRU/SIPA, Arquivo da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, DSARH, TXT.05476461-62).
Ofício do Arquitecto Director da DGEMN (31 de Março de 1939) [IHRU/SIPA]. A aquisição do convento pela Câmara Municipal de Almada e o primeiro restauro
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Escritura de compra do Convento dos Capuchos pela Câmara Municipal de Almada (24 de Maio de 1950) [CMA].
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Seria o próprio Virgílio Alves Xavier, na definitiva posse do imóvel e entretanto envolvido nas instâncias políticas locais como vereador camarário, quem acabaria por aceitar e viabilizar a venda do convento e do terreno da antiga cerca, com uma outra parcela de terra com ele confinante5, à Câmara Municipal de Almada. O assunto seria trazido à apreciação da vereação a 8 de Fevereiro de 1950, decidindo-se então pela aquisição do convento com todo o terreno envolvente, pelo valor de 450.000 escudos. Para o justificar, evocava-se o «interesse público» do acto, que permitia recuperar para o património municipal um lugar que se considerava «pertencer espiritualmente ao concelho de Almada»6. A compra de ambas as propriedades – convento com a cerca e terreno confinante – seria consumada a 24 de Maio de 1950, presentes o antigo proprietário, Virgílio Alves Xavier, e, em representação da edilidade, o próprio presidente, o Capitão de Fragata Luís de Arriaga de Sá Linhares7.
O Convento após o restauro de 1950 [Júlio Diniz (1925-2006) – CMAMM/AF].
O claustro após o restauro de 1950 (1967) [Vasco Gouveia de Figueiredo (AML- PT/AMLSB/VGF/S00912].
Estava assim aberto o caminho para o resgate do convento e para a sua recuperação. A acta camarária que ratificara a decisão de compra do imóvel traçava já, em termos genéricos, os moldes em que esta recuperação deveria ser feita, ao determinar que em tal empresa se conservasse e respeitasse, tanto «quanto possível», o «estilo» e «tradição» da antiga casa capucha8. O essencial das obras decorreria no período imediatamente posterior à aquisição do imóvel, estendendo-se até 1952. Infelizmente, a inexistência de quaisquer plantas relativas a este período, de eventuais levantamentos das estruturas existentes, de descrições mais pormenorizadas ou de registos fotográficos 5 Com efeito, a escritura de compra refere duas propriedades, uma constituída pelo convento com a sua cerca e outra, com ele confinante na parte norte, que permitia alargar a área envolvente. Esta última, registada na Conservatória do Registo Predial com o nº 725 (cf. 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada, Livro B-2, nº 725, fl. 165v), pertencera ao Marquês de Valada, sendo colocada à venda, em hasta pública, a 2 de Dezembro de 1872, por penhora feita a um certo José Joaquim da Silva Matos Júnior (ibidem e Diário do Governo, de 22.11.1872). Desconhecemos a data em que esta propriedade foi adquirida por Virgílio Alves Xavier ou pelo pai. 6 Cf. Câmara Municipal de Almada, Arquivo Histórico Municipal, Câmara Municipal de Almada, Orgãos do Município, Câmara Municipal, Actas, lv. 1117, pp. 100-101. 7 Câmara Municipal de Almada, Departamento de Assuntos Jurídicos, Gabinete de Assuntos Jurídicos e Notariado, Livro de Notas de Escrituras Diversas, nº 42, fls. 90-91v. 8 Cf. nota 6.
O Convento após o restauro de 1950 [António Passaporte (1901-1983) – CMA-MM/AF].
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dos trabalhos efectuados impedem-nos de ter uma percepção clara, em muitos aspectos, quer dos vestígios até então sobreviventes ou do que ainda restava do seu recheio, quer do grau de intervenção exercido sobre o edificado conventual. Em vão procurámos nos arquivos da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais mais informações sobre o assunto: o facto de o imóvel nunca haver sido classificado (relembre-se a avaliação feita sobre o mesmo em 1939) motivou o alheamento completo desta entidade para com as obras que aí decorreram. É certo, contudo, que, a existirem, terão sido eliminados os vestígios das antigas celas, a ligação dos dormitórios com o coro da capela, as mesas em pedra do seu refeitório e, eventualmente, o pouco que ainda restaria do já muito depredado recheio da capela e da sacristia ou dos seus primitivos altares. À recuperação das estruturas arruinadas e ao refazer por completo das coberturas de todo o complexo conventual, juntar-seia assim a abertura de espaços amplos para as novas funcionalidades projectadas para o convento, sobretudo no antigo refeitório e nos dormitórios, e o recriar por completo de todo o recheio e elementos decorativos. Se a fachada da igreja permaneceria, no essencial, fiel à sua traça original, aparecendo como a imagem de referência do convento, juntamente com o claustro, importa reconhecer a pertinência das críticas contemporâneas
O claustro após o restauro de 1950 [António Passaporte (1901-1983) – CMA-MM/AF].
Interior da igreja conventual [António Passaporte (1901-1983) – CMA-MM/AF].
que denunciavam o facto de terem sido «ignorados aspectos originais, destruídas pequenas ruínas que poderiam ser estudadas e recompostas, e esquecido o registo de pormenores característicos»9.
pinturas ainda subsistentes na parede do fundo da galilé com dois painéis de azulejos oferecidos pelo Coronel Luciano Alves, alusivos ao Sermão de Santo António aos peixes11.
As informações facultadas por J. Luís da Cruz em 1954, decorridos já os trabalhos de recuperação do convento, permitem-nos conhecer os nomes de alguns dos principais intervenientes nas obras então realizadas: António Gouveia, mestre de obras da Câmara, o pedreiro Elpídio Ferreira, o jardineiro António Pereira e o escultor Domingos Soares Branco. Ao seu labor se deveria muito da obra realizada, quer na recuperação das estruturas, quer no arranjo do espaço envolvente, quer na procura de novas soluções decorativas para todo o espaço que se procurava conformar com a visão que então se tinha do que deveria ser um convento capucho10. As intervenções feitas na capela são exemplares do tipo de restauro realizado e das concepções que presidiram à recuperação do convento. Informa-nos J. Luís da Cruz que o coro e púlpito foram cuidadosamente refeitos, recuperada a fachada do templo e tapadas as 9 J. P. F., «Município de Almada dinamiza monumento esquecido na Caparica. Restauro antigo mutilou Convento dos Capuchos», in Diário de Notícias, ano 125, nº 44038, 17.10.1989, pp. 16-17. 10 Cf. J. Luís da Cruz, O Convento dos Capuchos da Costa da Caparica, Cacilhas, Gráfica do Sul, 1954, p. 19.
11 Cf. ibidem, p. 17.
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Vista do interior da igreja conventual após o restauro de 1950 (s.d.) [CMA – MM/AF].
Painéis de azulejos da galilé [António Nabais (CMA), 2013].
Mesmo se mais antigos, os painéis reflectem a opção por integrar diversas obras de azulejaria, oriundas de outros monumentos do concelho, no perímetro do convento, facto particularmente visível nos espaços exteriores12. A parede da igreja, à imitação do que se faria no corredor que a ligava à antiga sacristia e no próprio claustro, seria parcialmente revestida de silhares de azulejos imitando azulejos dos séculos XVII e XVIII.
de Santo António colocada no nicho cimeiro da fachada parece ser anterior, dado que já aparecem testemunhos atestando a sua presença nesse local em período prévio ao restauro14.
As esculturas existentes no templo ligamse precisamente à obra de Domingos Soares Branco, autor das imagens de S. Francisco e S. Domingos, colocadas nos altares laterais, e da imagem da Senhora da Conceição escolhida para a capela-mor13. A imagem 12 Desconhece-se a origem do painel exterior alusivo à recepção dos estigmas por S. Francisco, que nenhum autor refere existir no convento antes do seu restauro. Os azulejos com a inscrição «Agora he retiro de cuidados» encimada pela data de «1776», aparecem referidos no texto do Guia de Portugal como estando localizados noutro lugar que não o Convento dos Capuchos (cf. Teixeira de Pascoais e Raúl Proença, «Ao Monte da Caparica e aos Capuchos», in Guia de Portugal, ed. cit. vol. I, p. 611). 13 Cf. J. Luís da Cuz, ob. cit., p. 17.
De resto, todo o recheio da igreja seria obtido a partir do espólio então existente nos depósitos do Museu Nacional de Arte Antiga, graças aos ofícios do presidente da Câmara de Almada junto do seu Director, o Dr. João do Couto. A correspondência conservada sobre o assunto no arquivo deste Museu e no Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças atesta a procura, junto desta entidade, de todo o material que urgia para devolver ao templo a sua configuração de espaço de culto e o ar de antiguidade que se associava a uma igreja de origem quinhentista, mesmo que alheio à ambiência capucha do lugar. Assim, do Museu de Arte Antiga viriam as teias de balaústres utilizadas no coro e na capela-mor, o lampadário suspenso para sinalizar a presença do Santíssimo Sacramento, o retábulo em talha do altar-mor e o respectivo frontal e ainda as diversas telas de pintura colocadas na capela-mor e nas paredes da nave15. 14 Cf. Norberto de Araújo, «art. cit.». 15 Os primeiros pedidos feitos ao Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) datam dos primeiros meses de 1951, relativos à cedência de um retábulo de talha para a capelamor e de 20 balaustres e 5,80m de barramento para arranjo do coro alto, o que seria autorizado e entregue nos Serviços Externos da Câmara Municipal de Almada ainda em Agosto desse ano, celebrando-se o auto de cessão respectivo a 29 de Dezembro [cf. Arquivo do MNAA, Secretaria, cx. 70 (1951), 2-C-IX e cx. 75 (1952), 6-C-3; Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças/Arquivo/DGFP/MOVMD/175]. A 31 de Dezembro desse ano, o Presidente da Câmara de Almada fazia novo pedido ao MNAA de uma teia de mogno de 6m, um frontal de talha de 2m por 0,93m, dois quadros de pintura para a capela-mor e uma lâmpada de suspensão em metal amarelo, o que seria autorizado e entregue em Março de 1952, celebrando-se no mesmo mês o respectivo auto de cessão [cf. ibidem, cx. 75 (1952), 6-C-3; Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças/Arquivo/DGFP/MOVMD/175]. Os quadros em causa referiam-se a duas pinturas alusivas aos esponsórios da Virgem. Por último, em 1958, de novo a pedido da edilidade, eram solicitados para os Capuchos quatro quadros seiscentistas, semelhantes dois a dois, «no sentido de enquadrar melhor o altar da capela desse convento», ingressando assim as quatro telas relativas à vida de Santa Teresa de Ávila, já entregues a 29 de Julho do mesmo ano [cf. ibidem, caixa 127 (1958), 4-M-4); Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças/Arquivo/DGFP/MOVMD/175].
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Pormenor da fachada da igreja conventual, com nicho de Santo António [Júlio Diniz (1925-2006) – CMA-MM/AF].
A falta de critério nos pedidos justificaria a inclusão de motivos iconográficos pertencentes sobretudo ao universo carmelita, provenientes originariamente de mosteiros dessa ordem. Se não foi possível identificar a origem dos dois quadros relativos aos esponsórios da Virgem (embora os saibamos também cedidos pelo Museu Nacional de Arte Antiga)16, já as pinturas relativas à vida de Santa Teresa de Ávila, que ingressariam na capela em 1958, haviam pertencido originalmente ao Convento Carmelita das Albertas (Lisboa)17, assim como a lâmpada em metal amarelo18, os balaústres e a teia19. Segundo os dados dos inventários do Museu Nacional de Arte Antiga, o conjunto do altar-mor provinha, por seu lado, de duas outras casas de freiras: o retábulo em talha do mosteiro de Nossa Senhora da Esperança de Beja (de carmelitas
Noivos junto ao altar da capela-mor (1962) [Arquivo Família Salvador Silva].
16 MNAA, Fichas de Inventário Manuscritas, Pintura 8, nº de inventário 914 e 915. 17 Ibidem, nº de inventário 1185, 1186, 1189 e 1190. Estas pinturas faziam originalmente parte de um ciclo iconográfico sobre a vida de Santa Teresa de Ávila, com um total de nove telas, actualmente dispersas entre o Convento dos Capuchos (4), o Paço dos Duques de Bragança em Guimarães (2) e o MNAA (3). 18 Ibidem, Luminárias, nº de inventário 129. 19 Ibidem, Diversos 4, nº de inventário 734.
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Capela de Santo António (1967) [Foto: Artur Inácio Bastos (1904-1975) – AML – PT/AMLSB/AIB/S01018].
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Interior da capela de Santo António [António Passaporte (1901-1983) – CMA-MM/AF].
descalças)20 e o frontal do das Trinas do Mocambo, em Lisboa (trinitárias)21, embora aqui seja de estranhar tal proveniência quando a heráldica presente na peça é claramente alusiva à Ordem do Carmo. Em todo o caso, nada de matriz franciscana ou eventualmente recuperado do antigo espólio do convento, entretanto disperso por outros templos ou desaparecido. Em torno das dependências conventuais, o antigo espaço da cerca seria também objecto de uma transformação profunda, aproveitando as potencialidades do lugar como miradoiro, de onde era possível alcançar uma ampla vista sobre toda a costa que se estendia da Arrábida até norte de Lisboa. A documentação anterior não nos fornece muitas informações sobre o que existiria nesta cerca aquando da sua aquisição pela edilidade, sabendo-se apenas que sobreviviam ainda, segundo o testemunho deixado pelo Conde de Arcos, alguns vestígios da antiga ermida de S. Pedro aí edificada pelos frades.
