Horta Municipal

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editorial

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mais cosmopolita das cidades açorianas está em festa. Recorda o passado, que explica os seus contornos, e de olhos postos nos tempos vindouros, alvitra o presente com o ambicionado desejo de continuar a perspectivar o futuro, necessariamente de desenvolvimento, de inovação e de afirmação no contexto político, económico, social, desportivo e cultural. Neste mandato, já na sua segunda metade, temos prosseguido este desejo, que nada mais é do que o próprio reflexo do pulsar desta cidade, que a 4 de Julho de 2008, comemora os seus 175 anos de existência. Chegamos a este aniversário, com a consciência que os nossos compromissos para com os munícipes têm sido a nossa prioridade, e que as nossas palavras e acções são o reflexo de isso mesmo. No campo da modernização administrativa, provámos isso mesmo, com a reorganização de carreiras de trabalho, serviços e qualidade de atendimento, com a inauguração do Gabinete de Atendimento ao Munícipe. No sector económico, continuamos a defender a aposta no turismo e para esta área vital da nossa economia direccionamos grandes recursos, investindo na promoção do concelho e da ilha em bolsas de turismo e em salões náuticos, ao mesmo tempo que procurámos dinamizar o nosso artesanato, em diversos eventos e espaços, tais como a Ermida da Estrada da Caldeira. Ainda no plano económico, são incontáveis os esforços que temos empregue em parcerias com diversas instituições do concelho, tendo em vista a organização conjunta de eventos, dos quais destaco, as feiras comerciais, Festa do Mundo Rural, Semana do Mar ou Dezembro em Festa. E considerámos ainda que é preciso renovar as nossas áreas produtivas, diversificálas, pelo que em resposta a este desejo, inaugurámos o Centro de Empresas do Faial e avançamos em bom ritmo para o Centro Empresarial na Zona Industrial de Santa Bárbara. Na área do ambiente e dos serviços urbanos procurámos melhorar a rede de recolha de resíduos e aumentar a sua valorização, estendendo aos plásticos e às pilhas a recolha selectiva, que agora beneficia da nova Central de Triagem que no final do ano passado inaugurámos na Canada dos Arrendamentos. Podíamos enumerar tantos outros investimentos municipais determinantes para o desenvolvimento desta ilha, na persecução de um ideal de concelho e de cidade, de portas abertas para o mundo e de mãos dadas com o mar, potencial de expansão e de diversidade. Mas isso seria pedir muito para tão curto espaço de escrita. Apesar disso, permitam-me ainda que refira a importância estratégica do investimento de reordenamento e ampliação do Porto da Horta trará para o desenvolvimento da ilha do Faial. Um projecto para o qual depositamos amplas perspectivas, uma vez que na sua concretização estará implícita, em grande medida, a intervenção desejada para a “ frente mar ” da cidade da Horta. Temos consciência dos desafios que um projecto desta envergadura comporta, assim como reconhecemos o sacrifícios que

terão que ser colocados aos faialenses logo que as obras do saneamento básico se iniciem, ainda mais com o plano de urbanização da cidade da Horta recentemente aprovado pelo executivo municipal. Fica-nos a satisfação de, com estes investimentos, ganharmos um concelho novo, com uma cidade de futuro. Nos 175 anos de elevação da Horta de vila a cidade, damos à revista municipal um cunho diferente do habitual, tornando-a eminentemente comemorativa e perspectiva dos vários eventos que vão marcar este aniversário durante este mês de Julho. Nesta edição contamos ainda com uma colaboração especial de Monsenhor Júlio da Rosa, que faz uma resenha da Horta dos primeiros povoadores á Horta moderna, passando em revista os seus acontecimentos mais significativos e o património mais relevante que a torna tão característica. Os meus agradecimentos pela generosidade da sua colaboração, extensivos às entidades e personalidades que no dia 4 de Julho serão homenageados pela Câmara Municipal da Horta. Uma palavra também muito especial a todas as instituições e particulares, envolvidos nestas comemorações dos 175 anos da elevação da Horta a Cidade. Sem a participação do Governo Regional dos Açores, do Consulado Americano nos Açores, da Força Aérea Portuguesa, da Força Aérea Norte-Americana da Universidade dos Açores, da Azorean Maritime Heritage, do Clube Naval da Horta, de Grupos de Teatro, de Bandas Filarmónicas, Grupos de cantares, de Grupos Folclóricos, da comunicação social local e regional, entre muitos outros contributos individuais, não seria possível concretizar o vastíssimo programa apresentado. Parabéns a todos, parabéns “ mui leal ” cidade da Horta. O Presidente da Câmara Municipal da Horta

