revista de comunicação, jornalismo e espaço público
9
mediapolis
Periodicidade Semestral
tema Reinventando Pactos Globais para a Ética da Comunicação e do Jornalismo
Imprensa da Universidade de Coimbra
Reinventing Global Pacts for
Coimbra University Press
Communication and Journalism Ethics
1
revista de comunicação, jornalismo e espaço público
9 Periodicidade Semestral
Imprensa da Universidade de Coimbra Coimbra University Press
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Jornalismo e Espaço Público N.º 9 – 2.º SEMESTRE DE 2019
Sílvio Santos silvio.santos@fl.uc.pt Universidade de Coimbra
Sumário Summary INTRODUÇÃO INTRODUCTION
mediapolis 9
New Media, New Deontology ethical
federal government: evaluating
constraints of online journalism
journalism within the political sphere
Reinventando Pactos Globais
Novos Media, Nova Deontologia –
Lorena Maria Caliman Fontes | 73
para a Ética da Comunicação
constrangimentos
e do Jornalismo
éticos do jornalismo digital
Accountability e transparência na
Reinventing Global Pacts for
Samuel Mateus | 13
mídia: diálogo da experiência espanhola
Communication and Journalism
com os países lusófonos1
Ethics
Uma nova ética para um novo
Accountability and transparency
Carlos Camponez & Rogério Christofoletti | 5
jornalismo?Revisitando o imperativo
in the media: dialogue between
da responsabilidade
the Spanish experience and the
A new ethics for a new journalism?
Portuguese-speaking countries
Revisiting the imperative of
Rogério Christofoletti, Juan Carlos Suárez Villegas,
responsibility
Xavier Ramon Vegas | 89
Ana Leonor Morais Santos | 27
Abundância Comunicativa, Escassez O rigor como eixo central da
da Política? Desafios À Democracia
atividade jornalística
na Era do Monitoramento
Accuracy as the cornerstone of
Communicative Abundance, Political
journalistic activity
Scarcity? Challenges To Democracy
Paulo Jorge dos Santos Martins | 41
in The Monitoring Era Lucas Henrique Nigri Veloso, Ângela Cristina
Confidencialidade da fonte em
Salgueiro Marques, Ricardo Fabrino Mendonça | 101
jornalismo: perspetivas morais Source confidentiality in journalism:
As redes e o espaço público
moral perspectives
Networks and the Public Sphere
Suzana Cavaco | 57
Diogo Pires Aurélio | 119
A imparcialidade nas notícias do governo federal brasileiro: avaliando o jornalismo no espaço da política Impartiality in the news from Brazil’s 3
Carlos Camponez
INTRODUÇÃO
mediapolis 9
carlos.camponez@fl.uc.pt Centro de Estudos Interdisciplinares do Séc. XX https://orcid.org/0000-0003-0832-7174
Reinventando Pactos Globais para a Ética da Comunicação e do Jornalismo
Rogério Christofoletti rogerio.christofoletti@uol.com.br Universidade Federal de Santa Catarina https://orcid.org/0000-0003-1065-4764
Reinventing Global Pacts for Communication and Journalism Ethics https://doi.org/10.14195/2183-6019_9_0
É uma evidência que as tecnolo-
mais democratizantes, criaram novos
motivos para dirimir as suas (des)es-
gias da era digital estão ainda longe
problemas sem ainda terem resolvi-
peranças.
de ter cumprido as suas melhores pro-
do algumas inquietações do passado
Obviamente que as razões deste
messas, sobretudo agora que dela já
(Curran, Fenton & Freedman, 2011).
regresso ao passado no discurso con-
conhecemos alguns dos seus efeitos
A fragmentação dos públicos não
temporâneo acerca do espaço público,
perversos. A tal ponto esta realidade
criou uma verdadeira alternativa ao
dos media, do jornalismo, das tecnolo-
se coloca nos nossos dias que, por
problema da massificação das men-
gias da comunicação e da informação
vezes, parece que a reflexão acerca
sagens (Adorno, 2003); a crítica do
não resultam de um desejo saudosista,
dos desafios do jornalismo, da comu-
distanciamento trouxe formas mais
na busca das respostas para o tempo
nicação e da esfera pública no mundo
insidiosas de manipulação, travesti-
presente. Trata-se, pelo contrário,
contemporâneo mais não faz do que re-
das de proximidade (Camponez, 2012);
de tornar renovar a centralidade da
visitar paradigmas do passado, numa
o aparente caos num espaço público
comunicação e das mediações nos
espécie de passeio teórico saudosista.
onde todos falam para todos (Castells,
processos sociais, evocando saberes
O equívoco suscitado por esta pri-
2008), permitiu sublinhar a importân-
que quotidianamente se atualizam nas
meira observação resulta, em grande
cia social dos rituais de comunicação
transformações em curso. Saudosismo
medida, da constatação das rápidas
(1999); o hábito de lidar com os pro-
não deve ser, pois, confundível com
transformações que as tecnologias de
cessos propagandísticos do passado
a mobilização do lastro que as ciên-
comunicação e da informação estão
(Quintero, 1993; Thomson, 2000)
cias da comunicação já nos legaram
a produzir nas sociedades e à escala
deixou-nos desarmados perante as
e que, por vezes, tende a ser diluído e
global, não obstante as suas diferentes
falsas informações transmitidas como
esquecido quer na vertigem das trans-
e paradoxais formas de recetividade,
notícias (Alandete, 2019); a emergên-
formações do mundo contemporâneo,
de utilização e de apropriação.
cia dos populismos e das convicções
quer ainda nos modismos da própria
Com efeito, uma breve revisitação
geradas nas bolhas de opinião (Keane,
investigação científica.
dos grandes problemas comunicativos
2013), faz-nos, erradamente, pensar
As sociedades contemporâneas
identificados na segunda metade do
nos eventuais efeitos benéficos da es-
estão hoje confrontadas a ter de re-
século passado, no auge da comu-
piral do silêncio (Noelle-Neumann,
cordar que, tal como no passado, a
nicação de massas, demonstrariam
1995); o poder de agendamento das
inovação tecnológica e o saber não
rapidamente como as expectativas
fontes assume um caráter bem mais
são, por si, garantes da autodetermi-
iniciais trazidas pelas “novas” tec-
transparente face ao poder oculto dos
nação e do progresso dos indivíduos
nologias da comunicação e da infor-
algoritmos. Apocalípticos e integra-
e das sociedades, mas que elas são
mação, acolhidas geralmente como
dos (Eco, 1990) têm, hoje, redobrados
também parte da sociedade e, dessa 5
forma, portadoras das suas contradi-
uma transversalidade, nem sempre fá-
O tema que dá corpo à presente
ções. Com efeito, os impactes tecnoló-
cil de gerir, mas indispensável para o
edição teve por inspiração um encon-
gicos na sociedade e na comunicação
seu desenvolvimento.
tro internacional realizado em Coim-
pública processam-se no quadro de
bra, em 2018, que levou à criação da
“regimes comunicacionais” complexos
Pactos Globais da Ética
Rede Lusófona pela Qualidade da
que implicam os contextos de comu-
da Comunicação
Informação (RLQI). Nesse encontro
nicação, as suas atividades, as suas
e do Jornalismo
científico, para além de outros convi-
proporções respetivas, as técnicas e as
Por tudo isto, as ciências sociais e
dados internacionais, estiveram pre-
tecnologias utilizadas, as instituições
humanas e, em particular, as ciências
sentes investigadores e jornalistas de
que constituem o lugar da sua reali-
da comunicação, não podem deixar de
todo o espaço da língua portuguesa,
zação (Balle, 1987, p. 145).
estar presentes nesta discussão, não
desde as Américas à Europa, de Áfri-
O regresso ao pensamento das
só pela responsabilidade social que
ca à Ásia. Desse espaço de diálogo e
ciências da comunicação é uma ope-
decorre da compreensão da natureza
compromisso profícuos nasceu a ideia
ração essencial à atualização e à afir-
das transformações sociais em curso,
de incluir as questões da ética e da
mação da autonomia do pensamento
como também pelo facto dessas trans-
qualidade da informação numa agenda
científico, como forma de resistência
formações interpelarem diretamente o
científica que envolvesse não apenas
à sua redução a um meio ao serviço
campo da comunicação, impondo-lhe
a edição do n.º 9 da Mediapolis mas
de fins que ela poderá não controlar;
novos desafios e exigindo-lhe um pa-
também a Estudos em Jornalismo e
é a resistência do pensamento cien-
pel na construção do futuro. Também
Mídia (Volume 16 nº 2 e Volume 17 nº
tífico à sua instrumentalização e às
por tudo isto, um projeto editorial de
1), da Universidade Federal de Santa
ameaças das fakes sciences que as
uma revista científica denominada Me-
Catarina, no Brasil, dedicadas à Qua-
novas formas de pensamento obs-
diapolis, que faz apelo aos conceitos
lidade no Jornalismo, Democracia e
curantista emergente não deixarão
de comunicação, de jornalismo e de
Ética. No seu conjunto, cremos que
de tentar incentivar e tutelar. Neste
espaço público, não podia deixar de
estas iniciativas darão um contribu-
sentido, importa não esquecer que as
marcar presença com os seus contri-
to importante para a atualização do
responsabilidades que atribuímos aos
butos nesta discussão, tendo por isso
tema junto da comunidade lusófona.
media e ao Jornalismo na conservação
proposto à comunidade científica a
Não será demasiado recordar que este
e renovação da democracia não é fun-
apresentação de estudos, análises e
tema tem um impacte particular no
damentalmente distinto do papel so-
reflexões subordinados ao tema geral
Brasil, onde se situa a maior comu-
cial reservado ao pensamento crítico,
de Pactos Globais da Ética da Comu-
nidade científica das ciências da co-
exigindo das ciências da comunicação
nicação e do Jornalismo.
municação no espaço lusófono, cujo
processo político está a suscitar um
uma aldeia global (Ash, 2017). Nessa
tanto mais pertinente quanto, embo-
atento acompanhamento a nível inter-
cosmopolis encontram-se e confron-
ra esteja já bem presente na reflexão
nacional. No entanto, não obstante a
tam-se visões, formas de pensamento,
científica e socioprofissional, ela per-
sua menor mediatização, não podemos
culturas, projetos políticos e sociais
manece ainda muito inconsequente,
esquecer que importantes discussões,
diversos, exigindo pactos globais, onde
refletindo ainda a confortável ideia de
envolvendo questões políticas e dos
a humanidade, na sua diversidade, tem
que os valores do jornalismo conti-
media, estão a realizar-se também
de se sentir reconhecida nos seus di-
nuam a dar resposta aos desafios da
em países como Angola, Cabo Verde,
reitos de cidadania e de ocupar um
era digital.
Guiné-Bissau, Moçambique, Macau,
lugar na construção de um futuro cada
só para citar alguns exemplos.
vez mais, inevitavelmente, comum.
Se esta constatação pode ser interpretada como mais um libelo acu-
O tema teve ainda duas outras ins-
satório contra a ineficácia da autor-
pirações. Em primeiro lugar, o pres-
Percursos conceituais
regulação dos media e do jornalismo,
suposto de que a ética é uma parte
A reflexão desenvolvida ao longo
não podemos esquecer que a ética e
essencial para o debate contemporâ-
dos textos da presente edição poderia,
a deontologia socioprofissional têm o
neo sobre a comunicação e o jorna-
a nosso ver, ser apresentada a partir
seu fundamento nos valores morais das
lismo, ajudando-os a estabelecer os
de conceitos-chave tais como ética,
sociedades em que se inserem, fazen-
seus fundamentos normativos. Esses
jornalismo, espaço público e repre-
do parte do seu sistema normativo.
fundamentos foram importantes para
sentações e representa claramente
Por isso, não será de esperar – talvez
estruturar e legitimar o seu papel so-
um esforço crítico de compreensão
nem seja desejável – que os valores
cial, criar um corpo profissional e
das mudanças da comunicação, do
socioprofissionais se transformem ao
definir a importância da comunicação
jornalismo e do espaço público con-
sabor dos modismos do presente, de-
e da informação no espaço público
temporâneos, assim como a propõe
vendo, pelo contrário refletir as mu-
das sociedades democráticas. Num
revisitar, repensando-os, alguns dos
danças estruturantes e adaptar-se em
momento em que tanto se fala de crise
seus conceitos estruturantes.
resultado de um processo que se pre-
de representação e de crise do jorna-
Com a organização dos textos desta
tende consciente e deliberativo, onde
lismo, torna-se importante, a nosso
edição decidimos começar por retomar
o debate ético tem um lugar central
ver, revisitar esta discussão.
a discussão acerca da necessidade de
(Bernier, 2004).
Em segundo lugar, a ética faz parte
uma nova ética para um novo ecossis-
Samuel Mateus introduz-nos esta
da nova esfera comunicativa que se
tema mediático e de uma nova deonto-
temática, partindo da ideia de que
está a construir no mundo, à luz de
logia para um jornalismo que enfrenta
estando o jornalismo ligado a valo-
uma imensa cosmopolis mais do que
novos desafios. A questão parece-nos
res deontológicos, estes estão a ser 7
desafiados pelos diferentes usos da
cidadão enquanto jornalista, são al-
no que concerne à responsabilidade
internet, que impõe ao jornalismo on-
guns temas que, no entender de Sa-
dos jornalistas” – argumenta.
line a readaptação a novas linguagens
muel Mateus, carecem de aprofun-
As duas abordagens anteriores
e práticas discursivas. O investiga-
damento e clarificação nos códigos
são uma boa forma de enquadrar um
dor da Universidade da Madeira está
deontológicos para a era digital.
conjunto de temáticas mais específicas
entre os autores que defendem que
Na mesma linha de reflexão, Ana
da ética e da deontologia do jornalis-
estas transformações tornam urgente
Leonor Morais Santos, procura pen-
mo, tratadas nesta edição, tais como
a formulação de novos valores deonto-
sar quais os valores nucleares de uma
o rigor da informação, o estatuto de
lógicos, ajustados ao novo ecossistema
ética do jornalismo, suscetíveis de
independência dos jornalistas dentro
mediático, de modo a atualizarem o
configurarem a razão de ser do pacto
dos órgãos de comunicação social, o
pacto social entre jornalistas e cida-
entre jornalistas e cidadãos, de que
tratamento das fontes e os processos
dãos. Em seu entender, essa readap-
falávamos atrás. Para a investigado-
de prestação pública de contas por
tação não passa apenas por introduzir
ra da Universidade da Beira Interior,
parte dos media e dos jornalistas, es-
uma nova terminologia nos códigos
esse pacto assenta, nomeadamente,
tes últimos, constituindo uma dimen-
deontológicos, através de expressões
em valores como o rigor, a exatidão,
são ética que não deve ser descurada.
ou conceitos tais como “online”, “di-
a independência e a integridade, que
O serviço do direito de informar
gital” e “novos media”. Pelo contrário,
têm simultaneamente uma dimensão
implica a exigência de rigor, um
implica a criação de uma ética norma-
intrínseca e instrumental, uma vez
conceito-chave a que Paulo Martins
tiva mais forte, capaz de orientar em-
que estamos perante valores ao serviço
recorre para discutir o jornalismo e
piricamente os jornalistas no quadro
do direito à informação, que “assiste
distinguí-lo da imensa amálgama de
dos problemas quotidianos, na linha
a todos os cidadãos, e que transforma
derivas que compõem atualmente o
do que se vai vendo em alguns – não
o direito de informar no dever de bem
fast food noticioso. As fake news, a
muitos – exemplos de códigos emer-
informar”. Nessa perspetiva, sustenta,
informação sem verificação, títulos
gentes. Os enquadramentos legais,
a responsabilidade social do jorna-
vazios de conteúdo, as estratégias
também eles em mutação, os cons-
lismo não é contingencial e não pode
para promover clickbaits, os conteú-
trangimentos empresariais, as rotinas
estar sujeita aos condicionalismo do
dos híbridos que descredibilizam o
profissionais e o relativo isolamento
mercado: “Negociar com a informação
jornalismo, ainda que possam servir
dos jornalistas no contexto das em-
é negociar o futuro da humanidade,
objetivos comerciais a curto prazo,
presas de produção de conteúdos, a
para o bem e para o mal, e também
minam o pacto entre jornalistas e ci-
subjetividade, o lugar da liberdade
por essa razão falhar na função eman-
dadãos e, acrescenta o investigador
do jornalista enquanto cidadão e do
cipadora é falhar em termos absolutos
da Universidade de Lisboa, a própria
democracia. Com efeito, hoje, as novas tecnologias e a abundância da informação encarregaram-se de mostrar de forma evidente que o jornalismo é algo bem mais complexo do que a transmissão da informação pública e a revelação do que é segredo. O jornalismo constrói-se num pacto (ético) que, de alguma forma, resume o núcleo do que deve ser a atitude dos seus profissionais: pessoas empenhadas com a qualidade da informação e a credibilidade do jornalismo. Esse empenhamento passará por um trabalho aturado na certificação e crítica das fontes de informação, outro aspecto central quer da ética quer da
As novas
fontes de informação? Até que ponto isso é compatível com a ideia de que o
tecnologias e
jornalista é o último responsável pela informação divulgada?
a abundância
A crítica das fontes é algo mais do que um procedimento estritamente
da informação
deontológico. Não será por acaso que Paulo Martins, na sua abordagem a
mostraram
que fizemos referência anteriormente, trata igualmente o problema das
que o jornalismo
fontes de informação, salientando que o papel do jornalista não se limita a
não é apenas
ouvir vozes diferentes, mas também de ponderar a sua legitimidade na sua
transmitir
relação com a verdade. Se ainda dúvidas houvesse a este respeito, Lorena
informarção
Caliman Fontes poderia desfazê-las
qualidade da informação. Sobre isso,
com o estudo que fez sobre o progra-
Suzana Cavaco, da Universidade do
ma mais antigo da rádio brasileira,
Porto, faz um trabalho comparativo
a Voz Brasil, onde põe em evidência
sobre a forma como a questão do sigi-
os impactes que a escolha editorial
lo das fontes é tratada por diferentes
das fontes pode ter na qualidade da
códigos de diferentes países, pondo
informação, nomeadamente, tipifican-
a nu aquele que é um dos pomos de
do ou apagando as críticas ouvidas
discórdia entre os jornalistas, mesmo
em antena e viabilizando, ou não, a
em Portugal. Deverá a proteção da fon-
criação de um espaço aberto de dis-
te ser total, mesmo em situações em
cussão mobilizador de uma opinião
que, comprovadamente, o jornalista
pública vibrante. Expressões como
foi enganado por ela? O compromisso
o jornalismo institucional ou outras
para com a qualidade da informação é
declinações que a era digital parece
do jornalista, ou pode ser estendido às
propor ao jornalismo estarão sempre 9
comprometidas na sua credibilidade, se elas não se fizerem acompanhar de uma estratégia duradouramente empenhada com o serviço da cidadania. Desse empenhamento resulta o pacto efetivo de expetativas estabelecido entre o media, os jornalistas e a sociedade. E esse parece ser o grande mal de que padece a Voz Brasil. Estas situações são tão mais graves quanto elas forem destituídas de um verdadeiro esforço e de uma cultura de prestação pública de contas (accountability). Nas suas diferentes expressões, os instrumentos de pres-
Crise de mediação, crise de representação e crise de democracia são conceitos interligados
Catarina, no Brasil, Pompeu Fabra, e de Sevilha procura fazer esse esforço a partir da investigação realizada no âmbito do projeto da “MediaACES. Accountability y Culturas Periodísticas en España”. Sem o intuito de revelar um “paraíso espanhol”, o estudo demonstra que os instrumentos de accountability têm por base uma realidade multifacetada que passa por: incentivos internos das empresas; a promoção de uma cultura de responsabilidade; sistemas jurídicos, políticos e económicos - que incentivem a transparência, e
tações de contas são o assumir de
eventualmente punam a opacidade -;
um compromisso de responsabilidade
agentes económicos que invistam
dos jornalistas e dos media na cria-
na abertura das corporações de me-
ção de uma esfera pública de discus-
dia; e movimentos organizados que
são, de credibilidade e de qualidade
ajudem a consolidar a estabilidade
da informação. A sua pluralidade
política e a cultura democrática. Por
reflete também culturas e tradições
isso, não será possível encontrar mo-
próprias de regulação dos media e
delos universais de accountability,
do jornalismo. No entanto, apesar da
nem tão-pouco no espaço da lusofo-
sua especificidade, é importante que,
nia, um dos objetos finais de refle-
numa era que se diz de crescente glo-
xão do artigo assinado por Rogério
balização, essas experiências sejam
Christofoletti, Juan Carlos Villegas
divulgadas, conhecidas e partilhadas
e Xavier Ramon Vegas. Entre o mer-
em contextos que não os estritamente
cado brasileiro de bens simbólicos
nacionais. O trabalho efetuado pelos
de 209 milhões de pessoas e o da
colegas das Universidades de Santa
Guiné-Bissau, que não chega a ser
1% desse número, existe um mosai-
Estes são mecanismos que os cientis-
regressar às questões fundamentais
co multifacetado de mundividências
tas sociais, comunicólogos, jornalis-
evocadas no início desta introdução.
marcadas por idiossincrasias, passi-
tas e cidadãos devem defender, como
O professor da Universidade Nova
vos históricos, capacidades e poten-
condição de funcionamento da pró-
de Lisboa não deixa de notar que é
ciais próprios que a língua comum é
pria democracia. Mas esses procedi-
numa altura que os novos dispositivos
incapaz de apagar.
mentos são também condições meto-
comunicativos alimentaram as espe-
dológicas destinadas a garantir novas
ranças dos neo-iluministas que mais
Uma agenda para o espaço lusó-
formas de significar a política e a
se fala também em crise da repre-
fono para aperfeiçoar e aprofundar
democracia, “como uma experiência
sentação, que surgem novas formas
a transparência e a prestação de
ativa, propositiva, criativa e com vista
de populismo e em que os cidadãos
contas da mídia passa inevita-
à produção de ‘comuns’ outros mais
aparecem alheados das urnas de voto.
velmente por consolidar merca-
igualitários, mais democráticos”. No
E conclui:
dos produtores e consumidores
entender dos autores da Universidade
de informação em cada país, por
Federal de Minas Gerais, do suces-
O problema é que, por mais níti-
fortalecer os regimes de estabili-
so deste empreendimento depende a
da que seja a perda de influência
dade política, com alternância de
democracia e a luta contra os novos
das elites tradicionais, o apogeu
poder e direção democrática, e por
populismos.
das multidões também não parece
enaltecer as demandas dos públi-
Inevitavelmente, é na qualidade
estar no horizonte. Pelo contrá-
cos e das cidadanias, escrevem
da democracia que culmina toda a
rio, o que tem vindo a surgir são
os autores.
discussão em torno do jornalismo e
núcleos clandestinos de produção,
naquilo que ambos têm de mediação.
manipulação e distribuição de in-
Numa linha de discussão mais
O estudo e a reflexão sobre a natureza
formação – verdadeira ou falsa,
alargada, inspirada em Keane e
das mediações será certamente uma
tanto faz – que operam à escala
Rosanvallon, Lucas Veloso, Ângela
das tarefas centrais que as ciências da
planetária e estão rapidamente
Marques e Ricardo Mendonça reto-
comunicação não podem descurar, sob
a transformar-se numa arma es-
mam a discussão em torno dos temas
pena de não perceberem uma das di-
tratégica para alguns Estados e
da transparência, a partir da ideia
mensões profundas das transformações
numa ameaça para todas as de-
de que abundância comunicativa do
do mundo contemporâneo. É com essa
mocracias.
mundo contemporâneo exige cada vez
reflexão que encerra a presente edi-
mais monitoramento e mecanismos de
ção da Mediapolis, através do artigo de
Crise de mediação, crise de re-
verificação do princípio de igualdade.
Diogo Pires Aurélio, que nos permite
presentação, crise do jornalismo e 11
crise da democracia aparecem-nos
Bernier, M.-F. (2004). Éthique et Déon-
Keane, J. (2013). Democracy and Media
como conceitos profundamente liga-
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Decadence. Nova Iorque: Cambridge
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Quintero, A. P. (1993). História da Pro-
de revigorar a dimensão política, a
nal: proximidade e distanciações.
paganda. Lisboa: Planeta editora.
exemplo do que o conceito de opi-
Linhas de reflexão sobre uma ética
Traquina, N. (2000). O Poder do Agen-
nião pública e de espaço público
da proximidade no jornalismo. In
damento: Análise e textos da teoria
conseguiram fazer nos últimos dois
João Carlos Correia (org), Ágo-
do agendamento. Coimbra: Miner-
séculos… relativamente aos mode-
ra - Jornalismo de Proximidade:
vaCoimbra.
los representativos do ancien régime.
Limites, desafios e oportunidades
Thomson, O. (2000). Uma História da
Mas mais do que um neo-Iluminismo,
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um Novo Iluminismo.
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Recebido em: 12/01/2018 | Aceite em: 01/05/2018
Labcom; ICNOVA
New Media, New Deontology
samuelmateus@uma.pt https://orcid.org/0000-0002-1034-6449
Ethical constraints of online journalism Novos Media, Nova Deontologia – Constrangimentos éticos do jornalismo digital https://doi.org/10.14195/2183-6019_9_1
Abstract
Resumo
As New Media bring new challenges – as
Há medida que os Novos Media trazem
well as new risks – to the function and
novos desafios – bem como novos riscos –
identity of journalism, there is a growing
para a função e identidade do jornalismo,
pressure to adopt – and also to adapt
há uma crescente pressão para adotar – e
– self-regulatory mechanisms, such as
adaptar – mecanismos de auto-regulação,
deontological codes, in order to better
como por exemplo, códigos deontológicos,
determine the ethical boundaries of on-
a fim de melhor fixar os limites éticos do
line journalism.
jornalismo digital.
This paper emphasizes key principles of
Este artigo destaca os princípios dos Novos
New Media (such as hypermedia, hyper-
Media (como hipermédia, hiperlinks, inte-
links, interactivity, glocality, customiza-
ratividade, glocalidade, personalização e
tion, and instantaneity) that, together, pose
instantaneidade) que, tomados em conjunto,
legal, corporate, professional, and indivi-
colocam constrangimentos éticos de ordem
dual ethical constraints. Such limitations
jurídica, corporativa, profissional e indivi-
suggest a new deontology is needed for
dual. Estas limitações sugerem que uma
journalists to establish specific guidelines
nova deontologia é necessária para que os
to direct their online practice.
jornalistas possuam diretrizes específicas
Finally, this article suggests that the first
que direcionem a sua prática online.
step towards a generalized ethical reas-
Sugere-se que o primeiro, passo crucial,
sessment of online journalism could be
para esta revisão ética generalizada sobre
accomplished by means of supranational
o jornalismo digital pode ser feito através
deontological codes of journalism.
de códigos deontológicos supra-nacionais.
Keywords: Online journalism; ethics;
Palavras-Chave: Jornalismo digital;
deontology; new media.
ética; deontologia; novos media;
13
Introduction
construction of the world giving a
journalism. These forms exist in close
Journalism adopts, in its practice,
responsible interpretation and sym-
association with Web 2.0, and Social
ethical standards that help professio-
bolically mediation of the word. To be
Media owing them the easy targeting
nal to respect truth, transparency and
true, there is no journalism without
and interaction with mass audiences.
exemption. At the same time, those
ethics (cf. Alsina & da Silva, 2018:
Besides the technical, social,
ethical standards help them to attain
727) because it relies on ethics to
cultural, economic and professional
the trust of the public and gain the
be a dependable organization of the
dimensions, New Media bring new
confidence of citizens, institutions and
social world respecting the right to
challenges to journalism Ethics sin-
communities.
information and its liberty, truth as
ce the relationship between bloggers,
an absolute duty, or the respect by the
social media users and online publi-
human person (Cornu, 2015).
shers of news and information is to-
We trust journalism because there is a fiduciary contract (Rodrigo-Alsina, 2009) sustained by ethical
With the rising of modern media
day symbiotic (Friend&Singer, 2007:
procedures, routines and methods of
and special with New Media, a kind
133) even if it may also be conflicting
news-gathering that are bounded by
of journalismorphosis happened. In a
and contradictory. No doubt there is
the public interest. Citizens trust that
time of news abundancy and an in-
multiple layers in journalism (Ward,
behind each story there is a space
tensification of the informative flux,
2009) but the inclusion of new actors
of liberty mas also a space of res-
journalists primarily changed from
in online journalism may raise par-
pect by those involved. Journalism is
gatekeepers to gatewatchers (Singer,
ticular concerns to what the specific
not a fictional narrative or a random
2009). In the context of cyberspace
characteristics, purposes and social
reality- based entertainment, but a
and hypertexts (and, in some cases,
identity journalism should have to-
reliable, responsible and accountable
an excess of information) journalism
day. Because if, with New Media, it
report of the public world. By sear-
is facing a mutation in its professio-
is true that almost anyone can be a
ching, gathering, editing, selecting
nal routines where journalists have
publisher, this does not necessarily
(including hierarchy) and diffuse the
no more the primacy of event selec-
mean that everyone is doing journa-
news, journalism is a professional ac-
tion and have few control on the dis-
lism (Friend&Singer, 2007: xxiii). In a
tivity but also a civic one (Fidalgo,
semination and uses of their news.
digital world, the distinction between
2013) that reflects a commitment
By other hand, there is also other
journalism and other forms of publi-
to avoid being a hollow narrative.
forms of selecting and publishing of
cation rests fundamentally in ethics,
It is because it is an informed and
information – like citizen journalism,
rather than in professional categories
ethical-bounded activity that jour-
for instance – that in some respects
or technical skills (Fidalgo, 2013: 24;
nalism may contribute to the social
compete with the traditional role of
Ess, 2009).
More, given the vast amount of data
facts, not on actual facts. Allcott and
The Ethical Constraints on
and information in Internet determi-
Gentzkow (2017: 213), for example,
Online Journalism
ning the trustworthiness of online news
define them as “news articles that are
Online journalism is not just the
can be a daunting – maybe a utopic –
intentionally and verifiably false, and
transposition of print content into the
task even though the media’s attributes
could mislead readers”. And the very
World Wide Web. It is, above all, a
of Internet facilitate the job of social
notion of Post-Truth that emerged along
re-adaptation of traditional media dis-
surveillance and self-policing.
the rise of New Media is riddled with
course into new language and discur-
By other hand, from an etymologi-
conceptual shortcomings (Carlson,
sive practices. For example, the inver-
cally point of view, online journalism
2018: 1789) uncovering the idea an
ted pyramid gives place to the tumbled
may be something totally diverse from
absolute truth is not a realistic goal of
pyramid in which “journalists are able
traditional journalism since the speed,
journalism to achieve.
to provide new and immediate reading
urgency and rhythm of doing online
New Media, thus, bring new chal-
horizons by creating links between
journalism incite superficiality, and
lenges – as well as new risks – to the
texts or other multimedia components
hampers fact validation or confirma-
function and identity of journalism. If
which can be organized into layers of
tion. Many “so-called” online news
we accept that ethics is the regulation
information” (Canavilhas, S/D). This
articles are condensed on the title or
of human activity based on systema-
is similar to the news diamond model
the lead without developing the sub-
tized moral principles, it is, then, in-
authored by Paul Bradshaw (2008)
ject (sometimes committing clamorous
separable from journalistic practice
that describes a new way to concep-
mistakes and putting in risk the basic
as a form of social construction of the
tualize the journalist writing of news
assumption of journalism: to enlighten
world (Correia, 2012). Therefore, an
in online environments.
and inform public opinion (Bentham,
appraise and reflection of the ethical
From the mediamorphosis (Fidler,
1821).
boundaries of online journalism is
1997) emerged a set of principles of
a much-needed effort and it will be
New Media that influence and sha-
addresses here.
pe contemporary online journalism
There also concepts very closely associated with New Media, such as Post-Truth (Harsin, 2018) or Fake News
In this paper we identify relevant
such as hypermedia (combining text,
(Levinson, 2017), that contribute to a
questions and dilemmas online jour-
image, sound and multimodal semio-
social distrust in online journalism. Po-
nalism is facing today while answering
tics), hyperlinks (directing the de-
pularly, fake news refers to viral posts
the need to an ethical evaluation by
velopment of information in parallel
based on fictitious accounts that are
emphasizing the need to reevaluate
sites or pages according to a singular
made to look like news reports. They
self-regulatory, (supra-national) deon-
path chosen by the user), interactivi-
are based on potential or alternative
tological codes of journalism.
ty (where internet users are not just 15
readers as commentators and pro-
in 2012, CNN suspended the journa-
definition of ethical standards and we
ducers/influencers of information),
list Roland Martin for “offensive and
will indicate some of those who pose
glocality (in which local information
regrettable” remarks on his personal
more consequences to journalism
acquires a wide, global spread), cus-
Tweeter after having made jokes about
ethics. It is these hodiern conditions
tomization (the possibility of online
gay community during Superbowl.
and constraints that make urgent to
news reader only consume those news
CNN wrote that “Language that de-
formulate an adequate and revised
that corresponds to a previously set
means is inconsistent with the values
deontology, one that can successfully
of preferences and thematic defini-
and culture of our organization and
articulate and enforce the ethical stan-
tion) and instantaneity (New Media
is not tolerated. We have been giving
dards to the profession of journalism
make possible to publish the news
careful consideration to this matter,
and, at the same time, can guarantee
the moment it is produced).
and Roland will not be appearing on
that the fiduciary contract between
It can also be added two other
our air for the time being”. A personal
journalists and citizen remains intact.
principles. First, hypermobility (San-
commentary on a well-known social
These are not exhaustive limita-
taella, 2007) designating a portability
media made CNN to reject the colla-
tions yet they seem to be the most
and electronic mobility analogous to
boration with Roland Martin because
pressing ones: legal framing, corporate
physical mobility in cities. Hypermo-
it was understood that such comment,
constraints, professional routines and
bility consubstantiates the intersec-
and its homophobic content, would be
subjectivity.
tions and overlaps of news in online
publicly extended into CNN. A perso-
environments. Second, transmediali-
nal tweet was seen as representing a
Legal Framing: a virtuous
ty (Gambarato&Tárcia, 2017; Prado,
world-wide institution, capable to risk
and a vicious constraint
2010) in which a news story is unfol-
the credibility of the news television
The first ethical limitation we
ded in several, updated, reiterations
channel and their professionals ali-
highlight is law. Law is a necessa-
in other media (such as television or
ke. This example brings into full light
ry field of journalism and one that
radio, and vice-versa)
the serious imbrications between the
makes possible reporting the world.
These features are not attributes
personal and the professional dimen-
But it is also one that restrings its
but they are at the very core of online
sion of the journalist as New Media’s
scope of action. For one hand, the
journalism today, decisively shaping
interactivity, glocality, transmediality
legal framing incites the journalist
its discourse as well as testing its ethi-
and instantaneity tends to erode old
to do the social good while legitimi-
cal boundaries. For instance, it was
ethical frontiers.
zing journalistic activity. Take, for
due to interactivity, glocality, trans-
Contemporary online journalism
instance, the liberty of press. Law is
mediality and instantaneity that, back
discloses serious limitations to the
a virtuous constraint (Cornu, 2015,
112) enabling the regulation of the
the author rights and plagiarism is not
Corporate Constraints:
profession and giving it a rightful
always easy to respect. For example,
between the compromise to
ground for action that order the in-
there are new ethical questions to be
inform and the compromise
teraction between journalism and the
answered: is the use of a pre-existent
to respect editorial norms
remain social institutions.
Youtube video something akin to an
The fact journalism involves the
Nonetheless, the legal framing
ethical journalism that is characte-
information market and journalists
is also a vicious constraint when we
rized by the autonomous creation of
exercise their public and civic du-
think that sometimes the journalist’s
informative content? Is the use of blog
ties integrated in corporate busines-
abidance to superior ethical rules for-
contents in online news something that
ses also raises important questions.
ce them to surpass or exceed the law.
is aligned with what citizens expect
Because journalists are imbued in
A classic example is the protection of
from journalism?
corporations some deontological du-
journalistic sources. There are times
Or, should online journalism crea-
ties (as objectivity or facts checking)
when doing journalism according to
te photographic albums of victims,
can be, potentially, at risk if they go
the public interest oblige journalist
or make public audiovisual files that
against corporate guidelines. This is
not to disclose its sources.
where secretly recorded (in a hidden
the second ethical limitation in today’s
camera) without the consent of those
professional practice.
In online journalism, there are new conditions that enhance this ten-
who appear in them?
A simple example: if an exclusi-
sion between ethics and the law. One
These are just a few ethical ap-
vely online newspaper does not have
of the most cited virtues of Internet
prehensions concerning the legal
enough cars to cover an event or to
is the free access to multiple con-
framing that online journalism come
interview social actors, how can the
tents and its potential to knowledge.
to question today. They can be sum-
online journalist verify facts and listen
Everything seems to be there. This
moned I one query: how may the ri-
to all the parts involved? Well, she
raises a series of difficulties to online
gid legal framings deal with the fluid
may make a phone call or arrange a
journalism.
nature of Internet and how the law
videoconference with them. But the
protects or assault journalism in on-
deontological question remains: is it
line environments?
acceptable to check facts, opinions
Since it is so easy to retrieve data and information from an Internet search, online journalism faces the
These are undoubtedly impor-
and events thought exclusively media-
possibility of plagiarism and the in-
tant questions deontological codes
tized, non-presential, no-testimonial
fringement of copyright laws. By ga-
need to address. The second set of
ways?
thering information and use them in
queries have to do with corporate
online news, the distinction between
limitations.
This is related to cover an event through indirect means. When an 17
online journalist writes ( or adapts)
a big weight on the reporting of the
journalism is now facing two strong,
an article based on the print article
world.
concomitant forces: first, online jour-
of his fellow colleague, is this conform
By other hand, economical cons-
nalist become more and more isolated
to journalism ethical standards? Be-
traints can make online journalist be
in their role among so many other ones
cause, just like traditional journalism,
directed in his work by the number of
involved in the news production and
citizens expect online journalism to
clicks (click-baiting) his articles can
reception. Second, a growing frag-
cross check, select facts and report
gain, instead of the social importance
mentation of his task does not enable
them in first hand. When an online
they could have.
journalists to have a complete control
journalist can only write small articles
The price online journalism pays
of their work. Hence, before an online
from the arrangement of other (press)
to try to be profitable may be an au-
article reaches the public, it passes
articles, is this is good, ethical jour-
dience dictatorship (Cornu, 2015: 113)
through designers, audiovisual editors
nalism?
in which the search for the ultimate
and computer giving journalists the
There is also another crucial as-
scoop (and its financial implications)
sensation there are not the fundamen-
pect relating to corporate constraints:
may displace journalism from the
tal authors of online news.
the selective cover of events based on
public interest to the interest of the
editorial norms.
fleeting online audiences.
Also, the tendency for polyvalence may lead online journalists to sacrifice
When an online newspaper inte-
In fact, this was already noted by
essential aspects of his work such as
grates a media corporation it is more
Steensen (2009: 702) who suggests
investigations, verification, thinking
probable to cite news investigation
that “online feature journalists prac-
and reflection (Cornu, 2015: 113). As
and articles from the same media
tise a more audience-driven and sour-
they have to satisfy the exigencies of
conglomerate. In some cases, it may
ce-detached kind of journalism than
urgency and constant obsolescence of
even cut out other institutional sour-
their print counterparts�.
the online news environment, they may
ces of information. This is unders-
become more of mechanism wheels pi-
tandable because access to the news
Professional Routines:
voting the mass production of contents
and reports is easier if they belong to
Journalist’s relative
mainly devoted to catch attention.
the same institution since they share
isolation
At the same time, New Media
resources. Yet, it may be less unders-
Professional routines of online
accentuates the risk of transforming
tandable that corporate property has
journalism may also result in severe
online journalism in simple desk jour-
such an influence on the editorial
ethical constraints. This is the third
nalism. Relying in the Internet and So-
scope of the online newspaper and
ethical limitation in contemporary di-
cial Media platforms, basing their work
that editorial guidelines have such
gital practice of journalists. Online
in print news or tending to write news
every hour, online journalists tend to be incarcerated in the office. No longer being on the ground, stopping of banging doors and cultivating news sources, online journalism is getting stuck behind desks. As newsrooms have limited resources desk journalism is also compliant into data journalism, the combination of “the traditional ‘nose for news’ and ability to tell a compelling story, with the sheer scale and range of digital information now available” (Gray, Bounegru, Chambers, 2017). So, from an ethical point of view based on professional routines, what
The revision of supra-national journalism standards will lead to a major updating online journalism’s deontology
preferences. So, their stories cannot be total abstracted from their personal values, their culture, convictions or hopes. The symbolic construction operated by journalism cannot be detached from the personal views journalists have as individuals and citizens. This has special ethical consequences in the case of online journalism. In a recent survey to 300 Portuguese journalists, 81% assumed that they combined a professional as well as personal use of Social Media. From this, 86% had only one social media’s account or profile. Further on, 95% of
can we expect from online journalism
these journalists specify their profes-
when is becomes more and more a desk
sion and the media they work for (Ma-
job? This is another question that need
teus, 2015: 55). This means it is not
to be urgently answered.
easy to make the distinction between what is posted as citizen and what is
Subjectivity- the restrictive
posted as a professional journalist.
manifestation of personal
Besides, their duties to neutrality
opinion
and impartiality are in check because
The fourth ethical limitation we
“Liking” in the Facebook’s profile of
highlight as to do with the fact jour-
a political candidate can sound as a
nalists being social actors and moral
public and professional recommenda-
subjects (Cornu, 2015: 114).
tion. How can this journalist, be in
They have subjectivity and, besides being information professionals, they
ethical condition to cover the political campaign of this candidate?
are citizens too with their own preoc-
Also, the same survey revealed that
cupations, expectations and political
91% of journalists have professional 19
sources in their Facebook’s friends or
In Search of a Specific
in the mutations introduced by New
other Social Media followers, and even
Deontological Code to
Media in journalistic practice.
that 64% of them are Facebook frien-
Online Journalism
ds with members of the Government
In the New Media environment jour-
set of ethical assumption on the everyday
(Mateus, 2015: 55). What’s more, 43%
nalism is of even greater importance.
practice of journalists is through the
admit to post opinions and personal
While technologies facilitate journalist’s
self-regulatory codes of deontology.
comments about politics or economics
tasks, at the same time, they also erode
in their social media profile (Mateus,
traditional ethical boundaries.
