Dois nomes, dois mundos, vรกrios poemas...
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EXPEDIENTE: Diretora Geral MSSpS: Maria Helena Galucci Diretora Educacional: Clarice Aparecida Monreal P. Cavalcanti Diretora Administrativa: Pricila Spera Coordenadora Pedagógica: Maria Lúcia Coelho Enes Coordenadora de Área: Marcia Azevedo Coelho Idealização: Patrícia Ribeiro Campos e Karla Priscilla Ferreira Editora: Patrícia Ribeiro Campos Editora Gráfica: Karla Priscilla Ferreira Ilustrações: Alunos dos 9º anos de 2016 sob orientação de Marcela Ferrato Diagramação: Karla Priscilla Ferreira COLÉGIO ESPÍRITO SANTO Rua Tuiuti, 1442 - Tatuapé - São Paulo - SP www.colegioespiritosanto.com.br
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Carta ao leitor
Dois nomes - Cecília Meireles e Ferreira Gullar. Ela produziu seus livros até 1964. Ele é nosso contemporâneo e, em 1964,
alimentava seu engajamento político, aos 34 anos.
Dois mundos – O mundo de Cecília estava exposto ao horror de duas grandes guerras, o ser humano vivia tempos som-
brios em meados do século XX. A esperança deveria ser depositada nos indivíduos, ou projetada na espiritualidade? No mundo de Ferreira Gullar, a ditadura e a caça aos comunistas estavam em seu auge. Perseguidos, exilados, presos e interrogados, os autores engajados de nosso país buscavam formas para transformar a palavra no instrumento que daria voz àqueles, que, covardemente, eram calados.
Com extremo talento e sensibilidade, subjetiva ou objetivamente, esses dois grandes poetas deixaram-nos, até o pre-
sente momento, um legado de cultura, de criatividade e de sensibilidade. Ao falar de seres humanos, falam de nós. Gritam as nossas angústias, usam os recursos da poesia para esclarecer (ou tentar) a vida, despertam a paixão pela justiça, revelam-nos o mundo, despertam-nos.
Isso é Literatura. Por isso e para isso, esse projeto nasceu, desenvolveu-se e, aqui, se concretiza. Envolver os alunos
dos nonos anos de 2016 nesse trabalho é semear todos esses sentimentos e significados, é educá-los para a leitura e fazê-los entender o valor das palavras e o daqueles que as utilizam a favor da sociedade, que vislumbram a essência da vida e as consequências das ações dos homens.
Com o apoio da tecnologia e do ensino híbrido, uma tendência cada vez mais presente em nosso colégio, apresentamos
a seguir poemas de ambos os autores que foram escolhidos por nossos estudantes, as respectivas análises e os demais trabalhos que realizaram, espontaneamente, para abrilhantar ainda mais este ebook.
As interpretações de alguns poemas de Cecília Meireles foram ilustrados com a técnica da aquarela, trabalhada na
aula de Artes.
Os poemas dessa autora foram organizados de acordo com o ano de publicação dos livros que fazem parte do acervo
da nossa Biblioteca Regina Célia Andrade Paula. Quanto aos poemas de Ferreira Gullar, foram escolhidos livremente pelos alunos que os pesquisaram em várias fontes e de modos diversos, inclusive eletronicamente.
Enfim, convidamos a todos a viajar pelos dois mundos refletidos nos vários poemas das próximas páginas: o das nossas
próprias inquietações e aquele onde interagimos como cidadãos. O de Cecília Meireles e o de Ferreira Gullar.
Que esse percurso literário desperte ainda mais em nós o prazer pela leitura e a consciência da sua importância. Uma
boa viagem a todos!
Profa. Patrícia R. Campos
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SUMÁRIO Vídeo: contexto de produção dos poemas de Cecília Meireles ................................................................................................................................................. 06 Apresentação da autora Cecília Meireles .................................................................................................................................................................................. 07 Espectros - 1919......................................................................................................................................................................................................................... 08 Poema “Maria Antonieta” ......................................................................................................................................................................................................... 09 Análise do poema “Maria Antonieta” ........................................................................................................................................................................................ 10 Poema “Brâmane” ..................................................................................................................................................................................................................... 11 Análise do poema “Brâmane” .................................................................................................................................................................................................... 12 Episódio Humano – 1929-1930 .................................................................................................................................................................................................. 13 “Poema para Bela Adormecida” ................................................................................................................................................................................................ 14 Análise de “Poema para Bela Adormecida” ............................................................................................................................................................................... 16 “Diálogo” .................................................................................................................................................................................................................................... 17 Análise de “Diálogo” .................................................................................................................................................................................................................. 18 Viagem – 1939 ........................................................................................................................................................................................................................... 19 Poema “Retrato” ........................................................................................................................................................................................................................ 20 Declamação do poema “Retrato” pela autora Cecília Meireles ................................................................................................................................................. 20 Análise do poema “Retrato” ...................................................................................................................................................................................................... 21 Vaga Música – 1942 ................................................................................................................................................................................................................... 22 Poema “Modinha” ..................................................................................................................................................................................................................... 23 Análise do poema “Modinha” .................................................................................................................................................................................................... 24 Poema “Pequena Canção” ......................................................................................................................................................................................................... 25 Análise do poema “Canção” ...................................................................................................................................................................................................... 26 Retrato Natural – 1949 ............................................................................................................................................................................................................... 27 Poema “Vigília” .......................................................................................................................................................................................................................... 28 Análise do poema “Vigília” ........................................................................................................................................................................................................ 29 Animação em Quadrinhos – a poética de Cecília Meireles ........................................................................................................................................................ 30 Poema “Improviso” .................................................................................................................................................................................................................... 31 Análise do poema “Improviso” .................................................................................................................................................................................................. 32 Poemas escritos na Índia – 1953 ................................................................................................................................................................................................ 33 Poema “Poeira” .......................................................................................................................................................................................................................... 34 Análise do poema “Poeira” ........................................................................................................................................................................................................ 35 Obra Poética – 1958 ................................................................................................................................................................................................................... 36 Poema “Desenho” ...................................................................................................................................................................................................................... 37 Análise do poema “Desenho” .................................................................................................................................................................................................... 38 Poema “Fantasma” .................................................................................................................................................................................................................... 39 Análise do poema “Fantasma” ................................................................................................................................................................................................... 40 Poema “Música” ........................................................................................................................................................................................................................ 41 Análise do poema “Música” ....................................................................................................................................................................................................... 42 Poema “Criança” ........................................................................................................................................................................................................................ 43 Análise do poema “Criança”... .................................................................................................................................................................................................... 44 Ou isto ou aquilo- 1964 .............................................................................................................................................................................................................. 45
Poema “Duas Velhinhas” ........................................................................................................................................................................................................... 46 Análise do poema “Duas Velhinhas” ......................................................................................................................................................................................... 47 Poema “A Bailarina” ................................................................................................................................................................................................................... 48 Análise do poema “A bailarina” ................................................................................................................................................................................................. 49 Vídeo: contexto de produção dos poemas de Ferreira Gullar ................................................................................................................................................... 50 Apresentação do autor Ferreira Gullar ...................................................................................................................................................................................... 51 Poema Sujo – 1976 .................................................................................................................................................................................................................... 52 Vídeo “O trenzinho do caipira” – animação e áudio da música de Heitor Villa Lobos ............................................................................................................ 53 Poema “O trenzinho do caipira” ................................................................................................................................................................................................ 53 Análise do poema “O trenzinho do caipira” ............................................................................................................................................................................... 54 Excerto do livro “Poema Sujo”................................................................................................................................................................................................... 55 Análise do excerto de “Poema Sujo” ......................................................................................................................................................................................... 56 Vídeo: entrevista popular .......................................................................................................................................................................................................... 57 Poema “Não há vagas” .............................................................................................................................................................................................................. 58 Análise do poema “Não há vagas” ............................................................................................................................................................................................ 59 Poema “Traduzir-se” ................................................................................................................................................................................................................. 60 Análise do poema “Traduzir-se” ............................................................................................................................................................................................... 61 Poema “Os mortos” ................................................................................................................................................................................................................... 62 Análise do poema “Os mortos” .................................................................................................................................................................................................. 63 Poema “Dois e dois são quatro” ................................................................................................................................................................................................ 64 Análise do poema “Dois e dois são quatro” ............................................................................................................................................................................... 65 Poema “Meu povo, meu poema” .............................................................................................................................................................................................. 66 Análise do poema “Meu povo, meu poema” ............................................................................................................................................................................. 67 Poema “O que se foi” ................................................................................................................................................................................................................. 68 Análise do poema “O que se foi” ............................................................................................................................................................................................... 69 Poema “O poço dos Medeiros” .................................................................................................................................................................................................. 70 Análise do poema “O poço dos Medeiros” ............................................................................................................................................................................... 71 Poema “Cantiga para não morrer” ............................................................................................................................................................................................ 72 Análise do poema “Cantiga para não morrer” ........................................................................................................................................................................... 73 Poema “Nós, latino-americanos” ............................................................................................................................................................................................... 74 Análise do poema “Nós, latino-americanos” ............................................................................................................................................................................ 75 Referências bibliográficas ......................................................................................................................................................................................................... 76 Alunos dos 9ºs. anos do Ensino Fundamental de 2016 ............................................................................................................................................................. 77
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Cecília Meireles
Cecília Meireles (1901-1964) foi a primeira grande escritora da literatura brasileira. Nascida no Rio de Janeiro, na Tijuca, foi criada pela avó materna, pois seu pai falecera três meses antes de seu nascimento e, sua mãe, antes que ela completasse três anos. Foi também a única sobrevivente dos quatro filhos do casal.
Formou-se professora e desenvolveu uma intensa atividade literária e jornalística. A rigor, essa autora nunca esteve filiada a nenhum movimento literário. Entretanto, suas produções revelam uma inclinação para o Simbolismo.
Seus temas, frequentemente, têm traços do espiritualismo e do orientalismo.
Além disso, é frequente a presença de elementos como: o vento, a água, o ar, o tempo, o espaço, a solidão e a música.
Sua sensibilidade manifestava-se na valorização da intuição
e da emoção como formas de interpretar o mundo. A autora escreveu uma poesia reflexiva e filosófica. Cecília Meireles fala sobre o amor, o infinito, a natureza e a vida. Escreveu também livros infantis, reunidas no livro Ou isto ou aquilo.
