GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA FUNDAÇÃO DE APOIO À ESCOLA TÉCNICA INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO
ESCOLA, SOCIEDADE E TRANSFORMAÇÃO João Quadros Coimbra1 Profa. Vera Lucia Martins Sarubbi 2
Resumo Vivemos numa sociedade desigual. A educação tem sido vista como redentora dessa injustiça. Na prática esse poder atribuído à educação não tem se verificado. A forma de organização da atividade econômica representada pelo cooperativismo é apontada como solução para o desencontro entre a educação e o trabalho. As teorias pedagógicas da escola unitária, de Antônio Gramsci, da escola libertária anarquista e os liceos bolivarianos da Venezuela reforçam o discurso que prega o poder da educação. Enquanto o discurso político não for acompanhado de práticas que creditem à educação o papel de protagonista do desenvolvimento, a educação perderá valor, torna-se um discurso contraditório quando continua a ressaltar o seu poder transformador, mas, deixar de indicar quem ou o que pode conseguir essa transformação ou é responsável pela falta de transformação. Palavras chave: educação, transformação social, política
Introdução Os educadores têm demonstrado verdadeiro empenho na potencialização do poder transformador da educação e do conhecimento, quando apresentam as propostas pedagógicas mais progressistas, mas mesmo assim, não têm tido o sucesso esperado na promoção de uma sociedade mais justa para todos. Para que todo o esforço do conhecimento pedagógico produza a transformação desejada, temos que 1 Bacharel em Administração/UFRJ. Autor deste artigo. 2 Professora Doutora em Letras/UFF. Orientadora deste artigo e professora de Metodologia da Pesquisa no curso de Formação Pedagógica – ISERJ/FAETEC.
reconhecer também o poder das teorias de planejamento econômico sobre a sociedade. Reconhecer o poder do planejamento da economia nas decisões que afetam as oportunidades de emprego e salário oferecidas pelo mundo do trabalho. Enquanto houver uma separação entre o discurso que reforça o poder transformador da educação e os resultados que essa educação alcança, o discurso pedagógico estará prejudicado. Convivemos com alunos e professores desinteressados porque não encontram as respostas procuradas para a realização de seus anseios psíquicos e sociais através do trabalho. Ao sistema educacional acaba restando o triste papel de excluir, de servir como barreira impossível de ser vencida pelo educando. A educação, se não for precedida de um projeto de desenvolvimento econômico, acaba prometendo muito e realizando pouco. Por mais que ela consiga reunir as pessoas em torno de um objetivo comum, é ineficaz quando não é impulsionada pela atividade econômica.
2 – O alcance de transformação da escola A escola reproduz o nosso ideal de sociedade. Identificamos um dinamismo próprio, independente, tanto no desenvolvimento da sociedade quanto no interior da escola. A questão que surge é a de saber quais são as consequências da interação entre a sociedade e a representação dessa mesma sociedade na escola através da educação? Como o poder transformador da escola é determinado pelo processo de mediação cultural entre ela e a sociedade? Esse poder depende do entendimento das condições de desenvolvimento da sociedade e a forma como esse entendimento é ensinado na escola, como ele é exposto e aceito pelos mestres e repassado para os alunos. Não podemos negar a importância da escola na formação do cidadão, mas o alcance transformador da escola na sociedade é limitado pelas condições do ambiente econômico, político e social onde ela atua. Se o sistema econômico, político e social for mais justo, de tendência mais igualitária, a atuação da escola é facilitada, é mais bem entendida, por ser mais verdadeira. Num sistema injusto, o ensino torna-se incoerente, as propostas de ensino, embora pretendam
atingir
objetivos
altruístas,
de
desenvolvimento
humano
e
de
capacitação, têm que ocultar do aluno o que é o sucesso, o quanto que o sucesso de uns impõe injustiças para os outros na nossa sociedade. Os ensinamentos que o aluno recebe, que podem fazer com ele tenha sucesso num cenário de injustiças, faz com que ele também feche os olhos e aceite as injustiças econômicas, políticas e sociais. Em fevereiro de 2013, o economista Reinaldo Gonçalves (2013), professor de economia internacional da UFRJ, relatou que entre meados da última década do século XX e da primeira década do século XXI, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), num painel de 110 países, colocou o Brasil como o quinto país mais desigual do mundo. A transformação à qual nos referimos é a transformação da sociedade. Aquela desejada é a transformação que mais se aproxime da mais completa redução das desigualdades econômicas e de condições de vida da população. Uma transformação que consiga estimular ao máximo o exercício do poder político, que ofereça oportunidades e possibilite o acesso de todos a essas oportunidades. Através da consulta de material empírico buscado, sobretudo, em fontes documentais e obras clássicas, o objetivo desse artigo é o de fazer uma investigação crítica das propostas de transformações da sociedade feitas pela educação e suas realizações. Encontrar teorias que além de simplesmente alegar o poder transformador da educação, identifiquem o que permite que a escola consiga ter esse poder de transformar a sociedade e quais são os resultados reais dessas transformações. Queremos saber o que possibilita que as transformações ocorram e propor a disseminação dessas teorias. Fazer com que essas propostas passem a integrar o conteúdo curricular de uma nova proposta pedagógica que potencialize seu poder transformador da sociedade. Queremos descobrir que transformações foram pensadas e quais e porque foram ou não realizadas. Para o doutor da UFF, Edison Oyama (2010) na sua tese de doutorado sobre Lenin e a construção da república dos Sovietes da revolução comunista de 1917, a questão se a educação é ou poderia ser instrumento de mudança/transformação social, é restrita pelo alcance das ações revolucionárias no modo de produção capitalista.