2015: 57).
The most effective way of imposing a
Deontology brings the fundamental ethical concerns to journalism without
However, journalism is not some-
fall into the rigidity of the law or state
New Media, thus, exacerbates
thing we can prescind on because
regulation, or the absolute fluid sub-
ethical problems of journalism by
he is the guarantor of credible, rigo-
jectivity of each professional. It is a
making public and easier to put into
rous and contextualized information.
code sufficiently malleable to adapt
jeopardy the obligation of impartiality.
Hyperinformation and its abundance
to key mutations in Journalism (such
More specifically, New Media brings
only calls for the renew of the critical
as the online transformations) and,
to the fore this problem by making
role of journalism in today’s demo-
simultaneously, sufficiently solid to
problematic the relationship with news
cratic societies. Filtering information
bind professional routines to ethics.
sources and political officials.
and certifying contents is the great
Through deontological codes, jour-
In this section we highlighted four
challenge to contemporary journalism
nalism becomes more autonomous as
different domains that represent ethi-
and one that is even more required
well as more accountable and trustful.
cal limits to online journalism.
by New Media. In fact, the more
The one-million-dollar question is
This paper suggest that in order to
information there is, the more the
to know if current codes of ethics in
answer these ethical problems, jour-
necessity of the intermediary role of
journalism remain valid for the In-
nalism must look into its deontology
journalists (Wolton, 1999). The more
ternet too. In other words, we must
as these self-regulatory texts are
virtually endless supply of informa-
ponder if online journalism requires a
mainly practical responses to ethi-
tion is flowing through, the greater
re-appreciation of its deontology. Whi-
cal challenges. So, online journalism
the need for journalistic judgement.
le there is general consensus that New
ethics can only be respected if its
Equal access to New Media does not
Media changed journalism, there no
practical guidance and application
stand for equal use of information.
solid agreement on the impact such
improves.
So, we still trust journalism to im-
changes have on ethics.
That’s why we need to ponder on deontology.
pose a kind of symbolic order to the ever-evolving world and this is truer
Positions about this move around two main perspectives.
First, a possible explanation is that
new Deontology. This is due to the
friend’s profile (or possibly creating a
existing ethical guidelines and deon-
consensual opinion that, as we have
false one)? There are many practical
tological codes are equally effective
just seen, online journalists are now
questions that the mere inclusion of
for the New Media. After all, Ethics is
confronting with a different kind of is-
words such as “online” do not fully
Ethics and no matter where to apply it
sues traditional journalists face. “Old
answer.
those principles remain intact. This is
assumptions about journalistic roles
In fact, it seems that the referen-
to say, according to this perspective,
and values can no longer be accep-
ce to “digital communication” in the
that online ethical issues are similar
ted uncritically nor old approaches to
Editor’s Code of Practice is a simple
to those of “traditional” journalism”.
them continued indefinitely” (Hayes
addendum: “The press must not seek
Independently from being old or new
et ali., 2007: 275).
to obtain or publish material acquired
Media, deontological guiding princi-
Adding “online”, “digital” or “New
by using hidden cameras or clandesti-
ples are still valid to online journa-
Media” to existing deontological codes
ne listening devices; or by intercepting
lism (cf. Diaz-Campo&Segado-Boj,
would not suffice since these terms
private or mobile telephone calls, mes-
2015: 736).
would only refer to the generic prin-
sages or emails; or by the unauthorized
Second, and in contrast, there is
ciples of “traditional” journalistic
removal of documents or photographs;
this notion that even if the essence
ethics. For instance, United Kingdom’s
or by accessing digitally-held infor-
of journalism (searching, gathering,
Editor’s Code of Practice mentions “di-
mation without consent.
editing, selecting information) remains
gital communications” even if being
Hence, a possible solution to solve
unchanged, it is also evident that New
vague: “Everyone is entitled to respect
the problems arisen with digital in-
Media re-defined or re-shaped new
for his or her private and family life,
formation is to create a code that can
ethical issues, as well as deepen old
home, health and correspondence,
specifically refer to online journalism.
ethical issues- as we have demonstra-
including digital communications”.
This perspective defends self-regula-
ted. “Internet shapes and redefines a
But, what a journalist should beha-
tion codes, specifically deontological
number of moral and ethical issues
ve in case of personal comments, pho-
ones, can have the task of inducing pu-
confronting journalists when opera-
tos and videos that are shared through
blic expectations of ethical standards,
ting online or making use of online
social media? By publishing them in
as well as defining ideal standards of
resources” (Deuze&Yeshua, 2001:
Social Media, individuals make their
(offline and online behavior).
276). Some authors (Suárez Villegas,
posts public but if they do so in restrict
Following this line of argument,
2015; Demir, 2011) have argued that
circles of social media (ex: Facebook’s
deontological codes are key to adapt
New Media calls, therefore, for a new
friends), is it licit the journalist ac-
the old standards to the new tech-
practical Ethics, more exactly, to a
cess that information even if using a
nological, economic and empirical 21
conditions of online journalism. We
of the profession (Mateus, 2015: 63).
re-posting or the sharing of non-con-
are here arguing for the making of
And, most importantly, 62% of them
firmed information. In fact, one can
stronger normative ethics (in the sen-
are favorable to a revision of the deon-
interpret that journalism should not be
se of Cornu, 2015: 108) capable of
tological code in order to include spe-
a matter of “copy-pasting” facts. At the
guiding online journalists empirically
cific guidelines to online journalism
same time, we can also understand in
through the everyday problems they
(Mateus, 2015: 101).
that quotation that New Media’s sense
encounter.
What is perhaps a great surprise is
of speed, urgency and instantaneity
Particularly, self-regulation me-
that from 99 self-regulation codes of
should not be a reason to not be careful
chanisms, such as deontological co-
around the world, 90 of them overlook
and accurate with the facts.
des, may take journalistic ethics to
the specific problems of doing jour-
The same Canadian code declares
other level, providing detailed orien-
nalism in New Media. This is to say,
“We encourage the use of social ne-
tations to the new reality in specific
91% of the world deontological codes
tworks as it is one way to make connec-
domains such as making online con-
of journalism lack references to onli-
tions, which is part of our core work as
tent reliable; how to use data to pro-
ne journalism (Diaz-Campo&Segado-
journalists. However, we keep in mind
duce and diffuse information; linking
-Boj, 2015: 737) - and the particular
that any information gathered throu-
procedures; measures to prevent po-
challenges of we have identified in
gh online means must be confirmed,
tentially harmful content; or how to
this paper (legal framing, corporate
verified and properly sourced.” while
make compatible journalism integri-
constraints, professional routines and
summing up some advantages of social
ty and commercial pressures (Diaz-
subjectivity).
networking. It is a recognition of social
In fact, only Canada’s and
networks’ importance in journalism
This defense of deontology as a
Luxembourg’s deontological codes in-
and it almost legitimizes this tool in
way to help journalism dealing with
clude explicit mentions to journalism
the process of gathering information.
ethical issues emerged with New Me-
in Digital Media. For example, the Ca-
Yet, it also warns: “However, journa-
dia does not come only from acade-
nadian deontological code states: “The
lists should not use subterfuge to gain
mia but also directly from professional
need for speed should never compromise
access to information intended to be
journalists.
accuracy, credibility or fairness. Online
private”. Even if there is, in special
-Campo&Segado-Boj, 2015: 736).
For instance, 98% of Portuguese
content should be reported as carefully
cases, the possibility of it: “journalist
journalists believe that, in a time of
as print content, and when possible, sub-
may go undercover when it is in the
informational abundancy, a strong
jected to full editing”.
public interest”.
ethics is the main guarantee citizens
It also emphasizes the accuracy of
Pursuing the defense of privacy
have and best promise to the future
information and implicitly discourages
in digital environments, and specially
by children, the Canadian code affir-
The Netherlands deontological
ms: “we take special care when using
code is very clear in this respect be-
any material posted to social media by
cause it has an entire section devoted
The Canadian, Dutch or Norwe-
minors, as they may not understand
to dealing with online commentaries
gian deontological codes of journalism
the public nature of their postings”.
named “responses on websites”. And
give us a few examples how ethical
There are more examples of deon-
it stresses that if a response to an ar-
standards are already starting to being
tological codes that refer specifically
ticle on the website contains a serious
adapted to the practical need of online
to the New Media’s condition of jour-
accusation or defamatory expression
journalists and they should provide a
nalism.
towards one or more known persons,
great starting point to make deontology
For example, Luxembourg’s code
the editorial office, on request of tho-
a set of ethical rules easier to unders-
urges journalists to confirm that the
se involved, must investigate whether
tand and, above all, easier to apply
websites they are creating a link or
there are actual grounds for the accu-
in everyday professional routines by
sharing, do not contain illicit material.
sation or allegation and, if it is not the
online journalism.
In case of illicit materials, it is clearly
case, to remove the response.
stated journalists should refrain from linking.
obstacles to covering an issue with fairness and independence.
In fact, we suggest that journa-
The last remark on deontological
lists will probably be less confused
codes that specify online journalism
by what they should or should not do.
On its turn, Norwegian deontolo-
is about the Canadian Code and how
Without omissions or ambiguities,
gical code advises professional jour-
it plainly asserts that cyberactivism
online journalist’s work will be much
nalists to clearly mark links to other
and civic engagement via Social Media
easier to handle, and the public will
sites and at the same time it places
compromise journalist’s obligation to
also easily know better what to expect
a great amount of responsibility on
impartiality. “As fair and impartial
journalism on online environments.
editors by making them obliged to
observers, we must be free to com-
delete inappropriate and indecorous
ment on the activities of any publicly
Conclusion
comments: “Should the editorial staff
elected body or special interest group.
This paper brings light to the
choose not to pre-edit digital chatting,
But we cannot do this without an appa-
legal, corporate, professional and
this has to be announced in a clear
rent conflict of interest if we are active
individual ethical constraints in on-
manner for those accessing the pages.
members of an organization we are co-
line journalism while highlighting
The editorial staff has a particular
vering, and that includes membership
the particular need to update deon-
responsibility, instantly to remove in-
through social media”. So, to “Like” a
tological codes to face the challenges
serts that are not in compliance with
political candidate or to subscribe an
of doing journalism in digital media
the Ethical Code”.
online, public petition may be serious
environments. 23
It calls for the professional and
There are only a few core themes or
of existence. We are referring here to
academic need of adapting the exis-
common references in all those codes.
UNESCO’s Principle of Professional
ting deontological codes to contem-
Also, there is no universal standard from
Ethics in Journalism (dating from
porary online practice of journalism
which different countries can extrapo-
1983), the International Federation of
presenting a concise analysis of the
late their deontology. So, each country’s
Journalists’ Code (approved in 1986)
existing deontological codes given
deontology stresses only those aspects
and the European Code of Journalism
that a large majority of them are not
that are considered more relevant to
Deontology (agreed in 1993). These
particularly sensible to the ethical
their professional, cultural, technolo-
major, internationally acclaimed, and
challenges of online journalism.
gical and political realities. There are
wide-accepted deontological codes
Numbers don’t lie. Although ethi-
no perceived trends that give us a solid,
could be the steady platform from which
cal concerns about doing journalism
coherent and comprehensible view of
to derive all the national deontological
online have been growing in the last
deontology in online journalism.
codes about exercising journalism in a
decades, there is a general lack of in-
What the 9 deontological codes have
New Media context. The revision of the-
terest in making deontological codes
in common is the assumption that online
se supra-national journalism standards
fully adequate to New Media.
journalism is subject to the same ethical
will hopefully take the necessary step
Since only 9% of world’s deontolo-
principles as “traditional” journalism.
to lead to a major updating on online
gical codes make an explicit effort to
Given the legal, corporate, professio-
journalism’s deontology throughout the
regulate journalist’s practices in Digi-
nal and individual ethical constraints
world. But the great advantage would
tal Media, it seems fair – as statistics
identified earlier in this paper, based
be that national deontological codes
point out – to say that there is a wide-
on the will of most journalists to build a
would have a firm reference point, a
-ranging neglect in defining new ethical
specific deontology to online journalism
beacon in the sea of possibilities, that
boundaries to online journalism. More,
and given, still, the lack of homogeneity
would enlighten and bring safe all the
there is also a lack of consistency and
in the existing deontological codes that
deontological initiatives.
uniformity in defining those boundaries
mention digital media, there is much
since deontological codes that mention
waiting to be done.
This seems not just to be a long-anticipated move but also a very ne-
digital media – such as United King-
One first step could be revisiting
cessary one in order to preserve the
dom, Canada, Luxembourg or Canada’s
supra-national ethical codes. We
crystal-clear landscape that tells,
self-regulatory texts – give distinct em-
agree with Diaz-Campo and Segado-
beyond doubt, what journalists are
phasis to certain aspects (social ne-
-Boj (2015: 741), when they suggest
expected to do, how they should do it
tworking, or social responsibility and
updating those universal codes. In fact,
and what they, for the sake of public
accountability for links, for instance).
some of them have more than 30 years
trust, cannot do.
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Ana Leonor Morais Santos moraissantos.ana@gmail.com
Recebido em: 12/01/2018 | Aceite em: 01/05/2018
Universidade da Beira Interior
Uma nova ética para um novo jornalismo?
https://orcid.org/0000-0001-9248-6375
Revisitando o imperativo da responsabilidade A new ethics for a new journalism? Revisiting the imperative of responsibility https://doi.org/10.14195/2183-6019_9_2
Resumo
Abstract
Se, por um lado, a realidade de uma nova
It is an unquestionable and obvious
forma de fazer jornalismo parece evidente
fact that there is a new type of journa-
e inquestionável, por outro lado, a neces-
lism today. Nevertheless, the need for a
sidade de uma nova ética como correlato
new ethics as a correlate of this reality
dessa nova realidade não se afigura com o
is not so obvious or unquestionable.
mesmo grau de evidência e indiscutibilida-
While it is tr ue that there are new
de. Sendo verdade que há novas variáveis,
variables, such as the predominance
como a predominância dos grandes grupos
of media groups, and new categories,
de comunicação social, e novas categorias,
such as web journalism, whose ethi-
como a de webjornalismo, cujas implica-
cal implications should be assessed,
ções éticas importa avaliar, na realidade,
professionals seem to consider that the
os profissionais parecem considerar que
existing deontological norms in current
as normas deontológicas existentes enqua-
journalistic practices are sufficient. In
dram cabalmente as práticas jornalísticas.
fact, these norms ref lect fundamen-
De facto, estas refletem princípios éticos
tal, transverse, and timeless ethical
fundamentais, transversais e intemporais,
principles that could be collated un-
que poderiam ser coligidos sob o princípio
der the principle of responsibility and
da responsabilidade e que se direcionam
directed towards an imperative of the
para um imperativo da mesma ordem.
same order.
Palavras-chave: Deontologia; emancipa-
Keywords: Accountability; deontology;
ção; ética; jornalismo; responsabilidade.
emancipation; ethics; journalism; responsiability.
27
Introdução
diferença entre ética e deontologia, re-
porque introduzem novos modelos de
A realidade de uma nova forma
cuperando características dos códigos
produção e de receção de notícias, mas
de fazer jornalismo é evidente e in-
deontológicos e fazendo uma incursão
também porque suscitam um questio-
discutível. Seria, pois, expectável que
pela revisão do Código Deontológico
namento ético, a saber: interatividade;
daí decorressem a evidência e a indis-
dos Jornalistas portugueses, de 2017;
hipertextualidade; personalização; e
cutibilidade da necessidade de uma
por fim, será proposto o modelo ético
instantaneidade.
nova ética. Não é, contudo, o caso.
que nos parece mais adequado para o
A interatividade é uma das marcas
Subjacente às transformações pode es-
jornalismo, e que tem no seu cerne o
do webjornalismo que pode concreti-
tar a constância da ética jornalística,
imperativo da responsabilidade.
zar-se de múltiplas formas: em caixas
naquilo que são os seus princípios e valores fundamentais.
de comentários, em fóruns de discusO jornalismo atual: novas
são, na eventual troca de emails, etc.
categorias, novas variáveis e
A máxima desta marca é a de que
dos grandes grupos de comunicação
novos desafios
“a notícia deve ser encarada como o
social, a mercantilização do traba-
Embora as novas tecnologias da
princípio de algo e não um fim em si
lho jornalístico, as características
informação e da comunicação sejam
própria, deve funcionar apenas como
diferenciadoras do webjornalismo, e
responsáveis por grande parte das
o “tiro de partida” para uma discussão
categorias híbridas como infoentrete-
mudanças ocorridas nos últimos anos
com os leitores” (Canavilhas, 2003, p.
nimento e publirreportagem, surgem
no jornalismo, elas não são os únicos
65). A questão ética é: que limites? A
novas variáveis e novos desafios de
fatores a considerar. A predominância
partir do momento em que se incita
natureza ética, que importa pensar, e
dos grandes grupos de comunicação
o leitor a discutir o que é noticiado,
que sustentam o desejo de ver baliza-
social e a mercantilização do traba-
assume-se o pleno direito ao exercício
dos normativamente comportamentos
lho jornalístico, com a informação a
da liberdade de expressão? Sabe-se
associados a tais contextos. A pergun-
seguir as leis da oferta e da procura,
que não há unanimidade quanto ao
ta a fazer é se precisamos de uma nova
têm grande impacto no modo como se
espaço mediático a conceder a ideo-
ética para o novo jornalismo. O ca-
encara a profissão e as correlativas
logias politicamente extremadas, por
minho a percorrer na busca de uma
responsabilidades. As vulnerabilida-
exemplo. Além disso, este apelo à in-
resposta passará por, primeiramente,
des dos profissionais traduzem-se em
teratividade parece funcionar como
apresentar uma súmula das principais
vulnerabilidades éticas.
um convite permanente à doxa, em
Na verdade, entre a predominância
marcas do jornalismo atual e estabe-
Por outro lado, há características
que todos podem opinar sobre tudo,
lecer os correlativos desafios éticos;
específicas do webjornalismo, que não
independentemente do grau de conhe-
num segundo momento, revisitar a
devem ser descuradas, não apenas
cimento do assunto.
No que diz respeito à hipertextua-
leitor para material de autoria diversa
propósito, a pergunta é: que critérios?
lidade, devemos recuar até aos anos 60
compromete o jornalista com a veraci-
As “notícias ao minuto”, a atualização
do século passado, década em que foi
dade e fidedignidade do que aí consta?
contínua, serão compatíveis com a deon-
utilizada pela primeira vez a palavra
Não sendo autor do conteúdo, é, ainda
tologia jornalística? Por outro lado, esta
“hipertexto”, para compreendermos
assim, compositor das ligações. Esta-
dimensão está associada a uma abun-
que não se trata de uma absoluta no-
rão os jornalistas dispostos a assumir
dância e superficialidade informativas,
vidade. Theodor Nelson cunhou este
a responsabilidade decorrente dessa
que exploraremos mais adiante.
termo para se referir a uma “escrita
composição?
Para já, importa assinalar que
não sequencial, um texto com várias
Quanto à categoria da personaliza-
qualquer um dos elementos referidos
opções de leitura que permite ao lei-
ção, esta remete para a possibilidade
implica, direta ou indiretamente, um
tor efetuar uma escolha” (Canavilhas,
de configurar a receção de informa-
acréscimo de responsabilidade quanto
2014, p. 4). O webjornalismo, ao as-
ções de acordo com os interesses do
à forma e ao conteúdo das informações
sumir esta dimensão, aproveitou a
usuário. Sendo um procedimento es-
jornalísticas.
possibilidade veiculada pelo digital
tritamente informático, seja por esco-
A par destes elementos, catego-
de exponenciar as opções de leitura
lha própria, através do registo numa
rias híbridas como infoentretenimento
a partir de uma única publicação.
publicação, seja por via de cookies,
e publirreportagem vão conquistando
Assim, e se da década de 60 até hoje
não se trata de uma característica
terreno, o que nos conduz ao segun-
diversos autores foram propondo de-
cujas consequências possam ser di-
do tópico, relativo à atualização do
finições mais ou menos complexas de
retamente imputáveis aos jornalistas.
Código Deontológico do Jornalista
hipertextualidade, há dois elementos
Não obstante, esta é uma realidade
português.
constantes e, nessa medida, definido-
proporcionada pelo webjornalismo e
res desta categoria: blocos informati-
também dela decorre uma questão
Ética e deontologia
vos e hiperligações. A informação é
com implicações éticas: que abran-
no jornalismo
segmentada e pode apontar-se para
gência? A personalização reforça a
Uma das características comuns a
outros textos complementares, outras
tendência para ficar circunscrito ao
todos os códigos deontológicos é a res-
páginas relacionados com o assunto,
que coincide com as crenças pessoais,
petiva abertura. Não são documentos
material de arquivo do próprio jornal,
limitando horizontes de sentido e a
cristalizados, refletindo, antes, a evo-
publicidade, etc.
diversidade de perspetivas.
lução cultural, social e das profissões.
A questão ética que aqui encontra-
Por fim, a instantaneidade, que está
No caso do jornalismo, esta abertura
mos é: que responsabilidade? A suges-
presente tanto na produção jornalística
significa atenção às transformações
tão de hiperligações que conduzem o
quanto no acesso à informação. A este
sociais e tecnológicas relacionadas 29
com a prática profissional. Contudo,
cláusula sobre a consciência, antes
códigos deontológicos devem ser mais
o reconhecimento de que há princí-
integrada na norma relativa à respon-
pormenorizados no enquadramento
pios e valores transversais a diferentes
sabilidade. Note-se que a recusa de
normativo das práticas profissionais,
sociedades e culturas, e intemporais,
práticas jornalísticas que violentem
mas não é necessário que assim seja,
conduz-nos à constância da ética ini-
a consciência individual é colocada
desde que os princípios fundamentais
cialmente referida.
como um dever, não como um direito,
estejam solidamente definidos.
Os princípios éticos fundamentais que constituem os pilares do jornalis-
abrindo espaço para o êthos do jornalista.
Assim sendo, podemos considerar que o que há a esperar da ética
mo não são flutuantes – ou não seriam
Na destrinça entre ética e deon-
no jornalismo do século XXI não é
fundamentais. É certo que o rigor, a
tologia joga-se a tese desta reflexão.
substancialmente diferente do que se
prestação de um serviço público e
Na primeira, encontramos princípios e
esperava antes. Em 1983, quando se
a responsabilidade social são fac-
valores, fruto de um processo reflexivo,
estabeleceram os Princípios Interna-
tualmente comprometidos pela nova
e que devem ser integrados pelo indi-
cionais da Ética Profissional no Jorna-
relação com o tempo que se impõe
víduo. A segunda, inscrita no âmbito
lismo, ressaltou-se o valor duradouro
aos jornalistas, mas tal circunstân-
da ética aplicada, consubstancia-se
da declaração da UNESCO, e não se
cia apenas reforça a necessidade de
num conjunto de deveres que regulam
considerou necessário ir além de dez
aproximar o que é e o que deve ser.
o exercício de uma profissão. Deste
princípios, que têm a responsabilidade
Fazendo uma incursão sobre a úl-
modo, a ética jornalística deve manter-
como ponto de fuga.
tima revisão do Código Deontológico
-se inalterável nos seus princípios e
do Jornalista português, aprovada no
valores, ainda que a deontologia que
Do princípio da
IV Congresso dos Jornalistas, de ja-
rege a profissão possa incorporar um
responsabilidade à ideia de
neiro de 2017, e confirmada no refe-
acrescido enquadramento normativo
responsabilidade social
rendo de outubro do mesmo ano, com
de novas possibilidades de ação, de
O conceito de ética aplicada, sur-
o objetivo assumido de atualizar um
novas exigências e de novos desafios.
gido na década de 1960 e desenvolvido
documento datado de 1993, verifica-se
Enquanto possibilidade, inscreve-se
sobretudo na década seguinte, permitiu
que nenhuma das alterações efetuadas
no âmbito do contingente, cuja defi-
pensar a responsabilidade numa ver-
inclui referências às novas práticas
nição aristotélica recuperamos: con-
tente coletiva, refletindo, por um lado,
jornalísticas. Uma das alterações vi-
tingente é aquilo que é, mas poderia
o facto de a mesma ser inerente à di-
sou a questão da igualdade e da não-
não ser, ou que, sendo como é, pode-
mensão da ação, e, por outro lado, a
-discriminação, e outra, extremamente
ria ser diferente daquilo que é. Neste
realidade das transformações sociais e
significativa, foi a autonomização da
sentido, podemos considerar que os
dos desafios entretanto surgidos. Áreas
como as da bioética e ética biomédica,
longevidade cada vez mais alargadas,
normatividade-ação-consequências ao
da ética do ambiente, da ética econó-
em grande medida por via do desen-
lado das consequências acabou verti-
mica e da ética empresarial1, fomenta-
volvimento tecnológico. A abordagem
da num conjunto de princípios regula-
ram o diálogo entre interlocutores com
é, portanto, consequencialista, sendo
dores de práticas coletivas, segundo o
diferentes formações, redirecionando
esse registo que facilitou a incorpo-
pressuposto da respetiva mais-valia.
os tradicionais estudos de metaética e
ração da ética em domínios tenden-
Tal conceção conheceu um gran-
de ética normativa.
cialmente dela excludentes, uma vez
de desenvolvimento no domínio em-
Neste contexto, Hans Jonas sur-
que permitiu que, ao invés de ser
presarial na última década do século
ge como pioneiro na constatação da
considerada uma limitação imposta
XX, quando as empresas começaram
necessidade de uma “nova ética”,
por princípios teóricos, tenha sido
a preocupar-se mais com a sua ima-
decorrente do crescente domínio de
reconhecida, na sua vertente apli-
gem social, procurando mostrar que
ação coletiva, que impõe uma outra
cada, como mais um instrumento de
as exigências de rentabilidade que
dimensão de responsabilidade (Jo-
decisão ou inclusivamente como uma
lhes são inerentes são compatíveis
nas, 1972, p. 37). O princípio da
propedêutica à decisão (Lacroix, 2009,
com valores como a justiça e o res-
responsabilidade será erigido pelo
p. 96 ). O raciocínio prático implicado
peito pelas pessoas3 (Marzano, 2008,
filósofo como princípio fundamental
neste processo deve operar tendo em
p. 110). Porém, a compatibilidade não
da ação humana, tendo em conta que
atenção as prováveis consequências
institui, por si só, o dever. Donde que
as repercussões resultantes dos nossos
das escolhas em ponderação, sendo
o conceito de responsabilidade social
atos assumem uma extensão e uma
que a atenção dirigida no triângulo
tenha surgido enquadrado num mode-
2
lo que visa estabelecer os critérios de 1 A partir deste ponto, o texto recupera em parte o artigo “Entre “personas panqueques” y ciudadanos emancipados: la responsabilidad social de los medios de comunicación”, publicado, em 2016, no Libro de Actas del III Congreso Internacional de Ética de la Comunicación: Desafíos éticos de la comunicación en la era digital (pp. 287-295). L. Rico, J. Villegas e M. Jiménez (ed.). Madrid: Dykinson. A nossa perspetiva é a de enquadramento da ética empresarial no âmbito da ética aplicada, embora esta opção possa não ser unânime. Para uma apresentação da divergência em causa, v., p. ex., Conill, 1995, pp. 201- 203.
2 “On dira que l’éthique appliquée a une fonction d’aide à la délibération, à la résolution de dilemmes moraux et à la clarification d’enjeux éthiques, tant pour les individus considérés dans leur singularité que pour ceux qui mènent une action commune au sein d’institutions. Dans ce contexte, l’éthique se présente comme le point de jonction entre l’action individuelle et l’action collective pour l’agent moral. L’intervention en éthique vise par conséquent à concilier l’action individuelle et les «contraintes» normatives et axiologiques auxquelles celles-ci est exposée. Pour aller maintenant au-delà de la simple fonction normative à laquelle on restreint trop souvent ce concept, je pose l’éthique comme une propédeutique à la décision”.
“respeitabilidade” das empresas. Citamos, a este propósito, Donna Wood e os princípios por ela identificados 3 É nesta época que surgem revistas especializadas em ética dos negócios, como a Business Ethics Quartetly, criada em 1991, e a Business Ethics, surgida em 1992. Podemos, contudo, recuar até 1953, ano da publicação da obra Social Responsibilities of the Businessman, da autoria de Howard Bowen, para aí encontrarmos já apresentado o conceito de responsabilidade social em relação com o mundo dos negócios.
31
no âmbito da responsabilidade social das corporações, a saber: (i) o princípio da legitimidade; (ii) o princípio da responsabilidade pública; e (iii) o princípio da gestão socialmente responsável . O primeiro relaciona-se com o 4
que é expectável, estabelecendo que uma empresa, enquanto instituição, não deve abusar do seu poder, sob pena de a sociedade não lho reconhecer mais. O segundo refere-se explicitamente às responsabilidades das empresas para com a sociedade, quer diretas quer indiretas, em função do respetivo campo de ação. O terceiro coloca em destaque a vertente individual, remetendo para a dimensão moral dos membros das empresas, nomeadamente dos gestores, ao estabelecer que estes são agentes morais e que devem tomar decisões focados na responsabilidade social. (Wood, 1991).
A reciprocidade constitui a essência da responsabilidade social, e as organizações que a ela não aderirem perdem a confiança da sociedade, ao não lhes reconhecer credibilidade
no seio da opinião pública, foram colocadas em sintonia por James Grunig e Jon White, na constatação de que as organizações excelentes se deram conta de que podem alcançar os seus objetivos dando aos públicos algo do que estes pretendem, ou seja, integrando a “norma da reciprocidade” na organização. Segundo os autores, a reciprocidade constitui a essência da responsabilidade social, e as organizações que a ela não aderirem perdem a confiança da sociedade, ao não lhes reconhecer credibilidade (Grunig & White, 1992). É necessário, contudo, atender à conceptualização da ideia de “responsabilidade social” para ultrapassar o mero pressuposto da “rentabilidade ética”, o qual também pode ser associado à ética empresarial. Como refere Grunig, os teóricos da gestão
As questões respeitantes à com-
discutiram extensamente o significado
patibilidade entre fins empresariais e
a atribuir a esta expressão (Grunig,
valores morais, bem como à credibili-
2014, p. 4), sendo que o essencial
dade que as empresas procuram deter
da sua compreensão está patente na definição de Kathryn Bartol e David
4 O terceiro princípio é apresentado pela autora com a designação de the principle of managerical discretion. Optámos neste caso por uma tradução livre, que julgamos mais imediatamente compreensível, baseada na substância do princípio.
Martin: a responsabilidade social de uma organização designa o dever de privilegiar as ações que protegem e melhoram o bem-estar dos membros
da sociedade, servindo os seus pró-
p. 115). Promove-se, desse modo, a
antes complementares5. Há os fins em-
prios interesses (Bartol & Martin,
confiança de consumidores e de in-
presariais, relativos à obtenção de be-
1991, p. 115). Note-se que, mais do
vestidores, retirando daí benefícios
nefícios, cuja transversalidade a meios
que evidenciar a compatibilidade
empresariais.
de comunicação social públicos e pri-
entre a economia e a ética, ou inclu-
Não é, contudo, a questão das
vados nos parece evidente, embora
sivamente a rentabilidade da última
motivações inerentes à ética empre-
com graus de relevância diferenciados:
(no que pode configurar uma forma
sarial e da atenção que lhes deve
ao serviço público não tem, necessa-
de instrumentalização que conduz à
ser prestada que nos ocupa. Aquilo
riamente, que estar associado o lucro
dúvida acerca da eticidade das prá-
que pretendemos advogar é que a
(aliás, a sua finalidade não é essa),
ticas dela decorrentes), encontra-se
responsabilidade social dos órgãos
mas a questão da respetiva sustenta-
aqui postulado um dever, sem que,
de comunicação, não obstante a sua
bilidade também não lhe é alheia. Si-
todavia, a discussão a este propósito
qualidade de empresas – ou, se se
multaneamente, é-lhes atribuída uma
esteja encerrada.
preferir, precisamente enquanto em-
finalidade política, que pode ser enun-
Cabe perguntar se as empresas
presas, cuja dimensão institucional
ciada como referente à fomentação do
têm, de factum et de jures, respon-
cria responsabilidades para com a
bom funcionamento democrático. Em
sabilidades em relação à sociedade
sociedade –, é uma responsabilida-
terceiro lugar, identificamos o garante
ou se a sua função está limitada aos
de direta, intrínseca e basilar, pelo
do direito à informação, reconhecido
interesses dos proprietários. No último
que, independentemente da relação
ética e politicamente na Declaração
caso, a ética pode ser acolhida na justa
que genericamente se estabeleça entre
Universal dos Direitos do Humanos,
medida em que servir esses interesses,
fins empresariais e responsabilidades
designadamente no artigo 19º, e cons-
tratando-se, portanto, de uma estraté-
sociais, essa relação será sempre de
titucionalmente, no caso português, no
gia de gestão optimizadora de recur-
implicação no caso dos media, o que
artigo 37º. Esta vertente dos media é
sos. Na realidade, como é menciona-
justifica o enfoque numa ética da res-
essencial para que a finalidade polí-
do por Michela Marzano, o discurso
ponsabilidade.
tica possa concretizar-se, na medida
sobre responsabilidade social e ética
em que uma cidadania ativa pressupõe
dos negócios permite aos chefes das
Informação, emancipação e
cidadãos informados. Já os fins em-
empresas, por um lado, precaverem-se
cidadania: a importância do
presariais devem ser colocados como
relativamente a movimentos sociais e
“olhar” sobre o mundo
mediáticos com custos elevados, e, por
A pergunta pelos fins dos media
outro, como notámos antes, agradar
coloca-nos diante de várias respostas,
à opinião pública (Marzano, 2008,
que não são excludentes entre si, mas
5 Seguimos em parte, na identificação dos fins, o discurso de Enrique Perales, a propósito dos fins concernentes aos meios audiovisuais (Perales, 1999, p. 15).
33
condição de possibilidade dos fins po-
Immanuel Kant no ensaio “Resposta à
(Laporta, 1999, p. 79). Nessa medida,
líticos e jurídicos; caso contrário, uma
pergunta: Que é o Iluminismo?”:
a informação considerada de interesse
empresa de comunicação não revelaria
público remete para um conjunto de cri-
diferença substancial relativamente a
“O Iluminismo é a saída do ho-
térios, dos quais destacamos, pelo seu
qualquer outro negócio. Acontece, po-
mem da sua menoridade de que ele
valor absoluto, ser útil para esclarecer
rém, que a função emancipadora dos
próprio é culpado. A menoridade
os cidadãos das escolhas relativas às
media impossibilita uma conceção es-
é a incapacidade de se servir do
áreas política, social, económica, re-
tritamente comercial. Por isso, mesmo
entendimento sem a orientação de
ligiosa, etc.; favorecer a participação
saindo fora do âmbito estrito da infor-
outrem. (…) Sapere aude!” (Kant,
na vida democrática; e ser de natureza
mação, a responsabilidade dos meios
1784, A 431, trad. cit., p. 11)
emancipadora (Bernier, 2004, p. 141). Ao colocarmos a ideia de emanci-
de comunicação social relativamente à formação dos cidadãos não deve ser
A emancipação, enquanto saída da
pação como núcleo definidor da tarefa
descurada. Neste sentido, e acompa-
menoridade, ou seja, a capacidade de
dos media, interessa-nos aprofundá-
nhando Francisco Laporta (1999, p.
pensar por si mesmo, exige conheci-
-la nos seus pressupostos e respetivas
84) na afirmação de que os media não
mento. Não há autonomia sem saber. E
consequências. Para tal, convocamos, o
refletem a realidade de forma passiva,
aqui radica a responsabilidade social
conceito de “espectador emancipado”,
construindo, antes, a realidade social,
dos media: são eles que transmitem
proposto por Jacques Rancière a par-
decidindo como a sociedade se perce-
as informações necessárias para que
tir da reflexão acerca da relação entre
be a si mesma, atribuímos um sentido
qualquer cidadão possa tomar as suas
espetáculo teatral (expressão utilizada
forte à ideia de construção da reali-
decisões (Saavedra, 1999, p. 130), num
pelo autor em sentido lato – inclui ação
dade social, porquanto consideramos
contexto social como aquele em que vi-
dramática, dança, performance, etc.) e
que esta (a realidade social) é, pelo
vemos, no qual os cidadãos são chama-
política (Rancière, 2008, p. 8), e que
menos em parte, resultado daquilo que
dos a deliberar e decidir. É neste sentido
consideramos adequada para pensar
os media são e dos constructos que
que Laporta afirma: “quando falamos de
a condição de recetor de informação,
por via dos mesmos se vão realizando.
sociedade democrática, estamos a falar
seja como espectador, seja como leitor
Sendo a sociedade uma mera abstra-
necessariamente da maximização da in-
ou como ouvinte.
ção derivada dos indivíduos, esses sim
formação numa sociedade deliberante”
6
com existência real, somos reconduzidos à questão da formação e emancipação dos mesmos. Não é despiciendo recuperar neste contexto as palavras de
Rancière começa por evidenciar dois pressupostos subjacentes à con-
6 “ […] cuando hablamos de sociedad democrática estamos hablando necesariamente de la maximización de la información en una sociedad deliberante.”
sideração de que ser espectador é um mal: olhar é o contrário de agir; olhar é o contrário de conhecer. Na
desconstrução destes antagonismos,
das imagens, funciona selecionando os
obra de Platão, em particular, e de
o autor questiona a oposição radical
seres falantes e raciocinantes, capazes
maneira explícita, no Fedro, onde se
entre ativo e passivo, bem como, a
de “desencriptar” o fluxo de informação
discute a identidade e a diferença en-
partir dessa oposição, a associação
que diz respeito às multidões anóni-
tre informação e conhecimento, e como
do olhar e da escuta à passividade. A
mas” (Rancière, 2008, pp. 142-143).
a primeira pode conduzir ao último
emancipação “começa quando se põe
É assim que o significado da palavra
(Serra, 2003, p. 12). É esta relação
em questão a oposição entre olhar e
emancipação vai ser apresentado como:
de identidade ou de diferença, de im-
agir”, na medida em que “o espectador
“desmantelar a fronteira entre os que
plicação ou de obstáculo, ou mesmo a
também age (…). Observa, seleciona
agem e os que veem, entre indivíduos e
factualidade de uma não-relação, que
compara, interpreta” (Rancière, 2008,
membros de um corpo coletivo” (Ran-
nos importa aferir, pelas implicações
p. 22). Esta doação de sentido impli-
cière, 2008, p. 31).
daí decorrentes.
cada na receção é a consubstanciação
A expectativa está, pois, em que
Assumido antes o pressuposto da
do “poder do espectador”, que traduz
aquele que é o recetor da informação,
informação como condição necessária
à sua maneira aquilo que percebe
não só esteja capacitado para agir,
de uma cidadania ativa, devemos agora
(Rancière, 2008, p. 27); é a reposi-
como seja já agente na qualidade de
considerar a compreensão do conceito
ção da igualdade, na medida em que
recetor/espectador. Um olhar sobre a
de informação nele envolvido. Antes
as oposições entre olhar e saber, olhar
realidade mostra-nos a benevolência
de mais, facilmente se compreende-
e agir, atividade e passividade estabe-
de tal expectativa.
rá, a partir de tal considerando, que
lecem “uma distribuição a priori das
se acresça o pressuposto relativo à
posições e das capacidades e incapa-
Excesso de informação,
natureza necessária da informação
cidades ligadas a essas posições. São
pouca espessura: como
como condição para o conhecimento.
alegorias encarnadas da desigualdade”
saber coisas nos torna
Rejeitamos, portanto, que entre uma
(Rancière, 2008, p. 21). É seguindo
ignorantes
e outro não haja relação. Ao mesmo
este raciocínio que num outro contexto,
O conceito de “sociedade da infor-
tempo, rejeitamos que a informação
escrevendo sobre “a imagem intolerá-
mação”, os respetivos pressupostos e
configure um obstáculo para o conhe-
vel”, Rancière aponta aos críticos da
os expectáveis efeitos, são há muito
cimento, como é sugerido na tese de
proliferação televisiva das imagens a
objeto de uma ampla discussão que
que a confusão entre ambos dificul-
subjugação ao ensinamento de que não
reflete perspetivas céticas, otimistas
ta a obtenção de conhecimento, pela
está a alcance de qualquer um a ca-
e prudenciais. Acompanhamos Pau-
cristalização do processo na vertente
pacidade de ver e falar: “o sistema da
lo Serra na tese de que o âmago do
meramente aquisitiva da informação.
