Livreto Sarau APOGEU

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• TEXTO I – CRÔNICA É menina (Gregório Duviver) É menina, que coisa mais fofa, parece com o pai, parece com a mãe, parece um joelho, upa, upa, não chora, isso é choro de fome, isso é choro de sono, isso é choro de chata, choro de menina, igualzinha à mãe, achou, sumiu, achou, não faz pirraça, coitada, tem que deixar chorar, vocês fazem tudo o que ela quer, isso vai crescer mimada, eu queria essa vida pra mim, dormir e mamar, aproveita enquanto ela ainda não engatinha, isso daí quando começa a andar é um inferno, daqui a pouco começa a falar, daí não para mais, ela precisa é de um irmão, foi só falar, olha só quem vai ganhar um irmãozinho, tomara que seja menino pra formar um casal, ela tá até mais quieta depois que ele nasceu, parece que ela cuida dele, esses dois vão ser inseparáveis, ela deve morrer de ciúmes, ele já nasceu falante, menino é outra coisa, desde que ele nasceu parece que ela cresceu, já tá uma menina, quando é que vai pra creche, ela não larga dessa boneca por nada, já podia ser mãe, já sabe escrever o nomezinho, quantos dedos têm aqui, qual é a sua princesa da Disney preferida, quem você prefere, o papai ou a mamãe, quem é o seu namoradinho, quem é o seu príncipe da Disney preferido, já se maquia dessa idade, é apaixonada pelo pai, cadê o Ken, daqui a pouco vira mocinha, eu te peguei no colo, só falta ficar mais alta que eu, finalmente largou a boneca, já tava na hora, agora deve tá pensando besteira, soube que virou mocinha, ganhou corpo, tenho uma dieta boa pra você, a dieta do ovo, a dieta do tipo sanguíneo, a dieta da água gelada, essa barriga só resolve com cinta, que corpão, essa menina é um perigo, vai ter que voltar antes de meia-noite, o seu irmão é diferente, menino é outra coisa, vai pela sombra, não sorri pro porteiro, não sorri pro pedreiro, quem é esse menino, se o seu pai descobrir, ele te mata, esse menino é filho de quem, cuidado que homem não presta, não pode dar confiança, não vai pra casa dele, homem gosta é de mulher difícil, tem que se dar valor, homem é tudo igual, segura esse homem, não fuxica, não mexe nas coisas dele, tem coisa que é melhor a gente não saber, não pergunta demais que ele te abandona, o que os olhos não veem o coração não sente, quando é que vão casar, ele tá te enrolando, morar junto é casar, quando é que vão ter filho, ele tá te enrolando, barriga pontuda deve ser menina, é menina. 1


ALUNOS: Isabella Costa (2°E) Lígia Fernandes (2°E) Nabasha Cássia (2°E) Renata Bêto (2°E) Vítor Almeida (3°A) • TEXTO II – POESIA Com licença poética (Adélia Prado) Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. Não sou tão feia que não possa casar, acho o Rio de Janeiro uma beleza e ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos -- dor não é amargura. Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou.

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ALUNA: Elisabetta Mazacoli (1°B) • TEXTO III – MÚSICA Mulheres de Atenas (Chico Buarque) Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Vivem pros seus maridos, orgulho e raça de Atenas Quando amadas, se perfumam Se banham com leite, se arrumam Suas melenas Quando fustigadas não choram Se ajoelham, pedem, imploram Mais duras penas Cadenas Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Sofrem pros seus maridos, poder e força de Atenas Quandos eles embarcam, soldados Elas tecem longos bordados Mil quarentenas E quando eles voltam sedentos Querem arrancar violentos Carícias plenas Obscenas Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Despem-se pros maridos, bravos guerreiros de Atenas Quando eles se entopem de vinho Costumam buscar o carinho 3