Ficha Técnica Edição Câmara Municipal da Horta | Coordenação, Planeamento e Redacção Gabinete de Apoio Pessoal ao Presidente Projecto Gráfico e Paginação Carla Dias | Fotografia Direitos Reservados | Impressão Gráfica “O Telegrapho” | Tiragem 5100 ex. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA


Horta 175 anos

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Este trabalho surgiu no âmbito de um protocolo assinado com a Universidade dos Açores através do Centro de Estudos Gaspar Frutuoso, que incluirá ainda a publicação de volumes incidindo sobre o “ Património cartográfico e artístico ” , “ O Património arquivístico ” e “ Estudos ” .

ssinalando os 175 anos de elevação de vila a cidade, decorreu no passado dia 1 de Julho, o lançamento do I volume do livro “ História da ilha do Faial – Património Histórico e Literário ” . Este projecto, simultaneamente um marco histórico para a ilha do Faial, procura dotar a ilha e o concelho de uma obra representativa da memória e da identidade das suas gentes e enriquecedora do seu património cultural.

Assembleia Municipal com novas instalações A inauguração das novas instalações da Assembleia Municipal da Horta marca as comemorações dos 175 anos de elevação da Horta de vila a cidade. Ocupando um edifício urbano de arquitectura doméstica, construído no início do século XX, no centro da cidade, a Assembleia passa a dispor de melhores condições para o trabalho realizado pelos vários grupos municipais. Este edifício de três pisos, sito à Rua Walter Bensaúde, é conhecido por antiga Casa dos Magistrados. 03

Horta Municipal | Horta 175 anos


Homenageados

Entidades e personalidades a homenagear em Sessão Solene por ocasião do

175.º Aniversário da Cidade da Horta ( 4 de Julho de 2008) des e personalidades que se destacam, pela sua acção, na vida do concelho.

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esde 1994 que a Câmara Municipal da Horta promove, no dia do seu aniversário, a homenagem pública, em sessão solene especialmente realizada para o efeito, a entida-

Neste sentido, por ocasião da passagem do 175.º aniversário da elevação da Horta de Vila a Cidade, realiza-se uma sessão solene no decorrer da qual, pelo significado da data, são homenageadas as entidades e personalidades que este ano merecem ser distinguidas pelo Município.

gear as seguintes entidades e personalidades pelos motivos que, sucintamente, se apresentam:

Nestes termos, a Câmara Municipal da Horta, reunida em sessão plenária, aos 12 dias do mês de Junho de 2008, decidiu homena-

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01 | Castelo Branco Sport Club

Pela passagem dos seus 75 anos ao serviço do desporto e da cultura.

02 | Casa de Infância de Santo António

Pela passagem dos seus 150 anos ao serviço da sociedade e do ensino no Faial.

03 | Estação Rádio Naval da Horta

Pela passagem dos seus 80 anos ao serviço da navegação marítima e aérea nos Açores.

04 | Grupo Coral da Horta

Pela passagem dos seus 25 anos de fundação ( Bodas de Prata ) .

05 | Sociedade Filarmónica Artista Faialense

Pela passagem dos seus 150 anos ao serviço da cultura na ilha do Faial.

06 | Teatro de Giz

Pela realização e envolvimento no trabalho

televisivo “ A Ilha de Arlequim ” .

07 | Unidade de Cuidados Intensivos do

Hospital da Horta

Pela qualidade e satisfação dos serviços prestados à população da ilha do Faial.

08 | Clife Gil Frias Pedro

Pela obtenção do segundo lugar na Taça de Portugal de Kayak em cadetes.

09 | Diogo Fialho Quadrado

Pela obtenção, em 2007, do 2.º lugar no Campeonato Nacional de Ensino, na categoria de iniciados, em Equitação.

10 | Rita Serpa

Pela obtenção do 2.º lugar na final da Taça de Portugal de Dressage, em 2007.

11 | Heraldo Gregório da Silva

Pelo seu contributo na divulgação da cultura açoriana na diáspora.

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12 | João Carlos Cardoso Pinheiro

Pela sua acção dinamizadora junto da comunidade portuguesa em New Bedford.

13 | José Faustino da Silva

Pelo seu papel dinamizador junto das comunidades faialenses emigradas nos Estados Unidos da América.

14 | José António de Matos Serra

Pela forma como, ao longo dos anos, tem promovido a ilha do Faial e os Açores no exercício da sua profissão.

15 | Lionel Bartholomew Goulart

Pelo apoio prestado a várias gerações de emigrantes açorianos e faialenses.

16 | Manuel Fernando Neto

Em reconhecimento da sua acção e intervenção no processo de geminação da Horta com a cidade irmã de New Bedford.