Para Ponce (2001, p. 169, apud OYAMA, 2010, p. 12) “nenhuma reforma pedagógica fundamental pode impor-se antes do triunfo da classe revolucionária que a reclama.” A maioria da sociedade, representada pela classe trabalhadora, reclama uma revolução. Reclama por uma revolução que acabe com a propriedade privada dos meios de produção e com a injusta concentração da riqueza. Nesse caso, após a revolução, caberia à escola, apenas, fornecer seus militantes. Oyama (2010) afirma que sem uma revolução, as propostas pedagógicas que não consigam transformar o modo de produção capitalista, que não convivam com essas transformações, não conseguirão consolidar sua atuação. Se apesar da escola, o capitalismo se mantém, é porque essas escolas não lograram obter força política suficiente para transformar radicalmente o modo de produção capitalista e tampouco conseguiram se generalizar ou multiplicar suas experiências. Em outros termos, o capitalismo se mantém, a despeito muitas vezes da seriedade, do denodo e da dedicação das pessoas envolvidas com tais movimentos, os quais, em última instância, não fizeram a revolução e portanto, não concretizaram seu objetivo de constituição do socialismo. (OYAMA, 2010, p. 13)
As propostas pedagógicas estudadas que mais se pronunciaram a favor do combate das desigualdades são as da Escola Unitária de Antonio Gramsci, Escola Moderna de Francisco Ferrer e os Liceos Bolivarianos da Venezuela. Para Raquel Guzzo e Antônio Eusébios (2005, p. 3) a desigualdade social é representada nas “relações de produção, quais sejam nas relações sociais estabelecidas por meio do trabalho assalariado.” Euzébios Filho e Guzzo (2005) propõem uma reflexão sobre os limites e possibilidades no processo de transformação social que a educação pode fazer. Deixam claro que o sistema educacional subordina-se ao processo de trabalho, o que reduz o poder de atuação da educação a uma ação sobre a consciência crítica dos professores e estudantes. Para Tonet (2005, apud GUZZO E EUSÉBIOS FILHO, 2005) as alternativas sociais só serão possíveis como consequência da transformação das relações de produção capitalistas. Euzébios Filho e Guzzo (2005) afirmam, ainda, que precisamos incentivar o olhar crítico sobre a sociedade capitalista para que possamos despertar uma consciência acerca da nossa atuação política e econômica na sociedade.