De outras falenas Mas no fim da noite, aos pedaços Quase sempre voltam pros braços De suas pequenas Helenas Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Geram pros seus maridos os novos filhos de Atenas Elas não têm gosto ou vontade Nem defeito nem qualidade Têm medo apenas Não têm sonhos, só têm presságios O seu homem, mares, naufrágios Lindas sirenas Morenas Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Temem por seus maridos, heróis e amantes de Atenas As jovens viúvas marcadas E as gestantes abandonadas Não fazem cenas Vestem-se de negro, se encolhem Se conformam e se recolhem Às suas novenas Serenas Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Secam por seus maridos, orgulho e raça de Atenas

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ALUNA: Larissa Oliveira (1°A) • TEXTO IV – POESIA Fêmea-Fênix (Conceição Evaristo) Navego-me eu–mulher e não temo, sei da falsa maciez das águas e quando o receio me busca, não temo o medo, sei que posso me deslizar nas pedras e me sair ilesa, com o corpo marcado pelo olor da lama. Abraso-me eu-mulher e não temo, sei do inebriante calor da chama e quando o temor me visita, não temo o receio, sei que posso me lançar ao fogo e da fogueira me sair inunda, com o corpo ameigado pelo odor da queima. Deserto-me eu-mulher e não temo, sei do cativante vazio da miragem, e quando o pavor em mim aloja, não temo o medo, sei que posso me fundir ao só, e em solo ressurgir inteira com o corpo banhado pelo suor da faina. 5


Vivifico-me eu-mulher e teimo, na vital carícia de meu cio, na cálida coragem de meu corpo, no infindo laço da vida, que jaz em mim e renasce flor fecunda. Vivifico-me eu-mulher. Fêmea. Fênix. Eu fecundo Aluna: Isabela Valverde (3°A) • TEXTO V – POESIA Coração pra compensar (Marcelo Caetano) Não escolhi ser o que sou Não escolhi me sentir como me sinto Mas fui feito assim, ainda que quebrado Nasci mulher Contra minha vontade, garanto Com a cabeça de um homem, afirmo Não sei a razão Nem mesmo o motivo Ou se seria um castigo Pergunto-me todo dia O porquê de tudo isso Seria tão mais fácil Ter tudo no lugar Ver tudo se adequar Andar de cabeça erguida E em nenhum momento me envergonhar 6


Já cansei de questionar Desabafar, conversar Quero respostas Quero resoluções Mais do que isso, quero soluções Nasci menino No corpo de uma menina Quem será a coitada Que nascerá no meu lugar? Porque, ah, tenho certeza Que meu corpo por aí está Perdido a vagar E se cuidem, pois alguma alma desavisada Nele há de entrar Também há outros Ou outras Que carregam o mesmo peso Compartilham o mesmo fardo Daria meu corpo se pudesse Em troca do delas Ai, se pudesse Mas não me resigno A viver com o que tenho E caminhar assim sendo Um T perdido No meio de um corpo errado Em partes mutilado De fato, fico é indignado Como é que pode Alguém nascer assim 7


Todo ferrado? Que fábrica é essa Da onde a gente veio Que não faz troca Nem garante o seu dinheiro de volta? Porque é isso que eu quero Quero de volta Aquilo que me pertence Um corpo inteiro Que me faça, Mesmo que não perfeito, Pelo menos um pouco mais exato E eu te digo que pesa Carregar essa couraça de dor E é tanta proteção Que não dá nem pra fazer amor Mas, de verdade, Juro que não quero Dar uma de covarde Mas eu estou cansado e está tarde E eu me pego pensando Como seria Se eu fosse assim, Inteiro, e não pela metade? Roupa costurada E não camisa retalhada? Será que ainda Me faltaria alguma parte? Porque agora Pra compensar, pra equilibrar 8