Informação não funciona pelo excesso
problema se encontra já colocado na
Identificamos, antes, uma relação de 35
implicação, que afirma por si mesma
de “sociedade de informação” e, em
do conhecimento”. No entanto, não é
a diferença dos termos. Dito de outro
simultâneo, a pertinência do princípio
o caso.
modo, a informação apresenta-se-nos
da responsabilidade, no seguimento
como condição necessária, mas não
da teorização de Hans Jonas.
Richard Foreman, autor, encenador e teórico estadunidense, numa entrevis-
suficiente, do conhecimento, e, por ex-
Ocorre, porém, que, como correla-
ta ao jornal Público (de 29/04/2006,
tensão, da ação. É neste ponto que de-
to da dita “sociedade de informação”,
assinada por Joana Gorjão Henriques)
vemos um olhar atento à factualidade,
nos deparamos com um “excesso de
refere que na atualidade possuímos
o qual nos permitirá perceber em que
informação”, cujos efeitos nos apartam
toda a informação, mas não há profun-
medida, não havendo oposição lógica
de uma “sociedade do conhecimen-
didade na estrutura da personalidade;
entre olhar e conhecer ou entre olhar
to”. A questão, ao contrário do que
sabemos muitas coisas, mas de forma
e agir, não podemos, ainda assim, de-
a expressão parece pressupor, não é
superficial; tornámo-nos, segundo a sua
duzir do “olhar” nem o conhecimento
apenas de ordem quantitativa; é tam-
expressão, “pessoas-panqueca”. A ima-
nem a ação. Entenda-se por “olhar”,
bém qualitativa, na medida em que
gem é rica em significação e facilmente
neste caso, a receção de informação
tais categorias são interdependentes.
compreensível: pessoas sem espessura,
que nos permite ter um olhar sobre o
Num mundo em que cada vez há
que opinam acerca de muita coisa, por-
mundo, conhecê-lo, e nele e sobre ele
mais informação a circular, e num
que têm informação sobre muita coisa,
agir, seja essa receção feita por via da
tempo cada vez mais curto, continua
mas que conhecem muito pouco, por-
imagem, por meio da palavra escrita
a caber aos profissionais dos media,
que estão diminuídas na capacidade
ou através da palavra escutada.
em concreto aos jornalistas, o pa-
de reflexão, de atribuição de sentido,
Que a dita “sociedade da informa-
pel de transmissores da informação.
de crítica. Pessoas-panqueca correla-
ção” não corresponde a uma “socieda-
Diríamos até que o seu papel está
to, aditamos nós, de uma informação
de de conhecimento” é uma evidência.
acrescido de sentido e de responsa-
sem espessura, apartada do princípio
Também é uma evidência, já antes
bilidade, precisamente em função do
da responsabilidade e distraída da sua
referida, que a quantidade de infor-
contexto de diversidade e velocidade
razão de ser.
mação acumulada e a facilidade de
informativas. Havendo cada vez mais
O “excesso de informação” origi-
aceder à mesma aumentaram exponen-
informação a chegar-nos por via de
nou uma “informação como excesso”,
cialmente graças às novas tecnologias
profissionais da comunicação, respon-
direcionada para o imediato, o choque,
e à apropriação que os media delas
sáveis por dar a conhecer a realidade,
a simplificação, o maniqueísmo (Ser-
têm feito. Esta dupla condição – quan-
tornando-a compreensível para quem
ra, 2003, p. 199), na senda da con-
tidade e facilidade de acesso – revela
recebe a informação, o resultado pre-
quista de público. A informação da
o carácter adequado da designação
visível seria o da referida “sociedade
instantaneidade e da doxa adquiriu
características próprias do entretenimento, aprofundando o fosso entre o deontologicamente estabelecido e a prática. “A lógica é, agora, não a de publicitar a informação, mas a de fazer com que a informação se publicite a si própria, sob pena de não atrair os potenciais ‘clientes’” (Serra, 2003, p. 200). Assim, apela-se à emoção, em detrimento da reflexão; promove-se o envolvimento, em vez da distanciação; fomenta-se a adesão, ao invés da crítica. Tais práticas estão suportadas pelo tipo de informação prestado e pelo modo como é veiculado, representando o fator concorrencial, neste caso, um elemento agravante, pois não só os media do mesmo tipo concorrem entre si, como os de tipo diferente procuram conquistar para si públicos de outros órgãos de comunicação. Partilhamos, por isso, a
“A lógica é, agora, não a de publicitar a informação, mas a de fazer com que a informação se publicite a si própria, sob pena de não atrair os potenciais ‘clientes’” (Serra, 2003, p. 200)
leitor, e escolhe-se fazê-lo através da espetacularização da informação. São vários os exemplos de diluição do género jornalístico no esquema do entretenimento, desde o lugar de destaque atribuído aos fait divers por contraponto à secundarização de acontecimentos relevantes; passando pelo império do futebol nos vários serviços informativos; a passagem de informação em rodapé, durante os telejornais, dispersiva da atenção do espectador; até à exploração do sensacionalismo e do novelesco na construção de peças jornalísticas. A incapacidade daqui resultante de hierarquizar a informação recebida relaciona-se com a incapacidade de atribuição de sentido, num registo de aquisição de informação idêntico ao de qualquer outro bem de consumo
perspetiva da jornalista Clara Ferreira
rápido. Diferentemente do “espec-
Alves de que “vivemos em “overdose”
tador emancipado” de Rancière, no
de informação desnecessária e invasi-
espectador hodierno não se dissipa a
va como um tumor maligno” (Expresso,
oposição entre olhar e agir, porquanto
28/07/2008). O essencial e o acessório
o seu olhar está privado de observar,
foram subvertidos, e as consequências
selecionar, comparar e interpretar. Ora,
daí resultantes são gravosas, tanto do
ser-se incapaz de hierarquizar porque
ponto de vista individual quanto em
se é incapaz de atribuir um sentido tem
termos sociais. Impõe-se captar a aten-
como consequência imediata a indife-
ção do espectador, do ouvinte ou do
renciação, e como resultado mediato 37
a indiferença e a letargia. Não é, por
da sua diluição, porquanto reforça a
auto-reguladora nunca é demais subli-
isso, de espantar que as sociedades
ideia do seu impacto na construção da
nhar, verificamos que a normatividade
democráticas, que são, por essência,
realidade social. Age de tal maneira
nela vertida aponta para a emancipação,
deliberativas e decisórias, sejam, na
que os efeitos do teu trabalho sejam
e não para o seu contrário.
realidade, política e civicamente abs-
promotores de uma cidadania ativa e
O rigor, a exatidão, a independên-
tencionistas. E as opções jornalísticas
esclarecida poderia ser a formulação
cia, a integridade, e os demais valo-
não estão à margem desta realidade.
do imperativo da responsabilidade
res eleitos pelos próprios profissionais
para os jornalistas.
como deveres, são dotados não só de
O imperativo da
valor intrínseco, mas também de valor
responsabilidade
Conclusão
instrumental: são meios colocados ao
Ao propor o imperativo da res-
Não se pode afirmar que há uma
serviço do direito à informação, que
ponsabilidade como cerne de uma
espécie de impossibilidade lógica de
assiste a todos os cidadãos, e que
nova ética, Hans Jonas privilegiou
derivar conhecimento a partir da in-
transforma o direito de informar no
as consequências da ação e ressaltou
formação. Do mesmo modo, não há in-
dever de bem informar. Assim, a res-
o horizonte temporal como dimensão
compatibilidade entre ser espectador
ponsabilidade social dos media, e
essencial da deliberação. Ora, são,
e ser ator. O que verificamos não ter
do jornalismo em particular, não se
precisamente, estes dois aspetos que
colhimento é a concretização da expec-
configura contingencial. Bem sabemos
urge reconsiderar nas atuais práticas
tativa de que a informação capacite,
que estes estão hoje inseridos numa
jornalísticas: ter em consideração as
por si só, para a ação. Na verdade, é o
lógica de mercado, onde impera a lei
consequências associadas à forma de
conteúdo e a forma da informação que
da oferta e da procura. Porém, a in-
transmitir informação e ao conteúdo
determinam a respetiva dimensão eman-
formação não é um bem como outro
do que se transmite, sabendo que as
cipatória, em relação com o modo como
qualquer. Negociar com a informação
consequências se estendem temporal-
se gere a quantidade. Como vimos, as
é negociar o futuro da humanidade,
mente, e reconsiderar a relação com
implicações do excesso de informação,
para o bem e para o mal, e também
o tempo, na forma imediatista como
e da instantaneidade da seu tratamento
por essa razão falhar na função eman-
se produzem notícias e como se apela
e do seu consumo, revelam-se na in-
cipadora é falhar em termos absolutos
ao seu consumo.
capacidade de atribuição de sentido,
no que concerne à responsabilidade
A assunção de tal imperativo ba-
inviabilizando a emancipação enquan-
dos jornalistas. O olhar que nos é dado
liza, por si só, as práticas a promover
to destruição da fronteira entre os que
sobre o mundo tanto pode mostrar-
e impõe o reconhecimento da impor-
agem e os que veem. Ora, se atentarmos
-no-lo como ocultar-no-lo, e é nesta
tância do jornalismo face às ameaças
à deontologia jornalística, cuja natureza
dicotomia que se joga a condição de
cidadão emancipado e das sociedades
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h3LCV9Fv
Paulo Jorge dos Santos Martins pmartins@iscsp.ulisboa.pt Recebido em: 15/01/2018 | Aceite em: 11/05/2018
Universidade de Lisboa https://orcid.org/000-0001-6445-8115
O rigor como eixo central da atividade jornalística Accuracy as the cornerstone of journalistic activity https://doi.org/10.14195/2183-6019_9_3
Resumo
Abstract
Este artigo discute a questão do rigor em
This article discusses the question of
jornalismo, considerado nas suas dimen-
accuracy in journalism, both in its tech-
sões técnica e ética, na perspetiva de o
nical and ethical dimensions, seeking to
reabilitar enquanto eixo central da prática
restore it as the central axis of this profes-
profissional. Para o efeito, introduz um
sional practice. To this purpose, a set of
conjunto de questões, a partir da concep-
questions is introduced, starting with the
tualização daquele princípio em instru-
discussion of the concept of accuracy in
mentos deontológicos. A saber: a verdade
ethical instruments. For example, journa-
jornalística e os instrumentos necessários
listic truth and the necessary instruments
para a alcançar; o cruzamento de fontes,
to achieve it; cross-checking sources, an
exercício que não deve esgotar-se no cha-
exercise that should not be limited to con-
mado contraditório; a liberdade de expres-
tradiction; freedom of speech and hate
são e os discursos de ódio; os diversos
speech; the different types of fake news;
tipos de fake news; os efeitos perniciosos
the pernicious effects of clickbait and a
do clickbait e um fenómeno que o autor
phenomenon described by the author as
designa de fast food noticioso, prejudi-
fast food news, which damages the effec-
cial ao efetivo cumprimento da missão do
tive fulfillment of the journalistic mission
jornalismo em sociedades democráticas.
in democratic societies.
Palavras-chave: Ética; deontologia;
Keywords: Ethics, deontology, accuracy,
rigor; liberdade de expressão; fake news.
freedom of expression, fake news.
41
Uma reflexão acerca das atuais
o público, condição de credibilidade
honestidade na apreciação e combate a
práticas jornalísticas tem forçosamen-
e de manutenção da confiança dos
especulações. No mesmo sentido, diver-
te de extravasar fronteiras nacionais,
consumidores de informação. Ora,
sos instrumentos deontológicos – como
suscetíveis de se tornarem espartilhos.
o princípio do rigor está vertido na
o código da Federação das Associações
Para evitar paternalismos, aos quais
generalidade dos códigos deontológi-
de Jornalistas de Espanha ou a Declara-
a Ética e a Deontologia são tantas ve-
cos e de ética. Embora sob diversas
ção de Princípios Sobre a Conduta dos
zes vulneráveis, e superar contextos e
formulações, não é um conceito vago.
Jornalistas subscrita pela Federação In-
constrangimentos culturais, passíveis
ternacional de Jornalistas em 1954, que
de perturbar a análise, propõe-se que
Accuracy is not simply a matter
ficaria para a história como “Declaração
a reflexão se centre no essencial. Isto
of getting facts right; when ne-
de Bordéus”, inserem o conhecimento
é: no adquirido mínimo, presumivel-
cessary, we will weigh relevant
da origem da informação como exigên-
mente partilhado em sociedades de-
facts and information to get at
cia resultante do compromisso com a
mocráticas.
the truth. Our output, as appro-
procura da verdade.
O primeiro princípio a convocar
priate to its subject and nature,
Poucos acolhem, todavia, a exce-
para a discussão é o rigor – considera-
will be well sourced, based on
ção prevista na Declaração de Direitos
do nas suas dimensões técnica e ética,
sound evidence, thoroughly tes-
e Deveres dos Jornalistas, assinada em
que em Jornalismo só podem ser enca-
ted and presented in clear, preci-
1971 por organizações profissionais
radas como indissociáveis. Sob pena
se language. We will strive to be
dos países membros da então Comuni-
de a primeira se tornar um exercício
honest and open about what we
dade Económica Europeia. À luz deste
mecânico, condenando a segunda a
don’t know and avoid unfoun-
dispositivo, conhecido por “Carta de
uma condição instrumental – ou, pior,
ded speculation. (BBC, 2017)
Munique”, é legítimo divulgar infor-
a desaparecer.
mações de origem desconhecida, des-
A proposta pode parecer desajus-
O código do operador público bri-
de que sob reserva, devidamente indi-
tada. Porquê discutir o rigor, de cuja
tânico de radiodifusão não é o único a
cada. Por poder abrir um “alçapão”, a
incorporação no quotidiano profissio-
associar rigor e verdade, mas é segura-
norma é discutível. O mesmo se diga
nal talvez nem duvidemos? Porque é
mente dos que enuncia, de forma mais
da inscrita no Guia de Deontologia da
necessário reabilitá-lo como eixo cen-
explícita, um método para assegurar a
Federação Profissional de Jornalistas
tral da atividade jornalística. A norma
veracidade das informações difundi-
do Québec (Canadá):
deontológica, de natureza autorregu-
das: ponderação e escrutínio de factos,
“Une rumeur ne peut être publiée
latória, é, em primeira instância, um
fundamentação, recolha de indícios só-
sauf si elle émane d’une source
compromisso dos jornalistas perante
lidos, verificação exaustiva – além de
crédible, et si elle est significative
et utile pour comprendre un événement. Elle doit toujours être identifiée comme une rumeur. Dans le domaine judiciaire, la publication de rumeurs est à proscrire”.
A exclusão de informações imprecisas, enganosas ou distorcidas é comum. O código do regulador britânico da Imprensa (Independent Press Standards Organisation) sublinha que a sua análise comporta títulos, sempre que não suportados pelo texto. O do Conselho de Imprensa suíço enquadra a questão do rigor na atitude de lealdade – perante as fontes e o público
O jornalista que cede à pressão da difusão imediata deixa-se levar por dois equívocos: o “exclusivo” como valor em si; a relevância disso para o público
ou significado, não transmitir informações irrelevantes, não enganar o leitor, consciente ou inconscientemente. Neste plano, é ainda mais imperativo o Código de Ética do Fórum de Jornalismo Argentino: a distorção deliberada jamais pode ocorrer. Compete aos jornalistas, na perspetiva do Conselho de Deontologia Jornalística da Bélgica, difundir informações devidamente verificadas: “Ils en vérifient la véracité et les rapportent avec honnêteté. Les journalistes ne déforment aucune information et n’en éliminent aucune essentielle”. O Expresso não autoriza os seus profissionais a divulgarem material “impre-
–, princípio fundamental da ativida-
ciso ou pouco rigoroso”, por induzir os
de jornalística. Daí que condene a
leitores em erro ou distorcer os factos.
distorção de documentos, imagens e
“Jornalismo não é ficção, pelo que os
sons e, mesmo, da opinião de prota-
dois níveis não devem misturar-se em
gonistas de notícias e determine que
nenhuma circunstância e o jornalista
sejam assinaladas montagens, bem
não pode inventar personagens, situa-
como informações não confirmadas.
ções ou declarações”, alerta o Código
Trata-se de elementares diligên-
de Conduta do semanário português.
cias, que não podem ser secundari-
“We devote our resources and our
zadas, por corresponderem ao que o
skills to presenting the fullest version
instrumento de Padrões e Ética do
of the truth we can deliver, placing the
The Washington Post carateriza como
highest value on information we have
tratamento jornalístico correto: não
gathered and verified ourselves”, prome-
omitir factos de grande importância
te o Código de Ética da Rádio Pública 43
Nacional, dos Estados Unidos, muito
intitulado “Just the facts”, Randall
os jornalistas tomem o seu lugar num
pormenorizado em matéria de rigor. O
Lane, um responsável editorial, asse-
contexto de mistura nada saudável,
operador compromete-se a exercer vi-
gurava que na revista norte-americana
porque de fronteiras difusas, entre
gilância constante, para evitar o erro,
a apresentação de um ponto de vista
diversas formas de comunicação.
sobretudo pelas potenciais repercussões
nunca prejudicou a factualidade dos
Perdida a condição de únicos
nos atingidos – “any falsehoods in our
artigos. Revelando que é dos poucos
gatekeepers, os jornalistas têm de
news reports can cause harm. But errors
meios de comunicação que recorre a
afirmar-se pelo vínculo ético asso-
that may damage reputations or bring
verificadores de factos – cerca de 25
ciado à sua assinatura, respeitando,
about grief are especially dangerous,
profissionais, que tudo escrutinam an-
em primeira linha, o rigor, sob pena
and extra precautions should be taken
tes da publicação – sublinhou: “It’s
de as suas mensagens se diluírem e
to avoid them” (National Public Radio,
the accuracy of reporting that grants
perderem coerência e inteligibilidade,
2012). Como meio de prevenção, propõe
the ability to make a strong, informed
num terreno partilhado com diferentes
mesmo uma checklist, para verificar o
opinion”1. Na aparente simplicidade, o
protagonistas. Não apenas do campo
rigor de nomes, citações, números e
enunciado coloca a questão no devido
da comunicação – da publicidade, do
cálculos.
lugar: são as opiniões que se ancoram
marketing, da comunicação empresa-
O The New York Times, que depo-
nos factos e não o contrário. Se não
rial ou política, cuja prática deriva de
sita nos redatores a responsabilidade
forem transmitidos com rigor, retirarão
intuitos comerciais, políticos ou outros
pela verificação do rigor da produção
fundamento e substância às opiniões.
– mas também cidadãos habilitados
noticiosa, alerta que se um leitor vir o
Em tempos de relativização da ver-
a produzir e, graças aos prodigiosos
seu nome escrito de forma errada, cer-
dade e de construção de realidades
avanços tecnológicos, a distribuir in-
tamente desconfiará do que quer que o
convenientes aos olhos de quem as
formação sem quaisquer restrições. E
jornal divulgue. O rigor é considerado
perceciona, o rigor é o instrumento
fazê-lo sob a capa protetora da liber-
pela Associação Canadiana de Jorna-
mais poderoso ao dispor dos jorna-
dade de expressão, a que naturalmente
listas um imperativo moral, que nem
listas – ou não tivesse o Jornalismo
têm direito, mas dispensado do respeito
prazos impostos por ciclos noticiosos de
como obrigação primeira, como sa-
por métodos e princípios jornalísticos,
24 horas, hoje a regra, podem afastar.
lientam Kovach e Rosenstiel (2005),
a começar pelos ético-deontológicos.
Rigor e rapidez de
a busca da verdade. O rigor assume
Os jornalistas estão a ceder, com
importância, acima de tudo, para que
demasiada frequência, à tentação de ig-
transmissão Numa edição de setembro de 2018 da Forbes, em artigo apropriadamente
norar o rigor, em nome do impulso para 1 Randall Lane, “Just the facts”, Forbes, 30-92018. Disponível em https://www.pressreader. com/usa/forbes/20180930/281668255848639.
serem os mais rápidos a transmitir a informação. Em agosto de 2018, o jornal
britânico Daily Express fez acompanhar
da notícia, ignorando que se for cons-
de sucessivos estudos empíricos, ainda
uma notícia sobre o ataque violento a
truído com base em falsidades, meias
que persista na cultura profissional.
uma mulher, a partir da fotografia ex-
verdades ou omissões, desfere um duro
Como salienta Waisbord (2018, p.
traída de uma rede social, mas de uma
golpe no prestígio do jornalista, even-
1871):
outra mulher que, embora com o mesmo
tualmente fatal para a confiabilidade
Truth-telling is a complex, dy-
nome, nada tinha a ver com o caso. Não
que deve cultivar. O segundo equívoco
namic process; truth is elusive,
foi feita qualquer tentativa de contacto,
consiste em acreditar que para o pú-
endlessly debated. What is new is
suscetível de desfazer o equívoco2. A
blico, atualmente sobrecarregado de
raising awareness about the con-
opção é tecnicamente incorreta e eti-
informação, disponível em múltiplos
sequences of relativism for journa-
camente arriscada, porque, conforme
veículos, é decisivo tomar conhecimento
lism and public life. It shows the
assinalam códigos como o da Sociedade
de um facto meio minuto antes – um
endurance of subjectivity and the
de Jornalistas Profissionais norte-ame-
minuto que seja – da concorrência.
diversity of epistemological norms
ricana, nem a velocidade nem o formato
A ânsia de ser o primeiro, sem ava-
justificam a imprecisão. Não é, contudo,
liar o efeito das precipitações, abre
um caso inédito: após a detenção nos
espaço a notícias de mortos que afinal
Muñoz-Torres, que refuta a ideia
Estados Unidos, em 2011, de Domini-
não morreram, erro que o diário por-
de objetividade, nem por isso conside-
que Strauss-Kahn, então diretor-geral
tuguês Público cometeu em setembro
ra o relativismo capaz de oferecer um
do FMI, por suspeita de abuso sexual,
de 2018, ao noticiar a morte de um
quadro conceptual adequado. Sustenta
também foi difundida, em França, uma
historiador. “Não tomámos a devida
mesmo que a valorização do relativis-
foto retirada do Facebook de uma mu-
consciência que notícias sensíveis
mo tem contribuído para que muitos
lher que em comum com a envolvida no
como estas, que afetam gravemente
jornalistas adiram à ideia de que não
incidente tinha apenas o nome.
and values.
a intimidade e os direitos de pessoas
é possível fornecer relatos verdadeiros
Jornalista que desvaloriza o rigor,
concretas e das suas famílias, exigem
sobre o que se passa no mundo. Por
cedendo à pressão da difusão imedia-
cuidados redobrados”, reconheceria
isso preconiza “a major rethinking of
ta, deixa-se levar por dois equívocos.
(Público, 30 de setembro de 2018).
the conception of truth, understood
O primeiro radica na convicção de que
as correspondence between mind and
o “exclusivo” constitui um valor em si
Objetividade e verdade
reality, in which both experience and
mesmo, independentemente do conteúdo
Falar de rigor é falar de verdade
reason play jointly a key role” (Muñoz-
– não forçosamente de objetividade, 2 Cf. https://www.ipso.co.uk/rulings-and-resolution-statements/ruling/?id=05679-18.
-Torres, 2012, p. 580).
paradigma clássico cuja validade pare-
Assumindo-se que a atividade jor-
ce ter deixado de resistir às investidas
nalística materializa uma construção 45
da realidade, resulta evidente que tal
discussão crítica e livre. (Campo-
operação se baseia na subjetividade. Os
nez, 2018, p. 22)
factos noticiosos são, portanto, avalia-
Falar de rigor é também falar de verdade – também de cruzamento de fontes, como meio mais fiável para a
dos em função de critérios insuscetí-
Esta arguta observação não isenta
atingir. A diligência, que extravasa o
veis de uniformização. Se não existem
os profissionais das suas responsabi-
plano meramente técnico, não deve ser
factos “quimicamente puros”, porque
lidades; inscreve-as, isso sim, no ter-
confundida com o chamado “contradi-
o conhecimento factual e a perceção
reno ajustado: o da democracia, onde
tório”, mecanismo essencial à eficácia
subjetiva se associam, é a honestida-
desempenham uma insubstituível
da Justiça num Estado de Direito. Nos
de do jornalista na sua interpretação
função.
tribunais, o cotejo de versões entre
que se justifica promover – melhor:
“Audience members do not always
acusadores e acusados destina-se a
que deve ocupar o seu legítimo lugar.
see fact checking as good journalism,
apurar a verdade material dos factos.
Não por acaso, o Código Deontológico
as evidenced by backfire effects in
Aos jornalistas, porém, pode não ser
português estabelece a exigência de
which a fact check strengthens mis-
isso – ou pelo menos só isso – que
“relatar os factos com rigor e exatidão
perceptions or increases support for
se pede.
e interpretá-los com honestidade”. Não
a politician caught in a lie” (Pingree
O enunciado do Código Deontoló-
por acaso, o da Associated Press exorta
et al., 2018, p. 3). Porém, o risco de
gico português é, a este respeito, parti-
os profissionais a colocarem no mesmo
ser mal compreendido não deve levar
cularmente feliz, porque esclarecedor,
plano rapidez, precisão e honestidade,
o jornalista a desistir. Por mais difí-
ao apontar como dever a audição das
bases da confiança na informação pro-
cil que seja alcançar a verdade, seria
partes “com interesses atendíveis no
duzida pela agência.
destrutivo para o Jornalismo deixar de
caso”. Ou seja: não forçosamente ape-
a tomar como meta.
nas quem está investido do poder de
De forma reforçada pela natureza própria da sua temporalidade e
The rejection of the possibility of
acusar e quem é objeto de uma acu-
das suas condições de produção,
truth means the denial of the uni-
sação ou está enredado numa suspeita
a objetividade e a verdade em jor-
ty and commonality necessary to
suficientemente grave para justificar a
nalismo são conceitos e realidades
determine whether ideas or news
sua conversão em notícia. Pode ser ne-
dialógicos, no sentido iluminista
are true or false. This is why truth
cessário, com efeito, consultar outras
e liberal em que a verdade e o erro
is forever unstable, disputed, chal-
fontes, para atingir a verdade – pelo
são realidades inextrincáveis de
lenged. Journalism’s ambition to
menos, a melhor versão da verdade
uma mesma narrativa, não poden-
be the arbiter of truth clashes with
disponível no momento, como defende
do ser dirimíveis pelo fogo e pela
the open-ended character of truth-
Carl Bernstein, um dos jornalistas do
espada, mas só alcançáveis pela
-telling. (Waisbord, 2018, p. 1872)
“caso Watergate”.
Para o efeito, importa, em certas circunstâncias, ir mais longe. Encetar diligências com vista a obter “provas”. Provas com as devidas aspas, já que em Jornalismo, mais corretamente, devem chamar-se indícios. O jornalista não dispõe – e é assim que deve ser – dos meios ao alcance da investigação policial. Não está habilitado a fazer
O microfone estendido acriticamente, cria campo fértil a manipulações
anteriormente – e no exame da autenticidade das fotos. Idêntica é a formulação constante das Diretivas para Jornalistas do Conselho Finlandês de Comunicação Social (Julkisen Sanan Neuvosto), enquanto a Associated Press estabelece um critério tão simples quanto eficaz: escolha de fontes em função do rigor da informação que prestam.
escutas telefónicas, vigilâncias, inter-
A multiplicação de fontes, desde
rogatórios ou perícias. Se se considera
que ofereçam fiabilidade, surge em
em condições de difundir uma peça
diversos códigos como condição de
de denúncia de condutas ilícitas, pre-
pluralismo. Para tornarem as histórias
figurando suspeitas sérias, é porque,
mais rigorosas, a Rádio Pública Nacio-
em boa fé, formou a convicção de que
nal norte-americana incentiva os seus
reuniu indícios suficientes. O princípio
jornalistas a procurarem outras perspe-
ético da boa fé guia a prática profis-
tivas: “We tell stronger, better-informed
sional, atento ao direito do jornalista a
stories when we sample a variety of
agir de acordo com a sua consciência,
perspectives on what we’re covering”
com a correlativa responsabilização.
(National Public Radio, 2012). Enquanto a Declaração de Deve-
As fontes nos códigos
res e Direitos do e da Jornalista do
Regressemos à problemática das
Presserat, Conselho de Imprensa suí-
fontes, com vista a analisar de que for-
ço, recusa a conversão em notícia de
ma os códigos éticos as enquadram na
acusações “anónimas e gratuitas”, o
atividade jornalística. A recomendação
jornal português Público admite regis-
do Conselho de Imprensa sueco consiste
tar acusações de terceiros. Contudo,
na adoção de uma atitude crítica, con-
determina que seja garantida aos acu-
substanciada na verificação cuidada de
sados a exposição de pontos de vista
factos, à luz das circunstâncias – mes-
em pé de igualdade e só as publica
mo que tenham sido tornados públicos
quando obtém provas ou “quaisquer 47
outros elementos” que consolidem a convicção de veracidade. O exercício de contrastar fontes, que os códigos português e espanhol contemplam expressamente, é tomado no Código de Ética da Sociedade Americana de Editores de Jornais como garantia de que todos os lados são apresentados de forma justa, o que
O fenómeno do mimetismo promove visões acríticas da realidade
uma questão de método – dir-se-ia de processo –, apesar de o método não ser de todo negligenciável, em Jornalismo. É bem mais do que isso, é a responsabilização do jornalista pelas notícias e reportagens cuja autoria assume. Nem todas as versões são verdadeiras e, caso constate que se revelam contraditórias entre si, impõe-se que faça o que está
implica tanto a remoção de quaisquer
ao seu alcance para excluir as falsas.
preconceitos, como a disponibilidade
Limitar-se a reproduzir versões opos-
para conceder ao acusado a oportuni-
tas, sem cuidar de apurar da sua vera-
dade de se defender. Porém, a diversi-
cidade, significa violar o compromisso
ficação de fontes não pode aprisionar
com o público. É arriscado afirmar que
o jornalista. Conceder aos cidadãos
alguém mente? Será, se o jornalista não
tempo para se pronunciarem sobre in-
estiver seguro disso. Mais arriscado é
formações negativas é uma obrigação
deixar-se instrumentalizar ou servir,
que o jornalista não deve menosprezar.
ainda que involuntariamente, de câ-
Fazer depender de uma resposta a di-
mara de eco de mentiras.
vulgação dos factos é uma armadilha em que não pode cair.
Não é necessário sobrepor a ética individual à profissional para reconhe-
Sendo certo que, no tratamento de
cer como ilegítima a equiparação de
factos e acontecimentos, o microfone
discursos racistas ou de ódio aos que
estendido, acriticamente, cria campo
promovem direitos humanos. É preci-
fértil a manipulações, também deve
samente esta problemática, também
salientar-se que reduzir o cruzamento
merecedora de ampla reflexão, que
de fontes a uma dimensão ritualizada
White introduz no mais recente arti-
é um fator de distorção do modelo de
go publicado pela Rede de Jornalismo
funcionamento que o jornalista é ins-
Ético. Pertinentemente, interroga-se:
tado a respeitar para cumprir a sua
“How do we stem the flow of hate-
missão. Não se trata exclusivamente de
-speech, propaganda and malicious
lies without endangering free spee-
até, erros na apreciação de factos. Nestas
comunicacional de acentuada concor-
ch?” (White, 2018, p. 5).
circunstâncias, é de imediato sacrificado
rência, grande parte dos órgãos de co-
Faz sentido inserir esta proble-
o rigor, porque qualquer forma de dis-
municação social apresenta a mesma
mática no domínio da liberdade de
criminação o compromete. Não faltam
leitura de factos e acontecimentos. Se-
expressão, visto que é um direito e,
exemplos, como a conversão de “bairros
guir a tendência dominante, na seleção
simultaneamente, um compromisso
problemáticos” em notícia, só por serem
como no tratamento noticioso, é mais
deontológico dos jornalistas. No en-
portadores dessa classificação estigma-
confortável. Contrariá-la cria receios
tanto, não há resposta cabal para a
tizante, ou a revelação da nacionalidade
de isolamento e obriga a justificar as
pergunta de White – tanto mais que,
de delinquentes, sem justificação válida.
opções. Se a isto se juntarem preocu-
sem veículo de difusão, a liberdade de
A journalist may be overly com-
pações de natureza comercial – ale-
expressão não se consuma. Atrevemo-
mitted to a predetermined con-
gadamente, o público-alvo, medido ou
-nos, contudo, a sustentar que a receita
clusion such that even contrary
imaginado, privilegia interpretações
será encontrada no domínio da ética,
evidence does not sway the final
consensuais e reage mal às disruptivas
ou não será encontrada. Desde logo,
news report and focus. This over-
– maior é a tendência para a imitação.
cumprindo o que se exige de um jorna-
commitment potentially leads to
lista: que atue como mediador. Mas, ao
distortion or inaccuracy (Chris-
O mimetismo é aquela febre que se
mesmo tempo, que adote uma atitude
tian, 2013, p. 163).
apodera dos media (sem distinguir
de transparência e de prestação de
suportes) e que os empurra, com a
contas ao público – reconhecendo er-
Alguns estudos demonstram que
urgência mais absoluta, para co-
ros, expondo fragilidades, dando conta
o risco identificado por este autor é
brir um acontecimento (qualquer
de pressões, externas ou internas.
real – e tanto mais agravado quanto
que ele seja), com o pretexto de
Como assinalam Fiske e Taylor,
maior for a relutância (e até indisponi-
que outros media – e especialmente
“categories describe our expectations
bilidade) dos jornalistas em testarem
os media de referência – lhes dão
about, for example, people, entities, or
hipóteses suscetíveis de pôr em causa
uma grande importância. Esta
social groups… Categories represent
as suas perceções.
imitação delirante, levada ao ex-
knowledge about a concept; sometimes
tremo, provoca um efeito de bola de
termed a schema” (Fiske & Taylor, cita-
Os riscos do mimetismo
neve e funciona como uma espécie
do em Christian, 2013, p. 162). Rotinas
Neste plano, o fenómeno do mi-
de autointoxicação: quanto mais
profissionais cristalizadas podem intro-
metismo não pode ser ignorado, pela
os media falam de determinado
duzir perniciosas categorizações, aptas
reprodução de visões acríticas da rea-
assunto, tanto mais eles se con-
a acolher preconceitos, estereótipos e,
lidade que propicia. Num ambiente
vencem, coletivamente, de que esse
49
assunto é indispensável, central,
Alinhar com a maioria pode ser
Democratically engaged journa-
capital, e que é necessário dar-lhe
pernicioso noutro plano. Na cober-
lists have a dual commitment.
ainda mais cobertura, dedicando-
tura de crimes hediondos, a ética
They are committed to impartial
-lhe mais tempo, mais meios, mais
impõe aos jornalistas que não contri
methods as a means to their par-
jornalistas. (Ramonet, 1999, 20)
buam para propagar pulsões popu-
tial commitment to egalitarian
lares de vingança, climas justicei-
democracy. They commit them-
O facto de o diagnóstico de Ramo-
ros que se alimentam de emoções
selves to holistic objectivity – to
net ter sido feito há duas décadas de-
ou julgamentos na praça pública.
rational and objective methods for
monstra que o mimetismo não é uma
O respeito pelo princípio da presun-
deciding what to publish and how
nuvem passageira. Pode até afirmar-
ção da inocência, comum aos ins-
to persuade. They are motivated
-se que se transformou em método,
trumentos deontológicos, não deve
to rational passions. (Ward, 2019,
com novos contornos. Atualmente, em
depender da natureza do crime ou
p. 42)
grande parte dos meios de comuni-
do estatuto do suspeito.
cação já não são afetados mais meios
Os jornalistas estão vinculados à
É, portanto, suposto que defen-
materiais e humanos à cobertura de
imparcialidade e à isenção, mas não à
dam o território da sua intervenção.
temas considerados incontornáveis
neutralidade, muito menos à passivida-
Cumpre-lhes travar o passo a quem
porque elevados a esse estatuto pelo
de. Constitui uma violação ética equi-
deliberadamente quer fazer entrar a
conjunto dos media. Ocorre, apenas,
parar o conhecimento científico conso-
propaganda, travestida de manifesta-
uma reprodução, tão instantânea
lidado a opiniões não fundamentadas,
ção de opinião, pela porta do Jorna-
quanto possível. Sem cuidados de ve-
por exemplo no domínio das alterações
lismo. Cumpre-lhes resistir a quem
rificação e confirmação – e, frequen-
climáticas, em nome da audição de po-
os quer converter em transmissores
temente, sem identificação do concor-
sições opostas. Sem ignorarem que essa
de mensagens discriminatórias de
rente que transmitiu a notícia. Como
realidade existe, os jornalistas devem
qualquer natureza, ou a quem aposta
se a simples multiplicação de versões
inibir-se de contribuir para a difusão de
no uso dos media para instigar à des-
iguais confirmasse a sua veracidade,
propostas a favor da pena de morte ou da
truição das bases das democracias.
sendo uma forma de legitimação. Não
expulsão de estrangeiros do território.
Cabe-lhes emprestar sentido ao real
é e tem um efeito evidente: sonega aos
Sem desvalorizarem a pressão migra-
e ajudar leitores, espetadores ou ou-
cidadãos a oportunidade de acederem
tória, devem denunciar as falácias em
vintes a separar o trigo de joio. Uma
a diferentes perspetivas. Vale lembrar
torno da suposta “invasão da Europa”
conduta profissional que reclama a
que o pluralismo também é, no campo
por migrantes ou do “roubo” de postos
ousadia de denunciarem as “verdades
jornalístico, um valor deontológico.
de trabalho aos europeus.
alternativas” como mentiras.
Mainstream journalism needs to be
proporcionando-lhes uma escala muito
homicídio do cronista social Carlos
defended not only against claims
maior. As redes sociais servem-lhe de
Castro, uma tela de conversas dele
that it is equivalent to fake news,
instrumento, mas o problema é mais
com o autor do crime, no Facebook
but also against claims that it is
vasto. Quem quer propagar fake news
(Sol, 14 de janeiro de 2011).
equivalent to partisan news. This
percebe que os meios de comunica-
Tudo isto é fast food noticioso; nada
does not require arguing that
ção tradicionais – ou as plataformas
disto é Jornalismo, embora queira fa-
unintentional bias never occurs
online a eles vinculadas – são muito
zer parecer que é, como resulta de tex-
or that mistakes are never made.
mais eficazes.
tos promocionais de marcas ou empre-
It simply requires insisting that the
As fake news encontram no que
sas, disfarçados de reportagens. Este
press is trying to be the impartial
pode designar-se como fast food noti-
é um terreno deliberadamente híbrido
referee of political facts that de-
cioso o ambiente propício à sua repro-
– tão híbrido que Ikonen, Luoma-aho
mocracy needs it to be. (Pingree
dução sem limites. Notícias difundidas
e Bowen (2017) já admitem que só um
et al., 2018, p. 12)
online que pouco mais são do que tí-
código deontológico com contributos
tulos, vazias de conteúdo jornalístico
das diversas profissões da comunica-
Embora formulada a partir de uma
– ou, pior, elaboradas em tom de slo-
ção pode assegurar transparência ao
análise ao atual clima político-mediá-
gan, mais ou menos sensacionalista.
“conteúdo patrocinado”. É que mesmo
tico nos Estados Unidos, decorrente da
Fotografias ou vídeos produzidos por
com identificação clara nem sempre
eleição do presidente Donald Trump,
cidadãos que entram no circuito digi-
os consumidores conseguem distinguir
a proposta destes autores afigura-se
tal sem a mínima verificação, sequer,
conteúdo editorial de publicitário (van
válida noutras latitudes. O que está
de autenticidade, especialmente em
Reijmersdal et al, 2005).
em causa, efetivamente, é defender o
situações de calamidade natural e
Todas as formas de minar a con-
Jornalismo, na exata medida em que
terrorismo – em 2013, espalharam-se
fiança nos jornalistas minam a con-
o seu papel primordial consiste em
pelas redes sociais suspeitas infunda-
fiança na democracia. O pior é quando
satisfazer o direito dos cidadãos à
das sobre os bombistas da maratona
eles próprios a hipotecam, ao dispu-
informação.
de Boston, rapidamente absorvidas por
tarem, nas redes sociais, uma compe-
órgãos de comunicação tradicionais
tição que não tem de ser sua. A tão
Ambiente propício
(BBC News, 19 april 2013). Informa-
sedutora difusão viral esconde perigos
a fake news
ção – quantas vezes privada e até ín-
de que nem sempre terão consciên-
Não sendo um fenómeno novo, as
tima – extraída de redes sociais, como
cia. As partilhas rápidas, que tanto
fake news adquiriram dimensão graças
sucedeu em 2011, quando o semaná-
entusiasmo despertam, empurram
a tecnologias que aceleram a difusão,
rio português Sol reproduziu, após o
um desmentido para uma corrida, 51
sem perspetivas de sucesso, atrás da
assegurar receitas financeiras, mas, a
processo, em curso, de colonização do
mentira ou da difamação. A hipótese
prazo, tende a afastar o público.
