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N 4 - Novembro-Dezembro / 2013 o
UMA PUBLICAÇÃO DA
CAMPANHA COMPROMISSO E ATITUDE PELA LEI MARIA DA PENHA Editada pelo INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO - MÍDIA E DIREITOS
Pacto de enfrentamento à violência sexual contra mulheres é urgente
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onsiderada por especialistas como a mais grave violência depois do assassinato, o estupro ainda vitima milhares de mulheres cotidianamente no País. Os dados da última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública reacenderam a luz de emergência: o número total de estupros registrados em 2012 subiu 19,3% em relação ao ano anterior, atingindo 50,6 mil casos – ou seja, quase seis denúncias a cada hora. Na sua 4ª edição, o Informativo Compromisso e Atitude entrevistou pesquisadores, profissionais do Sistema de Saúde, operadores do Direito e gestores de políticas públicas que lidam com o tema para saber a dimensão do problema e conhecer os principais avanços e desafios para dar um basta na violência sexual no Brasil. Entre os entrevistados, um diagnóstico é unânime: é preciso um pacto intersetorial de não tolerância a este tipo de crime. A proposta é fortalecer os serviços e mostrar para a sociedade que o Estado está do lado da vítima, para que ela realize a denúncia e receba o acompanhamento médico e psicológico necessário. Também para que seu agressor seja punido e impedido, assim, de continuar o ciclo de violência ou fazer novas vítimas. Nesta edição, confira: • Reportagem reúne dados sobre a dimensão da violência sexual contra mulheres no Brasil e compila ainda os desafios colocados para concretizar o atendimento humanizado e integral às vítimas. • O juiz José Henrique Rodrigues Torres, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), critica a resistência à aceitação do exame indireto – realizado pelo Instituto Médico Legal (IML) com base em informa-
ções colhidas na unidade de Saúde – como prova nos processos de violência sexual contra mulheres. • A juíza Kenarik Boujikian (TJSP) expli-
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PROVAS EM CASOS DE VIOLÊNCIA SEXUAL
Os juízes do TJSP José Henrique Rodrigues Torres e Kenarik Boujikian avaliam as barreiras decorrentes da ideologia patriarcal nos processos de violência sexual contra mulheres, em entrevista e artigo, respectivamente.
4 DIMENSÃO E DESAFIOS
Profissionais que atuam no atendimento às mulheres vítimas de agressões sexuais comentam os desafios e os caminhos para enfrentar o problema no Brasil.
5 POLÍTICA PÚBLICA
Programa Mulher, Viver sem Violência introduz ações integradas do Poder Público contra a violência sexual.
ca porque, em casos de crimes contra a dignidade sexual, a declaração coerente da vítima deve ter valor decisivo nos julgamentos. • Matéria levanta as ações introduzidas pelo Programa Mulher, Viver sem Violência, como a implantação nos IMLs de uma sala de acolhida para atender as vítimas de forma especializada e a ampliação dos serviços de referência nos hospitais. • Procuradores, promotores e defensores públicos reiteram a importância do amparo institucional às vítimas desta forma de violência e falam sobre o papel que cada entidade pode desempenhar nesse sentido.
6 REPARAÇÃO
Defensores públicos garantem direitos e contribuem para a recuperação das vítimas.
7 RESPONSABILIDADE
Ministério Público busca atuação integrada para assistir as vítimas de violência sexual no decorrer da ação penal para responsabilização do agressor.
8 BALANÇO
Coordenação nacional avalia o 1º ano da Campanha Compromisso e Atitude e aponta ainda o início de uma nova etapa: o envolvimento do setor privado no enfrentamento à violência contra as mulheres.