Horta Municipal | Homenageados


Horta 175 anos

232 anos da Independência da América comemorados no Faial

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s relações dos Estados Unidos da América com os Açores reflectem-se em mais de dois séculos de uma história comum, que se reporta aos primórdios da independência daquele país, cujo aniversário se comemora também a 4 de Julho. Assim, integrado nas comemorações dos 50 anos do Vulcão dos Capelinhos e no aniversário de elevação da Horta de vila a cidade, o Consulado Americano nos Açores festeja no Faial os 232 anos da independência dos Estados Unidos.

As comemorações têm início no dia 3 de Julho, pelas 14h00, com a doação de mais de 300 livros dos melhores escritores norte-americanos e uma secção de livros para estudantes das escolas primárias e secundárias à Biblioteca Pública João José da Graça, prolongando-se pelo dia 4 de Julho, na Praça da República, com a actuação da banda de jazz norteamericana “ The wings of Dixie ” , entre as 12h30 e as 14h00. “ T he Wings of Dixie ” é, na verdade, a única banda do género representando a Força Aérea Norteamericana na Europa, ostentando uma década de experiência musical e recheada de muitos e bons talentos.

O sonho eldorado

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m muitos momentos e épocas, a história de Portugal e dos Açores passou inevitavelmente pelos Estados Unidos, considerados a segunda pátria de várias gerações de povos insulares, que partiram em busca de melhores condições de vida e do velho sonho americano.

grande vaga de emigração portuguesa e açoriana para os Estados Unidos da América. Na verdade, a publicação do “ Azorean Refugee Act ” , em 1958, pelo Congresso norte-americano, foi a resposta esperada para famílias inteiras de desalojados pelo Vulcão, mas aproveitada por muitos outros portugueses que, ao longo das próximas duas décadas, trocaram Portugal pelos Estados Unidos.

O final do século XVIII marcou o primeiro surto emigratório dos Açores para a América do Norte, constituído por um núcleo reduzido de açorianos que se radica nas costas da Califórnia. Contudo, é no século XIX que o número de emigrantes aumenta consideravelmente, desta vez rumando à Costa Leste e concentrando-se na zona da Nova Inglaterra, onde se dedica, primeiramente, à caça à baleia.

Também nos Açores, a presença americana fez quase sempre parte da sua história, quer através da presença militar na base das Lajes, na ilha Terceira, quer através das companhias de cabo submarino, instaladas no Faial ou das suas estruturas consulares, espelhadas por São Miguel, Faial, Flores, São Jorge e Terceira.

Durante grande parte desse século, milhares de açorianos, motivados por um aumento demográfico nas ilhas e em busca de melhores condições de vida, rumam sobretudo à Califórnia e Nova Inglaterra.

No Faial, esta presença tornou-se ainda mais vincada pela importância que teve a Família Dabney para o desenvolvimento económico, social, desportivo e cultural da ilha.

Mas viria a ser a erupção dos Capelinhos, na ilha do Faial, em 1957, o principal motivo para a última Horta 175 anos | Horta Municipal

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175 anos Desembarque de povoadores flamengos Os faialenses poderão assistir ao desembarque, no areal de Porto Pim, da segunda leva de povoadores flamengos, composta, entre outros pelo primeiro capitão donatário Josse Van Huerter e sua esposa, D. Brites de Macedo, e pelo famoso físico e matemático, Martim da Boémia. No lote de viajantes encontram-se representações dos Silveira, Terra, Goulart, Bettencourt e outros, identificados pelos respectivos escudos brasonados e estandartes, e religiosos transportando uma imagem de Nossa Senhora das Angústias. No areal aguardam dezenas de colonos, entretanto desembarcados, e um grupo executando música medieval. Segue-se uma missa campal em honra de Nossa Senhora das Angústias e um cortejo processional entre a praia e a actual igreja.

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vocar o passado e as origens da ocupação da ilha do Faial há mais de cinco séculos por povoadores flamengos são motivos subjacentes ao projecto de reconstituição histórica, que a Câmara Municipal da Horta decidiu apoiar no contexto dos 175 anos de elevação da Horta de vila a cidade.

Assumindo claramente objectivos pedagógicos, a reconstituição histórica marcará estes 175 anos com a presença no Faial da Caravela Vera Cruz, réplica das antigas caravelas usadas pelos portugueses na Era dos Descobrimentos, e da Nau Vitória, réplica da nau que no princípio do século XVI circum-navegou pela primeira vez o globo terrestre.

Este projecto, que trará ao Faial nos próximos dias 10 e 11 de Julho mais de duas dezenas de figurantes, uma nau e caravela, vai ter cobertura em directo na RTP/ Açores, com transmissão assegurada na RTP/ Internacional.

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Horta Municipal | Horta 175 anos


História

A Horta na Cordilheira dos Tempos O Burgo Medieval ção intercontinental.