Me sobra coração Não posso mentir É só por causa do coração Que eu ainda consigo seguir Não é fácil Me amar? Não dá Então, repito, Sobra coração Pra fazer amigo-irmão Tentar amar quem te dá a mão Porque com toda a dor do mundo É preciso de um motivo muito forte Pra eu desejar manter a respiração E é essa a minha razão: Toda essa abundância de coração Pra fazer sangrar até a veia Às vezes, até para a pulsação Mas não cessa a indignação E eu sigo Mesmo fora da linha Quando eles dizem que sou doido Tudo que posso responder é que sou doído Transbordo de paixão Seu livros de anatomia Suas regras de classificação Não são suficientes Para a minha compreensão Sou mais do que um binômio Não sou ela versus ele Tampouco menos gente 9


Sequer menos ilusão Não ando com gasolina O que me move é o coração Bate dentro do peito Também esse estraçalhado Mas aí sim é que bate alto Ecoando toda agonia De nascer, viver e, que os moralistas me livrem, Morrer assim todo errado Não me resta nada Ficou um cérebro já cansado Braços velhos e usados Mas não se esqueça Ainda que o coração não seja de aço É nele, e só nele, que guardo Esse grito, esse amor abafado Não me canso, nem me calo Só posso brindar: Tenho mesmo um coração exagerado Mesmo que ele bata Dentro do peito errado. ALUNO: Vítor Almeida (3°A) • TEXTO VI – MÚSICA Geni e o Zepelim (Chico Buarque) De tudo que é nego torto Do mangue e do cais do porto Ela já foi namorada O seu corpo é dos errantes 10


Dos cegos, dos retirantes É de quem não tem mais nada Dá-se assim desde menina Na garagem, na cantina Atrás do tanque, no mato É a rainha dos detentos Das loucas, dos lazarentos Dos moleques do internato E também vai amiúde Com os velhinhos sem saúde E as viúvas sem porvir Ela é um poço de bondade E é por isso que a cidade Vive sempre a repetir Joga pedra na Geni! Joga pedra na Geni! Ela é feita pra apanhar! Ela é boa de cuspir! Ela dá pra qualquer um! Maldita Geni! Um dia surgiu, brilhante Entre as nuvens, flutuante Um enorme zepelim Pairou sobre os edifícios Abriu dois mil orifícios Com dois mil canhões assim A cidade apavorada Se quedou paralisada Pronta pra virar geleia Mas do zepelim gigante 11


Desceu o seu comandante Dizendo: “Mudei de ideia!” Quando vi nesta cidade Tanto horror e iniquidade Resolvi tudo explodir Mas posso evitar o drama Se aquela formosa dama Esta noite me servir Essa dama era Geni! Mas não pode ser Geni! Ela é feita pra apanhar Ela é boa de cuspir Ela dá pra qualquer um Maldita Geni! Mas de fato, logo ela Tão coitada e tão singela Cativara o forasteiro O guerreiro tão vistoso Tão temido e poderoso Era dela, prisioneiro Acontece que a donzela (E isso era segredo dela) Também tinha seus caprichos E ao deitar com homem tão nobre Tão cheirando a brilho e a cobre Preferia amar com os bichos Ao ouvir tal heresia A cidade em romaria Foi beijar a sua mão O prefeito de joelhos 12


O bispo de olhos vermelhos E o banqueiro com um milhão Vai com ele, vai, Geni! Vai com ele, vai, Geni! Você pode nos salvar Você vai nos redimir Você dá pra qualquer um Bendita Geni! Foram tantos os pedidos Tão sinceros, tão sentidos Que ela dominou seu asco Nessa noite lancinante Entregou-se a tal amante Como quem dá-se ao carrasco Ele fez tanta sujeira Lambuzou-se a noite inteira Até ficar saciado E nem bem amanhecia Partiu numa nuvem fria Com seu zepelim prateado Num suspiro aliviado Ela se virou de lado E tentou até sorrir Mas logo raiou o dia E a cidade em cantoria Não deixou ela dormir Joga pedra na Geni! Joga bosta na Geni! Ela é feita pra apanhar! Ela é boa de cuspir! 13


