Edição Especial nº 30
Setembro 2021 / Covid-19
Carta aos Gálatas Queremos neste mês de setembro, mês dedicado à Bíblia, conhecer um dos escritos mais interessantes de Paulo, talvez o mais polêmico e contundente: a carta aos Gálatas! Trata-se de um escrito áspero onde Paulo defende seu ministério e revela seu descontentamento com missionários cristãos provindos de outras Igrejas-Mães. Observa-se também que esta carta (junto com a carta aos Romanos) serviu de base para Martino Lutero expor e justificar seus protestos perante a Hierarquia da Igreja Católica e iniciar o movimento protestante em 1517. Os Gálatas: Situavam-se na província romana chamada Galácia (atual Turquia). Paulo tinha visitado a região na 1ª e 2ª Viagem Missionária nos anos 46-48 e 49-52 respectivamente. Tudo leva a crer que Paulo não gostava de evangelizar em regiões já visitadas por outros missionários. Preferia terras “virgens” e culturalmente distantes do judaísmo (Rm 15,20). Tinha uma equipe escolhida a dedo, formada por ele, entre eles destacando-se Timóteo e Tito. Razão da Carta: A Carta tem a ver com as tensões que Paulo teve com os Judaizantes. Insiste junto às suas Igrejas que não há outro Evangelho a não ser o que fora pregado por ele: “Não existe outro Evangelho. Há somente pessoas que estão semeando confusão e querem deturpar o Evangelho de Cristo” (Gl 1,7). A tais pessoas Paulo chama de “malditos” (Gl 1,9). Quem são esses agitadores e qual era o seu propósito? Esses adversários buscavam minar o ministério de Paulo, ofendendo sua moral e autoridade. Por isso, Paulo se apresenta como “Apóstolo por parte de Cristo” (1,1.12). Tais adversários julgavam que Paulo estava pregando um evangelho diferente porque não insistia na lei de Moisés e nas tradições judaicas, especialmente, a circuncisão como exigência para o ingresso nas Igrejas Cristãs (6,12). Teor da Carta: Como exposto acima, Paulo queria distância da Igreja-Mãe de Jerusalém. Alguns membros daquela Igreja não confiavam nele, pois achavam que era avançado demais em determinados assuntos. Corria o boato de que ele não valorizava mais as festas e as tradições judaicas afirmando, inclusive, que a circuncisão não tinha mais sentido. Seria como que afirmando que a missa dominical e os atos de piedade não valem mais. Ou que as devoções e festas dos padroeiros não têm valor! Esses “Fake News” deixavam Paulo muito triste e bastante inconformado. Os de Jerusalém diziam que a única maneira de se viver a fé cristã era aquela: guardar as tradições judaicas, fazer festas e praticar a religião! Gálatas é o 1º documento de Paulo sobre a salvação. Em alto e bom tom Paulo proclama que a justificação provém tão somente de Cristo. A salvação não é ação humana, mas Graça oferecida por Cristo Senhor. A Justificação não depende de atos religiosos, de devoções e de conhecimentos doutrinários; a Justificação é obra divina! Não é prêmio aos mais religiosos e esforçados, mas oferta gratuita da parte de Deus. Ora, este tipo de raciocínio deixava cristãos tradicionais confusos, pois, estes faziam questão de cultivar atos de piedade, participar das liturgias e respeitar dias de guarda. Qual o segredo da carta? Paulo argumenta que o essencial da vida cristã é fixar os olhos em Cristo Jesus e imitá-lo. Nada mais! Como afirma o Papa Francisco em sua Exortação Apostólica: Cristo Vive - “Cristo está Vivo e nos quer vivos”! A catequese de Paulo não mirava passar doutrina, mas “enxertar” ouvintes no Ressuscitado. Visava despertar para o encontro com Cristo Vivo! É esta fé que salva! E salva sem mérito algum de nossa parte (Gl 1,15). Portanto, fé é um acordar: “Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim e esta vida que agora vivo, eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20). Frustração de Paulo: O inconformismo do Apóstolo provém do fato de ter como que construído a casa sobre a areia! (Mt,7,26). Não esconde sua frustração quanto ao comportamento dos cristãos por ele evangelizados (Gl 4,16), e que agora foram perdendo o fôlego na maratona (Gl 5,7). Preparava-os para serem atletas profissionais na fé e participar de corridas de longo percurso cristão. Parece que seu esforço foi em vão! Muitos são os questionamentos que Paulo faz às Igrejas da Galácia e aos missionários itinerantes provindo do judaísmo. Sente-se como que derrotado e frustrado: “Observais dias, meses, estações, anos! Receio que me tenha afadigado inutilmente por vós” (Gl 4,10-11). Justificação pela Fé: A tese “Justificação pela Fé” é a bandeira dos Cristãos Protestantes! (Rm 3,26.28; 4,5; 5,1; Gl 2,16; 3,11.24). Como entender esta expressão paulina? Como Paulo define “Fé em Jesus Cristo”? De que maneira os primeiros cristãos compreendiam as fórmulas: “Fé em Cristo Jesus” e “Justificação pela Fé”? Paulo é bem claro: a Justificação provém do sacrifício de Cristo na Cruz. Não se alcança pelos méritos pessoais, pois é dom gratuito de Deus. Daí seu argumento: “Justificação pela Fé”. A Justificação não é uma conquista humana (Gl 2,16); “É Deus que torna justos os pagãos através da fé” (Gl 3,8), e “Ninguém pode tornar-se justo diante de Deus” (Gl 3,11). É Deus quem chama, justifica e glorifica (Rm 8,30). Como observado acima, Martinho Lutero formulou seus protestos a partir desta Carta afirmando: “Somente a Fé”, “Somente a Escritura”, “Somente Cristo”, “Somente a Graça” e “Somente a Deus a Glória”. A Igreja Católica corrigiu essas afirmações protestantes esclarecendo: “Fé e Obras”, “Escritura e Tradição”, “Cristo e sua Igreja”, “Graça e Resposta Humana” e “Deus e Nós”. A Carta aos Romanos: A carta aos Gálatas serviu como “rascunho” para a carta aos Romanos. Em “Romanos”, Paulo é mais modesto e mais tolerante; mais humano e salienta o amor de Deus para com toda a humanidade. Insiste também que a Justificação vem pela fé, porém, nada em Romanos corresponde a Gal 1,1-2,14. Evita o conflito e busca o diálogo. Num momento em que o Brasil passa por tormentas envolvendo o Judiciário, o Legislativo e o Executivo, a carta aos Gálatas se torna mais que necessária no que tange à “Liberdade”, a “Igualdade” e a “Fraternidade”. São três dimensões da vida humana que devem estar sempre juntas e irmanadas como “três amigos inseparáveis”! Quem cultiva a Fraternidade, não ofende, mas respeita! Não se impõe, mas dialoga! A Fraternidade tem algo a contribuir para a liberdade e a igualdade! Amém! Pe. Daniel Balzan - Pároco