Podemos potencializar a atuação da educação, se conseguirmos fazer uma síntese das reflexões teóricas sobre a real capacidade da educação de provocar as transformações sociais que se propõe. Assim, tanto do lado da política quanto da educação, a transformação social mais necessária é a que caminhe na direção da diminuição das desigualdades. Queremos, pois, encontrar uma resposta para a questão de como a organização política do trabalho e a educação precisam se articular para que a transformação ocorra. De um lado, precisamos de uma organização trabalhista que premie o esforço dos alunos formados e do outro, uma pedagogia que ensine que o valor do conhecimento está no fato de ser um patrimônio que tem que ser usado em benefício de todos. O comportamento político social de cada um, a apropriação que cada faz dos frutos do trabalho é que decidirá a sociedade que teremos. O professor da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte, especialista em filosofia da PUC-MG, Álvaro Boechat Chiarello (2001), faz a pergunta que todos os que se interessam por educação deveriam fazer: qual o papel, qual a eficácia da instituição escolar no processo de transformação da sociedade? Segundo Chiarello as diferentes diretrizes políticas e pedagógicas, mostram grandes lacunas na fundamentação de seus princípios políticos e filosóficos, o que torna difícil identificar, “o tipo de projeto social e político para o qual aquelas propostas pretendiam educar.” (CHIARELLO, 2001, p. 1) Para oferecer fundamentação na formulação de propostas de mudanças na orientação da formação e atuação do professor, apresentamos três propostas educacionais importantes que procuram realizar a transformação da sociedade aqui levantada. Cada uma delas, em um contexto histórico diferente, é; ao mesmo tempo, produto do meio e ensejam o objetivo de transformá-lo. No seu texto Políticas Educacionais e Desigualdades: à procura de novos significados, Miguel Arroyo (2010), professor da Faculdade de Educação da UFMG, afirma que o pensamento pedagógico tem nos levado a análises das desigualdades educacionais para além dos determinantes intraescola e intrasistema (ARROYO, 2010, p. 1382, grifo do autor) educacional, para os determinantes sociais, econômicos e políticos. Ele (2010) ressalta que o pensamento pedagógico, tem encontrado as causas da desigualdade nas determinações dos padrões de poder,
trabalho, acumulação, concentração-exclusão (grifo do autor) da terra e da renda. Ainda segundo o autor (2010) o pensamento pedagógico ingênuo, cai no vazio, quando propõe tirar os desiguais da marginalidade por meio de atividades sócioeducativas civilizatórias. Essa abordagem do problema da desigualdade procura ocultar que está acontecendo um “crescimento e massificação da pobreza, do desemprego, do trabalho infantil e adolescente, da fome e da precariedade brutal das formas de viver.” (ARROYO, 2010, p. 1393) O que temos visto são “políticas de segurança, de ordem, de controle. A desigualdade como questão de polícia, extermínio de adolescentes e jovens, sua classificação como criminosos, violentos, logo, extermináveis”. (ARROYO, 2010, p. 1393) Quando a indignação é grande, quando acontece um despertar, uma repulsa a toda essa violência, quando procuramos outras soluções para a desigualdade, o perigo, segundo Arroyo, é voltarmos a pensar ingenuamente na escola como redentora de todas as formas de injustiça e desigualdades. A desigualdade educativa é fruto “dos processos de concentração e de apropriação-expropriação da renda, da terra, do espaço urbano, do conhecimento, das ciências e tecnologias, da privatização do Estado, de suas agência e políticas.” (ARROYO, 2010, p. 1397) A mediação trabalho-educação pensada como solução para a crise da desigualdade, prometida como corretora das desigualdades, “torna-se uma das fronteiras mais cruéis de aumento e aprofundamento das desigualdades,” (ARROYO, 2010, p. 1399) quando não consegue cumprir o prometido. Diante dos imperativos da desigualdade, impõe-se a democratização da participação política. Impõe-se a democratização dos bens de produção da existência: a terra, a renda. Ignorar essa relação política é ingenuidade. Essa relação política é domesticada, alienada nas propostas de mero cunho de aperfeiçoamento das técnicas de gestão e de eficiência na alocação de recursos para a educação. Existe uma contradição no ensino, quando quer disseminar um ideal de uma escola de inclusão, de acolhimento, onde predomine a colaboração, se o sistema é o de mercado, selvagem e excludente. Encontramos muita resistência à ideia de que não é somente através da educação dos alunos, de que não é somente através da
formação da consciência das novas gerações, que conseguiremos mudar o regime. Se a escola prepara para o trabalho, precisamos planejar a atividade econômica de tal forma que garanta ocupação e vida digna para todos, só assim poderão a escola e a sociedade juntas libertarem-se da pressão do sistema capitalista.