Ela dá pra qualquer um! Maldita Geni! Joga pedra na Geni! Joga bosta na Geni! Ela é feita pra apanhar! Ela é boa de cuspir! Ela dá pra qualquer um! Maldita Geni! ALUNO: Vinícius Santos (1°C) •TEXTO VII – MANIFESTO Manifesto da mulher trans (Julia Serano) [...] Mas não basta empoderar o feminino e a feminilidade. Devemos também parar de fingir que há diferenças essenciais entre mulheres e homens. Isso começa reconhecendo-se que há exceções para todas as regras e estereótipos de gênero, e que essa simples afirmação refuta todas as teorias de gênero que afirmam que homem e mulher são categorias mutuamente exclusivas. Devemos nos afastar da ilusão de que os sexos masculino e feminino são “opostos”, porque quando acreditamos nesse mito, estabelecemos um precedente perigoso. Pois, se os homens são grandes, então mulheres têm que ser pequenas; e se homens são fortes, então mulheres têm que ser fracas. E se tornar-se masculina é fazer-se rígida, então tornar-se feminina significa permitir-se ser maleável; e se ser homem significa tomar controle da situação, então ser mulher significa viver para cumprir as expectativas alheias. Quando aceitamos a ideia de que o masculino e o feminino são “opostos”, torna-se impossível empoderar as mulheres sem ridicularizar os homens ou puxar o tapete de nós mesmas. Apenas quando nos afastamos da ideia de que há sexos “opostos”, e bandonamos os valores derivados da cultura que são atribuídos às expressões da feminilidade e masculinidade, podemos finalmente nos aproximar da 14


igualdade entre os gêneros. Ao se desafiar simultaneamente o sexismo oposicional e o sexismo tradicional, podemos fazer com que o mundo se torne seguro para aqueles de nós que são queer, aqueles que são femininos, e aqueles que são mulheres, simultaneamente empoderando pessoas de todos os gêneros e todas as sexualidades. ALUNOS: Lígia Fernandes (2°E) Rinaldo Garcia (ex-aluno) • TEXTO VIII – VÍDEO Primeira negra a vencer o Emmy • TEXTO IX – POESIA Homenagem às mulheres negras (Jorge Linhaça) [...] Ser mulher e, negra, também ser, é sentir, em dobro, a dor, é lutar e sobreviver. Ser mulher e, negra, também ser, é por duas sempre valer, é desdobrar o seu valor Ser mulher e, negra, também ser, é sentir, em dobro, a dor. [...] • TEXTO X – POESIA/VÍDEO Me gritaram negra (Victoria Santa Cruz) Tinha sete anos apenas, apenas sete anos, Que sete anos! Não chegava nem a cinco! 15


De repente umas vozes na rua me gritaram Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! “Por acaso sou negra?” – me disse SIM! “Que coisa é ser negra?” Negra! E eu não sabia a triste verdade que aquilo escondia. Negra! E me senti negra, Negra! Como eles diziam Negra! E retrocedi Negra! Como eles queriam Negra! E odiei meus cabelos e meus lábios grossos e mirei apenada minha carne tostada E retrocedi Negra! E retrocedi . . . Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Neeegra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! E passava o tempo, e sempre amargurada Continuava levando nas minhas costas minha pesada carga 16


E como pesava!... Alisei o cabelo, Passei pó na cara, e entre minhas entranhas sempre ressoava a mesma palavra Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Neeegra! Até que um dia que retrocedia , retrocedia e que ia cair Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! E daí? E daí? Negra! Sim Negra! Sou Negra! Negra Negra! Negra sou Negra! Sim Negra! Sou Negra! Negra Negra! Negra sou De hoje em diante não quero alisar meu cabelo 17