A Horta, inicialmente, surgiu de um pequeno burgo à ilharga do solar do Capitão-do-Donatário entre duas baías, o mais abrigado porto das ilhas, ora dos ventos do Sul, ora dos ventos Norte. Bem parecia um agrupamento medieval em volta de um castelo com as dimensões de mosteiro, com casa de oração, a Ermidinha da Santa Cruz; as ruas em paralelo: a Rua Direita, a Rua do Meio, a Rua Nova; e umas ruelas que se alcandoravam à ilharga dos cabeços, que abrigavam e defendiam o casario rústico, com o abrigo do Monte Queimado para as caravelas e as pequenas naus, que ficaram para carreiras comerciais entre Lisboa e a Flandres.

Se não há aqui o melhor, há, contudo, a marca indelével, do que se espraiou, do que nos trouxe a ressaca dos ventos da história e do que as ondas marítimas alargaram para outras praias, outras ilhas, outros continentes. E insistimos – a Horta, depois de toda a destruição dos sismos e do camartelo inconsciente e malvado dos homens, ainda hoje, se o quisermos, será de facto um pequeno álbum de memórias da Ilha e do Mundo, que por aqui andou à vela e a remo, a vapor e a combustível líquido, agora, para já, energia atómica e nuclear. Aqui se permutaram as civilizações e distribuíram as culturas, os homens de todas as raças, costumes e credos nesta Ilha se acotovelaram; e quiçá, se divertiram... Haja olhos para o ver no caleidoscópio da história...

Ainda não se esclareceu, porque motivo, Josse Van Huerter desembarcou a primeira vez no areal da Praia, em 1466, só com Flamengos. A expedição trazia má fé, má sorte, clandestina, ou apenas com as ordens da Duquesa de Borgonha, D. Isabel, tia do Rei de Portugal, D. Afonso V, irmã do Regente, D. Pedro, ou, quiçá, apenas do Donatário, o Duque de Viseu, D. Fernando, senhor do maior poderio e riqueza, que passou a carta de donataria: “Eu, o Duque, etc. A quantos esta carta virem, faço saber que por Jos de Utra cavaleiro da minha casa me foi mostrada uma carta assinada pelo Senhor Infante D. Fernando, meu muito amado e prezado pai que Santa Glória haja...”.

Sem pretendermos, porém, dar definições, ou fronteiras aqui desejamos fixar duas zonas da actual cidade, que foram bem definidas nos séculos XV e XVI e no século XVII, quando ainda era Vila de Horta. E este facto, ou melhor, estas imagens da Vila ainda hoje estão-nos patentes e bem definidas – a Vila Velha e a Vila Nova. Conservá-las e até dignificá-las, para não dizermos reconstituí-las em muita coisa que pode e deve voltar ao que era, é um imperativo que hoje se impõe ao nosso critério urbanístico e de ambiente, que pode e deve retratar a personalidade dum vulto, que ficou. É que as coisas também representam como as pessoas, também têm a sua genealogia, a sua personalidade, o seu fácies. Ia a dizer – a sua alma! A alma das coisas; diria Roberto Mesquita.

Mas, da segunda vez que Josse de Utra veio não à ilha, mas para a ilha do Faial, com carta de Donatário e todos os apetrechos para se estabelecer desembarcou no lugar certo e logo deu início ao Burgo Medieval, que no futuro se estenderia pela baía em anfiteatro, e viria a ser o eixo da navegação de Oeste e de Leste que ali faria refresco, repouso e divertimento. A Horta, ensaiou o primeiro pólo cosmopolita e comercial do mundo, permutando e contracenando navegadores, épicos, comerciantes, cientistas, emigrantes e turistas que os houve em todos os tempos. A meio do grande mar, o Atlântico, que se tornaria o Lago Português, a Horta marcou o ponto das linhas de navegação, das correntes marítimas e dos ventos, quando a navegação à vela, era uma ciência dos portugueses, com a invenção da caravela, o mais notável barco que dos fins da Idade Média, deu à navegação todos os recursos para navegar a favor ou contra os ventos.