20 Ibidem, Diversos 4, nº de inventário 625-625A. 21 Ibidem, Diversos 4, nº de inventário 243.
Painéis de azulejos colocados nos jardins do convento após 1950 [Nuno Caeiro (CMA), 2013]. A aquisição do convento pela Câmara Municipal de Almada e o primeiro restauro
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Pormenor dos jardins e lago artificial (1967) [Artur Inácio Bastos (1904-1975) – AML – PT/AMLSB/AIB/S01036].
Pormenor dos jardins [António Passaporte (1901-1983) – CMA-MM/AF].
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Após 1952, a antiga ermida desapareceria por completo, edificando-se em seu lugar uma outra capela, dedicada a Santo António e ladeada por diversos nichos, onde Elpídio Ferreira desenvolveria uma decoração com o recurso a embrechados, que prolongaria na fachada da estufa que então envolvia a capela, de recorte inspirado na traça da frontaria da igreja conventual, bem como nos miradouros construídos junto ao extremo da cerca mais próximo das arribas. Os espaços seriam cuidadosamente ajardinados, jogando com a presença recorrente da água e de recantos decorados com os referidos embrechados ou com painéis em azulejo, alguns provenientes de outros locais do concelho, ou ainda com trabalhos em mosaico, como o que encimava um dos terraços do jardim, representando uma rosa-dosventos, evocação tão ao gosto da época, particularmente propícia à exaltação da gesta dos Descobrimentos22.
Os miradouros [António Passaporte (1901-1983) – CMA-MM/AF].
O cuidado colocado no embelezamento do espaço envolvente do convento, que dava acesso à zona mais alta da antiga cerca e à belíssima vista que daí se podia alcançar, é sintomática da percepção clara das potencialidades turísticas do lugar, planeado como ponto de atracção de visitantes, um verdadeiro ex-libris do concelho, transformado também, desde cedo, em espaço de recepção para diversificados eventos, fossem eles religiosos ou de cariz político ou social.
Pormenor das arcadas junto aos miradouros [Júlio Diniz (1925-2006) – CMA-MM/AF].
22 Para uma descrição genérica do espaço, cf. J. Luís da Cruz, ob. cit., pp. 18-19.
Mosaico com a rosa-dos-ventos existente num dos terraços do jardim (1967) [Vasco Gouveia de Figueiredo - AML – PT/AMLSB/VGF/S00918].
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Terraço exterior - Sul (1967) [Artur Inácio Bastos (1904-1975) – AML – PT/AMLSB/AIB/S01037].
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Cortejo litúrgico na celebração de reabertura oficial ao culto da igreja do Convento dos Capuchos (18 de Outubro de 1952) [Arquivo DN].
A inauguração, prevista para o dia 15 de Fevereiro de 1952, em ordem a marcar o aniversário da morte do antigo fundador do convento, acabaria por ser adiada para Outubro do mesmo ano. Contudo, a data não deixaria de ser assinalada com a trasladação para a capela-mor dos restos mortais de Lourenço Pires de Távora, após terem estado, durante vários anos, à guarda da Escola Médica de Lisboa23. A sagração do templo conventual e a sua definitiva abertura ao culto viria a acontecer a 18 de Outubro desse ano, efeméride presidida pelo então Patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira. O acto, simbólico de uma restauração e do retomar pleno do convento como parte integrante de um património comum, contara, por isso, com a presença de outras importantes figuras, desde o ministro da Marinha e o chefe do distrito de Lisboa a toda a edilidade almadense e às diversas autoridades civis e militares do concelho24. Por ele se retomava a tradicional abertura da igreja conventual às populações que, ainda durante a presença dos capuchos no convento, aí vinham para a celebração da eucaristia e de outros sacramentos. Tal possibilidade era, aliás, confirmada pelo Cardeal Patriarca a 25 de Junho de 1958, com a outorga/renovação da licença para se celebrar missa no restaurado templo do antigo convento25.
23 Cf. ibidem, p. 23. Notícia do evento em Praia do Sol, ano III, nº 48, 01.03.1952, p. 1. 24 Cf. ibidem, p. 23; «No Alto da Caparica. À reabertura da Igreja dos Capuchos presidiu o Cardeal Patriarca», in Diário de Notícias, ano 88, nº 31130, 19.10.1952, p. 1; «A Capela do Convento dos Capuchos foi solenemente reaberta ao culto pelo Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa, na presença do Sr. Ministro da Marinha», in Praia do Sol, ano III, nº 61, 01.11.1962, pp. 1 e 3. 25 Arquivo Histórico da Cúria Patriarcal de Lisboa, Registo Geral, 1958-64 (CN280), fl. 4. Agradecemos ao Dr. Rui Mendes a cedência desta informação documental.
Nicho junto aos miradouro com a Senhora da Boa Viagem [António Passaporte (1901-1983) – CMA-MM/AF]. A aquisição do convento pela Câmara Municipal de Almada e o primeiro restauro
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Casamento nos Capuchos (1972) [Arquivo particular - JoĂŁo Cunha].
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Casamento nos Capuchos: fotos no claustro (1962) [Arquivo particular - Família Salvador Silva].
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Casamento nos Capuchos (1962) [Arquivo particular - FamĂlia Salvador Silva].
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Casamento nos Capuchos – foto junto à capela de Santo António (1965) [Arquivo particular – Sra. D. Sissi Valadas]. A aquisição do convento pela Câmara Municipal de Almada e o primeiro restauro
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Casamento nos Capuchos – foto no jardim do Convento (1965) [Arquivo particular – Sra. D. Sissi Valadas].
Casamento nos Capuchos – foto no jardim do Convento (2012) [André Carvalho].
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Embora não seja hoje fácil de reconstituir as utilizações dadas, durante o Estado Novo, a este espaço, percebe-se, pelas notícias da imprensa local, que o Convento desde cedo foi utilizado, a par das celebrações religiosas, como palco de eventos muito diversificados: Salão e Exposições de Artes Plásticas (dos quais se conhecem seis edições, entre 1950 e 1961, que depressa passariam a ser ocasião para a atribuição de diversificados prémios literários e artísticos)26, mostras diversas preparadas por artistas27 e artesãos28 ou por escolas do concelho29, exposições de arte sacra30,
26 Respectivamente em 1950, 1955, 1957, 1958, 1960 e 1961, das quais foram publicados pequenos catálogos. 27 Exposição de Gravura Contemporânea (cf. Praia do Sol, ano XIII, nº 201, 01.09.1962, pp. 1 e 5); Exposição de Cruz Louro em 1972 (ibidem, ano XXIII, nº 323, 03.10.1972, pp. 1 e 6). 28 Cf. II Exposição de Colchas e Artesanato de Almada. Convento dos Capuchos – Caparica, Primavera 1973 – livrinho com programa, prevendo a inauguração para 26 de Maio, com a presença do Presidente da Câmara, estando patente até 10 de Junho; a iniciativa contemplava ainda a Galeria dos Novos Artistas. A 1ª edição realizara-se no ano anterior. (in Museu da Cidade, Espólio António Henriques). 29 Cf. Folheto da «Exposição de Trabalhos Escolares», organizada pela Câmara Municipal de Almada nas salas do Convento dos Capuchos (Agosto-Setembro de 1958), com a colaboração da Escola Industrial e Comercial de Almada, Externato Frei Luís de Sousa e Externato Liceal de Almada (Museu da Cidade, Espólio António Henriques, pasta «Almada»); «Exposição no Convento dos Capuchos» in Praia do Sol, ano XV, nº 225, 01.09.1964, p. 1 (exposição promovida pelos alunos da Escola Elementar D. António da Costa, de Almada). 30 Exposição realizada a propósito da inauguração do Monumento a Cristo-Rei (cf. ibidem, ano X, nº 156, 01.04.1959, p. 1; nº 158, 01.06.1959, pp. 1 e 3; ano X, nº 164, nº 164, 15.09.1959).
Almoço no Convento dos Capuchos, oferecido pela Câmara Municipal de Almada no âmbito do Congresso Hispano-Luso-Americano-Filipino de Municípios (1959) [Armando Serôdio (1907-1978) - AML – PT/ AMLSB/SER/I00884]. A aquisição do convento pela Câmara Municipal de Almada e o primeiro restauro
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Visita a exposição no Convento dos Capuchos (1959) [Armando Serôdio (1907-1978) - AML – PT/AMLSB/SER/I00885].
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recepções oficiais31, almoços de confraternização do pessoal da Câmara e Serviços Municipalizados32, bailes e jantares de angariação de fundos para fins diversos, festas paroquiais e de catequese, representações teatrais33, exibições de filmes34 e alguns concertos musicais, em regra associados a exposições plásticas35. Apresentado como uma sala de visitas e montra do concelho, o exemplo acabado de um progresso recorrentemente exaltado e propagandeado, o cenóbio era, por isso, ponto de visita ou de passagem obrigatória para todas as entidades convidadas pela autarquia ou de grupos a quem a visita poderia ser particularmente eficaz na exaltação dos progressos locais36. Contudo, estamos ainda longe de um plano articulado de actividades e de uma efectiva potencialização do convento que, aliás, parece perder muita da sua dimensão cultural, após o abandono do ciclo de exposições de artes plásticas que acontecera, de forma mais sustentada, até 1961, e de um diminuir claro de eventos a partir dos primeiros anos da década de 60 do século XX.
31 Ao Ministro da Educação em 1971 (cf. ibidem, ano XXXII, nº 307, Jun. 1971, pp. 1 e 6). 32 Cf. Praia do Sol, ano XVI, nº 229, 01.01.1965, p. 5; ano XVI, nº 235, 01.07.1965, p. 3; ano XVII, nº 241, 01.01.1966, p. 6; ano XIX, nº 271, 01.07.1968, p. 4 33 Cf. Folheto sobre peças apresentadas pelo Teatro Popular de Almada no Convento dos Capuchos a 14 de Setembro de 1961 (Museu da Cidade, Espólio António Henriques, pasta 5, «Almada»). 34 Programa de «Exibições de Filmes Culturais no Convento dos Capuchos promovidas pela Câmara Municipal de Almada» (8 e 15 Setembro de 1962) Museu da Cidade, Espólio António Henriques, pasta sem nº, «Almada». 35 Folheto do «Recital de Canto e Piano» por Francisco Loureiro Diniz, cantor, e José Carlos Picôto, pianista, no Convento dos Capuchos (Costa da Caparica), sábado, 23 de Setembro de 1961, pelas 21h30 (Museu da Cidade, Espólio António Henriques, pasta sem nº, «Almada»). 36 Assim a visita feita ao concelho pela imprensa regional do Sul do Tejo em Setembro de 1965 (ibidem, ano XIV, nº 238, 01.10.1965, p. 1) ou outra pelos funcionários da Câmara Municipal de Leiria no ano seguinte (ibidem, ano XVII, nº 249, p. 4); ou o almoço oferecido aos participantes no I Curso Luso-Espanhol de Turismo e Hotelaria, em 1969 (ibidem, ano XX, nº 287, 01.11.1969, p. 1).
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O Convento dos Capuchos
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Ofício do Director do Distrito Escolar de Setúbal, atestando a criação de uma escola primária no Convento dos Capuchos (7 de Dezembro de 1976) [SG-MEC, DDPC]
Após a revolução de Abril, a história das vivências em torno do Convento dos Capuchos acompanha a própria história recente do concelho de Almada, cujas últimas décadas do século XX são marcadas por um exponencial aumento demográfico, uma urbanização intensa do seu território e uma transformação abissal dos seus recursos em termos de infraestruturas, dos transportes aos equipamentos culturais ou educativos. A democratização da vida pública que então se enceta incute uma nova dinâmica também em termos de política autárquica, na procura de respostas eficazes para uma população em crescimento, numa nova consciência de participação e de corresponsabilidade. É neste contexto que o Convento dos Capuchos acaba por assumir, a título provisório, diversas valências que só a modernização e diversificação progressiva de equipamentos permitiria mais tarde abandonar. Assim acontece com a escola primária que, desde 1976, encontramos a funcionar em duas salas do Convento, face à clara insuficiência
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dos recursos escolares então existentes na Caparica, também eles alojados, muitas vezes, em instalações provisórias1. O aumento da população e a distância das escolas mais próximas levaram a Comissão de Moradores de Vila Nova da Caparica a solicitar, ainda em 1975, a abertura de um pólo de ensino primário do Convento, tendo a Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Almada feito os melhoramentos necessários para acolher tais pretensões, em termos de iluminação (com a colocação de lâmpadas florescentes), de aquecimento (as salas estavam munidas de lareiras), de instalações sanitárias, então melhoradas, e de segurança (é colocada uma rede de protecção num dos muros exteriores)2. A documentação sobrevivente atesta o início do funcionamento da escola nos Capuchos ainda durante o ano lectivo de 1976-77, designada doravante como Escola nº 2 da Caparica. Inicialmente com 2 professores e 57 alunos3, o aumento da população escolar acabaria por exigir a abertura de lugar para 1 As queixas sobre a insuficiência dos equipamentos escolares na Caparica vinham desde 1970, altura em que já se solicitava a construção de dois novos edifícios escolares, num total de 12 salas de aula (Ministério da Educação e Cultura, DDPC, Secretaria de Estado da Administração e do Equipamento Escolar, Direcção Geral de Equipamento Escolar, caixa 782, Proc. 239/8, fls. 1-8). Em 1973, o ensino primário era ministrado em quatro salas do edifício do Plano dos Centenários, em duas outras instaladas em pavilhões pré-fabricados e uma última, onde funcionava a Telescola, pertença da Junta Central da Casa dos Pescadores (ibidem, fls. 14, 29, 37, 49 e 50). Em 1975, era cedida ao núcleo de Caparica uma nova sala pré-fabricada (ibidem, fl. 72) e, em Janeiro de 1976, o número de docentes em actividade passa de 13 para 16 (ibidem, fl. 74-75). 2 O processo é relatado em ofício remetido pela Direcção do Distrito Escolar de Setúbal ao Director de Equipamento Escolar a 7 de Dezembro de 1976 (ibidem, fls. 84-86). 3 Cf. ibidem, fls. 115-116 e 132.