Não quero E vou rir daqueles, que por evitar – segundo eles – que por evitar-nos algum disabor Chamam aos negros de gente de cor E de que cor! NEGRA E como soa lindo! NEGRO E que ritmo tem! Negro Negro Negro Negro Negro Negro Negro Negro Negro Negro Negro Negro Negro Negro Negro Afinal Afinal compreendi AFINAL Já não retrocedo AFINAL E avanço segura AFINAL Avanço e espero AFINAL E bendigo aos céus porque quis Deus que negro azeviche fosse minha cor E já compreendi AFINAL Já tenho a chave! NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO 18


Negra sou! • TEXTO XI – POESIA Não vou mais lavar os pratos (Cristiane Sobral) Nem vou limpar a poeira dos móveis Sinto muito Comecei a ler Abri outro dia um livro e uma semana depois decidi Não levo mais o lixo para a lixeira Nem arrumo a bagunça das folhas que caem no quintal Sinto muito Depois de ler percebi a estética dos pratos a estética dos traços, a ética A estática Olho minhas mãos quando mudam a página dos livros mãos bem mais macias que antes e sinto que posso começar a ser a todo instante Sinto Qualquer coisa Não vou mais lavar Nem levar Seus tapetes para lavar a seco Tenho os olhos rasos d’água Sinto muito Agora que comecei a ler, quero entender O porquê, por quê? E o porquê Existem coisas Eu li, e li, e li Eu até sorri E deixei o feijão queimar Olha que o feijão sempre demora a ficar pronto 19


Considere que os tempos agora são outros Ah Esqueci de dizer Não vou mais Resolvi ficar um tempo comigo Resolvi ler sobre o que se passa conosco Você nem me espere. Você nem me chame Não vou De tudo o que jamais li De tudo o que jamais entendi Você foi o que passou Passou do limite Passou da medida Passou do alfabeto Desalfabetizou Não vou mais lavar as coisas e encobrir a verdadeira sujeira Nem limpar a poeira e espalhar o pó daqui para lá e de lá para cá Desinfetarei as minhas mãos e não tocarei suas partes móveis Não tocarei no álcool Depois de tantos anos alfabetizada, aprendi a ler Depois de tanto tempo juntos Aprendi a separar Meu tênis do seu sapato Minha gaveta das suas gravatas Meu perfume do seu cheiro Minha tela da sua moldura Sendo assim Não lavo mais nada e olho a sujeira no fundo do copo Sempre chega o momento 20


De sacudir De investir De traduzir Não lavo mais pratos Li a assinatura da minha lei áurea escrita em negro maiúsculo Em letras tamanho 18 Espaço duplo Aboli Não lavo mais os pratos Quero travessas de prata Cozinhas de luxo E jóias de ouro Legítimas Está decretada a lei áurea. ALUNO: Rinaldo Garcia (ex-aluno) • TEXTO XII – MÚSICA Mulheres Negras (Yzalú) Enquanto o couro do chicote cortava a carne, A dor metabolizada fortificava o caráter; A colônia produziu muito mais que cativos, Fez heroínas que pra não gerar escravos matavam os filhos; Não fomos vencidas pela anulação social, Sobrevivemos à ausência na novela, no comercial; O sistema pode até me transformar em empregada, Mas não pode me fazer raciocinar como criada; Enquanto mulheres convencionais lutam contra o machismo, As negras duelam pra vencer o machismo, O preconceito, o racismo; 21