Jornalismo pela publicidade, aprovei-
de a informação original ser corrigida
Porque aposta na emoção e, até, no
tando a janela de oportunidade aberta
junto de todos os destinatários é nula.
suspense, o clickbait não é compatível
pelos problemas de sustentabilidade
Se mal há, está feito. Não é possível
com os valores éticos do Jornalismo.
económica das empresas de média.
reparar os danos causados, por exem-
Remetendo, objetivamente, para o
plo na esfera da reputação de pessoas
entretenimento, privilegia artifícios
ou instituições.
comunicacionais característicos da
Conclusões
O fast food noticioso desenvolve-
publicidade e usa factos noticiosos
O Jornalismo não se esgota no
-se neste sistema avesso a filtros e a
apenas como instrumento de estraté-
exercício de tornar público o que não
moderações. Quem busca informação
gias comerciais. Não se pense que só
é conhecido, nem consiste em revelar
por esta via, dispensa-se de a anali-
os formatos sensacionalistas recorrem
o que está em segredo simplesmente
sar criticamente. A “recompensa” não
ao clickbait. Por moda ou ausência de
porque está em segredo. “Disciplina
consiste em ficar mais informado sobre
alternativa, já se estendeu a órgãos de
de verificação”, como anotam Kova-
determinado assunto, mas em fazer
comunicação que se apresentam como
ch e Rosenstiel (2005), pressupõe a
funcionar um circuito que se autoali-
sendo de referência.
aplicação de critérios de seleção his-
menta. Como, aqui, o importante é o
“O caça-clique não é jornalismo.
toricamente consolidados, de forma a
“recebi-passei”, a informação jorna-
Ele não formaliza um hibridismo
excluir o que não preenche os requi-
lística não tem valor autonomamen-
de linguagem, como já vivencia-
sitos de interesse público. E implica
te, porque não logra distinguir-se da
mos em outros momentos, inclusive
uma avaliação suplementar, com dois
restante.
na apresentação de conteúdos, ele
objetivos: perceber o que de relevante
Sobre o clickbait e os seus per-
é um produto da publicidade. Não
possa existir no que é interessante; e
niciosos efeitos, começa a surgir re-
está preocupado em informar, mas,
tornar interessante o que é conside-
flexão, porque já se travam acesos
exclusivamente, em atrair (vender)”,
rado relevante para os cidadãos, por
debates. Produzir informação tendo
sustentam Bueno e Reino (2018, p.
influenciar a sua vida ou fundamentar
o número de cliques em mente é um
701). Para estes autores, o único ob-
a tomada de decisões conscientes.
passo para o sensacionalismo, quer
jetivo é atender aos interesses do mer-
na escolha dos assuntos a abordar,
cado, ainda que “preterindo ou mesmo
Both reports are interpretations,
quer no seu tratamento. Alicerçar pla-
desacreditando alicerces da redação
not simply recitations of “ just the
nos de negócio com base no número
jornalística”. O clickbait emerge, as-
facts” The journalists select the
de visualizações pode, no imediato,
sim, como fator de consolidação do
facts they deem most important;
they choose the story angle, they
à difusão. Rigor e velocidade de di-
Referências bibliográficas
choose which sources and which
vulgação sempre foram valores funda-
Allmänhetens Pressombudsman-Pressens
quotes to include, and they decide
mentais ao bom exercício profissional.
Opinionsnämnd (2006). Code of
that certain claims are questiona-
Mas a pressa de tornar públicos factos
Ethics for Press, Radio and Television
ble. They interpret the event accor-
noticiosos – se remover a verificação –
in Sweden. Retirado em dezembro
ding to the point of their practice,
e o mimetismo – ao eliminar o sentido
de 2018 de https://po.se/about-the-
the journalist styles and protocols
crítico – não são compatíveis com a
-press-ombudsman-and-press-cou-
that shape their work and writing,
função social do Jornalismo.
ncil/code-of-ethics-for-press-radio-
and their interpretation of what is significant. (Ward, 2019, p. 43)
Procurámos, ao mesmo tempo,
-and-television-in-sweden/.
avaliar em que medida o tratamen-
American Society of Newspaper Editors
to jornalístico técnica e eticamente
(2002). Code of Ethics. Retirado em
Consciente de que em Jornalismo
adequado está a ser posto em causa,
dezembro de 2018 de https://www.
a especulação não pode ter lugar,
por efeito de fenómenos como a desin-
asne.org/.
Ward insiste em princípios básicos
formação. Sendo o rigor e a verdade
Associated Press (2005). Statement of
da atividade: enquadramento, contex-
indissociáveis, o cruzamento de fontes
News Values and Principles. Reti-
tualização, explicação, interpretação.
apresenta-se como instrumento incon-
rado de https://www.ap.org/about/
Ingredientes que não se compadecem
tornável para os assegurar. Contudo,
news-values-and-principles/ em
com dois parágrafos de texto e uma
o compromisso com a democracia não
dezembro de 2018.
imagem, com a intenção de corres-
reclama dos jornalistas neutralidade,
BBC (2017). Code of Conduct. Retirado
ponder ao presumível – e nunca pro-
nem na liberdade de expressão cabem
de https://www.bbc.co.uk/about-
vado – interesse dos consumidores de
a distorção da realidade, a manipula-
thebbc/insidethebbc/howwework/
informação por notícias cada vez mais
ção ou discursos de ódio.
policiesandguidelines/codeofcon-
pequenas (tão pequenas que chegam a caber num tweet).
duct.html em dezembro de 2018. BBC News (19 april 2013). Boston bom-
Neste artigo, encetámos a análi-
bing: How internet detectives got
se de códigos deontológicos e de éti-
it very wrong. Retirado de https://
ca com o objetivo de perceber quão
w w w. bb c.c om /new s /te ch nolo -
importante é o rigor em Jornalismo.
gy-2221451 em abril de 2019.
Apesar da diversidade de leituras,
Bueno, T. C. & Reino, L. S. A. (2018).
tais dispositivos atribuem-lhe centra-
Entre a tabloidização e o teaser pu-
lidade, em especial no que concerne
blicitário: uma análise dos títulos
53
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mixtures of advertising and editorial
BLICO noticiou erradamente a
content in magazines. Journal of
55
Suzana Cavaco scavaco@scavaco.com
Recebido em: 16/01/2018 | Aceite em: 01/05/2018
Universidade do Porto https://orcid.org/0000-0001-8129-8555
Confidencialidade da fonte em jornalismo: perspetivas morais Source confidentiality in journalism: moral perspectives https://doi.org/10.14195/2183-6019_9_4
Resumo
Abstract
O segredo profissional é um dos princípios
Professional secrecy is one of the most
mais evocados nos códigos de conduta dos
evoked principles in journalistic codes
jornalistas. Porém, a proteção das fonte
of conduct. However, source protec-
é uma questão relativamente controver-
tion is a relatively controversial issue.
sa. Uma das perspetivas defende que o
One perspective argues that it is the
dever do jornalista é não delatar a fonte
journalist’s duty to never disclose a con-
confidencial mesmo em face de exigências
fidential source even when facing legal
legais.
requirements. This article proposes to
Este artigo propõe-se analisar o princípio
analyze the principle of professional se-
do sigilo profissional enquadrando-o na
crecy from the perspective of Laurence
teoria de desenvolvimento moral de Lau-
Kohlberg’s moral development theory.
rence Kohlberg. Identifica perspetivas
Resorting to content analysis, the ar-
acerca da confidencialidade das fontes
ticle identifies current perspectives on
em códigos deontológicos nacionais e su-
source confidentiality in national and
pranacionais dos jornalistas, recorrendo à
supranational codes of conduct for jour-
análise de conteúdo. Tem em consideração
nalists, including considerations on the
apreciações sobre o tema feitas noutros
topic by different mechanisms of media
mecanismos de media accountability em
accountability in Portugal: news ombu-
Portugal: provedores do leitor e Conselho
dsmen and the Ethics Council of the
Deontológico do Sindicato dos Jornalistas.
Journalists’ Union.
Palavras-chave: Jornalismo; fontes
Keywords: Journalism; confidential
confidenciais; segredo profissional; de-
sources; professional secrecy; moral de-
senvolvimento moral.
velopment.
57
A relação fonte/jornalista envolve um jogo de persuasão permanente (Santos, 1997). A organização e a capacitação discursiva das fontes interessadas, que por meio dos media agem no mundo e interferem na atualidade, evoluíram nas últimas décadas, constituindo não só uma “revolução”, como também “uma riqueza democrá-
A credibilidade e a fiabilidade são essenciais ao valor de uso do jornalismo
confidencialidade a seu favor, como explica Vasco Ribeiro que reconhece que a crescente sofisticação das fontes institucionais tem acarretado riscos acrescidos à atividade jornalística (2015). Um artigo político de 1340 palavras publicado no Liberation contendo 11 fontes anónimas, mereceu a seguinte crítica de Alice Antheaume
tica e um direito de cidadania” (Cha-
(2016): “É impossível saber, de fac-
parro, 2001, pp. 29-30). Mas, o jor-
to, se são 11 fontes ou apenas uma
nalismo investigativo que se proponha
pessoa. Por exemplo, “o Governo”,
desocultar as “zonas-sombra da socie-
“alguém próximo do presidente”, “um
dade ou das instituições” e “transfor-
assessor” podem ser a mesma pessoa.”
mar em notícia aquilo que poderosos
Valer-se com demasiada frequên-
interesses pretendem manter secreto”
cia de um instrumento que deveria
“não conta com a benevolência nem
ser excecional indicia um jornalismo
com a colaboração das fontes oficiais”
preguiçoso e promíscuo, potenciando
(Mesquita, 1994, p. 388).
os riscos de desresponsabilização da
Para cumprir o seu duplo papel em
fonte. A ingenuidade e displicência
democracia de porta-vozes da opinião
estão na origem de muitos erros evitá-
pública e de vigilantes do poder polí-
veis. O jornalista não é um estenógrafo
tico (Traquina, 2002), os jornalistas
(Okrent, 2005), nem marioneta/fanto-
têm recorrido a fontes confidenciais.
che ao serviço de interesses alheios.
Todavia, como afirma Byron Calame
A luta por ser o primeiro (em vez de
(2005, s/p), “fontes confidenciais po-
ser o melhor) para vencer a concor-
dem ser tanto uma benção quanto uma
rência é má conselheira, deixando o
maldição para o jornalismo – e para
jornalista mais vulnerável a manipu-
os leitores.”
lações várias. “Muitas vezes, os que
Por um lado, faz parte da ativida-
manipulam fazem-no tanto melhor
de de spin doctoring usar os graus de
quanto mais manipulados são e quanto
mais inconscientes estão desse facto”
New York Times que, na sequência
2017 da UNESCO, a instituição da
(Bourdieu, 1997, p. 8).
de uma série de irregularidades co-
confidencialidade da fonte enfren-
Por outro lado, a fraude jornalís-
metidas por Jayson Blair, reviu um
ta riscos crescentes de erosão com
tica é uma ameaça que nem jornais
conjunto de procedimentos internos
o aprofundamento da era digital e
de referência como o The Washington
e nomeou um Provedor dos Leitores,
que podem constituir uma ameaça
Post, em 1980 (caso Janet Cooke ), ou
Daniel Okrent. Este exortou para o
à sustentabilidade do jornalismo in-
o Der Spiegel mais recentemente, em
uso singular da fonte anónima nos
vestigativo (Posetti, 2017).
2018 (caso Claas Relotius2) estão imu-
seguintes termos:
1
nes, envolvendo jornalistas premiados a invocar fontes fictícias.
Este artigo propõe-se analisar o princípio do sigilo profissional, enqua-
(...) eu sou a favor de uma cultura
drando-o na teoria de desenvolvimen-
O arrivismo profissional desafia
da redação que possa ser simboli-
to moral de Laurence Kohlberg. Para
os editores a serem mais vigilantes.
zada por uma nova decoração de
tal, identifica perspetivas acerca da
Em 2005, o diário português Público
parede. Imagine uma pequena cai-
confidencialidade da fonte em códi-
na revisão de 2005 dos “Princípios
xa com uma porta de vidro; atrás
gos deontológicos nacionais e supra-
e normas de conduta profissional”,
do vidro, um certificado com as
nacionais dos jornalistas, recorrendo
que integram o seu Livro de Estilo,
palavras “autorização para usar
à análise de conteúdo.
estipulou entre outros que os editores
fonte anónima”. Um pequeno mar-
O corpus de análise é constituído
deste jornal “podem solicitar aos jor-
telo estaria pendurado na caixa
por 21 códigos: 16 da Europa Oci-
nalistas que lhes revelem a identidade
e um letreiro a avisar: “Quebrar
dental, dois da América do Norte; e
das fontes anónimas que utilizam nos
o vidro em caso de emergência”
três supracinacionais (Quadro 1). Rei-
seus textos”. Fê-lo inspirado no The
– uma emergência não para os
no Unido e Irlanda seguem o mesmo
jornalistas ou editores, mas para
código: o da NUJ (National Union of
os leitores. (Okrent, 2005)
Journalists). Os códigos supranacio-
1 Janet Cooke, do Washington Post, foi obrigada a devolver o Prémio Pulitzer depois de se descobrir que o protagonista da sua reportagem – uma criança de oito anos viciada em heroína – não passava de uma invenção da jornalista. 2 Em 2018, descobriu-se que Claas Relotius – detentor de vários prémios, de entre os quais o título de repórter do ano quatro vezes – inventara factos, lugares, citações e personagens em quase dezena e meia de reportagens publicadas na revista Der Spiegel.
nais que integram o corpus são: DeA credibilidade e a fiabilidade
claração da UNESCO (International
são essenciais ao valor de uso do
Principles of Professional Ethics in
jornalismo. O recurso adequado/
Journalism), Declaração de Munique
justo ao segredo profissional de-
(Declaration of the Rights and Duties
veria ser palavra de ordem neste
of Journalists) e Código de Bordéus
tempo complexo que vivemos, em
(IFJ Declaration of Principles on the
que, como alerta um relatório de
Conduct of Journalists). 59
Quadro 1. Códigos de conduta dos jornalistas: Corpus da análise**
* versão em inglês disponibilizada pelo EthicNet; ** consultado em outubro de 2018
A escolha dos códigos segue a
com Espanha, França, Itália, Grécia.
da confidencialidade da fonte nos
classificação dos sistemas de media
Ao Modelo Liberal pertencem: Reino
códigos de conduta, auscultamos al-
de Hallin e Mancini (2004) que con-
Unido, Irlanda, Canadá e EUA. Ao
gumas posições assumidas sobre o
finam o estudo a 18 países da Europa
Modelo Corporativista Democrático:
tema noutros mecanismos de media
Ocidental e da América do Norte, di-
Noruega, Suécia, Finlândia, Holanda,
accountability em Portugal, como o
vididos por caraterísticas comuns em
Suíça, Bélgica, Dinamarca, Áustria e
Conselho Deontológico do Sindicato
três modelos:
Alemanha. Apesar da diferenciação
dos Jornalistas e o provedor do leitor,
estar a diminuir, graças à globalização
atendendo a que o primeiro tem um
• Modelo Liberal (ML): caraterizado
e à comercialização dos media (Hallin
alcance sobretudo interno, enquanto
por um domínio relativo dos me-
& Mancini, 2004); e apesar de não
o segundo medeia jornalistas e seus
canismos de mercado e dos media
serem capazes de explicar alguns dos
leitores.
comerciais e por pouca intervenção
resultados mais impressionantes do
estatal no setor dos media;
estudo da MediaAcT – Media Accoun-
Desenvolvimento Moral na
• Modelo Corporativista Democrá-
tability and Transparency in Europe,
perspetiva de Kohlberg
tico (MCD): caraterizado por uma
uma recente investigação comparada
coexistência histórica de media
sobre media accountability na Europa
O desenvolvimento moral tem sido
comerciais e media vinculados a
contemporânea (Fengler et al., 2014;
alvo de abordagens teóricas distintas.
grupos sociais e políticos organiza-
Eberwein et al., 2017), os modelos de
Optamos pela perspetiva cognitivo-
dos, e por um papel relativamente
sistema de media e culturas do jorna-
-desenvolvimentista (ou estrutural-
ativo mas legalmente limitado do
lismo de Hallin e Manici mantêm-se
-construtivista) por ser “a que propõe
Estado;
como uma ferramenta útil de análise.
critérios mais racionais de moralidade;
• Modelo Pluralista Polarizado
Todavia, tal como em Hallin e Man-
a que mais assume a ideia de desenvol-
(MPP): caraterizado pela inte-
cini (2004), o nosso estudo incide so-
vimento da pessoa; e a que está mais
gração dos media em partidos
bre um número reduzido de países e
comprometida com a transformação
políticos, por um desenvolvimen-
apenas considera um dos códigos de
das instituições em sociedades justas
to histórico mais fraco dos media
cada país, o que limita o alcance das
e boas” (Lourenço, 2002, p. 38).
comerciais, e por um forte papel
conclusões.
Para Lawrence Kohlberg (1985; 1982;1992; Kohlberg et al., 1997; Lou-
interventor do Estado. Começamos por centrar a nossa
renço, 2002), o desenvolvimento moral
Portugal enquadra-se no Mode-
atenção na teoria de desenvolvimento
é um processo fundamentalmente ra-
lo Pluralista Polarizado, juntamente
moral. Depois da análise comparada
cional. Ele preconiza uma moralidade 61
ideal, cuja essência reside na obriga-
a forma ou estrutura da resposta (as
em transformar a sociedade. Diferen-
ção de obedecer a princípios universais
razões cognitivas que estão por de trás
cia o seu eu das regras e expectati-
de Justiça que se consubstanciam na
de ações ou transgressões) do que o
vas dos outros e define seus valores
igualdade de direitos e respeito pela
conteúdo (o que faz ou diz que faz).
de acordo com os princípios por ele
dignidade dos seres humanos enquanto
Kohlberg adverte que o que está em
escolhidos. Reconhece as obrigações
pessoas individuais.
jogo é um julgamento sobre os modos
sociais e legais estabelecidas; mas se
de pensar e não uma graduação do
entrarem em conflito com as obriga-
valor moral do indivíduo.
ções morais, estas últimas tendem a
A teoria de Kohlberg assenta em vários pressupostos metaéticos, como o pressuposto da não neutralidade,
Kohlberg identifica três níveis de
ganhar prioridade; pois entende que
que implica a hierarquização racional
desenvolvimento moral, cada um dos
as exigências da lei e da sociedade
de valores (rejeita o relativismo ético);
quais subdividido em dois estádios:
derivam dos direitos morais univer-
e o do prescritivismo que consiste na
nível 1 – pré-convencional (estádios
sais, e não o contrário.
obrigação de obedecer a princípios
1 e 2); nível 2 – convencional (está-
No estádio 1 (E1), a razão para
éticos (justificação para as regras),
dios 3 e 4); e nível 3 pós-convencional
o indivíduo obedecer à lei é evitar o
não a normas (regras para a ação).
(estádios 5 e 6).
castigo. Ele não relaciona perspetivas.
As normas sociais ou mesmo morais
As regras e expectativas conven-
O seu ponto de vista é egocêntrico. As
podem ser violadas pelo “sujeito moral
cionais ou sociais são algo externo ao
regras morais são aplicadas de uma
racional” se não estiverem ao serviço
indivíduo pré-convencional. Ele não
maneira literal e absoluta. Exceções
da Justiça. A ação moral é encarada
as entende.
(a haver) só para pessoas importantes
como do domínio do dever e do desejável.
O indivíduo convencional identi-
(isto é, com autoridade). Não atende
fica-se com as regras e expectativas
às intenções, confundindo castigo com moralidade.
Para ele, a moral desenvolve-se
dos outros ou interioriza-as. Tem uma
em cada indivíduo numa sequência
perspetiva de membro da sociedade.
No estádio 2 (E2), a orientação
de estádios. Fatores do meio podem
Preocupando-se com a aprovação
moral do indivíduo é pragmática, cal-
acelerar, atrasar ou parar o desenvol-
social e com a lealdade a pessoas,
culista e individualista. Condena o
vimento, mas não mudar a sequên-
grupos e autoridades. Subordina as
desvio à norma se este trouxer conse-
cia. Cada estádio é qualitativamente
necessidades do indivíduo ao ponto
quências negativas para o transgressor.
diferente e mais avançado do que o
de vista e às necessidades do grupo
Mas, trata-se mais de uma questão de
precedente. A identificação do está-
ou do relacionamento comum.
prejuízo do que de castigo. Reconhece
dio moral baseia-se exclusivamente no
Uma pessoa de moralidade pós-
que as outras pessoas têm seus próprios
raciocínio moral, valorizando-se mais
-convencional está mais interessada
pontos de vista. Adota uma orientação
moral de troca, em que, ao zelar pelos
interesse tenham maior probabilidade
universais e assume um compromisso
seus interesses, tem em conta a reação
de ser justas.
pessoal com eles. A obrigação é defini-
negativa ou positiva do outro.
O estádio 5 (E5) refere-se à pers-
da em função dos princípios universais
No estádio 3 (E3), o indivíduo re-
petiva de alguém que se coloca antes
de Justiça. Leis e acordos sociais são
gula a sua ação moral por normas,
da sociedade. O sistema social é en-
válidos quando se baseiam em tais
convenções e expetativas socialmente
tendido como um contrato livremente
princípios; quando colidem, o indiví-
partilhadas e aceites. Vive identifica-
celebrado por cada indivíduo, de forma
duo atua de acordo com o princípio. A
do com um grupo e procura cumprir
a proteger e maximizar os direitos e o
pessoa é sempre vista como um fim em
bem o próprio papel. Está orientado
bem-estar de todos. Orienta-se para
si mesma, nunca como um meio para
para a aprovação social e a confiança
o maior bem do maior número. Mas
alcançar outros valores.
interpessoal.
preocupa-se com as minorias e tem
Muitos adultos são moralmente
A perspetiva adotada no E3 é a de
em consideração os pontos de vista de
imaturos, afirma Kohlberg (1982, p.
quem participa num relacionamento ou
cada indivíduo envolvido numa situa-
46). Os adolescentes e maioria dos
num grupo comum; no estádio 4 (E4),
ção social. Reflete uma filosofia utili-
adultos situam-se no nível convencio-
é a de membro de um sistema social,
tarista de regras, na qual instituições,
nal. Só uma minoria alcança os está-
legal ou religioso que foi codificado em
regras ou leis sociais são avaliadas
dios superiores de desenvolvimento.
leis e práticas institucionalizadas. O
por referência às suas consequências a
indivíduo está orientado para a manu-
longo prazo para o bem-estar de cada
Compromisso de
tenção do sistema. Norma e lei (desde
pessoa ou grupo na sociedade. Valores
confidencialidade e
que não impostas autocraticamente)
e direitos fundamentais, como vida e
desenvolvimento moral
são critérios últimos de justiça e de
liberdade, são entendidos como ge-
A teoria de Kohlberg não é unâni-
moralidade, pelo que a prossecução
neralizáveis em qualquer sociedade,
me (Modgil & Modgil, 1985; Lourenço
de interesses individuais só é legítima
mas defendidos independentemente da
2002). Na verdade, o saber científico é
se estiver de acordo com a lei. Peran-
maioria. No E5, verifica-se o começo
por natureza um conhecimento conje-
te a violação de uma regra, a reação
da subordinação das normas à univer-
tural, suscetível de ser revisto (Popper,
típica é: “o que aconteceria se todos
salidade dos princípios (relativismo da
1992). Como o próprio Kohlberg re-
fizessem o mesmo?” Preocupa-se com
Lei). A perspetiva é a de society-crea-
conhece, o “domínio moral é amplo e
a imparcialidade e com a justiça pro-
ting em vez de society-maintaining
variado, e nenhuma abordagem à sua
cessual, entendendo que determinados
(Kohlberg et al., 1997, p. 496)
conceitualização e medição explica-
procedimentos devem ser acautelados
No estádio 6 (E6), o indivíduo acre-
rá ou esgotará a variação existente”
para que as soluções dos conflitos de
dita na validade dos princípios morais
(1985, p. 500). Contudo, a sua teoria 63
permite-nos refletir como se promove
• Deve senão vou parar à prisão (E1)
• Deve porque o código deontológico
a deontologia do jornalista.
• Pode porque é um jornalista de-
prevê essa possibilidade quando
Se atendermos a que o ensino do jornalismo desempenha um papel crucial no jornalismo responsável (Fengler et al., 2014), o modo como se promove a deontologia do jornalismo assume especial relevância. Face ao “desafio constante à consciência individual” do jornalista e às suas responsabilidades perante as pessoas e
cano (E1) • Não deve porque pode perder prestígio (E2) • Não deve para ficar bem visto pela
a fonte o engana desonestamente (E4) • Não deve porque a deontologia o impede (E4)
classe (E2) • Não deve porque os chefes podem-se zangar com ele (E2) • Deve para não ter problemas com os tribunais (E2)
Resposta de nível pós-convencional: • Não deve porque as leis existem precisamente para assegurar os di-
a sociedade (Fidalgo, 2000, p. 336),
• Não deve porque não convém per-
reitos fundamentais das pessoas,
partilhamos a opinião de Goree (2000)
der a relação com uma fonte útil
tais como o direito a ser informado
de que a integração do desenvolvimen-
ao jornalista (E2)
(E5)
to moral na sala de aula de jornalismo oferece muitos benefícios potenciais. Seguindo a teoria de desenvolvi-
• Não deve porque o segredo proRespostas de nível convencional:
fissional pressupõe confiança e
•
Não deve porque é isso que
porque o indivíduo deve ser con-
mento moral de Kohlberg, propomo-
se espera de um bom jornalista (E3)
fiável se quiser fazer um contrato
-nos classificar potenciais respostas
• Deve porque é o que se espera de
na sociedade (E5)
à seguinte questão que é relativa ao
um cidadão responsável e cumpri-
tema em estudo: Pode/deve um jor-
dor da lei (E3)
nalista revelar, em público ou em tribunal, a identidade de uma fonte confidencial sem o seu consentimento? Um raciocínio pré-convencional
• Não deve porque estabeleceu com a fonte uma relação afetiva (E3) • Não deve porque é um homem com honra (E4)
poderia dar respostas do tipo:
• Deve porque cumprir a lei é uma
• Não deve para não ser despedido
• Deve porque se não o fizer é a
obrigação de todos (E4) (E1) • Não deve porque o chefe não autoriza, e chefe manda (E1)
anarquia e o caos (E4) • Não deve porque não se viola um contrato (E4)
• Não deve porque manter a confidencialidade traz benefício para a sociedade (E5) • Pode porque traz benefício para a sociedade (E5) • Deve porque está em causa a segurança nacional (E5) • Deve porque disso depende a descoberta da verdade e esta é relevante para a sociedade (E5) • Deve porque é a única maneira de evitar um dano sério às pessoas (E5)
• Não deve porque isso não só des-
Esta abordagem de desenvolvi-
Questão 1(Q1). Em que condições
respeitaria a fonte que nele con-
mento moral, sem prejuízo de outas
e em que circunstâncias se aceita atri-
fiou, como também colocá-la-ia em
abordagens, pode ser explorada em
buir confidencialidade a uma fonte?
risco; pelo que o jornalista está
sala de aula, por se tratar de um es-
Questão 2 (Q.2). O segredo pro-
disposto a ser preso para defen-
paço privilegiado para promover pen-
fissional admite limites? Em que cir-
der a integridade dessa fonte e da
samento crítico (e autocrítico), nos
cunstâncias a confidencialidade pode
liberdade de imprensa que é um
moldes propostos por Karl Popper
não ser vinculativa?
direito fundamental (E6)
(1992) para uma ética das profissões intelectuais.
Através da discussão/debate ra-
Dos nove países do MCD, dois são omissos no respeitante à fonte confidencial (Suécia e Dinamarca); qua-
cional de dilemas, pode-se estimu-
Confidencialidade da fonte
tro qualificam o sigilo profissional de
lar nos estudantes (futuros profissio-
em códigos nacionais e
dever do jornalista (Holanda, Suíça,
nais) de jornalismo um “raciocínio
supranacionais
Bélgica e Áustria); um como direito
moral” avançado – ou maturidade
Os códigos de conduta profissional
(Finlândia); e um como direito e dever
moral – que lhes permita melhor
são, em Portugal, o segundo instru-
equacionar e ponderar os conflitos
mento de media accountability com
Quanto à Q1, Holanda e Alemanha
morais que se confrontem no exer-
maior impacte no comportamento dos
referem que a informação deverá ter
cício da profissão:
jornalistas, a seguir às diretrizes edi-
suficiente/bastante valor-notícia ou
toriais do órgão de comunicação social
forte interesse público. Para a Norue-
Os dilemas morais ’servem’ para
e à frente da formação em jornalis-
ga, a proteção das fontes confidenciais
promover o desenvolvimento moral
mo e das leis reguladoras dos meios
é entendida como pré-requisito para a
porque criam nas pessoas não só
de comunicação que surgem em 3º e
imprensa cumprir seus deveres para
conflitos cognitivos mas também
4º lugares, respetivamente. Esta é a
com a sociedade e assegurar o acesso
desequilíbrios afetivos. Quando
perceção dos jornalistas portugueses
à informação essencial. Mas, exige a
uma pessoa se confronta com um
manifestada num inquérito realizado
avaliação crítica da fonte confiden-
conflito moral que não pode resol-
no âmbito do projeto MediaAcT (Mou-
cial e a “especial precaução” com a
ver com facilidade mas que a preo-
tinho et al., 2017).
informação dela proveniente3. No caso
cupa profundamente, é provável
Como os códigos de cada modelo
que se sinta muito motivada para
de sistema de media encaram o sigilo
realizar possíveis novas soluções.
profissional (direito e/ou dever)? Como
(Kohlberg et al., 1997, p. 73).
respondem às seguintes questões?
(Alemanha).
da Holanda, a informação dessa fonte 3 A avaliação crítica das fontes em geral é referida noutros códigos do MDC, como é por exemplo o caso da Finlândia e da Suécia.
65
só será divulgada se tal não constituir
Tanto os EUA como o Canadá re-
dos jornalistas; mas também um dever
um risco desproporcional para as pes-
servam a confidencialidade à fonte que
profissional se a confidencialidade for
soas. “Ações e planos descritos como
corra perigo de segurança, de castigo
requerida pela fonte. Para os outros
secretos podem ser relatados se, após
ou outro dano, bem como à fonte que
países do sul da Europa, é um dever.
uma análise cuidadosa, for determina-
possua informação que não pode ser
No caso da Itália é mesmo uma obri-
do que a necessidade de informação do
obtida de outra forma. Para o Canadá,
gação: “Um jornalista tem que res-
público supera as razões apresentadas
a proteção da fonte exige razões claras
peitar o sigilo profissional, nos casos
para o sigilo”, lê-se no código alemão.
e imperiosas, mas também que a infor-
em que as fontes requerem sigilo e
No que respeita à Q2, um terço dos
mação tenha “forte interesse público”.
tem de ser capaz de informar o leitor
países do MDC preveem a possibilida-
O código americano apela a avaliação
de tais circunstâncias.” A Grécia não
de de se revelar a identidade da fonte
crítica da fonte antes de fazer promes-
responde às Q1 e Q2; apenas afirma:
confidencial; mas dois deles (Noruega
sas: “Seja cuidadoso quando fizer pro-
“O jornalista tem a competência e a
e Bélgica) exigem que tal só poderá
messas, mas mantenha as promessas
obrigação (...) para assumir a discrição
acontecer se a fonte der consentimento
que fizer”. No caso do Canadá, não se
profissional quanto à fonte de infor-
explícito. A Alemanha, além do con-
permitem “golpes baixos a indivíduos
mação obtida em confidência.”
sentimento da fonte, prevê mais duas
ou organizações por parte de fonte
Os países do sul da Europa são
situações em que a confidencialidade
confidencial”, devendo o jornalista,
praticamente omissos à Q1, à exceção
possa não ser vinculativa: a) no caso
antes de fazer promessas, clarificar
de Portugal que estabelece: “As opi-
de a informação estar relacionada com
até onde está disposto a ir para man-
niões devem ser sempre atribuídas”.
um crime e haver o dever de informar
ter as suas promessas: “Quando não
Quanto à quebra do segredo profis-
a polícia; b) se, ao ponderar cuidado-
está disposto a ir para a cadeia para
sional, tanto Portugal como Espanha
samente os interesses, predominarem
proteger uma fonte, exprime isto antes
preveem essa possibilidade no caso de
importantes razões de Estado, particu-
de fazer a promessa. E deixa claro que
a fonte usar o jornalista para canalizar
larmente se a ordem constitucional for
o acordo é quebrado no caso da fonte
informação falsa. Também a título ex-
afetada ou ameaçada. Na prática, no
o enganar ou mentir.” O Canadá é o
cecional, a Espanha acrescenta mais
MDC, só a Alemanha prevê a quebra
único que responde à Q2. O código
um cenário: quando a revelação da
do sigilo profissional.
partilhado por britânicos e irlandeses
fonte é a única forma de prevenir um
não responde às Q1 e Q2.
dano sério e iminentes às pessoas.
Todos os quatro países do ML consideram ser dever do jornalista atri-
No MPP, a França encara o se-
“O jornalista não deve revelar,
buir confidencialidade a uma fonte
gredo profissional como um direito.
mesmo em juízo, as suas fontes con-
quando esta a solicita.
Para a Espanha, trata-se de um direito
fidenciais de informação”, estipula o
Quadro 2. Segredo profissional: direito e/ ou dever
Quadro 3. Em que condições e em que circunstâncias se aceita atribuir confidencialidade a uma fonte?
código português; o que faz deste um
para atribuição da confidencialidade,
Declaração de Munique e pela De-
dos códigos mais exigentes de todos
i.é investem na prevenção (a montan-
claração de Bordéus (FIJ). Esta
os 24 em estudo. Está em sintonia com
te). No ML, o sigilo profissional é
última afirma: “O jornalista digno
o francês que afirma: “Em matéria
considerado um dever, não se conje-
desse nome (...) Dentro da lei geral
de deontologia e honra profissional, o
turando eventuais quebras. No MPP,
de cada país, reconhecerá, em ques-
jornalista aceita apenas a jurisdição
ao contrário do ML, quase não se res-
tões profissionais, exclusivamente a
de seus pares; responde em tribunal
ponde à Q1 (quadros 3 e 4).
jurisdição de seus colegas e recu-
às infrações previstas na lei”.
Quanto aos códigos supranacio-
sará qualquer tipo de interferência
Portanto, os países do MCD, à ex-
nais, o segredo profissional é enten-
do governo ou outras.” Semelhante
ceção da Alemanha, ou são omissos
dido como um direito pelo código
se pode ler nos códigos de França
ou focam-se sobretudo nos requisitos
da UNESCO e como um dever pela
e Suíça. 67
Quadro 4. O segredo profissional admite limites? Em que circunstâncias a confidencialidade pode não ser vinculativa?
Usando o teste qui-quadrado, ve-
Quanto à Q2, preveem-se even-
Cavaco, 2013). Já em Democracia, o
rificamos a existência de uma relação
tuais quebras do contrato de sigilo,
código deontológico dos jornalistas,
estatisticamente significativa (p=0,024)
em caso, por exemplo da fonte ter
aprovado em sede de autorregulação
entre modelos de sistema de media (de
desonestamente induzido o jornalista
em 1976, imputava como dever do jor-
Hallin e Mancini) e a norma “Reservado
em erro; em caso de crime em que se
nalista “guardar o segredo profissional
para fontes que possuem informação que
imponha o dever de informar a po-
e não divulgar as suas fontes de infor-
não pode ser obtida de outra forma”.
lícia; quando prevaleçam razões de
mação”. A revisão de 1993 especificou
Apenas países do ML indicam esta
Estado preponderantes; e em caso de
este dever e admitiu limites ao com-
regra. Não foram identificadas outras
evitar “um dano grave e iminente às
promisso de sigilo: “O jornalista não
associações significativas entre normas
pessoas”. Sublinhe-se o plural desta
deve revelar, mesmo em juízo, as suas
específicas relativas ao segredo profis-
última norma: “às pessoas”. Todas es-
fontes confidenciais de informação,
sional e os modelos de sistema de media.
tas cláusulas de exceção são, na opi-
nem desrespeitar os compromissos
nião de Fidalgo, “de tal modo vagas
assumidos, exceto se o tentarem usar
Quanto à Q1, sublinhe-se a regra
e dependentes da interpretacão sub-
para canalizar informações falsas”.
referida unicamente por Portugal de
jetiva do jornalista (...) que, no limite,
Esta norma (que se manteve na revi-
que as opiniões devem ser sempre atri-
nenhuma fonte confidencial se pode
são de 2017) significa um potencial
buídas. Isto é, não se publica a opinião
considerar completamente protegida”
conflito entre Deontologia e Direito.
de uma fonte confidencial. Para o jorna-
(2000, p. 332).
Quanto à cláusula de exceção, esta
lista Manuel Carvalho, tal publicação é
não é pacífica entre os jornalistas; o
um contrassenso numa sociedade livre,
que levou o Conselho Deontológico
pois “uma opinião vincula de alguma
Confidencialidade da fonte
do Sindicato dos jornalistas (1999) a
forma uma visão subjetiva da realidade
em Portugal
esclarecer que tal pressupõe “que não
e só pode fazer sentido se ela for ex-
Em Portugal, no fim do regime
haja a mais pequena dúvida de que
pressa de uma forma completamente
autoritário e censório autodenomina-
a informação prestada foi premedita-
livre na qual cada um de nós dá a cara
do Estado Novo, a entidade patronal
damente falsa, sabendo a fonte que,
pelas opiniões que tem” .
tinha o seguinte dever, de acordo com
com a publicação, decorre um prejuízo
o Contrato Coletivo de 1971: “Não
irreparável ou um perigo real para o
exigir dos jornalistas que revelem as
jornalista que nele confiou”.
4
4 Manuel Carvalho, na RTP, a 7 de set. de 2019, a propósito do artigo de opinião “I Am Part of the Resistance Inside the Trump Administration”, de autoria anónima publicado no The New York Times, 5 de set. de 2018.
fontes das suas informações quando
Obrigar os jornalistas a trair o
essa revelação possa envolver prejuízo
compromisso assumido com a fonte
para os seus informadores” (citado em
confidencial pode significar a perda
a prazo de informação vital para os
além de nos ter sido prestada uma
veicular informações falsas. Todavia,
cidadãos. Este é o entendimento do
informação falsa, houve intenção
por exigência legal, só poderão divul-
Conselho Deontológico (2001) que
suja de prestar essa informação
gar a fonte se os jornalistas envolvidos
“desaconselha vivamente” a delação
falsa, abre-se um longo e mui-
derem autorização por escrito (cf. art.
de fontes confidenciais “mesmo quan-
to doloroso período de reflexão,
11 do Estatuto do Jornalista).
do estas se manifestam traiçoeiras e
consulta aos amigos e ao traves-
Adverte o Conselho Deontológi-
manipuladoras”, por descredibilizar
seiro, para saber se iremos usar,
co (1999) que “ao aceitar uma fonte
futuros contratos de confidenciali-
pela primeira vez, da prerrogati-
confidencial, o jornalista tem de sa-
dade e por ser muito difícil, noutras
va que o Código Deontológico nos
ber que se inverte o ónus da prova,
instâncias, fazer a prova do que se
concedeu! E o mais certo é que o
quer perante o público, quer perante
afirma quando se denuncia essa fonte
jornalista se silencie e assuma as
os tribunais”. Por outras palavras,
confidencial (“palavra de um contra
consequências desse seu heroísmo:
“quando o jornalista não identifica
palavra de outro”).
se mais ninguém sabe que o jorna-
a fonte de determinada informação é
Mascarenhas, no 3º Congresso dos
lista é um herói, pelo menos sabe-o
ele próprio que se ‘atravessa’ e dá o
Jornalistas Portugueses em 1998, cri-
ele – e é quanto basta!. (Mascare-
nome pela veracidade da dita infor-
ticou aqueles que raciocinam “com a
nhas, 1998, p. 54)
mação”, escreve Jorge Wemans, primeiro provedor do leitor do Público
formalidade jurídica, assumindo-se como titulares de um direito de de-
Para o Conselho Deontológico
(1999, pp. 30-1). Joaquim Fidalgo,
núncia outorgado pelo Código Deonto-
(1999), um código de ética profissional
que lhe sucedeu em 1999, prefere
lógico dos Jornalistas ou muito pior do
é um compromisso individual, mas so-
“aceitar o mal menor de alguma po-
que isso como se o Código impusesse
bretudo coletivo: “Nenhum jornalista
tencial desresponsabilização de fon-
o dever de denúncia de fonte confiden-
pode permitir-se ser julgador único de
tes menos escrupulosas, a sacrificar
cial desacreditada!” Afirma:
uma situação que, a desembocar na
o bem maior que é garantir, em to-
denúncia de uma fonte confidencial,
das as circunstâncias, que uma fonte
Lido académica ou juridicamen-
atinge todo o coletivo dos jornalistas
confidencial não será traída na sua
te, quer dizer que sempre que uma
e a credibilidade da profissão”. Aliás,
confiança pelo jornalista” (2000, p.
fonte anónima dá uma informação
há órgãos de comunicação social –
334). Afirma, sublinhando a respon-
falsa, o jornalista pode identificá-
como Público e a SIC – em que cabe
sabilidade do jornalista:
-la. É o podes! – grita-nos a ética
à Direção e/ou Conselho de Redação a
de cá de dentro. Mesmo depois de
análise dos casos em que fontes con-
Se é verdadeiramente o responsável
(...) estarmos convictos de que,
fidenciais usem os jornalistas para
pela informação que difunde (...)
