cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 1
13/07/2015 11:23:24
Casa da Mulher do Nordeste Rua Desembargador Brandão da Rocha, 87, Cordeiro, Recife/PE CEP: 50721-380 | 81 3426.0212 www.casadamulherdonordeste.org.br Produção de Texto Graciete Santos, coordenação da CMN Emanuela Castro (DRT-4060) Tatiane Faustino Pesquisa de Campo Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE/UAST Professoras Pesquisadoras Laetícia Jalil, Lorena Lima de Moraes e Anastácia Brandão de Melo Alunas bolsistas Leydiane de Oliveira Galdino, Áurea Palloma Bezerra Barbosa Véras e Ana Cáscia Leal Pesquisadora Michelly Aragão Guimarães Costa Pesquisa de campo Casa da Mulher do Nordeste Equipe técnica Eliane Vieira Rocha, Fabiana Oliveira Bezerra e Tatiane Faustino Edição de Texto Graciete Santos Emanuela Castro (DRT-4060) Correção Ortográfica Consultexto Projeto Gráfico e diagramação Via Design Fotografia Retrographie atelier de imagem Acervo da Casa da Mulher do Nordeste Gráfica Provisual Tiragem 2 mil
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 2
13/07/2015 11:23:24
Saberes, sabores e poesia
3
04 Apresentação 06 Conhecendo o bioma caatinga 08 A fala das mulheres sobre o bioma 10 As mulheres e a caatinga 13 Vamos aprender mais com suas experiências 16 Fogão agroecológico, uma tecnologia social, ambiental e feminista 18 O fogão agroecológico Passo a passo para a construção do fogão agroecológico 24 Os benefícios do fogão agroecológico 26 A farmácia viva das sertanejas 27 Cuidados que você deve ter ao usar um remédio feito com plantas 28 Plantas medicinais da caatinga Angico Umburana-de-cheiro Juazeiro Catingueira-branca Jatobá Aroeira Mandacaru 34 Saberes, sabores e poesia 35 Sabores Umbu Caju 38 Poesias Os valores da caatinga A caatinga é muito sábia 42 Glossário
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 3
13/07/2015 11:23:24
4
Mulheres na Caatinga
Apresentacao Nós mulheres costumamos dizer que temos um jeito próprio de fazer as coisas, de produzir conhecimentos juntas, de discutir muito nossos processos e de encontrar diferentes formas de convivência em nossa casa, em nossas organizações, no nosso cotidiano e nos diferentes contextos, a exemplo do Semiárido. Este caderno, Mulheres na Caatinga: sabores e saberes, expressa esse jeito, essa pedagogia feminista, partilhada com muitas mulheres catingueiras, pesquisadoras, experimentadoras e agricultoras. O que nos une é o feminismo em nossa vida, na luta por melhores dias, enfrentando o cotidiano difícil em nossa casa, na convivência com o Semiárido, o poder patriarcal e resistindo sempre, para mudar o mundo e mudar a nossa vida, na esperança de que um dia todas sejamos livres da opressão, da exploração e de todas as formas de violência. Essa construção é fruto da experiência do Projeto Mulheres na Caatinga, desenvolvido pela Casa da Mulher do Nordeste, com patrocínio da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental, e vivenciado com mais de 210 mulheres agricultoras experimentadoras em 12 municípios do sertão do Pajeú. O Projeto contou com a parceria da Universidade Federal Rural de Pernambuco através do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Práticas Agroecológicas (Neppas) e da Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú, além de contar com o apoio de outras organizações no território. O presente caderno é resultado de um esforço conjunto de muitas de nós, na tentativa de sintetizar a riqueza do processo de vivências, de saberes e de sabores da Caatinga. Vamos aprender muitas coisas com as mulheres do sertão do Pajeú, conhecer mais a Caatinga, através das suas experiências e dos seus conhecimentos, entender a
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 4
13/07/2015 11:23:25
Saberes, sabores e poesia
5
importância desse bioma na vida delas e valorizar o bem viver com suas lições de vida em favor de um planeta mais humano e conectado com a natureza. Vamos descobrir como vivem as mulheres na Caatinga, suas estratégias para superar as dificuldades cotidianas e a convivência nos períodos de longas estiagens. Vamos aprender com suas práticas agroecológicas nos quintais, seus conhecimentos no manejo sustentável e no cuidado com o bioma. Através dos seus saberes e sabores, vamos conhecer receitas para nossa segurança alimentar e nutricional. Também vamos acompanhar o passo a passo da construção do fogão agroecológico, tecnologia social desenvolvida no contexto do Projeto Mulheres na Caatinga, que pretende contribuir para a diminuição do desmatamento da Caatinga e para a economia doméstica, além de provocar a discussão sobre a divisão sexual do trabalho nas famílias. Vamos trazer a riqueza da biodiversidade do bioma Caatinga através da experiência das mulheres com a “farmácia viva” em seus quintais. O angico, a catingueira, o juazeiro, a iburana-de-cheiro, seu uso e suas propriedades para a saúde ambiental e das pessoas. E com muita sabedoria e poesia oferecemos a vocês uma leitura proveitosa terminando com um verso da poetisa Maria do Socorro da Silva Nascimento, conhecida por Côca. Como o mandacaru, permanecemos de pé. A estiagem pode ser longa, mas grande é nossa fé. Não devemos nos desesperar. Devemos, sim, nos organizar pra enfrentar o que vier. Boa leitura! Boa semeia! Bons frutos! Graciete Santos Coordenação Geral da Casa da Mulher do Nordeste
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 5
13/07/2015 11:23:25
6
Mulheres na Caatinga
Conhecendo o Bioma Caatinga O Brasil possui seis regiões naturais diferentes, chamadas de biomas: a Amazônia, a Mata Atlântica, o Cerrado, o Pantanal, os Pampas e a Caatinga. Falaremos aqui especialmente sobre a Caatinga, também conhecida como Sertão Nordestino, que se manifesta na maior parte do Nordeste brasileiro. Suas principais características são o clima semiárido, a baixa umidade relativa do ar e as altas temperaturas. Em tupi-guarani significa mata branca, devido ao aspecto de sua vegetação em época de seca, quando as plantas perdem as folhas e os galhos ficam acinzentados. A Caatinga é o único bioma totalmente brasileiro, isto é, o único domínio florestal que não divide espaço com nenhum outro país. Isso quer dizer que algumas características regionais desse bioma não são encontradas em nenhum outro lugar do planeta. Significa, então, que a nossa responsabilidade de cuidar desse patrimônio é grande, que devemos ser especialmente comprometidas/os com ele, pois existem poucos remanescentes de Caatinga preservados e muitas de suas espécies estão ameaçadas de extinção. O bioma Caatinga é, hoje, patrimônio ecológico da humanidade. Ao comparar a nossa Caatinga com outras regiões semiáridas do mundo, percebemos que ela também é a mais rica em biodiversidade, apresentando alto grau de espécies únicas. Abriga um terço de espécies endêmicas exclusivamente brasileiras, ou seja, elas só existem neste
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 6
13/07/2015 11:23:26
Saberes, sabores e poesia
7
território. De forma geral, a vegetação é formada por arbustos; árvores baixas, retorcidas e cheias de espinhos; ou cactos, todos adaptados ao clima quente e seco. Aprender a conviver com esse bioma é construir um novo mundo diminuindo os impactos ambientais que, por anos, fizeram parte desse território, como a formação de grandes latifúndios para a criação de gado; desmatamentos para formar pastagens e implantar indústrias; exploração irregular de recursos hídricos, de combustíveis fósseis; e projetos de irrigação e drenagem executados sem critério, que provocam a salinização do solo ou o assoreamento dos açudes. Suscetível a estiagens prolongadas, a Caatinga tem lenta capacidade de recuperação e, por isso, torna-se um ecossistema frágil à pressão humana, especialmente quando a fragilidade ambiental está associada à pobreza da população que nele reside. Direcionamos nossas lentes para o interior de Pernambuco, bem no Sertão do Pajeú, região semiárida composta por dezessete municípios. Numa área de 8.778 km², mulheres organizadas vivem e replicam práticas de preservação e recuperação; são exemplo de convivência com o meio ambiente, principalmente no cuidado com esse bioma; e proporcionam um enorme serviço ao planeta e à humanidade. Para as mulheres, a Caatinga é a fonte insubstituível de madeira, alimentos, fitoterápicos e elementos para a confecção de artesanatos. Uma questão essencial para a vida na Caatinga é a água. A pouca disponibilidade, em decorrência das prolongadas estiagens, comuns às zonas semiáridas, resulta em uma relação de dependência direta da utilização desse recurso natural, e para isso é preciso aprender a conviver com o Semiárido e exercitar a estocagem, princípio fundamental dessa convivência. Estocar água e sementes para enfrentar os períodos de escassez. A prática da Agroecologia é nossa saída. Vamos aprender com a experiência de algumas mulheres a seguir.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 7
13/07/2015 11:23:26
8
8
Mulheres na Caatinga
A fala das mulheres sobre o Bioma As agricultoras Gilvaneide Gomes, 49 anos, e Maria Aparecida Gomes, de 46 anos, reproduzem há anos uma prática de armazenamento de sementes que aprenderam com seus pais e herdaram de seus avós. Essa experiência é contada e vivida no Quilombo Feijão, no município de Mirandiba, em Pernambuco. “Essas sementes vêm dos mais velhos, eles selecionavam as melhores e guardavam para o ano seguinte”, diz dona Gilvaneide ao descrever as sementes crioulas, que se trata da reprodução de sementes nativas sem modificação genética, garantindo a originalidade e a qualidade. “As mais antigas daqui são de feijão-canapu e bastião, que existem desde o final da década de 1960, muito antes de eu nascer”, completa. Na comunidade de Cachoeira do João, São José do Egito, Sertão de Pernambuco, dona de um sorriso largo e uma garra característica da mulher sertaneja, Aparecida não desanimou nesses últimos anos de estiagem, e seu quintal continuou produzindo frutas, hortaliças e ervas medicinais. A água necessária vem de um poço amazonas e chega até as plantas através de um sistema de microaspersão implantado pela Casa da Mulher do Nordeste (CMN). “O açude secou, e hoje a água é pouca, mas a gente economiza. Acessamos um recurso do fundo rotativo da Associação e estamos ampliando o espaço do quintal. Vamos plantar ainda mais”, comemora com entusiasmo.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 8
