O Animal Aberto: Perdendo-nos a nós mesmos, à procura do desconhecido.

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o t x e t Ainda

que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Mesmo que eu tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, não sou nada.

Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria! A caridade é paciente, a caridade é bondosa. Não tem inveja. A caridade não é orgulhosa.

Não é arrogante. Nem escandalosa. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade jamais acabará. As profecias desaparecerão, o dom das línguas cessará, o dom da ciência findará.

A nossa ciência é parcial, a nossa profecia é imperfeita. Quando chegar o que é perfeito, o imperfeito desaparecerá. Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Desde que me tornei homem, eliminei as coisas de criança. Hoje vemos como por um espelho, confusamente; mas então veremos face a face. Hoje conheço em parte; mas então conhecerei totalmente, como eu sou conhecido. Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade - as três. Porém, a maior delas é a caridade.

Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios, Capítulo 13

c n o C

o t i e c No

animal aberto aparecem, desaparecem e regressam, como alucinações vivas no deserto, os movimentos de um mundo, que é um todo, limitado pelo rasgar do dia por dentro da noite. O animal abre-se, num movimento em tudo semelhante ao escrever na pedra, furioso, difícil, levantando pó que cega os olhos, o animal abre-se, o que é o mesmo que dizer, lança-se num inesperado mergulho para dentro do ruidoso oceano de espuma e rocha branca e desaparece por debaixo das vagas soltas de um mar de palavras. Palavras que são facas ao sol, quentes movendo-se por debaixo do emaranhado real, apedrejando e cortando o animal até o deixar ferido e exangue, esvaindo letras e sangue golfando escorrendo por de dentro de tubos finos, auto-estradas e veias: as máquinas do sentir desfazem o animal fechado, que aos poucos, babando-se, lentamente, move-se, chia, enche-se de ar e sopra contra o mundo pedaços de metal, alumínio, silicon, carnes recozidas.

Ao animal ferido obrigam-no a ceder, cada vez mais até ao feixe, o arbusto das silvas, as coroas de espinhas de peixes e os espinhos das glórias; as coroas de tenazes apertam-lhe os músculos presos nos solavancos da memória, os ossos do crâneo cedem à pressão de um tempo de balanços dentro do poço, afogando-se e baloiçando-se na barriga da criatura, a cria cede e nasce. Da glória ao útero caminhando com a cabeça pesada, o queixo enterrando-se no peito, empurrada por ventos contrários, até se tornar uma bola castanha caindo por dentro de um esqueleto amarelecido. A criatura é obrigada a ceder à sede, ao inesperado instante da queda e abandona o delírio dos tempos do sonho sem olhos. A criatura cede à cegueira da luz fria

das imagem em fuga, das águas e óleos fustigadas pelos ventos sem forma e deseja ver e vê. Formam-se em segredo dentro da criatura organismos e famílias de mundos, que brilham com uma raridade animal intocável; uma luz, duas luzes, muitas luzes que embatem nas cores das carnes preciosas e nas pedras do mundo: azuis, amarelos, vermelhos e verdes incomuns são os ossos que se quebram e se soldam ao chão; a criatura ergue-se, dá-se, oferece-se, abre-se, os passos, as passagens, as sombrias sombras frias das pegadas, são deitadas e deixadas por fora do seu território natural, que é a imobilidade, o inexistir. Por fim abre-se, um quase nada, o que se afirma por dentro do próprio animal interdito e tudo se torna por fim incompreensível. É aí que surge a palavra que liga o animal como uma corrente ao mundo, como uma corrente que prende um cão que o dono não quer perder. O cão não parte a corrente porque o medo de fugir é mais pequeno que o mundo que se quer abrir por dentro dele. O cão sonha com o cão e fala com o cão.