Sobre sua maneira de ver o mundo, afirmava: “A noção e o sentimento
de transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade”.
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Espectros - 1919
Primeiro livro de Cecília Meireles, Espectros foi publicado em 1919. Cecília tinha aproximadamente dezessete anos e reuniu, nesta
obra, dezessete sonetos.
Trata-se da primeira manifestação poética de uma das maiores personalidades da literatura de Língua Portuguesa. A obra pratica-
mente desconhecida detém vestígios do Parnasianismo, com sua métrica rigorosa e rimas ricas.
Tanta rigorosidade ainda ofuscava a criatividade da autora que, mais tarde, floresceu. Mesmo assim, Espectros demonstra uma
recusa de adesão ao presente imediato, como demonstra o poema “Maria Antonieta”, em que a tematização do passado e da História se fazem presentes.
Na mesma obra, água, viagem, música, sonho e Oriente, herança do Simbolismo, acompanham o conjunto de sua obra poética. O
fascínio pela Índia, por exemplo, já está presente no soneto intitulado Brâmane.
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Roda a carreta vagarosa. E nela, Mãos atadas às costas, a rainha, Após reveses tantos ainda bela, Para o suplício estúpido caminha.
Poema
Maria Antonieta
No porte majestoso não revela Senão desdém. Que a mágoa, que a definha, O seu orgulho cauteloso vela. E a boca aristocrática e escarninha
Sorri à multidão, que, aglomerada Na praça, freme, ansiosa de vingança, Enquanto, vislumbrando a guilhotina,
A austríaca relembra, emocionada, A hora gloriosa em que chegara à França, Nos seus tempos felizes de delfina...
Vocabulário Reveses: contrário; infortúnio. Suplício: pena de morte. Definha: tornar-se sem vida; sem cor; sem ânimo. Escarninha: que revela escárnio ou menosprezo. Freme: temer. Delfina: título de nobreza, herdeira do rei.
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O poema fala da trajetória de Maria Antonieta em direção à guilhotina. Descreve seus últimos momentos e sua tentativa de
manter a dignidade e sua altivez, apesar da sede de vingança do povo. Ela, com emoção, relembra o dia em que chegou a França e os seus tempos felizes, apesar de estar caminhando para a morte.
Na primeira estrofe, o eu lírico descreve a cena em que uma carreta leva Maria Antonieta à guilhotina, com as mãos atadas
Análise
Maria Antonieta
às costas, porém ainda bela. Nas segunda e terceira estrofes, o eu poético afirma que Maria Antonieta manteve seu orgulho e sorria à multidão, apesar de sentir-se magoada, que deseja vingança. Para finalizar, a autora diz que olhando para a guilhotina Maria Antonieta lembra os dias gloriosos e passados, os dias em que chegou na França.
Quantos aos aspectos formais, o poema mostra rigidez formal na opção pelo soneto, na opção métrica decassílaba e nas rimas
cruzadas e ricas presentes, por exemplo, na primeira estrofe (rainha/caminha e nela/bela).
Em relação às figuras de linguagem, percebemos várias inversões em todo o poema. A metonímia e a prosopopeia aparecem
na segunda estrofe, como indicam os exemplos, a seguir, respectivamente:
“Senão desdém. Que a mágoa, que a definha,
O seu orgulho cauteloso vela.
E a boca aristocrática e escarninha.”
Comentário do grupo
O poema apresenta um tema histórico, pois está situado na época da Revolução Francesa. Revela um suposto sentimento
de Maria Antonieta no dia do ocorrido. O trabalho poético da autora é fiel à imagem altiva da protagonista, que, de acordo com Cecília Meireles, não perdeu sua pose de rainha, mesmo sabendo que iria morrer.
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Plena mata. Silêncio. Nem um pio De ave ou bulir de folha. Unicamente Ao longe, em suspiros murmúrio, Do Ganges rola a fulgida serpente.
Poema
Brâmane
Sem ter no pétreo corpo um arrepio, Nu, braços no ar, de joelhos, fartamente, Esparsa a barba ao peito, na silente Mata, o Brâmane sonha. Pelo estio,
Ao sol, que os céus abrasa e o chão calcina, Impassível, a silaba divina Murmura... E a cólera hibernal do vento
Não ousa à barba estremecer um fio Do esquelético hindu, rígido e frio, Que contempla, extasiado, o firmamento.
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O termo brâmane deriva do latim brachmani (ou bragmani), que, por sua vez, provém do grego brakhmânes, adaptação do
termo sânscrito védico brāhmaṇa, que significa “aquele que é versado no conhecimento de Brâman - a alma cósmica”. Um brâmane é, portanto, um membro da casta sacerdotal da cultura hinduísta.
Na primeira estrofe, a autora descreve um cenário: uma mata silenciosa, onde não se escuta nem um pio de árvore ou de aves,
Análise
Brâmane
mas afirma que, ao longe, uma fúlgida serpente rola do Ganges. Em seguida, descreve o brâmane: nu, de barba farta, ajoelhado, de corpo pétreo, imóvel, sonha. O eu lírico comenta nos versos finais que o brâmane contempla extasiadamente o firmamento, sem ser interrompido nem pelo vento em sua contemplação.
Trata-se de um soneto, cujos versos são decassílabos, exceto o terceiro da primeira estrofe. Suas rimas são interpoladas e
nos dois primeiros versos da terceira estrofe, paralelas. Alguns advérbios como “unicamente e “fartamente” formam rimas ricas com os substantivos “serpente” e com o adjetivo “silente”, respectivamente.
A terceira estrofe é um bom exemplo de hipérbato.
Comentário do Grupo
Em “Brâmane”, entramos em contato com uma cultura muito diferente da nossa. O poema é místico e, de tão diferente, acaba
se tornando interessante e atraente.
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Episódio Humano - 1929 - 1930
Episódio Humano reúne 31 textos publicados pela escritora originalmente entre 1929 e 1930 em uma coluna dominical de “O Jornal”,
importante periódico diário que circulou no Rio de Janeiro.
O que chama a atenção foi o fato de a própria Cecília ter separado e reunido os recortes, bem como preparado um texto de apre-
sentação, entendendo-os como um conjunto que formava uma unidade sentimental e literária de uma época de sua vida. Como as palavras da própria autora:
“Relendo-os, verifico que ainda me comovem essas páginas. Nelas está minha vida, em toda a sua pureza, numa fase amargurada
de construção. Amo essa tristeza conformada da minha disciplina. E, olhando para esse tempo de duras experiências, apenas me restaria murmurar, e a dor têm sempre caminhos mais longos! E. De modo que um esplendor mágico abre sobre as tragédias um relâmpago. E o coração resiste, pela força do deslumbramento.”
“Poema para a Bela Adormecida” e “Diálogo” são dois desses textos, escritos em prosa, que contribuem para demonstrar o brilhan-
tismo dessa escritora tão especial.
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Bela Adormecida, eu tinha a certeza de te encontrar de olhos fechados, mas o que eu não posso saber é se esperavas por mim...
Eu estava longe do teu país cercado de muralhas, onde os rios pararam de caminhar com os seus vestidos de água, e as serpentes
ficaram sem movimento, como braceletes, enroladas nas árvores. Como foi que soube que tinhas adormecido, se nenhum pássaro me foi levar o teu segredo e nuvem nenhuma transportou para o meu céu a notícia do teu sonho?
Texto lírico
Poema para Bela Adormecida
Bela Adormecida, meu desejo veio cortando as florestas e as pedras e os mares. Meu destino, como um tapete, se desdobrou
pelo tempo afora até chegar aqui.
***
Tua vida está sobre a noite, luminosa, quieta, como a lua parada do teu mundo. Quem te paralisou no espaço paralisado? Não tens mais destino
a seguir, ou esqueceste o destino teu?
Bela Adormecida, acaso te envenenaram as flores? Pisaste espinhos? Bebeste vinhos mágicos? Sofres bruxedo das estrelas ou do mar?
Dentro do encantamento que te cerca, sou a única forma que permanece acordada. E sinto a infinita tristeza de chamar pela voz que não respon-
de, e aguardar o gesto que já não sei quando virá...
Bela Adormecida, eu trago riquezas acumuladas, com que teus olhos se alegrarão. Brincarás com todas as coisas preciosas que deslumbram os
reis. Todas as pedras luminosas que a terra gerou dançarão nos teus dedos como guizos cantando cores...
Meus olhos também podem rolar entre os teus brinquedos, com os brilhos mais diferentes.
Bela Adormecida, eu verei o arco-íris aceso nas tuas mãos: porque meus olhos estão repletos de sol, do meu sol de longe... Porque os meus olhos
estão carregados de chuva, desde que cheguei perto de ti...
Quando eu vinha por entre as florestas e por cima dos mares, colhi dentro das folhas e das ondas vozes que ainda não tinham sido ouvidas. Trago
em minha alma vasos e vasos cheios de inéditas canções.
Bela Adormecida ficarei ao pé de ti, abraçando o teu sono, respirando o mistério da sua durarão. E dos meus olhos, sonhando, sairão as palavras
guardadas, como o aroma irreprimível das jarras que fumegam.
Pode ser que te agites que estremeças, e a tua presença observe silenciosa, em torno de ti. Mas pode ser que venhas ainda com tanta noite nas
pupilas que não me vejas, rodeado de sombras, e digas, readormecendo: “Deixa-me, pássaro importuno, pois não sabes que é meu único bem, dormir”? ***
Bela Adormecida é preciso que acordes para que nasça o dia. E então o dia nascerá como um sino de ouro que se levanta... E sairão pombos
brancos para todas as direções. A aurora balançará todas as suas bandeiras coloridas e, do alto das montanhas douradas, rios novos nascerão, sonoros e claros, feitos com aquelas estrelas das noites aniquiladas.
Sobre a terra festiva, teu vulto aparecera coberto de joias, com a graça espiritual das acácias floridas. E, da areia dos teus jardins ao fundo das
florestas e dos mares que envolvem o teu país, um sopro de felicidade imprimirá em cada coisa mínima a revelação do teu amanhecimento.