13/07/2015 11:23:28
PAMPAS
Saberes, sabores e poesia
9
PANTANAL
CAATINGA BRASIL POSSUI 6 REGIÕES NATURAIS BIOMAS
CERRADO
CLIMA SEMIÁRIDO
ALTAS TEMPERATURAS
MATA ATLÂNTICA AMAZÔNIA
CAATINGA
REGIÃO SEMIÁRIDA 17 MUNICÍPIOS
BAIXA UMIDADE EM TUPI SIGNIFICA = MATA BRANCA
REGIÃO SERTÃO DO PAJEÚ
CAATINGA BIOMA TOTALMENTE BRASILEIRO PATRIMÔNIO ECOLÓGICO DA HUMANIDADE
RICA EM BIODIVERSIDADE
MULHERES ORGANIZADAS VIVEM E REPLICAM PRÁTICAS DE CONSERVAÇÃO E RECUPERAÇÃO DESSAS ÁREAS
ULHERES PARA AS M
VEGETAÇÃO, ARBUSTOS, ÁRVORES BAIXAS, RETORCIDAS, CACTOS
ÍVEL INSUBSTITU É A FONTE A G N S, TI A TO A CA A, ALIMEN DE MADEIR PICOS E NA Á R TE FITO SANATO. D O E ARTE CONFECÇÃ
CAATINGA SEDE POR ÁGUA
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 9
PRÁTICA AGROECOLÓGICA LONGAS ESTIAGENS; MANEJO SUSTENTÁVEL DAS PLANTAS NATIVAS;
É PRECISO CONVIVER COM O SEMIÁRIDO
VALORIZAÇÃO DA PRODUÇÃO DOS QUINTAIS E DO TRABALHO DAS MULHERES
GARANTIR A BIODIVERSIDADE; EXERCITAR A ESTOCAGEM DE ÁGUAS E SEMENTES
13/07/2015 11:23:29
10
Mulheres na Caatinga
As Mulheres e a Caatinga A vida das mulheres na Caatinga é marcada por muito trabalho, muitas lutas, dificuldades e também muitos conhecimentos. Como foi comentado, o bioma Caatinga está ameaçado por todo um contexto social, econômico, ambiental e político desfavorável à sua existência e preservação.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 10
13/07/2015 11:23:33
Saberes, sabores e poesia
11
À luz das experiências na região do Pajeú, em Pernambuco, destacamos a importância do papel das mulheres na convivência com o bioma Caatinga, desempenhando uma função fundamental no manejo sustentável e no cuidado com esse bioma. Através das suas práticas agroecológicas nos quintais — com a plantação de hortaliças e fruteiras; a criação de animais pequenos, como as galinhas; e o beneficiamento das frutas — contribuem para a segurança alimentar e nutricional e para a geração de renda de suas famílias. Na divisão do trabalho na agricultura familiar, são as mulheres as responsáveis pelo trabalho do cuidado com a casa, com a produção de alimentos, com as crianças, com a gestão da água e do trabalho na roça, com os animais, com a produção do artesanato e com a comercialização, contribuindo também para o sustento da família. Nesse contexto, faz-se necessário transformar as práticas tradicionais de divisão sexual do trabalho na família, no sentido de uma divisão mais justa e igualitária entre homens e mulheres, minimizando a sobrecarga de trabalho das mulheres. É na estreita relação entre o espaço privado da casa e de seu arredor, nos quintais ou terreiros, que as mulheres desenvolvem sua produção econômica, garantem a segurança alimentar de suas famílias e exercitam sua participação política no espaço público. Essa relação de proximidade entre o espaço privado da casa e o espaço público vivenciada pelas mulheres parece contribuir para a construção de uma visão bem mais sistêmica e complexa da natureza. Mas será que só as mulheres devem ser as responsáveis por esse importante trabalho?
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 11
13/07/2015 11:23:36
12
Mulheres na Caatinga
As mulheres em luta acham que não, os homens também devem participar. Porém, a realidade é bem mais complexa, pois se vive ainda em uma sociedade patriarcal, ou seja, o poder masculino decide e comanda, e as desigualdades de gênero (relações de poder entre homens e mulheres) impõem muitas desvantagens para as mulheres. Um bom exemplo é a longa jornada de trabalho das mulheres, responsáveis pelas tarefas domésticas, pelo trabalho do cuidado com as crianças, da reprodução, além do trabalho da produção, da agricultura, do beneficiamento, da comercialização, da participação em espaços de representação política. Muito trabalho para as mulheres, pouco prestígio e muito pouco tempo para si, para cuidar de sua saúde, do seu lazer. Essa situação causa injustiças, e precisamos superá-las. O desafio é grande, e a luta é também dos homens, das mulheres, das organizações, dos movimentos e de toda a sociedade. As mulheres têm contribuído muito com suas experiências agroecológicas nos quintais produtivos, no beneficiamento de frutas e na preservação do bioma Caatinga através do manejo sustentável das plantas nativas e da conservação da biodiversidade nos quintais diversificados, nos bancos de sementes e nos viveiros de mudas. Elas estão contribuindo para a recuperação de áreas degradadas da vegetação da Caatinga, assim como têm exercido um papel fundamental como guardiãs de sementes crioulas e espécies nativas desse bioma, como vimos nas histórias das mulheres da comunidade de Feijão, em Pernambuco, e de outras mulheres.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 12
13/07/2015 11:23:39
Saberes, sabores e poesia
13
Vamos aprender mais com suas experiencias A experiência do projeto Mulheres na Caatinga — desenvolvido pela Casa da Mulher do Nordeste, com a participação de muitas mulheres agricultoras, em parceria com a Universidade Federal Rural de Pernambuco, através do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Práticas Agroecológicas do Semiárido (Neppas/Uast), a Rede de Mulheres do Pajeú e outras organizações — está mudando o cenário da região. A agricultora Cláudia Maranhão, que reside no Sítio Lagoa de Jurema, do município de Itapetim, participante do projeto, traz a sua experiência de quintal produtivo como um grande aliado para a preservação do bioma Caatinga. Nesse contexto, ela destaca as práticas agroecológicas adotadas no seu quintal produtivo — com uma grande diversidade de culturas, como plantas adubadeiras e forrageiras —: o plantio de fruteiras e hortaliças, a criação de pequenos animais, o manejo sustentável das plantas nativas, o reflorestamento, a conservação da biodiversidade e a preservação das sementes crioulas. Cláudia destaca que a segurança alimentar da família e dos animais é garantida em uma porcentagem de 80%, sem desmatar ou queimar a Caatinga, unindo sustentabilidade e preservação, o que torna sua propriedade em um verdadeiro oásis no Sertão, um exemplo de convivência com o Semiárido. Além de cuidar da propriedade, Cláudia participa do Grupo Mulheres Agricultoras da comunidade de São Pedro, em São José do Egito, e integra a Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú. Para ela, esse espaço de participação contribui para o aprimoramento de conhecimento, que é essencial para o fortalecimento das atividades que desenvolve, principalmente enquanto mulher. Como demonstram os relatos, as mulheres vêm desempenhando um papel importante na sustentabilidade da vida; portanto, devem ser reconhecidas como sujeitos produtores de conhecimentos, capazes de contribuir com mudanças de práticas e atitudes —, seja nas relações familiares, seja nas comunidades —, e organizadas para a incidência política em favor de um modelo ambientalmente sustentável e agroecológico que garanta a permanência no campo das futuras gerações e da conservação do bioma Caatinga. Enfim, um modelo economicamente justo e igualitário para mulheres e homens.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 13
13/07/2015 11:23:40
14
Mulheres na Caatinga
A agricultora Maria José Pereira da Rocha, 34 anos, residente na comunidade de São Miguel, em São José do Egito, já produziu cerca de 2.500 mudas de espécies nativas para o plantio. Segundo ela, a produção das mudas nativas é importante, pois causa um sentimento de preservação da vida, mobiliza a juventude e a comunidade para um olhar de preservação sobre a Caatinga:
“Eu sinto muito prazer em produzir e também doar mudas que estão em extinção para outras pessoas de outras comunidades poderem plantar. Tudo a gente tira da mata, lenha, madeira, casca para fazer remédios, alimentos para os animais e frutas para consumo de casa. Se não existisse a Caatinga, seria como não ter água”. As principais espécies produzidas por ela são o angico-vermelho, o pau-de-arco-roxo e amarelo, o mulungu e a aroeira. A produção de mudas nativas é vista como um instrumento de educação ambiental, de geração de renda para as mulheres, de acesso a tecnologias adaptadas, além de gerar conhecimento e preservar a vida da Caatinga. Nesse sentido, as mulheres são as maiores responsáveis pela coleta e queima de lenha para o processamento de alimentos tanto para o consumo da família quanto para a comercialização nas feiras e nos mercados locais, como fonte geradora de renda familiar. Portanto, elas se constituem em sujeitos fundamentais para uma ação transformadora do manejo da Caatinga para fins de produção de madeira para lenha e energia. Nessa construção, o Mulheres na Caatinga tem apoiado a implementação de uma tecnologia social, sustentável ambientalmente, que são os fogões agroecológicos, construídos e utilizados por algumas mulheres na região. Essa tecnologia tem diminuído o desmatamento da Caatinga. Agora vamos aprender com as mulheres a experiência da construção dos fogões agroecológicos, seu sentido e sua importância.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 14
13/07/2015 11:23:41
MUITO TRABALHO PARA AS MULHERES MUITOS CONHECIMENTOS
MANEJO DA CAATINGA
"TUDO A GENTE TIRA DA MATA, MADEIRA, CASCA PRA FAZER REMÉDIO, ALIMENTOS PARA OS ANIMAIS,FRUTAS PARA COMER. SE NÃO EXISTIR A CAATINGA SERÁ COMO NÃO TER ÁGUA.”