3 – Cooperativismo O modelo de produção do cooperativismo é uma forma como a sociedade pode assegurar a transformação social para uma sociedade mais justa e igualitária. É uma forma de garantir a transformação assegurando aos estudantes os preceitos necessários para sua implantação e, depois de formados, as oportunidades de trabalho através das políticas de organização social das cooperativas de produção e consumo. Medidas político educativas que propiciem o sustento digno dos membros da sociedade. Precisamos de uma organização do trabalho que beneficie toda a comunidade. Segundo a pesquisadora de ciências sociais Claudete Pagotto (2003), a forma de organização do trabalho em cooperativas surgiu no meio das lutas operárias do século XIX como uma alternativa às contradições das relações capitalistas com o objetivo de realizar transformações sociais. Vivemos num sistema econômico muito desigual. Procuramos encontrar através da prática pedagógica uma forma de mudar esse cenário. Nesse sentido, no ensino, a prática pedagógica mais valorizada é a que propõe a realização de uma transformação social, no sentido de diminuição das desigualdades. Mas o sucesso na transformação da sociedade passa pela mediação, pela combinação entre escola e trabalho. Essa combinação é fundamental para multiplicar o poder transformador da educação na sociedade. Um ambiente de trabalho que enseje um política de igualdade estará mais de acordo com o ideais pedagógicos da formação do indivíduo para a transformação social. Um ambiente de organização do trabalho que personifica os preceitos dessa transformação é o cooperativismo. O cooperativismo é uma forma de organização da economia que garante a coerência entre as condições de trabalho e as propostas pedagógicas. Estabelece uma combinação útil entre trabalho e instrução. Para Marx (1983, p. 11, apud PAGOTTO, 2003) no Manifesto Inaugural da
Associação Internacional dos Trabalhadores de 1864, todas as formas anteriores de trabalho tendem a desaparecer ante ao trabalho cooperativo. As propostas cooperativistas são a realidade em arranjos locais, pequenos grupos locais de produção e de troca. Pagotto acredita que o cooperativismo pode ser organizado contra ou a favor da emancipação dos trabalhadores e depende, portanto, de qual classe social o impulsiona e como [pode ser] utilizado na condução de reformas sociais objetivando transformações graduais e pacíficas na sociedade. (2003, p. 6)
As cooperativas são “uma alternativa de trabalho, que representam, para o trabalhador, uma promessa de mudança e transformação social.” (PAGOTTO, 2003, p. 7) O cooperativismo é um instrumento de organização social que permite a conciliação das propostas pedagógicas do ensino com a atividade profissional.
4 – A Escola Unitária Antônio Gramsci, jornalista, cientista político e deputado italiano, criou a proposta pedagógica da Escola Unitária. Gramsci chamou o exercício do poder político de hegemonia. A Escola Unitária propõe a preparação das futuras gerações para o exercício da hegemonia. Para Jesus (1985, p. 3) a “educação só tem sentido integrada ao processo de transformação da sociedade”, incorporando novos grupos de indivíduos ao processo hegemônico, segundo a proposta de Gramsci. A escola que queremos é a escola que forma, instrui e alerta o cidadão, sobre a ação do poder político. A política tem poder de transformar a sociedade. Logo, o objetivo dos dois é o de uma sociedade mais igual e, por isso, mais justa. Gramsci apostava na continuidade da existência do Estado na sociedade. Apontava para a possibilidade de termos um estado ético, cuja atuação nos moldes propostos por Gramsci, segundo Bomfim (2011), até os anarquistas, que pediam o fim do estado, reconheceriam como vantajoso para a implementação de políticas públicas. De acordo com Bomfim (2011, p. 2), a questão que se colocava era a de educar politicamente, construir uma vontade coletiva, disputar a hegemonia e fundar um novo Estado, mais justo. O estado e a sociedade organizada, atuando na gestão das instituições
educacionais,
assumiriam
a
responsabilidade
pelas
políticas
educacionais e culturais, que preparassem os cidadãos para exercer a hegemonia, que como vimos, para Gramsci, é o poder de decidir políticas estatais. É o que permite que as diferentes classes sociais tenham acesso ao conhecimento que fará com que elas, no papel de dirigentes, mantenham os níveis de produção e de produtividade que interessam a toda a sociedade. Coutinho (2008, apud BOMFIM, 2011, p. 10) afirma que a ação educacional visa a uma “reforma intelectual e moral capaz de produzir os novos dirigentes, que para serem realmente novos assumiram um novo projeto ético-politico centrado no valor da igualdade.” Para Gagno e Furtado (2010) Gramsci propõe uma educação voltada para as classes subalternas que inclua a formação de dirigentes e organizadores da sua cultura, ou seja, apresentar uma visão de mundo dialética, filosófica, social, científica e histórica, voltada para formação de uma nova civilização. Bomfim (2011), vê em Gramsci as estratégias de um Estado ético, pacificador dos equilíbrios instáveis e atento as necessidade dos movimentos populares. Através do Estado é preciso mobilizar os decisivos e sofisticados mecanismos de mídia, cultura, subjetividade e direção capazes de fixar novos princípios de civilização que desloquem valores e movimentem as grandes “massas” populares. (BOMFIM, 2011 p. 13)
