Ano 1_Nro. 2 Agosto_Setembro 2008 CENTRO PELO DIREITO À MORADIA CONTRA DESPEJOS
Boletim_ Direito à Moradia e à Cidade na América Latina 2008 | #02 PAG
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Editorial Do COHRE – Programa para as Américas – CAP
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Cúpula Minurvi / novos desafios para enfrentar / A.L
Política e gestão / Bogotá
Despejos e Reforma do Código Processual Civil / Brasil
Por uma Carta pelo Direito à Cidade / D.F México
Rumo à implementação do Direito à Cidade na América Latina: haverá lugar para a sociedade civil na tomada de decisões?
A Moradia e o Hábitat nos dois últimos Planos de Desenvolvimento na Cidade de Bogotá
Os Direitos Humanos e a luta pela criação de um marco jurídico na prevenção dos despejos no Brasil
Utopia que caminha: o Direito à Cidade é mais do que um slogan
Próxima Assembléia Geral de Ministros e Autoridades Máximas de Moradia e Urbanismo da América Latina – MINURVI: desafios a serem cumpridos pelos Estados e o papel ativo das organizações na busca de uma proposta sólida que abarque o Direito à Cidade de maneira integral.
Um balanço sobre as gestões de governo desde 2004 na capital colombiana: entre as desafiantes intenções de um enfoque progressista em matéria de moradia e hábitat e a falta de programas e resultados concretos.
Tensões entre um sistema jurídico que promove o direito à moradia e à cidade e sua falta de relação nos conteúdos do direito processual civil brasileiro os que garanta efetivamente: uma análise sobre a necessidade de reformar o Código Processual Civil no País.
Uma notícia sobre o recente encontro entre autoridades do governo do Distrito Federal e organizações da sociedade civil com o objetivo de elaborar a “Carta da Cidade do México pelo Direito à Moradia”.
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Créditos | Apoios
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Editorial Do COHRE – Programa para as Américas – CAP
Nesta segunda edição, continuamos avançando no nosso objetivo: ampliar a participação e a reflexão sobre assuntos que se referem ao direito à moradia e à cidade nos países da América Latina. E é precisamente este número que incorpora – pela primeira vez – artigos de profissionais vinculados a entidades e projetos que trabalham pela defesa desses direitos e que, na sua maioria, colaboram estreitamente em iniciativas junto ao COHRE na região. A eles, nosso especial agradecimento. Em cada entrega desta publicação, enriqueceremos e consolidaremos uma plataforma para a interação e debate, mantendo o alerta frente às práticas de violação de direitos com os
que estamos comprometidos no nosso trabalho diário. O presente número analisa um dos eventos mais destacados que ocorrerá proximamente em El Salvador: a XVII Assembléia-Geral de Ministros e Autoridades Máximas de Moradia e Urbanismo da América LatinaMINURVI. A esse respeito, María Lorena Zárate, no artigo “Rumo à implementação do Direito à Cidade na América Latina: haverá lugar para a sociedade civil na tomada de decisões?”, recorre os antecedentes e apresenta os desafios e expectativas ante esse encontro. A continuação, uma interessante reflexão de Alejandro Florian em “A
moradia e o hábitat nos dois últimos planos de desenvolvimento na cidade de Bogotá”, sobre as recentes administrações pública da capital colombiana, especificamente, em matéria de hábitat e moradia: como as intenções políticas dos respectivos planos de desenvolvimento abordaram esses assuntos com um enfoque inovador mas sem muito reflexo em programas e projetos concretos. Na seqüência, outra peculiar conjuntura na América Latina, desta vez, no Brasil: o atual Código de Processo Civil e uma análise sobre sua necesária reforma que permita dar alcance real e efetividade ao direito à moradia na vida dos cidadãos desse País. Cristiano Müller em “Os direitos humanos e a
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luta pela criação de um marco jurídico na prevenção de despejos no Brasil” apresenta observações e propostas a respeito. Por último, em “Utopia que caminha: o direito à cidade é mais do que um slogan”, as expectativas no D. F. (México) ante a criação da “Carta da Cidade do México pelo Direito à Cidade”. Como fizemos na primeira edição, convidamos a todos a continuar enviando comentários e informações sobre os acontecimentos relevantes no âmbito do direito à moradia e à cidade na América Latina ao correio eletrônico: boletin@cohre.org.