No animal aberto o concreto da carne ferida pela maquinaria do existir e o respirar das linguagens dos objectos sólidos, tornam-se penetrantes poesias; aí, no momento dos bem aventurados, reside um algo que nos é inacessível, um degrau para dentro do impossível desejo que nos abriu e criou.

o n i S

e s p o Duas

salas ligadas por uma projecção de vídeo. Um espaço com dois performers que trabalham a identidade: Cristo a desenhar, formas misturadas de animais e vegetais. A sua ‘identidade’ ou ‘identidades’ é o resultado de vários estados de um fluxo complexo de devires, o movimento de um ser que já não existe quando tentamos fixá-lo. Procura-se capturar a identidade de alguém ou de alguma coisa de forma a provocar uma imagem, uma memória de um tempo-limite, quimicamente organizado em formas e em cores. Quanto mais se procura fixá-lo, de lhe dar forma, de usá-lo para definir um contexto em particular, mais ele lhes escapa. As identidades são dependentes das situações performativas que as definem. As identidades provam ser uma espécie de conceito que se move no agora como uma presença implicada enquanto partilha o momento de ser aberto para o mundo, de ser o desdobramento de um limite tão sensível como a criação de sentimentos de territórios desconhecidos.

Os performers são filmados e as suas imagens são projectadas num segundo espaço. Quando a leitura das identidades têm lugar num filme estranho sem som transmitido em tempo-real para um público, o momento torna-se silencioso dando a noção de um desfasamento da realidade.

Em ambos os espaços em que a performance acontece existe um peephole numa porta dando a possibilidade de espreitar os performers na sala onde a ação performativa acontece. Uma vez que se espreite a atmosfera da performance, esta apodera-se de ti levando-te para uma atmosfera completamente nova.

d e r C

s o t i d

Criação Performers Fotografia Design gráfico

|João Garcia Miguel

| João Garcia Miguel e Sara Ribeiro | Jorge Reis e Miguel Lopes | Jorge Reis

Duração

| 5 hours

s í g o L

a c i t s

Dois espaços perto um do outro Seis espelhos Um vídeo-projector Uma câmera de vídeo digital Um tripé de vídeo

o e d í V

o

http://vimeo.com/46025126

t n o C

o t c a t Jo達o Garcia Miguel

garcia@joaogarciamiguel.com

x 贸 r Pmese

s o m i xes Os

próximos meses serão recheados de colaborações para a Companhia de teatro JGM. Presentemente a Companhia JGM está em digressão com a peça As Barcas, baseada no dramaturgo medieval português Gil Vicente. Já há apresentações agendadas para Bilbao e Valência (Espanha), Dresden (Alemanha), Cosenza (Itália), São Paulo e Rio de Janeiro (Brasil). Em Portugal As Barcas será apresentada em Lisboa, Coimbra, Torres Novas e Aveiro. No estúdio da Companhia JGM no CarvalhaI estão a decorrer ensaios para Lilith, a próxima produção, que será estreada a 3 de Outubro no São Luiz Teatro Municipal (Lisboa). Em Setembro João Garcia Miguel é artista residente no Festival Préavis de Desorde Urbaine avec le Secteur du Théâtre des Bernardines et quartier Réformés-Canebière (Marselha, França). Lá apresenta a performance Die Kreatur Ouvert. Ainda este ano a Companhia JGM irá receber outras companhias de teatro em residencia artística e continuará o programa de estágios de artes performativas no Espaço do Urso e dos Anjos em Lisboa e no estúdio no Carvalhal, organizando workshops e seminários com a presença de artistas e professores de performance nacionais e internacionais. No que diz respeito à tourné 2012/2013, JGM tem cinco produções disponíveis: Romeu e Julieta, O Filho da Europa, As Barcas, Lilith and O Animal Aberto.

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s a m i ances

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jgm

está a preparar duas peças de teatro, ambas encenadas por João Garcia Miguel. Lilith, com texto original de Francisco Luis Parreira e com a colaboração de dois actores gregos, estreará a 3 de Outubro no São Luiz Teatro Municipal em Lisboa. Em 2013 a principal produção será Yerma, a famosa obra do poeta e dramaturgo espanhol Federico Garcia Lorca, e terá colaboração de uma actriz espanhola co-produzida com Marselha 2013, Théâtre des Bernardines, a Companhia de Teatro de Sintra e o Cine-Teatro de Torres Vedras.

As novas produções para a próxima temporada são, nas suas inesperadas formas, a materialização do desejo e a expressão da Companhia JGM no sentido do encontro com o outro através da arte. Estas demonstram a consciência de quem somos, do nosso pensamento teórico e ideias. A diversidade de métodos e abordagens usados no processo de criação, proporcionam o acesso ao intelectual, ao emocional e ao corpóreo, para locais onde o humano e o inumano se cruzam, causando a disjunção e disrupção da percepção, para assim refazerem-se noutro mundo.

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