CONTRIBUINDO COM A BIODIVERSIDADE
FIM DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES
TEMOS QUE ACABAR COM O PATRIARCADO
MULHERES EM LUTA DIVISÃO DOS TRABALHOS EM CASA COM OS HOMENS DIVISÃO JUSTA E IGUALITÁRIA ENTRE HOMENS E MULHERES
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 15
13/07/2015 11:23:42
16
Mulheres na Caatinga
Fogao Agroecologico, uma tecnologia social, ambiental e feminista O fogão a lenha é uma tradição antiga nas cozinhas brasileiras e ainda está presente nas casas no campo. Os modelos de fogão a lenha para preparação de alimentos são, na sua maioria, antigos e rústicos, baseados em tecnologias ineficientes e poluidoras, e, consequentemente, causam grandes danos à saúde humana e ambiental de forma permanente e acumulativa.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 16
13/07/2015 11:23:45
Saberes, sabores e poesia
17
A lenha constitui mais de 80% da matriz energética utilizada para a preparação de alimentos das famílias da Caatinga. Para amenizar o seu uso, o projeto Mulheres na Caatinga construiu 210 fogões agroecológicos na região do Sertão do Pajeú. Mas, além do benefício para o meio ambiente, também queremos que os fogões agroecológicos beneficiem a vida das mulheres e provoquem mudanças na divisão dos trabalhos em casa. Queremos que os homens usem o fogão para cozinhar para a sua família, que ajudem também na limpeza e na conservação da casa. Queremos que os homens ocupem a cozinha da sua casa. Nesse contexto, destacamos a necessidade de transformar as práticas tradicionais em uma divisão mais justa e igualitária entre homens e mulheres. Essa forma de ser gera uma sobrecarga para as mulheres, que assumem o trabalho de cuidado da roça, dos animais e dos grupos de comercialização e de artesanato. As mulheres, através da experimentação, vão construindo novas estratégias de enfrentar a realidade. Vejamos sua participação na construção dos fogões agroecológicos. Primeiramente foi trazido o fogão a lenha ecofogão, originado de Minas Gerais e que já vinha pronto. Os ecofogões foram testados e avaliados pelas mulheres. A partir dessa avaliação, de que era uma tecnologia patenteada, que não podia ser reproduzida, buscou-se conhecer outras tecnologias a partir da oficina de edificação de fogões, com a Assessoria e Gestão em Estudos da Natureza, Desenvolvimento Humano e Agroecologia (Agendha). Foi partindo dessa experiência que chegamos ao seu modelo atual, denominado fogão agroecológico. Essa tecnologia é fruto, principalmente, do olhar e da vivência das agricultoras, que passaram a usar o fogão e foram indicando formas para aprimorá-lo, adaptando-o às suas necessidades.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 17
13/07/2015 11:23:46
18
Mulheres na Caatinga
O Fogao agroecologico O processo de construção dos fogões agroecológicos foi feito através de uma metodologia multiplicadora, na qual agricultoras e agricultores participaram das oficinas nas comunidades e multiplicaram o conhecimento adquirido na construção dos fogões. Cada fogão agroecológico possui as seguintes dimensões: 1,60 cm de comprimento x 55 cm de largura x 80 cm de altura, em tijolo comum aparente, com uma chapa de ferro mineira de duas bocas, além de um forno de ferro fundido de 40 cm x 40 cm x 40 cm, revestido de tijolo comum aparente e com uma chaminé de ferro galvanizado de 3 pol com 2 m de altura. Passo a passo para a construção do fogão agroecológico 1º Passo: Organização dos materiais para a construção do fogão agroecológico. É importante que todos os materiais estejam próximo ao local da construção.
Materiais
Ferramentas
200 unidades de tijolo comum
1 bucha ou espuma de pedreiro
1 chapa de ferro mineira de duas bocas 1 forno de ferro fundido 40 cm x 40 cm 1 chaminé de ferro galvanizado de 3 pol com 2 m de altura
1 cano ou joelho de 40 mm para fazer o acabamento 1 colher de pedreiro 1 prumo
20 latas de areia grossa
1 trena ou metro
1 saco de cimento de 50 kg
1 lata de 20 l
1 unidade de cola durepox média
1 linha de náilon
8 latas de barro saibro
1 régua
50 cm de fio de arame liso
Nível de madeira
2 unidades de barras de ferro de 17 cm com espessura de 6,3 cm
Desempoladeira
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 18
13/07/2015 11:23:47
Saberes, sabores e poesia
19
2º Passo: Juntamente com a mulher, escolha do local O fogão deve ser construído dentro da cozinha, em um local abrigado da luz do Sol. Deve ser aproveitada uma parede em formato de L. Devem-se vedar as bordas do forno com a cola durepox, exceto na porta do forno, antes de iniciar a construção do fogão agroecológico.
3º Passo: Construção da caixa do fogão O fogão agroecológico possui as seguintes dimensões: 1,60 cm de comprimento x 55 cm de largura x 80 cm de altura. Nivele o espaço para iniciar a construção. Precisa-se de 1,60 cm de comprimento x 55 cm de largura. Prepare a massa para assentar os tijolos. Junte sete latas de 20 l de saibro para 1/2 saco (25 kg) de cimento, coloque água suficiente até encontrar o ponto da massa e faça um traçado. Assente os tijolos fazendo um L. Levante a caixa do fogão com a parede com altura de 80 cm de altura. Uma recomendação importante: assente os tijolos com cuidado para não sujar muito. O acabamento ficará mais bonito. 4º Passo: Enchimento da caixa do fogão Agora, preencha com as 20 latas de areia. A areia é o material mais recomendado para o preenchimento, pois ela retém mais o calor.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 19
13/07/2015 11:23:52
20
Mulheres na Caatinga
Encha de areia até deixar 20 cm de altura. Essa etapa deve ser realizada com cuidado. Como as paredes são feitas no mesmo dia e ainda não haverão secado, coloque a areia com baldes sem que eles toquem nas paredes, para não quebrá-las.
5º Passo: Construção da base de sustentação do fogão agroecológico Monte a base do fogão com três fiadas de tijolos sobre a areia (não é necessário utilizar massa). Com a ajuda de um martelo, bata nos tijolos devagar para melhor encaixe. Na arrumação, é importante que os tijolos fiquem bem ajeitados e não sobre espaços na areia.