Lutam pra reverter o processo de aniquilação Que encarcera afros descendentes em cubículos na prisão; Não existe lei maria da penha que nos proteja, Da violência de nos submeter aos cargos de limpeza; De ler nos banheiros das faculdades hitleristas, Fora macacos cotistas; Pelo processo branqueador não sou a beleza padrão, Mas na lei dos justos sou a personificação da determinação; Navios negreiros e apelidos dados pelo escravizador Falharam na missão de me dar complexo de inferior; Não sou a subalterna que o senhorio crê que construiu, Meu lugar não é nos calvários do brasil; Se um dia eu tiver que me alistar no tráfico do morro, É porque a lei áurea não passa de um texto morto; Não precisa se esconder segurança, Sei que cê tá me seguindo, pela minha feição, minha trança; Sei que no seu curso de protetor de dono praia, Ensinaram que as negras saem do mercado Com produtos em baixo da saia; Não quero um pote de manteiga ou um xampu, Quero frear o maquinário que me dá rodo e uru; Fazer o meu povo entender que é inadmissível, Se contentar com as bolsas estudantis do péssimo ensino; Cansei de ver a minha gente nas estatísticas, Das mães solteiras, detentas, diaristas. O aço das novas correntes não aprisiona minha mente, Não me compra e não me faz mostrar os dentes; Mulher negra não se acostume com termo depreciativo, Não é melhor ter cabelo liso, nariz fino; Nossos traços faciais são como letras de um documento, 22


Que mantém vivo o maior crime de todos os tempos; Fique de pé pelos que no mar foram jogados, Pelos corpos que nos pelourinhos foram descarnados. Não deixe que te façam pensar que o nosso papel na pátria É atrair gringo turista interpretando mulata; Podem pagar menos pelos os mesmos serviços, Atacar nossas religiões, acusar de feitiços; Menosprezar a nossa contribuição na cultura brasileira, Mas não podem arrancar o orgulho de nossa pele negra; Mulheres negras são como mantas kevlar, Preparadas pela vida para suportar; O racismo, os tiros, o eurocentrismo, Abalam mais não deixam nossos neurônios cativos. Das irmãs os meus irmãos sujando-se na lama e eis-me aqui cercada de alvura e enxovais eles se provocando e provando do fogo e eu aqui fechada provendo a comida eles se lambuzando e arrotando na mesa e eu a temperada servindo, contida os meus irmãos jogando-se na cama e eis-me afiançada por dote e marido 23


ALUNA: Arlana Dias (ex-aluna) • TEXTO XIII – POEMA Das irmãs (Sônia Queiroz) os meus irmãos sujando-se na lama e eis-me aqui cercada de alvura e enxovais eles se provocando e provando do fogo e eu aqui fechada provendo a comida eles se lambuzando e arrotando na mesa e eu a temperada servindo, contida os meus irmãos jogando-se na cama e eis-me afiançada por dote e marido Aluna: Leila Ribeiro (3°E) • TEXTO XIV – POEMA Virgem (Luiza Romão) este texto é um parto: há (tem me soa melhor) a dor do que parte, do que fica, do que nasce 24


ser virgem está muito além de um hímen da palavra ser ou não ter hífen é matéria prima barro úmido húmus: human woman women homem, eu não nasci da sua costela. vim ao mundo pelas mãos de alguma obstetra filha de mãe mulher donzela não a bela-pequena-aurora-adormecida-sereia-de-chapéu-vermelho, sou filha da outra: a que tem suor, sangue e leite a que labuta com dois filhos nas costas e um no peito tornar-se mulher pela perfuração de um falo? falácia habito meu próprio corpo que fala e convalesce sob as súplicas de outra prece: não à nossa-senhora-mãe-gentil-virgem-imaculada, mas à padroeira das putas das histéricas e tresloucadas 25


das mulheres-Medéia e das Clitemnestras das malditas e revolucionárias Rosas Marias Joana Zuzus Pagus Fridas sofridas e incansáveis meninas em gestação de ser mulher meninas que sangram mês a mês possibilidades de si que abortam o que não teve lugar o que não pode ser meninas em gestação mulheres em gesto não colocarei o pau na mesa se você vem com “porra, porrada, caralho” mostro meus peitos abertos meus seios e anseios fartos dessa gramática de barbárie porque o ser mulher está muito além de um artigo feminino definido ou indefinido muito além, de um artigo feminino em liquidação numa loja barata de cosméticos de um artigo feminino 26