Mas vamos a concretizá-lo: A arquitectura, abrigo do homem, tem, como ele, uma genealogia. Devendo corresponder às aspirações e às necessidades de uma época, isto é, às relações de produção de uma etapa histórica bem determinada, ela se estrutura para corresponder às funções precisas, segue a técnica alcançada até à época e emprega os materiais que o meio geográfico oferece e o engenho que a cultura da sociedade atingiu. Assim, podemos indicar um sem número de originais na planta típica de cada circunscrição territorial, em cada zona: Na Vila Velha, circunscrita à margem da ribeira, que vinha dos Flamengos, dando pelo nome de Ribeira de S. Salvador, Ribeira da Conceição, o povoado aninhava-se atrás de uma duna de areia, que o mar lançava de Inverno pelas costas. O casario baixo acobertava-se sob o Calvário, que mostrava a Matriz no alto, bem perto de Deus. Toda a construção rudimentar aflora com as respostas dadas às exigências de então – as portas de rolão, largas e abertas às pipas; os granéis à ilharga das casas solarengas para o trigo; as quintas para as culturas da laranja e do limão; as ruas estreitas, em xadrez, para a passagem do povo e das cavalgaduras, que transportavam os homens de negócio, os sacos e cestos e feixes de lenha. Os carros de bois gemiam e os vendedores de fruta, de pastel, de carvão, de estopas, de palhas, de calçado, de peneiras e celhas, trempes, loiça e telha berravam à porfia com o porteiro da Câmara e o porteiro do tribunal do Concelho aos cantos das ruas. Todos se ouviam.

Agora faltava no meio do mar fundo e tempestuoso uma arribada e um povo, que disfrutava da maior cultura medieval, povo que veio da cidade, que concentrava todo o comércio do Norte da Europa, que era o escrínio da arte da pintura, da música, da cultura, da mística e da escolástica – Bruges. A este povo e a esta ilha estavam reservados grandes destinos da história, outra Flandres, a Nova Flandres.

A Horta – a Vila Velha A Horta não é a esfinge dum século ou de uma época, é o álbum da história cíclica de vários períodos demarcados por zonas arquitectónicas sócio-culturais dos diferentes períodos, ainda não delimitados, da sua vida de burgo ilhéu, e até dos vários saltos da civiliza-

História | Horta Municipal

Os postigos das portas e os ralos das janelas abriam-se, caras e mãos estendidas, comércio, negócio, gargalhadas e vozes de

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mulheres, crianças e velhos...

cios, como o convento da Glória, o Carmo, o Colégio; sumptuosos solares de varandas corridas e largas cimalhas e ralos brasonados alguns; ermidas barrocas davam corpo e a roupagem variegada da Vila Nova.

A Vila Velha era um reduto de castelo medieval com as muralhas do mar e da ribeira e da torre de menagem da Matriz, a Praça dos torneios e pelourinho, e lago do Paul para o rapazio patinar...

Esta também chegou até nós. Embora grandes estragos lhe tenham feito, como, nos nossos dias ainda, o arco do Mercado, e este, simplesmente derrubado, o solar dos Bruns para dar lugar aos correios, contudo a Vila Nova está ainda bem definida.

Ela aí está. Saibamos amá-la e guardá-la para amanhã. É uma relíquia dos séculos XV e XVI.

Será uma honra para nós hortenses salvaguardar estes dois característicos redutos da nossa cidade, que marcam duas épocas, duas culturas, dois modus vivendi neste já velho burgo marítimo.

A Vila Nova

Os povos vivem nos seus monumentos.

A Vila Nova nasceu na época filipina, quando as Ilhas deram grande salto, depois com o ouro do Brasil.

Horta - a cidade contemporânea

A Vila fora grandemente destruída com as incursões estrangeiras, sobremodo franceses e ingleses de Mr. de Londres e do Conde de Essex, com 140 velas, que queimaram a Matriz, as igrejas da Conceição, Flamengos e Praia do Almoxarife, em 1597. A Vila ficara bastante arruinada e pobre de valores – pratas, loiças, mobílias, roupas e trastes tudo levaram.

Quando Pascal fala da sucessão dos homens como de um único homem que subsiste sempre e que aprende continuamente, exprime uma visão filosófica do espírito, confirmada pelo estado actual da civilização. Contudo, isso não implica de maneira alguma que o progresso se faça em marcha regular e uniforme. O decurso da história o confirma. Há hoje regiões da terra, mais de metade do globo, onde as sociedades nada mais aprenderam desde há milhares de anos, agarradas, como num ponto de paragem, a uma soma de progressos, que uma vez atingidos nunca mais foram ultrapassados. Assim viveram e vivem hoje, sem que fossem mais longe.

Corria Abril de 1600, quando chegou à Vila de Horta Jerónimo d’ Utra, reintegrado na Capitania pelo rei Filipe. Recebido entusiasticamente pelo povo que tinha saudades do seu Capitão Donatário, tomou logo a peito a reconstrução das igrejas, ainda cobertas de colmo, e o restauro da Vila. Sua Majestade ratificou o pedido por alvará de 5 de Fevereiro de 1601. Diz-nos Silveira Macedo – para não parecer tudo nosso – “pôs-se logo em arrematação a obra e arrematou-a Luiz de Lemos por 11.000 cruzados, em que depois, se soube ganhou cento por cento. (Foi sempre assim. Não é novidade o que se dá hoje com a reconstrução do Vulcão dos Capelinhos e sismo de 1980 na Terceira e São Jorge e o de 1998 no Faial).