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Cúpula MINURVI - Novos desafios para enfrentar / A.L.
Rumo à implementação do Direito à Cidade na América Latina: haverá lugar para a sociedade civil na tomada de decisões?
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Por María Lorena Zárate*
As cidades latino-americanas, com mais de 77% da população da região, apresentam uma realidade e desafios conhecidos: pobreza, segregação espacial, precariedade e vulnerabilidade frente aos desastres que seguimos gerando. Paradoxalmente, os governos têm abandonado sua responsabilidade no planejamento urbano-territorial; em contrapartida, eles alentam e favorecem apropriações privadas dos espaços e especulação imobiliária sem restrições, uma vez que desconhecem e até criminalizam os esforços individuais e coletivos para dispor de um teto e um habitat onde morar. A cidade-mercadoria se impõe sobre a cidade-direito e somente resulta acessível para aqueles que podem pagar. Há pelo menos 20 anos, um conjunto de redes internacionais, organizações sociais e não governamentais, sindicais e acadêmicas viemos manifestando nosso compromisso em criar novos paradigmas e práticas sociais de produção e desfrute dos assentamentos humanos. Compartilhamos princípios de gestão democrática do território; exercício pleno da cidadania; função social da terra e da propriedade; e, também, o manejo responsável e sustentável dos recursos naturais. O direito à cidade e a reforma urbana aglutinam nossas propostas em vários países. Podemos observar processos organizativos que permitiram desde o desenvolvimento de proje-
tos demonstrativos e ferramentas conceituais, metodológicas e tecnológicas próprias, até a incidência em políticas públicas, marcos legais e instrumentos financeiros e de gestão. A chamada sociedade civil tem conquistado importantes espaços de deliberação; mas certamente esses não são suficientes nem têm a profundidade que deveriam em termos de participação cidadã nas decisões que nos afetam. Em nível regional, isso é inclusive mais limitado: fóruns e reuniões nos quais podemos fazer ouvir nossa voz, mas que em geral não têm a repercussão perseguida e menos ainda a continuidade pertinente. A Assembléia Geral de Ministros e Autoridades Máximas de Moradia e Urbanismo da América Latina e Caribe – MINURVI (ver quadro) funciona desde 1992 como um fórum temático anual que, com apoio do Escritório para América Latina e Caribe do Programa Hábitat das Nações Unidas, alimenta debates, declarações e acordos no marco das Cúpulas Ibero-americanas de Presidentes. Em muitos dos documentos produzidos se enfatiza a importância de fortalecer o papel do Estado, melhorar o planejamento e a gestão territorial e urbana, e promover processos de participação social na elaboração das políticas públicas. Não obstante, não vemos como isso se transforma em realidade. Num fato sem precedentes, na Cúpula mais recente dos chefes de estado se definiu instruir aos ministros de moradia e urbanismo para que
“promovam a consagração do Direito à Cidade mediante a geração de políticas públicas que assegurem o acesso ao solo, a moradias adequadas, infra-estrutura e equipamento social e aos mecanismos e fontes suficientes e sustentáveis.” (Declaração de Santiago, ponto 29 do Plano de Ação, novembro de 2007). Frente à proporção desse objetivo, a seguinte Assembléia de MINURVI deverá seguramente debater a conformação de um espaço institucional que defina a estratégia e o plano de ação a seguir para avançar nesse caminho. Somos muitas as organizações comprometidas em colaborar de maneira substantiva, pelo que solicitamos formalmente a possibilidade de apresentar um pronunciamento conjunto e uma proposta com linhas gerais de como conceber e abordar o direito à cidade de maneira integral. Já faz alguns meses elaboramos e estamos difundindo uma Declaração coletiva que pretende, por um lado, reforçar os princípios e linhas estratégicas que constituem o direito à cidade (não somente moradia e infra-estrutura adequada) e, por outro lado, sinalizar um conjunto de medidas a serem impulsionadas no nível nacional e implementadas articuladamente com instâncias de governo estatal e local. Seu desenho, colocado em prática e monitoramento permanente dependerá do envolvimento e participação ativa dos diversos setores da sociedade civil (e não somente do setor privado porque nem tudo é questão de dinheiro).