6º Passo: Construção da base de sustentação da câmara de combustão O fogão tem uma parede divisória — que vai separar a câmara de combustão do forno — inicialmente construída com duas fiadas de tijolos. Monte as paredes da câmara de combustão com os tijolos formando duas fiadas, uma de cada lado, deixando uma saída para a fumaça. Na parede que divide a câmara de combustão do forno, deve ser construída uma rampa com dois tijolos. Cave um pouco e encaixe os tijolos na areia. Passe uma camada fina da massa utilizada para subir as paredes apenas para fazer um leve rejunte na câmara de combustão e nas rampas.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 20
13/07/2015 11:24:00
Saberes, sabores e poesia
21
A boca do fogão é onde se colocam as lenhas e ficará então com 16 cm de largura e 10 cm de altura. Construa a boca do fogão fazendo uma rampa com dois tijolos. Cave um pouco e encaixe os tijolos na areia. Os materiais, aliados ao desenho mais estreito da cavidade para a lenha, funcionam como isolantes térmicos naturais, ajudando a reter o calor por mais tempo.
7º Passo: Construção das paredes para encaixar o forno Inicialmente, preencha com areia o espaço onde será colocado o forno até a altura da rampa (é importante não pilar a areia). Faça da mesma forma próximo à boca do fogão. Em seguida, preencha esse espaço com os tijolos deitados e encaixados na areia. Para assentá-los, comece pelo lado do balcão do fogão. Coloque os tijolos um ao lado do outro respeitando seu comprimento. Agora é subir a parede para assentar o forno. São necessárias duas paredes paralelas com 60 cm de distância pela parte de fora e 53 cm de altura. Encaixe o forno deixando um espaço de 5 cm de todos os lados, para a circulação da fumaça quente no entorno do forno, que o fará esquentar. Feche a caixa nas laterais com pequenos pedaços de tijolos e faça o acabamento com a mesma massa usada para subir as paredes.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 21
13/07/2015 11:24:12
22
Mulheres na Caatinga
Para o fechamento do forno, na parte de cima é importante colocar uma grade (de geladeira ou fogão a gás já usada) ou folha de zinco prevendo um espaço para assentar a manilha da chaminé. Para o acabamento da parte de cima da caixa do forno, coloque tijolos deitados em cima da grade em seguida utilize a massa aplicada para subir as paredes e faça uma camada fina formando uma base reta.
8º Passo: Colocação da chaminé Coloque a chaminé de ferro galvanizado de 3 pol com 2 m de altura no recanto da parede próximo ao forno. Depois, com a ajuda do fio de arame liso, amarre a chaminé no caibro do telhado.
9º Passo: Fixação da chapa de ferro Agora é hora de assentar a chapa de ferro mineira de duas bocas que vai ficar em cima da câmara de combustão respeitando o espaçamento de16 cm de largura e 10 cm de altura para colocação da lenha. Inicie colocando uma camada de massa nas duas laterais da câmara de combustão. Assente a chapa de ferro colocando um pouco de massa na ponta que fica na saída para fumaça.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 22
13/07/2015 11:24:23
Saberes, sabores e poesia
23
10º Passo: Acabamento do fogão agroecológico Passe uma camada de massa de cimento e areia na base do fogão e espalhe com a ajuda da colher. Passe a desempoladeira para ajudar no acabamento. Em seguida, utilize a régua de pedreiro para tirar o excesso de massa. Com a ajuda do nível, verifique se a mesa do fogão está por igual e nivelada. Para deixar a mesa do fogão mais fácil de limpar, junte 1/2 kg de cimento com 1 l de água. Mexa fazendo uma calda de cimento e passe sobre a mesa do fogão, sempre deixando em nível. Agora é hora de limpar as paredes do fogão passando uma esponja úmida para retirar o excesso do cimento. Após 3 dias, lixe o fogão e retire o excesso de poeira com a ajuda do pincel ou da esponja. Em seguida, passe uma demão de verniz para deixar o fogão mais bonito além de torná-lo mais fácil de limpar e com melhor conservação.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 23
Está pronto agora. Espere 3 dias para acender o primeiro fogo, assim diminuirão os riscos de rachaduras e quebraduras da base do fogão.
Valor do fogão: R$ 500,00
13/07/2015 11:24:34
24
Mulheres na Caatinga
Os beneficios do fogao agroecologico A alta eficiência energética do fogão agroecológico se torna possível com o uso de lenha secundária como: gravetos finos, sabugos de milho e cascas de árvore como combustível, materiais que podem ser encontrados nos quintais produtivos das casas, onde as mulheres fazem seus plantios e a criação de pequenos animais. A lenha mais fina possibilita também o manejo ao redor da casa, diminuindo os impactos ambientais no bioma Caatinga. Durante reuniões grupais com as mulheres participantes do projeto Mulheres na Caatinga para avaliação da tecnologia e seu desempenho, em geral declararam uma boa aceitação da tecnologia pela economia de lenha e de gás, pela redução de 70% de fumaça dentro da casa, por terem chaminés de melhor concepção e pela beleza. Evidenciaram que o ambiente da cozinha está mais limpo, com paredes claras e limpas, bem como há uma redução do trabalho da mulher pela diminuição do carvão nas panelas e principalmente na caminhada pela busca da lenha gerando uma melhora na saúde e maior consciência ambiental.
“Meu maior prazer em relação ao fogão agroecológico é a economia e renda que vem gerando aqui em casa. Eu faço muito bolo e doce para entregar ao Programa de Aquisição de Alimentos, então não preciso mais utilizar o gás para cozinhar. Através do meu fogão agroecológico, estou mostrando aos meus vizinhos a importância da preservação da Caatinga, fazendo o uso racional da lenha. Eles me visitam para conhecer a tecnologia e multiplicar essa ideia”. Maria Suely, agricultora da comunidade de Bom Sucesso – Ingazeira/PE
“O que eu mais gostei no fogão agroecológico é que ele é uma tecnologia sustentável, eficiente, econômica e não despeja fumaça dentro de casa. As longas caminhadas para buscar lenha agora se limitam a visitas ao meu quintal, onde recolho pequenos galhos que caem das árvores, gravetos, podas e restos de madeira. Com o fogão agroecológico não tenho mais que desmatar a Caatinga para conseguir lenha. Hoje estou ciente da preservação da Caatinga, que tem várias utilidades na minha vida, como por exemplo: tratamentos medicinais, alimentação para os animais, ar puro e beleza para nosso sertão.” Silvana Faustino, agricultora da comunidade de Umburanas – Afogados da Ingazeira/PE.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 24
13/07/2015 11:24:35
Saberes, sabores e poesia
25
HOMENS OCUPANDO A COZINHA DA SUA CASA
FAZENDO O TRABALHO DOMÉSTICO
BLÁ, BLÁ, BLÁ...
BLÁ, BLÁ, BLÁ...
FOI CONSTRUÍDO 210 FOGÕES NA REGIÃO É MUITO BOM! NÃO DESMATA A CAATINGA SÓ USA GALHOS QUE ENCONTRAMOS AO REDOR DE CASA NÃO TEM FUMAÇA MANTÉM O CALOR POR MUITAS HORAS É UMA ECONOMIA!