Noutras, porém, através de muitas vicissitudes, os progressos nunca foram detidos. De mão em mão, o facho foi sempre levado de triunfo em triunfo. Assim, nesta pequenina Ilha do Faial, onde o factor geográfico, o porto influenciou sobremaneira nas relações culturais e nos progressos científicos com todo o mundo.

Continua Macedo: “Pretendeu-se ainda rescindir o contrato por lesão enorme, mas era já tarde, porque o arrematante tinha recebido o dinheiro todo e não tinha bens.

A Horta teve o seu gérmen de desenvolvimento, o obstáculo, o seu ponto de ralação na baía, que lhe deu riqueza, fama e progresso. Se os considerandos do Pe. Cordeiro, alegando – “que a insigne Vila da Horta excede muito em número, nobreza e riqueza dos moradores, a algumas Cidades de Portugal, e outros reinos” e o Capitão-Mor Jorge Goulart Pimentel, sugerindo, já na última metade do século XVII, a criação da cidade, ou o Bispo faialense, D. Frei Alexandre da Sagrada Família pedindo mesmo, em exposição a D. João VI, no Brasil, a elevação da Vila a cidade porque “tem muitas opulentas casas de negócio naturais e estrangeiras: as habitações da Nobreza e Comércio são, à competência, edificadas e mobiladas com decência e fausto...” se estes considerandos nada violentaram a criação da cidade, só elevada em 1833 a esta categoria, por D. Pedro IV; contudo, a cidade contemporânea que os Irmãos Bullar admiraram, nos dias do acontecimento, afirmando que “As casas da Horta têm certo ar de respeitabilidade que se não verifica, no mesmo grau nas outras ilhas”, a cidade contemporânea era realmente um apogeu de grandeza e fausto que o próprio D. Pedro IV constatou e Júlio de Castilho, governador civil da Horta em 1877, traçou o mais elogioso discurso dos ambientes das moradias apalaçadas e dos solares brasonados e opulentos, que ostentavam os mais clássicos e correctos elementos da arquitectura, construção e estética. Uma imagem que nunca foi captada, estudada e fixa para estudo e admiração das novas gerações, que alinhavam no frutuito e banal, quando o património urbanístico da cidade da Horta dá lições e originais modelos, embora a maior parte já desapareceu com as crises sísmicas e a demolição vandálica, que em muitos casos destruiu a identidade da cidade contemporânea: o palacete do Pilar,

Ficaram contudo as igrejas reedificadas muito mais elegantes e espaçosas. Achavam-se também deterioradas as muralhas e fortificações da Vila da Horta e para as reparar formulou novamente a Câmara com o corregedor um imposto sobre o vinho, o azeite e carne expostos... apesar das calamidades que a ilha do Faial tinha sofrido, já proveniente da guerra em que se tinha envolvido, já pela falta de cereais em três anos sucessivos de esterilidade, com tudo como a bahia da Horta é a sua principal fonte de riqueza, a ela afluíam continuamente navios nacionais e estrangeiros que a abasteciam do necessário para o seu consumo a troco de pastel cuja cultura progredia e de vinho que a ilha do Pico já produzia com abundância, deixavam muito dinheiro e géneros, com que o comércio começou a florescer animado pelos negociantes estrangeiros que nela se vinham estabelecer. Ao incremento da população seguiu-se a necessidade da construção de casas e de ultrapassar os limites da pequena vila, começando-se então a abrir novas ruas, que foram enchendo de casas, apresentando dentro em poucos anos um novo bairro que se começou a denominar a Vila Nova em oposição a Vila Velha” (Vol. I, pag. 118 e 119). O espaço de Vila Nova ficava alargado, até ao solar do Capitão Donatário, hoje Colégio dos Jesuítas. Uma nova estrutura arquitectónica, com largas ruas, grandes edifí-

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Horta Municipal | História


o solar dos Arriagas...

ro, voltado ao sol e ao mar.

Marcando sobremodo, com os altos edifícios monásticos e igrejas, a Horta vinculava uma arquitectura e urbanização que agora se estendia a toda a área da baía e marcava insólito progresso nas casas de negócio e nos solares de grande porte.

Muito de bom e marcante se pode ali fazer se se quiser criar a originalidade do projecto: a elegância das linhas, a independência e ostentação do edifício. A Horta está a criar uma cidade nova!

O terramoto de 1926 arruinou muitos destes edifícios, não falando no outro terramoto da época liberal, muito pior que este, em que simplesmente foram apeados e abandonados, até caírem muitos destes grandes monumentos, os conventos.