Essas matérias - e muito mais - podem ser acessadas na íntegra no Portal Compromisso e Atitude,, um espaço na internet a serviço da divulgação de informações e ações relevantes dos parceiros da Campanha:
www.compromissoeatitude.org.br
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No 4 - Novembro-Dezembro / 2013
Foto: Raphael Alves / TJAM
ENTREVISTA
Prova em caso de violência sexual: a maior barreira é a ideologia patriarcal, afirma juiz
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m entrevista exclusiva, o juiz José Henrique Rodrigues Torres, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), avalia as barreiras decorrentes da ideologia patriarcal nos processos de violência sexual contra mulheres, sobretudo no que diz respeito às provas mais comuns: o testemunho da vítima e as informações colhidas na unidade de saúde que realizou o primeiro atendimento. Segundo o artigo 158 do Código de Processo Penal, “quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto”. Nos exames indiretos, é consagrado na jurisprudência que as informações do serviço de saúde que prestou atendimento podem embasar o laudo do perito. Muito usual em casos de tentativa de homicídio, o exame indireto é uma opção bastante importante nos crimes de violência sexual, uma vez que o exame direto de corpo de delito deve ser realizado, geralmente, em um prazo curto de tempo, que muitas vezes se esgota antes que a vítima tenha recebido todo atendimento médico necessário. Essa opção pode contribuir ainda para reduzir a chamada “rota crítica” – o caminho fragmentado que a vítima percorre buscando o atendimento do Estado, repetindo inúmeras vezes o relato da violência que sofreu. Confira um trecho da entrevista:
mo, eventualmente, de sêmen etc., e deixar tudo à disposição do perito, para que ele faça esse exame indireto de forma absolutamente normal. E essa prova deve ser aceita sem nenhum problema nos julgamentos. Se o laudo indireto é bem aceito nas tentativas de homicídio, por que ainda há resistência nos casos de violência sexual contra as mulheres? Em um primeiro momento, isso é surreal, não é? Porque não há uma justificativa jurídica, uma justificativa lógica ou prática para essa resistência. Por isso, na minha avaliação, o problema só pode decorrer de uma ideologia patriarcal. É uma concepção equivocada. A coisa chega a um ponto tão surreal que, certa vez, fui a um debate em que um perito dizia que a mulher estuprada, antes de ser submetida ao atendimento de saúde, deveria passar pelo IML para fazer o exame. Veja o absurdo dessa afirmação se compararmos aos casos de tentativa de homicídio: imagine que uma pessoa é encontrada baleada ou esfaqueada na rua e a polícia chega ao local. O que se faz numa situação dessas? Leva-se para o IML ou para o hospital? É evidente que se leva a vítima para o hospital. A comparação deixa bem evidente o paradoxo: se a pessoa está com uma faca no corpo, não se pode retirar a faca enquanto o IML não fizer o exame? Não há justificativa nenhuma para se exigir que se faça o exame direto antes de fazer a assistência médica. Então, a única explicação que vejo são os entendimentos equivocados decorrentes da ideologia patriarcal.
O exame de corpo de delito, que deve ser elaborado pelo Instituto Médico Legal, pode ser realizado de forma indireta, com base nas informações constantes do prontuário da pessoa assistida. Como isso funciona? Isso ocorre com bastante naturalidade e muita frequência, por exemplo, nos crimes de tentativa de homicídio, em que as vítimas são, em geral, encaminhadas ao hospital para atendimento médico. Então, é bastante comum que seja feito um exame indireto, ou seja, o perito pega os dados que foram coletados pela assistência médica e, com base nessas informações do Sistema de Saúde, faz o laudo indireto. E esse laudo é aceito, com toda naturalidade e normalidade, em todos os processos judiciais nesses casos. O problema é que, nos casos de violência contra as mulheres, principalmente a sexual, há uma investida indevida de alguns atores do Sistema de Justiça, que exigem que esse exame seja feito diretamente. Isso cria um problema muito grande. A mulher, quando é estuprada, tem que ser submetida, em um primeiro momento, a um tratamento de saúde, tem que ser levada a um hospital. E a situação é muito semelhante a de uma tentativa de homicídio: muitas vezes, após esse atendimento, não é mais possível fazer o exame direto. Então, o que já está se consolidando é que o Sistema de Saúde deve atender a mulher, deve fazer a coleta de todos os dados, vestígios e até mes-
Acesse o Portal Compromisso e Atitude para ler esta entrevista na íntegra e conferir a jurisprudência sobre a realização do exame indireto de corpo de delito: http://wp.me/p3hjHZ-4pX