Bela Adormecida, toda a paisagem será como um vestido novo sobre os teus ombros, no momento em que os teus olhos se abrirem sobre a terra
e os teus dois braços se alongarem para o céu.
Não será mais uma vida como a vida de outrora, depois que despertares do teu sono. Deves estar dormindo há tanto tempo... Há tanto tempo...
O sentido das coisas se transformou, também...
Bela Adormecida, vão amadurecer agora as alegrias para os lábios que sofreram no tempo em que tudo parou...
Vem dessa viagem prolongada do teu pensamento! Tudo esteve sonhando, juntamente contigo. Vai florir toda uma era de milagres em redor de
ti, como um pomar desabrochante.
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Bela Adormecida, eu te esperarei, entre as riquezas derramadas, indiferente à extensão da minha espera, sustentado pela minha
própria fidelidade.
Embora sinta que, no teu adormecimento, estás imortal e incorruptível como as estátuas de ouro.
Embora sinta que, na minha espera, estou vulnerável e frágil como um simples homem amando.
Poema
Poema para Bela Adormecida
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O eu lírico diz em sua narrativa que a paixão da sua vida, a quem chama de Bela Adormecida, está intacta e faz declarações do
amor que sente por ela. Ele a contempla e admira-a em sua pureza e ingenuidade. Afirma que manterá a espera até o seu amadurecimento, para que possa concretizar esse amor. Quanto aos aspectos formais, o texto está organizado em 20 parágrafos.
Análise
Poema para Bela Adormecida
A conotação está muito presente no texto, a linguagem poética se faz presente, através de metáforas e comparações, como nos
exemplos abaixo, respectivamente:
“Bela Adormecida, eu verei o arco-íris aceso nas tuas mãos: porque meus olhos estão repletos de sol, do meu sol de longe...
Porque os meus olhos estão carregados de chuva, desde que cheguei perto de ti...”
“Tua vida está sobre a noite, luminosa, quieta, como a lua parada do teu mundo.”
Comentário do Grupo
O amor representado no poema é um tema universal, assim como a esperança. O modo como o narrador aborda a “Bela
Adormecida” é encantador, pelo simples fato de estar apaixonado por uma mulher que ainda não está pronta para receber o seu amor. Entretanto, o eu lírico alimenta a esperança de que, algum dia, ela corresponderá e realizará esse amor. Trata-se de um texto lírico de extrema sensibilidade.
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- A minha amada, tu não sabes como é linda... Parece um rio muito fresco, passando devagarinho entre as pedras, sob as árvores...
Seus olhos são da cor daquela montanha lá longe. Quando olho bem para eles, sinto que estou viajando pelas distâncias dos
pássaros.
Sua boca rumorejante de risos parece uma cigarra vermelha.
Ainda tenho comigo o cheiro e o gosto da sua face: e é como um sonho num jardim, por onde passam abelhas zunindo, ou beijos...
A minha amada, tu não sabes, é assim morena como a terra coberta de sol, mas seu corpo é feito de todas as branduras dos luares
Texto lírico
Diálogo
alvos e,
A minha amada - escuta bem o que te digo! - tem uma voz quando ela caminha, de tão lenta e airosa e bela de movimento, lembra os barcos
balançados nas curvas do mar. muito languida, muito morna, com esses delíquios das últimas ondas que ficam nas praias, ao crepúsculo. A minha amada desfolhou as mãos sobre a minha cabeça como um ramo de flores. Estou feliz porque sinto a sua doçura dormindo nos seus cabelos. Queria que todo o mundo soubesse que estou coberto de auréolas!...
Tu não sabes o que é isto, homem sombrio! Tu não sabes o que é uma vida assim, de encantamento e loucura! Tu não sabes, não sabes, homem
quieto e insensível, homem de coração fechado, que nunca amaste uma mulher.
- Fica sabendo que a minha amada também é linda. É linda como um rio fresco passando devagarinho, mas para muito longe. Em cada movimen-
to, sua vida se transfigura. Não a posso nunca prender definitivamente nas mãos.
A minha amada tem também os olhos da cor daquela montanha lá longe. Seus olhos são, na verdade, duas montanhas paradas no meio da minha
vida. Minha vida não pode passar. Um dia, meus lábios passaram perto dos seus lábios. Vi que eram também iguais a uma cigarra vermelha. Mas não senti rumorejarem os risos. Parei o vento de cada gesto, para não fugirem aquelas duas curtas asas. Sei, porém, que desapareceram. Por quê?
A minha amada, não te esqueças, tem a cor deste chão agora, que brilha o sol o seu corpo é muito mais fino que a luz dos luares, e caminha com
essa cadência dos barcos na mão das águas... Seu destino, porém, reside em afastados horizontes... Em vão meus olhos nadam atrás dela, acompanhando-a; seus passos estão nos remos vagarosos, mas seu pensamento vai ao alto, acima dos mastros, acima das gaivotas, guardado nas nuvens... A minha amada, sabes, não falou nunca. Não sei como brotam as suas palavras, não sei... Mas ornamento-lhe a boca de todos os ritmos preciosos; ponho-lhe à borda dos lábios a voz inédita de um pássaro à beira de uma taça, cantando. Se a minha amada desfolhasse as mãos sobre os meus cabelos, eu ficaria para sempre imóvel e oculto, para que se não desmanchasse nunca nem o rastro nem o aroma das suas fugitivas mãos.
Sei, porém, que há dias que não chegam, desejos que não se animam: e fico ao longe escutando em mim toda esta música dos sonhos presos,
vendo comigo estrelas morrendo, oceanos apagando-se, e tantos jardins fugindo...
Se um dia visses a minha amada, saberias como podem os olhos cegar para o resto do mundo, como não vale a pena ver, como é tão inútil falar...
Se um dia visses a minha amada, saberias como se pode atravessar da vida à morte, conhecer nenhuma das coisas que afligem os homens, e
também nenhuma das coisas que os encantam...
E havia na extremidade de um mesmo caminho, a sombra de uma única mulher entre as margens daquelas duas memórias.
Uma pobre mulher, encostada ao tempo, e pensando com tristeza numa hora impossível de amor.
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A narradora apresenta uma conversa entre dois homens apaixonados que discutem a beleza de suas amadas. Eles realizam
comparações entre as características dessas mulheres, como, por exemplo, suas bocas com cigarras vermelhas e a cor de seus olhos com montanhas.
A narrativa está organizada em dezenove parágrafos, cheios de lirismo e de poesia, representados pelas diversas metáforas e
Análise
Diálogo
comparações distribuídas ao longo do texto.
Comentário do Grupo
A surpresa reservada para o desfecho do texto garante o interesse pela leitura.
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Viagem - 1939
Em 1939, em Lisboa, Cecília Meireles publica Viagem, quando adota o sobrenome literário Meireles, sem o l dobrado.
Nesta obra, Cecília alia delicadeza à sensibilidade. O domínio seguro das formas poéticas acompanhado de um vigor ao penetrar nas
inquietações da humanidade.
O livro recebeu o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras, em 1938, e foi publicado no ano seguinte. Representa uma
viagem na poesia moderna e na alma humana. Os versos da autora avivam imagens e sentimentos até então adormecidos em nosso interior.
Em “Retrato”, por exemplo, o eu lírico utiliza as imagens das mãos, do rosto, dos olhos e dos lábios para representar as mudanças pelas
quais passamos e a fugacidade da vida.
Com o obra, a poetisa entra na sua fase de maturidade poética e, por seus olhos, observamos toda manifestação de vida, sendo a
descrição um dos traços de sua poesia.
Este livro é composto de 99 poemas, dentre os quais 13 são epigramas, poemas curtos, que tratam da felicidade, da poesia, do amor
e até da morte.
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Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Poema
Retrato
Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas; eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil: — em que espelho ficou perdida a minha face?
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O eu lírico, neste poema, faz um retrato de si próprio, constatando as mudanças, as transformações psicológicas e físicas pelas
quais foi passando ao longo da vida.
Nas primeira e segunda estrofes, depara-se consigo mesmo e com as mudanças impostas pelo tempo.
Na terceira e últi-
ma estrofe, expressa sua surpresa com as transformações físicas e psicológicas pelas quais passou e nem mesmo percebeu.
Análise
Retrato
O poema apresenta três estrofes e não se nota uma métrica rígida. Aparentemente, houve uma preferência por versos octossíla-
bos.
Nos segundo e quarto versos das primeira e segunda estrofes, há rimas imperfeitas, pobre (magro/amargo) e rica (mortas/
mostra), respectivamente.
O paralelismo perceptível nos primeiros versos de cada estrofe e a repetição da palavra assim, na primeira estrofe, e da palavra
tão, na terceira, contribuem para garantir o ritmo e a sonoridade tão característica dos poemas de Cecília Meireles.
Nota-se, ainda, a prosopopeia em várias passagens do poema, quando se atribuem características animadas para “mãos”,
“coração” e “rosto”. Ainda sobre as figuras de linguagem, “mãos mortas” e “coração que não se mostra” indicam metonímia. Na última estrofe, “- Em que espelho ficou perdida/a minha face?”, existe uma inversão. Os “olhos vazios” e “os lábios amargos”, podem ser considerados também uma metáfora para representar alguém decepcionado com a vida.
Comentário do Grupo
No poema “Retrato”, Cecília Meireles utiliza sua sensibi-
lidade poética para descrever de maneira melancólica as transformações pelas quais passou. Ela deixa implícitas as marcas que a vida lhe impôs. Trata-se de uma viagem ao interior do ser humano que, distraído em sua rotina, não percebe a vida passando e seu próprio envelhecimento. A poesia é um alerta.
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Vaga Música - 1942
Uma das boas sugestões literárias da poesia brasileira é o livro Vaga música (1942), de Cecília Meireles, que marcou definitivamente
o auge de sua carreira. É uma poesia contínua que vai ao encontro das imagens do mar.
Nesse livro, uma das formas poéticas mais utilizadas é a da canção, o que vem indicado, à maneira antiga, já nos títulos: “Pequena
canção da onda”, “Canção da menina antiga”, “Canção excêntrica”, “Canção quase inquieta”, “Canção do caminho”, “Canções do mundo acabado”, “Canção quase melancólica”, “Canção de alta noite”, entre outras...