Mapa relativo ao ano de 1977/78, atestando a frequência da escola sita no Convento dos Capuchos de por 77 alunos [SG-MEC, DDPC]
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um 3º docente em 19784 e para um outro dois anos depois5. O número de alunos que frequentava a escola do convento não cessaria também de crescer, atingindo os 108 durante o ano lectivo de 1979-806. A escola continuava a funcionar no convento quando nele se instala o Museu Municipal de Almada, em 1984, devendo ter abandonado esse espaço poucos anos depois, dado que em 1987 já é criada a Escola de Santo António da Caparica, que herda da sua congénere do convento a antiga designação de Escola nº 2 da Caparica7. No convento, permanece o nascente Museu Municipal, criado em Março de 1984, que aí se instala como núcleo-sede de um conjunto de espaços museológicos dispersos por vários pontos do concelho. O museu englobava então três núcleos distintos: o de Arqueologia e História, sedeado no Convento, o dedicado à presença árabe no concelho, instalado em 4 Ibidem, fl. 136. 5 Por portaria de 16.12.1980 (cf. ibidem, fl. 143). 6 Ibidem, fl. 139. 7 Cf. Diário da República, 1ª série, nº 207, Portaria nº 783/87 de 9 de Setembro.
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Fotos de vĂĄrias turmas de alunos da escola do Convento [dĂŠcadas de 1970 e 1980] [Arquivos Particulares].
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Fotos de várias turmas de alunos da escola do Convento [décadas de 1970 e 1980] [Arquivos Particulares].
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Murfacém, e um terceiro na Quinta dos Pianos, mais ligado à tradição agrícola e à cultura popular, projectado para nele se reunirem as alfaias agrícolas e outros objectos ligados ao quotidiano, bem como a colecção de olaria portuguesa recolhida em todo o país pela Associação de Alfabetização e Cultura Popular “Semear para Unir”8. As instalações do convento seriam, por isso, ajustadas também a esta nova funcionalidade, com salas destinadas aos laboratórios de conservação e restauro e de fotografia, à guarda das peças em reserva e aos indispensáveis serviços administrativos. As exposições temporárias decorriam no espaço onde agora figura a exposição permanente9. O Núcleo de Arqueologia manterse-ia nos Capuchos até transitar para as instalações da ex-Companhia de Pesca, em Olho de Boi, o que viria a acontecer em 1992. De novo, a qualificação de novos espaços permitiria diversificar e aumentar a oferta cultural também em termos museológicos, possibilitando não só uma maior especialização de cada núcleo como a diversificação de serviços por estes prestados às populações, com particular enfoque para a população escolar.
8 Cf. Câmara Municipal de Almada, Museus Municipais – Perspectivas, Almada, Câmara Municipal de Almada, Outubro de 1985, pp. 1-6. 9 Ibidem.
Sala do convento com espólio do Museu em fase de tratamento [1984-1992] [CMA, MM/AF].
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Exposição “15 anos de Arqueologia” promovida pelo Nucleo de Arqueologia de Almada no Convento – (Março de 1989) [CMA, MM/AF].
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O Convento dos Capuchos
11. A afirmação e projecção do convento como espaço de fruição cultural: O Festival de Música dos Capuchos
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Em 1981, a Câmara Municipal de Almada decide acolher o projecto de realização de um Festival de Música nos Capuchos, sob a direcção artística de José Adelino Tacanho. Licenciado em Engenharia Química, Adelino Tacanho desde cedo se apaixonara pela música medieval e erudita, tendo feito um impressionante percurso por instâncias nacionais e internacionais, quer na sua formação em guitarra, alaúde e guitarra barroca, quer na participação e organização de prestigiados eventos culturais1. No primeiro domínio, fez os seus estudos na Academia de Amadores de Música e, posteriormente, no Conservatório Nacional de Lisboa, e frequentou vários estágios internacionais de interpretação e aperfeiçoamento artístico em Portugal, Espanha, França, Suíça e Áustria. Fora ainda bolseiro, em Paris, da Secretaria de Estado da Cultura portuguesa e do Governo francês, na Université Musicale Internacional e, com bolsa da Gulbenkian, estivera em Basel, na Suíça, para aperfeiçoamento em alaúde, com o professor Hopkinson Smith. No segundo caso, pode participar em concertos organizados pela Secretaria de Estado de Cultura, Fundação Gulbenkian, Juventude Musical Portuguesa, Câmara Municipal de Lisboa e Festival Internacional de Lisboa e fez diversas gravações para a RTP e RDP, tendo colaborado na organização de exposições na Fundação Gulbenkian, no âmbito das Jornadas de Música Antiga. Todo este percurso, aliado à sua grande sensibilidade, permitiu-lhe criar e dirigir, em termos artísticos, o que viria a ser, durante cerca de duas décadas, o Festival dos Capuchos. Reunindo desde a primeira hora o apoio da Câmara Municipal de Almada e alargando paulatinamente este patrocínio a outras entidades, à medida que a iniciativa ganhava nova envergadura e ambição, José Adelino Tacanho foi criando e recriando o Festival em cada edição. Descentralizando a oferta musical de qualidade e tornando-a acessível a todos, nunca descurou, contudo, a qualidade do programa por ele idealizado. E este era sempre eclético, porque pensado como um todo: não apenas a música mas também a sua ambiência e a sua estética, as pontes que podia suscitar com outras linguagens, do teatro à dança ou às exposições, os apelos que recorrentemente propunha ao despertar dos restantes sentidos. Daí que em torno dos Festivais se multiplicassem as propostas culturais, de exposições de pintura, escultura ou fotografia a visitas culturais, de provas gastronómicas a itinerários pedestres, que convidavam a complementar com novas formas de fruição a oferta musical, já de si variada e eclética2.
1 Seguimos aqui de perto a biografia traçada por Alexandre Flores em Insígnias e Medalhas Municipais, coordenação Alexandre Flores, 3ª edição, Almada, Câmara Municipal de Almada, 2011, p. 201. 2 Agradecemos as informações facultadas pela Sra. D. Maria Margarida Nunes Rosa Tacanho, viúva do Eng. José Adelino Tacanho, em entrevista dada em sua casa a 28 de Maio de 2013.
José Adelino Tacanho com a Sra. Presidente da Câmara Municipal de Almada, Maria Emília Neto de Sousa (1992) [CMA, MM/AF]. A afirmação e projecção do convento como espaço de fruição cultural: o Festival de Música dos Capuchos
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A associação das artes performativas: a dança (2001) [CMA, MM/AF]. Maria João e Mário Laginha na 7ª edição do Festival de Música dos Capuchos (1987) [CMA, MM/AF].
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Um festival singular
Propôr a música na relação com o espaço escolhido tem sido uma aposta na perspectiva de confrontar os diversos sentidos num só espectáculo. Enquadrado numa região sem tradição musical, foi preciso ousar criar essa tradição, ousar uma atitude nova de produção de concertos apesar dos meios relativamente escassos, impôr uma qualidade numa região da outra banda, um arredor de Lisboa, sobre o qual existem preconceitos e chichés infelizmente normais sobre a cintura das grandes cidades. Mas havia o mar, a Arrábida, esse desafio permanente e virgem, cenários naturais que pela sua beleza e desconhecimento reforçam a poesia, o encantamento de outros espaços, outros usos, onde a música é tão bela de se ver como de ouvir.(...) Recordo o que foi o projecto monumental do Cabo Espichel, o momento sublime de ouvir dedilhar Bach à hora do Sol-pôr, ali na Serra, ao pé do mar, as diversas sugestões aquáticas em recitais de piano, a recuperação de obras esquecidas. Enfim, a arte vê-se, a arte ouve-se, os sentidos ampliam-se. Na originalidade da proposta cénico-musical, o Festival conquistou o seu público ao fim de seis anos, optou por um público diverso. A carolice e a força de vontade não estiveram ausentes. O Festival demonstrou que a tradição pode nascer de sons novos e de vozes que dizem, que afirmam com força a vida e o momento presentes, sem esquecer que a preciosa colaboração entre personalidades, autarquias, empresas e artistas pode produzir um efeito surpreendente, ajudando a concretizar sonhos. O Festival de Música dos Capuchos tornou-se já familiar, e se não é por natureza uma instituição, a sua regularidade e a sua diferença contribuíram para o sucesso, a sua realização uma exigência constante, uma contribuição para aquilo a que poderemos chamar a cintura cultural de Lisboa. José Adelino Tacanho, in Programa do Festival de Música dos Capuchos 1987
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Cada edição do Festival integrava sempre algo de original, convocando, não apenas nomes consagradas no campo da música, mas também talentos emergentes e ainda desconhecidos. É certeira a apreciação que, em 1999, Miguel Sobral Cid fazia do Festival, ao afirmar: «Desde sempre, o festival tem avançado com curiosas formas de promoção de espectáculos musicais, de algum modo inéditas entre nós, nomeadamente na introdução de diferentes repertórios no seio de uma programação predominantemente clássica, na exploração de novos locais de espectáculo de acordo com o tipo de propostas apresentadas, bem como a criação de condições que permitam uma fruição do objecto musical fora dos cânones tradicionais»3. O sucesso do Festival, ao longo das suas 21 edições (de 1981 a 2001), para além do reconhecimento e projecção que permitiu à iniciativa em termos nacionais e internacionais como evento musical e cultural de excelência – este facto valer-lhe-ia a atribuição da medalha de ouro de Mérito Cultural pela Secretaria de Estado da Cultura, em 1990, e de medalha de ouro pela Câmara Municipal de Almada em 1994 – mostrou o acerto da aposta da edilidade numa nova orientação para a política cultural e abriu caminho seguro para o que se viria a tornar uma dimensão estruturante do Convento dos Capuchos na crescente diversificação de equipamentos culturais ao serviço da comunidade: a sua vocação como casa da música ou das artes musicais.
3 In Capuchos Festival de Música 1981-1999, Almada, Câmara Municipal de Almada, 1999.
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O Convento dos Capuchos
12. A requalificação do Convento: as obras de 2000 - 2001
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Visita à obra. Equipa técnica e vereação. [CMA, MM/AF]. A requalificação do Convento: as obras de 2000 - 2001
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É neste âmbito que, desde 1995, se começou a equacionar a requalificação profunda do Convento, o que viria a concretizar-se numa nova e significativa intervenção feita entre 2000 e 2001. Dois motivos fundamentais eram apontados como justificativos de tal empreendimento: a necessidade de requalificação do imóvel e o projecto de o converter num Centro Cultural, particularmente vocacionado para a promoção da música1. Tais intentos evidenciavam, desde logo, um contexto novo, marcado por uma grande diversificação de equipamentos culturais no concelho de Almada. Muitos deles, como se pretendia também com os Capuchos, haviam já permitido a recuperação de imóveis de significativo valor histórico, como o Solar dos Zagallos (adquirido pela edilidade em 1982 e inaugurado em 1993 como Centro Cultural vocacionado para as culturas locais), a Casa da Cerca (adquirida em 1988 e inaugurada como Centro de Arte Contemporânea em 1993) ou ainda a Quinta de Santo Amaro (recuperada durante a década de 90 do século XX e inaugurada em Outubro de 2000, particularmente ligada ao serviço cultural da juventude)2. A diversificação e qualificação destes recursos permitiam agora uma crescente especialização dos espaços municipais destinados à Cultura, justificando assim a associação específica do Convento a um projectado Centro de Actividades Musicais. Em segundo lugar, a requalificação dos Capuchos implicava agora uma renovada atenção para com o próprio edificado, tendo em conta a sua natureza e características e todo um acréscimo de experiência e de saber técnico em torno da recuperação do património histórico edificado, que permitiam não só obviar aos diversos problemas, alguns estruturais, que ameaçavam o imóvel, como corrigir, dentro do possível, intervenções menos adequadas efectuadas pela campanha de obras de 1950-1952. A intervenção dispunha de um projecto, de um arquitecto responsável (o Arquitecto João Lucas) 1 Veja-se, por exemplo, a notícia sobre a intervenção publicada no Diário de Notícias em Outubro de 1999 («Centro Cultural no Convento dos Capuchos» in Diário de Notícias, 23.10.1999, p. 31). 2 Informações obtidas a partir do sítio da Câmara Municipal de Almada (www.malmada.pt) [consultado a 12 de Maio de 2013].
e de dois parceiros especializados em reabilitação, conservação e restauro do património arquitectónico, quer no domínio da prevenção, detecção, diagnóstico e tratamento de patologias (STAP), quer na execução das obras exigidas (ENSUL)3. O financiamento viria por meio de uma candidatura apresentada já em 1995 aos fundos europeus no âmbito do Programa Operacional da Região de Lisboa e Vale do Tejo, integrado no III Quadro Comunitário de Apoio4. Em 2000, tornar-se-ia finalmente possível avançar com a obra, que viria a ser concluída em Junho do ano seguinte.