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ARTIGO EXCLUSIVO
Credibilidade da palavra da vítima como prova de violência sexual
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por Kenarik Boujikian
Foto: Gláucio Dettmar / CNJ
ralmente ocorre em locais fechaara os casos de violência sexudos, sem possibilidade de presença al, os princípios vinculantes da de testemunhas –, têm na palavra igualdade e não-discriminação da vítima a viga mestra. Por certo são ponto central e foram estabeleela não está isenta dos requisitos cidos na Constituição Federal e em de verossimilidade, coerência e diversos instrumentos que firmam plausibilidade. Mas, nestes delitos, o direito das mulheres de terem um a declaração coerente da vítima recurso judicial eficaz e célere (Condeve ter valor decisivo. venção Americana sobre Direitos Por certo que a prova periHumanos, Declaração Americana dos cial tem grande relevo, mas nem Direitos e Deveres do Homem, Contodos os crimes sexuais deixam venção de Belém do Pará), sendo que vestígio. Nestas situações, a as obrigações assumidas pelo Estado maior atenção deve ser voltada Brasileiro vinculam os três poderes. para as declarações da vítima e, Mas sabemos que há uma grande caso ela tenha fornecido dados distância “entre a mão e o gesto”, pois coesos e harmônicos, não há raembora tenhamos um reconhecimenzão alguma para afastar de creto formal sobre a necessidade de comdibilidade referida prova. bate à violência sexual, a resposta estatal * KENARIK BOUJIKIAN é cofundadora e presiA palavra da vítima tem valor exoferecida não tem nível de correspondêndenta da Associação Juízes para a Democracia e ponencial, desde que não possua qualcia no Sistema de Justiça. magistrada no Tribunal de Justiça de São Paulo. quer vício que possa maculá-la. Mas A baixa punibilidade é um padrão, vício não se confunde com discriminação e com preconceito. como consta de relatório da Comissão Interamericana de Direitos Em muitos processos, o que se vê é que a vítima é quem é Humanos (CIDH); há pouca utilização do Sistema de Justiça pelas julgada na valoração da prova, quando se afirma, por exemmulheres vítimas, que não depositam confiança nas instâncias plo, que um homem sozinho não pode agredir sexualmente a judiciais, o que acaba por reforçar a insegurança. Perpetua-se, asmulher; que ela poderia reagir; que ela despertou o instinto sim, a naturalização da violência sexual contra as mulheres. sexual; que ela usou roupas provocativas etc. A subnotificação dos crimes sexuais é uma realidade munIndispensável que o Estado crie mecanismos para que dial. O percentual de informação aos órgãos de investigação da as mulheres vítimas de violência sexual sintam-se minimaocorrência dos crimes sexuais, cujas vítimas em sua maioria são mente fortalecidas para denunciar o fato à polícia. Nesta mulheres (adultas, adolescentes e meninas), é infinitamente medida, urge a criação de um suporte assistencial, psicolómenor que o real. Entre as razões apontadas por pesquisadores gico e jurídico, desde o primeiro instante e que deve perpara que o registro não seja efetuado estão: vergonha, sentidurar durante e após o processo. Aos desgastes emocionais, mento de autorresponsabilização, temor em enfrentar o fato físicos e econômicos pelos quais passam as vítimas há que perante os tribunais, carga emocional e física da agressão e desse ter a devida resposta do Estado. confiança sobre o sistema, estimando-se que o procedimento Ainda, é necessária a realização de cursos de capacitação judicial é ineficaz para esclarecer os fatos e passar por eles acarpara todos os operadores do Sistema de Justiça. O Estado tem reta mais danos do que benefícios. o dever de adotar os meios apropriados para prevenir, punir e erradicar a violência sexual contra as mulheres. A compreenCredibilidade da palavra da vítima são de que o corpo da mulher é seu solo sagrado, que é o local Os processos de crimes sexuais, sabidamente praticados de que habita a sua liberdade plena, é essencial para que o grau forma clandestina – pois a violação da dignidade da mulher gede discriminação contra as mulheres transmude e passemos a Para ler o artigo na íntegra acesse no Portal Compromisso e dar-lhes efetivo amparo social e estatal. Atitude: http://wp.me/p3hjHZ-4n7
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Atendimento de qualidade é a melhor forma de encorajar a denúncia Foto: José Cruz/ABr
DIMENSÃO E DESAFIOS
No 4 - Novembro-Dezembro / 2013
Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência da República), Alexandre Padilha (Ministério da Saúde) e Eleonora Menicucci (Secretaria de Políticas para as Mulheres) concedem entrevista sobre o PLC nº 3/2013, sancionado em agosto e que deu origem à Lei nº 12.845/2013.