Tendo herdado a linguagem musical e cadenciada do Simbolismo (Movimento literário da poesia e das outras artes que surgiram na
França, no final do século XIX, como oposição ao Realismo, ao Naturalismo e ao Positivismo da época.), e procurando depurá-lo, o lirismo de Cecília Meireles é perpassado pela melancolia e pelo sentimento da saudade do tempo que passou, o que sugere uma reflexão sobre a fugacidade da vida, a descrição do real e a preocupação com a falta de sentido da existência, bem como a ênfase na condição solidária do homem.
Os dois poemas, a seguir, “Modinha” e “Pequena canção”, são representativos dessa fase especial de Cecília Meireles.
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Tuas palavras antigas deixei-as todas, deixei-as, junto com as minhas cantigas, desenhadas nas areias.
Poema
Modinha
Tantos sóis e tantas luas brilharam sobre essas linhas, das cantigas — que eram tuas — das palavras — que eram minhas!
O mar, de língua sonora, sabe o presente e o passado. Canta o que é meu, vai-se embora: que o resto é pouco e apagado.
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Na primeira estrofe, o eu poético fala para um alguém deixar os acontecimentos passados de lado, assim como ele. Na segunda
estrofe, a autora lembra-se destes acontecimentos e percebe quanto tempo já se passou.
Por fim, atribui ao mar características de
um sábio, que compreende o presente e o passado, e pede a ele que lhe traga apenas o essencial, e que leve o resto junto com suas ondas.
O poema “Modinha”, de Cecília Meireles, mantém uma regularidade na composição das estrofes, pois todas apresentam quatro
Análise
Modinha
versos, que são heptassílabos. Quanto às rimas, aparecem no primeiro e no terceiro versos, assim como no segundo e no quarto versos de todas as estrofes, sua classificação é, portanto, de rimas cruzadas, perfeitas e ricas.
Na última estrofe, em relação ao mar, constatamos a prosopopeia, já que são atribuídas a ele ações animadas como a de con-
hecer o passado.
Comentário do Grupo
Trata-se de um poema lírico que nos ensina a seguir em frente.
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Pássaro da lua, que queres cantar, nessa terra tua, sem flor e sem mar?
Poema
Pequena Canção
Nem osso de ouvido Pela terra tua. Teu canto é perdido, pássaro da lua...
Pássaro da lua, por que estás aqui? Nem a canção tua precisa de ti!
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Na primeira estrofe do poema, o eu lírico pergunta a um pássaro o que ele quer cantar em uma terra sem flor e sem mar. Em
seguida, na segunda estrofe, afirma que o canto do pássaro é perdido. Finaliza, na terceira estrofe, perguntando ao pássaro por que ele está lá, pois nem mesmo a canção dele precisa de sua presença.
Organizado em três estrofes de quatro versos cada, o poema apresenta rimas ricas (“lua” e “tua”), que aparecem no primeiro
Análise
Pequena Canção
e no terceiro verso das três estrofes, alternando-se com outras. Essas rimas são ricas, pois pertencem a classes gramaticais diferentes. Os versos estão em redondilha menor.
Em “pássaro da lua” percebemos uma metáfora.
Comentário do Grupo
O poema é melancólico. Parece que o pássaro não tem um lugar apropriado para ele, que está perdido.
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Retrato Natural - 1949
Retrato Natural, publicado em 1949, apresenta poemas escritos de uma forma muito próxima da realidade, misturando um tom
confessional e uma música interior.
A obra envolve cores, flores, pássaros, movimentos existenciais que têm como pano de fundo um sentimento de finitude, por vezes
irônico ou de puro deleite.
Retrato Natural é um convite aos intensos mistérios da poética de Cecília Meireles. A realidade é buscada, imune a qualquer inter-
ferência banal, no sentido de tornar palpável o que é impalpável.
Em “Vigília”, família e morte se enredam na formação da personalidade poética da autora. O poema faz alusão ao seu primeiro
marido, Fernando Correia dias, que se suicidou em 1935.
Em “Improviso”, vida e canção se tornam uma só, em uma tentativa fluida de explicar a percepção da existência.
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Como o companheiro é morto, todos juntos morreremos um pouco.
Poema
Vigília
O valor de nossas lágrimas sobre quem perdeu a vida não é nada.
Amá-lo, nesta tristeza, é suspiro numa selva imensa.
Por fidelidade reta ao companheiro perdido, que nos resta?
Deixar-nos morrer um pouco por aquele que hoje vemos todo morto.
28
Na primeira estrofe do poema, o eu lírico diz que quando uma pessoa próxima morre, um pedaço de nós vai embora. Na se-
gunda estrofe é dito que quando choramos pela perda de alguém nossas lágrimas são impotentes diante da perda. Já na terceira estrofe, a autora compara o sentimento de tristeza a um suspiro da selva. Na quarta estrofe e na última, diz que não resta nada para alguém que perde quem ama. É um pouco de morte, também, para quem fica.
Análise
Vigília
No poema “Vigília”, há cinco estrofes com três versos, portanto há regularidade de estrofes. Os versos um e dois de cada
estrofe são heptassílabos. Os dois últimos versos das estrofes um e dois são dissílabos. Os dois últimos versos das estrofes três e quatro são trissílabos. O poema não apresenta rimas. Há comparação em ‘’Amá-lo, nesta tristeza, é suspiro numa selva imensa.”
Comentário do Grupo
O poema “Vigília” de Cecília Meireles aborda um tema muito sensível, que nos faz refletir e que envolve sentimentos profundos
como saudade e a perda.
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HQ
A poĂŠtica de CecĂlia Meireles
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Minha canção não foi bela: minha canção foi só triste. Mas eu sei que não existe mais canção igual àquela.
Poema
Improviso
Não há gemido nem grito pungentes como a serena expressão da doce pena.
E por um tempo infinito repetiria o meu canto -saudosa de sofrer tanto.
31
O eu lírico afirma que sua canção não foi bela, mas triste. Apesar disso, afirma que não há gemido ou grito tão pungentes
quanto essa canção que é de doce pena. Finaliza o poema, afirmando-se saudosa desse sofrimento.
O poema apresenta três estrofes. A primeira apresenta quatro versos e as duas estrofes seguintes, três. Distribuem-se, pelas
estrofes, rimas cruzadas e paralelas. Essas rimas são ricas como acontece nos quatro versos da primeira estrofe, por exemplo.
Análise
Improviso
Pode-se entender a palavra “canção”, como a poesia, a criação e a vivência do eu-lírico, o que se configura como uma metáfora.
Em “Não há gemido nem grito/pungentes como a serena/expressão da doce pena”, encontramos uma comparação, seguida por uma inversão. .
Comentário do Grupo
O poema de Cecília Meireles é poema curto e de linguagem simples. Fala sobre uma canção triste que pode retratar a vida
dela que está sendo muito triste, parecendo uma canção com altos e baixos. Isso pode ser comparado às nossas vidas, o que nos deixa sensibilizados com a poesia.
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Poemas escritos na Índia - 1953
Em 1953, Cecília Meireles viajou à Índia, a convite do primeiro ministro daquele país. Nessa ocasião, explorou esse mundo enigmáti-
co e fascinante, com o qual estava ligada desde a infância por causa de uma frase que sua avó, para ela, recitava, quando estava com pressa de algo: Cata, cata que é viagem da Índia...
Nesta obra, além de explorar formas e imagens de elementos cotidianos, que a marcaram em sua travessia naquele país, Cecília
também fala com muita sensibilidade das pessoas e lugares emblemáticos que lá existiram.
O poema “Poeira” é um mosaico dessas imagens, das ruas indianas, de seu povo, de seus animais e dessa mistura que ornamenta a
palavra Índia.
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Por mais que sacuda os cabelos, por mais que sacuda os vestidos, a poeira dos caminhos jaz em mim.
Poema
Poeira
A poeira dos mendigos, em cinza e trapos, dos jardins mortos de sede, dos bazares tristes, com a seda a murchar ao sol, a poeira dos mármores foscos, dos zimbórios tombados, dos muros despidos de ornatos, saqueados num tempo vil.
A poeira dos mansos búfalos em redor das cabanas, das rodas dos carros, em ruas tumultuosas, do fundo dos rios extintos, de dentro dos poços vazios, das salas desabitadas, de espelhos baços,
a poeira das janelas despedaçadas, das varandas em ruína, dos quintais onde os meninozinhos brincam nus entre redondas mangueiras.
A poeira das asas dos corvos nutridos de poeira dos mortos, entre a poeira do céu e da terra.
Corvos nutridos da poeira do mundo. De poeira da poeira.
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Em “Poeira”, a autora descreve uma série de imagens com as quais se deparou na Índia. Na primeira estrofe, afirma que já é
parte do cenário. A poeira já está nela.
Entre as segunda e quarta estrofes, a autora fala da miséria, da secura, das ricas construções
do passado, que no presente são ruínas, dos miseráveis e dos meninos nus, que povoam as ruas. Na quinta estrofe, é como se a morte prevalecesse na imagem do corvo descrito como uma ave alimentada da poeira dos mortos. A última estrofe do poema retoma a imagem
Análise
Poeira
da morte, corvos se nutrem da poeira do mundo.
Quanto aos aspectos formais, o poema não apresenta metrificação; não apresenta rimas; possui seis estrofes com diferentes
números de versos. Percebe-se, portanto, uma tendência modernista de não seguir padrões formais pré-estabelecidos.
A palavra poeira é a principal metáfora do poema. Representa o passado e o presente, a melancolia e a miséria, a mística do
lugar. Na primeira estrofe, é possível identificar, também, a personificação da palavra poeira, que sacode os cabelos, os vestidos e que jaz no eu lírico.
Comentário do Grupo
Cecília Meireles foi muito feliz ao comparar as ações dos humanos à poeira, pois é isso que resta, muitas vezes, das atitudes que
tomam, do descaso do outro, da vida, enfim. Tudo desaparece e se desfaz.
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Obra Poética - 1958
Obra poética, de 1958, reúne toda a produção poética de Cecília Meireles até aquele momento.
Nesta obra estão representadas as fases de sua produção, sua arte pessoal que permanece fiel a si mesma, aos motivos íntimos, haja
vista sua independência em relação às principais correntes de seu tempo.