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 25
13/07/2015 11:24:36
26
Mulheres na Caatinga
A farmacia viva das Sertanejas O uso de plantas medicinais da Caatinga é uma das práticas mais antigas utilizadas pelas mulheres. É tão antiga quanto a própria existência dos seres humanos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou, na década de 1990, que cerca de 70% das pessoas que vivem em países em desenvolvimento dependiam de plantas medicinais como sendo a única maneira de cuidar da saúde. No Sertão do Pajeú, a medicina popular é fruto da mistura de saberes de diversos grupos indígenas que povoavam essa região. Com destaque para os tapuias-cariris, que habitavam largas porções do Agreste e do Sertão, e também para os povos das comunidades tradicionais quilombolas e os colonizadores portugueses. Então, podemos dizer que a maioria das formas de uso das plantas medicinais usadas no Sertão do Pajeú é resultado da interação de pessoas de diferentes culturas.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 26
13/07/2015 11:24:40
Saberes, sabores e poesia
27
Cuidados que voce deve ter ao usar um remedio feito com plantas Muitas pessoas têm a crença de que, por estar tomando um remédio à base de plantas da Caatinga, não pode sofrer nenhum mal, já que é algo vindo da natureza. Mas isso não é verdade. O preparo e o uso errado de um remédio caseiro podem trazer complicações e efeitos colaterais. A agricultora e agente de saúde comunitária Maria da Neves, do Grupo de Mulheres Renascer, da comunidade de Açude da Porta, do município de São José do Egito, explica que uma mesma planta pode ser utilizada para diferentes enfermidades. É importante não fazer uso delas sem a devida orientação médica ou de alguma rezadeira ou raizeiros, como são conhecidos na região. “Sempre que for preparar um remédio caseiro, utilize água limpa e tratada para evitar contaminação durante o preparo. Além disso, é importante usar sempre partes sadias das plantas, isto é, que não estejam contaminadas ou doentes, e na quantidade indicada. Devemos coletar essas plantas, folhas, cascas, sementes, flores, raízes e cascas sem prejudicar também suas propriedades e o seu desenvolvimento, de forma que elas estejam sempre disponíveis na Caatinga”, orientou.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 27
13/07/2015 11:24:42
28
Mulheres na Caatinga
Plantas medicinais da Caatinga Este levantamento foi realizado pelas mulheres participantes do projeto Mulheres na Caatinga nas oficinas temáticas sobre o bioma Caatinga e a Agroecologia. O levantamento das plantas medicinais utilizadas pelas mulheres tem o fim de registrar e preservar o conhecimento popular. A metodologia usada foi a de caminhada pela Caatinga e reconhecimento das mulheres para coleta de flores, folhas, galhos, cascas e raízes, e depois o conhecimento foi socializado em uma roda de diálogo, trazendo suas observações e receitas sobre o uso medicinal das plantas desse bioma. Os conhecimentos sobre a utilização e as receitas das plantas medicinais provêm, em geral, do repasse de mãe para filhas e dos saberes dos mais velhos. Verifica-se a importância da Caatinga na vida das mulheres e da população local. As informações abaixo se referem às indicações terapêuticas e às formas de uso mais frequentes de algumas espécies utilizadas pelas mulheres. Geralmente utilizam partes das plantas (raízes, cascas do caule, folhas, flores, frutos e sementes) na preparação dos remédios caseiros ou do mato, como são popularmente chamados. As formas de preparo dos remédios caseiros — como lambedor (xarope caseiro), chás por cocção e infusão, macerados em água, banhos de assento e compressas — foram as mais diversas possível. As indicações medicinais foram recomendadas de acordo com o relato dos conhecimentos populares e empíricos, verificando-se que as mulheres utilizam a fitoterapia como forma de prevenção e cura de muitas doenças. 1º | Angico (Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan) É utilizado para estancar pequenas hemorragias e no tratamento de pequenos cortes. Essa planta também é utilizada no tratamento de doenças respiratórias, como bronquite asmática, tosse e inflamações no pulmão. O xarope natural pode ser preparado em casa, desde que se sigam as recomendações abaixo.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 28
13/07/2015 11:24:42
Saberes, sabores e poesia
Ingredientes 1 pedaço de entrecasca de angico 1 1/2 litro de água 1/2 kg de rapadura Modo de usar Tome três colheres por dia até aliviarem os sintomas. Indicação Serve para o tratamento de doenças respiratórias, como bronquite asmática, tosse e inflamações no pulmão.
29
Modo de preparo Primeiramente, desfie a entrecasca do angico. Depois junte-o com a água e deixe cozinhar em fogo baixo por cerca de 10 minutos. Em seguida, acrescente a rapadura (previamente picada) e mantenha no fogo até que derreta e cozinhe. Feito isso, espere esfriar e coe com um pano limpo. Guarde o xarope pronto em um pote de vidro limpo e com tampa. Mantenha guardado na geladeira.
2º | Umburana-de-cheiro (Amburana cearensis (Allemão) A. C. Sm.) Na medicina popular das mulheres, também é conhecida como imburana-de-cheiro, por exalar um cheiro muito agradável. É usada no tratamento de problemas respiratórios — a exemplo de bronquite, asma, sinusite, gripe e resfriado — e como expectorante. A fruta serve para gripe e asma; e as folhas, para combater inflamações. É rica em vitamina C; por isso, é ótima para prevenir a gripe e curar tosse. Para a saúde da mulher tem grande valia no tratamento da tensão pré-menstrual e combate os sintomas da menopausa. É excelente para curar infecção intestinal e má digestão. Veja a receita abaixo. Ingredientes 7 sementes de umburana-decheiro torradas 600 ml de água potável Modo de usar Tome três copos de (200 ml) durante o dia até aliviarem os sintomas. Indicação Serve para curar infecção intestinal e má digestão.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 29
Modo de preparo Coloque as 7 sementes da umburana-de-cheiro em uma panela para torrar (pois crua, ela arde), sempre mexendo para não queimar. Quando as sementes dão um estalinho na casca, já estão prontas para serem descascadas. Para fazer uma xícara de chá, ferva a água por alguns minutos junto com as 7 sementes já torradas. Pode tomar com ou sem açúcar.
13/07/2015 11:24:42
30
Mulheres na Caatinga
3° | Juazeiro (Ziziphus joazeiro Mart.) Chamado carinhosamente pelas mulheres de juá, essa planta tem um grande significado na vida das sertanejas. São utilizadas as cascas e as folhas do juazeiro para aliviar alguns problemas respiratórios, como, por exemplo, gripe e tosse. Mas apenas a casca é usada como anti-inflamatório. É anticaspa e um ótimo tonificante para os cabelos; da sua tintura, é possível fazer sabonetes fitoterápicos. A raspa do caule serve para escovar os dentes. Como extrair o pó da casca do juazeiro para escovar os dentes? Ingredientes Raspas da entrecasca do juá
Indicação Seve para higiene bucal.
Modo de usar Friccione o pó nos dentes, com o auxílio de uma escova molhada. Para melhorar o sabor amargo do juá, podem-se juntar partes iguais de pó de folhas secas de hortelã rasteiro ou alecrim-pimenta.
Modo de preparo Coloque a entrecasca do juá para secar bem e triture com o auxílio de um moinho, liquidificador ou pilão.
4º | Catingueira-branca (Caesalpinia pyramidalis - Leguminosae: Caesalpinioideae) A agricultora Rita da Silva Fortunato, 50 anos, residente na comunidade de Poço Redondo, do município de Tabira, traz seu conhecimento tradicional, em especial sobre o uso desta planta — a catingueira. “Ela serve para vários tratamentos. A flor serve para fazer chá para resfriado. A casca serve para fazer cozimento para tratar infecção intestinal e hemorroidas. As folhas servem para fazer xarope para reumatismo”, conta. Em especial, destaca o uso da flor para controlar o calor da menopausa, e a receita é a seguinte: Ingredientes 200 gr da flor desidratada da catingueira 1 l de água limpa e potável Modo de usar Tome três copos americanos (200 ml) ao dia
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 30
Indicação Serve para diminuir o calor da menopausa. Modo de preparo Coloque as flores dentro da água por 1 dia e deixe descansar. Depois, é só coar, colocar em uma garrafa limpa e conservar na geladeira.
13/07/2015 11:24:42
Saberes, sabores e poesia
31
5º | Jatobá (Hymenaea courbaril) Medicinalmente, seus frutos são utilizados no fabrico de remédios para tosse, gripe, bronquite e outros problemas respiratórios, além de dor de cabeça, gastrite e anemia. Da casca, é feito o chá para dores em geral; funciona também como calmante e anti-inflamatório, além de auxiliar no tratamento da depressão e da próstata. A casca de jatobá serve para cicatrizar feridas, pois ela possui propriedades antibacterianas e anti-inflamatórias que facilitam a cicatrização e evitam a infecção. Ingredientes 2 colheres (de sopa) de casca de jatobá 1 l de água Modo de usar Uso interno: tome 1/2 copo americano por dia. Uso externo: molhe uma bola de algodão nesse chá e aplique sobre a ferida, deixando atuar de 15 a 20 minutos. Indicação Cicatrizante de ferimentos e antiinflamatório.
Modo de preparo Coloque as cascas devidamente limpas em uma panela juntamente com a água e deixe ferver por 15 minutos. Depois deixe esfriar, em seguida coe e beba. O chá pode também ser utilizado para lavar as feridas, pois vai ajudar na cicatrização. Basta molhar uma bola de algodão nesse chá e aplicar sobre a ferida, deixando atuar de 15 a 20 minutos.
6º | Aroeira (Schinus molle) Essa planta da Caatinga é uma das mais citadas e conhecidas entre as mulheres agricultoras. É muito utilizada devido às suas propriedades terapêuticas anti-inflamatórias e principalmente cicatrizantes. As mulheres utilizam as cascas dessa planta para diversos tipos de inflamação, como, por exemplo, na garganta, no útero e no ovário, e também para curar ferimentos e doenças na pele. A aroeira é um excelente remédio caseiro e natural para a infecção vaginal. Veja, abaixo, a receita desse chá.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 31
13/07/2015 11:24:42
32
Mulheres na Caatinga
Ingredientes 1 l de água fervente 100 g de casca de aroeira Modo de usar Esse chá pode ser utilizado para lavar a região genital e pode se tomar três vezes ao dia - 100 ml (meio copo).
Indicação Serve para tratar infecção vaginal Modo de preparo Coloque os dois ingredientes em uma panela e deixe ferver por cerca de 5 minutos. Tape, deixe amornar e coe.
