caio augusto ribeiro
órgão invisível táticas para o que vem
para maurilia valderez combustĂvel de muitos molotovs
I arte nĂŁo salva & ninguĂŠm precisa ser salvo
a ideia constante da salvação se abriga em um dos pontos mais importantes da subjetividade do indivíduo, atuando diretamente na possibilidade de ação. Salvação resguarda a possibilidade de agir, acrescentando a fórmula da produção de pensamento a necessidade de imobilidade.
salvação: salva + ação
A lógica da produção de pensamentos por imobilidade funciona como uma transferência de autonomia. É a eterna espera pelo messias - ou por alguém que acredita ser mais capaz. Alguém que se encontra em um estado avançado de qualquer coisa. Esse culto ao ser-além é responsável pelo nosso estado constante de frustração por imobilidade. Viver na eterna espera de um mundo melhor, sem conseguir alterar absolutamente nada.
= não aja!
É preciso dizimar a ideia de que a arte salva. Existe uma romantização idílica de que a arte é o instrumento que trará a luz para a humanidade. Quando Nietzsche "a arte existe para que a realidade não nos destrua" ele não queria dizer que a arte salvaria a humanidade, nem atribuir características messiânicas a ela. Era apenas uma maneira de suportar o peso dos horrores da realidade, trazendo pensamento crítico e estético.
Assim, não devemos pensar que arte irá nos salvar porque ela não quer o poder. Arte renuncia o poder para expandir a potência. Arte existe para que a realidade não nos destrua, mas não para nos salvar da realidade - ela nos inspira força para transformá-la (ou destruí-la).
II quarentena: territรณrio de disputas
A quarentena é um território em disputa pelo simples fato de que ela carrega a possibilidade da insurreição - e isso amedronta os Governantes do Establishment.
tempo livre = estar livre
O período do Velho Regime - o mundo antes da quarentena - estava dominado. Todos os espaços, físicos e subjetivos, presos aos tentáculos do consumo e da produção. Este Velho Regime é o resultado de disputas anteriores, resultando especialmente da Revolução Industrial, das Guerras Capitalísticas e dos novos Ciber-confrontos. Não vou me prender em explicar o velho regime - nem mais escrevê-lo com letras maiúsculas. Aquilo acabou. Acabou porque estamos observando. E esta observação tem produzido uma outra leva de pensamentos.
estar livre = estar livre
O desespero inicial que atacou muitas pessoas no início da quarentena é o primeiro confronto pela tomada da quarentena. Pensamos a quarentena como uma zona livre, onde se é possível encontrar a vida mais básica em sociedade: Alimentação, higiene, pensamento, presença. Esta imposição da vida básica causou um choque, porque foi nos oferecido TEMPO para a vida básica. É possível perceber e observar o simples acontecendo.
Logicamente, há um recorte de classe presente neste raciocínio e por isso vamos guardá-lo para aprofundar adiante. no velho regime o básico era tensionado e por muitas vezes considerado secundário. Era "menos" porque era focado no bem estar do indivíduo, e não na produção. Por isso, a presença constante de fast-foods, fast-shops tudo rápido, tudo no ritmo desta dança alucinada que controla a temporalidade dos indivíduos.
controlam o tempo o que nos impede de pensar em estar dentro do nosso tempo
assim, a dança alucinada nos conduz para uma coreografia que não é nossa e que nem sequer podemos ensaiar - e nem perceber que o palco está todo em chamas.
Muitos amigos e conhecidos tem encontrado dificuldade em lidar com as coisas mais básicas durante a quarentena, como comer bem, cuidar do corpo e do pensamento. Isso acontece porque agora temos como perceber essas coisas num tempo que está um pouco distante da "fast-life" do velho regime. A quarentena está revelando o nosso despreparo para a autonomia. E o velho regime quer nos prender de todas as formas possíveis.
produzir loucamente, fazer listas, fazer lives, assistir lives, ler todos os livros que não leu na vida, assistir, assistir, assistir.
este despreparo não é todo ruim, porque percebê-lo é a possibilidade de que a nossa autonomia seja novamente admitida na produção do nosso pensamento. A nossa subjetividade precisa ser revisitada e o peso das coisas remedido. A ansiedade e o ócio são mecanismos de controle de corpos projetados pelo velho regime. É necessário que seja olhado para estas tensões geradas na quarentena e que seja dado um olhar demorado para isso.