A Horta Moderna

Também o camartelo indomável dos arquitectos, que demoliram, o solar da Família Brum para dar lugar aos Correios; o solar do Morgado Terra para dar lugar ao Amor da Pátria, e outros valores arquitectónicos, contribuíram grandemente para a deformação da cidade contemporânea que se estendia, agora no século XIX e XX, até Porto-Pim.

Incontestavelmente, a Horta avançou outro tanto de comprimento e de projecto. Um renovado e original espaço para uma nova cidade, com arte, disciplina e identidade caminhando até à Canada dos Arrendamentos. Do antigo burgo medieval, com o templo histórico da Senhora das Angústias, onde se guardam os pergaminhos, os túmulos e as alfaias da capitania, parte novamente a gesta para o futuro. Agora a vila do senhor Huerter cresce para os lados do Porto-Pim, que aliciaram a primeira indústria e economia da ilha, o pastel, que deu grandes lucros à coroa. O Pasteleiro volta a dar nova imagem topográfica e endémica à cidade com a baía de porto Pim, a cortina de fortins. A Bombardeira, o Forte da Greta, o Reduto da Patrulha, o castelo de São Sebastião, o Monte das Cruzes, e a costa solarenga, recortada de arcos e piscinas de água salgada. A cidade vai tomar uma nova fisionomia, uma nova personalidade, um novo futuro. Para além dos Montes da senhora ficam agora novos padrões como a Escola aristotélica – o Liceu que os assenhorou de toda a juventude da ilha. Será a gestora dos cérebros, dos génios e das artes, para trazer um mundo novo aos modernos talentos que a ilha há-de produzir. Uma nova cidade para um povo com ideias, artes e letras, engenho e indústria.

Para esta parte da cidade chamamos a atenção de muitos edifícios, que ainda podem ser recuperados e situados na sua época e no seu estilo. É com prazer que vemos os proprietários de muitas casas a restaurá-las com brio e inteligência, dando à cidade do século passado a sua verdadeira fisionomia do século XVIII. O século XX brindou-nos a “arte deco” a arte nova, com os edifícios do “Amor da Pátria (1934) e a igreja da Conceição, que devia ter sido integrada no seu estilo original “arte deco” (1930); o edifício do hospital Walter Bensaúde (1911), hoje a restauro para a Reitoria do pólo universitário, o DOP; e outros edifícios: Pensão Infante D. Henrique, Rua Conselheiro Medeiros, n.º 1; a vivenda da família Lucas, na Rua Vasco da Gama; e outra ao lado da Praça da República “arte deco” (1926)... Não nos pode ficar esquecida a arquitectura colonial estrangeira, que veio dar à Horta uma matriz única no arquipélago: as vivendas luxuosas e salas de receber as celebridades no século XIX, que os Dabney nos legaram – os habitat do progresso radicados nas capitais da Europa e América, com os inventos: o piano, o cinema, o teatro: a “Bagatelle”, “The Cedars” “a Fredónia” e a colónia alemã, com uma arquitectura majestosa e opulenta; a colónia americana (Hotel Faial); os bangalow ingleses.

Não foi sem visão e talento que a cidade cresceu para o Sul com a mesma harmonia, elegância e equilíbrio. Os bairros das avenidas, das Angústias e da Horteco, o hospital e as outras estruturas comerciais, a zona industrial da cidade tiveram bom senso e a filosofia da construção, da arquitectura, do urbanismo e da estética para o ambiente em que se integram. Há elegância, proporção, enquadramento, Não se levantam arranha-céus, blocos megalíticos, momos ou máscaras. Harmonia, elegância e sensibilidade.

Igualmente, marcou a cidade da Horta, em todos os tempos do seu curriculum histórico, o porto, que foi sempre o seu pulmão respiratório, e ainda hoje é a sala de receber o iatismo mundial.

A Escola Manuel de Arriaga é um verdadeiro protótipo de estrutura académica. Esperamos que agora se criem, largos, parques, jardins, espaços de lazer e monumentos que aliciem a arte e marquem a história da ilha e do seu povo, que partiu dali há quinhentos anos e iniciou o futuro com um renovado movimento criador e um cunho emblemático da sua identidade.

Os monumentos que nos ficaram da história do porto são os armazéns da ulha ou carvão de pedra, que vinha da Inglaterra para fornecimento da navegação a vapor nos séculos XIX e XX. Bela ideia quando alguém sugeriu fazer o Museu Atlântico; de facto ali ficaria a documentação da navegação mundial, quando passou do Mediterrâneo ao Atlântico, complementares as oficinas das obras Públicas que se iniciaram com e para a construção do Porto.

Ninguém poderá imaginar o que será amanhã a histórica baía de Porto-Pim, o lago da cidade, a hipnotização e a magia que seduziu os flamengos: O futuro da miragem do ideal do passado, a moderna cidade da Horta tem um novo espaço. Saibamos construí-la na sua geografia e na sua etologia humana.