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egundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2011 para 2012 a taxa de registros de estupros por 100 mil habitantes passou de 22,1 para 26,1, crescendo 18,17%. O levantamento aponta que as ocorrências desse crime superaram o número de homicídios dolosos e que houve, ainda, o registro de 4,1 mil tentativas de estupro no ano passado. Apesar de alarmantes, os dados ainda podem estar distantes da realidade, já que uma parcela significativa desse crime não chega a ser denunciada: estudos do Departamento de Medicina Legal da Unicamp (SP), de 1997, indicavam que a maioria das vítimas não reportava a violência sofrida. Segundo o especialista em Ginecologia e Obstetrícia Jefferson Drezett, nos EUA, por exemplo, calcula-se que apenas 16% dos estupros são comunicados às autoridades. Os estudos do dr. Drezett revelam que, no Brasil, a maior parte das mulheres não registra queixa por constrangimento e humilhação, ou por medo da reação de conhecidos e autoridades. Na avaliação de Drezett, a mulher teme, principalmente, não ser acreditada. Diante do quadro, o aumento de ocor-
rências constatado em 2012 pelo Anuário pode ser sinal também de um movimento positivo: uma queda na subnotificação. A ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), Eleonora Menicucci, considerou os dados como “um alerta que preocupa o Brasil de Norte a Sul”, mas não surpreende. Segundo o governo federal, o aumento no número de estupros captado em pesquisas é esperado, já que as políticas públicas de incentivo à denúncia são crescentes. Para especialistas que atuam no atendimento a essas vítimas, a melhor forma de encorajar a denúncia é aprimorar, cada vez mais, o atendimento às mulheres no primeiro contato, conforme aponta a médica psiquiatra Cláudia Facuri, que conduziu uma pesquisa com mulheres vítimas de violência sexual atendidas no CAISM (Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher), da Unicamp (SP). “Se eu for respeitosamente recebida no serviço de saúde ou no serviço legal, vou ficar mais tranquila em retornar ali, me sentirei menos exposta e efetivamente cuidada. Serviços capacitados para atender essas mulheres como preconizado são essenciais”, explica.
No Portal Compromisso e Atitude: Confira a matéria na íntegra e saiba mais sobre os desafios e caminhos para amparar a vítima e coibir a violência sexual: http://wp.me/p3hjHZ-4w1
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Humanização e integração Um passo importante nesse sentido foi a promulgação da Lei nº 12.845/2013. Sancionada em agosto deste ano, ela trouxe maior sustentação jurídica a outras referências nesta área, como o Decreto nº 7.958/2013, lançado em março juntamente com o Programa Mulher, Viver sem Violência, que define as diretrizes para a humanização e adequação dos serviços de Saúde e Segurança, sobretudo dos IMLs. Com a lei, ficou definido que todos os hospitais da rede do SUS devem “oferecer às vítimas de violência sexual atendimento emergencial, integral e multidisciplinar, visando o controle e o tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual, e encaminhamento, se for o caso, aos serviços de assistência social”. Entre as medidas indicadas estão a contracepção de emergência e a profilaxia de doenças sexualmente transmissíveis, no atendimento emergencial, e o amparo médico e psicológico para o tratamento da vítima no médio prazo. “Quando uma mulher – criança, adolescente ou adulta – sofre uma violência, ela deve receber um atendimento para evitar gravidez e DSTs e tudo o que for necessário para sua saúde física, mas também um cuidado da sua saúde mental, para sua resiliência, para que ela possa se reconstruir”, detalha sobre o padrão que deve ter esse atendimento a médica ginecologista e sanitarista Verônica Alencar, Coordenadora do Programa Iluminar Campinas, da Secretaria Municipal de Saúde. A plena efetivação deste padrão, porém, ainda enfrenta barreiras dentro e fora do sistema de saúde. A primeira pode ser a resistência entre os próprios médicos em realizar os procedimentos necessários, sobretudo a prevenção da gravidez e a interrupção da gestação prevista em lei para os casos de estupro. Além dos desafios para o acolhimento adequado das vítimas no campo da saúde, os médicos lembram ainda que estas medidas não previnem o crime de estupro, mas apenas buscam remediar seus graves efeitos. “Para diminuir o número de estupros, a medida de saúde não resolve. O estuprador que não é punido vai estuprar de novo, além de poder encorajar outros a praticar essa violência perante a impunidade”, alerta o médico obstetra Avelar de Holanda Barbosa, supervisor de Emergência Obstétrica do Hospital Materno-Infantil de Brasília (HMIB).