Segundo Soares (2000, apud CHIARELLO, 2001, p. 1) “desde os anos trinta, a esquerda não desenvolveu uma proposta escolar.” Soares (2000) indicou, ainda, a limitação da posição crítica assumida pela esquerda diante da escola no fato de não identificarem na escola, os elementos contraditórios, que reproduzem a ordem capitalista, que permitissem subsidiar a luta para sua superação. Para Chiarello (2001, p. 2), a fórmula revolucionária de Gramsci, ressalta a “hegemonia civil”, que exige “a participação ativa das maiorias sociais nos aparelhos privados de hegemonia (sindicatos, partidos, escolas, igrejas, imprensa), que constituem verdadeiras trincheiras de combate para obter posições de direção no governo da sociedade.” Estudiosa da escola unitária de Antonio Gramsci, Soares, autora de tese de
doutoramento A concepção gramsciana do Estado e o debate sobre a escola, de 1992 que deu origem a Soares (2000). Em 1997, numa revisão que ela fez da literatura educacional brasileira e a influencia de Gramsci, concluiu que mesmo quando a escola adota orientações pedagógicas progressistas, mesmo quando uma escola pode representar um componente social importante de transformação, mesmo assim, as dificuldades da organização política da sociedade podem ser um entrave para sua realização. Para Soares (1997), as formações educacionais científicas e técnicas, que foram separadas pelo projeto socialista da escola politécnica (MARX, 1974) e a escola única do trabalho (LENIN, 1975; KRUPSKAIA, 1977) foram reunidas na escola unitária de Antonio Gramsci. Mas para a autora, os limites corporativistas do movimento operário impediram que a escola única do trabalho fosse estruturada a partir de uma perspectiva de conquista da hegemonia pelo proletariado. Ela se manteve dentro de limites classistas, fundada numa perspectiva meramente tática e não estratégica, da qual está ausente a noção de hegemonia. (SOARES, 1997 p. 147)
5 – A Escola Libertária O movimento anarquista criou a proposta da Escola Moderna, ou Escola Libertária. Para pioneiro das propostas anarquistas, o militante político espanhol Francisco Ferrer y Guàrdia (1859-1909) cujos escritos estão reunidos no livro A escola moderna (1960 p. 28), a proposta anarquista é a de que formemos “homens que reprovem os convencionalismos, as crueldades, os artifícios e as mentiras que servem de base para a sociedade moderna.” Para Guàrdia (1960) o impulso da
organização contínua da sociedade provocaria o desaparecimento progressivo da servidão. Para ele, os esforços da ciência melhorariam a sorte dos povos. Mas Ferrer (apud GUÁRDIA) não tarda a expressar sua decepção quando afirma: “longe disso, estamos cansados de saber que aqueles que disputam o poder não olham além da defesa de seus interesses, que só se preocupam com a própria vantagem e a satisfação de seus apetites.” (GUÀRDIA, 1960 p. 30) A obra de Edgar Rodrigues é a memória do anarquismo no Brasil. Segundo Addor, (1992), ele propõe uma escola nos moldes da escola fundada por Francisco Ferrer y Guardia, criador da Escola Moderna, que, praticava a liberdade do ensino em relação aos dogmas políticos e religiosos.
As escolas modernas reuniram meninos e meninas, ação pedagógica impensável na época, tanto nas escolas religiosas (católicas), quanto nas oficiais de orientação laica. O novo ensino da escola libertária revolucionou a pedagogia do velho mundo e ameaçou interesses e poderosas instituições, dentre as quais a igreja católica. No Brasil, em especial em São Paulo tivemos escolas modernas no Belenzinho e no Brás, no Rio de Janeiro em Vila Isabel, dirigida por Pedro Matera, e no Rio Grande do Sul a Escola Eliseu Réclus. Lopes (2011) a propósito da escola dirigida por Pedro Matera, afirmou, que esta objetivava ensinar que a emancipação dos cidadãos acontece por obra das próprias pessoas e que é preciso ensiná-los, prepará-los, para que cada um seja o seu próprio defensor. Da mesma forma como a escola Unitária de Gramsci, a escola Libertária, apesar de adotar orientações pedagógicas progressistas, apresentando um componente social importante de transformação, encontra as mesmas dificuldades na organização política da sociedade como um entrave para sua realização. É preciso reconhecer que só a conquista do poder pelo proletariado, maiores prejudicados pelas políticas educacionais discriminatórias é que se poderá mudar esse cenário.