“Desenho”, “Fantasma”, “Música” e “A criança”, apresentados, a seguir, dão-nos uma ideia do trabalho de Cecília Meireles, neste
livro.
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pescador tão entretido numa pedra ao sol, esperando o peixe ferido Pelo teu anzol,
Poema
Desenho
Há um fio do céu descido sobre o teu coração de longe estás sendo ferido por outra mão
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O eu lírico diz, na primeira estrofe, que um pescador espera o peixe ferido pelo anzol de uma segunda pessoa. Na segunda
estrofe, o poeta fala que uma segunda pessoa está sendo ferida de longe pelo fio descido de outra mão sobre o seu coração.
Quanto aos aspectos formais podemos dizer que apresenta uma regularidade na composição das estrofes. São duas e apresen-
tam quatro versos. Não há métrica definida. Quanto às rimas, aparecem em todas as estrofes, são cruzadas e pobres.
Análise
Desenho
A metáfora está presente na imagem do fio descido do céu ligado a um coração. Como a palavra coração representa alguém,
podemos considerá-la uma metonímia.
Comentário do Grupo
Apesar de simples, o poema é belo, porque fala de amor.
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Para onde vais, assim calado, de olhos hirtos, quieto e deitado, as mãos imóveis de cada lado?
Poema
Fantasma
Tua longa barca desliza por não sei que onda, límpida e lisa, sem leme, sem vela, sem brisa...
Passas por mim na órbita imensa de uma secreta indiferença, que qualquer pergunta dispensa.
Desapareces do lado oposto e, então, com súbito desgosto, vejo que teu rosto é o meu rosto,
e que vais levando contigo, pelo silencioso perigo dessa tua navegação,
minha voz na tua garganta, e tanta cinza, tanta, tanta, de mim, sobre o teu coração!
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O eu lírico fala, na poesia, sobre a morte de si mesmo.
O corpo deitado, sendo levado por uma barca, representa a morte e a passagem do corpo físico para o espírito. Há elementos
na poesia que permitem que se perceba isso, como a descrição da pessoa e a imobilidade de seus olhos, além do próprio título da poesia. A barca também pode representar o caixão.
No quarto parágrafo o eu lírico, que até então descrevia o que observava, percebe
Análise
Fantasma
que a pessoa que antes lhe era indiferente, na verdade era ele próprio, seu corpo sem vida diante de seus olhos. É possível notar que, durante toda a poesia, o eu poético demonstra certa confusão e sofrimento por não saber o que se passa, já que sente indiferença e desgosto pelo acontecimento. A última estrofe da poesia representa o desespero e o aperto no coração que o eu lírico sente ao ver seu cadáver e o momento da despedida dele com seu corpo, que será levado para um lugar desconhecido e nunca mais será visto.
No poema “Fantasma”, há seis estrofes que apresentam três versos cada uma, que não possuem métrica definida. O poema
apresenta rimas perfeitas, distribuídas ao longo da poesia nos três versos, com exceção da quinta e sexta estrofes, que apresentam rimas perfeitas no primeiro e no segundo verso e uma rima perfeita entre o último verso da quinta estrofe e o respectivo da sexta. Além disso, essas rimas são classificadas como ricas na segunda e terceira estrofes e as outras estrofes apresentam rimas pobres. Não há regularidade nas rimas quanto à sua posição nas estrofes.
A barca, representando a transição vida/morte, é uma metáfora. Pode-se afirmar que o próprio poema é a metáfora de uma
consciência: a de que se está morrendo.
Comentário do Grupo
As poesias de Cecília Meireles são, sem dúvida alguma, a representação da mais pura sensibilidade e senso poético. “Fantasma
tem todo um contexto que nos envolve: sua linguagem sensível e fluida. Cecília Meireles soube utilizar os mais diversos elementos para demonstrar suas ideias. “Fantasma” convida-nos a entrar em um tema não muito agradável, que muitas vezes tentamos evitar, mas que se configura como a única certeza em nossa existência..
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Noite perdida,
a minha vida)
não te lamento:
num chão profundo!
embarco a vida
- raiz prendida
no pensamento,
a um outro mundo.
busco a alvorada
Rosa encarnada
do sonho isento,
do sonho isento,
puro e sem nada,
muda alvorada
- rosa encarnada,
que o pensamento
intacta, ao vento.
deixa confiada
Noite perdida,
ao tempo lento...
noite encontrada,
Minha partida,
morta, vivida,
minha chegada,
e ressuscitada...
é tudo vento...
Poema
Música
(Asa da lua quase parada,
Ai da alvorada! Noite perdida,
mostra-me a sua
noite encontrada...
sombra escondida, que continua
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Nas três primeiras estrofes, o eu-lírico não lamenta a noite perdida, porque afirma buscar a alvorada. Nas quatro estrofes
seguintes, refere-se à noite como algo que volta, ressuscitada, e pede que mostre-lhe a sombra que contém a sua vida. Nas estrofes seguintes, o eu lírico refere-se a um tempo lento, de partida e de chegada e retoma a ideia de uma noite perdida, que é, também, uma noite encontrada.
Análise
Música
O poema “Noite” de Cecilia Meireles, apresenta onze estrofes de três versos, sendo que a penúltima tem, apenas, um verso. Há
rimas ricas, ou seja, tem palavras de classificações morfológicas diferentes rimando entre si, como perdida/vida, lamento/pensamento. Quanto à métrica, os versos são tetrassílabos.
Há muitas repetições do fonema /m/ e /n/, o que se configura como aliteração. Em “Noite perdida,/noite encontrada”, há
antítese e também paradoxo, pois não se pode encontrar algo no que se perde.
Comentário do Grupo
O poema apresenta palavras que expressam fortes sentimentos.
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Cabecinha boa do menino triste, de menino triste que sofre sozinho, que sozinho sofre, - e resiste.
Poema
Criança
Cabecinha boa do menino ausente, que de sofrer tanto se fez pensativo, e não sabe mais o que sente...
Cabecinha boa de menino mudo que não teve nada, que não pediu nada, pelo medo de perder tudo.
Cabecinha boa de menino santo que do alto se inclina sobre a água do mundo para mirar seu desencanto.
Para ver passar numa onda lenta e fria a estrela perdida da felicidade que soube que não possuíra.
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O eu lírico fala de um menino triste que sofre sozinho e resiste, que pensa tanto que não sabe o que sente, que não pede nada,
porque tem mede de perder tudo. Nas duas últimas estrofes, refere-se ao menino como um santo que vê o mundo de cima e percebe a felicidade que não teve.
O poema apresenta cinco estrofes de três versos cada. Os dois primeiros são hendecassílabos e o último, octossílabo. O pri-
Análise
Criança
meiro verso de cada estrofe rima com o último e, na maioria, essas rimas são ricas.
Há metonímia na representação do menino através de sua cabecinha. Na última estrofe, percebemos inversões.
Comentário do Grupo
O poema de Cecília Meireles é um poema muito interessante por envolver seus leitores com a história de um menino, que
poderia ser qualquer criança do nosso país.
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Ou isto ou aquilo - 1964
Publicado pela primeira vez em 1964, Ou isto ou aquilo, de Cecília Meireles, é um livro que imprimiu sua marca na memória afetiva
de gerações de leitores e ocupa posto de destaque na literatura infantil brasileira.
Cantigas de ninar, cantigas de roda e trava línguas são formas de expressão muito próximas do mundo da criança. A autora joga com
as palavras, criando um universo encantador e, de maneira leve, coloca a criança diante dos caminhos a seguir, como no poema que dá nome ao livro: “Ou se tem chuva e não se tem sol / ou se tem sol e não se tem chuva! / Ou se calça a luva e não se põe o anel, / ou se põe o anel e não se calça a luva!”. Cecília explora a sonoridade, o ritmo, as rimas, as repetições e a musicalidade, como se pode notar em “Rômulo rema”: “Rômulo rema no rio. / A romã dorme no ramo, / a romã rubra. (E o céu.)”.
A autora resgata o universo infantil, permeado por perguntas imprevisíveis, monólogos, situações surpreendentes, comparações
incomuns, em que a fantasia e a imaginação estão sempre presentes. O leitor se depara com a borboleta no jardim, a bela bola que rola, a casa da avó, a água da chuva e a lua, que aparece depois da chuva, além de outras cenas e sensações. Sensações estas que parecem sempre ter existido, mas que somente a sensibilidade de Cecília Meireles tem o dom de revelar.
São desta obra os textos “Duas Velhinhas” e “A bailarina”, que veremos, a seguir.
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Duas velhinhas muito bonitas, Mariana e Marina, estão sentadas na varanda: Marina e Mariana.
Poema
Duas Velhinhas
Elas usam batas de fitas, Mariana e Marina, e penteados de tranças: Marina e Mariana.
Tomam chocolate, as velhinhas, Mariana e Marina, em xícaras de porcelana: Marina e Mariana.
Uma diz:”Como a tarde é linda, não é, Marina?” A outra diz: “Como as ondas dançam, não é Mariana?”
“Ontem, eu era pequenina”, diz Marina. Ontem, nós éramos crianças”, diz Mariana.
E levam à boca as xicrinhas, Mariana e Marina, as xicrinhas de porcelana: Marina e Mariana.
Tomam chocolate, as velhinhas, Mariana e Marina, em xícaras de porcelana: Marina e Mariana.
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Neste poema infantil, o eu lírico conta a história de duas velhinhas, Marina e Mariana, que, provavelmente, são amigas desde
a infância e relembram momentos de quando eram jovens.
Nas três primeiras estrofes, a autora diz que duas velhinhas muito bonitas estão sentadas em uma varanda, tomando chocolate
e que usam penteados de tranças. Na quarta estrofe, elas comentam a beleza da tarde e o balanço das ondas e, seguir, na quinta estrofe,
Análise
Duas Velhinhas
o passar do tempo. A autora finaliza o poema através de outras duas estrofes que reafirmam que as velhinhas tomam chocolate em xícara de porcelana.
São sete estrofes, de quatro versos cada. Não há métrica definida, mas vários versos octossílabos. A ausência de rimas não
impede que o poema tenha ritmo, pois as aliterações e assonâncias o garantem.
Comentário do Grupo
A graça do poema está na forma simples e singela que a autora usa para se referir às velhinhas.
47
Esta menina tão pequenina quer ser bailarina.