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Cúpula Minurvi Novos desafios para enfrentar
Nossas propostas podem se sintetizar em quatro pontos que consideramos fundamentais e urgentes: fortalecimento dos processos de produção e gestão do habitat; democratização da gestão do território e o acesso à terra e aos imóveis; regularização da posse e acesso aos serviços públicos; harmonização da legislação nacional e local aos padrões e compromissos internacionais em matéria de direitos humanos. Aproximadamente cinqüenta organizações e redes nacionais, regionais e internacionais de 14 países estão promovendo esse documento, como parte de uma agenda compartilhada de ações para os próximos meses que pretende ampliar o debate, a formação e a formulação de propostas. O processo segue aberto. De tod@s depende que o resultado seja algo mais que um monte de papéis cheios de boas idéias e melhores intenções.
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Próxima XVII Assembléia Geral de Ministros e Autoridades Máximas de Moradia e Urbanismo da América Latina e Caribe – Minurvi-, El Salvador, setembro 2008 Por um espaço para o diálogo e propostas para a implementação efetiva do Direito à Cidade na América Latina Durante a primeira semana de setembro se reunirá em El Salvador a XVII Assembléia de MINURVI (www.minurvi.org), precedida de dois dias de “fase técnica” na qual se intercambiarão estudos, diagnósticos e propostas a respeito de assentamentos humanos na América Latina. Somos muitas as redes, movimentos e organizações que têm solicitado um espaço para apresentar aos ministros e autoridades de moradia e urbanismo nossa interpretação de como avançar em direção à implementação do direito à cidade na região. Ainda que alguns de nós tenham podido participar em ocasiões anteriores, ainda não sabemos se isso será possível desta vez, pelo que estamos coordenando a preparação de atividades próprias (chamadas paralelas) nas que possamos refletir, debater e dar a conhecer o que surge de uma vasta experiência e do trabalho compartilhado no caminho de promover, defender e concretizar os direitos humanos vinculados ao hábitat. A declaração conjunta que assinamos no mês de outubro passado em Valparaíso, nos mostra que, ainda sem mecanismos para uma interlocução direta, sabemos como levar nossos posicionamentos a aqueles que tomam as decisões. De agora em diante, haverá um espaço institucionalizado desde onde possamos colaborar para a construção de cidades mais justas, democráticas, sustentáveis? Os números dizem que mais da metade das moradias e muitos bairros inteiros têm sido construídos pelas próprias pessoas. Não é hora que as políticas públicas, os programas e orçamentos reconheçam, fomentem e apóiem esses esforços? Para conhecer mais desse processo e se somar ativamente, entre em http://derechoalaciudadhic-al.blogspot.com/
* María Lorena Zárate é coordenadora do escritório para América Latina da Coalizão Internacional pelo Habitat (HIC-AL) com sede na Cidade do México. Desde 2003 é responsável de projetos internacionais de produção e gestão social do habitat e direito à moradia, à terra e à cidade. Participou em várias publicações e inúmeros eventos sobre esses temas.
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Política e Gestão / Cidade de Bogotá
A Moradia e o Hábitat nos dois últimos Planos de Desenvolvimento na Cidade de Bogotá
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Por Alejandro Florian Borbón*
Os discursos políticos da atual e anterior administração de Bogotá manifestaram, em matéria de moradia e hábitat, intenções bem marcadas de um enfoque inovador e progressista. Porém, no caso concreto, se demonstrou pouco na gestão 2004-2008 e várias são as expectativas para a recente administração: muito boas intenções que se esperam ver convertidas em programas e projetos das instituições públicas que executam o orçamento de Moradia e Hábitat na cidade. Durante as duas ultimas administrações (2004-2008 e 2008-2012), Bogotá teve Planos de Desenvolvimento1 que, na sua estrutura e promoção, conceberam formulações desafiadoras. O primeiro: “Bogotá sem Indiferença” projetado pela adiministração Luis Eduardo Garzón se apresentou como um plano baseado na garantia de direitos. O segundo: “Bogotá Positiva: para viver melhor”, do atual Prefeito Samuel Moreno, manifesta que sua estrutura deve ser lida “com uma perspectiva de direitos, população e territórios”2. Ambos documentos expressaram o compromisso formulado pelos dois prefeitos como candidatos do Pólo Democrático Alternativo (um partido configurado por uma ampla gama de matizes da esquerda democrática da