69
é, naturalmente, responsável pelos
• a fonte correr um efetivo risco (pes-
pelos jornalistas “contra todas as
riscos que decide correr ao “ficar
soal, profissional ou familiar) se
eventualidades”, e que tal é “essencial
nas mãos” de uma só fonte, para
for identificada;
para uma informação livre ao serviço
mais confidencial (...). Se decide, apesar de tudo, confiar e publicar,
• a fonte suscitar ao jornalista uma “confiança indestrutível”;
da cidadania”. No discurso de ambos os media accountability portugueses
então deve estar preparado para
• fornecer ao jornalista os meios
aqui auscultados, não se prevê um
assumir todas as consequências – e
factuais de prova do que vai ser
interesse público superior ao dever
nunca transferi-las para os ombros
publicado.
de proteção da fonte de informação,
de terceiros (as fontes) (Fidalgo,
Estrela Serrano (2006, p. 116),
diferente do previsto no código ale-
provedora dos leitores do Diário de
mão. Entende-se que a quebra desse
Notícias entre 2001 e 2004, adverte
compromisso ameaçaria severamente
2000, p. 333).
Para Fidalgo (2000), o jornalista
que “é preciso distinguir entre a ver-
o próprio interesse público, na medida
deve saber conviver com o risco de ser
dadeira investigação jornalística e a
em que inibiria contratos futuros com
enganado, mas sobretudo prevenir-se.
pseudo-investigação que se limita a
as fontes, resultando num jornalismo
Fernando Martins (2006, p. 146), que
citar conversas, ou documentos, sem
menos capaz de satisfazer o direito à
inaugurou a provedoria no Jornal de
uma análise crítica da sua autentici-
informação que constitui um princípio
Notícias, em 2000, defende que as
dade e do seu valor.”
sagrado em democracia.
fontes anónimas só se justificam se
Ou seja, é consensual a proteção,
estiver em causa “o raro e particular
Conclusão
mesmo em tribunal, de uma fonte que
interesse público” e se não houver outro
Apesar do código deontológico
tenha respeitado o jornalista; não o é
processo de obter essa informação; pois
português prever a quebra do com-
se a fonte lhe mentiu deliberadamente.
entende que as “fontes anónimas são,
promisso de confidencialidade no
Entende-se que a não proteção da fon-
normalmente, ultrapassadas com traba-
caso de a fonte ter usado o jornalista
te pode apresentar-se danosa não só
lho, com investigação jornalística. Que
para canalizar informação falsa, a de-
para a fonte, como também para o jor-
até tem a virtude de evitar os erros.”
núncia de fonte confidencial “jamais
nalista, para a classe e o jornalismo,
Para o Conselho Deontológico
obterá consenso entre os jornalistas”,
e para a sociedade como um todo, na
(1999), o problema da necessidade
como afirma o Conselho Deontológico
medida em que o bom funcionamento
da sua denúncia, em princípio, não
(2001). Este órgão do Sindicato dos
da democracia passa pelo acesso dos
se coloca, se forem cumpridas, com
Jornalistas mostra-se em sintonia com
cidadãos à informação essencial.
rigor, as regras de aceitação de uma
os provedores de leitores ao afirmar
O jornalismo é uma profissão
fonte confidencial:
que as fontes devem ser protegidas
complexa e exigente que requer
maturidade moral. Pode mesmo, nos
Em Portugal, ainda que o Conselho
casos de proteção da fonte, exigir ao
Deontológico recomende algumas re-
ficheiros/20140130-revista_2.pdf.
jornalista o estádio mais alto de desen-
gras de aceitação de uma fonte con-
Chaparro, M. C. (2001). Linguagem dos
volvimento moral (E6) a que só uma
fidencial, seria útil que o Código as
Conflitos. Coimbra: MinervaCoim-
pequena minoria dos humanos atinge.
contemplasse.
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countability: An international study
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de dilemas pode estimular um “ra-
devem ser banidas do jornalismo
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político? European Journalism Ob-
nos códigos deontológicos dos jor-
profissionais, de forma a desenvolver
servatory. Retirado em janeiro de
nalistas. Comunicação e Sociedade,
neles a moral da convicção e da res-
2019 http://pt.ejo.ch/ultimas/as-
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ponsabilidade social que diferem da
-fontes-anonimas-devem-banidas-
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Recebido em: 17/01/2018 | Aceite em: 06/06/2018
A imparcialidade nas notícias do governo federal brasileiro:
Lorena Maria Caliman Fontes lorecaliman@gmail.com. Universidade Federal da Bahia https://orcid.org/0000-0001-9566-2397
avaliando o jornalismo no espaço da política Impartiality in the news from Brazil’s federal government: evaluating journalism within the political sphere https://doi.org/10.14195/2183-6019_9_5
Resumo
Abstract
O artigo enfoca o jornalismo praticado no
This article focuses on the practice of
âmbito da comunicação governamental no
journalism within government commu-
Brasil, especificamente o programa de rádio
nication in Brazil, specifically the radio
Voz do Brasil – Notícias do Poder Executivo.
program Voz do Brasil - News from the
A partir da compreensão de McQuail (2012)
Executive Branch. Based on McQuail’s
a respeito dos parâmetros de atuação da mí-
(2012) understanding of the parameters
dia de massa, o trabalho avalia o critério da
of mass media performance, this work
imparcialidade em 79 unidades noticiosas
analyzes the impartiality criterion in 79
radiofônicas, utilizando técnicas da análise
radio news providers by means of content
de conteúdo. No trabalho, a imparcialidade
analysis techniques. Impartiality relates
é compreendida a partir dos componentes de
to the components of balance and neutra-
equilíbrio e neutralidade, avaliados através
lity evaluated via the access of sources
do acesso de fontes ao radiojornal e da clas-
to the news report and the rating of eva-
sificação de asserções avaliativas. Apesar
luative assertions. Although its official
de ter como missão oficial levar informações
mission is bringing public interest in-
de interesse público do governo federal aos
formation from the federal government
cidadãos, o programa de rádio analisado
to citizens, the radio program analyzed
atua reforçando uma imagem positiva para
reinforces a positive image of the gover-
o governo e os governantes, reiterando vozes
nment and its leaders, reiterating official
oficiais e colocando o cidadão como mero
voices and relegating the citizen to a mere
beneficiário dos serviços públicos. A prática
beneficiary of public services. The pro-
profissional do jornalismo no contexto do
fessional practice of journalism in the
veículo é problematizada a partir de suas
context of the vehicle is problematized in
relações com a empresa pública de comu-
its relationship with the Brazilian public
nicação brasileira (EBC) e a Secretaria
communication company (EBC) and the
Especial de Comunicação da Presidência
General Secretariat for the Communica-
da República (Secom).
tion of the Presidency (Secom).
Palavras-chave: Jornalismo; comuni-
Keywords: Journalism; public communi-
cação pública; Voz do Brasil; imparciali-
cation; Voz do Brasil; impartiality; media
dade; regulação da mídia.
regulation.
1
73
Lorena Caliman é jornalista e especialista em Comunicação Estratégica e Gestão de Marcas pela Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atualmente, é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas na mesma universidade (Póscom/UFBA), em Salvador, Bahia. Seu mestrado foi financiado pela CAPES. É membro do grupo de pesquisa Núcleo de Estudos em Jornalismo (NJOR), sob coordenação da Profª. Dra. Lia Seixas, sua orientadora.
Introdução
“produto” da Secretaria Especial de
interesse dos cidadãos 3 sobre o go-
Programa de rádio mais antigo do
Comunicação da Presidência da Re-
verno.
país, o noticiário Voz do Brasil infor-
pública, a Secom.
Embora parta de discussão mais
ma, de segunda a sexta-feira, sobre
Apesar de vinculadas à comuni-
ampla, elaborada ao longo da Disser-
os principais assuntos e atividades
cação pública, que tem, dentre seus
tação de Mestrado desta autora (Cali-
do governo federal (Poder Executivo)
valores, as noções de promoção da for-
man Fontes, 2019), a investigação aqui
e dos Poderes Legislativo e Judiciá-
mação cidadã, defesa da democracia,
apresentada busca avaliar, a partir da
rio, às 19h. A parcela do programa
mobilização social e interesse público
análise das notícias, a adequação do
dedicada às notícias do Poder Exe-
(Caliman Fontes, 2019), as Notícias do
jornalismo praticado na Voz do Brasil
cutivo tem duração de 25 minutos e
Poder Executivo são produzidas por
a valores de atuação da mídia de mas-
é seguida pelas notícias dos demais
uma diretoria específica da EBC, cha-
sa. Como base, utiliza-se a discussão
Poderes , totalizando uma hora de
mada de Serviços e Negócios. Neste
de McQuail (2012), que compreende
duração. As notícias do Poder Exe-
contexto, a empresa pública atua como
a comunicação pública como “com-
cutivo, foco de nosso trabalho, têm
prestadora de serviços para o gover-
plexa rede de transações informais,
sua produção sob responsabilidade
no federal (Borges & Weber, 2013;
expressivas e solidárias que ocorrem
da Empresa Brasil de Comunicação
Moura, 2017). Nessa conformação,
na ‘esfera pública’ ou no espaço públi-
(EBC) , porém, são formalmente um
jornalistas, editores e demais cola-
co em qualquer sociedade” (McQuail
boradores de produtos como a TV Nbr
2012, p. 17). Este espaço, atualmente,
– televisão governamental – e a Voz do
seria formado por “canais e redes de
Brasil – atuam em projetos editoriais
comunicação de massa e ao tempo e
particulares, voltados especificamente
espaço reservado na mídia para dar
1
2
1 As notícias dos Poderes Judiciário e Legislativo são de responsabilidade das próprias Casas, não tendo sua produção ligada à Empresa Brasil de Comunicação (EBC), responsável apenas, no caso da Voz do Brasil, pelas Notícias do Poder Executivo. 2 A EBC é uma empresa pública que foi criada em 2008 após discussões ocorridas em 2007 durante o Fórum Nacional de TVs públicas. A intenção formal com sua criação foi a de regulamentar a complementaridade, prevista na Constituição Brasileira de 1988 (artigo 223), entre os sistemas privado, estatal e público de radiodifusão. A lei 11.652/2008, que criou a EBC, foi responsável por instituir o sistema público de radiodifusão brasileiro e criar uma Rede Nacional de Radiodifusão Pública. Apesar disso, a discussão sobre o caráter público
para disseminação de informações de
da EBC é atual. Para Bucci (2012; 2016), a EBC não pode ser caracterizada formalmente como pública, mas estatal, devido a sua vinculação jurídica com o governo federal. Sobre a criação da EBC e suas implicações no cenário das políticas de comunicação brasileiras, ver Miola (2012).
3 Conforme o site da Secom, na aba Canais/ Voz do Brasil: “O programa de rádio A Voz do Brasil está no ar há mais de 70 anos. O objetivo é levar informação aos cidadãos dos mais distantes pontos do País. O programa tem uma hora de duração. Os primeiros 25 minutos são produzidos pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e levam aos cidadãos as notícias, de seu interesse, sobre o Poder Executivo federal” (grifos nossos). Disponível em: http://www.secom.gov.br/ atuacao/canais/voz-do-brasil. Acesso em 03 de novembro de 2018.
atenção a assuntos de interesse geral,
objetividade que se encontra o ponto
Contudo, de acordo com informações
cuja comunicação aberta e livre seja
chave para a avaliação proposta.
obtidas via Lei de Acesso à Informa-
relevante e válida”.
ção (Gerente Executivo de Serviços da Voz do Brasil, interesse
EBC, 2018) a equipe da Voz do Brasil
assumidos pelo autor como norteado-
público e projeto editorial
atende a projeto editorial próprio e se
res da comunicação de interesse pú-
A noção de interesse público é
diferencia da EBC, na medida em que
blico, destacam-se três: a liberdade,
entendida aqui a partir de contribui-
a ordem/solidariedade e a justiça/
ções como a de Gomes (2009), para
igualdade. Esses, entendidos como
quem as informações de interesse
rege os veículos do sistema pú-
pertencentes à sociedade ocidental
público são as que auxiliam o cida-
blico de comunicação, composto
contemporânea , emanariam em ou-
dão na tomada de decisões e atitudes
pela Agência Brasil, TV Brasil e
tros: a liberdade seria composta por
em relação à esfera política. De ma-
rádios Nacional e MEC. A Voz do
independência, acesso, diversidade e
neira complementar, empregamos a
Brasil é um programa cujo plano
objetividade; a igualdade, pelo aces-
visão de McQuail (2012), que sugere
editorial é definido pela Secreta-
so, diversidade, objetividade e soli-
o uso da expressão como na noção
ria Especial de Comunicação So-
dariedade; e a ordem pelos valores
de “interesse comum” ou “pragmá-
cial da Presidência da República
de solidariedade, controle social e
tico” (Downs, 1962), onde interesses
(Secom), para a qual a EBC, (sic)
cultura simbólica. Para os propósitos
conjuntos derivam de discussões e
presta serviços de comunicação
desta pesquisa, é dentro da noção de
deliberações políticas traduzidas a
(Gerente Executivo de Serviços
partir dos valores comunicacionais
da EBC, 2018, s/p).
Dentre os parâmetros de atuação
4
4 Entendemos que, enquanto proposta abrangente para atuação da mídia, a ideia de três grandes valores para a sociedade ocidental contemporânea pode parecer redutora. Apesar de reconhecermos as possíveis limitações ao acolhermos tal visão em nosso trabalho, destacamos o trabalho detalhista e enciclopédico de McQuail (2012) ao avaliar diversas legislações e regulamentações da comunicação em âmbito internacional. Ao comparar e comentar diversas regulamentações internacionalmente, o autor sugere os valores da liberdade, ordem e igualdade como capazes de traduzir, em âmbito internacional, as principais preocupações relacionadas à comunicação de interesse público.
o seu Manual de Jornalismo
citados acima. No manual de jornalismo da EBC,
Apesar de serem parte do quadro
empresa pública de radiodifusão res-
da EBC, os repórteres, editores e pau-
ponsável pela produção da Voz do Bra-
teiros que ali trabalham seguem pa-
sil, o interesse público surge enquanto
râmetros estabelecidos pelo “cliente”
princípio norteador: «O jornalista da
– no caso, a Secom. Também conforme
EBC colhe informação tendo o interes-
informação vertida na Lei de Acesso
se público como motivo e em nenhuma
à Informação (LAI), os jornalistas da
hipótese pode ser contaminado por
Voz do Brasil devem “contextualizar
ambições de outra natureza» (Empresa
os fatos em notas explicativas que tro-
Brasil de Comunicação, 2013, p. 71).
quem em miúdos a informação para 75
que o ouvinte possa incorporá-la a seu
é melhor que dizer “remuneração”.
redação. Parece-nos que, ao negar a
vocabulário ativo e para que ele possa
Ser cuidadoso com expressões abs-
vinculação dos quadros da Voz do Bra-
agir a partir do que ficou sabendo”
tratas e pensar em soluções com
sil ao Manual de Jornalismo da EBC, e
(Gerente Executiva de Serviços da
substantivos concretos;
ao oferecer como alternativa um “pro-
EBC, 2019). Os cinco pontos baliza-
4 – O tom dialogado é melhor que o
jeto editorial” com breves pontos bali-
dores das notícias da Voz do Brasil
texto lido. Este recurso tem maior
zadores para a produção noticiosa, há
foram elencados da seguinte maneira:
capacidade de aproximar o ouvinte
uma falta de definição sobre princípios
dos produtores da notícia. O tom
profissionais mais amplos, abrindo-se
de uma reportagem, para ser bem
espaço para o questionamento sobre
1 – O protagonista não é a autoridade,
entendida, precisa assumir um tom
até que ponto existe uma reflexão mais
mas o cidadão. No texto da notícia,
próximo do diálogo, no limite de
apurada sobre a prática profissional.
uma conversa informal;
Pesquisas anteriores, inclusive, discu-
logo no lead, quem pratica a ação deve ser o cidadão. A reportagem
5 – Por fim, cuidado com números.
tem a diferenciação entre o jornalismo
na Voz do Brasil precisa inver-
Pesquisas apontam que a maioria
tradicional e o jornalismo praticado no
ter o paradigma tradicional da co-
do público de rádio não apreende
âmbito dos três Poderes (Sant’Anna,
municação de governo e enfocar
as estatísticas com base exclusiva-
2005; Weber & Coelho, 2011). As no-
o assunto e o seu impacto para o
mente em porcentagens. É preciso
ções de jornalismo institucional e de
cidadão;
sempre ter muito cuidado com nú-
mídia das fontes problematizam aspec-
2 – Deve-se indagar a notícia. O que o
meros para que eles sejam capazes
tos da rotina dos jornalistas que tra-
tema tem a ver com cada brasilei-
de representar a mensagem prin-
balham entre o campo do jornalismo
ro? Por isso, mais importante que
cipal. É bom usar comparações.
e da política, ou de empresas, além de
listar a velha fórmula do “o quê,
(Gerente Executiva de Serviços
aspectos inerentes ao resultado mate-
quando, onde, como e por que”, é
da EBC, 2019, p. s/p, negrito no
rial dessas atividades. Weber e Coelho
explicar o quê isso vai mudar na
original, grifos nossos)
(2011) defendem, por exemplo, que o
vida do cidadão. Se não for mudar,
jornalismo nos Poderes é estratégico: o
ou se for mudar só daqui a dez
O foco das chamadas diretrizes
contraditório é ausente; a objetividade
meses, repense a importância da
editoriais do programa radiofônico
é discursiva, na forma de construção
notícia;
recai sobre o modo de produção da
narrativa, mas não se vê implicada em
3 – Ser didático e traduzir os jargões
notícia, mas não se detém sobre os
questões como pluralidade e presença
em palavras que façam sentido
princípios deontológicos que regem
de críticas ao poder.
para o ouvinte. Falar em “salário”
a atividade dos jornalistas de sua
Figura 1. Aspectos avaliativos da objetividade: a imparcialidade Fonte: McQuail (2012)
Diante das especificidades e da
O princípio da imparcialidade
(2012), nos propomos a avaliar a im-
falta de parâmetros deontológicos
não foi desde o começo um ideal,
parcialidade no jornalismo na esfe-
claros para essa produção noticiosa,
mas sim claramente um meio para
ra da comunicação governamental
propomo-nos a analisar em que medida
um fim. Além disso, o conceito
a partir das pistas provocadas pelo
os aspectos avaliativos da objetividade
de imparcialidade comprova ser
diagrama apresentado abaixo.
(McQuail, 2012), traduzidos como im-
essencialmente mais concreto
parcialidade, são trazidos à tona nas
e conduz menos a equívocos do
Importa destacar que a proposta
notícias da Voz do Brasil. Neste tra-
que o de objetividade. As exigên-
de McQuail (2012) também não con-
balho, a imparcialidade é vista como
cias de ambos princípios também
sidera a imparcialidade como única
composta pelos valores de equilíbrio
podem ser compreendidas de ma-
formadora da objetividade jornalística
e a neutralidade, conforme se ilustra
neira mais concreta e visível como
– esta, para o autor, inclui as noções
na figura 1. A visão apresentada por
dimensões da imparcialidade do
de veracidade, relevância e informa-
McQuail (2012) deriva do trabalho de
que no quadro que a problemática
tividade numa dimensão cognitiva. A
Westerstahl (1983), que debate a obje-
da objetividade tem oferecido até
junção entre as dimensões cognitiva
tividade a partir de critérios regulató-
agora. Por causa disso, aqui deve
e avaliativa formaria, para McQuail,
rios do Swedish Broadcasting Corpora-
ser feita a proposta de – no inte-
a visão mais ampla da objetividade.
tion e outras regulações internacionais.
resse de um esclarecimento dessa
Neste trabalho, entendemos que a
O foco do autor não é uma discussão
norma profissional do jornalismo,
imparcialidade é critério desafia-
filosófica, mas pautada no que chama
como também da sua visibilidade
dor para a comunicação jornalística
de padrões e exigências sociais.
e sua praticabilidade – substituir
produzida próxima às estruturas de
Outros autores, como Sponholz
o conceito de objetividade de uma
Poder governamental. Como veremos
(2003) já questionaram as relações en-
perspectiva da teoria do conheci-
adiante, o equilíbrio e a neutralidade
tre objetividade e imparcialidade. Para
mento (que conduz a erros) pela
são critérios que, quando expostos à
aquela autora, a imparcialidade não ga-
imparcialidade. (Schönhagen,
avaliação, podem ensejar inferências
rante a objetividade, vista como busca
1998, p. 261 apud Sponholz,
interessantes sobre o jornalismo re-
por uma aproximação com a realidade
2003, p. 117)
lacionado à comunicação de governo.
objetiva. Contudo, a própria estudiosa Metodologia
cita estudo que considera a imparcia-
Sem o ensejo de esgotar a discus-
lidade como maneira mais viável para
são sobre as relações entre imparcia-
A partir da compreensão breve-
analisar a objetividade jornalística:
lidade e objetividade, mas ancorados,
mente apresentada, analisamos os
neste estudo, na proposta de McQuail
chamados critérios avaliativos da 77
objetividade na Voz do Brasil em dois períodos distintos. Foram analisadas 20 edições do programa radiofônico, sendo quatro semanas construídas (Herscovitz, 2007) a partir de momentos distintos de produção do radiojornal: o governo de Dilma Rousseff (PT) – em edições de janeiro/fevereiro de 2015 e abril/maio de 2016, antes do impeachment da presidente -; e o governo de Michel Temer (MDB) – após início do governo definitivo em setembro de 2016 e no final dele, em novembro/dezembro de 2018, totalizando um número de 79 unidades
Na Voz do Brasil existe uma prelideção em produzir avaliações favoráveis aos assuntos do governo e com nenhum tipo de crítica
por circunstância. A avaliação de neutralidade fez-se a partir da técnica de análise de asserção avaliativa ou análise de avaliação (Bardin, 2016), sugerida inclusive por McQuail (2012) para o tipo de análise pretendida. No que diz respeito à categorização de fontes, Guerra indica as seguintes classificações: A) Quanto à Natureza 1) Oficial: autoridade governamental ou de qualquer órgão público. Subdivide-se em: 1.1 Oficial por representação, quando exerce cargo político ou de dire-
noticiosas. Foram avaliadas as matérias de destaque das edições em sua
ção/coordenacão;
integralidade, incluindo também as
1.2 Oficial de carreira: quando exerce
chamadas dos apresentadores. As edi-
funcão típica de estado, mediante
ções constam de segunda a sexta-feira,
concurso ou por mérito.
dias em que o programa é veiculado
2) Representativa: exerce funções de
através da Rede Nacional de Rádio e
representação em empresas ou
pela internet.
organizações da sociedade civil.
As avaliações foram feitas a partir
3) Associativa: quando integrante
de ferramentas da análise de conteú-
de grupo, organizado ou não, que
5
do (Bardin, 2016; Herscovitz, 2007). O equilíbrio, entendido a partir da noção de “acesso igual ou proporcional”, foi analisado a partir da análise e categorização de fontes (Guerra, 2007), classificadas por natureza e
5 No relatório original de Guerra (2007), há um pequeno erro na numeração das fontes, de forma que a lista salta de 2 (representativa) para 4 (associativa), sem haver um número 3. Aqui, a numeração aparece diferente uma vez que a contagem foi corrigida para corresponder à correta.
fala como membro do grupo mas
5) Testemunhal: fala apenas para ilus-
análise de unidades significativas
sem a autoridade de representação
trar, contar ou explicar algum as-
de contexto, posições favoráveis,
seja porque não exerce funções de
pecto relacionado ao fato, sem que
desfavoráveis ou neutras aos cha-
direção seja porque o grupo não é
tenha envolvimento direto algum.
mados objetos de atitude identifi-
organizado. 4) Técnica: tem domínio técnico cien-
cados. Os objetos de atitude geral6) Classificação Exclusiva para fonte
mente se ligam a conectores verbais
tífico sobre o assunto objeto da ma-
Documental:
e ao material avaliativo em questão.
téria, e esse saber constitui a razão
6.1 (E) Estatística;
É importante destacar que o material
principal pela qual foi chamada
6.2 (L) Princípios, normas e leis;
avaliativo nem sempre será constituí-
a falar.
6.3 (P) Política (Guerra, 2007, p. 79-
do de adjetivos ou advérbios, como
5) Pessoal: quando a fonte fala apenas
80).
por si mesmo.
pode também estar implícito em formações verbais ou outras expressões
6) Documental: fonte escrita/digital
Optamos por analisar as fontes
que forneça informações para a
com citação direta (sonoras, para
Categorizamos as avaliações
matéria e que seja reconhecidamen-
o radiojornalismo). A presença das
como aqueles conjuntos de asser-
te autêntica (o que não significa,
vozes das próprias fontes, em nos-
ções que continham juízo de valor,
necessariamente, que seja legal).
so entendimento, reforça e refina a
seja quanto ao “conjunto de qualida-
avaliação do acesso dessas fontes ao
des” (Bardin, 2016, p. 212) – aquilo
radiojornal.
que o objeto é, os seus atributos ou
B) Quanto à Circunstância
significativas.
No que diz respeito à análise de
qualificações; ou quanto ao “con-
neutralidade, a análise de asserção
junto de performance”, “o que o
2) Provocada: quando sofre as conse-
avaliativa, utilizada para tal, tem
objeto faz, ou seja, as suas ações”.
qüências diretas da ação geradora
diversas aplicações, cujo intuito é
Não foram consideradas avaliativas
do fato.
identificar a carga avaliativa de uma
as asserções que continham juízos
3) Implicada: terceiros que se vêem de
mensagem ou as atitudes do locu-
seguidos de dados, os justificando.
alguma forma envolvidos no fato,
tor com relação aos objetos de que
Por exemplo, se o texto do repórter
sem serem os promotores nem os
fala. A técnica tradicional consiste
se dirige a uma variação no grau de
provocados diretos.
em avaliar intensidade e direção da
desemprego no país como “positiva”,
4) Autorizada: quando o fato pertence
avaliação. Utilizamos uma versão
seguida de números que comprovem
à esfera de competência da qual a
simplificada para avaliar a direção
a qualificação, essa afirmação não é
fonte é a responsável.
da avaliação, medindo, através da
levada em consideração na análise.
1) Promotora: quando age diretamente para a ocorrência do fato.
79
Fontes Quanto à Natureza
Fontes Quanto à Circunstância
Oficial
47
71%
Promotora
24
37%
Pessoal
11
17%
Implicada
13
20%
Representativa
5
7,5%
Autorizada
12
18%
Quadro 1. Fontes no período de governo
Técnica
2
3%
Testemunhal/provocada
6
9%
Dilma Rousseff (2015-2016)
Associativa
1
1,5%
Testemunhal
6
9%
Documental
0
0%
Provocada
5
7%
Total:
66
100%
Total:
66
100%
Fonte: Elaboração própria
Fontes Quanto à Natureza
Quadro 2. Fontes no período de governo Michel Temer (2016 a 2018)
Fonte: Elaboração própria
Resultados Análise de vozes: o equilíbrio na Voz do Brasil
Fontes Quanto à Circunstância
Oficial
51
64%
Autorizada
31
39%
Pessoal
20
25%
Promotora
28
35%
Técnica
6
7,5%
Testemunhal
11
14%
Representativa
3
3,5%
Testemunhal/provocada
7
9%
Associativa
0
0%
Implicada
2
2%
Documental
0
0%
Provocada
1
1%
Total:
80
100%
Total:
80
100%
O destaque das vozes pessoais em segundo lugar em ambos os períodos
incluir o cidadão como debatedor dos assuntos tratados.
é digno de nota, na medida em que
Verificamos, portanto, que o ci-
suscita a questão sobre se tal repre-
dadão enquanto fonte pessoal não foi
sentação é uma abertura ao debate
incluído como parte do debate públi-
Foram contabilizadas 66 fontes
público defendido nos estudos sobre
co. Nas poucas vezes em que houve
com citação direta no período de go-
comunicação pública e jornalismo.
debate, ele entrou na voz de fontes
verno de Dilma e 80 no período do
Contudo, a presença das fontes pes-
representativas ou associativas, in-
governo de Temer. Do ponto de vista
soais esteve quase sempre ligada, do
clusive no momento de análise que
da natureza, os principais resultados
ponto de vista da circunstância, às
englobou o mês anterior ao afasta-
foram similares, com destaque para as
fontes testemunhais ou testemunhais/
mento da presidente Dilma Rousseff.
fontes oficiais (71% e 64%, respecti-
provocadas , o que demonstra uma li-
É importante observar que a presença
vamente) seguidas das fontes pessoais
mitação do programa radiofônico em
das fontes representativas e associa-
6
(17% e 25%). A análise dos períodos
tivas apareceram, em sua totalidade,
reforça a percepção de que as fontes oficiais ganham grande destaque no acesso ao radiojornal estatal, o que confirma a dependência do produto em relação a essas fontes.
defendendo um único ponto de vista 6 Houve apenas duas ocorrências de fontes pessoais como implicadas, no segundo momento do governo Michel Temer. A reportagem abordava moradores argentinos que teriam sua rotina modificada por conta da realização da cúpula do G-20 em Buenos Aires.
– a versão oficial. A própria presença maior de fontes representativas no primeiro período está relacionada à construção de discursos voltados à
Fontes Quanto à Natureza
Fontes Quanto à Circunstância
Oficial
98
67%
Promotora
52
36%
Pessoal
31
21%
Autorizada
43
29%
Técnica
8
5,5%
Testemunhal
17
12%
Quadro 3. Resumo do período total de
Representativa
8
5,5%
Implicada
15
10%
análise das fontes (equilíbrio)
Associativa
1
1% (aprox..)
Testemunhal/provocada
13
9%
Documental
0
0%
Provocada
6
4%
Total:
146
100%
Total:
146
100%
Fonte: Elaboração própria
defesa da figura governamental da
correlação dessas com as fontes ofi-
diferenciarmos os dois tipos de classi-
época.
ciais: 51% e 55% das fontes oficiais
ficação – por natureza e por circuns-
No que tange às fontes técnicas,
foram também promotoras, respecti-
tância – e como elas se complemen-
que aumentaram de quantidade no se-
vamente, no primeiro e no segundo
tam para uma análise do equilíbrio.
gundo período de análise, fica patente
período analisados.
Percebe-se, ao visualizar os dados dos
uma tímida tentativa de incluir fontes
O número mais alto de fontes im-
dois períodos, a forte predominância
não ligadas diretamente às atividades
plicadas no primeiro período de aná-
das fontes oficiais, que estiveram quase
do governo federal no noticiário nesse
lise teve relação com as reportagens e
sempre relacionadas com as circuns-
período analisado.
notas que discutiam o impedimento da
tâncias de promotoras e autorizadas.
Na comparação entre as fontes
presidente Dilma Rousseff. O aumento
Os achados coadunam com o que
classificadas por circunstância, ob-
no número desse tipo de fonte não sig-
Wahl-Jorgensen et al. (2017) lembram
servemos que apesar de terem apa-
nifica, contudo, que houve um maior
ao citar estudos de fontes no noticiá-
recido em ordens diferentes nos dois
equilíbrio quanto ao acesso das fon-
rio. Citando Gans (1979), os autores
períodos, as fontes promotoras tiveram
tes, mas justamente o reforço de uma
ressaltam a comum predominância
uma porcentagem similar nos dois ca-
característica criticada nos estudos
das fontes “conhecidas” em relação
sos (37% e 35%). As fontes autori-
sobre comunicação governamental:
às fontes “desconhecidas”.
zadas ganharam maior destaque no
a de sustentar a imagem pública do
segundo período, em pautas ligadas
governante. Dentre as fontes implica-
Because journalists overwhel-
a regulamentações, políticas públicas
das encontradas no período, tiveram
mingly rely on the voices of elites
e cidadania. Esse resultado também
destaque vozes oficiais que apoiavam
(e.g. Manning, 2001), they have
pode ser interpretado como reflexo da
e defendiam o mandato da presidente
a disproportionate influence on
mudança do formato do radiojornal,
– deputados e governadores do mesmo
the media agenda (Reese, 1990),
ocorrido em outubro de 2016. Confor-
partido, ministros do governo – en-
acting as the ‘primary definers’
me divulgação da Agência Brasil , o
quanto não foram trazidas vozes com
who set the framework of inter-
programa passaria a ser mais “intera-
opinião contrária, que representassem
pretation against which all subse-
tivo e próximo do cidadão” (Brandão,
a oposição no plano político.
quent voices are forced to insert
7
2016). Os achados relativos às fontes
É interessante observar, no quadro
themselves (Hall et al., 1978).
promotoras revelam também a estreita
acima, como a distribuição dos tipos
By contrast, ordinary people who
de fonte é mais igualitária quando
appear in the news are construc-
considerada a circunstância. Natural-
ted primarily as passive consu-
mente, isso demonstra a importância de
mers, reacting to the agendas
7 Agência pública de notícias, que faz parte da EBC.
81
Quadro 4. Quantificação de avaliações por categoria de objeto de atitude (período Dilma)
Fonte: Elaboração própria
Categorias
Avaliações Favorável
Neutra
Desfavorável
PG – programas governamentais
8
0
0
SC – serviços do governo ao cidadão
7
1
0
GF – governo federal
6
0
0
RE – previsões e expectativas
4
3
0
BR – Brasil para relações exteriores
3
0
0
CA – campanhas
1
0
0
PP – resultados de políticas e projetos
1
0
0
SE – serviços não ligados ao governo
2
0
0
PA – parcerias do governo
3
2
0
CG – características do governo
0
0
0
CR – crises, impeachment
1
0
10
OP – opositores políticos
0
0
5
AP – apoiadores dos governantes
1
0
0
GV – pessoas do governo
3
0
0
PF – pessoas de fora do governo
0
0
0
EC – questões econômicas
1
0
0
PE – performance do Estado
3
1
0
EX – relações exteriores (sem Brasil)
1
0
0
NE – números e dados não governamentais
0
0
0
PO – órgãos de outros Poderes
0
0
0
Total por avaliação
45
7
15
Total
67 expressões avaliativas
set by these elites (Lewis et al.,
Análises avaliativas: a
espaço, a tabela com a categorização
2005). This means that journa-
neutralidade na Voz do Brasil
dos objetos de atitude foi suprimida
lism reproduces the power struc-
Os diversos objetos de atitude
neste artigo, mas as categorias são
ture of the society (e.g. Berkowitz,
encontrados ao longo da análise fo-
apresentadas resumidamente, ao lado
2009: 109; Carlson and Franklin,
ram classificados em 20 categorias,
das siglas, à medida que aparecem nas
2011: 1). (Wahl-Jorgensen et al.,
geradas a partir do próprio conteúdo
tabelas apresentadas a seguir com os
2017, p. 5-6)
analisado. Por conta da limitação de
resultados das análises avaliativas.
Categorias
Avaliações Favorável
Neutra
Desfavorável
PG – programas governamentais
10
4
0
RE – previsões e expectativas
9
2
0
PA – parcerias do governo
7
0
0
GF – governo federal
6
1
0
BR – Brasil em relações exteriores
6
0
0
SC – serviços do governo ao cidadão
6
0
0
PE – performance do Estado
5
1
0
NE – números e dados não governamentais
3
0
1
PP – resultados de políticas e projetos
2
1
0
CG – características do governo
2
0
0
CA – campanhas
1
0
0
SE – serviços não ligados ao governo
1
1
0
AP – apoiadores dos governantes
1
0
0
GV – pessoas do governo
0
1
0
PF – pessoas de fora do governo
1
0
0
CR – crises, impeachment
0
0
1
PO – órgãos de outros Poderes
1
0
0
OP – opositores políticos
0
0
0
EC – questões econômicas
0
0
0
EX – relações exteriores (sem Brasil)
0
0
0
Total por avaliação
61
11
2
Total
74 expressões avaliativas
Quadro 5. – Quantificação de avaliações por categoria de objeto de atitude (período Temer)
Fonte: Elaboração própria
O primeiro período de análise
de programas governamentais (18%),
como destaque os assuntos ligados à
somou 67 expressões avaliativas,
serviços do governo aos cidadãos
esfera política do governo federal. Por
45 (67%) delas favoráveis, 7 (10%)
(15,5%), o próprio governo federal
sua vez, as avaliações desfavoráveis
neutras e 15 (22%) favoráveis. As
(13,5%) e previsões e expectativas
recaíram sobre as categorias de cri-
categorias com maior destaque nas
de realizações relacionadas à esfera
ses/impeachment (66,5%) e às vozes
avaliações favoráveis estiveram liga-
governamental. Da mesma forma, as
de oposição política (33,5%). Esses
das ao governo, como as categorias
avaliações neutras também tiveram
resultados demonstram, portanto, uma 83
predileção do radiojornal em produzir avaliações favoráveis aos objetos governamentais e nenhum tipo de crítica a ele. As críticas ficam reservadas exclusivamente a assuntos que se opõem, criticam ou ameaçam a boa imagem do governo e de seus representantes. Abaixo, reproduzimos o quadro de resultados referente ao período de governo Michel Temer.
O debate público e a mobilização social não são valores encontrados no programa Voz do Brasil
delas dizendo respeito a um contexto de crise e a outra, dizendo respeito a números não governamentais. A alteração no porcentual de avaliações desfavoráveis numa comparação entre dois momentos de governo demonstra a ligação profunda do programa radiojornalísticos com o governo federal: no momento de crise, há críticas e avaliações desfavoráveis a objetos de atitude que representam
O segundo período de análise
oposição; no momento mais ameno,
trouxe um número maior de avalia-
não se vê o mesmo comportamento.
ções, 74, com aumento considerável no
Porém, a continuidade na manutenção
percentual de avaliações favoráveis:
da produção de avaliações favoráveis
61 (82,3%). As avaliações neutras
se vê nos dois momentos, com 67%
tiveram um aumento de 10%, no pe-
e 82,3% de avaliações favoráveis,
ríodo Dilma, para 15% no período
como vimos, a objetos de atitude
Temer (11 expressões avaliativas). Já
ligados ao governo. Assim como no
as avaliações desfavoráveis caíram
período Dilma, no governo de Temer
para apenas 2,7% (2 avaliações). O
as avaliações favoráveis também es-
contexto político diverso teve grande
tiveram ligadas principalmente a
impacto nesse número: enquanto, no
objetos de atitude como programas
período de governo Dilma havia um
governamentais (16,3%), previsões e
forte ambiente de crise entre governo
expectativas governamentais (14,7%),
federal e Congresso (Poder Legislati-
parcerias do governo (11,4%), governo
vo), o período de governo de Michel
federal, Brasil e serviços do governo
Temer foi marcado por uma boa rela-
(10% cada), para citar os destaques.