A par da recuperação dos espaços conventuais, foram ainda feitas todas as operações tendentes a reforçar e consolidar estruturalmente o edificado, a travar as infiltrações de água que se faziam sentir sobretudo por alterações no revestimento das coberturas e a adequar os materiais utilizados às características do imóvel.
Urgia, em primeiro lugar, recuperar o possível da traça original do convento, sabendo-se, apesar da escassez de informação disponível sobre a intervenção de 1952, que algumas opções então tomadas eram já de si irreversíveis. A abertura de espaços amplos no primeiro e segundo pisos do convento, nas zonas dos antigos dormitórios e do refeitório, fizera desaparecer para sempre os vestígios que subsistiam das celas, do corredor que as ligava entre si ou das mesas onde, outrora, a comunidade conventual tomara as suas refeições e acolhera alguns dos seus hóspedes. Mas era ainda possível reverter outras estruturas, acrescentadas ao longo do tempo, que haviam subdividido as divisões originais, sobretudo as erguidas para definir o espaço de habitação dos inquilinos que, até tarde, haviam ocupado uma parte do convento. As plantas disponíveis, que remontavam apenas a 1988, deixavam já a descoberto as grandes linhas de continuidade das estruturas originais e denunciavam algumas destas divisões mais recentes, que poderiam ser facilmente eliminadas, permitindo um regresso à volumetria pré-existente5. 3 Cf. entrevista da Sra. Presidente da Câmara Municipal de Almada, Maria Emília Neto de Sousa, incluída no «Dossier Convento dos Capuchos» in EM Notícias – Notícias do Grupo Ensul-Meci, ano 5, nº 18, Dez. 2001, p. 5. 4 O projecto data de 12 de Abril de 1995. Cópia cedida pelo Arquivo da Divisão de Obras da Câmara Municipal de Almada. 5 Dados facultados pelo Arquitecto João Lucas, em entrevista dada a 9 de Maio de 2013. O que se diz de seguida sobre a intervenção tem em conta, quer as informações compulsadas nesta entrevista, quer os dados incluídos no projecto de 1995, quer os depoimentos recolhidos, após a conclusão da obra, no citado «Dossier Convento dos Capuchos», que incluem, além da entrevista com a Sra. Presidente da Câmara Municipal de Almada, outras com o Arquitecto João Lucas
e com os Engos. António Cordeiro (STAP), Pedro Araújo (ENSUL) e Paulo Cruz (Pengest).
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Picagem das fachadas e drenagem [CMA, MM/AF]. A requalificação do Convento: as obras de 2000 - 2001
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Picagem das fachadas e drenagem [CMA, MM/AF].
As obras na igreja conventual, com a substituição integral da respectiva cobertura (colocação das asnas) [CMA, MM/AF].
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As obras na igreja conventual, com a substituição integral da respectiva cobertura (novo forro interior) [CMA, MM/AF].
A recuperação da fachada da igreja [CMA, MM/AF].
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Substituíram-se rebocos, coberturas, caixilhos, peitoris e guarnições; limparam-se pedrarias, repararam-se fendas, impermeabilizaram-se superfícies em pavimentos exteriores, preparou-se a drenagem adequada das águas para que estas não afectassem o edifício. Sempre que possível, mantiveram-se os materiais pré-existentes, como aconteceu com o lajedo que, a partir do claustro, se estendia à sacristia, à igreja e à zona da “Via Sacra” e que ainda hoje se mantém. O decorrer dos trabalhos não ficou por vezes isento de surpresas. A recuperação dos rebocos, por exemplo, viria pôr a descoberto patologias inicialmente não identificadas, obrigando à execução de novas abóbodas, com travamento de paredes através da aplicação de tirantes em aço. Devolver o convento na sua simplicidade, recuperado na proximidade possível à volumetria original dos seus espaços, com materiais adequados à natureza do edifício e às técnicas construtivas nele utilizadas, consolidar as suas estruturas e eliminar as patologias que as afectavam, tal era um dos propósitos fundamentais que, em larga medida, seria conseguido.
A recuperação da fachada da igreja [CMA, MM/AF].
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Picagem das paredes e reforço das estruturas [CMA, MM/AF].
Reforço estrutural [CMA, MM/AF].
O recheio artístico do convento seria também objecto da atenção da campanha de requalificação do convento levada a efeito entre os anos 2000 e 2001. Apesar de oriundas de outros espaços monástico-conventuais, muitas das peças reunidas na igreja do convento constituíam exemplares de significativo valor artístico, nomeadamente o retábulo e frontal do altar-mor, em talha dourada, os quadros setecentistas com a representação dos esponsórios da Virgem e as quatro telas que, ao longo da nave, retratavam cenas diversas da vida de Santa Teresa de Ávila, a fundadora do ramo feminino da descalçatez carmelitas, datáveis dos sécs. XVII-XVIII. Todas elas seriam, por isso, objecto de um cuidadoso restauro, bem como os painéis de azulejos que ornavam a parede de fundo da galilé ou alguns outros espalhados pelos espaços da antiga cerca. A linha de despojamento e simplicidade que orientou o olhar sobre o convento motivaria também o complemento dos trabalhos de restauro com a concepção e produção de novas peças de mobiliário para a capela, todas de linhas direitas e em madeira. Desenhadas pelo próprio Arquitecto João Lucas, estas incluíram os bancos para o espaço da nave, cadeiras para o presbitério e um altar para a celebração da eucaristia, disposto agora ao centro da capela-mor, de acordo com as exigências da reforma litúrgica pós Vaticano II. A requalificação do Convento: as obras de 2000 - 2001
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Restauro do retรกbulo e frontal da capela-mor [CMA, MM/AF].
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Visita da edilidade às obras de requalificação [CMA, MM/AF].
Restauro do retábulo e frontal da capela-mor [CMA, MM/AF]. A requalificação do Convento: as obras de 2000 - 2001
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O restauro da teia de mogno da capela-mor [CMA, MM/AF]. [CMA, MM/AF].
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O restauro da teia de mogno da capela-mor [CMA, MM/AF]. [CMA, MM/AF].
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Restauro dos painĂŠis de azulejo [CMA, MM/AF].
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Restauro dos painéis de azulejo [CMA, MM/AF].
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Ao respeito pelo espaço conventual, com o que este implicava de compreensão da sua identidade, aliavase, contudo, a necessidade de criação das condições funcionais propícias para uma fruição adequada do mesmo, na sua dupla vertente de espaço celebrativo e de equipamento cultural. Se para a primeira as soluções pareceram mais consensuais, dada a circunscrição das funções litúrgicas ao espaço da capela, já para a segunda as opções a tomar exigiram mais ponderação e reflexão. Existindo já dois espaços amplos que facilmente se adequavam às funcionalidades exigidas pelo projectado Centro de Actividades Musicais, a primeira questão que se impunha era a das acessibilidades, tendo em conta o público normalmente numeroso que frequentava as iniciativas aí levadas a efeito, sobretudo no âmbito do Festival dos Capuchos. Assim, a entrada foi aberta respeitando as estruturas essenciais do edificado: eliminados diversos entraves na zona outrora ocupada pelos antigos inquilinos, foi possível criar um acesso directo e amplo para a sala do primeiro piso, e uma escada passou a dar acesso ao piso superior, a qual se procurou fosse o mais sóbria e discreta possível. Outras decisões orientaram-se para a criação de novas valências de fruição cultural. Assim aconteceu com o claustro, de onde se eliminaram os antigos canteiros e o pequeno lago com o seu fontanário, libertando assim este espaço para acolher a realização de novos eventos culturais. Também a sala do piso superior foi objecto de intervenção, de modo a adaptarse a um espaço vocacionado para concertos.
As novas acessibilidades abertas a partir da actual entrada do convento [Anabela Luís (CMA), 2013].
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As novas acessibilidades abertas a partir da actual entrada do convento [Bruno Figueiredo (Velcrum), 2013]. A requalificação do Convento: as obras de 2000 - 2001
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Obras no claustro [CMA, MM/AF].
Tanto esta sala, doravante designada como Sala do Piano, como os espaços de exposições, viram ainda renovado o sistema de iluminação. Criaram-se também novas estruturas de apoio a estes espaços, embora sempre reversíveis, de modo a não afectarem o próprio edifício. O mesmo princípio viria, aliás, a determinar a decisão de não instalação de ar condicionado no convento.
Obras no piso superior do convento, na zona dos antigos dormitórios [CMA, MM/AF].
Em frente à entrada, numa zona então em risco de derrocada, seria erguido um novo espaço, mais polivalente e bem demarcado, nos seus traços mais contemporâneos, do antigo complexo conventual, contribuindo para dar um outro destaque ao novo acesso ao convento que, sem perder a sua identidade, se mostrava agora capaz de acolher mais e melhor o público que o visitava.
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Obras no piso superior do convento, na zona dos antigos dormitórios [CMA, MM/AF]. A requalificação do Convento: as obras de 2000 - 2001
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Obras no piso inferior, na antiga zona do refeitรณrio [CMA, MM/AF].
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Novos equipamentos junto à entrada para o Convento [Nuno Caeiro (CMA), 2013].
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Levantamento arquitectónico de 1988 e Projecto de intervenção de 2000
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As representações gráficas adiante publicadas, tecnicamente denominadas por Peças Desenhadas, referem-se ao Levantamento Arquitectónico realizado em 1988 e ao Projecto de Execução da Recuperação e Renovação do Convento dos Capuchos elaborado em 2000, pelo DOMH - Departamento de Obras Municipais e Habitação da Câmara Municipal de Almada, sob a coordenação do Arq. João Lucas. Pretende-se, com a publicação deste tipo de documentos, realçar, para além das diferentes técnicas de registo arquitectónico – manual vrs CAD (do inglês: Computer Aided Design), as intenções e as estratégias de projecto, aquando da referida remodelação arquitectónica. Numa primeira leitura, podemos constatar a intenção do Arquitecto projectista em eliminar o excesso de compartimentação disfuncional pré existente, e a posterior reorganização dos principais acessos ao edifício, desde o piso 0 ao piso 1, para além de reabilitar zonas incaracterísticas e pouco funcionais em novos espaços adaptados às novas funcionalidades técnicas, previamente destinadas ao edificado. Por motivos dimensionais do presente documento, os desenhos técnicos agora reproduzidos não correspondem ao seu tamanho original e nem sempre a sua leitura é, por isso, a mais confortável. Respeitou-se, na sua publicação, a ordem de apresentação adoptada pelos profissionais de Projecto: Plantas, Cortes e Alçados.
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Planta de 1988
Planta 1ยบ Piso [Fernando Costa (CMA), 1988].
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Planta, Piso 0 e 1 [Arqt.º João Lucas Desenhador F. Jorge (CMA), Maio, 2000]. A requalificação do Convento: as obras de 2000 - 2001
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Planta de 1988
Planta 2ยบ Piso [Fernando Costa (CMA), 1988].
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Planta de 2000
Planta, Piso 1 [Arqt.º João Lucas Desenhador F. Jorge (CMA), Maio, 2000]. A requalificação do Convento: as obras de 2000 - 2001
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Planta de 1988
Planta de Cobertura [Fernando Costa (CMA), 1988].
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Planta de Coberturas [Arqt.º João Lucas Desenhador F. Jorge (CMA), Maio, 2000]. A requalificação do Convento: as obras de 2000 - 2001
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Planta de 1988
Corte A-B [Fernando Costa (CMA), 1988].
Corte E -F [Fernando Costa (CMA), 1988].
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Planta de 2000
Corte A - B [Arqt.º João Lucas - Desenhadores F. Jorge e M. Lereno (CMA), Maio, 2000].
Corte C - D [Arqt.º João Lucas Desenhadores F. Jorge e M. Lereno (CMA), Maio, 2000]. A requalificação do Convento: as obras de 2000 - 2001
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Planta de 1988
Alรงado Principal [F aernando Costa (CMA), 1988].
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Alçado Principal [Arqt.º João Lucas Desenhadores F. Jorge e M. Lereno (CMA), Maio, 2000]. A requalificação do Convento: as obras de 2000 - 2001
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Alรงado Lateral Direito [Fernando Costa (CMA), 1988].