Colômbia). O Plano de Desenvolvimento implementado pela administração de Luis E. Garzón (2004-2008) merece algumas observações. A primeira afirmação é que, em matéria de moradia e hábitat, a bem intencionada formulação de “enfoque nos direitos humanos e DESC” do Plano de Desenvolvimento não passou de um título. De fato, não existiu a menor referência conceitual ou técnica ao direito a uma moradia adequada, nem muito menos se realizaram esforços para dar uma interpretação institucional – em significado e conteúdo – à noção de “garantia de direitos” aplicada à moradia. As metas do plano se resolviam em números de moradias construídas, número de melhoras, número de reconhecimentos, números de subsídios, etc. Durante as três administrações anteriores à antes mencionada, Bogotá havia conseguido construir as bases conceituais e institucionais de uma política pública com relação à moradia social orientada ao cumprimento da função pública do urbanismo prevista na Lei 288 de 1997. Realizaram-se intervenções massivas no melhoramento dos bairros, na concessão de solo e no reassentamento interno de
populações localizadas em áreas de risco. Formalmente, adotaram-se esses programas no seu Plano de Ordenamento (2000) e, na Revisão de 2003 se incorporaram conceitos de Direito à Moradia e à Produção Social como alternativa complementar. Isso siginificou: reconhecer que as prioridades de moradia, desde o ponto de vista da qualidade de vida para a cidade se relacionam com definições das suas responsabilidades e investimentos em matéria de atributos de urbanização (serviços públicos e equipamentos coletivos), acesso ao solo urbanizado e gestão do ordenamento territorial. Por outro lado, a cidade já havia avançado em compreender que a moradia adequada está configurada por um conjunto de atributos, alguns dos quais são determinantes para a qualidade de vida, e portanto, são de natureza coletiva e aparecem claramente definidos no ordenamento da cidade. Nesse sentido, a cidade já havia: (i) incorporado ao Plano de Ordenamento (POT) os instrumentos de gestão do solo, (ii) adotado o acordo de Plus-valia (2003) por parte do Conselho da Cidade, (iii) iniciado uma proposta de reforma institucional que contemplava a criação de uma Secretaria do Hábitat
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Colômbia Política e Gestão / Bogotá
(orientada a atingir a totalidade e coordenação territorial no investimento dos diferentes setores que intervêm na cidade). Por esse motivo, surpreendeu a aqueles que trabalhamos no tema, que uma administração com símbolo de esquerda e com um proclamado perfil social (“Bogotá sem Indiferença”), como foi o do Prefeito Garzón (2004-2008), incorporasse como eixo central da sua gestão em moradia a adoção do sistema de subsídios à demanda, concentrando-a num programa para fazer novos proprietários, um clássico exemplo de políticas neoliberais. O resultado foi um fracasso e dessa forma ficou reconhecido, no seu estilo cômico, pelo próprio Prefeito Garzón. Com o que não haveria razões para aprofundar a análise, se não fosse porque quem perdeu foi a cidade, a cidadania sem moradia adequada, a institucionalidade pública, social e privada do setor. Entretanto, durante esse nefasto período para o direito à moradia adequada, se renconhecem os esforços isolados do Planejamento Distrital e da nova Secretaria do Hábitat. Esforços que se concentraram em manter vivos, por um lado, os processos de ordenamento e