7º | Mandacaru (Cereus peruvianus) Consagrado como símbolo do Nordeste, é um dos cactos brasileiros de maior porte, com ampla distribuição em todo o Semiárido. Na Caatinga, é um indicador de proximidade da estação chuvosa, imortalizado na voz do rei do baião, Luiz Gonzaga, que cantou os versos: “Mandacaru quando ‘fulora’ na seca É o sinal que a chuva chega no sertão Toda menina que enjoa da boneca É sinal que o amor já chegou no coração.” Tem grande valia medicinal, a água encontrada no seu caule é usada para inflamação gastrointestinal e doenças renais e serve também para amenizar dores na coluna. Ingredientes 1 l de água fria e limpa 4 rodelas de mandacaru 3 pés de quebra-pedra da variedade roxa. Modo de usar Tome três copos americanos (200 ml) por dia até amenizar ou curar o problema.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 32
Indicação Serve para tratar dores na coluna. Modo de preparo Pegue a água fria, coloque nela as 4 rodelas de mandacaru e os 3 pés de quebra-pedra roxo. Deixe descansar por 1 dia na geladeira, depois coe e armazene em uma garrafa de vidro limpa.
13/07/2015 11:24:43
Saberes, sabores e poesia
NO SERTÃO, A MEDICINA POPULAR É FRUTO DA MISTURA DE SABERES E DIVERSOS GRUPOS INDÍGENAS QUE POVOAVAM ESTA REGIÃO, COMO:
33
PLANTA MEDICINAL = CUIDAR DA SAÚDE
TAPUIAS-CARIRIS
QUILOMBOLAS
USO DAS PLANTAS MEDICINAIS
COLONIZADORES PORTUGUESES
CUIDADOS NO USO DAS PLANTAS MEDICINAIS:
UTILIZE SEMPRE ÁGUA LIMPA E TRATADA NO PREPARO DO REMÉDIO
NÃO FAZER USO DELAS SEM ORIENTAÇÃO MÉDICA OU DE REZADEIRA OU RAIZEIROS
UMBURANA DE CHEIRO: SERVE PARA PROBLEMAS RESPIRATÓRIOS, COMO GRIPE E SINUSITE. E PARA AS MULHERES É USADA NO TRATAMENTO DE TPM E COMBATE AOS SINTOMAS DA MENOPAUSA
COLETAR PLANTAS, FOLHAS, SEMENTES, CASCAS, FLORES E RAÍZES SEM PREJUDICAR O DESENVOLVIMENTO DO BIOMA CAATINGA
USAR PARTES SADIAS DAS PLANTAS
AS MULHERES USAM A FITOTERAPIA COMO FORMA DE PREVENÇÃO E CURA DE MUITAS DOENÇAS
MANDACARU: É USADA PARA INFLAMAÇÃO GASTROINTESTINAIS E DOENÇAS RENAIS, SERVE TAMBÉM PARA AMENIZAR DORES NA COLUNA
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 33
13/07/2015 11:24:44
34
Mulheres na Caatinga
Saberes, Sabores e Poesia Como vimos até aqui, a construção do conhecimento desenvolvido pelas mulheres parte de seu olhar, de sua experiência, do seu lugar do mundo. Esse lugar reservado às mulheres foi construído ao longo da história e pela cultura. Vivemos em uma cultura patriarcal, que parte da ideia de que quem tem o conhecimento são os homens, e eles é que fazem ciência. A ciência é o conhecimento que pode ser comprovado por meio de pesquisas produzidas por cientistas. Esse conhecimento é muito valorizado pela sociedade e é, em sua grande maioria, produzido pelos homens, porque existem poucas mulheres que são reconhecidas como cientistas. Concluímos então que o conhecimento popular, ou seja, aquele que não é comprovado cientificamente, produzido na experimentação empírica, não tem valor pela ciência. Embora isso, sabemos que muitas mulheres e homens que estão nas universidades acreditam nesse conhecimento popular e têm
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 34
13/07/2015 11:24:48
Saberes, sabores e poesia
35
valorizado estudos e pesquisas nesse campo. A Agroecologia é uma ciência que valoriza o conhecimento popular e, por isso, nos identificamos com ela. Portanto, é muito importante a valorização do saber das mulheres, construído no seu cotidiano, muitos aprendidos com a mãe, as avós e vizinhas. São experimentações em seus quintais, dentro de casa e na troca com a vizinhança. O conhecimento das mulheres está baseado em três lógicas muito importantes: • A diversificação e relação entre as coisas: a biodiversidade encontrada nos quintais das mulheres. • A relação do saber com as necessidades da vida: afeto, nutrição, higiene, saúde, felicidade. • A paciência da construção: o respeito aos tempos da semeia, do cuidado e da colheita. Por isso, os conhecimentos das mulheres estão tão próximos à segurança alimentar e em torno do espaço da reprodução. São saberes relacionados com a sobrevivência e a existência da humanidade.
Sabores Essa sabedoria das mulheres na produção do alimento foi construindo uma ideia na sociedade de que são as mulheres as responsáveis por essa importante tarefa. Por isso precisamos envolver os homens e jovens nessa atividade. A experimentação na produção do alimento é, para as mulheres, uma oportunidade de vivenciar o aprender fazendo, testando e descobrindo novas formas e receitas que são trocadas e passadas para outras mulheres. O resultado é um vasto cardápio, rico em variedade e nutrição, oriundo da Caatinga. Esses conhecimentos estão aqui compartilhados através da sabedoria de mulheres em suas receitas de suco, polpa e bolo.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 35
13/07/2015 11:24:48
36
Mulheres na Caatinga
É no interior do Brasil que se guardam muitos sabores que a maioria das pessoas dos grandes centros urbanos desconhece. São castanhas, frutos, frutas, geleias, polpas, carnes e bebidas de sabores marcantes que representam a cultura e o modo de se alimentar de um povo, que simplesmente só são encontrados em biomas específicos, a exemplo da Caatinga.
Umbu Entre tantos sabores, destacamos algumas receitas características da região do Sertão do Pajeú, entre elas a produção de polpa com os frutos exóticos, a exemplo do fruto do umbuzeiro, o umbu — também conhecido como imbu. O nome vem do tupi-guarani, ymb-u, que significa árvore que dá de beber. Pode ser consumido in natura, em uma boa umbuzada ou então ser transformado em polpa para melhor ser aproveitado no ano inteiro. Um bom exemplo de aproveitamento dessa riqueza está no grupo de mulheres Caravana da Esperança, da comunidade de Ipueira, do município de São José do Egito. Esse grupo é uma organização que conta com 36 agricultoras que encontraram no
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 36
13/07/2015 11:24:51
Saberes, sabores e poesia
37
umbuzeiro uma das fontes de renda. Elas produzem polpas a partir do umbu, feitas em processo totalmente agroecológico. O Caravana da Esperança ensina como fazer uma deliciosa umbuzada a partir da polpa do umbu. Receita de umbuzada Ingredientes 1 kg de polpa de umbu já processada e congelada 3 l de leite 1 kg de açúcar
Modo de preparo Bata todos os ingredientes aos poucos no liquidificador por 10 minutos e já está pronta para servir.
Caju O fruto do caju destaca-se pelo alto valor nutritivo, principalmente em relação ao teor de vitamina C. Segundo os nutricionistas, o fruto do caju é rico em cálcio, fósforo, vitamina A, complexo B, potássio e ferro, fortalecendo assim o sistema imunológico e combatendo o estresse. A castanha-de-caju aumenta os níveis de HDL, o bom colesterol, protegendo o coração e proporcionando uma vida mais saudável.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 37
13/07/2015 11:24:52
38
Mulheres na Caatinga
Receita de bolo de fubá com castanha-de-caju Ingredientes 1 ½ xícara de manteiga em temperatura ambiente; 2 xícaras de açúcar 3 xícaras de castanha-de-caju triturada 2 colheres (chá) de essência de baunilha 6 ovos Raspa da casca de 4 limões Suco de 1 limão 1 ½ xícara de fubá 1 ½ colher (chá) de fermento em pó 1 pitada de sal Manteiga e farinha de trigo para untar e polvilhar Modo de fazer Preaqueça o forno a 180 °C (temperatura média). Unte uma assadeira retangular de 25 cm x 30 cm com manteiga e
polvilhe farinha. Reserve. Na tigela, coloque a manteiga e o açúcar. Misture até obter uma mistura fofa e bem clara. Acrescente as castanhas trituradas, a essência de baunilha e os ovos, um a um, e continue mexendo. Adicione as raspas e o suco de limão, o fubá, o fermento e o sal. Mexa até ficar homogênea. Transfira a massa para a assadeira untada e leve ao forno para assar por 45 minutos. Para verificar o ponto do bolo, espete um palito na massa. Se sair limpo, está pronto. Desligue o forno, retire o bolo e deixe esfriar. Corte o bolo em quadradinhos, arrume-os numa travessa e polvilhe com açúcar de confeiteiro.