Alรงado Posterior [Fernando Costa (CMA), 1988].
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Planta de 2000
Alçado Lateral Direito [Arqt.º João Lucas - Desenhadores F. Jorge e M. Lereno (CMA), Maio, 2000].
Alçado Lateral Esquerdo [Arqt.º João Lucas Desenhadores F. Jorge e M. Lereno (CMA), Maio, 2000]. A requalificação do Convento: as obras de 2000 - 2001
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Planta de 1988
Alรงado Lateral Esquerdo [Fernando Costa (CMA), 1988].
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Planta de 2000
Alçado Lateral Esquerdo [Arqt.º João Lucas Desenhadores F. Jorge e M. Lereno (CMA), Maio, 2000]. A requalificação do Convento: as obras de 2000 - 2001
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O Convento dos Capuchos
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As obras de requalificação permitiram devolver aos almadenses e a toda a comunidade um espaço que se pretendia mais próximo da simplicidade e austeridade originais, num respeito muito grande pela traça e características do edificado, mas também com uma capacidade renovada para servir os públicos que o procuravam e proporcionar com mais qualidade uma oferta cultural de excelência. Deste modo, o Convento acabou por assumir claramente a sua especificidade dentro de um renovado e diversificado conjunto municipal de equipamentos culturais. No já antigo diálogo entre a igreja e as dependências conventuais, entre o espaço do culto e os espaços de vivência comunitária, o convento continuaria a acolher, na sua capela, diversas celebrações religiosas, a par de uma multifacetada oferta cultural, com clara predilecção pela música e pelas exposições, e de outros eventos que elegeriam o antigo cenóbio capucho como palco. É certo que, em termos cultuais, estes viriam a circunscrever-se, com o tempo, sobretudo a ocasiões mais festivas, e, entre estas, aos casamentos, dado o próprio estreitar da malha paroquial e a multiplicação de outros centros de culto na área do concelho. A escolha do convento para estas celebrações, desde o início muito numerosas, liga-se claramente à aliança que este proporciona entre um espaço de culto reabilitado, austero e simples, e a própria envolvente, propícia para o prolongamento do convívio entre familiares e amigos e para o registo de tais momentos num enquadramento que se quis manter cuidado e belo. Ciclo Três Culturas - Concerto The Whisper of the Stars (2008) [CMA, MM/AF]. O Convento hoje
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Ciclo Três Culturas - Concerto por Pedro Caldeira Cabral (2006) [CMA,
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A oferta cultural, por seu lado, procurou diversificar-se, mantendo contudo o nível de excelência que desde há várias décadas se mantinha como referência, assumindo assim a herança deixada pelo Festival de Música dos Capuchos, que teria a sua última edição em 2001 e cuja continuidade se veria inviabilizada pelas crescentes dificuldades em captar apoios das entidades governamentais e de muitos dos seus antigos mecenas. O Convento continuou, assim, a afirmar a sua vocação para o acolhimento de diversificadas iniciativas, desde a realização de espectáculos a exposições e conferências. À primazia que continua a ser dada à música, com ciclos de concertos entre o repertório medieval e moderno e as expressões mais contemporâneas, alia-se o cruzar com outras linguagens e discursos, patentes sobretudo nas múltiplas exposições, propondo percursos pela pintura ou pela escultura, pela fotografia ou pela joalharia, pela arte sacra ou pelo património móvel. Festival “Guitarmania” (2008) [CMA, MM/AF]. Exposição de Joalharia - Paulo Ventura – “Da Depuração à Arte” (2004) [CMA, MM/AF]. O Convento hoje
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Exposição de Arte Sacra ( Paróquias do Monte da Caparica e Trafaria) (2003) [CMA, MM/AF].
Exposição “Galegos no Convento” (2007) [CMA, MM/AF].
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Exposição de Arte Sacra ( Paróquias do Monte da Caparica e Trafaria) (2003) [CMA, MM/AF].
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Exposição de Fotografia de JMRoD (2003) [CMA, MM/AF].
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A relação do convento com a população afirma-se pois pelo constante recriar da Cultura numa proximidade que contribui para difundir e cimentar práticas de fruição múltiplas e sempre enriquecidas pela participação de vários agentes e mediadores culturais. Por último, e como espaço devolvido à comunidade e ao seu serviço, o Convento tem também acolhido muitas iniciativas propostas por diversas instituições ou relativas à própria vida do concelho e aos dinamismos das suas políticas culturais ou de promoção da cidadania. De recepções oficiais a apresentações de projectos ou de programações culturais, da atribuição de prémios ao debate de temas ligados ao diálogo intercultural ou ao papel do religioso no mundo contemporâneo, o espaço do Convento é também veículo de construção de uma cultura democrática, feita de participação. Por meio de muitos destes eventos, é também uma função cultural que se cumpre, fazendo eco, num espaço público, de iniciativas, projectos e ideias, e alargando a outros a possibilidade do debate e da partilha ou o conhecimento do que pode ser feito na construção de uma comunidade de que todos fazem parte. Exposição 30 anos de património – “Almada: 30 anos a Construir Abril” (2004) [CMA, MM/AF]. O Convento hoje
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Apresentação do Projecto Polis para a Costa de Caparica (2007) [CMA, MM/AF].
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Sessão de apresentação de novos equipamentos para o projecto “Floresta Segura” (2004) [CMA, MM/AF].
Reunião com o Ministério do Ambiente - Apresentação do Projecto Polis para a Costa de Caparica (2004) [CMA, MM/AF].
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Reunião Distrital - PSP Setúbal (2006) [CMA, MM/AF].
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Lançamento do livro “A Mata dos Medos” textos de Álvaro Magalhães e Ilustrações de Cristina Valadas, 1ª Edição Assírio e Alvim (2003) [CMA, MM/AF].
Ano Nacional da Arquitectura – Encontro Nacional dos Arquitectos da Administração Pública (2003) [CMA, MM/AF].
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Ano Nacional da Arquitectura – Encontro Nacional dos Arquitectos da Administração Pública (2003) [CMA, MM/AF].
Atribuição dos prémios do concurso de Gastronomia (2007) [CMA, MM/AF].
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Homenagem a Pablo Neruda (2005). No âmbito destas comemorações, foi inaugurado o monumento “Mil Olhos”, da autoria do Escultor José Aurélio, colocado junto ao miradouro do Convento [CMA, MM/AF].
Recepção oficial ao embaixador de Angola (2004) [CMA, MM/AF].
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Integrado numa rede de espaços culturais alicerçados na perspectiva de servir uma população exigente e com uma intervenção activa na cidade e no seu projecto cultural, os Capuchos marcam uma presença importante quer pelo serviço prestado à comunidade (e às suas diversas e amplas actividades), quer pela singularidade da sua vocação e propostas de fruição. A presente exposição, de que este Catálogo é parte integrante, assume-se, neste âmbito, como um claro serviço à comunidade. Nela, a memória pode tornar-se história, porque alicerçada em documentação fidedigna, devidamente contextualizada e inserida num discurso científico que, mesmo passível de novos contributos e questionamentos, permite com segurança percepcionar o percurso deste antigo convento, daqueles que o habitaram ou possuíram e dos que, em épocas mais recentes, nele se cruzaram por diversificados motivos. Nela, também o próprio convento emerge como documento, testemunho da comunidade capucha que o construiu e nele viveu, da família que o patrocinou, dos que o adquiriram e reabilitaram. O convite a visitar o espaço desta exposição, a percorrer os seus diferentes núcleos e a deixar-se prender pelas imagens, pelos textos e até pelos sons, permite olhar de outro modo todo o convento e viver com uma outra profundidade o silêncio, a simplicidade e a escuta atenta a que ele nos incita.
Monumento “Mil Olhos”, da autoria do Escultor José Aurélio, colocado junto ao miradouro do Convento em homenagem a Paulo Neruda (2005) [CMA, MM/AF].
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Convento dos Capuchos
Life, memories, identity João Luís Inglês Fontes
For several decades, Convento dos Capuchos, overlooking the cliffs of Caparica, has been a part of the tourism itinerary of the Municipality of Almada as an obligatory stop for anyone who wishes to get to know the history of the region or simply take in the beautiful view of the Atlantic coast as seen from its lookouts. Many will remember attending a wedding or a concert at the convent or taking part in one of the many events that have been held there. It is impossible not to notice the silent, austere beauty one feels while walking through the cloister or upon entering the chapel. However, for many, the history of this old religious building, linked to one of the most austere branches of the Franciscan order, still remains largely unknown. Not just the history involving friars in this space, which unfolded from 1558 until the extinction of the convent in 1834, but also the history that later followed with the gradual abandonment and ruin of the building, taken over by private owners and rescued by Almada City Council in 1950, later restored by the municipality in 2001. This is a history that is also made up of various experiences that include its temporary use as a primary school and municipal museum, not to mention its use as a cultural space to be enjoyed by the community. By the entire community. The goal of this exhibit is to remember this history, seeking to rescue and return a more complete memory of this space to the municipality’s citizens and everyone who visits the convent. We hope this contribution will help everyone see the value of the convent as a fundamental part of a common heritage that helps form our identity and which has become a part of our lives. Life, memories, identity
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1542 and who would irreversibly be linked to the affirmation of this new movement, helping to draw up its first statutes and accompanying the training of the first friars.
Life “The very illustrious Mr. Lourenço Pires de Távora zealously working with great devotion toward the good of our friars and wishing to help them live comfortably and freely secluded in tranquillity, built another monastery in Caparica.” (Biblioteca Nacional, Cód. 68, p. 7). This is how the transfer of the Convento dos Capuchos to its current location in 1558 was described in one of the memoriaes of the Arrábida’s Province, sponsored by the 4th Lord of the estate of Caparica, Lourenço Pires de Távora. A mere eight years had passed since its initially established location in Murfacém, Quinta da Cova or Conceição, owned at the time by another nobleman by the name of Lourenço de Sousa. The friars were looking for a location that was more suitable and more hidden from the frantic pace of their environment. It is also possible that they were looking for greater independence from the patron family, given the proximity to the lord’s manor in Murfacém. Lourenço Pires de Távora, a skilful and experienced diplomat, with an enviable career serving monarchs, knew these friars well, aware of their austerity, their poverty without concessions and a life in which pastoral activities were combined with meditation and silence. At court, they met with many of their patrons and protectors, enjoying a prestigious and close relationship with figures such as S. Pedro de Alcântara, who was in Arrábida in
Convento da Caparica was dedicated to Our Lady of Piety. Its founder was buried there, at a time when the building already had all the essential elements for community life: cloister, chapel, dormitories, mess hall, kitchen, among other dependencies, and a small fence. Over the years, some improvements were made: the dormitories were renovated in 1618, while in 1630 the chapel was expanded by adding the choir stall, vestibule and its current facade; after the 1755 earthquake new works were begun and finally concluded four years later. Its structure would remain essentially the same, namely the church with its rectangular floor plan, single nave and rectangular cloister around which the other conventual dependencies were distributed. Its small community – rarely exceeding 18 friars as stipulated by the Provincial Statutes – was supported by the population very early on, as seen by the donations received from the multiple benefactors, especially during times of great need. They welcomed the faithful to the liturgical celebrations held at the church or people looking for spiritual guidance, taking on boarders and charitably taking care of lepers, the poor and the sick. In 1779 they established a “School for reading, writing and counting” attended by young people from the neighbouring villages. On 4 March 1834 a royal decree ordered the extinction of the convent, possibly due to the opposition of several members of the community, including its guardian, to the liberal party, which had taken over the capital the previous year. Once the convent’s contents were inventoried, its goods taken possession of, many of its friars dispersed (compulsory secularisation would come a few months later), the convent was nationalised in 1872. It later came under private ownership by several individuals and went into gradual decay and its contents completely disappeared, some pillaged and some distributed among various churches of the municipality.