planificação de grandes zonas como Operação Usme e Zona Norte. Por outro lado, esses esforços se preocuparam com a configuração de uma Política de Hábitat que integrasse os avanços conceituais e institucionais das administrações anteriores com o novo esquema institucional da Secretaria do Hábitat, orientado à uma gestão popular de grandes processos de função pública do urbanismo para intervir ativamente nos componentes coletivos do direito à moradia adequada. Sobre o plano de desenvolvimento da nova administração Samuel Moreno, temos muitas expectativas. Prevê objetivos estruturais como: Cidade de Direitos, Direito à Cidade, Cidade Global, Participação, Descentralização da Gestão Pública efetiva e transparente, Orçamentos Sustentáveis.3 Sem dúvida, falar da Cidade de Direitos e Direito à Cidade gera grandes expectativas. Pelo momento só podemos opinar quanto à sua formulação e algumas idéias que nos preocupam. Por exemplo, se a administração da cidade postula que seu enfoque de gestão pública é de direitos, por exemplo, em matéria de direito à moradia, consideramos que
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explicitamente deveria sustentar a formulação nos postulados da Observação Geral n.º 4 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e inclusive na jurisprudência da Corte Constitucional da Colômbia que desenvolve o conceito de “direito à moradia digna” em diversas sentenças. Nesse sentido, estimamos necessário explicitar, por exemplo, como se interpreta no Plano de Desenvolvimento da adiministração de Moreno (“Bogotá Positiva”) os conceitos como: “Solução de Moradia” e “Condições de Habitabilidade”. Assim como outras expressões que aparentemente não oferecem confusão mas requerem precisão para conhecer a natueza dessas ações que realizará a cidade e o que os cidadãos esperam, tais como: “Construir moradias”, “Habilitar solo”, “Oferecer moradias”, “Melhoramento integral”, “intervenção em áreas de renovação urbana”, “gerenciar” e “operação urbana integral”. É possível que ainda não existam números precisos ou resultados dos casos mencionados. Por conseguinte, resulta mais que conveniente explicitar a intenção e o processo pelo qual a administração
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Colombia Política e Gestão / Bogotá
delimitará suas propostas para estabelecer indicadores que orientem as prioridades operativas e a avaliação social, evitando ambigüidades. Poderíamos dizer, então, que os discursos políticos sobre a moradia e hábitat na cidade de Bogotá evoluíram para incluir na sua estrutura referências aos direitos humanos e aos DESC como elementos de intencionalidade discursiva marcante. Entretanto, consideramos que falta muito para estabelecer coerência entre um enfoque ideológico progressista e os conteúdos, metodologias e instrumentos dos programas e projetos daquelas
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instituições públicas que executam um orçamento de investimento em Moradia e Hábitat em Bogotá. Esse é o principal desafio da administração atual: dar um sentido e resultados coerentes – presentes nos tópicos do Plano – a cada um dos programas e projetos. O que implica assegurar instruções precisas e dar apoio aos funcionários encarregados do dispositivo institucional para “fazer a diferença qualitativa” na gestão. Só dessa maneira se consolidará a prioridade das competências da cidade nos componentes coletivos que determinam a função pública no urbanismo.
1 Na Colômbia, a gestão pública ou administração dos assuntos coletivos da cidade, que cabe à cada governo eleito, se realiza em três momentos: planejamento, execução e avaliação das estratégias de desenvolvimento. Os planos de desenvolvimento concretizam o processo de planificação (primeiro momento da gestão) e nele devem se indicar as prioridades de ação que serão executadas no respectivo mandato. 2 PLANO DE DESENVOLVIMENTO Econômico, Social, Ambiental e de Obras Públicas – BOGOTÁ POSITIVA: PARA VIVER MELHOR” Bogotá D.C, 2008 – 2012 - Secretaria Distrital de Planejamento. 3 PLANO DE DESENVOLVIMENTO Econômico, Social, Ambiental e de Obras Públicas – BOGOTÀ POSITIVA: “PARA VIVIR MEJOR” Bogotá, D.C., 2008 – 2012 – Secretaria Distrital de Planejamento.
* Alejandro Florian Borbón é advogado e trabalha nas áreas de hábitat e moradia social desde 1982. Foi funcionário da Federação Nacional de Organizações de Moradia Popular (FEDEVIVIENDA), desenvolvendo diferentes atividades comunitárias e de assessoria. Atualmente ocupa o cardo de Diretor Executivo da Instituição acima mencionada. Também colaborou como assessor do Ex-Prefeito Maior de Bogotá, Antanas Mockus S. dentro do marco de Cooperação do Programa de Gestão Urbana de Nações Unidas (PGU) com Bogotá, nas áreas de habitação e urbanismo no período 2000-2003.