Poema
A Bailarina
Não conhece nem dó nem ré mas sabe ficar na ponta do pé.
Não conhece nem mi nem fá Mas inclina o corpo para cá e para lá.
Não conhece nem lá nem si, mas fecha os olhos e sorri.
Roda, roda, roda, com os bracinhos no ar e não fica tonta nem sai do lugar.
Põe no cabelo uma estrela e um véu e diz que caiu do céu.
Esta menina tão pequenina quer ser bailarina.
Mas depois esquece todas as danças, e também quer dormir como as outras crianças.
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O eu lírico no poema “A bailarina” fala sobre uma menina que futuramente pode ser uma bailarina muito boa. Mesmo não
conhecendo nenhuma nota musical, apresenta talentos como ficar na ponta do pé, se inclinar para um lado e para o outro, rodar sem sair do lugar. A autora finaliza o poema dizendo que, apesar de todo o talento, a menina termina como todas as crianças: dormindo tranquila.
São oito estrofes. A primeira e a penúltima são trissílabas. As demais são dissílabas. Não há métrica definida e as rimas existem
Análise
A Bailarina
em todas as estrofes. Muitas são ricas como “pequenina” e “bailarina”, “si” e “sorri”.
No verso “Roda, roda, roda, com os bracinhos no ar”, há uma aliteração. Em “Põe no cabelo uma estrela e um véu”, encontra-
mos uma metáfora. Em “e também quer dormir como as outras crianças” há uma comparação.
Comentário do Grupo
O poema é dirigido para um público infantil e é de fácil leitura. Mas também pode ser lido por adultos, pois, principalmente as
mulheres, lembrarão de sua infância e dos sonhos que tinham.
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Ferreira Gullar
Ferreira Gullar é o sétimo ocupante da cadeira nº 37, da Academia Brasileira de Letras, eleito em 9 de out-
ubro de 2014, na sucessão de Ivan Junqueira, e recebido em 5 de dezembro de 2014, pelo Acadêmico Antonio Carlos Secchin.
Seu nome verdadeiro é José de Ribamar Ferreira. Nasceu em São Luís do Maranhão, em 10 de setembro
de 1930, numa família de classe média pobre. Dividiu os anos da infância entre a escola e a vida de rua, jogando bola e pescando no Rio Bacanga. Considera que viveu numa espécie de paraíso tropical e, quando chegou à adolescência, ficou chocado em ter que tornar-se adulto, e tornou-se poeta.
Descobriu a poesia moderna apenas aos dezenove anos, ao ler os poemas de Carlos Drummond de Andrade
e Manuel Bandeira. Ficou escandalizado com esse tipo de poesia e tratou de informar-se, lendo ensaios sobre a nova poesia. Pouco depois, aderiu a ela e adotou uma atitude totalmente oposta à que tinha anteriormente, tornando-se um poeta experimental radical, que tinha como lema uma frase de Gauguin: “Quando eu aprender a pintar com a mão direita, passarei a pintar com a esquerda, e quando aprender a pintar com a esquerda, passarei a pintar com os pés”.
Ou seja, nada de fórmulas: o poema teria que ser inventado a cada momento. “Eu queria que a própria
linguagem fosse inventada a cada poema”, diria ele mais tarde. E assim nasceu o livro que o lançaria no cenário literário do país em 1954: A Luta Corporal. Os últimos poemas deste livro resultam de uma implosão da linguagem poética, e provocariam o surgimento na literatura brasileira da “poesia concreta”, de que Gullar foi um dos participantes e, em seguida dissidente, passando a integrar um grupo de artistas plásticos e poetas do Rio de Janeiro: o grupo neoconcreto.
O movimento neoconcreto surgiu em 1959, com um manifesto escrito por Gullar, seguido da Teoria do
não-objeto, estes dois textos fazem hoje parte da história da arte brasileira, pelo que trouxeram de original e revolucionário. São expressões da arte neoconcreta as obras de Lygia Clark e Hélio Oiticica, hoje nomes mundialmente conhecidos.
Através de seus poemas, Ferreira Gullar expressa a necessidade de lutar contra a opressão social. A poesia
engajada é uma marca de sua obra. O autor acredita que a produção artística deve levar em consideração o que está acontecendo com o mundo. Gullar apresenta uma linguagem inovadora, mas com palavras simples, e consegue relacionar a linguagem verbal e a visual.
Durante o exílio em Buenos Aires, Gullar escreveu Poema Sujo – um longo poema de quase cem páginas –
que é considerado a sua obra-prima. Este poema causou enorme impacto ao ser editado no Brasil e foi um dos fatores que determinaram a volta do poeta a seu país. Poema Sujo foi traduzido e publicado em várias línguas e países.
Outro campo de atuação de Ferreira Gullar é o teatro. Após o golpe militar, ele e um grupo de jovens drama-
turgos e atores fundou o Teatro Opinião, que teve importante papel na resistência democrática ao regime autoritário. Nesse período, escreveu, com Oduvaldo Vianna Filho, as peças Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come e A saída? Onde fica a saída? De volta do exílio, escreveu a peça Um rubi no umbigo, montada pelo Teatro Casa Grande em 1978.
Gullar afirma que a poesia é sua atividade fundamental. Em 1987, publicou Barulhos e, em 1999, Muitas
Vozes, que recebeu os principais prêmios de literatura daquele ano. Em 2002, foi indicado para o Prêmio Nobel de Literatura.
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Poema Sujo - 1976
Poema Sujo (1976) traz as memórias de infância e adolescência que o autor passou em São Luís, no Maranhão, onde nasceu, em
1930. Gullar criou-o em Buenos Aires logo após a instauração da ditadura naquele país, receoso de que algo acontecesse contra ele.
No poema, Gullar vale-se de recursos estéticos de diversas naturezas - muitos deles concretistas - aliados a jogos de som e imagens,
como neste exemplo: “nada/ vale/ nada/ vale/ quem/ não/ tem/ nada/ no/ v/ a/ l/ e/ TCHIBUM!!!”. Para o outro poeta, o amigo Vinícius de Moraes, é o trabalho do “poeta-pássaro, que vai baixando e alçando voo, vendo o que é de ver e de não ver em sua vida: as coisas belas, tristes, injustas e escusas acontecendo em terrível simultaneidade, sujas de vida e de tempo e deixando no espaço da memória a crua e inflexível síntese de sua fotografia, revelada no momento da criação”.
Em Poema Sujo, encontramos “O Trenzinho do caipira”, cuja letra ilustrou a música erudita composta por Heitor Villa-Lobos e parte
integrante da peça Bachianas Brasileiras nº 2. A obra se caracteriza por imitar o movimento de uma locomotiva com os instrumentos da orquestra.
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lá vai o trem com o menino lá vai a vida a rodar lá vai ciranda e destino cidade e noite a girar
Poema
O trenzinho do caipira
lá vai o trem sem destino pro dia novo encontrar correndo vai pela terra vai pela serra vai pelo mar cantando pela serra do luar correndo entre as estrelas a voar no ar piuí! piuípiuí no ar piuípiuípiuí adeus meu grupo escolar adeus meu anzol de pescar adeus menina que eu quis amar que o trem me leva e nunca mais vai parar
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O poema tem uma letra melancólica evocada das lembranças da viagem que fazia com seu pai. O poeta estava em Buenos Aires
e ouvia a música de Heitor Villa-Lobos.
O eu lírico transporta-se para sua infância e relembra seus sonhos de criança. Imagina que embarca num trem e deixa para trás
todos os seus problemas e decepções amorosas.
Análise
O trenzinho do caipira
O poema “O trenzinho caipira” apresenta uma única estrofe e rimas predominantemente pobres e cruzadas, como observamos
no trecho “lá vai o trem com o menino / lá vai a vida a rodar / lá vai ciranda e destino / cidade e noite a girar”.
Não há metrificação, o que representa tendência modernista de não seguir padrões e neoconcretista, que trouxe a subjetivi-
dade de volta para o processo de criação artística.
Percebe-se inversão no quarto, sexto e sétimo versos e onomatopeia na utilização da palavra “piuí”, uma tentativa de reprodu-
zir o som do trem. Há hipérbole no último verso, quando o autor diz que o trem nunca mais vai parar. Comentário do grupo
O poema é muito bem escrito e mostra de maneira clara os sonhos do eu lírico, sem que a maneira com que as palavras foram
dispostas influencie na leitura e na compreensão do texto de forma negativa.
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bela bela mais que bela mas como era o nome dela? Não era Helena nem Vera
Poema
Excerto do livro Poema Sujo
nem Nara nem Gabriela nem Tereza nem Maria Seu nome seu nome era... Perdeu-se na carne fria perdeu-se na confusão de tanta noite e tanto dia perdeu-se na profusão das coisas acontecidas
constelações de alfabeto
noites escritas a giz
pastilhas de aniversário
domingos de futebol
enterros corsos comícios
roleta bilhar barato
mudou de cara e cabelos mudou de olhos e risos mudou de casa e de tempo: mas está comigo está
perdido comigo
teu nome
em alguma gaveta
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Também parte de Poema Sujo, o trecho é uma composição, ao mesmo tempo, lírica e narrativa.
O eu lírico relembra de alguém, alguma mulher, que o marcou profundamente, pois era extremamente bela. Tenta se lembrar
do nome dessa mulher, mas afirma que ele ficou perdido na passagem do tempo e nos acontecimentos já idos. O poeta diz que, apesar disso, ela ainda se faz presente em suas memórias.
Análise
Excerto do livro Poema Sujo
Quanto aos aspectos formais, o poema não apresenta metrificação; apresenta rimas simples e irregulares. Mantém-se a
tendência concretista. As palavras estão dispostas em versos, que se distribuem no papel, de forma diferente da tradicional, deslocadamente.
A gradação está presente do 11º ao 17º versos e identifica-se a antítese no nono verso.
Comentário
O trecho analisado do livro Poema Sujo apresenta aspectos das aventuras amorosas do autor, que passou por diversos ro-
mances. Tanta complexidade foi exposta nesse trecho de forma simples e fácil de entender.
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VĂdeo
Entrevista Popular
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Poema
Não há vagas O preço do feijão não cabe no poema. O preço do arroz não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás a luz o telefone a sonegação do leite da carne do açúcar do pão
O funcionário público não cabe no poema com seu salário de fome sua vida fechada em arquivos.