ção entre esses Poderes. De forma que
O padrão quanto às avaliações neutras
apenas duas expressões avaliativas
permaneceu entre os dois períodos,
desfavoráveis foram encontradas; uma
também trazendo em primeiro plano
avaliações voltadas a programas, pre-
de chamadas de apresentadores, e
O programa de rádio Voz do Brasil
visões, serviços, performance, políti-
avaliou o material a partir da catego-
é o mais antigo em emissão no país,
cas e pessoas do governo federal. Con-
rização de fontes com citações diretas
existente desde 1935. Com o passar
tudo, observou-se um crescimento na
e da análise de asserção avaliativa.
dos anos, a percepção pública de que
utilização de atos verbais conjeturais
Os resultados demonstraram foco do
o programa trazia apenas notícias “fa-
(Seixas, 2000) para as avaliações nes-
programa na manutenção do destaque
voráveis” ao governo tornou-se senso
se segundo período, o que fez com que
dado às vozes oficiais, primordialmen-
comum. Nosso trabalho verificou que
houvesse crescimento na porcentagem
te enquanto promotoras dos próprios
essa tendência permanece presente no
de avaliações consideradas neutras.
assuntos abordados; e também como
discurso jornalístico do programa,
A soma das avaliações nos dois
autorizadas, principalmente no se-
que, apesar de ser focado em fatos
períodos totalizou 141 expressões ava-
gundo período de análise. A tenta-
e notícias sobre o governo (conforme
liativas. Tomando os resultados em sua
tiva de trazer as fontes oficiais como
projeto editorial), emite avaliações,
totalidade, foram 76% de expressões
autorizadas, no momento mais recente,
sobretudo favoráveis (76%), voltadas
favoráveis, 12% de avaliações neutras
demonstra a busca do produto por um
principalmente a assuntos que dizem
e 12% de avaliações desfavoráveis no
discurso mais técnico; tal resultado
respeito ao próprio governo. O jorna-
total, reforçando a tendência do pro-
é reforçado pelo aumento na quan-
lismo prevê a separação entre fatos e
duto analisado em reforçar avaliações
tidade de fontes técnicas e de fontes
opiniões, porém, num produto voltado
favoráveis no material produzido, com
pessoais no segundo período de aná-
apenas a fatos e sem colunas de opi-
foco em avaliações voltadas aos pró-
lise (governo Michel Temer). Apesar
nião, foram encontradas 141 expres-
prios temas do governo que é o grande
de ser trazido como fonte ao longo
sões avaliativas. Dessas, 12% foram
ator em foco no noticiário.
das notas e reportagens analisadas,
neutras em todo o período, e outros
o cidadão não é visto como parte do
12% foram de avaliações desfavorá-
Conclusões
debate público, mas como mera teste-
veis a objetos de atitude que, por sua
Este artigo trouxe um resumo dos
munha dos fatos e acontecimentos. O
vez, não diziam respeito ao governo e
resultados de uma avaliação de im-
debate público e a mobilização social
seus representantes.
parcialidade na Voz do Brasil – No-
são, no entendimento deste trabalho,
É importante salientar que os jul-
tícias do Poder Executivo, conforme
cruciais para o jornalismo e para a
gamentos encontrados nas análises
proposta teórica de McQuail (2012).
comunicação pública. Contudo, não
avaliativas foram, em 41% das vezes,
Com ferramentas da análise de con-
são valores encontrados no discurso
feitos diretamente pelos repórteres,
teúdo, a pesquisa analisou 79 uni-
do programa Voz do Brasil – Notícias
sem recorrer ao uso “judicioso” das
dades noticiosas radiofônicas, além
do Poder Executivo.
aspas (Tuchman, 2016). Contudo, 85
outros 59% das avaliações decorreram
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formato. Agência Brasil. Retirado
t e m a / Pe d id o / D e t a l h e Pe d id o .
soais não surgem como protagonistas,
em 12 de junho de 2019 em http://
apesar do previsto no projeto editorial.
agenciabrasil.ebc.com.br/geral/no-
Gerente Executiva de Serviços da
Por outro lado, o conteúdo também
ticia/2016-10/voz-do-brasil-estreia-
EBC (2019). Consulta de Pedi-
não é esvaziado de julgamentos, ou
-hoje-em-novo-formato
do. Retrieved March 14, 2019,
aspx?id=qQ8R1WH6vJU=
ao menos próximo da neutralidade em
Caliman Fontes, L. M. (2019). Imparcia-
from https://esic.cgu.gov.br/sis-
suas avaliações. Por fim, assinalamos
lidade na Comunicação Governa-
t e m a / Pe d id o / D e t a l h e Pe d id o .
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aspx?id=2VYoiHXFZ90=
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Tensões entre Interesses Públicos e
87
Rogério Christofoletti
Recebido em: 20/01/2018 | Aceite em: 18/06/2018
rogerio.christofoletti@uol.com.br
Accountability e transparência na mídia:
Universidade Federal de Santa Catarina https://orcid.org/0000-0003-1065-4764
Juan Carlos Suárez Villegas
diálogo da experiência espanhola com os países lusófonos
1
Accountability and transparency in the media: dialogue between the Spanish experience and the Portuguese-speaking countries
jcsuarez@us.es Universidade de Sevilha https://orcid.org/0000-0002-2199-7028
Xavier Ramon Vegas xavier.ramon@upf.edu Universidade Pompeu Fabra https://orcid.org/0000-0002-4478-5626
https://doi.org/10.14195/2183-6019_9_6
Resumo
Abstract
Alguns dos desafios mais emergentes para a
Some of the emerging challenges in jour-
ética jornalística estão relacionados à capaci-
nalistic ethics are related to the ability of
dade de profissionais e meios de comunica-
professionals and the media to adopt good
ção adotarem boas práticas de prestação de
practices of accountability and transpa-
contas e de transparência de seus métodos
rency in their methods and procedures.
e procedimentos. Para além da criação de
Besides the creation of instruments to fa-
instrumentos que facilitem uma maior apro-
cilitate a closer rapprochement between
ximação entre os produtores da informação
information producers and their audien-
e seus públicos, é necessário ainda desafiar
ces, a defiance of local professional cul-
culturas profissionais locais. Na comunida-
tures is still necessary. Within the entire
de global em língua portuguesa, os países
Portuguese language community, the most
mais avançados em termos de transparência
advanced countries in journalistic trans-
e accountability jornalística são Portugal e
parency and accountability are Portugal
Brasil, mas essa condição não os exime de
and Brazil, but this condition does not
aperfeiçoar seus sistemas e desenvolver so-
exempt them from improving their systems
luções mais efetivas que fortaleçam a ética
and developing more effective solutions
nos meios. Neste artigo, apresentamos resul-
to strengthen ethics in the media. In this
tados parciais da pesquisa “Accountability y
paper, we present partial results of the
culturas periodísticas en España. Impacto y
research «Accountability and journalistic
propuesta de buenas prácticas en los medios
cultures in Spain: impact and proposal
de comunicación españoles”, a partir de gru-
of good practices in the Spanish media»
pos focais com especialistas em deontologia
based on focal groups with experts in
e ética da comunicação. Percebemos que a
communication ethics. We realize that
realidade espanhola – embora complexa, di-
the Spanish reality - complex, dynamic,
nâmica e específica – não se distancia tanto
and specific - is not very different from the
do que já conhecemos nos países lusófonos,
reality of Portuguese-speaking countries
e as considerações dos especialistas consul-
and the considerations of experts offer
tados oferecem contribuições potencialmente
potentially implementable contributions
implementáveis em nosso contexto.
to our context.
Palavras-chave: Transparência; respon-
Keywords: Transparency; responsibility
sabilidade na mídia; jornalismo espanhol.
in the media; spanish journalism.
1
89
Este artigo é resultado do projeto “MediaACES. Accountability y Culturas Periodísticas en España: Impacto y propuesta de buenas prácticas en los medios de comunicación españoles” (CSO2015-66404-P), financiado pelo Ministério da Economia e Competitividade do Governo da Espanha. Este texto é uma versão ligeiramente modificada do que foi apresentado no V Congresso Internacional de Comunicação - Ética e Deontologia do Jornalismo no Espaço Lusófono, em Coimbra, em novembro de 2018.
Introdução
dessa ordem – não se pode furtar a
é vocalizada como um poderoso remé-
As preocupações com o aperfei-
discuti-lo também. Seja porque este-
dio social, capaz de aplacar a corrup-
çoamento do jornalismo e sua confir-
ja em pauta o interesse público (Mc-
ção endêmica, inibir maus feitos e
mação como importante aglutinador
Quail, 2011) ou porque os sistemas
fortalecer o sistema imunológico das
da experiência social contemporânea
de accountability da mídia possam
democracias. Em diversos contextos
estimulam a busca por padrões de
funcionar como parte de nosso arsenal
ocidentais, a transparência é uma es-
qualidade e o desenvolvimento de
para a democracia (Bertrand, 2002).
pécie de panacéia pós-moderna.
instrumentos que a efetivem. Entre-
Para Chul-Han (2012), não há
Para Kristin Lord (2006), ela é
tanto, a discussão sobre qualidade fica
tema que domine mais o debate pú-
útil, socialmente importante, mas está
um tanto incompleta se o debate não
blico atual que a transparência, pois
longe de ser sinônimo de verdade. Se-
contemplar aspectos da deontologia
ela parece cumprir uma dupla função:
gundo a autora, as informações difun-
profissional. Para além da imposição
possibilita controle social e contribui
didas não são politicamente neutras, e
de deveres e da padronização das con-
para a satisfação do direito de ser-
isso não as impede de ser incorretas,
dutas, a deontologia provoca reflexões
mos informados sobre o que se passa
incompletas, enviesadas. A oferta de
individuais e corporativas que podem
em nossas comunidades. O valor do
dados per se não produz verdade, fal-
ocasionar a alteração de comportamen-
direito à informação nas sociedades
tando-lhes contexto, sentido e direção.
tos, a assunção de novas práticas e a
é evidente, mas a transparência não
Lord descarta que o aumento da trans-
mudança da cultura profissional. Os
deve ser entendida como um bem
parência seja um antídoto total para os
questionamentos deontológicos não se
supremo, sustenta Schudson (2015),
problemas do mundo porque, no bojo
restringem, portanto, à abstração, mas
que menciona razões importantes para
da transparência, estão riscos como o
têm sobretudo repercussões na práti-
mantermos uma certa opacidade. A
enfraquecimento da privacidade, por
ca cotidiana que afeta não apenas os
proteção de populações vulneráveis,
exemplo. O olhar crítico de Kristin
membros da redação, mas também os
a manutenção da civilidade na intera-
Lord não impede que ela reconheça na
públicos e demais grupos interessados
ção social e a garantia do voto secreto
transparência uma aliada para tornar
(stakeholders).
seriam alguns desses motivos.
o mundo mais pacífico, cooperativo,
Atualmente, um dos temas sociais
É preciso reconhecer um clamor
tolerante e democrático. Mas a autora
mais pulsantes é o da transparência
popular pela transparência na atuali-
frisa: transparência ajuda, mas outros
e da possibilidade de prestação de
dade (Bowles, Hamilton e Levy, 2014;
esforços são necessários para garantir
contas por parte de governos e em-
Christofoletti, 2016). Para Chul-Han
essas condições.
presas. O jornalismo profissional – em-
(2012), ela funcion como um imperativo
É um raciocínio comum vincu-
bora seja refratário a questionamentos
social. Algumas vezes, a transparência
lar a extensão da transparência à
efetividade de um ambiente demo-
o direito à informação e à expressão,
notar também, perifericamente, outras
crático aberto, que limite poderes e
seguindo princípios profissionais res-
instâncias promovidas pela sociedade
onde papéis e regras sejam claros. A
ponsáveis. A ética profissional deve
civil, como associações de telespec-
transparência não é a mesma coisa
estar ancorada a critérios de desem-
tadores, usuários de comunicação ou
que a accountability, mas seu elemen-
penho que permitam discernir o grau
associações de grupos vulneráveis,
to constituinte. Governos mais demo-
de cumprimento correto de práticas
que cultivam uma sensibilidade es-
cráticos se submetem à lei, seguem
laborais. Essas diretrizes estão incluí-
pecial sobre o conteúdo difundido pe-
a vontade popular e prestam contas.
das em códigos deontológicos e são
los meios. Somado a esse mosaico de
Empresas mais abertas perseguem
observadas por órgãos de autocontrole.
instrumentos de accountability estão
caminhos assemelhados, e no que
Mais recentemente, esses dispositivos
sites e blogs que abordam questões de
se refere aos negócios da mídia, com
também se materializam nas redes so-
ética da comunicação, elaborados por
algumas condições de reforço: seus
ciais, que aceleram a interação entre
jornalistas ou cidadãos com atenção
produtos e serviços ajudam a compor
mídia e cidadãos e contribuem para a
dirigida, e que monitoram conteúdos
o imaginário coletivo, em algumas
tarefa de exigir responsabilidade dos
que podem violar os direitos das pes-
situações, dependem de autorização
jornalistas. No entanto, as redes so-
soas. Blogs em defesa da igualdade de
do Estado para operar, e são abso-
ciais são canais mais difusos e é difícil
gênero, que discutem a imigração ou o
lutamente dependentes da escolha
ponderar e processar as reclamações
meio ambiente ilustram essa modali-
das audiências. Isto é, empresas que
por elas recebidas (Suárez-Villegas e
dade. Esses instrumentos comungam
se dedicam à comunicação de massa
Cruz-Alvarez, 2016).
da ideia de que a mídia é decisiva na construção social do imaginário
também deveriam prestar contas aos
A responsabilidade do profissional
seus públicos e aos grupos com os
também pode ser exercida coletiva-
quais mantêm relações.
mente, por meio de associações de im-
Prestação de contas é um con-
prensa ou associações profissionais, e
ceito que se refere à disposição da
Mídia, democracia e
na Espanha, por meio da Comissão de
mídia em responder à sociedade por
prestação de contas
Arbitragem, Reclamações e Deonto-
sua atividade (Alsius, Mauri-Ríos,
Atores fundamentais na configura-
logia (FAPE) ou de instâncias locais,
Rodríguez-Martínez, 2011). Accoun-
ção da agenda e da opinião pública, os
como o Conselho de Informações da
tability é frequentemente associada
meios de comunicação têm grande res-
Catalunha, por exemplo. No campo
a “aceitar certas responsabilidades,
ponsabilidade na transmissão de va-
dos meios audiovisuais, este trabalho
tarefas ou objetivos” (Christians et
lores para a sociedade (Hardy, 2008).
cabe aos conselhos audiovisuais das
al, 2009: 132), e isso resulta na von-
Além disso, têm como função garantir
comunidades autônomas. É importante
tade jornalística para desenvolver a
coletivo.
91
auto-regulação profissional, transpa-
na definição dos critérios éticos para
jornalismo, aprofundar conhecimentos
rência da informação e participação
a ação da mídia. Nas palavras de
sobre media accountability é estraté-
pública. Na medida em que a mídia
Bertrand (2003), são sistemas de res-
gico, urgente e necessário.
incentiva estes valores profissionais
ponsabilização da mídia e funcionam
Os países lusófonos apresentam
pode-se dizer que há uma disposição
como indicadores para medir o plura-
distintos graus de presença e atua-
para a prestação de contas ao público
lismo e a transparência do cenário da
ção de instrumentos de accounta-
(Puppis, 2009; Diaz-Campo e Segado-
mídia em qualquer Estado democráti-
bility em seus sistemas mediáticos.
-Boj, 2014).
co. Sua função essencial é supervisio-
Os cenários mais desenvolvidos são
Num contexto jornalístico em
nar, monitorar, criticar e examinar a
os de Portugal e Brasil, dados seus
profunda transformação, os sistemas
evolução e a qualidade da informação
acúmulos históricos no que tange à
de prestação de contas passaram por
jornalística, e mais ainda num con-
profissionalização do jornalismo,
uma nítida evolução nos últimos anos,
texto de crise setorial e concentração
à consolidação de mercados de con-
aproveitando o potencial da internet e
midiática (Eberwein, 2010). Conhecer
sumo de informação e aos esforços
da web 2.0 (Fengler et al, 2014). En-
o verdadeiro impacto desses instru-
para robustecimento de seus regimes
quanto os instrumentos de prestação
mentos e sua capacidade de substituir
democráticos. Embora haja iniciati-
de contas tradicionais (ombudsman
os mecanismos de intervenção política
vas difusas em Angola, Timor-Leste
offline, códigos de ética, cartas ao
e regulatória é essencial para avaliar
e Moçambique, pode-se afirmar com
editor) têm um impacto limitado na
até que ponto são úteis para preservar
alguma certeza que as disposições
prática profissional e pouco uso pelos
o pluralismo nos meios de comunica-
mais numerosas e amadurecidas de
cidadãos (Alsius e Salgado, 2010), o
ção. No momento em que se cria uma
prestação de contas e transparência
ambiente digital incentiva a criação
Rede Lusófona pela Qualidade da In-
midiática estejam entre brasileiros
de novas formas de transparência e
formação (RLQI) , dedicada a reunir
e portugueses. Ora estimuladas por
controle da qualidade da informação
esforços e experiências dos países de
órgãos de controle, como a Entidade
e permite que os cidadãos participem
língua portuguesa para aprimorar seu
Reguladora da Comunicação Social
1
e expressem sua opinião sobre os conteúdos da mídia. É essencial conhecer os sistemas que a mídia usa para dar conta de sua atividade. Esses sistemas são uma amostra de responsabilidade profissional e valorizam o papel dos cidadãos
(ERC) em Portugal, ora observáveis 1 A RLQI foi formalmente constituída em novembro de 2018 na Universidade de Coimbra (Portugal), e reúne órgãos classistas, pesquisadores acadêmicos, e entidades da comunicação dos nove territórios da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) para desenvolver estudos, promover eventos e incentivar o aprimoramento do jornalismo nessas localidades.
por empreendimentos mais pulverizados como observatórios de mídia, ombudsmans e ouvidores, e projetos de aperfeiçoamento empresarial ou corporativo, como o Programa de Auto-Regulação da brasileira
Associação Nacional dos Jornais
tradicionais e os criados com a expan-
Pompeu Fabra (Barcelona) trabalhou
(ANJ).
são da internet .
com diferentes grupos de pesquisa
2
Isso não quer dizer que tais rea-
Na sequência, para aprofundar
europeus. Em resposta ao incipiente
lidades tenham culturas estabeleci-
questões locais, os pesquisadores
desenvolvimento de sistemas inova-
das nas empresas e redações ou que
espanhóis iniciaram o projeto “Me-
dores, referências têm aparecido re-
haja consenso e naturalidade para
diaACES. Accountability y Culturas
centemente na Europa e nos Estados
expor as vísceras do sistema midiáti-
Periodísticas en España: Impacto y
Unidos, enaltecendo a internet como
co. Ainda há muito a se desenvolver
propuesta de buenas prácticas en los
ambiente importante para responsa-
nessa direção se o entendimento for
medios de comunicación españoles”.
bilizar os jornalistas (Domingo e Hei-
de que a transparência contribui para
A investigação se apoia na hipótese de
nonen, 2008; Eberwein, 2010; Fengler
o aumento não apenas da qualidade
que a cultura jornalística espanhola
et al, 2014). Na Espanha, são ainda
dos produtos e serviços, mas também
não responde a um único modelo de
escassas as contribuições sobre esta
na melhora da relação entre mídia e
sistema de meios – como apontavam
questão para além das abordagens de
público.
Hallin e Mancini (2004) –, daí a ne-
Herrera-Damas (2013) e do Grupo de
Para lançar um olhar rigoroso so-
cessidade de matizar tal classificação.
Pesquisa de Jornalismo da Universitat
bre as realidades múltiplas dos paí-
Foram investigados os instrumen-
Pompeu Fabra, por meio das pesquisas
ses lusófonos e contributivo para um
tos de prestação de contas tradicionais
de Mauri-Rios e Ramon-Vegas (2015)
diálogo, recorremos à experiência da
e os novos, desenvolvidos fora das
e Ramon-Vegas, Mauri-Ríos e Alcalá
Espanha, que apresenta duas condi-
redações, com foco no cumprimento
(2016).
ções oportunas: dispõe de um mercado
das funções próprias da mídia numa
Entretanto, é preciso reconhecer
mediático que dialoga principalmente
sociedade democrática (Rodríguez-
que já há uma relevante produção cien-
com o contexto português e acumula
-Martínez et al., 2013), como os con-
tífica dos dois projetos3, o que fertiliza
diversas pesquisas sobre accountabi-
selhos de informação (Suárez-Villegas,
lity. Entre 2010 e 2014, a Espanha
2015b) ou os blogs de crítica de mídia
fez parte do consórcio de 14 países
(Ramón-Vegas, Mauri-Ríos e Alcala,
para o projeto “MediaAct-Media Ac-
2016). No projeto, o Grupo de Pes-
countability Systems in Europe and
quisa em Jornalismo da Universitat
Beyond”, que, a partir da classificação dos modelos jornalísticos de Hallin e Mancini (2004), observou o impacto dos sistemas de prestação de contas
2 Dois importantes resultados do projeto podem ser conferidos em Eberwein, Fengler, Lauk e Leppik-Bork (2011) e em Eberwein, Fengler e Karmasin (2017).
3 São referências importantes os trabalhos de Alsius, Mauri-Ríos e Rodríguez-Martínez (2011); Rodríguez-Martínez, Figueras, Mauri-Ríos e Alsius (2013); Suárez-Villegas (2015); Mauri-Ríos e Ramón-Vegas (2015); Mauri-Ríos, Rodríguez-Martínez, Figueras-Maz e Fedele (2018); Ramón-Vegas, Mauri-Ríos e Alcalá (2016); Suárez-Villegas e Cruz Álvarez (2016); Suárez-Villegas, Rodríguez-Martínez, Mauri-Ríos e López-Meri (2017); Suárez-Villegas e Rodríguez-Martínez (2018).
93
Produzidos no âmbito das empresas ou grupos de mídia Auto-regulação: ombudsmans ou defensores dos leitores, livros de estilo, códigos internos, documentos que sinalizam as linhas editoriais, comitês profissionais, seções de recebimento de reclamações. Transparência: informações sobre dados corporativos. Participação: cartas ao diretor/editor, chamadas telefônicas, SMS. Quadro 1. Instrumentos tradicionais de
Produzidos fora das empresas ou grupos de mídia
prestação de contas
Auto-regulação: códigos de ética externos, conselhos de imprensa, treinamento.
Fonte: Elaboração própria a partir dos
Transparência: estudos de opinião e de mercado, crítica de mídia, publicações especializadas, academia.
resultados da pesquisa TRIP.
Participação: associações de espectadores.
nossa imaginação para identificar o
Catalunha, Galiza, Madrid, País Bas-
momento é identificar as experiências
que se pode avançar nos ecossiste-
co e Comunidade Valenciana).
múltiplas da Espanha no tocante à ac-
mas jornalísticos lusófonos a partir
A comparação dessas realida-
countability da mídia e percebermos
do que vimos na Espanha. Ainda que
des permite verificar se a realidade
como meios de comunicação, cidadãos
contemple uma realidade complexa,
comunicativa espanhola responde a
e jornalistas dos países lusófonos po-
dinâmica e distinta dos países falantes
uma única cultura midiática ou se
dem se valer de alguns dos conheci-
do português, o exemplo espanhol tem
apresenta nuances mais complexas.
mentos gerados.
aspectos oportunos a serem observa-
A pesquisa em andamento propõe a
Os instrumentos de responsabili-
dos e, em alguma medida, absorvíveis
elaboração de mapas que permitam
zação têm um impacto relativo entre
e adaptáveis. Até mesmo as falhas,
verificar a presença desses sistemas
os profissionais, mas uma influência
insuficiências e inconsistências já de-
de responsabilização em diferentes
muito considerável entre os cidadãos,
tectadas podem contribuir para ajustes
partes da Espanha, a análise de sua
o que poderia tornar seu propósito sem
nos instrumentos de accountability da
utilidade por profissionais e cidadãos,
efeito se eles não fossem acompanha-
mídia em língua portuguesa.
e o desenvolvimento de modelos que
dos de uma adequada literacia mediá-
permitam avaliar seu impacto e gerar
tica. Seria útil detectar, por exemplo,
Media Accountability na
boas práticas entre os profissionais de
se os cidadãos estão cientes desses
Espanha
comunicação.
mecanismos e se são suficientemente
Os dados a seguir são parciais
Como já sinalizamos, esta pesqui-
compreensíveis e amigáveis para se-
porque a pesquisa está em fase de
sa é baseada na hipótese de que a
rem usados e manejados. Esses ins-
desenvolvimento e porque nos concen-
cultura jornalística na Espanha não
trumentos são fundamentais para o
tramos em apresentar aqui apenas al-
responde a um único modelo de siste-
pluralismo e a transparência da mídia.
guns aspectos mais amplos do estudo.
ma de mídia. Segundo a classificação
A este respeito, será útil saber como
Ressaltamos que além dos esforços
de Hallin e Mancini (2004), a Espa-
o pluralismo e a transparência podem
realizados pelo Grupo de Pesquisa
nha faz parte do modelo mediterrâneo
ser fundamentados como dois critérios
em Jornalismo (GRP) da Universitat
ou pluralista polarizado. No entanto, a
básicos de responsabilização. Um dos
Pompeu Fabra, estão somados também
diversidade de culturas profissionais
objetivos do projeto que originou este
os resultados colhidos por outras uni-
existentes em diferentes territórios
artigo é justamente sugerir modelos
versidades espanholas para contrastar
pode matizar essa classificação. Não
de responsabilidade social da mídia,
a presença de novos instrumentos de
é propósito deste artigo enveredar por
elaborados de acordo com as diretrizes
accountability no país (na Andaluzia,
esta discussão embora ela seja seminal
que garantam e promovam os valores
para o projeto. Mais importante neste
da accountability.
No âmbito das empresas ou grupos de mídia · · · · · · ·
Blogs das redações. Blogs de jornalistas hospedados no site dos veículos. Ombudsmans online, chats e encontros digitais com os leitores. Contribuições dos usuários na criação de conteúdo. Botões de notificação de erro. Redes sociais e comentários. Instrumentos de transparência corporativa.
Fora das empresas ou grupos de mídia · · · · · ·
Observatórios e publicações eletrônicas de crítica de mídia. Sites de instituições e associações profissionais. Iniciativas particulares, como blogs de jornalistas ou comunicadores. Blogs de cidadãos ou acadêmicos. Redes sociais. Outros instrumentos conduzidos pelos cidadãos.
Quadro 2 - Instrumentos on line de prestação de contas
Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados da pesquisa TRIP.
Para observar os instrumentos de
Com relação ao domínio da inter-
mídia; descrição das especificações e
transparência e prestação de contas
net, tomando como ponto de partida
uso do instrumento; formas de partici-
dos meios na Espanha, recorremos a
a divisão em quatro níveis dos blogs
pação pública; e avaliação dos meca-
bases de pesquisas anteriores, como
de mídia feita por Domingo e Heino-
nismos de responsabilização.
a do projeto “Transparencia y Rendi-
nen (2008), foram seguidos quatro
Foram, então, identificados os ins-
miento de Cuentas en la Información
critérios para a seleção de blogs (os
trumentos de prestação de contas em
Periodística (TRIP)”, de 2013-2015.
três primeiros obrigatórios, o último,
diferentes comunidades autônomas es-
Embora existam inúmeras clas-
opcional se os três anteriores forem
panholas levando-se em consideração
sificações de instrumentos de res-
cumpridos). Assim, para fazer parte
sua condição (tradicional ou online)
ponsabilização, esta pesquisa se
dos instrumentos identificados, o tema
e seu ponto de origem (a partir das
concentra nos instrumentos de res-
principal do blog deveria ser ética jor-
redações e externamente a elas).
ponsabilização externos à mídia. A
nalística e/ou a supervisão do traba-
fim de elaborar a classificação uti-
lho de jornalistas e meios; a autoria
Queremos enfatizar as três dimen-
lizada neste trabalho, levamos em
do blog deveria estar relacionada à
sões com as quais trabalhamos para
conta, entre outros, a proposta de
profissão (blogs assinados por jorna-
identificar e classificar os instrumen-
Russ-Mohl (2003) e Fengler (2008),
listas, professores e/ou pesquisado-
tos de prestação de contas: Auto-regu-
que dividem instrumentos atuais de
res) ou instituições especializadas em
lação, Transparência e Participação.
accountability entre tradicionais
accountability (clubes de jornalistas,
Auto-regulação está relacionado às
(defensores do leitor, conselhos de
associações profissionais, sindicatos
normas ou diretrizes de conduta que
imprensa...) e inovadores (blogs de
de jornalistas); o blog deveria estar
a mídia e os jornalistas impõem como
editores, atividades de mídia em re-
ativo e as postagens serem publicadas
compromisso com o público, para
des sociais, etc.). Atenção também foi
com certa regularidade; o blog deveria
realizar uma comunicação rigorosa,
dada à classificação de Shoemaker
ter número significativo de assinantes
responsável e ética. Essas normas são
e Reese (1996), que distribuem os
e/ou seguidores nas redes sociais. Para
traduzidas e materializadas em instru-
instrumentos de acordo com níveis
a seleção e análise dos blogs, também
mentos criados pela mídia, por jorna-
de influência no jornalismo: indivi-
se levou em consideração o documento
listas ou por instituições jornalísticas
dual (blogs de jornalistas), prática
Best Practice Guidebook do MediaAct
para prestar contas ao público e à so-
profissional (conselhos de imprensa),
(Bichler et al., 2012), adaptado por
ciedade. A Transparência inclui a ne-
organizacionais (códigos de ética, de-
Mauri e Ramon (2015), no qual foi
cessidade dos meios de comunicação
fensores do leitor) e externos à mídia
feita uma codificação em categorias:
fornecerem informações empresariais
(redes sociais, blogs de cidadãos).
produção interna ou externa para a
sobre seus grupos, permitindo que o 95
Tabela 1. Principais instrumentos de prestação de contas frente aos cidadãos
Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados colhidos pela equipe.
Auto-regulação
Internos
Externos
# Ombudsmans # Livros de estilo # Códigos de ética internos # Estatutos de redação (documentos de linha editorial) # Comitês Profissionais
# Clubes de jornalistas # Códigos de ética externos # Conselhos de imprensa # Conselhos audiovisuais # Associações profissionais # Sindicatos profissionais
# Seções de reclamações Com intervenção profissional Transparência
Participação (interação com os cidadãos)
Transparência
Sem intervenção profissional Participação (interação com os cidadãos)
# Informações sobre dados corporativos do meio # Seção/área dedicada a relatórios sobre mídia # Site ou blog da direção da empresa
# Grupos de pesquisa acadêmica # Observatórios de mídia # Publicações especializadas # Estudos de mercado # Estudos de opinião # Redes de instituições, associações profissionais, escolas, sindicatos …
# Blogs de jornalistas hospedados no site do meio # Perfis oficiais do meio nas redes sociais
# Blogs externos de jornalistas
# Cartas ao diretor/editor # Chamadas telefônicas e SMS # Chats com leitores/audiência # Botões de notificação de erro
# Associações de espectadores # Associações de consumidores e usuários
# Seção de conteúdo elaborado por usuários # Blogs de cidadãos incluídos no site do meio
# Blogs externos de cidadãos # Críticas de usuários em redes sociais
público entenda princípios e processos
Cabo Verde, e São Tomé e Príncipe.
desafios, essas lacunas não interferem
editoriais, estrutura organizacional e
Desta forma, o mosaico multifacetado
tanto na leitura do quanto se pode ain-
situação financeira. A Participação en-
do mundo falado em língua portugue-
da evoluir. A apresentação dos resul-
globa as atividades que incentivam o
sa é, de origem, plural, dinâmico e
tados espanhóis serve, sobretudo, para
contato direto entre meios, profissio-
desigual. Comungar a mesma língua
um diálogo e para eventuais adaptações
nais e público, o que ajuda a facilitar
permite trocas simbólicas importantes
e apropriações pelos territórios lusófo-
uma participação ativa nos processos
e forte intercâmbio cultural, mas tal
nos. Muitas das práticas hispânicas são
de criação jornalística.
facilidade não faz desaparecer idios-
já observadas no Brasil e em Portugal,
sincrasias, passivos históricos, capa-
por exemplo, em diferentes graus de
cidades e potenciais próprios.
maturação. O que distingue a Espanha
Combinadas ou isoladas, essas categorias permitem não apenas ajudar a caracterizar os dispositivos de
A multiplicidade dos dispositivos
é um respeitável acumulado de pesqui-
accountability, mas também sinalizam
de accountability da mídia no contex-
sas e estudos sobre media accountabi-
vetores para seu aprofundamento e
to espanhol sinaliza a variedade das
lity, condição que os lusófonos muito
disseminação. Para o desenvolvimen-
possibilidades de abertura dos meios
bem poderiam reproduzir, ainda mais
to das paisagens e dos ecossistemas
de comunicação para a participação
com o surgimento da Rede Lusófona
mediáticos dos países lusófonos, tais
popular e o incentivo ao fortalecimento
pela Qualidade da Informação.
planos são úteis e bem-vindos.
e o florescimento da cidadania. Mostra
A Espanha é assimétrica, contradi-
também o quanto empresas de comu-
tória politicamente, e ainda persegue
Para concluir: desafios para
nicação e jornalistas podem horizon-
os ideais para consolidar sua jovem
os lusófonos
talizar suas relações com o que antes
democracia – com pouco mais de qua-
As assimetrias e as insuficiências
chamávamos de audiências e que se
tro décadas – e para se firmar entre as
são esperadas em contextos com alta
satisfaziam em meramente receber
mais prósperas economias europeias.
diversidade. É o que se percebe na
conteúdos.
No que tange às aspirações políticas,
Espanha, mas sobretudo no espaço
Os dados apresentados não permi-
coincide com os países lusófonos que
lusófono. Enquanto o Brasil tem um
tiram analisar os detalhes de consoli-
anseiam por mais democracia desde os
mercado consumidor de bens simbó-
dação dessas práticas nas culturas lo-
extertores do colonialismo do século
licos de 209 milhões de pessoas, a
cais espanholas, o que poderia indicar
XX. Essa coincidência pode sinali-
Guiné-Bissau não chega a ter 1% dis-
avanços, estagnações ou retrocessos em
zar caminhos mais bem pavimentados
so; as paisagens mediáticas de Portu-
termos de transparência e prestação de
para os territórios que ainda estão no
gal, Angola, Macau e Timor Leste são
contas. Como os países lusófonos, eles
início de suas jornadas de estabilidade
igualmente distintas de Moçambique,
mesmos, têm seus próprios (e muitos)
política. 97
A Espanha busca também modernizar seus pólos de produção jornalística e se inserir nos novos negócios da mídia. Os gestores das empresas de comunicação e os jornalistas são cobrados pelas camadas organizadas do público para que se abram à participação, à interatividade e à transparência. Em Portugal e Brasil, alguns atores se rendem a esses apelos, mas isso não é uma cultura consolidada e uniforme, uma regra de mercado ou uma prática corrente. Pesquisas como a MediaACT e a MediaACES são importantes para conhecer as realidades
A cultura jornalistica espanhola não responde a um único modelo de sistemas de meios – como apontaram Hallin e Mancini
mera existência de instrumentos não garante que haja um ambiente espontaneamente transparente, pró-ativo na prestação de contas e determinado à abertura ao público. Não existe um paraíso espanhol. Há resistências culturais e corporativas também, além de vácuos na participação. Os instrumentos são importantes, mas eles funcionam a partir de outros motores, como incentivos internos nas empresas, disposição e entusiasmo naturais ou assimilados, e esforços para o desenvolvimento e cultivo de uma atmosfera efetiva de accountability. Uma conjun-
locais e conceber e planejar políticas.
ção de forças facilita essa emergência,
No âmbito da lusofonia, poderiam ser
e elas são de caráter jurídico, político
propostas e desenvolvidas investiga-
e econômico. Assim, marcos regula-
ções amplas e cooperativas. Imaginar
tórios que encorajem a transparência
que os lusófonos africanos possam fa-
(e eventualmente punam a opacidade
zer comparativos com seus vizinhos
das empresas), agentes econômicos que
continentais, ou o mesmo com Macau e
invistam na abertura das corporações,
Timor Leste na Ásia, é entusiasmante.
e movimentos organizados que ajudem
A recém-lançada Rede Lusófona pela
a consolidar regimes de estabilidade
Qualidade da Informação (RLQI) po-
política e cultura democrática são
deria auxiliar em esforços deste tipo.
necessários para que a prestação de
A variedade do cenário espanhol
contas e a transparência convertam-se
demonstra riqueza de oportunidades
em práticas correntes e duradouras.
no aprofundamento do relacionamento
Uma agenda para o espaço lusó-
entre meios, profissionais e sociedade.
fono para aperfeiçoar e aprofundar a
Mas é necessário frisar sempre que a
transparência e a prestação de contas
da mídia passa inevitavelmente por
Bertrand, C.-J. (2002). O Arsenal da
In T. Eberwein, & D. Müller, (Eds),
consolidar mercados produtores e
Democracia:Sistemas de responsa-
Journalismus und Öffentlichkeit.
consumidores de informação em cada
bilização da mídia. Bauru: EdUSC.
Wiesbaden: Verlag.
país, por fortalecer os regimes de es-
Bowles, N., Hamilton, J.T. & Levy, D.A.L.
Eberwein, T., Fengler, S. Karmasin, M.
tabilidade política, com alternância
(Eds.) (2014). Transparency in Poli-
(2017). The European Handbook of
de poder e direção democrática, e por
tics and the Media. Accountability
Media Accountability. London: Sage.
enaltecer as demandas dos públicos e
and open government. London: I.B.
Eberwein, T.; Fengler, S., Lauk, E. & Lep-
das cidadanias. Alguns lusófonos pre-
Tauris
pik-Bork, T. (Eds.) (2011). Mapping
cisam também desenvolver condições
Christians, C. G., Glasser, T. L., Nordens-
Media Accountability – in Europe
de base para alguns instrumentos de
treng, K. & White, R.A. (2009).
and Beyond. Colônia: Herbert Von
accountability mais simples, fortalecer
Normative Theories of the Media.
Halem Verlag.
os já existentes e desenvolver sistemas
Urbana: University of Illinois Press.
Fengler, S. (2008). Media journalism and
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Lucas Henrique Nigri Veloso lucasnveloso@gmail.com Universidade Federal de Minas Gerais
Abundância Comunicativa, Ângela Cristina Salgueiro Marques Escassez da Política? https://orcid.org/0000-0002-9688-7819
angelasalgueiro@gmail.com
Desafios À Democracia na Era do Monitoramento1 Communicative Abundance, Political Scarcity? Challenges To Democracy in The Monitoring Era
Universidade Federal de Minas Gerais https://orcid.org/0000-0002-2253-0374
Ricardo Fabrino Mendonça ricardofabrino@hotmail.com Universidade Federal de Minas Gerais https://orcid.org/0000-0002-7754-3359
https://doi.org/10.14195/2183-6019_9_7
Resumo
Abstract
O artigo apresenta uma reflexão teórico-
This article presents a theoretical-
-analítica acerca de relações estabeleci-
-analytical ref lection on the rela-
das entre democracias ocidentais, era de
tionships between Western democracies,
abundância comunicativa e contempo-
the era of communicative abundance,
râneos modos de sociabilidade política.
and contemporary modes of political
Se por um lado processos globais de
sociability. While, on the one hand,
democratização da informação e pro-
the global processes of democratization
liferação de instituições e mecanismos
of information and the proliferation of
de monitoramento político nos permi-
institutions and mechanisms of poli-
tem afirmar sobre um “empoderamento”
tical monitoring allow us to assert an
do demos e consequente vitalidade das
«empowerment» of the demos and the
democracias ocidentais, por outro ates-
consequent vitality of Western democra-
tamos que uma possível hipertrofia ou
cies, on the other hand we attest that a
monopólio da prática política monitória
possible hypertrophy or the monopoly of
também pode produzir efeitos adversos
monitorial political practices can produ-
às próprias democracias, como retorno
ce adverse effects on democracies, such
de populismos totalitários. A partir do
as the return of totalitarian populism.
desenvolvimento de tal panorama, apre-
In view of this scenario, we present an
sentamos por fim uma reflexão ética que,
ethical reflection that, besides emphasi-
com especial ênfase aos campos da co-
zing the fields of social communication
municação social e jornalismo, nos con-
and journalism, calls attention to the
voca ao cultivo de significantes, práticas
cultivation of signifiers, practices, and
e potências políticas outras para além do
political powers beyond monitoring, es-
monitoramento; sobretudo aquelas que
pecially those aiming at the production
visam a produção de “comuns” outros
of a «common» other, more egalitarian,
mais igualitários, mais democráticos.
more democratic.
Palavras-chave: Crise da democracia;
Keywords: Crisis of democracy; commu-
comunicação; populismo; John Keane;
nication; populism; John Keane; Pierre
Pierre Rosanvallon.
Rosanvallon.
1
A realização da pesquisa da qual se origina este artigo recebeu apoio do CNPq e da FAPEMIG.
101
Introdução
digital nos despertem grande otimismo
em vista sua contribuição positiva para
De acordo com dados produzidos
no que diz respeito suas contribui-
com processos globais de democrati-
pela plataforma Internet World Stats,
ções para com os processos globais de
zação da informação e conhecimento,
no ano de 2018 pelo menos 55,1%
democratização da informação e co-
deve ser qualificada como de suma
da população mundial possuiu al-
nhecimento. Mas seria seguro afirmar
importância ao enfrentamento de largo
gum tipo de acesso à rede mundial de
que tal abundância comunicativa tam-
espectro de desigualdades econômi-
computadores (Internet World Stats,
bém está promovendo democracias de
cas e sociais (Delanty, 2001; Keane,
2019). Mesmo quando consideramos
maior qualidade e vitalidade política?