Despejos e reforma do Código Processual Civil / Brasil
Os Direitos Humanos e a luta pela criação de um marco jurídico na prevenção dos despejos no Brasil Por Cristiano Muller*
Nos últimos anos, o Brasil tem inovado o seu sistema jurídico com a adoção de instrumentos urbanísticos que promovam o direito à cidade e à moradia. Não obstante, esse mesmo ordenamento jurídico apresenta ainda regras de direito que não estão de acordo com esses mecanismos inovadores. Essa situação resulta em uma interpretação “atrasada” do direito, principalmente com relação à prevenção dos despejos. Neste sentido, adequar as leis brasileiras aos padrões inter nacionais de direitos humanos segue sendo ainda um desafio a ser superado pelo Brasil. Desde o ano 2000, com a promulgação da Emenda Constitucional nº. 26 que incluiu o direito à moradia como garantia social no art. 6º da Constituição Federal Brasileira, é que se vem construindo normativas que visam a implementar a efetivação desse direito na vida das pessoas. Com essa determinação, o Brasil começa a garantir no seu ordenamento jurídico o compromisso assumido
no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais no qual se especifica, no seu art. 11, a proteção ao direito à moradia. Dentro dessa mesma perspectiva, foi aprovado – em 2001- o Estatuto da Cidade juntamente com a Medida Provisória 2.220/2001. Ambos os documentos tratam de princípios, mecanismos e instrumentos jurídicos e administrativos de direito urbanístico e regularização fundiária. Com a aprovação do novo Código Civil Brasileiro, a legislação ordinária adotou o conceito constitucional de propriedade, prevendo sua função sócio-ambiental e, por outro lado, o reconhecimento jurídico de inúmeras situações de posse antes não contempladas na lei civil. Como exemplo, podemos citar o reconhecimento da propriedade – com prova da posse durante 10 anos – de quem a habita ou produz nela (art. 1.238 § único); o reconhecimento da usucapião constitucional urbano e rural (art. 1.239 e 1.240); e o reconhecimento da concessão especial para fins de
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Código Processual Civil Brasil
moradia como um direito real (art. 1.225, XI). No entanto, essas conquistas concentradas no âmbito do direito civil não são adequadamente protegidas pelo direito processual brasileiro. Isto é: apesar de existir um marco jurídico comprometido com o direito à moradia e a função social da propriedade, esses direitos não se concretizam “de maneira real e efetiva” na vida das pessoas, nem tampouco se comunicam com as regras de direitos humanos internacionais sobre despejos forçados. Com relação a esse último ponto referente à
prevenção dos despejos é que COHRE vem impulsionando propostas junto ao Fórum Nacional da Reforma Urbana no Brasil, movimentos sociais urbanos e rurais, movimentos quilombolas, magistrados, membros do Ministério Público, legisladores e acadêmicos. No ano de 2006, junto a essas entidades, foi realizado um Seminário em Recife que aprovou a Plataforma Brasileira de Prevenção dos Despejos. Nesse documento, amplamente debatido, foram propostas uma série de recomendações que o Estado Brasileiro deveria seguir para prevenir os despejos em áreas urbanas, rurais, de comunidades tradicionais e étnicas. Dentre
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elas, menciona-se a necessidade de reformar seu Código de Processo Civil, o qual estabelece as regras de aplicação dos direitos no país. Por sua vez, ditas recomendações propõem a proteção jurídica, administrativa e processual da posse contra os despejos. Essas deveriam incorporar-se, especificamente, na parte do Código que trata do procedimento especial de reintegração de posse e similares da seguinte maneira: o juiz, antes de apreciar o pedido liminar1 deverá tomar várias providências que venham a impedir o despejo puro e simples das pessoas demandadas. Nesse sentido, a obrigação do juiz deveria ser designar audiência de conciliação entre as
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Código Processual Civil Brasil
partes, mediadas por ele e pelo ministério público com a citação e presença das pessoas envolvidas na ação, devidamente assistidas pela defensoria pública. Se não houver acordo entre as partes, o juiz deverá apreciar o pedido liminar de reintegração de posse, mas analisando e incluindo o cumprimento da função social da propriedade como requisito para concessão dessa medida. Dessa forma, com base na reforma da lei processual, os juízes ficariam obrigados a pedir informações para os entes públicos municipais, estaduais e federais acerca do efetivo cumprimento da função social da propriedade de um imóvel em disputa. Isso significa que os juízes em sua atuação garantiriam de fato, a partir dessas recomendações, o direito à moradia das pessoas. Com a finalidade de dar curso à aprovação da reforma do Código de Processo Civil Brasileiro é que se organizou um grupo de trabalho com o Ministério da Justiça. Dito grupo reuniu-se este ano em duas oficinas.