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POLÍTICA PÚBLICA
Programa Mulher, Viver sem Violência introduz ações integradas do Poder Público contra a agressão sexual
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spaço exclusivo, atendimento especializado por profissionais capacitados e acolhimento humanizado: é com este tripé que a nova política pública para coibir a violência contra as mulheres no Brasil espera enfrentar as agressões sexuais. Lançado neste ano pelo governo federal, o Programa Mulher, Viver sem Violência está unindo esforços entre diferentes esferas dos poderes públicos – federal, estaduais e municipais – sob coordenação da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR). A expectativa é que o Programa contribua para promover uma melhora na rede de atendimento, não só incentivando a denúncia, mas amparando a mulher para que ela dê prosseguimento à acusação, combatendo a impunidade. “A violência sexual é a mais cruel forma de violência depois do homicídio, porque é a apropriação do corpo da mulher – ou seja, alguém está se apropriando e violentando a única coisa que te pertence. Então, muitas vezes, a mulher que sofre esta violência tem vergonha, medo”, contextualiza a secretária de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres da SPM, Aparecida Gonçalves. “Para coibir a violência sexual, é muito importante combater a impunidade – ou seja, elencar as provas, garantindo que sejam bem recolhidas, para que os agressores sejam condenados”, complementa a secretária. Ao mesmo tempo, segundo Aparecida Gonçalves, concretizar o atendimento integral à vítima é um desafio que persiste no Brasil e cuja superação é fundamental. “É preciso avançar para garantir que a mulher não seja revitimizada, passando pelo hospi-
tal, pelo IML, pela Delegacia e uma série de outros serviços, recontando a história da violência que sofreu”, frisa. Acolhimento e responsabilização Um dos eixos principais do Mulher, Viver sem Violência é a humanização do atendimento às vítimas de violência sexual. Para tanto está prevista a ampliação das instalações e equipamentos de 85 hospitais de
referência no tratamento de vítimas de violência sexual existentes em todas as capitais brasileiras. Também será implantada nas unidades do IML (Instituto Médico Legal) uma sala de acolhida para atendimento exclusivo e especializado às mulheres, que contará com equipe multidisciplinar composta por profissionais sensibilizados em relação ao problema da violência de gênero. Embora a medida já esteja incluída no Decreto nº 7.958, de 13/03/2013, promulgado no lançamento do Programa, este eixo
de ação está previsto para o próximo ano. Na prática, ainda existem poucos serviços especializados no País e, muitas vezes, a mulher aguarda o exame de corpo de delito no mesmo local em que os suspeitos de agressões – o que, segundo especialistas, agrava o trauma sofrido com a violência. O problema foi enfrentado, por exemplo, em Porto Alegre (RS) – uma das poucas cidades brasileiras que já têm o serviço: a Sala Lilás, criada dentro do Instituto Geral de Perícias. “Antes a mulher ficava numa sala de espera geral para fazer o exame de corpo de delito, muitas vezes junto com o próprio agressor ou com outros agressores. Agora, ela tem uma sala de espera diferenciada para fazer o exame de lesões e a perícia psíquica, onde promovemos um acolhimento mais qualificado e colocamos à disposição o atendimento com psicólogas e assistentes sociais”, explica a corregedora-geral do IGP, Andrea Brochier Machado. Outra dificuldade nas perícias em violência sexual é a perda de evidências que possibilitem identificar os agressores e alimentar um banco genético para consulta em outras ocorrências, já que muitas vezes a mulher não faz a denúncia imediatamente ou ainda precisa ser encaminhada primeiramente à rede de saúde. Por isso, outra ação em que o Programa pretende investir para aparar arestas é o da coleta de vestígios de crimes sexuais – que passará a ser feita no momento em que a vítima vai aos hospitais em busca de atendimento médico, contraceptivos de emergência e coquetéis antirretrovirais, para prevenir a infecção pelo HIV. Para isso, serão criadas medidas para assegurar a “cadeia de custódia”, tais como espaços destinados a armazenar vestígios de sêmen e outros materiais que serão coletados pela própria rede de saúde. Estes vestígios seguirão para os IMLs, para compor o laudo que será encaminhado aos processos judiciais de responsabilização de agressores.