Poesias A microrregião do Pajeú tem como expressões culturais o cordel, o pífano, o reisado, o xaxado, o samba de coco, a música, os caretas, que valorizam tradições culturais de Triunfo, e os tabaqueiros de Afogados da Ingazeira. Uma das principais expressões culturais da região é a poesia popular, que traz elementos do imaginário sertanejo ou que declama a riqueza da cultura pernambucana e de sua vivência cotidiana, que é transformada em alimento para a alma. Essas expressões deram a fama ao Sertão do Pajeú de Berço da Poesia. São diversos os nomes de poetas, poetisas, repentistas declamadores e de pessoas admiradoras dessa arte.
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 38
13/07/2015 11:24:54
Saberes, sabores e poesia
39
Os valores da Caatinga Poesia escrita por Maria do Socorro Silva Nascimento, conhecida por Côca. Agricultora do Assentamento Carnaúba do Ajudante, em Serra Talhada/PE. Os valores da Caatinga Não se podem expressar Só as palavras não falam Os prazeres que tem lá Dá-me uma certa emoção Alegra o meu coração Quando começo a pensar
É muito lindo de se ver A Caatinga se movimentando Você fica abismado Dizendo: estão dançando Mas estão agradecendo Com aquele movimento Dizendo: nós superamos
Quando a chuva não vem Mesmo assim não é o fim A Caatinga é resistente Cada dia ensina a mim A passar aquela prova Mas a alma se renova Dizendo vou resistir
Existem muitas belezas Que não dá para expressar É preciso você mesmo Ir lá para verificar Mas vá com convicção Que quem visita meu Sertão Com certeza quer voltar
Muitas lições de vida Da Caatinga nós tiramos Igual ao imbuzeiro Água nós armazenamos Precisamos nos organizar Assim como o croatá Semente nós guardamos
Se não temos uma varanda iluminada Nós temos um céu inteiro Se não temos um jardim Temos a Caatinga com flor e cheiro Podemos não ter piscinas Mas temos rio que convida A tomar banho verdadeiro
Como o mandacaru, permanecemos de pé A estiagem pode ser longa Mas grande é nossa fé Não devemos nos desesperar Devemos, sim, nos organizar Pra enfrentar o que vier
Não quero com minhas palavras Desprezar o seu lazer Mas temos aqui valores Que temos que defender O canto do sabiá O galo-de-campina a cantar Como é lindo o seu saber
Mas o tempo sempre muda Como dizem as estações A estiagem vai embora Quando vê chuva no chão As árvores voltam a florir Muito contentes a sorrir Como é grande a emoção
E com os barreiros cheios Também surgem indagações Como é que esse sapo Faz espuma sem sabão É coisa da natureza Grande é sua beleza Coisa boa é meu Sertão
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 39
13/07/2015 11:24:54
40
Mulheres na Caatinga
A Caatinga é muito sábia Poesia escrita por Elenilda Bezerra do Amaral, 28 anos. Natural de Tavares, Paraíba, atualmente reside em Afogados da Ingazeira, Sertão do Pajeú. Cresceu ao som da viola e incentivada pelo pai, que é poeta repentista. É professora, poetisa de bancada, declamadora e glosadora. Também ministra oficinas de cordel e literatura. A Caatinga é muito sábia Em todas suas escolhas Pra se proteger da seca As plantas ficam zarolhas Algumas guardam a água E outras perdem as folhas Eu admiro a jurema Quando sua flor se cria O seu colorido branco Vem transmitir calmaria Parece mais uma noiva Na passarela do dia O pé de umbu também É majestoso e valente Dá sombra, fruto e beleza Essa planta é diferente Na batata guarda água Debaixo da terra quente O juazeiro também Demonstra sabedoria Sua sombra acolhedora A qualquer hora do dia Compensa a falta de polpa Da sua fruta vazia Nossa flora e nossa fauna São nosso maior tesouro Cuidemos do que é nosso Para um futuro vindouro A Caatinga é nossa joia Mais valiosa que ouro
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 40
13/07/2015 11:24:58
Saberes, sabores e poesia
O CONHECIMENTO POPULAR NÃO É VALORIZADO PELA CIÊNCIA
SABERES CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO:
MULHER
OLHAR
41
EXPERIÊNCIA A AGROECOLOGIA É UMA CIÊNCIA QUE VALORIZA O CONHECIMENTO POPULAR
POR ISSO É IMPORTANTE VALORIZAR O CONHECIMENTO DAS MULHERES
EXPERIMENTAÇÕES EM SEUS QUINTAIS
DENTRO DE CASA
TROCA COM A VIZINHA
SABORES SABEDORIA DAS MULHERES NA PRODUÇÃO DOS ALIMENTOS
É IMPORTANTE ENVOLVER OS HOMENS E OS JOVENS NESTA TAREFA VARIEDADE E NUTRIÇÃO DA CAATINGA
POESIA
O PAJEÚ É O BERÇO DA POESIA
AS MULHERES TAMBÉM SÃO PRODUTORAS DESSA CULTURA/EXPRESSÃO CULTURAL
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 41
OS VALORES DA CAATINGA NÃO SE PODEM EXPRESSAR SÓ AS PALAVRAS NÃO FALAM OS PRAZERES QUE TEM LÁ DÁ-ME UMA CERTA EMOÇÃO ALEGRA O MEU CORAÇÃO QUANDO COMEÇO A PENSAR
13/07/2015 11:24:59
42
Mulheres na Caatinga
Glossario Nome popular
Nome científico
Indicação
Modo de uso
Parte da planta utilizada
Abacate
Persea americana Mill.
Problema nos rins
Fazer chá
Folha, semente, fruto
Diabetes Queda de cabelo
Colocar de molho e beber Amassar e passar no cabelo
Abóbora
Cucurbita pepo L.
Dor de ouvido
Aplicar no local
Flor
Alfavaca
Ocimum campechianum Mill.
Verme
Fazer suco
Folha
Conjuntivite
Cozinhar e lavar o local com a água
Alecrim-de-caboco
Croton zehtneri Pax e Hoffm.
Sinusite
Colocar de molho e lavar a cabeça com a água
Alecrim-do-mato
Lippia thymoides
Sinusite
Cozinhar e inalar o chá Folha
Folha
Lavar a cabeça com a água Alho
Allium sativum L.
Inflamação na garganta
Fazer chá
Dente de alho
Ameixa
Ximenia americana L.
Ferida
Raspar e aplicar no local
Casca
Problema no útero
Tomar banho de assento Fazer chá
Andu
Cajanus cajan (L.) Mill. Ferimento Câncer de útero
Colocar de molho e lavar o local
Folha
Tomar banho de assento Angico
Aroeira-mansa
Anadenanthera colubrina
Tosse
Fazer lambedor
Gripe
Botar de molho para beber
Myracrodruon urundeuva
Dor de dente
Colocar de molho e tomar banho de assento
Cicatrizante Infecção urinária Queimadura Problema no útero e nos ovários
Casca
Casca, folha
Cozinhar e aplicar no local
Ferida Arruda
Ruta graveolens L.
Cólica
Fazer chá
Folha
Fazer xarope
Extrato do miolo, folha
Pisar e comer
Batata
Dor de ouvido Babosa
Aloe vera (L.) Burm
Queda de cabelo Hemorroida Gastrite
Batata-de-purga
Operculina macrocarpa (Linn) Urb.
Corrimento vaginal Febre pós-parto
Fazer chá
Batata-inglesa
Solanum tuberosum L. Gastrite
Fazer suco
Batata
Berinjela
Solanum melongena L. Colesterol alto
Botar de molho e beber
Fruto
Boldo
Peumus boldus Mol.
Fazer chá
Folha
Braúna/baraúna
Schinopsis brasiliensis Problemas urogenitais
Tomar banho de assento
Casca, folha
Cabacinha
Luffa operculata (L.) Cogn.
Dor de barriga de animal Catarro de animal
Pisar e dar para o animal comer
Batata
Cabeça-de-negro
Apodanthera congestiflora
Catarro de animal
Pisar e dar para o animal comer
Batata
Cajueiro-vermelho
Anacardium occidentalle
Cicatrizante Corrimento Problema no útero
Colocar de molho e lavar o local
Casca
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 42
Prisão de ventre Problema no fígado
Tomar banho de assento
13/07/2015 11:24:59
Saberes, sabores e poesia
Nome popular
Nome científico
Indicação
Modo de uso
Parte da planta utilizada
Camapu
Physalis angulata L
Facilitar parto de ovelha
Comer
Fruto, ramo
Cana-de-açúcar
Saccharum officinarum
Pressão alta
Fazer chá
Folha
Canela
Cinnamomum zeylanicum Blume
Fraqueza
Fazer chá
Casca
Capim-santo
Cymbopogon citratus
Pressão alta
Fazer chá
Folha
Carne
Pereskia aculeata
Inflamação
Colocar de molho e tomar banho de assento
Folha
Fazer chá
Raiz, folha
Ferimentos Câncer de útero Carro-santo
Argemone mexicana L. Tosse Gripe
43
Fazer lambedor
Abortivo Catinga-branca
Croton conduplicatus
Cicatrizante Problema no fígado
Colocar de molho e Casca, gema aplicar a água no local Fazer chá
Caesalpinia pyramidalis Tul
Gripe
Fazer chá
Flor
Catolé
Syagrus cearensis
Tosse seca
Fazer lambedor
Semente
Cedro
Cedrela odorata L.