Memories On 24 May 1950, Almada City Council purchased the convent and its surrounding fenced in property, together with another portion of surrounding land, then owned by Virgílio Alves Xavier, who at the time served on Almada City Council. Despite all the criticisms that can be directed at the ensuing process of reconstructing the convent, this act was a veritable attempt to rescue the convent that would soon be one of the municipality’s landmark monuments and host numerous dignitaries visiting or passing through Almada. Reconstruction was concluded in 1952 when the mortal remains of its founder returned to the conventual chapel and the temple was reopened for worship, during a ceremony presided over by Lisbon patriarch Cardinal Manuel Gonçalves Cerejeira on 18 October of that year. Four names stood out in these construction works: City Council master builder António Gouveia, mason Elpídio Ferreira, gardener António Pereira and sculptor Domingos Soares Branco. These men were responsible for much of the work done, namely the restoration of structures or repair of surrounding spaces, finding new decorative solutions for the entire space that was to be moulded in accordance with the vision at the time of what a capuchin monastery should be. The church’s furnishings came from the Museu Nacional de
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Identity Arte Antiga (National Museum of Ancient Art), new images were created by Soares Branco, the conventual structures and roofs reconstructed, the surrounding space carefully landscaped. Old dependencies with their characteristic traits would disappear and give way to larger spaces: the cells disappeared from the upper floor, the only traces of them being their windows breaking through the walls, while the mess hall ceased to have the tables that once welcomed the friars and their boarders during common meals. Within the former fence a new chapel was built over the remnants of the old chapel that had been dedicated to St. Peter, and many ceramic tile panels were later brought from other locations to decorate the garden or the church vestibule. It was necessary to wait until the year 2000 for a project and a qualified technical team to repair old errors, repair new damage to the chapel and repair the defects that plagued the building, restoring the early structure of some of the old conventual dependencies. Plaster, roofing, framework, sills and finishings were replaced, stonework was cleaned, cracks were repaired, outdoor floor surfaces were waterproofed and water was drained so it would not affect the building. Whenever possible, pre-existing materials were maintained and solutions that respected the original construction techniques and materials were used, ensuring that the newly introduced elements were easily reversible. Respect for
the building’s identity and materials and construction characteristics was the common thread of this work, returning the monument to the citizens of Almada in a form that was closer to its early conception and the spirit of austerity. The convent’s role as a physical testament of historical memory was combined with the need to use it as a cultural infrastructure. The policy of modernising and diversifying the network of municipal infrastructure to benefit culture, particularly visible as of the 1980s, together with the affirmation and projection of the convent as a space for art in general and musical performances in particular, as part of the Convento dos Capuchos Festival since 1981, has helped to promote the convent as a great Musical Activities Centre. The space was subsequently improved with new points of access for the public and large and renovated rooms for hosting concerts and exhibits. A new multi-purpose space was created to clearly set off the new entrance area of the convent. This decision also marked a turning point in defining an identity for the convent as a space returned to the population and remaining at its service. In fact, during the years that followed the April 25th revolution, the convent temporarily housed a primary school in its
dependencies, and after 1984 it housed the Municipal Museum. In 1981, under the artistic direction of Engineer José Adelino Tacanho, the Convento dos Capuchos Music Festival was in its infancy, quickly becoming a symbol of excellence and a cultural offering open to everyone, serving as an alternative venue to the usual venues for such events. The modernisation of the scholar network and diversification of cultural infrastructure was able to free up the convent and consolidate its maturity with numerous events that would continue after the restoration. Whether it involves music, art, social and cultural events or religious celebrations at the chapel, the convent is currently a landmark among the municipality’s spaces that serve Almada’s citizens. This exhibit constitutes one more step in this effort to consolidate citizenship, strengthen ties of identity and belonging, serve culture and discover a history and heritage that, because it belongs to everyone, challenges all of us to build a future with a more human and just face.
João Luís Inglês Fontes (Exhibit Scientific Commissioner) Life, memories, identity
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Fontes e Bibliografia I. Fontes Manuscritas Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças ACMF/Arquivo/DGFP/MOVMB/175 ACMF/ Arquivo/DGFP1/SET/ALM/CONVF/001 ACMF/ Arquivo/DGFP1/SET/ALM/CONVF/002
Nº 1820 – Fr. João do Espírito Santo († 1659), Memórias e Antiguidades da Santa Província da Arrábida Ministério dos Negócio Eclesiásticos e Justiça
Arquivo do Museu Nacional de Arte Antiga
- maço 173, caixa 144, nº 5: Taboa do Capitolo Intermedio da Provincia de Santa Maria d’Arrabida celebrado no Convento de S. Pedro d’Alcantara aos 13 de Abril de 1833.
Fichas de Inventário Manuscritas
Registo Geral das Mercês
Diversos, nº 4 (Nº Inv. 243, 625-625ª, 734 Luminárias (Nº Inv. 129) Pintura, nº 8 (Nº Inv. 914, 915, 1185, 1186, 1187, 1188, 1189, 1190, 1191, 1192, 1193)
Mercês de D. Maria I, livro 4.
Secretaria - cx. 70 (1951), 2-C-IX - cx. 75 (1952), 2-C-1 - cx. 100 (1955), 6-M-6 - cx. 127 (1958), 4-M-4
Livro das Pastorais, Decretos e Provisões [Cópia]
Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa Registo Geral, 1958-1964 (CN280) Arquivo Nacional / Torre do Tombo Arquivo Histórico do Ministério das Finanças Caixa 2203, nº 81 – Caparica, Convento de N. S. da Piedade, S. Francisco Provincia da Arrabida Cartas de Arrematação, lv. 109, 116, 119, 121, 122, 174 Chancelarias Régias Chancelaria de D. João IV, Padrões, Doações, Ofícios, lv. 15. Chancelaria de D. Pedro II, Padrões, Doações, Ofícios, lv. 37. Manuscritos da Livraria Nº 66 – Livro de registo dos frades da Província de Santa Maria da Arrábida [s.d.; sécs. XVIII/ XIX]. Nº 70 – Memória dos Religiosos que em esta Província tem falecido e das cousas mais notaueis que em ella tem suçedido [1688-1718]. Nº 222 – Abcedario Dos Religiozos desta Santa Provincia da Arrabida, que declara as pátrias, donde forão naturais e baptizados, o nome de secular, o dia, o mez, e anno da sua entrada e profisão, e da sua idade [1781-1807, com dados remontando a 1711].
Arquivo Paroquial de Nossa Senhora do Monte de Caparica
Biblioteca da Ajuda Ms. 49-IV-30 – João de Brito e Melo (d. 1681), Cronica da Prouincia da Arabida. Primeira Parte. Biblioteca Nacional COD. 68 – Memorial dos bemfeitores notaueis desta nossa prouincia [fls. 1-14]; Descripção breve da Origem e fundação da Prouincia de S. Maria d’Arrabida em Portugal. Com dous memoriaes, hum de todos os Religiosos que nela são mortos. Outro dos bemfeitores que com notauel charidade a aiudaram a sustentar, fls. 1-107v [c. 1630]. COD. 1435 - Origem e Fundação Da Sancta Prouincia de Nossa Senhora d aRabida com Dous Memoriaes, o Primeiro de todos os frades que nella morrerão Des que foi fundada: o outro Dos Bemfeitores Notaueis que a ajudarão a sostentar com suas Esmolas e Charidades. [sécs. XVII-XIX]. COD. 8064 – Fr. André de S. Paulo (1579-1669), Principio da Província de Santa Maria da Arrabida da Regular, e mais estreita observância da Ordem do Serafico Patriarcha S. Francisco no Instituto Capucho no Fidelissimo Reyno de Portugal. MSS. 141, nº 95. Câmara Municipal de Almada, Arquivo do Departamento de Obras Municipais / Divisão de Projectos Processo da Candidatura “Recuperação do Convento dos Capuchos”, ao Sub-Programa B do P.O.R.V.L.T. (12.04.1995). Câmara Municipal de Almada, Arquivo Histórico Municipal Câmara Municipal de Almada Fontes e Bibliografia
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Órgãos do Município, Câmara Municipal de Almada, Actas, lv. 1117. Câmara Municipal de Almada, Departamento de Assuntos Jurídicos, Gabinete de Assuntos Jurídicos e Notariado Livro de Notas de Escrituras Diversas, nº 42, fls. 90-91v Câmara Municipal de Almada, Museu Municipal Espólio Comandante António Henriques - Pasta nº 5 – Almada - Pasta sem nº, «Almada» Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana – Sistema de Informação para o Património Arquitectónico Arquivo da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais DSARH, TXT.05476456-63.
Contas correntes dos objectos preciosos de ouro, prata e joias que pertenceram aos conventos suprimidos do Continente do Reino, Lisboa, na Imprensa Nacional, 1842. «Descrição histórica da vila e termo de Almada, em 1712», in Almada na História. Boletim de Fontes Documentais, nº 1, 2001, pp. 23-34. Diário de Notícias, ano 88, nº 31127, 16.10.1952; nº 31130, 19.10.1952; ano 125, nº 44038, 17.10.1989; ano 127, nº 44714, 25.08.1991; ano 129, nº 45418, 29.07.1993; ano 131, suplemento ao nº 46175, 25-31.08.1995; ano 135, 23.10.1999 Diário do Governo, ano 1872, nº 240, 23.10.1872; nº 265, 22.11.1872. Estatutos da Provincia de Santa Maria da Arrabida da mais perfeyta Observancia de nosso Seraphico Padre S. Francisco, feytos em virtude de hum Breve do Senhor Papa Innocencio XII. concedido á mesma Provincia, sendo Ministro Provincial o Irmão Frey Antonio da Apresentaçaõ Prègador, & Examinador das tres Ordens Militares: aceytos, & approvados pelo Capitulo Provincial, que se celebrou em o Convento de Saõ Joseph de Ribamar em 6 de Julho de 1697. em que foy eleyto Ministro Provincial o Irmão Frey Sebastiaõ de Santo Antonio Prègador, Lisboa, Na Officina de Miguel Deslandes, 1698.
Ministério da Educação e Cultura, Serviço de Documentação e Arquivo
II Exposição de Artes Plásticas organizada pela Câmara Municipal de Almada nas Salas do Convento dos Capuchos (Julho-Agosto 1957), Lisboa, Bertrand, s.d.
Secretaria de Estado da Administração e do Equipamento Escolar, Direcção Geral do Equipamento Escolar, proc. Nº 239/8, caixa 782.
III Exposição de Artes Plásticas organizada pela Câmara Municipal de Almada nas Salas do Convento dos Capuchos (Agosto-Setembro 1958), Lisboa, Tip. Portuguesa Lda., s.d.
1ª Conservatória do Registo Predial de Almada
IV Exposição de Artes Plásticas organizada pela Câmara Municipal de Almada nas Salas do Convento dos Capuchos (Agosto-Setembro 1960), Lisboa, Gráfica Santelmo, s.d.
- Livro B-2, descrição nº 725 - Livro B-3, descrição nº 849
II. Fontes impressas Ceremonial da Provincia da Arrabida. Em o qual se trata do modo com qve se hão de celebrar os Officios divinos no Choro, & Altar, e de outros actos de communidade, exercicios da Religião, & custumes da Provincia, Lisboa, Na Officina de Henrique Valente de Oliveira, 1659. Chronica Constitucional de Lisboa, ano 1833, nº 25, 26.08.1833; ano 1834, nº 1, 01.01.1834; nº 25, 29.01.1834; nº 51, 28.02.1834; nº 57, 07.03.1834; nº 87, 14.04.1834
V Exposição de Artes Plásticas organizada pela Câmara Municipal de Almada nas Salas do Convento dos Capuchos (Agosto-Setembro 1961), Lisboa, Oficina Gráfica Lda., 1961. FLORES, Alexandre M., «Vila e termo de Almada nas Memórias Paroquiais de 1758», Anais de Almada, nº 5-6, 2002-2003, pp. 23-76. Historia de Varoens Illvstres do appellido Tavora continvada com os Senhores da Caza e Morgado de Caparica [...]. Recolhida pelas memorias originaes de seus passados, por Alvaro Pirez de Tavora Senhor da dita Caza […]. E pvblicado por Ruy de Tauora, perpetuo Gouernador, Alcaide mor, e Capitam mor da Fortaleza de Sam Sebastiam de Caparica, e seu districto, Senhor da mesma Caza e Comendas, Paris, Por Sebastiam Cramoisy e Gabriel Cramoisy, 1648.
Colecção de Decretos e Regulamentos mandados por Sua Magestade Imperial o Regente do Reino desde a sua entrada em Lisboa até à instalação das Camaras Legislativas, 3ª série, Lisboa, na Imprensa Nacional, 1840.
JESUS MARIA, Fr. José de, Instrucçam de noviços da Provincia de S. Maria da Arrabida, Lisboa, Na Officina de Joseph Lopes Ferreyra, 1716.
Colecção de Legislação Portugueza desde a ultima compilação das Ordenações, redigida pelo Desembargador António Delgado da Silva, Legislação de Agosto de 1833 a Dezembro de 1834, Lisboa, Typ. de A. S. Coelho & Companhia, 1837.
Manual em que se contem o modo, e ordem com que se hão de sepultar os frades defuntos. Feito, e ordenado para o uso dos Religiosos da nossa Provincia da Arrabida, Lisboa, Na Officina de Henrique Valente d’Oliveira, 1658.
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Vida, Memรณria, Identidade Do Conceito Histรณrico ao Desenho Expositivo
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Convento dos Capuchos
Do Conceito Histórico ao Desenho Expositivo Nuno Caeiro1
O texto que se segue pretende abordar a metodologia seguida no projecto museográfico da exposição, O Convento dos Capuchos: vida, memória, identidade. Torna-se de estrema dificuldade tentar traduzir em texto corrente, legível e compreensível a todos, uma série de conceitos abstractos que influenciaram o processo criativo e o método projectual nele utilizado. O método projectual não é mais do que uma série de operações necessárias, dispostas por ordem lógica, ditadas por conhecimentos técnicos prévios e pela experimentação dos mesmos, na tentativa de atingir o melhor resultado possível, com o menor esforço necessário. Se o mesmo não exclui nem anula a criatividade, ele sustenta-a e permite uma tradução eficaz e exequível do que é sonhado. Com efeito, como relembra Bruno Munari, “A criatividade não significa improvisação sem método” (Bruno Munari, Cómo nacen los objetos? Apuntes para una metodología proyectual, Barcelona, Edições Gustavo Gili, 2004, p. 19). Ao longo do processo projectual, utilizei vários tipos de desenhos, desde o simples esboço aos desenhos técnicos construtivos, passando por alguns registos fotográficos. Procurei ainda documentar-me, numa pesquisa prévia, sobre o que já tinha sido feito de semelhante ao que se pretendia projectar, atendendo a aspectos tão diversos como as estruturas leves desmontáveis, a iluminação de ambientes, a sinalética, a tecnologia e comportamentos dos materiais, os sistemas de projecção de imagem e som, as técnicas de impressão, etc. Cabe, nas próximas folhas, um pouco desta realidade.