Confira no Portal – matéria na íntegra traz um compilado de leis, normas, recomendações e decretos existentes no Brasil para enfrentar o problema da violência sexual contra mulheres: http://wp.me/p3hjHZ-4wC
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REPARAÇÃO
Defensoria pode auxiliar na recuperação das vítimas, garantindo seus direitos
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nte as graves consequências produzidas pela violência sexual, a garantia dos direitos das vítimas a um atendimento médico e psicológico adequado e acesso à Justiça e aos serviços oferecidos pelo Estado é essencial. Nesse sentido, experiências de defensores públicos que atuam na defesa dos direitos humanos, sexuais e reprodutivos das mulheres, ou realizam parcerias com instituições que trabalham com vítimas de violência sexual, mostram caminhos para assegurar todo o apoio necessário para a recuperação dessas mulheres. É o caso da defensora pública Fernanda Miller da Cunha Almeida, que em 2010 obteve uma decisão judicial para interrupção de gestação decorrente de estupro em Pelotas (RS), ao prestar assistência jurídica a uma jovem de 18 anos, que vinha sendo vítima de violência sexual pelo padrasto desde os nove. O caso foi encaminhado pelo Núcleo de Atenção à Criança e ao Adolescente, uma vez que, apesar de a jovem ter procurado diversos estabelecimentos públicos de saúde, todos se recusaram a interromper a gestação. Embora a lei permita a interrupção da gravidez decorrente de estupro e diversas normas e tratados definam que o procedimento deve ser feito de modo seguro, na prática, muitas vezes, a vítima tem problemas para acessar este direito. Até o ano passado, a defensora estima ter recebido entre dois a três casos semelhantes a este por ano. “Apesar dos avanços no campo dos direitos das mulheres, quando se fala em interrupção da gestação – por violência sexual ou mesmo nos casos em que o feto não pode sobreviver, como na anencefalia – ainda existe uma pressão muito grande da sociedade”, explica. Direitos Com a Lei nº 12.845, promulgada em agosto deste ano, os direitos das mulheres a um atendimento de qualidade e humanizado no Sistema de Saúde foram reiterados e transformados em obrigação para todo o SUS (Sistema Único de Saúde). A vítima de
violência sexual tem direito a um atendimento de emergência em toda a rede, que deve realizar os exames, diagnóstico e tratamento das lesões físicas, além de ministrar as medicações para profilaxia de doenças sexualmente transmissíveis e a contracepção de emergência para evitar a gestação. Quando a violência sexual resulta em gravidez, a vítima tem o direito ao aborto previsto por lei, já que não há punição, segundo o Código Penal, e é obrigação do sistema público de saúde garantir as condições objetivas para que a gestação seja interrompida de forma segura, conforme a Portaria nº 528/2013, do Ministério da Saúde. Ainda, segundo normas técnicas do MS, não é preciso ter feito o boletim de ocorrência ou a denúncia para solicitar o procedimento. Se foi cometida por um conhecido da vítima – alguém com quem manteve ou mantém relação íntima de afeto ou de convivência – a violência sexual pode ser enquadrada na Lei Maria da Penha, que prevê também uma série de direitos, como a medida protetiva de urgência e o abrigamento, quando necessário, na área criminal, e de-
mandas como solicitar pensão alimentícia e a guarda dos filhos, na área civil. Também pode solicitar benefícios junto ao INSS caso os danos – físicos ou psicológicos – gerados pela violência a impeçam de trabalhar. De acordo com a defensora pública Carolina de Araújo Santos, titular da 5a DP de Direitos Humanos com atuação na Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher na Bahia, cada caso de violência sexual tem suas nuances e é preciso adaptar a atuação do operador do Direito às necessidades da situação em que a mulher vive. Na Bahia, por exemplo, o Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública (Nudem) realiza os encaminhamentos necessários, orientando a mulher a recorrer aos serviços da rede de proteção que forem adequados ao seu caso. O Nudem também acompanha a ação penal para a responsabilização do agressor, verificando se há irregularidades processuais a serem sanadas, acompanhando e orientando as assistidas em audiências e até mesmo atuando como assistente de acusação junto ao MP, conforme enumera a defensora Carolina de Araújo Santos.