6 – A escola Bolivariana A constituição da Venezuela (CONSTITUICIÓN, 2000), no artigo 102, afirma que a educação tem a finalidade de desenvolver o potencial criativo de cada ser humano e o exercício pleno da sua personalidade em uma sociedade democrática baseada na valorização ética do trabalho e a participação ativa, consciente e solidária nos processos de transformação social,(CONSTITUICIÓN, 2000 Artículo 102) Tradução do autor.
Nas escolas, Liceos, do Sistema Educativo Bolivariano (2007) da Venezuela, formam-se cidadãos que vejam o trabalho como um compromisso social, um bem comum. É um sistema educativo que incentiva a participação nos processos de transformação social. Atribui a essa participação o poder de reforçar a segurança na defesa da soberania nacional. Os conhecimentos devem permitir aos jovens “o estudo das situações, tendências, padrões, formas, desenhos e estruturas do seu
entorno, com ênfase na participação e compreensão da realidade para a transformação social.” (SISTEMA Educativo Bolivariano, 2007 p. 16 Tradução do autor) O Sistema Bolivariano aposta no reconhecimento pelos alunos do desenvolvimento nacional como um sistema de produção e participação comunitária, onde os bens de produção tenham uma propriedade social. Os componentes curriculares do Sistema Bolivariano incluem: a identificação e compreensão das potencialidades produtivas das diferentes localidades e a elaboração de projetos produtivos a partir do conhecimento e compreensão dessa realidade e o uso de técnicas de apresentação durante a elaboração e a execução dos projetos. Educar para um trabalho que seja liberador e impulsione a economia de forma solidária, com compromisso no desenvolvimento interno, sustentável e que gere empregos e bem estar social. Na Venezuela também encontramos orientações pedagógicas progressistas, definindo estratégias impulsionadas pela organização política da sociedade. O poder, conquistado democraticamente pela maioria é exercido em nome dela, os maiores interessados na transformação e os maiores prejudicados pelas políticas econômicas e sociais discriminatórias e excludentes do capitalismo. A Venezuela está mudando esse cenário.
7 – Conclusão O socialismo, o anarquismo e o novo socialismo bolivariano são os movimentos sociais que até hoje melhor representaram as esperanças de transformação da sociedade e definiram políticas que aproveitavam o poder transformador da educação nesse processo, mas mesmo assim, a transformação só aconteceu e só conseguiu e consegue se manter, enquanto a sociedade se mantiver mobilizada. Esses movimentos sociais estiveram representados nas propostas das escolas unitária e libertária. Atualmente, também estamos vivenciando a proposta bolivariana da Venezuela. A integração da forma como os meios de produção são organizados e os profissionais são formados confere coerência ao processo educacional da sociedade. Só quando existir uma forma de propriedade e de organização da produção que permita a plena absorção dos profissionais formados é que a escola
poderá reivindicar sucesso. Enquanto a escola fizer de conta que ensina, as empresas fizerem de conta que empregam, os governos fizerem de conta que investem e os professores fingirem que ensinam a educação será incoerente, contraditória. Se já sabemos o que precisa ser feito para que haja coerência e consenso nos objetivos educacionais, se todos concordam nesse aspecto, porque a educação não consegue realizar seus objetivos de transformar a sociedade? A resposta pode estar dentro e fora da escola. Dentro da escola precisamos denunciar os discursos ufanistas e contraditórios que pregam uma transformação que nunca acontece. Também não podemos nos deixar enganar pelas análises desviantes que atribuem às dificuldades técnicas de gestão a causa dos problemas da educação. A transformação nunca acontece porque não há uma integração entra o planejamento das atividades econômicas e culturais da sociedade e a educação. A educação é reduzida a um mero processo de entretenimento, não é aceita como o processo formador dos grupos dirigentes da sociedade. A dificuldade maior fora da escola está em conseguir democratizar a participação política da população. Para que o processo todo tenha sucesso precisamos contar com a participação de dirigentes políticos esclarecidos.
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