Todas as representações gráficas, desenhos, esquiços e fotografias, salvo indicação em contrário, são de autoria do próprio. 1 Arquitecto pela Faculdade de Arquitectura de Lisboa da Universidade Técnica de Lisboa, Pós-graduado em Museologia e Museografia Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa e Mestrado na mesma área de estudos, na Faculdade de Belas Artes de Lisboa da Universidade de Lisboa. A exercer funções profissionais desde 1995 no Departamento da Cultura da Câmara Municipal de Almada.
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Esquiço gerador da distribuição espacial.
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Materialização de soluções espaciais, recorrendo ao registo técnico sobre um levantamento arquitectónico prévio.
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Um projecto expositivo nasce necessariamente da intenção de apresentar uma ideia, um tema, um conjunto de objectos, a obra de um artista ou um determinado acervo museológico, através das acções de seleccionar, pesquisar, documentar, organizar, exibir e difundir1. Tendo presente que a essência sociocultural da Museologia2 e da Museografia3 assenta, em ambos os casos, num cruzamento de domínios teóricos e práticos inerentes ao pensar sobre exposições, pretende-se, através do presente texto, abordar o processo metodológico e criativo por nós adoptado na elaboração do Projecto Museográfico da Exposição “O Convento dos Capuchos: vida, memória, identidade”. Uma exposição é essencialmente um meio de transmitir informação sobre algo. No entanto, o que define a singularidade de um projecto museográfico é o caracter criativo de cada projectista, o seu modus operandi, a sua atitude projectual e conceptual. Por isso, pensar e definir o modo pelo qual essa informação deve ser apresentada ao público é tarefa fundamental da Museografia, centrada no papel do projectista, capaz de descodificar e relacionar uma serie de informação previamente recolhida, contextualizando-a através de metodologias de projecto e de desenho, de modo a que possa ser organizada, dimensionada e distribuída, num dado espaço físico pré-existente. Expor não é somente reunir vários objectos num mesmo local. A exposição deve ter uma unidade geral, as partes individuais devem contribuir para essa mesma unidade, de forma funcional e apelativa, permitindo ao sujeito uma experiência comunicacional e emocional capaz de transmitir ideias, conceitos e conhecimento. No caso da exposição “O Convento dos Capuchos: vida, memória, identidade”, em que não se dispunha de qualquer espólio, artístico ou documental, produzido ou relativo à comunidade que aí habitou, o projecto centrou-se e definiuse a partir, quer de outros discursos e materiais, quer da sua estreita relação com o edificado, que passou a ser simultaneamente “objecto” e “contentor” do nosso “conteúdo” museográfico (leia-se, exposição). Ao visitante é, pois, proposto que se envolva fisicamente e sensorialmente no espaço arquitectónico, através de uma experiência cognitiva entre o sujeito e o bem cultural, neste caso, um convento capucho 1 Cf. http://www.icom-portugal.org/documentos_def,129,161,lista.aspx. 2 Área do conhecimento dedicada especialmente à administração, manutenção, organização de exposições e eventos em museus: cf. Key Concepts of Museology, ed. André Desvallées e François Mairesse, s.l., Almand Colin, 2010, p. 53. 3 Conjunto de noções técnicas necessárias à exposição, apresentação e à boa conservação das obras e objectos do acervo dos museus: cf. ibidem, p. 52.
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com mais de 450 anos de história. A própria exposição amplifica e torna-se portadora de outros sentidos e perspectivas para o convento que se visita e no qual se integra. A intervenção expográfica4 é constituída por 4 núcleos temáticos: o primeiro, de cariz introdutório; o segundo sobre a vida do convento enquanto lugar de experiência religiosa da comunidade capucha que o habitou; o terceiro sobre a memória material do próprio edificado e por ultimo, o quarto, sobre a identidade do Convento dos Capuchos, associado a vivências de cariz religioso, cultural e de cidadania. A definição dos núcleos implicou um questionamento, no processo criativo, em ordem a atender à: • Análise e definição da “história” que se quer contar. • Fundamentação da relevância da opção tomada e da importância do tema escolhido para cada momento ou local, justificando com precisão, a escolha que foi feita e a quantidade de informação a apresentar. • Definição das metodologias museográficas e das tecnologias de produção disponíveis, face ao(s) público(s) alvo. • Análise dos recursos passíveis de serem equacionados para a concretização do projecto expositivo.
Finalizada a recolha de informação base, iniciámos um processo criativo baseado nas quatro regras do método cartesiano5, e nos seguintes passos6:
1. Constatação do Problema 2. Definição do Problema 3. Decomposição da Complexidade do Problema 4. Compilação de Dados 5. Análise de Dados 6. Criatividade 7. Materiais e Tecnologias 8. Experimentações 9. Modelos 10. Verificação 11. Desenhos Construtivos 12. Solução Final
Concluídas as primeiras etapas, relativas à Constatação do Problema, Definição do Problema, Decomposição do Problema e a Compilação de Dados, iniciámos um longo caminho de opções formais e estéticas, no sentido de dar corpo e forma a um cenário expositivo e à criação de um ambiente que proporcionasse o contacto directo com o/s visitante/s, despertando a sensibilidade e o interesse em adquirir informação visual.
4 Sobre este conceito, cf. Key Concepts of Museology, ed. cit., p. 52.
Em cima: Sistema Estrutural Autoportante - Estudo. Sistema Estrutural Autoportante - Solução Final.
5 1ª…não aceitar nunca como verdadeira qualquer coisa, 2ª…dividir o problema em tantas partes quantas necessárias para melhor o poder resolver, 3ª…conduzir por ordem de complexidade aos problemas e pensamentos, e 4ª…fazer sempre revisões e enumeração ao longo de todo o processo criativo – René Descartes, 1637: cf. Bruno Munari, Cómo nacen los objetos? Apuntes para una metodología proyectual, Barcelona, Edições Gustavo Gili, 2004, p. 9. 6 Cf. ibidem, p. 63.
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Planta com perspectivas, por zonas de intervenção.
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Os conceitos base e o apoio da historiografia. Nesta etapa inicial, definimos os conceitos base de apoio ao projecto, tendo como suporte a pesquisa histórica realizada sobre o objecto a musealizar. Neste caso, é prática corrente do projectista, ao abordar o problema e a sua complexidade, interpretar a compilação de dados e factos históricos disponíveis, e deles retirar conceitos que ajudem na concepção e materialização de ideias e soluções gráficas, estruturantes do desenho expositivo. Assim, com base nos textos científicos, de autoria do comissário da exposição, Doutor João Luís Inglês Fontes, destacámos algumas referências e indicações sumárias orientadoras, originando conceitos morfológicos que ajudaram na definição e contextualização do ambiente cenográfico, capaz de nos fazer reavivar memórias e sensações individuais. Assim, todo o projecto e processo criativo procurou respeitar algumas linhas fundamentais que decorriam, quer da história e natureza do espaço conventual em causa, quer do carisma que marcou a experiência capucha. Com efeito, as ideias de simplicidade, austeridade, silêncio e recolhimento depressa emergiram como linhas força que, no diálogo com o espaço envolvente, deveriam marcar os materiais a produzir e transpirar das opções feitas para a montagem do percurso expositivo, a par de uma evolução que, cruzando diversas linguagens, pudesse traduzir a multiplicidade das vivências contemporâneas desse mesmo espaço. O espaço pré-existente “No corpo da igreja, deveriam existir pelo menos dois confessionários, embutidos na parede, com acesso pelo corredor paralelo ao templo, na zona de clausura, de forma a preservar a comunidade da entrada de estranhos”7 7 Cf. Texto produzido para o presente catálogo, de autoria do Doutor João Luís Inglês Fontes – Comissário da Exposição (cf. p. 69).
A intervenção expositiva desenvolve-se ao longo de três zonas contíguas à capela, claramente diferenciadas, separadas entre si por arcos em alvenaria de pedra aparelhada, formando um espaço interior de forma regular, antecedida de um “corredor” (possível Via Sacra?), dando acesso ao início de toda a intervenção museográfica, a partir do claustro. Essencialmente constituído por paredes portantes em alvenaria de pedra, cunhais8 também de material pétreo (à cota máxima de 2,20m), tectos abobadados simples e pavimento em pedra, o conjunto arquitectónico deixa antever uma serie de potencialidades, mas também muitos constrangimentos, ao nível da adaptação estrutural necessária aos suportes de apoio dos elementos gráficos. Por opção, não foi utilizado qualquer tipo de sistema de fixação activo9, de modo a não perfurar nenhum elemento construtivo de especial relevância, nomeadamente, elementos pétreos, optando um por um sistema estrutural metálico autoportante10. Por outro lado, as patologias arquitectónicas actualmente presentes em várias zonas do edificado (humidade ascensional por capilaridade – vulgo salitre11) obrigavam a recorrer a soluções técnicas que possibilitassem a livre circulação de ar entre as paredes e os suportes gráficos a utilizar.
8 Cunhal - Ligação perfeita entre as fachadas de edifícios formando um ângulo; termo que define a pedra talhada, que faz a ligação entre duas paredes da fachada: Cf. http://www.engenhariacivil.com/dicionario/?s=cunhal. 9 Nenhum elemento estrutural poderia ser fixo através de furação sobre os elementos pétreos do edifício, salvo pontuais apoios de fixação, única e exclusivamente sobre o reboco de revestimento das paredes, com recurso a pregos de aço, no máximo com 2mm de espessura, e caso necessário, através do sistema parafuso/broca, sempre inferior a 6mm de espessura. 10 Estrutura com capacidade de se suportar a sim mesmo: Cf http://www. engenhariacivil.com/dicionario/?s=autoportante. 11 Termo que designa um dos sais muito prejudiciais às alvenarias e revestimentos, quando se infiltra através de águas de infiltração. O aparecimento de eflorescências de salitre nas paredes é provocado pela cristalização à superfície de sais solúveis que são transportados pela humidade ascensional ou pela humidade de construção quando esta se desloca para o exterior [...]: Cf. http://www.engenhariacivil.com/ dicionario/salitre
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Tendo em conta todas estas condicionantes mas também as potencialidades apresentadas pela morfologia do espaço arquitectónico destinado à implementação do projecto expositivo e a sua especificidade (100% de informação documental de leitura na vertical), foram definidos 25 painéis de base à impressão gráfica, distribuídos ao longo de todo o percurso de leitura pelos distintos núcleos temáticos. Assim, o núcleo ZERO, de acolhimento, deveria ser composto essencialmente por textos institucionais e introdutórios de enquadramento geral do projecto expositivo, de modo a fornecer ao visitante uma serie de informação prévia sobre o tema da exposição, seguido do núcleo UM, onde, já com base em factos históricos, se deveria relatar a VIDA do convento, desde a sua fundação até à extinção da sua comunidade e abandono do antigo espaço capucho. O núcleo DOIS, dedicado à MEMÓRIA do convento, pretendia evidenciar a importância do resgate do imóvel pela Câmara Municipal de Almada e das diversas campanhas de recuperação e reabilitação a que este foi sujeito (1950 e 2000), realçando o próprio carácter do edificado como monumento histórico. Por fim, o núcleo TRÊS, dedicado às vivências contemporâneas associadas ao convento como imóvel municipal, valorizaria sobretudo
a diversidade de eventos aí decorridos e a gradual afirmação do convento na sua IDENTIDADE própria como equipamento cultural ao serviço da comunidade. Analisados e consolidados os conceitos históricos base, as capacidades organizativas da morfologia arquitectónica do espaço destinado à intervenção museográfica e as soluções técnicas possíveis de adaptar, concluímos os pontos 5, 6 e 7 do nosso processo criativo, consagrados à Análise de Dados, Criatividade e Materiais e Tecnologias, respectivamente. O Anteprojecto Na organização espacial, foram considerados vários tipos de “zonamentos” obrigatórios: Zonas de Leitura, onde o observador consiga “ler” e assimilar confortavelmente a informação disponível sem interrupções e interferências, Zona de Circulação (de passagem, incluindo entradas e saídas), Zonas de Pausa e Zonas Neutras ou de Transição entre núcleos, de modo a facilitar a progressão ao longo de toda a exposição a um ritmo confortável, e de fácil assimilação para o visitante.