Parcerias diminuem o caminho entre a Defensoria e a sociedade Em Brasília, a Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF) assinou um termo de cooperação com o Conselho Nacional do Sesi (Serviço Social da Indústria), no âmbito da Rede de Enfrentamento à Violência Sexual no DF, com objetivo de melhorar o atendimento às vítimas na região. Pela parceria, os defensores públicos passaram a prestar assistência jurídica gratuita aos participantes do Programa ViraVida – dirigido a jovens e adolescentes entre 16 e 21 anos. Os participantes do projeto em Brasília foram incluídos ainda nos projetos sociais promovidos pelo Departamento de Atividade Psicossocial (DAP) da DPDF – entre eles o Grupo de Apoio às Mulheres Vítimas de Violência. “O ViraVida promove o resgate de jovens que sofreram algum tipo de violência ou abuso sexual. Quando nos aproximamos e trabalhamos com centenas de jovens, temos condições de mobilizar e criar canais e serviços específicos, diminuindo ou retirando a burocracia e facilitando o acesso a serviços que a Defensoria presta”, explica o defensor Evenin Ávila, diretor da Escola da Defensoria Pública do DF, que promove um curso de educação em direitos para os participantes da iniciativa. Saiba mais sobre os direitos das mulheres e as intervenções da Defensoria: http://wp.me/p3hjHZ-4wE
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omo em muitas situações, nos casos de estupro é papel do Ministério Público zelar pela coleta de provas e orientar a população a denunciar o crime. Porém, na avaliação de procuradores e promotores que atuam nesta frente, as ações da instituição não devem parar por aí: o amparo às vítimas que denunciam é uma ação complementar fundamental do MP, segundo os profissionais. Nesse sentido, a atuação integrada com outros órgãos é destacada como a melhor maneira de enfrentar o problema da violência contra as mulheres, especialmente a violência sexual. “Hoje, o atendimento da mulher está muito focado na punição criminal. Isso faz com que a atuação toda seja feita a partir de uma matriz de sanção penal. Esse é um ponto que exige uma mudança de paradigma. Precisamos passar a Audiência do caso envolvendo a banda New Hit (acima); e protestos realizados pela responsabilização dos acusados pelo estupro das duas adolescentes, na Bahia (abaixo) atender essa vítima tendo como foco não só a prisão do infrator como também o atendimento atuação interdisciplinar. integral da mulher”, explica o procurador Jefferson Dias, do MiEm novembro, o MP do Paraná criou, por exemplo, o Núcleo nistério Público Federal e da Procuradoria Regional dos Direitos de Apoio à Vitima de Estupro (Naves), com equipe multidisciplido Cidadão (PRDC), na cidade de São Paulo. nar, para proporcionar um atendimento especializado em Curi“A partir do momento em que a mulher vítima de violência cotiba. Segundo a procuradora Rosangela Gaspari, coordenadora meçar a perceber que, ao buscar a tutela do Estado, além de obter a do núcleo, o objetivo é justamente fazer com que o Ministério punição do responsável, ela também está sendo protegida, a subnoPúblico assuma seu papel para minimizar as consequências do tificação tende a diminuir”, complementa o procurador. estupro e tutelar a vítima. Segundo a promotora Márcia Teixeira, do Gedem (Grupo de AtuPapel da vítima no Sistema Jurídico ação em Defesa das Mulheres, do MP da Bahia) e também integranAlgumas iniciativas do Ministério Público buscam justate do grupo de trabalho do CNMP, a denúncia de nove integrantes da mente esta mudança de paradigma na relação com a vítima de banda New Hit por estupro coletivo contra duas adolescentes de 16 violência. Este é também um dos focos principais do trabalho anos após um show, no município baiano de Ruy Barbosa, pode ser desenvolvido pelo Conselho Nacional do Ministério Público lembrada como outra experiência de êxito da ação conjunta entre (CNMP): identificar ações de promotores e procuradores de todo sociedade civil, Polícia e Ministério Público. o País que reflitam não apenas na punição do agressor, mas Na avaliação da promotora “esse caso deu certo porque, no também no atendimento à mulher vítima de violência. momento em que aconteceu, o Conselho Tutelar chamou imeA violência sexual é um dos problemas que mobilizam a atendiatamente o delegado, que conseguiu com a guarnição policial ção de procuradores e promotores dentro de um grupo de trabalho segurar o ônibus, coletar as roupas e prender os rapazes. Em seconstituído pelo CNMP. Segundo o procurador Jefferson Dias, inguida, a Promotoria foi acionada para acompanhar o caso durante tegrante do grupo, embora o levantamento ainda não esteja contodo o inquérito. Em todos os momentos da investigação, as insticluído já é possível identificar que as boas práticas são resultado da tuições trabalharam juntas”. Para a promotora Marisa Jansen, que atuou na ação penal, o crime colocou em foco a violência sexual praticada contra as mulheres no país. “O caso chamou a atenção das mais diversas autoridades e ampliou a discussão acerca da banalização do sexo mediante violência e do enfrentamento à violência sexual contra a mulher no Brasil”, aponta a promotora. Confira a reportagem completa e saiba mais sobre iniciativas do MP: http://wp.me/p3hjHZ-4qQ