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A primeira tratou sobre a defesa dessa proposta por parte da rede da Reforma Urbana apresentada ao Ministério. A segunda, na presença de juristas do Brasil que trabalham com o tema, organizou um debate sobre a possibilidade de se realizar esta reforma. A prática de despejos constitui violação grave aos direitos humanos conforme estabelece a Resolução 1993/77 da Comissão de Direitos Humanos2 das Nações Unidas. É por isso que a adoção dos padrões internacionais correspondentes a esses direitos pelo Brasil é tarefa obrigatória e urgente a ser assumida pelas instituições desse País. O Brasil parece caminhar a passos largos na construção de um marco jurídico que promova o direito à moradia com a criação de instrumentos que garantam a função social da propriedade. No entanto, caminha a passos muito lentos na tentativa de colocar em seu ordenamento jurídico disposições que previnam os despejos e garantam o direito à moradia desde a ótica
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da função social da propriedade. Será somente com o ativismo articulado no interior das redes nacionais de direitos humanos e da reforma urbana que será possível vencer essa batalha.
* Cristiano Muller é advogado em Porto Alegre e doutor em direitos humanos. Atualmente atua como Legal Officer para o COHRE – Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos.
O pedido liminar no Brasil é um pedido judicial urgente apresentado por um proprietário, no marco de um processo para impulsionar um despejo. Sendo o Brasil, Estado Parte do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o seu governo está legalmente obrigado a respeitar, proteger e garantir o direito à moradia adequada e o direito à propriedade, incluindo a proibição da prática de despejos forçados, conforme assegurado no artigo 11(1). Além disso, o Estado é também obrigado a não interferir nos casos em que as pessoas gozam do direito à moradia, bem como a proteger essas pessoas contra despejos praticados por terceiros. 2
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Por uma Carta pelo Direito à Cidade / D.F. México Utopia que caminha: o direito à cidade é mais do que um slogan*
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Em um ato oficial realizado no final de julho, organizações da sociedade civil e autoridades do governo local se comprometem a construir um pacto que permita avançar para a realização dos direitos humanos na capital do país. Seu instrumento: o proceso de elaboração e subscrição da "Carta da Cidade do México pelo Direito à Cidade". As nossas cidades estão longe de ser as cidades que queremos. Podemos parar e preguntar para qualquer habitante numa rua qualquer e ele saberá nos dizer exatamente o que está errado, o que não funciona, o que está faltando. Há décadas que temos centros de pesquisa e ensino de universidades públicas e privadas especializadas nesse tema que têm escrito muitas páginas contendo diagnósticos integrais e propostas para os administradores públicos. Regularmente são elaborados, discutidos e aprovados centenas de programas de desenvolvimento urbano, ordenamento territorial e preservação ecológica… Mas a sensação, mais ou menos generalizada, é quase a mesma: nada muda no sentido em que a maioria gostaria. Há tempo que sabemos que é hora de ser realistas… e de sonhar o impossível. Na Cidade do México, desde o ano passado, um grupo de organizações integrantes do movimento urbano popular convidou o governo local para debater sobre a formulação e subscrição a uma Carta pelo Direito à Cidade. Várias secretarias e repartições públicas estão envolvidas no processo, assim como a autônoma Comisión de Derechos Humanos del Distrito Federal (CDHDF). Por sua parte, a Coalizão Internacional para Hábitat-América Latina (HIC-AL) tem acompanhado de perto o trabalho, participando das reuniões do Comité Promotor, convidando todas as instâncias civis e acadêmicas a se somar e elaborar documentos que permitam esclarecer as motivações, expectativas e principais conteúdos. Como marco, em 31 de julho passado, foi organizado um encontro com o objetivo de fazer pública essa iniciativa, e sobretudo convocar à cidadania a fortalecê-la com a adesão ativa de organizações barriais, sindicais, profissionais e público em geral. Diante de uma platéia de por volta de 200 pessoas e na presença de vários meios de comunicação locais e nacionais, o Chefe de Governo enfatizou que esse esforço “vai ter muitas consequências positivas para o futuro da Cidade” e se comprometeu a escutar as propostas e convidar a Assembléia Legislativa para construir “um instrumento jurídico que estabelecerá obrigações, políticas públicas e novas formas de gestão”. Antes da sua intervenção, o presidente da CDHDF salientou que a construção da Carta da Cidade do México pelo Direito à Cidade “reflete uma mudança no processo democrático da entidade (…) através de um pacto político-social no
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Cidade do México Por uma Carta pelo Direito à Cidade
qual participam os diferentes atores da sociedade”. Embora com essas características essa iniciativa seja única no mundo, ela está inspirada no debate internacional e nos instrumentos locais e nacionais já desenvolvidos e em implementação (entre os que se destaca o Estatuto das Cidades no Brasil). E isso foi devidamente salientado na ocasião da apresentação inaugural dos fundamentos estratégicos do Direito à Cidade a cargo do HIC-AL. A nova Carta só fará sentido para a vida dos habitantes do Distrito Federal e da área metropolitana da Cidade do México se for alentada a sua apropriação e o protagonismo ativo desde o início do processo. É por isso que com as organizações sociais e civis do Comité Promotor estão articulando ações e propostas para impulsionar um amplo debate na elaboração desse documento e na definição dos mecanismos para a sua implementação, ajuste e monitoramento por parte da sociedade. Para contribuir com essa tarefa, está-se criando um foro virtual no qual será possível compartilhar materiais e enviar comentários e sugestões que alimentem essa grande utopia compartilhada (para mais detalhes ver www.hic-al.org).