publicado na página 5 das novas, cláudias, caprichos, tititis está além dos artigos da lei Maria da Penha [de qualquer lei de direitos humanos universais] porque o ser mulher está além do artigo. está no sujeito: que não se sujeita que age, atua, direto, intransitivo está no sujeito, independente de gênero, número e grau ALUNAS: Isabella Costa (2°E) Lígia Fernandes (2°E) Renata Bêto (2°E) • TEXTO XV – MÚSICA Maria, Maria (Fernando Brant e Milton Nascimento) Maria, Maria É um dom, uma certa magia Uma força que nos alerta Uma mulher que merece Viver e amar Como outra qualquer Do planeta Maria, Maria 27


É o som, é a cor, é o suor É a dose mais forte e lenta De uma gente que ri Quando deve chorar E não vive, apenas aguenta Mas é preciso ter força É preciso ter raça É preciso ter gana sempre Quem traz no corpo a marca Maria, Maria Mistura a dor e a alegria Mas é preciso ter manha É preciso ter graça É preciso ter sonho sempre Quem traz na pele essa marca Possui a estranha mania De ter fé na vida Mas é preciso ter força É preciso ter raça É preciso ter gana sempre Quem traz no corpo a marca Maria, Maria Mistura a dor e a alegria Mas é preciso ter manha É preciso ter graça É preciso ter sonho sempre Quem traz na pele essa marca Possui a estranha mania De ter fé na vida Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! 28


Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!! Lá Lá Lá Lerererê Lerererê Lá Lá Lá Lerererê Lerererê Hei! Hei! Hei! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! Lá Lá Lá Lerererê Lerererê! Lá Lá Lá Lerererê Lerererê! Mas é preciso ter força É preciso ter raça É preciso ter gana sempre Quem traz no corpo a marca Maria, Maria Mistura a dor e a alegria Mas é preciso ter manha É preciso ter graça É preciso ter sonho, sempre Quem traz na pele essa marca Possui a estranha mania De ter fé na vida Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!! Lá Lá Lá Lerererê Lerererê Lá Lá Lá Lerererê Lerererê Hei! Hei! Hei! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! Lá Lá Lá Lerererê Lerererê! Lá Lá Lá Lerererê Lerererê! 29


ALUNA: Arlana Dias (ex-aluna) • TEXTO XVI – POEMA Estabilidade (Leila Miccolis) Vivemos como casal: você trabalha demais, me sustenta, proíbe isso e aquilo, exige a casa arrumada, quer almoço à uma hora, o jantar às sete e meia, sobremesas variadas... com teus caprichos concordo, e por vingança, te engordo. ALUNA: Larah Zambrano (2°A) • TEXTO XVII – DANÇA Dança contemporânea (Prof. Leonardo Lima e Cia. Tipo) ALUNAS: Isabela Valverde (3°A) Isabella Costa (2°E) Isabella Schaefer (3°E) Júlia de Sá (2°E) Leila Ribeiro (3°E) Nabasha Cássia (2°E) 30


• TEXTO XVIII – POEMA Pulso aberto (Maria Rezende) Somos porta de entrada E porta de saída Somos deusas e escravas Há mil gerações Dentes afiados No escuro de entre as pernas Veneno na ponta da cauda Bruxas, putas, loucas, santas Somos as que sangram sem ferida Donas do prazer Donas da dor As invisíveis As perigosas As pecadoras As predadoras Insaciáveis e geradoras Os corpos secretas casas Somos seres de unhas e tetas Caminhando aos milhares as estradas Somos a terra e a semente Carne de aluguel em alma de rainha As submissas As bacantes As que procriam e as que não