Foto: Divulgação/Marcha Mundial das Mulheres
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Foto: Divulgação/TJBA
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Ministério Público busca atuação integrada para assistir as vítimas de violência sexual
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Coordenação nacional avalia 1º ano da Campanha Compromisso e Atitude Foto: Portal Compromisso e Atitude
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o início de novembro, os parceiros da Campanha Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha fizeram um relato das principais ações realizadas, debateram os avanços alcançados e definiram os desafios a enfrentar em 2014. Estavam presentes representantes dos órgãos que lideram a iniciativa: Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, Conselho Nacional de Justiça, Ministério da Justiça, Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça, Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça, Conselho Nacional dos Defensores Públicos-Gerais e Conselho Nacional do Ministério Público. Segundo Aline Yamamoto, coordenadora de Acesso à Justiça e Combate à Violência da SPM-PR e representante da Secretaria na Coordenação Nacional da Campanha, no próximo ano a expectativa é que os parceiros continuem trabalhando de forma articulada para a efetivação da Lei Maria da Penha e que a Campanha passe a investir com força na adesão de empresas. Para a coordenadora, trata-se de uma ação inovadora para ampliar a rede de colaboradores após as adesões firmadas nos diversos Estados. “Essa etapa é muito importante porque o trabalho é um espaço em que a mulher dificilmente expõe a situação de violência. Além da vergonha, a empresa não é vista como um possível ambiente acolhedor para o que ela está sofrendo. Então, trabalhar essa questão dentro das empresas pode contribuir para ampliar a rede de apoio para as mulheres viverem sem violência.”
Outro eixo de ação para 2014 destacado por Aline Yamamoto diz respeito à produção de informações sobre a violência contra as mulheres. “Nessa frente, vamos continuar produzindo os Informativos da Campanha Compromisso e Atitude e também artigos e entrevistas para o Portal Compromisso e Atitude. Também continuaremos a produzir pesquisas. Vamos em breve realizar uma pesquisa sobre violência sexual e também produzir levantamentos sobre dados da Segurança Pública e da Justiça, para saber, por exemplo, o número de prisões, inquéritos, medidas protetivas e julgamentos realizados sobre crimes de violência de gênero. Esperamos também produzir vídeos pedagógicos sobre violência contra as mulheres, que serão exibidos nas unidades da rede de atendimento, como delegacias e juizados especializados, centros de referência e serviços de saúde.
Uma mobilização inédita contra a violência de gênero Lançada em 7 de agosto de 2012, a Campanha Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha tem como objetivo mobilizar e integrar as ações do Executivo e do Judiciário no acolhimento da mulher e no combate à impunidade dos crimes de violência contra as mulheres. Para atingir esse objetivo, ao longo dos últimos 15 meses foram realizados em todo o país eventos de adesão à Campanha, em que governos estaduais e prefeituras, e órgãos do Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, em nível estadual, assumiram o compromisso de promover ações articuladas e integradas para a efetiva implementação da Lei Maria da Penha e o fortalecimento das políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres. Confira o balanço completo no Portal: http://wp.me/p3hjHZ-4qc
EXPEDIENTE
A partir deste mês, o Portal passa a contar com uma seção exclusiva sobre violência sexual, reunindo matérias, entrevistas, artigos, dados, leis, normas e outros materiais de referência sobre o tema. Confira : http://www.compromissoeatitude.org.br/sobre/violencia-sexual/ PARCEIROS CAMPANHA COMPROMISSO E ATITUDE PELA LEI MARIA DA PENHA http://www.compromissoeatitude.org.br/sobre/parceiros-da-campanha/
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