2013; Piketty, 2014). Por outro lado,
contextos marcados por múltiplas e
O exame das democracias ociden-
as formas de sociabilidade contempo-
intensas desigualdades, a supracitada
tais a partir de uma reflexão sobre
rânea, alimentadas e alimentadoras
pesquisa afirma que 67,2% e 36,1%
a contemporânea era de abundância
desta era de abundância comunicativa,
das populações da América Latina e
comunicativa, haja vista a abrangên-
parecem também se relacionar, de for-
África possuíram algum tipo de co-
cia e complexidade do tema, é uma
ma perversa, para com dinâmicas de
nexão às mídias digitais e internet
tarefa que poderia se iniciar por vá-
desencanto e desconfiança para com
no ano de 2018; estatística que nos
rias vias de entrada. Por efeito, tais
a política, políticos e as próprias de-
afirma sobre a existência de uma maior
percursos de análise poderiam nos
mocracias; muitas das vezes, também
probabilidade de grande parte destas
fornecer proposições e panoramas
relacionadas para com a emergência
populações acessarem redes digitais
menos ou mais promissores acerca das
de novos populismos de características
do que água, esgoto e serviços de aten-
qualidades das políticas produzidas
totalitárias e/ou xenofóbicas (Dean,
ção médica básica (Kreutzer, 2009).
tanto em territórios específicos como
2009; Rancière, 1995; Rosanvallon,
Tendo em vista este breve panorama,
aqueles cuja escala atravessa nossa
2008).
não nos espantam pesquisas que
cosmopolis global. Talvez por esse mo-
Tendo em vista a problemática
atestam que a produção de dados via
tivo, a partir de revisão bibliográfica,
construída e brevemente apresenta-
internet já alcança um volume de 2,5
identificamos um aparente dissenso
da, o artigo analisa relações de apa-
quintilhões de bytes diários no mundo,
entre pesquisadores dedicados à aná-
rente complementaridade e oposição
sendo a tendência deste volume dobrar
lise da questão supracitada que nos
que modos de sociabilidade política
a cada dois anos (Cukier & Mayer-
desperta a atenção e ímpeto reflexivo.
vigentes em democracias ociden-
-Schoenberger, 2013). Nesse sentido,
Por um lado, parece irrefutável que a
tais têm estabelecido com a era de
é justificável que a inédita escala de
proliferação de usuários, mediadores
abundância comunicativa. A partir
acesso, uso e produção de artefatos,
e mediações articulados à sistemas
deste movimento almejamos, para
mídias e conteúdos de comunicação
digitais integrados via internet, tendo
além de mapear possíveis vetores de
contribuição e ameaça às democracias
maior capacidade de vigiar, constran-
política democrática que é exercida
ocidentais, realizar uma reflexão ética
ger e denunciar atores, instituições
por seus cidadãos. Ao conjunto destas
de cunho propositivo que se reporta ao
e representantes eleitos em ilegítimo
experiências e práticas de perpétuo
passo analítico anterior. Para atingir
exercício de poder. A análise destas
criticismo, reatividade e baixo grau
tal objetivo, nossa análise é operacio-
e outras proposições, procurando ga-
propositivo, o autor as agrega sob o
nalizada a partir de um diálogo com
rantir especial ênfase aos campos de
conceito de “contra políticas”, sendo
dissidências entre dois pesquisado-
atuação da comunicação social e jor-
estas potencialmente instauradoras
res que possuem expressiva pesquisa
nalismo, nos fornecerá insumos tanto
de fenômenos ou mesmo culturas de
acerca do objeto de nossa investigação:
para compreender em que sentidos
“contra democracias”. Ainda, a baixa
o cientista político John Keane e o
John Keane sustenta uma perspectiva
responsividade dos governantes peran-
historiador da política Pierre Rosan-
otimista para com as relações que
te aos clamores dos “cidadãos monito-
vallon,
se estabelecem entre abundância co-
res”, situação que é muitas das vezes
Primeiramente, ao mobilizar o
municativa e “democracia monitória”
efeito da própria abundância e impro-
pensamento do cientista político John
quanto para identificar e ponderar
cessável volume de ações “contra po-
Keane (2013), definimos o conceito
sobre ameaças e desafios que também
líticas”, ao gerar maior frustração, de-
de abundância comunicativa e o rela-
são efeito desta relação.
sencanto e desconfiança para e entre
cionamos para com o processo global,
Na segunda parte do artigo, convo-
os primeiros, não apenas acabaria por
ainda que diferenciado, de democra-
camos o historiador da política Pierre
esgotar possibilidades e modos outros
tização da informação. A partir de
Rosanvallon (2008) ao debate a fim
de se agir coletivamente com vistas
tal movimento, procuramos verificar
de nos fornecer perspectivas outras
a produção de “comuns” outros mais
como o autor sustenta a afirmativa de
sobre relações estabelecidas entre
democráticos, mas também criaria
que a multiplicação e cristalização
abundância comunicativa, democra-
condições de possibilidade para uma
de atores, instituições e práticas so-
cias ocidentais e práticas políticas
trágica (re)emergência de populismos
ciais de monitoramento político via
de monitoramento. Do ponto de vista
totalitários e/ou xenofóbicos. Neste
mídias digitais criou condições de
de Rosanvallon, o cultivo intensivo
sentido, a abundância comunicativa
possibilidade para que as democra-
ou mesmo monocultura de atores e
e a “democracia monitória”, do ponto
cias ocidentais sejam melhor qualifi-
práticas políticas de monitoramento
de vista de Rosanvallon, também po-
cadas enquanto “democracias moni-
nas democracias ocidentais pode pro-
deriam ser avaliados sobre o prisma
tórias”; qualificadas sobretudo pelo
duzir efeitos perversos e indesejados
das crises das democracias ocidentais
maior “empoderamento” de cidadãos
às próprias democracias ao limitar o
que testemunhamos em nosso contem-
e grupos minoritários haja vista sua
espectro de significações e práticas da
porâneo. 103
A construção do diálogo dissidente
também almeja inspirar futuros diálo-
multinterativos com custos espaciais,
que acima introduzimos e que desen-
gos e/ou recortes e imersões empíricas
temporais e econômicos progressiva-
volvemos ao longo deste artigo possui
acerca das questões abordadas.
mente menores (Keane, 2013, p.18).
como custo a impossibilidade de se
Por fim, o artigo convida a refletir,
De acordo com o Keane, um dos
considerar de forma detida toda uma
seja enquanto cidadãos, seja enquanto
efeitos mais expressivos da era de
extensa e importante bibliografia que
atores dos campos acadêmicos e/ou
abundância comunicativa poderia
se dedica ao exame das crises contem-
jornalísticos, sobre a urgente necessi-
ser verificado na flexibilização ou até
porâneas das democracias ocidentais
dade de se resgatar e atualizar signifi-
mesmo inversão da estrutura comuni-
e suas interfaces para com atores, ins-
cantes outros da política democrática
cacional vigente na famigerada era dos
tituições e tecnologias da informação
para além da legítima capacidade mo-
“media de massa”. Se até pelo menos
e comunicação (Brennan, 2016; Cha-
nitória; estes que nos permitam propor
as últimas décadas do século XX o
dwick, 2013; Dahlgren, 2013; Dean,
e produzir éticas, mídias e “comuns”
fluxo de informações instaurados pelos
2009; Dobson, 2014; Green, 2010;
outros mais igualiatários, mais demo-
“medias de massa” necessariamente
Runciman, 2018; Levitsky, s. & Ziblat,
cráticos.
partiam de um ponto para que assim
d., 2018); também aquelas que se de-
fossem distribuídos para milhões de
dicam especialmente à análises que
Abundância comunicativa
outros, ou seja, de um ponto emis-
relacionam a questão anterior com o
democratização
sor para n receptores (one-to-many),
campo e prática do jornalismo contem-
da informação
vigora hoje a possibilidade de que
porâneo (Engesser et al., 2017; Ferrei-
e democracia monitória
quaisquer pontos outrora classificados
ra, 2018; McDevitt & Ferrucci, 2018;
A era de abundância comunicativa é
como receptores tornem-se emissores
Silverman, 2016; White, 2017). Sem
definida pelo cientista político John Kea-
de dados e informações para os de-
embargo, acreditamos que o alcance,
ne como um período revolucionário em
mais (many-to-many). Por efeito, po-
abrangência e urgência da discussão
que sistemas mundiais de media devices
deríamos afirmar que um dos traços
proposta, aliada a qualidade e hetero-
(computadores, smartphones, tablets) in-
definidos da era de abundância comu-
geneidade das pesquisas, dados, argu-
tegrados via internet possibilitam que
nicativa é um exponencial aumento
mentos e proposições produzidos por
pessoas e populações distribuídas por
da capacidade de escolha individual
Keane e Rosanvallon, garante potente
todo planeta, ainda que atravessadas
sobre a forma (como, quando e onde),
rendimento da questão de trabalho pro-
por assimétricas desigualdades sociais,
conteúdo (o quê) e sentido (de quem,
posta e possibilidade de construção de
acessem e armazenem, produzam e re-
para quem) do ato de se comunicar e
pontes para com outras pesquisas e
produzam um volume inédito e quase
informar. Mas que relações esta revo-
pesquisadores. Nesse sentido, o artigo
ilimitado de dados multissensoriais e
lução informacional e comunicacional
tem estabelecido para com as democracias ocidentais e o que seus efeitos derivados nos revelam? A era da abundância comunicativa, fomentada e fomentadora de múltiplos modos de sociabilidade entre indivíduos, grupos e instituições que
O monitoramento digital é também uma modalidade de poder
produção, por consequência da vigente e ampla possibilidade dos antigos consumidores “passivos” se tornarem “ativos” produtores de informações e, assim, retroalimentarem o fluxo comunicacional many-to-many. O atestado de um processo global
derivam das relações que estes estabe-
de proliferação de acesso, consumo
lecem a partir de seus media devices,
e produção de dados e informações
têm criado condições de possibilidade
multissensoriais, temáticas e intera-
para uma intensificação do processo
tivas via mediações digitais talvez nos
histórico e globalmente diferenciado
permitiria afirmar que as sociedades
de democratização da informação.
abundantes em media devices nun-
Essa proposição é defendida por Kea-
ca foram tão democráticas. Tal pro-
ne a partir da identificação de pelo
posição poderia ser justificada pela
menos três estruturas de privilégio ou
inegável possibilidade de controle e
“tiranias” comunicacionais que têm
contestação política que cidadãos hoje
sido processualmente atenuadas ou
experimentam e/ou exercem perante à
desmanteladas em contextos ociden-
representantes eleitos, grandes corpo-
tais (Keane, 2013, p.25-26): a) “tira-
rações ou outros grupos da sociedade
nia” da distância, uma vez que bancos
civil em posição assimétrica de poder
de dados e fluxos comunicacionais têm
a partir dos media de comunicação
sido principalmente produzidos e re-
digital e suas potências de monitora-
produzidos, como no caso de acervos
mento, denúncia e luta política. Não
de museus, bibliotecas e universida-
seriam estas possibilidades de contro-
des, em dimensões digitais; b) “tira-
le e contestação do poder princípios
nia” do uso, tendo em vista a ampla
fundantes e compromissos da demo-
redução dos custos para se acessar e/
cracia representativa para com o povo
ou possuir um media device e assim se
ou demos? Por outro lado, se todos
conectar a seus recursos e conteúdos,
somos demos e temos a possibilidade
sobretudo via internet; c) “tirania” da
de nos fazer lidos, vistos e/ou ouvidos 105
politicamente pelo Estado, justiça e/
menos ou mais intencional, algum tipo
regimes de percepção e valoração que
ou sociedade civil generalizada, ain-
de feedback para o self: visualização,
é vigente num dado território. Acre-
da que por mediações digitais, o que
leitura, resposta, identificação entre
ditamos não ser necessário recorrer a
justificaria hierarquias e assimetrias
alguns e/ou demarcação de diferenças
literatura específica que associa pro-
na capacidade de alguns cidadãos
para com outros. Ainda, com o clique
cessos de reconhecimento intersub-
serem de fato reconhecidos ou ne-
de uma câmera, aquilo que em outros
jetivo tanto como pilares materiais,
gligenciados, protegidos ou deixados
períodos históricos fora considerado
afetivos e simbólicos necesssários a
para morrer? Tentaremos abordar tal
como impublicável ou restrito a esfera
auto-realização e auto-determinação
questão, ainda que de forma parcial
do privado pode vir instantaneamente
cidadã de um dado self, como também
e incompleta, nos delimitando aqui
a tornar-se público e, assim, disputar
às lutas coletivas e movimentos sociais
a análise de alguns dos ganhos, pro-
visualizações, comentários, likes, pa-
que almejam justiça social (Honneth,
messas e limitações que o processo de
trocínios, dentre outras modalidades
2013; Honneth & Anderson, 2011).
democratização da informação oferece
de reconhecimento intersubjetivo.
Assim sendo, nos parece seguro afir-
às próprias democracias ocidentais .
Ainda, da forma como a arquitetura
mar que a era de abundância comu-
A partir de interações media-
de grande parte dos sites, aplicativos
nicativa possui potência política pre-
das digitalmente, indivíduos e grupos
e redes sociais encontra-se estrutu-
ciosa no que tange a busca pela plena
diversos, como por exemplo aqueles
rada, tal feedback interacional possui
realização das democracias ocidentais
atuantes nas redes sociais, podem pro-
amplo potencial de ganhos de capital
e da condição cidadã de suas popula-
duzir narrativas de si mesmos para
social, simbólico, afetivo, econômico e
ções. Entretanto, também é certo que
audiências potencialmente ilimitadas
político de forma quase instantânea.
processos, lutas ou mesmo gestos que
e transnacionais, expressando assim
As promessas e potências do cir-
almejam reconhecimento intersubjeti-
valores, identidades, interesses, ex-
cuito de reconhecimento intersubjetivo
vo também são atravessadas por cer-
pectativas, capacidades e/ou opres-
brevemente exposto acima é motivo
tos paradoxos e efeitos adversos que
sões experienciadas em seu cotidiano
para que racionalidades, corpos e mo-
podem aprofundar às próprias vulne-
a partir das mais distintas modali-
dos de existência marginais e margina-
rabilidades simbólicas, corpóreas e
dades e gêneros textuais, sonoros e
lizados também disputem, ainda que
existenciais que justamente motivam
imagéticos (Keane, 2013, p.34-35).
assimetricamente, a oportunidade de
tais ações (Butler, 2004, 2009; Cole,
Sob a ótica do psicólogo social Geor-
tornarem-se reconhecidos pelo ecos-
2016; Mackenzie, 2014). Por estes e
ge H. Mead (1972), por exemplo, tal
sistema digital; quem sabe até escapar
outros motivos, há de se considerar
exposição de si, inevitavelmente di-
e até mesmo transformar uma desigual
importantes riscos que esta ampla po-
recionada a alguém, busca, de forma
e muitas das vezes violenta partilha de
tência de reconhecibilidade oferece
aos próprios cidadãos de democracias
privacidades que se encontram atual-
(registros de navegação, cookies ocul-
ocidentais.
mente ameaçadas por poderosos atores,
tos, backdoors e blackboxes). O moni-
Toda a estrutura ou circuito intera-
instiuições, dispositivos, softwares e al-
toramento digital, portanto, não pode
tivo-comunicacional de reconhecimento
gorítimos digitais que se aproveitam de
ser entendido em certos contextos ou
intersubjetivo que acima apresentamos
vulnerabilidades alheias.
situações simplesmente como uma ca-
como vigente na era de abundância
Nos termos da era do “Big Data”, é
pacidade tecnológica, mas como uma
comunicativa depende, dentre outras
explícita a assimetria de capacidades
modalidade de poder que é assimetri-
coisas, que indivíduos e/ou instituições
que se manifesta entre indivíduos e ins-
camente colocada em prática.
conectados via media devices monitorem
tituições no que tange a “mineração”
Muitos dos dispositivos tecnoló-
uns aos outros de forma instantânea,
e/ou coleta, armazenamento e proces-
gicos e dinâmicas de sociabilidade
extensiva e praticamente ininterrupta.
samento de notícias, denúncias, rela-
que operam na era de abundância
Por efeito, em alguma medida, todos
tórios, pesquisas, indicadores, mensa-
comunicativa têm criado urgências
temos nos tornado cidadãos monitores
gens ou mesmo cookies, menos ou mais
e condições de possibilidade para a
e monitorados; ainda que com capa-
explícitos, dispersos e/ou ocultados no
emergência de complexas disputas
cidades de monitoramento cada vez
complexo, híbrido e abundante banco
pelo limitar e exercer de poder monitor
mais assimetricamente distribuídas e
de dados digital que forma a internet
entre cidadãos, grupos e/ou institui-
exercidas. De acordo com Keane (2013,
(Cukier & Mayer-Schoenberger, 2013).
ções. Tais processos políticos têm pro-
p.38), grupos e até mesmo instituições
Foi-se o tempo em que somente os fa-
duzido grandes impactos e alterações
qualificadas como “arautos da privaci-
migerados hackers eram enquadrados
nos campos de força que atravessam
dade” têm adotado uma postura bastante
enquanto aproveitadores de vulnerabi-
e compõem as democracias represen-
crítica com relação a estas assimétricas
lidades dos usuários das redes digitais.
tativas, haja vista que a produção de
capacidades de monitoramento. Para
Cada vez mais corporações e Estados
fatos, narrativas e enquadramentos
estes críticos, as tecnologias de comu-
encontram-se envolvidos em contro-
de acontecimentos cotidianos como
nicação digital integradas via internet
vérsias e escândalos sobre usos inde-
politizáveis ou de relevância política
devem ser consideradas como “espadas
vidos ou mesmo ilegais de dados que
possuem, ainda que reativamente, a
de dupla lâmina”: se podemos atestar
os próprios usuários das redes digitais
potência de influenciar à conduta e
grandes potências e ganhos no comba-
produzem sobre si mesmos a partir de
tomada de decisões não apenas de
te de desigualdades sociais e políticas
suas interações via media devices, seja
representantes eleitos, mas também
graças a abundância de acesso e uso
de forma mais explícita e/ou deliberada
de instituições e/ou atores que com-
de media devices integrados, também
(redes sociais, comentários em páginas
põem a própria sociedade civil (Kea-
devemos estar alertas para as diversas
de notícias, formulários digitais) ou não
ne, 2013, p.46). Assim, compreender 107
as dinâmicas e traçar os diagramas dos vetores de poder monitório nos exige um complexo mapeamento de de atores e instituições que também competem entre si enquanto legítimos monitores do Estado e sociedade civil; situação esta que, cabe ressaltar, tem produzido intensas transformações nas estruturas normativas e práticas do fazer jornalístico. No que tange o campo de produção jornalística, Keane nos indica metamorfoses ou mesmo cristalizações de progressivas transformações que são efeito da adequação institucio-
Para se pensar outras possíveis democracias é necessário abundância de racionalidades, signos e materialidades
e compartihamentos e outras métricas de aferir valor de publicidade digital. Esta situação pode ser verificada, por exemplo, nas coberturas jornalísticas do cotidiano, espaço público e/ou política: ao almejarem a produção ininterrupta de histórias news-breaking ou do gênero “flagrante”, como no caso de acidentes, crimes, escândalos de corrupção e crise política, o trabalho e investimento de recursos necessários para garantir um mínimo de atendimento aos compromissos de apuração de fatos e objetividade jornalística não são, muitas das vezes, sequer consi-
nal e produtiva aos arranjos sócio-
derados por ser entendidos apenas
-políticos que se apresentam nesta
como custos, não compromissos ou
era de abundância comunicativa. A
investimentos (Keane, 2013, p.48;66).
partir das relações estabelecidas entre
De outro modo, os modelos de jor-
jornalismo e os global media conglo-
nalismo que têm se cristalizado na era
merates, por exemplo, é identificado
de abundância comunicativa também
pelo autor como tendência generali-
possuem importantes potências de
zada a priorização da produção e re-
contribuição positiva às democracias
produção de notícias e publicações em
ocidentais no que diz respeito às suas
meio de circulação digital que alme-
amplas capacidades de disseminar e
jam a maximização de rentabilidade
fazer reverberar globalmente denún-
com publicidade. Por consequência,
cias de desigualdades, opressões e
quedas na diversidade, qualidade e
violências sociais localizadas. Inves-
mesmo confiança dos produtos jor-
tigações e matérias acerca de práti-
nalísticos são justificados como em
cas de injustiça para com minorias
favor de mais cliques, visualizações
oprimidas por relações de poder num
dado contexto ou território, quando
e contestação de poder ilegítimo ou
grandes conglomerados midiáticos e
realizadas por grandes conglomerados
injusto (Keane, 2013, p.71-75).
jornalísticos, devem ser considerados
jornalísticos, por exemplo, possuem
Os recursos, conexões e até mes-
como cada vez mais importantes ato-
grande possibilidade de reverberação
mo a expertise de monitoramento que
res políticos nas redes, configurações,
global e, assim, produzir movimen-
caracteriza instituições como a de
jogos de poder e influência que for-
tos de comoção e contestação política
produção jornalística tendem a con-
mam o complexo rizoma político do
transnacional. Por efeito, tal potência
tribuir para que seus atores ocupem
contemporâneo.
política do jornalismo contemporâneo,
importantes posições de poder nas
A era de abundância comunicati-
que é efeito de sua articulação para
dinâmicas políticas das democracias
va e sua vinculação para com os pro-
com as redes globais de comunica-
ocidentais. Por exemplo, estratégias
cessos globais de democratização da
ção digital, se relacionam para com a
de captura e posterior vazamento de
informação, ainda que o mapeamento
emergência dos importantes “públicos
dados e informações preciosas de
e análise dos efeitos derivados desta
transnacionais”1: agregados políticos
indivíduos e instituições em posição
relação não tenham sido esgotados tan-
que, empáticos à causas para além de
assimétrica de poder - prática conhe-
to por nós como por Keane, garantem
seus territórios, podem vir a ser forma-
cida no jornalismo como muckraking
insumos para que o autor nos afirme
dos e/ou acionados a fim de contribuir
- cria condições de possibilidade para
que testemunhamos uma importante
para com uma dada situação social
que atores do campo do jornalismo,
metamorfose ou transição de fases nas
de injustiça a partir do fornecimento
em graus variados, se tornem temi-
democracias ocidentais (Keane, 2013,
de recursos, circulação e comparti-
dos vetores políticos. Seja por parte de
p.75-86). A tese de que nos encon-
lhamento de notícias ou até mesmo
governantes eleitos, seja por parte de
tramos em “democracias monitórias”
inspirando estratégias de resistência
grandes CEOs empresariais, a ativi-
nos exige alargar conceituações que
1 Ao verificarmos outros exemplos de “públicos transnacionais”, como as instituições BirdLife International and the World Glacier Monitoring Service que se dedicam ao escrutínio da ação humana sobre à biosfera terrestre, é de se destacar sua grande heterogeneidade no que tange a seus modos de estruturação, causas e escalas de atuação; situação que nos impede de aprofundar sobre estes importantes agentes políticos do contemporâneo neste ocasião. (KEANE, 2013, p.82)
dade contemporânea de muckraking é
insistem em reiterar que democracias
composta tanto por práticas que visam
são sistemas políticos cuja distribui-
o controle democrático dos poderosos
ção de poder político se dá sobretu-
como de outras que visam ganhos de
do a partir de eleições livres e justas
capital (econômico, político, simbóli-
de representantes pelo voto popular;
co) oriundo daqueles que se encontram
ainda que não sejam ou devam ser
ameaçados de indesejada exposição
entendidas como menos que isso. Em
pública. Por este motivo, Keane afirma
escala global, agentes e instituições
que agentes e mecanismos de moni-
“monitores do poder”, tal como abor-
toramento, com especial destaque aos
damos brevemente neste artigo, têm 109
se tornado cada vez mais poderosos
por exemplo (como vimos), na am-
naturalizadas que ocultam intenções e
atores políticos graças às suas capaci-
pliação das distâncias de poder
fins políticos opostos a ideais e códigos
dades de influenciar eleições, agendas
entre os ricos e os pobres em ter-
democráticos. Não obstante, este mes-
e/ou tomadas de decisões de partidos
mos de media, estes vistos como
mo processo de intensificação de sus-
e representantes eleitos. Não que tais
quase desnecessários comunica-
peita que hoje vigora em “democracias
dinâmicas sejam inéditas nos regi-
dores ou consumidores de produ-
monitórias” também não produziria,
mes políticos ocidentais; inéditas são
tos de midiáticos, simplesmente
como duplo efeito, uma generalizada
a escala, volume e complexidade de
porque não têm poder de compra
instituição de desconfiança e desen-
agenciamentos e atuações de agentes
de mercado. (…) No entanto, o
canto por parte dos cidadãos perante
interessados no exercício contemporâ-
ponto fundamental permanece:
a própria política democrática? Uma
neo do poder monitor. Ainda, a proli-
quando visto do ponto de vista
possível hipertrofia e/ou monocultura
feração de monitores e mecanismos de
da democracia monitora e seu
de práticas políticas de monitoramento
monitoramento também introduz consi-
futuro, o advento da abundância
poderiam representar algum tipo de
derável diferença nos arranjos e jogos
comunicativa deve ser considerado
ameaça as próprias democracias?
políticos de uma democracia graças a
como um desenvolvimento muito
capacidade de exposição pública de re-
bem-vindo (KEANE, 2013, p.102,
Institucionalização
lações institucionais e/ou corporativas
nossa tradução).
da desconfiança, contra-democracia
injustas, ilícitas e/ou cuja publicidade
e escassez da política
era indesejada e que, muitas das vezes,
Entre ganhos e esperanças, con-
operam por baixo, entre e para além de
tradições e desapontamentos que atra-
Quando verificamos resultados
territórios e Estados nacionais. Com a
vessam a expectativa de futuro para
de pesquisas como a Digital News
multiplicação de pesos e contrapesos
as “democracias monitórias”, Keane
Report 2017, promovida pelo Reuters
informacionais, Keane espera que se
(2013, p.106-107) aposta que, no longo
Institute, atestamos que nos EUA e no
promova democracias de maior quali-
prazo, a grande diversidade de produ-
Brasil respectivamente 51% e 66%
dade no que tange ao “empoderamento”
tores, produções e produtos midiáticos
dos entrevistados utilizam redes so-
do grande monitor: o demos. Fomen-
que caracteriza a era de abundância
ciais e/ou aplicativos relacionados
tando tais esperanças, o autor conclui
comunicativa contribuirá positivamente
para o consumo de notícias; situação
que a era de abundância comunicativa,
para com as democracias ocidentais
que aponta para um deslocamento da
tanto por fomentar culturas cívicas plu-
posição dos “medias tradicionais” en-
(...) na verdade, produz muitas
ralistas quanto por alimentar o senso
quanto principais “caixas de resso-
contradições e desapontamentos,
de suspeita cidadão perante “verdades”
nância” de temas políticos perante a
sociedade civil (Newman et al., 2017,
os fatos são importantes para a
arquiteturas e/ou algorítimos de uma
pp. 10-11). A ampliação da produção,
democracia e que as pessoas que-
página ou rede social em questão, a
disponibilidade e meios de acesso de
rem estar bem informadas quando
cultura política que vêm se cristali-
informações políticas por parte dos ci-
convocadas para tomar decisões
zando nas democracias ocidentais é o
dadãos nos indicam uma certa “saúde”
com potencial de mudar suas vidas
de exclusivo consumo e compartilha-
da democracia, principalmente no que
(White, 2017, p. 14)
mento de notícias que já sustentam po-
se refere aos processos de democrati-
sições políticas prévias dos cidadãos.
zação de informação. Entrementes, a
Como nos coloca Ferreira (2018),
Para Ferreira, a relação entre o cresci-
multiplicação de atores e instituições
é certo que mesmo os “media tra-
mento das fake news e a formação de
midiáticas das mais diversas, princi-
dicionais” nunca foram plenamente
“bolhas” ideológicas nas redes sociais
palmente movidas pela tendência de
considerados como “fiéis arautos” da
“sugere que os usuários estariam me-
maximização de rentabilidade publici-
“verdade”, haja vista a difícil ou im-
nos propensos a receber informações
tária e minimização de investimentos
provável separabilidade de interesses
verdadeiras que possam condenar um
relacionados ao atendimento de prin-
políticos e econômicos da prática jor-
artigo ideologicamente alinhado (...)”
cípios normativos do jornalismo, como
nalística. Todavia, para além de uma
(Ferreira, 2018, , p.140;145).
a apuração de notícias, cria condições
possível culpabilização do jornalismo
Ainda que não seja o escopo des-
para uma grave onda global de produ-
e outras instituições midiáticas pelo
te artigo discorrer sobre a complexa
ção e consumo das famigeradas fake
fenômeno das fake news, a novidade
questão das fake news e suas relações
news: notícias que têm como objetivo
que o contexto contemporâneo nos
para com a formação de “bolhas” po-
deliberado falsear uma realidade. Tal
apresenta é a de que cada vez mais
lítico-ideológicas entres usuários das
situação é especialmente preocupante
audiências se importam menos com o
redes digitais, o que temos verificado
para a democracia pois a
grau de veracidade e objetividade das
em diferentes pesquisas e publicações
informações consumidas. Tal situa-
é o atestado de uma infeliz confluên-
(...) livre circulação de mentiras
ção lamentável ainda se intensifica,
cia: a era de abundância comunica-
maliciosas, a ineficácia da veri-
como nos indica Ferreira, quando ve-
tiva, atravessada por uma generali-
ficação de factos, a resiliência
rificamos resultados de pesquisa que
zada indiferença e/ou negligência e/
da propaganda populista, o ra-
atestam sobre expressiva segregação
ou incapacidade cidadã de diferenciar
cismo, o sexismo e o surgimento
ideológica ou formação de “bolhas”
opiniões de fatos, liberdade de expres-
da chamada era da ‘pós-verdade’
informacionais entre usuários de re-
são de discurso de ódio, não apenas
parecem desafiar um pilar funda-
des sociais. Seja por motivos de in-
têm criado condições de possibilida-
mental do jornalismo ético — que
tenção deliberada ou por efeito das
de para radicalização de ideologias 111
políticas mas intensificação de polari-
haviam investido seu pensamento no
A proliferação de práticas moni-
zações aparentemente irreconciliáveis
exame de relações e efeitos proble-
toras ou de “contra poder”, repertório
entre cidadãos (Engesser et al., 2017;
máticos às democracias que derivam
de ação política cada vez mais cris-
Ferreira, 2018; McDevitt & Ferrucci,
de uma certa hipertrofia da cultura
talizado em contextos de abundância
2018; Silverman, 2016; White, 2017).
e prática política de monitoramento;
comunicativa e “democracia monitó-
Por efeito, em um cenário onde a des-
práticas essas que, em muitos dos
ria”, poderia nos dizer de uma certa
confiança, oposição irrefletida ou sim-
casos, tornaram-se exclusivos signos
vitalidade das democracias pelo me-
plesmente indiferença perante o outro
de participação política cidadã. Para
nos no que se refere ao direito e a
torna-se a norma, situação que tam-
o pensador francês, em primeiro mo-
necessidade de que a mesma opere sob
bém retroalimenta desejos e clamores
mento de acordo com o ponto de vista
escrutínio popular. Entrementes, Ro-
por mais políticas de monitoramento
de John Keane, os modos de exercício
savallon nos afirma que se por um lado
civil e estatal, signos políticos outros,
de soberania política do demos ou povo
atividades políticas de “contra poder”
que apostam em ações coletivas de
perante o Estado têm cada vez mais
se multiplicam com a desconfiança e
ampla escala voltadas de forma pro-
extrapolado a distribuição de papéis
desencanto civil para com a política e
positiva a produzir “comuns”, possi-
e funções que alocaria cidadãos no
políticos, por outro lado o Estado e ou-
velmente mais justos e igualitários,
exclusivo papel de eleitores em con-
tras instituições interpeladas por tais
parecem se esvaziar das democracias.
textos de democracias representativas.
demandas e clamores tendem a não
Nesse sentido, seria possível afirmar
Como argumenta Rosanvallon, a pre-
alcançar os níveis de responsividade
que a abundância comunicativa e a
dicação do povo como eleitorado foi
almejados pelos cidadãos e grupos
democratização da informação, ainda
progressivamente sendo suplementada
monitores. Por efeito, tal negativa de
que tenham contribuído inegavelmen-
no ocidente por outra figuras meta-
reconhecimento político retroalimenta
te para o “empoderamento” da popu-
fóricas: povo como watchdogs, “por-
sensações, experiências e discursos
lação, sobretudo com relação às suas
tadores de veto” e/ou “juízes”. Não
de desconfiança e desencanto dos ci-
capacidades de monitoramento de ato-
obstante, Rosanvallon afirma que
dadãos monitores para com políticas,
res em situação assimétrica de poder,
estas predicações suplementares da
políticos e as próprias democracias, de
tenha, como duplo efeito, produzido
soberania popular podem ser qualifi-
forma que estes venham a se tornar su-
vetores de oposição ou de ameaça à
cados como predominantemente indi-
jeitos “contra políticos” (Rosanvallon,
própria democracia?
retas (monitoramento), reativas (veto) e
2008, p.16-17).
Pesquisadores como o historia-
pouco propositivas (acusação), sendo
Para Rosanvallon, podem ser
dor da política Pierre Rosanvallon
por isso englobadas pelo francês sob
elencados pelo menos os seguin-
(2008), ainda na década passada,
uma única categoria: “contra poderes”.
tes efeitos sócio-políticos de larga
escala, derivados e retroalimenta-
resistência, dificuldade e/ou impos-
uma democracia de desconfiança
dores de um aparente monopólio da
sibilidade para grande parcela dos
duradoura, que complementa a
“contra política” em democracias
cidadãos de narrar e representar
episódica democracia do usual
ocidentais e que, do nosso ponto de
problemas sociais heterogêneos sob
sistema eleitoral-representativo.
vista, se relacionam diretamente
signos comuns e, assim, articular e
Assim, a contra-democracia é
para com a era de abundância co-
projetar ações coletivas propositivas
parte de um sistema maior que
municativa: a) maior fragmentação,
além monitoramento (Rosanvallon,
também inclui instituições de-
insulamento e confronto tanto de ci-
2008, p.22-23).
mocráticas legais. Ela procura
dadãos perante à atores do Estado,
Diante do cenário acima exposto,
complementar essas instituições
como de grupos de cidadãos ideo-
que certamente também é intensifi-
e ampliar sua influência, para
logicamente polarizados entre si; b)
cado pela abundância contemporâ-
apoiá-las (Rosanvallon, 2018,
aumento da incerteza e desencanto
nea de desinformação e fake news
p.8, nossa tradução e grifo).
generalizado para com a política
nas redes digitais, Rosanvallon vai
e os políticos e, assim, intensifi-
além, entendendo que a instituciona-
O conceito de “contra democracia”
cação do já abundante desejo por
lização do desencanto, desconfiança e
nos convoca a refletir em que sentidos
mais transparência, monitoramen-
“contra-política” têm criado condições
a proliferação, pulverização e mono-
to e accountability; c) resistência,
não apenas para a emergência de uma
cultura de instituições e formas de
dificuldade e/ou impossibilidade
“democracia monitória”, como poste-
ativismo “contra político” têm cria-
para grande parcela dos cidadãos
riormente propôs Keane, mas uma
do condições para que nos tornemos
de desenvolver uma compreensão
“contra democracia” que:
cada vez mais “apolíticos” ou “não-
abrangente sobre problemas com-
-políticos” com relação a outros pos-
plexos que atravessam suas vidas
(…) reforça a democracia eleitoral
sibilidades signícas e práticas que o
societária tendo em vista a quase
usual como uma espécie de su-
conceito de política poderia assumir
improcessável disputa política por
porte, uma democracia de poderes
para além da desconfiança, desen-
informações, fatos e enquadramen-
indiretos disseminados por toda
canto e monitoramento. Ciente dos
tos que, na maioria dos casos, são
a sociedade, em outras palavras,
perigos que as democracias ociden-
divergentes, contraditórias ou mesmo deliberadamente falseados 2 ; d) 2 Ainda que não seja possível explorar a problemática com o devido compromisso analítico que o assunto exige, as crises
tais enfrentam em cenários como o sueconômicas, fiscais e tributárias que atravessam a maior parte dos Estados nacionais ocidentais e que fundamentam os discursos por austeridade e enxugamento dos mesmos, assim como analisado por Schäfer e Streeck (2013), por exemplo.
pracitado, Rosavallon novamente nos ajuda a elencar uma série de efeitos perversos ou índices de “patologias” que são decorrentes do processo de 113
“desintegração democrática” que é
predominando assim políticas
descentralizados de monitoramento
promovido por “contra democracias”
públicas e estratégias de “evasão,
e “governança” por formas outras de
(2008, p.254-259):
evitação e diluição”; situação esta
governo que não a democracia. Um
a) desconfiança generalizada desti-
que retroalimentaria o desencanto
exemplo elencado por Rosanvallon
dos cidadãos;
para a proposição anterior seria a pos-
nada à processos eleitorais, assim deslegitimando ou enfraquecendo
e) judicialização da política e ideologia
sibilidade de um retorno, ainda que
os próprios poderes e instituições
da “transparência” substituindo
com diferenças, às formas de governo
as quais são endereçadas as de-
os exercícios de responsabilida-
que derivaram da emergência de po-
mandas por maior transparência
de, interesse e “bem comum” no
pulismos nacionalistas e totalitários
e accountability;
que tange a definição do fim da
que marcaram a virada do século XX.
b) isenção de responsabilidade políti-
política. Tudo se passa como se a
Diante de uma proposição tão alar-
ca e social por parte dos cidadãos a
qualidade ou prática de “transpa-
mante, cabe analisarmos com maior
partir de um tácito encastelamento
rência”, entendida como a potência
atenção de que maneira Rosanvallon
destes sobre a identidade ou ró-
capaz de eliminar todo tipo de ten-
sustenta tal argumentação para que
tulo de passivos “consumidores
são e dificuldade da cada vez mais
assim tenhamos maior capacidade de
políticos”;
incerta e controversa vida social
compreender os desafios políticos que
c) ações políticas “radicais” tornam-se
ocidental, estivesse legitimada
se apresentam em nosso horizonte .
englobadas pelos signos de perpé-
aprioristicamente a eliminar tudo
A institucionalização processual
tuo criticismo ou ativismo moral
que se encontre em seu caminho
da “contra democracia”, que varia sua
não propositivo, principalmente
– quem sabe até mesmo o próprio
relação em graus de intensidade para
eclipsando projetos de concreta
Estado e democracia.
com a abundância de atores e mecanis-
transformação de estruturas de
mos de monitoramento desconfiados e
opressão e desigualdade social
A reflexão crítica de Rosanvallon
desencantados promove, para Rosan-
violentas, opressoras ou mesmo
(2008, p.259-266) sobre a “desinte-
vallon (2008, p.266), uma espécie de
injustificáveis ;
gração da política” e o desenvolvi-
“legitimação destrutiva” dos próprios
d) representantes e, por consequên-
mento do “apolítico” ou “não político”
atores e organismos representantes de
cia, governos mais relutantes
nos alerta sobre a possibilidade de
um Estado. Tal atestado é justificado
para apresentar projetos e ações
enfrentarmos, num futuro que pare-
pelo autor tendo em vista que atores e
que implicam em mudanças es-
ce se atualizar com maior intensida-
instituições monitoras não procuram
truturais de larga escala e im-
de em nosso presente, a substituição
substituir ou apresentar projetos de
pacto social ou mesmo reformas,
dos vigente processos e mecanismos
coletivos ou mesmo sociedades outras,
Reflexões finais
mas limitar e até mesmo drenar os
em narrativas ou mitos de uma pureza
poderes e capacidades do Estado de
que se perdeu no passado e que, caso
A construção argumentativa rea-
forma com que este seja incapaz de
recuperada, produziria a almejada
lizada neste artigo procurou mapear
instituir o coletivo, o social. Entre-
“utopia da transparência”. Eis porque
e analisar relações de complemen-
tanto, neste processo de drenagem, o
(re)emergências de populismos essen-
taridade e oposição entre as eras de
que teria se tornado escasso? Quem,
cialistas em pleno século XXI pode-
abundância comunicativa, modos de
de que forma e com o que será preen-
riam ser entendidas, do ponto de vista
sociabilidade política contemporânea
chido o signo que nos agrega enquanto
de Rosanvallon, como possíveis efeitos
e democracias ocidentais. A operacio-
membros de uma sociedade, a saber,
de uma hipertrofia e monocultura de
nalização de nossa investigação se deu
o povo ou demos?