Como não cabem no poema o operário que esmerila seu dia de aço e carvão nas oficinas escuras
- porque o poema, senhores está fechado: “não há vagas”
Só cabem no poema o homem sem estômago a mulher de nuvens a fruta sem preço Disponível em: http://cafecombolachabla.blogspot.com.br/2009_05_01_archive.html. Acesso em 02 jun. 2016.
O poema senhores, não fede nem cheira
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“Não há vagas” foi escrito em 1963, durante a ditadura militar.
Nele, o poeta denuncia o desemprego e a situação do operário brasileiro, que se depara com um preço muito alto dos produtos
de primeira necessidade, como o feijão e o arroz. Lembra também do valor de outras necessidades diárias (gás, luz e telefone), critica o funcionalismo público que não oferece perspectivas ao seu funcionário e paga a eles um salário insuficiente. Fala também do trabalhador
Análise
Não há vagas
de aço e carvão que perde seu dia nas oficinas escuras. Por fim, questiona o próprio poema, pois tudo o que fala não consegue modificar essa situação.
O poema não apresenta rimas. As cinco estrofes são irregulares, compostas por quantidades diferentes de versos. Não há
rimas, nem métrica definida. A liberdade formal conquistada durante o Modernismo, portanto, se faz presente, inclusive na ausência de pontuação.
Ao dizer que os problemas apresentados “não cabem no poema”, o poeta está empregando a metáfora, como faz também ao
utilizar a expressão “dia de aço”, ou seja, um dia exaustivo e cruel. Há gradação, ainda, no trecho “Não cabem no poema o gás/a luz o telefone/a sonegação/do leite/da carne/do açúcar/do pão”.
Comentário do Grupo
O poema demonstra forte indignação do poeta diante de sua realidade. Percebemos que ele se importa com seu povo e por
isso tenta fazer da poesia um instrumento para ajudá-los.
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Poema
Traduzir-se Uma parte de mim é todo mundo; outra parte é ninguém: fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão.
Uma parte de mim pesa, pondera; outra parte delira.
Uma parte de mim almoça e janta; outra parte se espanta.
Uma parte de mim é permanente; outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem; outra parte, linguagem.
Traduzir-se uma parte na outra parte — que é uma questão de vida ou morte — será arte? Disponível em: <https://desenhoarq.wordpress.com/2008/02/24/ambiguidade-figurafundo/>. Acesso em 02 jun. 2016.
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No poema “Traduzir-se” o pronome reflexivo se deixa claro que o poeta falará de si mesmo, tentará se entender e se explicar.
A proposta, então, é interpretar a si mesmo. Na primeira e na segunda estrofes ele fala das suas características conhecidas por todos e das desconhecidas, até mesmo para ele. A partir daí, prossegue apresentando suas atitudes, muitas vezes, opostas: sociável e solitário, controlado e sonhador, previsível e surpreendente. Ele termina o poema afirmando que a arte, talvez, possa explicar essa dualidade.
Análise
Traduzir-se
No poema, encontram-se sete estrofes. Da primeira estrofe até a sexta estrofe, há quatro versos. A partir da sétima estrofe, são
cinco versos, em cada uma. Rimam-se os segundos e quartos versos de todas as estrofes, excetuando-se a última, em que há também uma rima paralela. A maioria dessas rimas, como são formadas por palavras de mesma classe gramatical, são pobres.
A dualidade no poema é muito bem representada pelo paradoxo e pala antítese, que se distribuem ao longo de todo o poema.
Comentário do Grupo
O poeta questiona a dualidade de si mesmo e universaliza a questão humana. Todos nós temos essa dúvida. Não nos conhece-
mos a fundo e não sabemos do que somos capazes.
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Poema
Os mortos os mortos veem o mundo pelos olhos dos vivos
eventualmente ouvem, com nossos ouvidos, certas sinfonias algum bater de portas, ventanias
Ausentes de corpo e alma misturam o seu ao nosso riso se de fato quando vivos acharam a mesma graça
DisponĂvel em: <http://flog.clickgratis.com.br/meianoite/foto/partida/307189.htm>. Acesso em 02 jun. 2016
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O poeta diz que as pessoas que morreram não aproveitaram a vida como deveriam. No verso “Os mortos veem o mundo pelo
mundo dos vivos” significa que esses “mortos” são aquelas pessoas que quando vivas enxergavam o mundo de outra forma e que não aproveitaram suas vidas adequadamente. Por isso, veem o mundo pelos olhos de quem vive. Ou seja, esses querem uma outra oportunidade para viverem e verem o que não fizeram em sua existência.
Análise
Os mortos
Quanto aos aspectos formais do poema “Os Mortos”, podemos dizer que não há uma regularidade definida, pois todas estrofes
apresentam quantidade de versos diferentes. Praticamente, as rimas são inexistentes. Encontramos uma rima perfeita na segunda estrofe (“ventanias”/”sinfonias”).
A antítese se faz presente em mortos/vivos.
Comentário do Grupo
Esse poema de Ferreira Gullar é direto e reflexivo. A ideia de morte é muito presente e é fácil de ser entendido. O poema fala
dos mortos, mas deixa uma lição para os vivos: carpe diem!
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Poema
Dois e dois são quatro Como dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena embora o pão seja caro e a liberdade pequena
Como teus olhos são claros e a tua pele, morena como é azul o oceano e a lagoa, serena.
Como um tempo de alegria por trás do terror me acena e a noite carrega o dia no seu colo de açucena.
- sei que dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena mesmo que o pão seja caro e a liberdade pequena.
Disponível em: <https://www.bimago.pt/>. Acesso em 02 jun. 2016.
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O poema começa com o eu lírico comparando uma soma, de resultado simples, com algumas certezas que possui: o grande
valor da vida, a pequena liberdade que há, entre outras.
Na segunda e na terceira estrofes, o autor apresenta exemplos do que
faz a vida valer a pena, como os olhos claros e a pele morena de alguém e a esperança por um tempo de alegria.
O poeta conclui
reafirmando o que foi dito na primeira estrofe: que a vida vale muito a pena, mesmo enfrentando tantas dificuldades.
Análise
Dois e dois são quatro
O poema “Dois e dois são quatro”, de Ferreira Gullar, mantém uma regularidade na composição das estrofes, que são quatro e
apresentam cada uma, quatro versos. Quanto às rimas, aparecem no segundo e no quarto versos de todas as estrofes, sua classificação é, portanto, a de rimas cruzadas. Em sua maioria, são pobres. Existe uma métrica definida, pois os versos são heptassílabos, pois apresentam sete sílabas poéticas.
O poema “Dois e dois são quatro”, de Ferreira Gullar, apresenta muitas figuras de linguagem. Durante todo o poema, são
utilizadas assonâncias, repetição de vogais. Além disso, o autor usou uma prosopopeia quando disse que “a noite carrega o dia no seu colo de açucena”, um hipérbato no verso “por trás do terror me acena” e também utilizou comparações ao longo do poema (comparou um resultado simples e exato da matemática com algumas certezas que possui na vida).
Comentário do Grupo
Trata-se de um poema lírico que deixa transparecer a visão crítica, porém positiva, de ver o mundo.
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Poema
Meu povo, meu poema Meu povo e meu poema crescem juntos como cresce no fruto a árvore nova
No povo meu poema vai nascendo como no canavial nasce verde o açúcar
No povo meu poema está maduro como o sol na garganta do futuro
Meu povo em meu poema se reflete como a espiga se funde em terra fértil
Ao povo seu poema aqui devolvo menos como quem canta do que planta
Disponível em: <https://joserosafilho.wordpress.com/2012/03/20/>. Acesso em 22 jun 2016.
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Nesta poesia o povo e o poema se fundem em um só, o poema necessita do povo para ser escrito, além de ser escrito para ele.
A poesia deve estar vinculada às questões sociais, colaborar nas denúncias e contribuir para as transformações da sociedade.
O autor, o tempo todo, fala a respeito da semeadura, em todos os sentidos: humanidade, vegetação e a sua criação – o poema;
dando para o texto sua função social (sua criação nasce, cresce, torna madura e tal qual acontece com as plantas – o fruto é transformado
Análise
Meu povo, meu poema
em semente e a semente em nova planta). Ao concluir, o poeta enfatiza a devolução do seu poema, ao seu povoe reafirma que sua arte deverá ser um instrumento de propaganda, semente que produzirá novos frutos, porque estará despertando a percepção e a consciência do seu povo, para a imortalidade da sua arte.
O poema não apresenta rimas. Quanto às estrofes, mantém-se uma regularidade de três versos por estrofe. Não existe métrica
definida.
Há comparação em todas as estrofes. Como todas as estrofes iniciam-se de forma muito parecida, pode-se considerar a anáfora
presente, também, no poema.
Comentário do Grupo
O poema é rico em imagens e nos sensibilizamos com o engajamento do autor e com o seu comprometimento em fazer da
poesia um instrumento de luta e de justiça.
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O que se foi se foi. se algo ainda perdura é só amarga marca na paisagem escura
Poema
O que se foi
Se o que foi regressa, traz um erro fatal: falta-lhe simplesmente ser real.
Portanto, o que se foi, se volta, é feito morte.
Então por que me faz bater o coração tão forte
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O poeta escreveu o poema “O que se foi” numa linguagem simples e acessível. O autor quer expressar o que sente quando se
lembra de momentos passados que deixaram grandes marcas em sua vida.
No poema “O que se foi” há quatro versos em três estrofes. Nas duas primeiras estrofes, há quatro versos e, nas duas últimas,
há dois versos. As rimas são perfeitas em todas estrofes, com exceção da terceira e da quarta, cujos versos rimam entre si, através das
Análise
O que se foi
palavras “morte” e “forte”, que fazem uma rima rica, pois trata-se de substantivo e de adjetivo. A maioria dos versos são hexassílabos, mas essa métrica não é rígida. “Amarga marca” é metáfora presente na primeira estrofe e “é feito morte” indica comparação, na penúltima estrofe.
Comentário do Grupo
Ferreira Gullar passou por muitas fases em sua vida e, em seus poemas, mostra a importância de sabermos lidar com a socie-
dade e de sabermos vivenciar cada fase de nossa vida.