Através da Experimentação, de Modelos e da Verificação, conseguimos finalizar uma das soluções possíveis (a que nos pareceu mais ajustável ao desafio que nos foi proposto), sempre atentos à evolução do projecto, às necessárias adaptações e pequenas alterações e respeitando sempre a interface com outras áreas de produção, desde a impressão gráfica de grandes formatos, à iluminação, à tecnologia e resistência dos materiais, às técnicas de produção e execução, e à logística de montagem e de manutenção. O Projecto – Desenhos Construtivos Chegados a este nível de concepção projectual, foi possível reunir os seguintes elementos estruturais de toda e intervenção museográfica (por ordem de implementação):
1. O 2. 3. 4. 5. 6.
espaço pré-existente em planta – levantamento arquitectónico. O percurso da visita. As estruturas de apoio gráfico - Projecto de estruturas metálicas. Os elementos gráficos – Projecto de Lonas/ Telas. O multimédia - Sistema de projecção de imagem e som. A iluminação – Projecto luminotécnico.
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Modelos à escala real, com anotações e indicações técnicas O Convento dos Capuchos - Do Conceito Histórico ao Desenho Expositivo
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Importava que os desenhos construtivos resultantes desta fase conseguissem comunicar todas as nossas intenções de projecto, de modo a serem legíveis por alguém que não seguiu o nosso raciocínio técnico, nem o nosso processo criativo, desde os aspectos mais gerais aos detalhes mais pormenorizados, com a indicação de todas as observações e normas técnicas inerentes à linguagem do Desenho Técnico (dimensões, materiais, custo, funcionalidade, ergonomia, escala, tipo de acabamento e resistência dos materiais, sempre que se justificasse). A Intervenção no património arquitectónico Várias propostas estruturais foram estudadas e desenhadas, levando em consideração os seguintes factores:
1. Exequibilidade. 2. Funcionalidade: atendendo às características físicas e mecânicas, intrínsecas
ao comportamento estrutural dos materiais utilizados, tais como elasticidade12, ductilidade13, tensão14, torção15, e o equilíbrio entre forças aplicadas/distribuídas, etc. 3. Estética: levando em consideração o uso (propositado) de um material ferroso e o seu comportamento em relação à oxidação. 4. Manutenção/Reparação/Substituição. 5. Relação entre qualidade preço. Uma das nossas principais preocupações foi a de possibilitar que a metodologia de projecto adoptada não implicasse quaisquer riscos, incongruências de uso ou danos ao edifício. Sob este aspecto, toda a proposta de intervenção estrutural socorreu-se, por isso, de um sistema autoportante de barras de ferro de secção rectangular com 25mm x 5mm, assentes nos capitéis16 dos cunhais de pedra ao longo de todo o espaço expositivo. Fixas por um sistema de encaixe entre barras, de modo a evitar qualquer tipo de fixação nos elementos pétreos, através de meios-cortes transversais às barras, que permitem ligações em pontos previamente estudados, obtivemos assim um sistema autoportante ajustado aos elementos construtivos sem recorrer a meios de fixação por perfuração.
Tabela de dimensões e pesos específicos. C.F. http://www.fachagas.pt/cache/bin/XPQWfpAXX617UMyMbs1ZKU.p
12 Capacidade dos corpos que depois de estarem sujeitos a determinada força, recuperam a sua forma inicial: Cf, http://www. engenhariacivil.com/dicionario/?s=elasticidade 13 Propriedade que representa o grau de deformação que um material suporta até o momento de sua fractura. Materiais que suportam pouca ou nenhuma deformação no processo de ensaio de tração são considerados materiais frágeis. Isto é quando por exemplo um plástico é rasgado ao meio, esse processo entre esticá-lo até rasgá-lo é chamado de ductilidade: Cf. http://www. engenhariacivil.com/dicionario/ductilidade 14 Esforço interno resistente de um corpo submetido a esforço solicitante, medida de força interna por unidade de área de um corpo deformável em uma superfície imaginária interna ao corpo: Cf, http://www.engenhariacivil.com/dicionario/tensao 15 Quando uma peça, normalmente cilíndrica, sofre o efeito de um torque e uma força resistente, ela tende a sofrer torção. As deformações causadas a uma peça que sofre torção são deslocamentos angulares de uma seção em relação a outra, solicitação que se apresenta quando se aplica um momento sobre o eixo longitudinal de um elemento construtivo ou prisma mecânico, como podem ser eixos ou, em geral, elementos onde uma dimensão predomina sobre as outras duas, ainda que é possível encontrá-la em situações diversas: Cf, http://www.engenhariacivil.com/dicionario/modulo-de-distorcão 16 Coroamento do fuste de uma coluna, nos quais se apoiam os arcos ou vigas da construção: Cf. http://www.engenhariacivil. com/dicionario/?s=capit%C3%A9l.
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Quanto aos suportes de impressão gráfica, por motivos do comportamento dos materiais face às oscilações de temperaturas e humidades relativas ao longo das estações do ano verificadas no interior do espaço expositivo, e do micro clima característico da envolvente do edificado, optou-se pela utilização de lona /tela plástica ½ brilho – 300gr/m2 -, de modo a facilitar a circulação de ar entre estas e as paredes, e a libertação/absorção de humidades na zonas mais criticas e problemáticas. Por fim, o impacto que os recursos de iluminação podem determinar no circuito expositivo são fundamentais para o resultado final, sem esta ferramenta, todo o ambiente cenográfico perde a capacidade de reflectir sensações emocionais e físicas, que preparem o visitante (leia-se sentidos cognitivos) para uma adequada leitura de todo o discurso expositivo, e possível interacção com este. Neste caso, optou-se por uma iluminação pontual e individual de cada painel, criando assim destaques, levando em consideração a área total da intervenção, em articulação com uma paleta de cores quentes, de baixa reflecção. Para concluir, ainda sobre este aspecto, levando em consideração o tipo de suporte gráfico (lona plástica) optou-se por eliminar toda a iluminação natural no interior do espaço expositivo, de modo a evitar os reflexos que pudessem prejudicar uma leitura confortável, apostando-se num sistema de iluminação composto por lâmpadas de halogénio de 50W com o recurso a filtros de redução e controlo da Intensidade Luminosa, correcção de brilhos, reflexos, temperatura e saturação de cor. A identificação, criação e definição de linguagens museográficas e a construção de um projecto global O projecto museográfico é o elemento aglutinador das forças que interagem no espaço expositivo – obras, suportes, elementos gráficos, imagens, cores, luzes, sons, efeitos especiais, projecções, etc. – pelo que todos estes aspectos devem ser estudados, desenhados e estruturados de modo a serem integrados em harmonia, num dado espaço, tempo e escala, originando a solução final. 230
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Panorâmica geral da intervenção [Bruno Figueiredo (Velcrum), 2013].
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Pormenor de encaixe e apoio sobre capitel.
De acordo com o acto criativo, o processo metodológico e os conteúdos históricos, o projecto expositivo foi desenhado, recorrendo às mais variadas técnicas de apresentação de objectos e de conceitos, dando origem a uma Linguagem Museal, geradora de novas …”mensagens a partir de componentes presumivelmente conhecidos pelos destinatários mas também novos signos decifráveis através da introdução progressiva em contextos que os destinatários terão previamente decifrado”…17 entre os diferentes elementos presentes no espaço expositivo. Neste caso, todo o projecto museográfico teve como eixo constituinte o próprio edifício Convento dos Capuchos. Dele se conta a história, desde a sua fundação e construção, passando pelas sucessivas recuperações e usos que lhe foram dados, ao longo dos tempos. Um percurso pela sua vida, memória, e identidade.
Mais do que uma “mostra”, a exposição museológica pretende ser uma experiência comunicacional e emocional, tendo como finalidade transmitir ideias e conhecimento, utilizando recursos verbais, auditivos, e até tácteis, sobe acontecimentos, objectos, ideias, e situações. Mais, todo o discurso expositivo é pensado e adaptado para ser parte integrante do edifício “museografado”, pretendendo-se, no decorrer deste (longo) processo de identificação e reflexão sobre o património arquitectónico, integrar, ao longo de todo o edifício, elementos gráficos que reportem a uma linguagem museal no sentido de ajudar a identificar e reconhecer o próprio convento como testemunho de uma procura e vivência espiritual, de uma história que o molda e que pode e deve estar presente no pensar, hoje, deste mesmo espaço como equipamento de fruição cultural e patrimonial.
17 Cf, Maria Olímpia Lameiras-Compagnolo e Henri Campagnolo, «Um exemplo de “linguagem mista” - A linguagem museal», Actas do IV Encontro Nacional de Museologia e Autarquias (Tondela, 29-31 de Outubro de 1993), Porto, Câmara Municipal de Tondela,1999, pp. 47-52.
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Portão em ferro de acesso à Galilé da Capela do Convento dos Capuchos O Convento dos Capuchos - Do Conceito Histórico ao Desenho Expositivo
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Exhibitions arises necessarily the intention to submit an idea, a theme, a set of objects, the work of an artist, or a particular museum collection, through the actions of selecting, researching, documenting, organizing, displaying and disseminating.
about architectural heritage, to adapt throughout the building, a museum language in helping to identify its soul and uses, perpetuating its origin, and his past, in order to live it as space for enjoyment and cultural heritage.
Bearing in mind that the essence between museology and museography is based in crossing theoretical and practical thinking about exhibitions, we intend, through this text, to see the methodological process followed by the designer in developing the Exhibition Project “O Convento dos Capuchos: Life Memory Identity”, focusing on exhibition function, which highlights the interaction between historical concepts, museums and built heritage. It should be clarified that the museum exhibition is not limited to a simple object presentation itself, it has to be an experience and emotional communication, and aims to transmit ideas and knowledge, using verbal resources, sounds, and even tactile skills, throughout events, objects, ideas, and situations. Besides the technical solutions adopted in this exhibition, it’s all the building that is brought into it as a living testimony of an history: its “life”, its “memory“, and its “identity”. In fact, all exhibition discourse is thought and adapted to be part of the building, it is intended during this long process of identifying and reflection
Nuno Caeiro (Exhibition Designer)
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Fontes e Bibliografia Legislação e Documentação legal Regulamento de Normas Técnicas Acessibilidades para pessoas de Mobilidade Condicionada, Decreto-Lei nº. 163/2006, de 8 de Agosto. Estudos BARBOSA, Luís Antônio Greno, “Iluminação de museus, galerias e objetos de arte”, s.l., Universidade Estácio de Sá, s.d. Disponivel em http://www.iar.unicamp. br/lab/luz/ld/Arquitetural/Museus/Copy%20of%20artigos/iluminacao_de_museus_ galeias_e_objetos_de_arte.pdf
RICO, Juan Carlos, Montaje de Exposiciones. Museos, Arquitectura, Arte, Madrid, Sílex, 2001. RICO, Juan Carlos, Museos, arquitectura, arte – Los espácios expositivos, Madrid, Silex, 1999. Recursos Electrónicos http://www.dicionarioglobal.com http://www.engenhariacivil.com http://www.icom-portugal.org http://www.igespar.pt/ http://www.priberam.pt
FELICI, James, The Complete Manual of Typography: A Guide to Setting Perfect Type, 2ª ed., Berkeley, Peachpit, 2012. FONTES, João Luís Inglês, «O Convento dos Capuchos: vida, memória, identidade» in O Convento dos Capuchos: vida, memória, identidade. Catálogo da Exposição, coord. João Luís Inglês Fontes, Almada, Câmara Municipal de Almada, 2013, pp. 17-209 FRANCO, Maria Ignez Mantovani, 3º Fórum Nacional de Museus Planejamento e organização de exposições Parte II”. Documento Digital, disponível em http://www.difusaocultural.ufrgs.br/admin/artigos/arquivos/ Planejamentoeorganizacaodeexposicoes2.pdf. Key Concepts of Museology, ed. André Desvallées e François Mairesse, s.l., Almand Colin, 2010. LAMEIRAS-CAMPAGNOLO, Maria Olímpia; CAMPAGNOLO, Henri, «Um exemplo de “linguagem mista” - A linguagem museal», Actas do IV Encontro Nacional de Museologia e Autarquias (Tondela, 29-31 de Outubro de 1993), Porto, Câmara Municipal de Tondela,1999, pp. 47-52. MINHOTA, António L. S., «Exposição – Victor Mestre “ao (per)correr (d)a vida», in Catálogo da exposição Victor Mestre “ao (per)correr (d)a vida, Casa da Cerca, Almada, Câmara Municipal de Almada, 2013, pp. 114 MUNARI, Bruno, Cómo nacen los objetos? Apuntes para una metodología proyectual, Barcelona, Edições Gustavo Gili, 2004. NEUFERT, Ernst, A arte de projectar em arquitectura, Barcelona, Edições Gustavo Gili, 1996. Fontes e Bibliografia
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É preciso ter humildade para deixar o projeto respirar, falar por si. Ter a criatividade para aguçar o que as palavras não conseguem dizer. Mas principalmente dominar o impulso artístico, para não desvincular o conteúdo. O nosso trabalho emerge, projetando os sentidos, completando o conceito, integrando o conjunto. O compasso bilateral, da vivência Capucha em paradoxo, com a monumentalidade arquitectónica. A textura, a luz e a sombra, a nobreza das formas, dos contrastes do monumento, a conviver com o despojar da matéria. São dois conceitos pulsantes, entre o edifício e os seus habitantes. A sobriedade latente, dominante, que trespassa todo o monumento, tem de estar presente no meio ou no instrumento que o representa. O presente catálogo foi impresso em papel Couche mate 220 gramas no formato de página 300x223mm.
Carla Soeiro,Velcrum Design
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