“contra poderes”, “contra políticas” e
principalmente a partir da produção de
“contra democracias”.
um diálogo dissidente entre dois pes-
Como nos coloca o filósofo Jacques Rancière (1995), a quem Rosanvallon
Se a preocupação de John Keane
quisadores que, por possuírem expres-
mobiliza explicitamente em seu debate,
para com a “democracia monitória”
siva trajetória no que tange o exame de
parece que a paixão por formas trans-
seria resolvida a partir de maior
nosso objeto de reflexão, nos auxiliaram
parentes e puras da democracia teria
distribuição de recursos comunica-
na complexificação e multiplicação de
nos feito esquecer ou até mesmo odiar
tivos para que assim mais monito-
perspectivas da análise por nós rea-
aqueles que tentam disputar seu con-
res emerjam à cena pública digital
lizada. Movidos por este debate, que
teúdo a fim de promover projetos de
e possam – quem sabe - ser ouvidos
também contou com a aliança de outros
sociedade outros que não a manuten-
e considerados como relevantes nos
teóricos e pesquisadores da ciência po-
ção e limpeza dos modelos e estrutu-
processos de tomada de decisão de
lítica e comunicação social, caminha-
ras vigentes. Desencantados sobre um
representantes eleitos, o preocupante,
mos agora para uma reflexão final que
futuro além “democracia monitória”,
para Rosanvallon, é que a abundância
também almeja ser considerada como
nos encontramos sem consenso sobre
de instituições monitoras ou “contra
possível proposição ética.
a própria existência do demos que de-
políticas” capturem e/ou desintegrem
Nos parece ponto pacífico que a era
veria ser princípio e fim da política
significantes e práticas cidadãs outras
de abundância comunicativa, fomenta-
democrática. Para Rosanvallon (2008,
da democracia, fomentando assim es-
da e fomentadora de uma exponencial
p.266-267) tal cenário cria condições
cassez de política em favor de “contra
expansão dos processos globalmente
para que “políticos profissionais” pro-
política”; escassez de demos em favor
diferenciados de democratização da
ponham, em nome do escasso ou ine-
de pureza e transparência; escassez de
informação, criou condições de pos-
xistente demos, versões essencialistas e
democracia em favor de, quem sabe,
sibilidade para que cada vez mais
unitárias de “povo” que são ancoradas
populismos totalitários e xenofóbicos.
cidadãos experimentem e exerçam 115
importantes direitos e capacidades
No que tange os campos e práticas
finais, destacamos que a hipertrofia ou
da política democrática em seus coti-
do jornalismo e comunicação social no
mesmo monocultura de práticas de mo-
dianos com potencial de reverberação
cenário supracitado, refletimos sobre
nitoramento, sobretudo quando estas
transnacional. Tal atestado nos diz de
a tendência de que estes estruturem
são relacionadas pelos cidadãos como
um “empoderamento” do demos no que
seus esforços produtivos no sentido
únicos sinônimos de participação polí-
tange uma ampliação de sua potên-
de retroalimentar o desejo cidadão
tica democrática, podem produzir como
cia de influência e/ou poder monitó-
por monitoramento, transparência e
efeito uma proliferação generalizada
rio perante representantes eleitos ou
accountability. Tal situação parece,
de culturas cívicas “contra políticas”
mesmo grupos poderosos da sociedade
por um lado, contribuir para com a
ou mesmo “contra democráticas”. Tal
civil que, ameaçados por denúncias,
“democracia monitória” no sentido
situação, fomentada e fomentadora de
escândalos ou mesmo erosão de suas
da produção de abundante volume
fragmentação, desconfiança e desen-
imagens por efeito da ação de atores
de notícias de cunho “flagrante” e,
canto do próprio demos para consigo
e instituições monitoras, devem pon-
assim, de certa maneira, introduzir
e para com a própria democracia, é
derar com maior cautela sobre custos,
temores e custos nos processos de to-
um possível indicador da escassez de
pesos e contrapesos de tomadas de
mada de decisão política de atores e
significações e práticas políticas outras
decisão política. Por outro lado, ain-
grupos poderosos. Ao mesmo tempo,
que não aquelas indiretas, reativas e
da que possamos afirmar sobre uma
a disputa pela produção ininterrupta
de baixo grau propositivo. Entrementes,
singular vitalidade das “democracias
de fatos, acontecimentos, enquadra-
tal alerta, que também nos interpela
monitórias” no que tange as caracte-
mentos ou mesmo postagens sobre
sobre a probabilidade de (re)emergên-
rísticas supracitadas, também pode-
complexas e urgentes temáticas de
cia de regimes políticos totalitários e
mos ponderar que, em certa medida,
interesse coletivo podem acabar por
de características xenofóbicas em con-
o aprofundamento de vulnerabilidades
criar impecílhos e dificuldades para
textos de escassez de significantes e
cidadãs perante a agentes e institui-
os próprios cidadãos, haja vista que
práticas democráticas de instituição de
ções monitoras de grande poder, como
produções que visam apenas ganhos
“comuns”, tal como argumentamos na
aquelas que deliberadamente captu-
com visualizações, publicidades e pa-
segunda parte do artigo, não implica
ram, processam e mobilizam dados
trocínios tendem, muitas das vezes,
que devemos abrir mão dos ganhos
digitais supostamente privados para
a desconsiderar a complexidade dos
sócio-políticos que a era de abundância
fins corporativos e/ou políticos, nos
problemas sociais que se propõem a
comunicativa e mesmo a “democracia
dizem ainda de importantes desafios
denunciar ou abordar.
monitória” nos têm garantido.
tecno-políticos em nossos horizontes democráticos.
Para além dos riscos ou perigos que
Almejar que haja cada vez
brevemente abordamos nestas reflexões
mais abundância comunicativa,
monitoramento e mecanismos de ve-
síntese dialética: esta que encapsula
Cukier, K., & Mayer-Schoenberger, V.
rificação do princípio de igualdade
e oblitera diferença(s) e que pode
(2013). The rise of big data: How
que é a priori metodológico da de-
produzir, por exemplo, modelos de
it’s changing the way we think about
mocracia, como nos sugere Rancière, é
demos purificados, homogêneos e em
the world. Foreign Aff., 92(3).
certamente algo que devemos defender
oposição a todos aqueles que não são
Dahlgren, P. (2013). The Political Web:
enquanto cientistas sociais, comunicó-
espelhos de si mesmos. Em contextos
Media, participation and alterna-
logos, jornalistas e cidadãos. Porém,
de escassez de finalidades da políti-
tive democracy. Basingstoke, En-
não podemos abrir mão da possibilida-
ca democrática, seria mais “realista”
gland: Palgrave Macmillan.
de de significar política e democracia
investirmos ainda mais capacidades
Dean, J. (2009). Democracy and other
como uma experiência ativa, proposi-
e potências no monitoramento das
neoliberal fantasies: Communica-
tiva, criativa e com vistas a produção
democracias ocidentais até que pos-
tive capitalism and left politics.
de “comuns” outros mais igualitários,
samos prever seus fins?
mais democráticos.
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tal movimento, se produza a temida
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https://orcid.org/0000-0002-2752-0407
As redes e o espaço público Networks and the Public Sphere https://doi.org/10.14195/2183-6019_9_8
Resumo
Abstract
Em finais do último século, o aparecimento
At the end of the last century, many so-
das chamadas redes sociais foi saudado por
ciologists and communication theorists
muitos sociólogos e teóricos da comunica-
welcomed the arrival of social networks
ção como um passo decisivo para o que en-
as a decisive step toward what was consi-
tão se imaginava ser uma revolução na de-
dered to be a revolution in representative
mocracia representativa. Vinte anos depois,
democracy. Twenty years later, the signs of
multiplicam-se os sinais de apreensão, não
apprehension multiply not only because of
apenas pela degradação do espaço públi-
the decline of the public sphere induced
co induzida pelo fenómeno, mas também
by that phenomenon, but also because of
pela forma intrusiva como certos Estados
the intrusive way some states are using it
o instrumentalizam na luta pela hegemonia
in the struggle for international hegemony.
internacional. Independentemente da for-
Regardless of how it has been considered,
ma como foram sendo olhadas, a verdade
there is no doubt that networks represent
é que as redes constituem uma mudança
a historical change in the configuration
histórica na configuração do espaço público
of the public sphere and, therefore, in the
e, consequentemente, na relação entre a
relationship between society and political
sociedade e o poder político. O objectivo
power. This presentation aims to analyze
desta apresentação é analisar até que ponto
how this change departed from the (until
essa mudança rompeu com o paradigma até
recently, hegemonic) paradigm in which
há pouco hegemónico, onde os media tra-
traditional media used to control the re-
dicionais monopolizavam a representação
presentation of public opinion concerning
da opinião pública face ao sistema político.
the political system.
Palavras-chave: Media; redes; povo;
Keywords:
representação; hegemonia.
representation; hegemony.
Media; internet; people;
119
Eu ainda sou do tempo em que
porém, que é da maior importância:
populistas, algoritmos intrusivos e
as redes sociais iam fortalecer a
enquanto nessa altura a mudança se
manipulações à distância, tudo pro-
democracia com uma participa-
traduziu pela passagem dos media
cessos mais ou menos clandestinos de
ção pública mais vasta, melhorar
tradicionais a protagonistas do espa-
intervenção política, que distorcem o
a informação e transparência com
ço público, o que atualmente se está
sentido do voto de milhões de elei-
o jornalismo-cidadão e contribuir
a passar é o desaparecimento desse
tores e pervertem aquilo que é um
para mais tolerância. Seja como
papel charneira que durante mais
procedimento essencial da democracia
for, foi um sonho bonito
de cem anos eles desempenharam
representativa.
(Paulo Ferreira, Twitter, 21 de
na vida social e política, sem que,
Uma amostra dessa mudança a que
outubro de 2018)
por ora, se veja claramente como se
me refiro pode encontrar-se naquilo
reorganizará, de futuro, esse mesmo
que se passou no Brasil, em 28 de
espaço.
outubro passado, com a eleição do
Ao longo das duas últimas décadas, verificou-se uma mudança es-
Trata-se, com efeito, de uma mu-
atual Presidente da República. Bol-
trutural naquilo a que chamamos o
dança cuja dimensão, em boa parte,
sonaro não possuía, tanto quanto pode
espaço público. Dizer que houve uma
ainda nos escapa, de tal maneira ela
avaliar-se pelo que se diz e publica a
mudança, é com certeza um lugar-
aconteceu de forma acelerada, se-
seu respeito, nenhum carisma, muito
-comum, sobretudo entre pessoas que
não mesmo abrupta. A maioria das
menos curriculum, que o apontassem
trabalham nesta área. Que ela tenha
vezes, ainda se pensa como se fosse
como previsível ocupante, por sufrágio
sido estrutural, já é menos evidente,
unicamente uma continuação da crise
universal, de um lugar como a chefia
e está longe de suscitar consenso.
iniciada no século passado, quando,
do Estado. Não possuía, além disso, o
Tentarei, no entanto, demonstrar que
afinal, já tudo à nossa frente se pro-
apoio de uma estrutura partidária con-
é precisamente essa a natureza do
cessa e propaga num outro compri-
sistente, nem a simpatia da maior par-
que está a passar-se no mundo dos
mento de onda. Há vinte anos atrás,
te dos media tradicionais, condições
media. Antes, porém, recordarei que
ou até há menos, era comum ouvir-
que até aqui se julgavam importantes,
não é esta a primeira vez que ocorre
-se, por exemplo, que os novos meios
senão decisivas, para uma vitória elei-
uma ruptura profunda no modo de
de comunicação iriam possibilitar a
toral. Apesar disso, e contra tudo isso,
funcionamento do espaço público e,
monitorização efetiva do Estado pelos
ele sagrou-se vencedor. É certo que já
por consequência, na relação entre o
cidadãos, assegurando mais transpa-
tinha acontecido algo semelhante nos
poder e o povo. Em meados do século
rência e mais democracia nas decisões
EUA, com a eleição de Trump. Mas
XIX, já tinha havido uma revolução
de interesse coletivo. Hoje em dia, já
não foi exatamente a mesma coisa.
semelhante. Com uma diferença,
não se fala senão em fake news, sites
Trump, sem ter a gravidade de um
estadista, muito menos a desenvol-
entre a massa de eleitores e as estru-
sustentados por grupos políticos.
tura intelectual de um Obama, era
turas do poder?
Como escreveu Tocqueville (1986a,
milionário e já possuía visibilidade
Uma explicação fácil, e mesmo
p. 274), “as duas grandes armas que
mediática; tinha além disso a apoiá-lo,
tentadora, consistiria em olhar para
usam os partidos para triunfar são os
pelo menos na fase final, um grande
o que está a acontecer como se fosse
jornais e as associações”. A partir daí,
partido político; e a par da popula-
um mero epifenómeno, um percalço à
eles vão depender principalmente das
ridade, adquirida em programas de
superfície do espaço público, que em
vendas e dos anúncios publicitários.
televisão de grande audiência, tinha
breve se irá recompor, com mais ou
E a verdade é que a sua impressão em
também do seu lado canais como a
menos ajustamentos. Contudo, o que
larga escala, secundada pela rápida
Fox News e sites de enorme eficácia
aconteceu, a meu ver, não foi tanto um
difusão por caminho de ferro, ia ao en-
e difusão, como o famoso Breitbart,
acidente ocasional, de consequências
contro das exigências, por um lado, do
de Steve Bannon. Bolsonaro não pos-
inesperadas e profundas, mas um ver-
capitalismo industrial, por outro, das
suía nada disso: nem curriculum, nem
dadeiro sismo, que abalou e reconfi-
multidões que haviam sido levadas,
partido, nem media. Dizia-se, é certo,
gurou os alicerces em que assentava
desde a instalação das primeiras uni-
que ele era apoiado pelas bancadas
o espaço público. Para se perceber
dades fabris, a emigrar do campo para
parlamentares BBB – dos evangéli-
inteiramente o que de facto ocorreu,
a cidade. É certo que já existia aquilo
cos (Bíblia), dos fazendeiros (Boi) e
convém primeiro recordar, ainda que
a que chamamos o espaço público.
dos vendedores de armas (Bala). Mas
rapidamente, como se originaram e
Tanto as gazetas, como outros tipos
além de não se lhes conhecer relevân-
funcionaram na modernidade as ins-
mais ou menos clandestinos de comu-
cia no plano político, pelo menos à
tituições de que estamos a falar.
nicação e crítica do poder, faziam parte da vida social da aristocracia culta
data, esses agrupamentos pareciam demasiado inorgânicos para garantir
1. Penny Press vs. gazetas
e da burguesia setecentistas. Eram, no
a angariação dos milhões de votos ne-
A chamada comunicação de mas-
entanto, um fenómeno circunscrito a
cessários. No entanto, apesar de ser
sas surgiu nos EUA, durante a pri-
uma elite, por muito que esta fosse
alguém sem reputação, sem apoio nos
meira metade do século XIX, fruto da
culturalmente relevante. Nada que
media tradicionais, sem família po-
generalização do «papel de jornal»,
se comparasse com a revolução que a
lítica reconhecida, os brasileiros, à
muito mais barato, e de uma conce-
penny press viria a produzir, primeiro,
primeira volta, elegeram-no. Como é
ção do produto, decisivamente virada
nos EUA, depois, na Europa de finais
que se explica semelhante terramoto
para o mercado: a classe média e a
do século XIX, ao colocar no merca-
nas instituições que ao longo de toda a
população em geral. Até então, os
do jornais acessíveis a largos estratos
modernidade tinham feito a mediação
jornais tinham sido maioritariamente
populacionais, quer pelo baixo preço, 121
quer pelos conteúdos, pelos proces-
frequentemente agita os meios urba-
estatuto de árbitros, que os projeta so-
sos narrativos e pelo próprio grafismo
nos. Por outro, tornam-se um instru-
bre a diversidade das classes sociais,
utilizado. Nessa altura, como Tocque-
mento privilegiado da coesão social e
vão por sua vez incorporar os ideais
ville (1986) se apercebeu e explica
da legitimação do poder, numa socie-
da objetividade, da neutralidade e do
ao pormenor em dois capítulos de A
dade que deixou maioritariamente de
respeito pelos factos, em sintonia, de
Democracia na América (vol. I, II, cap.
prezar as crenças e valores em que o
resto, com o positivismo que se impõe
3; vol. II, II, cap. 6), a sociedade no
exercício da autoridade assentara du-
no mundo da ciência, com a utopia do
seu conjunto mudara decisivamente,
rante séculos. É a opinião expressa nos
progresso tecnológico e civilizacional
em particular nas zonas industriali-
jornais que fomenta greves e motins.
e, naturalmente, com a difusão dos
zadas, onde agora se concentravam
Mas é também a mesma opinião que
valores igualitários. Quantos mais os
enormes aglomerados humanos e a
dinamiza a formação de associações,
estratos da população a que se alar-
agitação política germinava.
cujos membros partilham ideias, in-
ga o direito de voto, maior vai sendo
Foi, de facto, a massificação da
teresses e valores. Acima de tudo, é
a sua importância, a tal ponto que a
informação que alterou em profundi-
a opinião pública que transmite às
mediação entre os diversos grupos de
dade a natureza do espaço público,
multiudões aglomeradas nas diversas
interesses e as instituições do Estado
fazendo-o, por assim dizer, abandonar
cidades a convicção de partilharem
se torna, a partir de então, impossí-
os salões e cafés, onde até aí se reunia
uma mesma comunidade, por maiores
vel à margem desse novo operador de
uma elite recetiva às idéias liberais, e
que sejam as suas divisões internas. A
consensos, mas também de dissensos,
transferir-se, literalmemente, para o
par das mudanças na demografia e no
que são os jornais. O poder precisa
meio da rua. Reservados inicialmente
modo de produção, é, por conseguinte,
deles para explicar a sua ação, isto
à minoria endinheirada, que já não
toda a organização política, social e
é, para dar a conhecer e emprestar às
aceita passivamente o absolutismo
cultural que vai assentar em novos
suas decisões o carácter de medidas
monárquico, os jornais irão ser cha-
moldes, por força do novo regime de
justificadas e justas. A sociedade, por
mados, pela progressiva democratiza-
produção e circulação de informação.
seu turno, precisa deles para que o
ção das sociedades, a desempenhar
Do ponto de vista ideológico, é
espaço público não seja totalmente
um papel de primeira importância,
também por essa altura que se instala
ocupado pela propaganda do poder e
transformando-se no centro à volta do
a convicção de que o poder se legitima
haja lugar para a resistência, o des-
qual circula toda a vida política. A sua
não apenas nas urnas, mas também na
contentamento e a oposição que tais
função será dupla e, à primeira vista,
transparência que só os jornais estão
medidas geram sempre, em maior ou
paradoxal. Por um lado, vão funcionar
em condições de assegurar. Estes,
menor grau. Sem os media, em suma,
como acelerador da turbulência que
por sua vez, ao serem catapultados ao
não seria possível ao sistema político
realizar a agregação de opiniões e von-
é exigida, compreende-se a razão de
que a vigilância e a divulgação da
tades que é necessária para o normal
ser de uma ruptura tão radical como
atividade dos diversos poderes pelos
funcionamento de uma sociedade com
a que entretanto se operou no espaço
meios de informação elevasse o nível
as características da que que vimos
público: em pouco tempo, os jornais
da cidadania e obstasse à corrupção.
descrevendo.
tinham abandonado a função de sim-
Era suposto, enfim, que as decisões de
Acresce ainda que a legitimação
ples veículos de curiosidades e opi-
interesse comum passassem a ter na
do poder, à medida que se enraiza a
niões mais ou menos conflituais, para
sua base processos deliberativos cada
idéia da soberania popular, inerente à
se transformarem num instrumento
vez mais amplos e mais informados,
democracia, passará a exigir mecanis-
indispensável ao regular processo
indo ao encontro das reais necessida-
mos de vigilância e de transparência
de legitimação do poder. A partir de
des dos interessados. Todavia, aqui-
que, uma vez mais, só a nova ordem
então, o espaço público, na prática,
lo que realmente se passou foi muito
mediática pode assegurar. Contraria-
passaria a confundir-se com eles. E foi
diferente. Em lugar da multiplicação
mente ao que pretendia o velho mito,
mais ou menos assim que a socieda-
de eleitores por via do aumento da
segundo o qual o poder não funciona
de industrial pôde funcionar durante
informação disponível, os níveis de
senão na discrição dos gabinetes, à
mais de um século.
abstenção mantiveram-se elevados,
distância das multidões, a institui-
um pouco por toda a parte. Em vez de
ção secular do “segredo de Estado”
2. Redes vs. penny press
reduzir a corrupção, a sua divulgação
começou a perder boa parte do seu
Acontece que este modelo, por
pelos media não parece retraí-la, como
prestígio e da sua aceitação, ao mesmo
razões que não temos agora tempo
seria de esperar, e, pior do que isso,
tempo que os meios de comunicação
de analisar em pormenor, entrou em
ocasiona um grau nunca antes visto de
eram empossados numa autoridade
crise no final do século XX, longe
desconfiança no sistema político, cor-
que até aí jamais se lhe havia reco-
de atingir os resultados que dele se
roendo a sua legitimidade. Em resumo,
nhecido. Se a isto somarmos o peso
esperava ainda há não muitos anos.
a comunicação de massas não parece
que a propaganda assumiu durante a
Na verdade, de acordo com o ideário
ter reforçado significativamente a ci-
I Grande Guerra, como instrumento
iluminista e a sua versão positivista,
dadania. Pelo contrário, é voz corrente
estratégico destinado a desacreditar
era suposto que o alargamento da in-
que os cidadãos, em número cada vez
o inimigo e a reforçar os sentimentos
fluência dos media, secundado pela
maior, parecem agir, não como eleito-
patrióticos dos soldados que iam sendo
democratização da escola, iria tornar
res, mas sobretudo como consumido-
enviados para a frente de combate,
o espaço público crescentemente mais
res. A prova disso é que se fala cada
para já não falar da moral dos cida-
dinâmico e participativo, ou seja, mais
vez menos em representação, e cada
dãos e da sobrecarga fiscal que lhes
democrático. Era suposto, além disso,
vez mais em crise da representação. 123
O declínio da democracia representativa é comummente atribuído a duas ordens de fatores: ora são os agentes políticos que alegadamente ignoram, por incompetência ou
A internet não é uma ampliação do espaço público
as novas tecnologias da comunicação representam uma alteração estrutural da sociedade em que hoje em dia trabalhamos e vivemos. Não adianta, por isso, encará-las como se nada, ou
corrupção, a vida concreta das po-
muito pouco, de substantivo tivesse
pulações, as suas exigências e difi-
mudado. É aí, de resto, que reside
culdades; ora são os meios de comu-
o principal equívoco dos neo-ilumi-
nicação que alegadamente perderam
nistas de finais do século XX, que
credibilidade, ao transformarem-se
acreditaram, até muito recentemente,
em empresas de entertainment, sa-
que a democracia se estava a renovar
crificando às leis do mercado o seu
positivamente e que os novos disposi-
antigo prestígio, o qual, recorde-se,
tivos comunicacionais iriam obrigar as
assentava sobretudo na independência
instituições políticas a tornar-se mais
e no rigor da informação que produ-
transparentes, perante uma sociedade
ziam. Haverá, provavelmente, muito
onde passou a haver informação em
de verdade neste tipo de explicações.
abundância e que, por isso mesmo, se
Contudo, ele enferma, a meu ver, de
tornaria decerto mais vigilante, mais
um erro de perspetiva, o qual se deve
mobilizável e mais participativa. Mais
ao facto de considerar uma situação
democrática, em suma.
que é inteiramente nova da mesma maneira que considerava a situação
3. A euforia da e.democracy
anterior. Com efeito, aquilo que con-
Poderia dar inúmeros exemplos,
tinuamos a designar por espaço pú-
mas limitar-me-ei a dois autores que
blico já não é o que era há um século
espelham bem o sentimento otimista
atrás, porquanto mudou novamente de
que foi dominante nas últimas déca-
configuração e deu lugar a uma outra
das. O primeiro é o sociólogo Pierre
realidade, com novos instrumentos e
Rosanvallon, teorizador daquilo a que
novos protagonistas. Longe de corres-
chama a «contra-democracia». No en-
ponderem a um simples alargamento
tender de Rosanvallon, a democracia
do raio de ação dos media tradicionais,
representativa estaria atualmente a
evoluir, não para uma situação anti-
civil ter-se-ia renovado, compensan-
dos cidadãos com os diversos pode-
-democrática, mas para uma situação
do com o seu dinamismo a tão falada
res, incluindo o próprio poder dos
que já não é a dos últimos dois sécu-
crise da representação e o afastamento
media tradicionais: “o jornalismo
los e que se caracteriza por toda uma
do poder relativamente às carências e
noticioso profissional – diz Keane -
série de novas formas de ação social,
expectativas do cidadão comum.
é agora apenas um entre os muitos
organizadas em moldes diferentes e à
Um outro exemplo de otimismo
tipos diferentes de instituição com
margem das instituições democráticas.
em relação ao pretenso novo fôlego
poderes de escrutínio”. Na verdade,
Estas novas formas de cidadania, es-
insuflado pelos novos media no espaço
acrescenta o autor:
clarece ainda o autor, “destinam-se
público é o do australiano John Kea-
a compensar a erosão da confiança
ne, o qual identifica explicitamente o
(...) em todas as democracias, há
com uma organização da descon-
espaço virtual como o pivot de uma
muitas centenas e milhares de ins-
fiança” (Rosanvallon, 2006, p. 11),
alegada reconfiguração da democra-
tituições de monitorização a tra-
através de meios tão diversos como
cia. Sobrevalorizando as virtualidades
balhar habilmente na agitação de
a vigilância da atividade política, a
da “galáxia internet”, Keane considera
questões de poder, frequentemente
denúncia da corrupção, as manifes-
que os novos meios de comunicação
com efeitos políticos. Relatórios de
tações de indignação e protesto, a
não só trouxeram um acréscimo de efi-
direitos humanos, blogs, tribunais,
resistência a projetos impopulares e
cácia às iniciativas dos cidadãos para
redes de organizações profissionais
a sobrevalorização do papel dos juízes,
vigiar o poder, como também intro-
e iniciativas cívicas são apenas
em contraste com o papel dos repre-
duziram uma modificação estrutural
alguns exemplos de mecanismos
sentantes eleitos. Sem se substituir
na própria sociedade, na política em
de watchdog, guide-dog e barking-
propriamente à atividade dos órgãos
geral e na democracia em particular.
-dog, que estão a alterar profunda-
tradicionais de representação, as di-
Resumindo, teríamos passado a viver,
mente o espírito e a dinâmica da
versas formas de “organização da des-
à escala do planeta, numa “idade de
democracia. (Keane, 2013, p. 47).
confiança” estariam, assim, a alterar
abundância comunicacional”, que
profundamente o ambiente político das
“é estruturada por um novo sistema
Não quer dizer, prossegue Kea-
nossas sociedades, reforçando a demo-
mundial de dispositivos mediáticos
ne, que o jornalismo profissional e
cracia e obrigando os governantes a
sobrepostos e interligados” (Keane,
o chamado jornalismo cidadão, uma
abandonarem a tradicional distância,
2013, p. 1).
vez por outra, não se intersetem um
para se desdobrarem agora em mani-
Semelhante “abundância comu-
ao outro. As revelações do Wikileaks
festações de proximidade junto dos
nicacional”, como seria de esperar,
e de Edward Snowden, por exemplo,
eleitores. Numa palavra, a sociedade
alterou em profundidade a relação
foram publicadas por alguma da mais 125
conceituada imprensa internacional.
A sociedade da “abundância
Apesar das enormes diferenças
No conjunto, porém, os novos media
comunicacional”, por conseguinte,
que os distinguem, tanto John Keane
estão a retirar aos media tradicionais,
não seria uma sociedade onde a re-
como o citado Pierre Rosanvallon dão
assim como aos agentes políticos elei-
presentação estivesse em vias de ser
por assente, primeiro, que a transpa-
tos, o monopólio da representação da
afastada. Não estamos numa pós-
rência sem limite é um objetivo já
vontade e do interesse dos vários gru-
-democracia, garante Keane, con-
inscrito no cerne da modernidade e
pos. Cada vez mais, há cidadãos que,
trariamente ao que havia anunciado,
do iluminismo, sendo aquilo a que
isolados ou em associação, apresen-
há pouco mais de uma década, Colin
estamos a assistir uma continuida-
tam reivindicações, fazem denúncias
Crouch (2000). O que acontece é que
de, não uma ruptura; segundo, que é
e falam seja em nome de um grupo
a representação começou a abando-
possível integrar, com vantagem, esse
específico, seja em defesa da justiça
nar a rigidez do modelo em que havia
objetivo no quadro de uma democracia
ou da moral universal. Keane cha-
funcionado nos últimos dois séculos,
representativa, a qual, desse modo, se
ma-lhes, num livro publicado já em
para assumir uma plasticidade que a
tornaria mais participativa e menos
2013, “representantes não eleitos”,
torna mais democrática e, simulta-
elitista. Em abono desta sua visão oti-
acrescentando, com notório e mani-
neamente, mais conforme à comple-
mista, ambos os autores apontam os
festo otimismo:
xidade do nosso tempo. Em vez de se
efeitos indiscutivelmente positivos dos
mobilizarem exclusivamente através
novos media: democratização do aces-
o número e a variedade de institui-
dos sindicatos e partidos tradicionais,
so à informação; divulgação de factos
ções de monitorização cresceram
que supostamente se fariam eco da
que os media tradicionais omitem;
de tal maneira que indiciam já
sua voz, os cidadãos teriam passado
monitorização do poder à escala local,
um mundo em que a velha regra
a multiplicar o tipo de organizações
nacional e internacional. Não faltam,
“uma pessoa, um voto, um repre-
através das quais se fazem represen-
de resto, exemplos de mobilização ci-
sentante” – ponto central na luta
tar, não apenas no Parlamento e de
dadã pela internet, sempre invocados
pela democracia representativa – é
tantos em tantos anos, mas diretamen-
pelos defensores da e.democracy, para
substituído pelo novo princípio da
te no espaço público, agora aberto em
provar que todo este aprofundamento
democracia monitorizada: “uma
permanência. Tudo se encaminharia,
democrático estaria de facto a acon-
pessoa, muitos interesses, muitas
portanto, na narrativa de Keane, para
tecer : Primavera Árabe; 11 de Março
vozes, muitos votos, múltiplos re-
uma sociedade da transparência e da
em Madrid, 2004; Occupy Wall Street
presentantes”. (Keane, 2013, pp.
interação instantânea entre o poder e
em Nova Iorque, 2011; manifestações
85-86).
o povo, graças às inesperadas virtua-
em São Paulo, 2013. Tudo somado,
lidades da tecnologia digital.
a conclusão dir-se-ia irrefutável: as
redes sociais vieram possibilitar a
A nova ortodoxia imagina a Web
histórica desta última remonta, de res-
transparência, a monitorização do
como uma espécie de Robin Hood,
to, às comunidades hyppies dos anos
poder e a aproximação entre repre-
que rouba audiência e influência
70, em São Francisco, onde mais tarde
sentantes e representados. Longe de
aos grandes para a dar aos pe-
viria a surgir Silicon Valley. Contudo,
pôr em causa a democracia, elas cons-
quenos. (...) Os seus defensores
a igualdade democrática não significa
tituem, pelo contrário, um antídoto à
falam de abertura, transparência
uma espécie de indiferença negativa a
pós-democracia diagnosticada por
e participação, termos estes que
tudo quanto se diz no espaço público.
Crouch, ou seja, a uma sociedade em
definem presentemente os nossos
Conforme escreve Paul Mathias,
que as elites económicas e políticas se
mais elevados ideais, a nossa con-
têm crescentemente apoderado do Es-
cepção do que é bom e desejável
se é verdade que a internet permite,
tado em benefício próprio, na maioria
para o futuro dos media na idade
muitas vezes, dar voz a indivíduos
dos casos com total desconhecimento
da internet. Mas esses ideais não
e a grupos a quem outrora ela era
dos cidadãos.
são suficientes, se nós queremos
retirada, também é verdade que
construir uma cultura digital mais
nem tudo é igualmente discutível e
5. People vs. tech
democrática e mais desejável. A
que, nas redes, a fronteira entre a
Esta visão algo utópica, que foi
abertura, em particular, não é for-
argumentação e o ruído é por vezes
dominante ainda nos primeiros anos
çosamente progressista. Enquanto
impercetível. (Mathias, 2012, 186)
do sec. XXI, esbarrava, no entanto,
a internet cria espaço para muitas
já nessa altura, com algum ceticismo.
vozes, a abertura da rede reflete e
Não se trata de uma questão de
Antes de mais, suspeitava-se do irrea-
até amplifica as desigualdades do
mais ou menos expertise, embora em
lismo de muitas das potencialidades
mundo real. (Taylor, 2014, p. 10)
sociedades complexas, de economia
que se atribuíam à “galáxia internet”.
baseada essencialmente no conheci-
E não eram apenas os reacionários e
Mais radicalmente ainda, houve
mento, este aspeto também deva ser
nostálgicos dos bons velhos tempos
autores que sublinharam a confusão
tido em conta. Mas trata-se, principal-
da esfera pública que apontavam o
gerada pela cyber-cultura entre a voz
mente, de uma questão de mediações e
dedo àquilo que chamavam de “cyber-
do povo, e o ruído da multidão, en-
procedimentos. Em democracia, houve
-utopismo”. Astra Taylor, por exemplo,
tre o demos e aquilo que em grego se
sempre normas a determinar o espaço
uma assumida militante de esquerda
chamava o ochlos. Tanto a democra-
em que se processa a discussão, as
e ativista do Occupy Wall Street, pôs,
cia como a internet são, efetivamente,
condições para o uso da palavra, a
desde logo, o dedo na ferida:
animadas pelos valores da liberdade
ordem das intervenções, o momento
e da igualdade ou isonomia. A origem
e a forma da decisão, os requisitos a 127
que tem de obedecer a autoridade e a
com uma sociedade dirigida
lei. Ora, a crença ingénua na sabedo-
pela conectividade, os networks,
ria das multidões (the wisdom of the
as plataformas e bases de dados.
B. O espaço público não se alargou,
crowds) e na presunção de que o cole-
Em democracia (e, evidentemente,
modificou-se. Primeiro, atenuou-se
tivo estaria por natureza mais próximo
no mundo) as coisas não se pas-
a fronteira nítida que separava o
da verdade, veiculada a toda a hora
sam assim. A democracia é lenta,
público e o privado, para passar a
pela net, leva a uma recusa instinti-
deliberativa e baseada no físico. A
haver apenas uma distinção entre
va de todos esses modos de funciona-
democracia é mais analógica do
o muito e o pouco visível. Segundo,
mento, considerados ‘burocráticos’ e,
que digital. E uma visão do futuro
tornou-se irrelevante a função do
por conseguinte, desnecessários, e a
que vai ao arrepio da realidade da
gatekeper, até há pouco desempe-
imaginar que a democracia pode ago-
vida e dos desejos das pessoas só
nhada pelos jornais, que decidiam
ra realizar-se de forma instantânea e
pode acabar em desastre. (Bartlett,
quem e o quê tinha acesso ao es-
mais eficazmente, sem qualquer me-
2018, p. 9).
paço público, passando a haver
diação, visto a tecnologia permitir a
bairros degradados estão para o centro das grandes cidades.
um espaço virtualmente aberto a
toda gente expressar-se livremente, a
Embora não partilhando por intei-
tudo e a todos. Terceiro, à distin-
qualquer hora e sem obedecer a ne-
ro do pessimismo de Bartlett, gostaria,
ção entre a verdade e a mentira
nhuma norma. Não admira, por isso,
no entanto, de sublinhar brevemente
sobrepôe-se progressivamente a
que o jornalista Jamie Barlett, num
os traços mais marcantes com que a
distinção entre enunciados com
livro publicado em 2018, se insurja
tecnologia digital reconfigurou, não só
maior e enunciados com menor
enfaticamente contra estes “crentes da
a vida individual de cada um de nós,
divulgação. Por último, a autori-
tecno-utopia”, dotados de uma desme-
mas também a nossa inter-comunica-
dade e a reputação, tradicional-
surada “fé no poder emancipatório da
ção e a própria vida em comunidade :
mente associadas ao conteúdo das
tecnologia digital”:
A. A Internet não é uma ampliação
mensagens, associam-se cada vez
do espaço público. Se a olharmos
mais ao número de vezes que estas
Esta fé torna-os potencialmente
dessa perspetiva, veremos apenas
são citadas.
mais perigosos. Tal como no sec.
o lado narcisista e exibicionista
C. A «população» do espaço público
XVIII os revolucionários france-
das redes, deplorando-as como lixo
modificou-se quantitativa e qua-
ses, que acreditavam ir construir
e encarando-as, eventualmente,
litativamente. Por um lado, o nú-
um mundo baseado em princípios
como se elas estivessem para a
mero de pessoas que povoam esse
abstractos como a igualdade, estes
esfera pública como as favelas e
espaço corresponderá, muito em
utópicos de útlima hora sonham
breve, a metade da população do
universo; por outro, passou a ser maioritariamente constituída por gente jovem e do povo, gente que faz e desfaz comunidades, sempre nómadas, sempre em transformação. D. Em consequência, esbate-se também a linha divisória entre leitor e jornalista: quem quiser põe a circular opiniões, imagens, informação. Os próprios jornais já não se inibem de recorrer às redes sociais e de as citar como fonte noticiosa, numa crescente indefinição de fronteiras e de géneros. E. Contudo, nas redes não se produz informação, faz-se comunicação, conversa-se e fazem-se comunidades ocasionais. É o chamado tribalismo virtual: conversas privadas, mas que são tidas em pú-
O apogeu das
se diria concorrerem com os meios tradicionais, estavam equivocadas
multidões não parece estar no
quanto à sua verdadeira natureza. F. Graças a esta Babel que se instalou onde outrora os media procediam à agregação e confronto de opiniões,
horizonte.
o ritmo e o estilo das conversas privadas contaminou quer os media
O que tem vindo a
tradicionais, quer a linguagem e a atuação dos agentes políticos: se a
surgir são núcleos
divulgação de reportagens intimistas e selfies de família se tornou
clandestinos
banal, a produção e gestão contínua de novos factos, através de
de produção,
novas mensagens, tornou-se-lhes um imperativo de sobrevivência.
manipulação e
Conclusão
distribuição de informação
Independentemente da avaliação que se possa fazer destas mudanças, parece inegável que elas representam
blico; conversas triviais, mas que
uma transformação radical do espaço
têm por tema o que vulgarmente se
público, só comparável aquela que a
considera assunto público. Tanto
produção de papel de baixo custo per-
ou mais do que a net, os biliões de
mitiu há um século e meio. Nessa altura,
SMS que confluem a cada instante
também se alterou o produto e a escala a
no espaço público convertem-no
que era produzido e consumido. Porém,
em ruído sistemático. Manifesta-
a distância que separava a elite que os
mente, as análises que a princípio
controlava e a multidão que passou a
confundiram este novo espaço com
lê-los continuou igual à que antes sepa-
meia dúzia de blogs de elite, que
rava a burguesia letrada do proletariado 129
analfabeto. Sob esse aspeto, nem a rá-
Decisivo neste percurso é o efeito
Referências bibliográficas
dio, nem a televisão, viriam a alterar
da Internet. A hegemonia intelec-
Tocqueville, A. (1986). De la Démocratie
grande coisa. Tanto uma como outra
tual da esquerda dependia do seu
en Amérique, 2 vols. Paris: Galli-
continuavam a estar nas mãos de uma
controlo sobre instituições, univer-
mard, Folio.
minoria – donos de jornais e jornalistas
sidades, escolas, instituições cul-
– que determinava aquilo que devia
turais - sobre órgãos da Igreja,
entrar no espaço público. Só no século
redações de jornais e diretórios
Keane, J. (2013). Democracy and Media
XXI, com a massificação dos artefac-
estudantis. E havia, como é ób-
Decadence, Cambridge University
tos digitais, este viria a transformar-se
vio, a sua influência brutalmente
Press.
num espaço maioritariamente ocupado
maior na ação partidária. (...) A
pelo cidadão comum e onde as elites
Internet fez explodir este mundo
tradicionais perderam, aparentemente,
relativamente fechado. O poder
Taylor, A. (2014). The People Platform.
a batalha pela hegemonia. Significará
da palavra diluiu-se, ou melhor,
Taking Back Power and Culture
isto o verdadeiro «triunfo das massas»?
disseminou-se pelo tecido social.
in the Digital Age. London: Fourth
Terá a democracia entrado numa fase
Foi a via de expressão de uma con-
State.
em que, havendo ou não representa-
tra-hegemonia. (Schüler, 2017)
ção política, a maioria da população vai controlar efetivamente as decisões de interesse geral?
Pierre Rosanvallon (2006). La Contre-Démocratie. Paris: Seuil, p. 11.
Crouch, C. (2000). Post-Democracy. Cambridge: Polity Press
Mathias, P. (2012). Métamorphoses de la démocratie. In Yves Charles Zarka
O problema é que, por mais nítida que seja a perda de influência
(dir.), Démocratie, État Critique. Paris: Armand Colin
Sem querer fazer futurologia,
das elites tradicionais, o apogeu das
registe-se apenas que todos os sinais
multidões também não parece es-
que vamos tendo parecem apontar
tar no horizonte. Pelo contrário, o
Schüler, F. (2017). Existe mesmo uma
num sentido bem diferente. É verdade
que tem vindo a surgir são núcleos
onda conservadora? Retirado em 15
que a elite que até há pouco detinha
clandestinos de produção, manipu-
de junho de 2019 de http://fernan-
a hegemonia se encontra ameaçada.
lação e distribuição de informação
doschuler.com/fernando-schuler/
Contudo, não se sabe ainda como
– verdadeira ou falsa, tanto faz –
entrevistas/politica/existe-mesmo-
será aquela que a irá render. Por ora,
que operam à escala planetária e
-uma-onda-conservadora/
percebe-se apenas que há uma contra-
estão rapidamente a transformar-se
-hegemonia em curso. Como escreveu
numa arma estratégica para alguns
o investigador Fernando Schüler, a
Estados e numa ameaça para todas
propósito da eleição de Jair Bolsonaro:
as democracias.
Bartlett, J. (2018). The People vs Tech. London: Ebury Press, Penguin.
Apoios
UID/HIS/00460/2013