* Esta notícia foi elaborada com base em informações propiciadas pelo escritório da HIC-AL. Agradecemos muito especialmente a Lorena Zárate.
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CENTRO PELO DIREITO À MORADIA CONTRA DESPEJOS
O COHRE (Centro pelo Direito à Moradia e Contra Despejos) é uma organização não-governamental, independente e de atuação internacional comprometida com a defesa e a garantia plena do direito humano à moradia adequada para todos em todos os lugares. A instituição promove, desde 1994, a busca e a implementação de soluções aos problemas da falta de moradia e de condições inadequadas de habitação. Para isso, fornece apoio a entidades que trabalham com direitos
humanos e atua junto a diversas instâncias intergovernamentais, na sua qualidade de entidade registrada com status consultivo na Organização das Nações Unidas (ONU), na Organização dos Estados Americanos (OEA) e com status de observador na União Africana. Para implementar suas ações, o COHRE se organiza em programas temáticos (Direito à Água, Litígio, Direito das Mulheres à Moradia, Restituição da Moradia e da Propriedade e Prevenção de Despejos
Forçados) e programas regionais. Esses últimos se dividem em: Programa para a África (COHRE – CA), Ásia e Pacífico (COHRE – CAPP), Europa (com projetos especiais) e Programa para as Américas (COHRE – CAP). Desde 2002, o Programa para as Américas (CAP) trabalha na defesa do direito a uma moradia adequada na região, organizando programas de capacitação, assistência legal e promovendo o direito à terra de grupos minoritários e comunidades margina-
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das em assentamentos informais. O CAP também realiza ações de incidência a nível nacional e internacional, missões de pesquisa, litigios, monitoramento e promoção de campanhas contra a prática de despejos forçados. O Programa organiza essas e as demais atividades em determinados países-foco onde trabalha em conjunto com entidades locais. Os países onde atualmente se realizam tais atividades são: Argentina, Brasil, Colômbia, Equador, Guatemala, México e Honduras.
Apoiam esta publicação
Boletim_Direito à Moradia e à Cidade na América Latina Ano 1_Nro. 2 | Ago_Set 2008 Editor Sebastián Tedeschi (Coordinador del Programa para las Américas de COHRE) Coordenação e Produção Soledad Domínguez (Coordenação de comunicação do Programa para as Américas do COHRE)
Equipe de trabalho do COHRE - Programa para as Américas – CAP Claudia Acosta, Julián Díaz Bardelli, Gilsely Barreto, Fernanda Levenzon (Programa de Derecho al Agua), Daniel Manrique, Karla Moroso, Cristiano Muller, Soledad Pujó, Victoria Ricciardi (Programa Derecho a la Vivienda y Mujeres), Robinson Tamayo, Lucas Laitano Valente, Adriano Villeroy.
Desenho GLOT (www.glot.com.uy) Diagramação Karla Moroso
Fotografías tapa + pag11 y 12 / Ciudad de México / HIC- LA pag 2 / Vila Dique (Porto Alegre, Brasil) / COHRE pag 8 y 9 / COHRE Este boletim é uma publicação bimestral produzida e editada por: COHRE – Programa para as Américas – CAP Rua Jerônimo Coelho, 102/31 Porto Alegre, RS - Brasil tel: + 55 51 3212-1904 mail: cohreamericas@cohre.org