Mas agora estamos a levantar a cidade moderna, nos campos da zona de Santa Bárbara e Pasteleiro, cortada pelas colinas da Rádio e Posto Meteorológico. Para esta nova empresa urge génio e criatividade, para lhe dar originalidade e o interesse, o valor arquitectónico que então em épocas passadas se deu à urbe, que foi marcando três épocas diferentes na marcha histórica – a Vila Velha, a Vila Nova, a Cidade Contemporânea.

Monsenhor Júlio da Rosa

Estamos diante dum acontecimento que muito bem pode criar uma nova cidade, com novo estilo, arte e beleza; como pode engendrar um aleijão, um monstro de horrível aspecto. O lugar é o mais indicado pela segurança do solo e do sítio altanei-

História | Horta Municipal

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10h00 - Encontro Regional de Escolas de Vela 10h30 – Torneio de Voleibol Praia - Cidade da Horta

(Praia do Porto Pim)

18h00 – Abertura das Tasquinhas do Mercado Municipal 21h30 - XI Encontro de Música Tradicional do Concelho da Horta (Praça da República) 23h30 - Baile com o conjunto 2010 (Praça da República)

PROGRAMA Dia 01, Terça-feira | Julho 21h00 – Lançamento do I volume do livro “ História da ilha do Faial ” – Património Histórico e Literário (Salão Nobre dos Paços do Município)

Dia 06, Domingo | Julho 10h00 - Encontro regional de escolas de vela 10h30 - Torneio de Voleibol de Praia – Cidade da Horta (Praia do Porto Pim) 15h00 - IV Regata de Botes Baleeiros – Remo Masculino e Feminino (Baía da Horta) 17h00 – Chegada da Regata Horta-Velas-Horta (Baía da Horta)

15h00 - IV Regata Internacional de Botes Baleeiros (Baía da Horta)

Dia 03, Quinta-feira | Julho 09h30 – Visita às obras municipais e a obras realizadas no âmbito das Delegações de Competências 14h00 – Cerimónia de doação de uma colecção de livros à Biblioteca Pública e Arquivo Regional da Horta pelo Consulado dos Estados Unidos da América nos Açores nos Açores

18h00 – Abertura das Tasquinhas do Mercado Municipal 19h00 – Actuação Musical (Praça da República) 20h00 – Cerimónia de entrega de prémios do festival “ H orta cidade mar 175 anos ” (Clube Naval da Horta) 20h30 - Actuação do Grupo Folclórico da Feteira

Dia 04, Sexta-feira | Julho 09h30 – Içar das Bandeiras (Lg. Duque de Ávila e Bolama) 10h30 – Inauguração das novas instalações da Assembleia Municipal da Horta (antiga Casa dos Magistra-

22h30 – Actuação da Orquestra de Música Ligeira da CMH (Praça da República)

dos)

Comemoração dos 232 anos de independência dos EUA 12h30 – Concerto pela Banda da Força Aérea NorteAmericana “ Wings of Dixie ” (Praça da República) 18h00 – Abertura das Festas do Mercado Municipal 20h30 – Sessão Solene comemorativa do 175.º aniversário de elevação da Horta de vila a cidade (Salão Nobre da Câmara Municipal da Horta)

22h30 – Actuação do grupo Fanfarra (Praça da Repúbli-

(Praça da República)

21h00 - Serenata à cidade da Horta (Biblioteca Pública João José da Graça)

Dia 9, Quarta-feira | Julho

Assinala-se os 10 anos do sismo que abalou a ilha do Faial a 9 de Julho de 1998

(Programa em http://azores1998earthquake.org/acores_1998.html)

Recriação do Desembarque Flamengo Dia 10, Quinta-feira | Julho 10h00 - Visitas Guiadas à Caravela Vera Cruz e à Nau Vitória (Porto da Horta) 14h00 - Visitas guiadas à Caravela Vera Cruz e à Nau Vitória (Porto da Horta)

ca)

Dia 11, Sexta-feira | Julho 19h00 - Recriação do Desembarque Flamengo na Baia de Porto Pim (Portão do Porto Pim) 19h30 - Cortejo a pé até à igreja das Angústias

se)

Dia 13, Domingo | Julho 21h30 - Espectáculo musical “ Lula Pena ” de Cabo Verde (Teatro Faialense)

23h00 – Actuação do Grupo Folclórico e Etnográfico de Pedro Miguel (Praça da República) - chamarritas 23h30 – Baile comemorativo do 4th July (Teatro FaialenDia 05, Sábado | Julho 09h00 – Largada da Regata Horta-Velas-Horta



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