Não se preocupe com produção. Com a criação. Dê seu tempo para a observação. Busque se estranhar. Busque questionar aquele velho regime ainda presente. São pequenas colonizações parasitas que se incrustam em nosso corpo e subjetividade e tentam introjetar esses venenos. Não deixe. Tome para si a autonomia de tomar uma atitude. Agir. E não, não falo de "coach". Não está sendo pedido que grandes conclusões sejam atingidas: não queremos nada com o que é grande. Apenas com o que é simples.
o simples é essencial
É necessário movimento e aceleração. Não confunda com a rapidez do velho regime. Essas novas expressões permitem que novos fluxos sejam assimilados pela subjetividade. O movimento do corpo cria a subjetividade e a subjetividade projeta movimentos no corpo.
O poema é sempre uma possibilidade potente de expansão da subjetividade. Deixe que poemas sejam incorporados a sua vida com tamanha força, que se tornem também maneiras de perceber o mundo.
“Não há outro mundo. Há simplesmente uma outra maneira de viver.” Jacques Mesrine
III
tรกticas para o que vem
O exército que vence esta disputa é o exercício da presença. Estar - e se concentrar nas coisas que estão ao redor. O virtual é uma ferramenta de guerra que está ganhando proporções cósmicas.
Cuidado.
o poema sempre leva além. Procure a poesia porque as palavras armam alfabetos dentro do corpo e esse movimento acelerado de letras se colidindo é a ampliação da potência. não se esqueça que pensamento é palavra, porque tudo é palavra.
exerça presença. retire 30 minutos do seu dia para fazer tudo em câmera lenta - você vai perceber o corpo agindo e expandir a consciência da ação. É uma maneira do pensamento se aproximar do corpo, acelerando e desacelerando juntos - sem as dicotomias do velho regime.
tente manter a calma no tempo das coisas. é possível perceber que não temos paciência para os tempos mais curtos. Avançar vídeos, pular páginas, bater os pés enquanto espera por um chá. pense:
você quer ser a pessoa que não consegue ficar tranquilo esperando um café ficar pronto?
antes de dormir, faça uma pequena lista com o que você precisa fazer - não o que você quer fazer - saiba distinguir se você realmente quer ou se é uma vontade parasita do velho regime. Tente focar na possibilidade do básico, porque ele é quem tem que ditar o tempo que temos entre as atividades. O básico - esta coisa simples - é o que vai construir os próximos passos e possibilitar uma nova dança, no ritmo e na temporalidade de cada indivíduo.
o corpo bem cuidado e alimentado ĂŠ produtor de pensamentos bem cuidados e alimentados. entĂŁo, coma bem e descanse. Observe-se.
Olhe para seus hábitos e veja o porquê deles existirem. Muitas coisas vão parecer sem necessidade - o velho regime se sustenta no consumo e na dependência do consumo. Olhe para seus hábitos grandes e pequenos. Quanto de energia, tempo, dinheiro está sendo dado a isso? pense:
você quer que sua vida gire em torno de um hábito de consumo que você não consegue controlar?
esqueça de produzir. Pense em fortalecer o que você já faz de potente. A ideia da produção está associada com uma velocidade de produção em larga escala. Produzir o básico - o essencial - é a única coisa que devemos nos ocupar. As vezes o essencial é mínimo, pequeno. devemos nos contentar com o tamanho real das coisas, porque o velho regime consegue alterar tamanhos e formas para nos confundir.
nem tudo que é pequeno é pouco; nem tudo que é longo, é cansativo.
fortaleça sua subjetividade para que a sua intuição ganhe mais força. Confie na sua intuição porque ela é fruto da aceleração do pensamento.
Órgão Invisível é um suplemento digital para a quarentena e escrito durante a quarentena. Faz parte do selo de publicações experimentais do coletivo Coma A Fronteira (@comaafronteira). Foi produzido para expandir potências e ampliar afetos.
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