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Poema
O poço dos Medeiros Não quero a poesia, o capricho do poema: quero reaver a manhã que virou lixo quero a voz a tua a minha aberta no ar como fruta na casa fora da casa a voz dizendo coisas banais entre risos e ralhos na vertigem do dia; não a poesia o poema o discurso limpo onde a morte não grita A mentira não me alimenta: alimentam-me as águas ainda que sujas e rasas afogadas do velho poço hoje entulhado onde outrora sorrimos
Disponível em: <https://cantinholiterariososriosdobrasil.wordpress.com/2011/10/04/templo-%E2%80%93-desenho-poema-de-raul-motta/>. Acesso em 22 jun. 2016.
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No poema “O poço dos Medeiros”, o poeta fala do significado que deseja imprimir à sua poesia. Dispõe as palavras irregu-
larmente no papel, para demonstrar que o capricho, a rigidez formal não representam valor. Para o eu-lírico o valor da poesia está nas palavras verdadeiras, mesmo que sejam banais.
Não há preocupação formal no poema, mas, apesar disso, podem-se ser encontradas algumas rimas como “capricho/lixo”,
Análise
O poço dos Medeiros
“dia/poesia”.
Em “a morte não grita” e em “A mentira não me alimenta” ocorre prosopopeia. Em “quero a voz/a tua a minha/aberta no ar
como fruta na casa” encontramos uma comparação.
Comentário do Grupo
O poema de Ferreira Gullar, “O poço dos Medeiros” é um poema que demonstra o que o eu lírico deseja, ou seja a verdade na
poesia e não a ilusão da forma. Trata-se de um poema lírico e aliado à realidade crítica de seu autor.
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Poema
Cantiga para não morrer Quando você for se embora, moça branca como a neve, me leve.
Se acaso você não possa me carregar pela mão, menina branca de neve, me leve no coração.
Se no coração não possa por acaso me levar, moça de sonho e de neve, me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa por tanta coisa que leve já viva em seu pensamento, menina branca de neve, me leve no esquecimento.
Disponível em: <http://www.elo7.com.br/>. Acesso em 22 jun. 2016.
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Em “Cantiga para não morrer”, o eu lírico pede que, quando sua amada partir, leve-o consigo, e mesmo que ela não possa fazer
isso de jeitos simples, como carregá-lo pela mão, no coração ou em suas lembranças, que o leve, pelo menos, no esquecimento. O eu lírico se declara àquela a quem chama de “Branca de Neve”.
Quanto aos aspectos formais, pode-se dizer que, entre as quatro estrofes do poema, não há regularidade no número de ver-
Análise
Cantiga para não morrer
sos. As rimas são cruzadas em três das estrofes, sendo, a primeira emparelhada. Há rimas ricas, como “neve”/”leve” e pobres, como “levar”/”lembrar”, com predominância das pobres. O poema é heptassílabo, com exceção do terceiro verso, “me leve”, que é dissílabo.
Encontram-se comparações e metáforas, no decorrer do poema, como “moça branca como a neve” e “moça de sonho e de
neve”, respectivamente. Comentário do Grupo
Trata-se de um poema lírico, ou seja, fala dos sentimentos do eu poético e nos mostra o encantamento pelo amor. Ao longo do
poema, podemos perceber que não há preocupação em relação à forma. Porém, isso, em momento algum, desmerece o trabalho poético.
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Poema
Nós, latino-americanos Somos todos irmãos Mas não porque tenhamos A mesma mãe e o mesmo pai: Temos é o mesmo parceiro que nos trai.
Somos todos irmãos Não porque dividamos O mesmo teto e a mesma mesa: Dividimos a mesma espada Sobre nossa cabeça.
Somos todos irmãos Não porque tenhamos O mesmo berço, o mesmo sobrenome: Temos um mesmo trajeto De sanha e fome.
Somos todos irmãos Não porque seja o mesmo o sangue Que no corpo levamos: O que é o mesmo é o modo Como o derramamos.
Disponível em: <http://pt.depositphotos.com/23532039/>. Acesso em 22 jun. 2016.
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No poema, o eu lírico fala sobre a vida dos latino-americanos. É possível perceber que, segundo o eu poético, a história desse
povo não é algo simples, é cheia de conflitos e de exploração. Na última estrofe, essa ideia é reafirmada por meio de uma constatação: é exatamente o sofrimento comum a esse povo, que os une.
O poema apresenta quatro estrofes com cinco versos cada, com exceção do primeiro que apresenta quatro versos. Há a existên-
Análise
Nós, latino-americanos
cia de rimas perfeitas e ricas. A rima da primeira estrofe é emparelhada e as demais são cruzadas. Seus versos não possuem regularidade, portanto não apresentam métrica definida. Em “O mesmo teto e a mesma mesa”, encontramos uma metonímia. Em “Dividimos a mesma espada/Sobre nossa cabeça”, há metáfora.
Comentário do Grupo
A escrita de Ferreira Gullar é profunda, tocante e envolvente. Os temas de seus poemas são quase sempre representações da
realidade da forma mais fiel possível, sem deixar de lado a sua essência poética, a linguagem bela e, sem dúvida alguma, muito inteligente.
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Referências bibliográficas MEIRELES, Cecília. Viagem. 2 ed. São Paulo: Global, 2012. MEIRELES, Cecília. Episódio Humano. Rio de Janeiro: Desiderata, 2007. MEIRELES, Cecília. Obra Poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1977. MEIRELES, Cecília. Poemas escritos na Índia. São Paulo: Global, 2014. MEIRELES, Cecília. Espectros. São Paulo: Global, 2013. MEIRELES, Cecília. As palavras voam. São Paulo: Global, 2013. MEIRELES, Cecília. Retrato natural. São Paulo: Global, 2014. GULLAR. Ferreira. Poema Sujo. Rio de Janeiro: José Olympio, 2013. GULLAR, Ferreira. Dentro da noite veloz. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000. ABAURRE, Maria Luiza M.; PONTARA, Marcela. Literatura tempos, leitores e leituras. 2 ed. São Paulo: Moderna, 2010. CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português linguagens. 5 ed. São Paulo, Atual. BIOGRAFIA. Disponível em: <http://www.academia.org.br/abl/ce/sys/start.%3D1042/biografia>. Acesso em 03 jun. 2016. http://educarparacrescer.abril.com.br/leitura/poema-sujo-402129.shtml. Acesso em 26 maio 2016. SIMBOLISMO. Disponível em: http://brasilescola.uol.com.br/literatura/simbolismo.htm. Acesso em 27 maio 2016.
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Alunos dos 9º anos do Ensino Fundamental / 2016 ADRIANO XAVIER CINTRA
IAGO LEITE CHAIN INTACLI
RAFAELA BERSANETI GIRÃO
ANA BEATRIZ ARAUJO ISOLA
ISABELA ARAIA EGYDIO
RAQUEL COSTA MIGLIOSI
ANA BEATRIZ SILVA SANTOS
JANAÍNA SOBOTTA DE SOUSA
REBECA FELIPE PELEGRINO
ANA CAROLINA BATISTA BENTO
JOÃO LUCAS ROCHA MARTINS
REBECA SACCHELLI DE SÁ AMBROSIO
ANA CLARA MARIANO IORDANU
JOÃO PEDRO MORGADO DOS SANTOS
RODRIGO FERNANDES FALTZ
ANA LUIZA VERGUEIRO DE MENDONÇA
JULIA CAROLINA BARBOSA COVRE
RYANN BARONTI DE SOUZA
ANDRÉ ENES PECCI
KARÍM IBRAHIM FADEL
SOFIA MADI LOURENÇO
ANDREY LOURENÇO MORAIS
KAUÃ TOGNETTI CICHETTI
THAIS SALOMONI FERNANDES
ANGELINA GUIMARÃES CARDOSO
KAYQUE SILVA COSTA
THIAGO CHEDIAC RODRIGUES
ARIANE DE SOUZA RUFINO
KIANNE YNAIÊ BROTTO PINTO
VINÍCIUS MEIRELES CAMPOFIORITO
ARTHUR MATHEUS YAMAMOTO SCHOBA
LAIZ JÚLIA AVILA DE OLIVEIRA
VIVIANE PIMENTEL RIBEIRO
BEATRIZ VAN DER HEIJDEN CARDENES
LARISSA DIZIOLI DE OLIVEIRA
YANNIS STEFANOSCK ARAUJO
BRUNO PASSADOR LOMBARDI
LARISSA MORAES CORTEZ RIBEIRO
YURI ANDREWS SANTOS
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LEONARDO DE LIMA INOUE
CAIO AUGUSTO UCEDA DIAS
LEONARDO GALHARDO CARDOSO VARELLA
CAMILA OHASHI DE SOUZA
LUANA CHRISTYNA DE ALMEIDA CARLOS
CATARINA ALBERTO AUGUSTO NASCIMENTO
LUANA LIDIAQUE
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LUANA RUSSO SEIXAS
EDUARDO BENTO CRISTOVÃO
LUCAS ROLIM BILÓ
ELOÍSA BARGANHÃO PARALUPPE
LUCCAS PARAIZO FEITOSA
FABRINA NEVES FIRMINO
MARCELLA DE ASSIS ANTONIAZZI
FELIPE COUTINHO FERRONI FERNANDES
MARIA ALICE ALVES SOBREIRA
FERNANDA MARQUEDANE FERREIRA GOMES
MARIA EDUARDA FERNANDES DE LIMA
FLORA RODRIGUES DUMONT GUALTER
MARIA EDUARDA REIS LARANGEIRA
GABRIEL DE ALMEIDA LIGABUI
MARIA PAULA DE ALMEIDA PASSERI
GABRIEL DEL FIOL MÓDOLO DA SILVA
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MARIANA SUPPTITZ
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NATAN VIANA SANTOS
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PEDRO HENRIQUE LICASTRO CRESCENTE
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GIULIA CARVALHO SINISCALCHI
PEDRO PAULO QUENCA CATETO
GUILHERME AUGUSTO TAKAHASHI ROLIM ROSA
PEDRO VERDEGAY DE PAIVA MONTEIRO
GUILHERME LUCIO VALORI
PEDRO VIANNA SILVEIRA
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