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Somos as que evitam o desastre As que inventam a vida As que adiam o fim Mulher: multidão ALUNA: Larah Zambrano (2°A) • TEXTO XIX – MÚSICA Pagu (Rita Lee) Mexo, remexo na inquisição só quem já morreu na fogueira sabe o que é ser carvão eu sou pau pra toda obra, Deus dá asas à minha cobra minha força não é bruta, não sou freira nem sou puta nem toda feiticeira é corcunda, nem toda brasileira é bunda meu peito não é de silicone, sou mais macho que muito homem nem toda feiticeira é corcunda, nem toda brasileira é bunda meu peito não é de silicone, sou mais macho que muito homem ratatá ... sou rainha do meu tanque, sou pagu indignada no palanque fama de porra-louca, tudo bem, minha mãe é Maria ninguém não sou atriz, modelo, dançarina meu buraco é mais em cima porque nem toda feiticeira é corcunda, nem toda brasileira é bunda meu peito não é de silicone, sou mais macho que muito homem nem toda feiticeira é corcunda, nem toda brasileira é bunda meu peito não é de silicone, sou mais macho que muito homem ratatá ... 32


ALUNO: Victor Delduca (1°A) • TEXTO XX – POEMA Mulher de Vermelho (Angélica Freitas) o que será que ela quer essa mulher de vermelho alguma coisa ela quer pra ter posto esse vestido não pode ser apenas uma escolha casual podia ser amarelo verde ou talvez azul mas ela escolheu vermelho ela sabe o que ela quer e ela escolheu vestido e ela é mulher então com base nesses fatos eu já posso afirmar que conheço o seu desejo caro watson, elementar: o que ela quer sou euzinho sou euzinho o que ela quer só pode ser euzinho o que mais podia ser ALUNO: Vítor Almeida (3°A)

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• TEXTO XXI – VÍDEO Survivor (Clarice Falcão) • TEXTO XXII – MÚSICA Ela é bamba (Ana Carolina) “Então vamo lá!: Ana, Rita, Joana, Iracema, Carolina” Ela é bamba! Ela é bamba! Ela é bamba! Ela é bamba! Ela é bamba! Ela é bamba!... Ela é bamba! Essa preta do pontal Cinco filhos pequenos pra criar Passa o dia no trampo pau a pau E ainda arranja um tempinho pra sambar Quando cai na avenida Ela é demais Todo mundo de olho Ela nem aí Fantasia bonita Ela mesmo faz Manda todas Não erra a mira... 34


Mãe, passista, atleta Manicure, diplomata Dona da boutique Enfermeira, acrobata... (Bailábailá) Bamba! Ela é bamba! Ela é bamba! Ela é bambá! (Bailábailá) Bamba! (Bailábailá)...hei hei heei! Ela é bamba Essa índia da central Vai no ombro Um cestinho com neném Oito quilos de roupa no varal Ainda vende cocada nesse trem Toda sexta Ela fica mais feliz Vai dançar numa boate do Jaú Faz um jeito E já pensa que é atriz Cada dia inventa um nome Dora, Isaura, Emília Terezinha e Marina Ana, Rita, Joana Iracema e Carolina... 35


Ela é bamba! Ela é bamba! Ela é bamba! Ela é bamba! Ela é bamba! Ela é bamba!...(2x) Dora, Isaura, Emília Terezinha e Marina Ana, Rita, Joana Iracema e Carolina Laura, Lígia, Luma Lucineide, Luciana Quer seu nome escrito Numa letra bem bacana... Ela é bala A mestiça é todo gás Cada braço é uma viga do país Abre o olho com ela meu rapaz Ela é quase tudo que se diz... Quando compra uma briga Ela é demais Vai no groove E não deixa desandar Ela é pop, ela é rap Ela é blues e jazz E no samba é primeira linha...

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“Vamo lá!: Laura, Ligia, Luma Lucineide, Luciana Quer seu nome escrito Numa letra bem bacana... Ela é bamba! Ela é bamba! Ela é bambá! Ela é bamba! Ela é bamba! Ela é bambá!... ALUNOS: Todos!

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