Calmante
Fazer chá
Casca
Chuchu
Sechium edule Swart
Pressão alta
Fazer chá Fazer suco
Folha, casca
Cidreira
Lippia alba (Mill.) N.E.Br.
Calmante
Fazer chá
Ramos
Catingueira
Cansaço
Dor de cabeça Dor de barriga
Coentro
Coriandrum sativum L. Inflamação na garganta
Fazer chá
Semente
Coqueiro
Cocos nucifera L.
Ciclo menstrual desregulado
Fazer chá
Casca do coco
Coroa-de-frade
Melocactus zenhtneri
Gastrite
Assar, botar de molho e beber a água
Miolo
Couve
Brassica oleracea L.
Gastrite
Fazer suco
Folha
Caroá
Neoglasiovia variegata
Verme
Fazer chá
Raiz
Embiratanha
Pseudobombax marginatum A.
Próstata
Colocar de molho e beber a água
Casca
Dor na coluna Problema nos rins
Endro
Anethum graveolens
Cólica
Fazer chá
Semente, folha
Erva-doce
Pimpinella anisum L.
Pressão alta
Fazer chá
Folha
Espinho-de-cigano
Acanthospermum hispidum DC.
Tosse
Fazer chá Fazer lambedor
Raiz
Favela
Cnidoscolus quercifolius Pohl
Dor de dente
Passar no local
Leite do miolo do tronco
Fedegoso
Senna occidentalis (L.) Link
Tosse
Fazer lambedor
Raiz, semente
Febre
Fazer chá
Abortivo
Fazer café
Sinusite Feijão-brabo
Capparis flexuosa L.
Sinusite
Inalar o chá
Fruto, folhas
Gengibre
Zingiber officinalis Rosc
Menopausa
Fazer chá
Batata
Mentha piperita L.
Verme
Fazer suco
Menopausa
Fazer chá
Antiabortivo
Botar de molho pra beber
Fazer lambedor Comer
Hortelã Imburana-de-cambão
Commiphora leptophloeos
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 43
Folha Casca
13/07/2015 11:25:00
44
Mulheres na Caatinga
Nome popular
Nome científico
Indicação
Modo de uso
Parte da planta utilizada
Imburana-de-cheiro
Amburana cearensis
Prisão de ventre
Fazer café
Semente, casca, folha
Tosse
Fazer lambedor
Gripe
Botar de molho pra beber
Insulina
Cissus verticillata (L.)
Diabetes
Fazer chá
Folha
Jucá
Caesalpinia leiostachya
Bronquite
Fazer chá
Cascas e folhas
Fazer lambedor
Casca, bage
Contusões Tosses Anemia
Jatobá
Juazeiro
Hymenaea courbaril L. Tosse
Ziziphus joazeiro
Crescimento dos dentes
Fazer xarope
Proteger os dentes
Passar no local as raspas
Dor de dente
Botar de molho pra beber
Tosse
Fazer lambedor
Casca, folhas, flor
Problema no intestino Fazer chá Tomar a espuma da Gripe casca Junco
Juncus effusus
Dores
Fazer chá
Batata
Jurema
Mimosa tenuiflora (Willd.) Poir
Cicatrizante
Colocar de molho e lavar o local Tomar banho de assento
Folha
Solanum paniculatum Diabetes L Cólica de bebê Citrus limettioides
Fazer chá
Flor
Fazer chá
Casca da laranja
Egletes viscosa (L.) Less.
Má digestão
Fazer chá
Folha, flor
Plectanthus barbatus Andr.
Cólica
Fazer chá
Folha
Ferimentos Infecção urinária
Jurubeba Lima-de-umbigo
Hepatite
Macela Malva-santa
Problema no fígado Dor de barriga Tosse
Mamão-de-corda
Carica papaya L.
Problemas intestinais
Fazer chá
Flor
Mandacaru
Cereus jamacaru D.C.
Problema nos rins
Colocar de molho, assar e comer
Miolo
Dor de urina Inflamação Hepatite Mandioca
Manihot esculenta Crantz
Conjuntivite
Colocar no olho sem arrancar da planta
Folha
Manjericão
Ocimum basilicum L.
Dor de ouvido
Aplicar no local
Folha
Maracujá-do-mato
Passiflora cincinnata Mast.
Problemas urogenitais Cozinhar e fazer banho de assento
Marmeleiro
Croton blancheatinus Baill.
Cólica menstrual
Fazer chá
Dor de barriga
Botar de molho para beber
Chenopodium ambrosioides L.
Tosse
Fazer suco
Ferimentos
Pressionar no local
Mastruz
Folha Folha, casca, raiz
Folha
Verme Conjuntivite Melancia
Citrullus lanatus
Febre
Fazer chá
Semente
Milho
Zea mays L.
Infecção urinária
Fazer chá
Estigmas
Problema nos rins
Fazer chá
Semente
Insônia
Botar de molho pra beber
Hepatite Mulungu
Erythrina velutina Willd
Sarampo Calmante
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 44
13/07/2015 11:25:00
Saberes, sabores e poesia
Nome popular
Nome científico
Indicação
Modo de uso
Parte da planta utilizada
Mussambê
Cleome spinosa L.
Pneumonia
Fazer chá
Flor, raiz
Gripe
Fazer lambedor
45
Infecção urinária Mutamba
Guazuma ulmifolia Lam.
Problemas urogenitais Tomar banho de assento
Oiticica
Licania rigida Benth
Diabetes
Fazer chá
Casca, folha Folha, flor
Colocar de molho Papaconha
Hybanthus calceolaria Febre (L.) Oken
Fazer chá
Raiz
Pau-ferro
Libidibia ferrea
Tosse
Fazer chá
Casca
Anemia
Botar de molho pra beber
Infecção urinária
Fazer chá
Pega-pinto
Boerhavia diffusa L.
Raiz
Colocar de molho Aspidosperma pyrifolium Mart.
Diabetes
Pimenta-de-macaco
Xylopia aromatica Baill.
Pinhão
Jatropha mollissima (Phol) Baill.
Quebra-pedra
Phyllanthus amarus L. Problema nos rins Dor ao urinar
Pereiro
Quina-quina
Coutarea hexandra (Jacq.) K.Schum
Fazer chá
Casca
Dor na coluna
Fazer chá
Fruto
Ferimento
Aplicar o leite da casca no local
Casca
Fazer chá
Folha, raiz
Colesterol alto
Conjuntivite Ferida Febre
Tomar banho Colocar de molho e lavar o local com a água
Casca
Raspar a casca e colocar no café
Piptadenia moniliformis
Problema nos rins
Fazer chá
Infecção
Tomar banho de assento
Quitoco
Pluchea sagittalis (Lam.) Cabrera
Abortivo
Fazer chá
Fruto
Quixabeira
Sideroxylon obtusifolium
Dor nas costas
Fazer chá
Casca
Ferida no útero
Tomar banho de assento
Punica granatum L
Inflamação na garganta
Fazer chá
Quipembe Não dicionarizado
Romã
Folha, casca
Casca
Colocar de molho e beber
Sabugo
Sambucus australis Cham. & Schltdl.
Gripe
Fazer chá
Flor
Sucupira
Bowdichia virgilioides
Prisão de ventre nos animais
Fazer chá
Semente
Tatajuba
Chloroflora tinctoria
Dor de dente
Colocar o líquido no dente
Leite da casca
Tipi
Petiveria alliaceae L.
Ferimento
Cozinhar e lavar o local
Folha
Umbuzeiro
Spondia tuberosa
Infecção urinária
Tomar banho de assento
Raspa da casca
Unha-de-gato
Bauhinia cheilantha (Bong.) Steud.
Tosse
Fazer chá
Casca, folha
Afinar o sangue
Colocar de molho e beber
Vassourinha
Ferida Scoparia dulcis L.
Sarampo
Fazer chá
Folha, gema
Fazer chá
Folha
Pressionar no local
Casca
Náuseas Vômito
Velame
Croton heliotropiifolius Kunth.
Xique-xique
Pilosocereus gounellei Ferimento (F.A.C. Weber)
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 45
Reumatismo
13/07/2015 11:25:00
46
Mulheres na Caatinga
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 46
13/07/2015 11:25:00
Saberes, sabores e poesia
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 47
47
13/07/2015 11:25:00
Realização
Parcerias
cartilha Saberes Sabores e Poesias.indd 48
Patrocínio
13/07/2015 11:25:02