Contexto Jornal-Laboratório dos alunos de Jornalismo da Universidade Federal de Sergipe
Mulheres vencem tabu e adotam lutas como exercício físico e esporte
Ano 7- Nº 24 e 25
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jorlabcontexto.ufs@gmail.com
Novas regras ampliam o papel da internet na campanha eleitoral Página 3
Cultura Rock autoral de Sergipe atravessa fronteiras para conquistar público 8
Comportamento Grafitos em banheiros públicos revelam desejos, arte e intolerância 13
Cultura Produção audiovisual ganha espaços no estado mas ainda faltam recursos 9
Saúde Pessoas que têm anemia falciforme sofrem mais com diagnóstico tardio 11
Educação Projeto de educomunicação estimula uso de mídia alternativa no Semiárido 6
Economia Mercado de livros usados concilia comércio informal com negócios virtuais 5
Universidade Conheça a indigente que recebe homenagens em formaturas da UFS 14
Saúde e Lazer Os riscos dos exercícios físicos sem o devido acompanhamento
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ConteXtando
Em debate, a liberação de aulas pelo Reuni Cidadania
Fotógrafos utilizam arte e técnica como meio de inclusão e mobilização 7 social
História e Sociedade
Comportamento Maternidade precoce desafia jovens que querem continuar sua formação universitária
Clube centenário, Cotinguiba foi ousado no esporte, na política e nos costumes de época 4
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Opinião
Dez/2009 - Fev/2010
Contexto
Editorial
Caldo de cultura Este jornal foi produzido sob o signo do local, mas com um pé no regional, um olho no nacional e outro no global. Do local brotaram pautas que têm em comum um certo jeito sergipano de pensar, fazer e promover cultura. Um jeito que se reflete no modo de incorporar influências estrangeiras na produção autoral de jovens músicos que não se contêm nas fronteiras do estado; no esforço de transformar talentos individuais em produção audiovisual de qualidade que conquiste públicos para além do Nordeste; ou no eterno retorno dos livros às prateleiras, que está levando os sebos de Aracaju a um constante – ainda que lento – crescimento, rumo à internet. Certamente também há cultura nas surpreendentes histórias do Cotinguiba Esporte Clube, que comemorou 100 anos de convívio democrático entre atletas, metalúrgicos, pescadores, intelectuais, políticos e participantes de bailes gay. Das vivências locais na UFS surgiram indagações sobre como certas subjetividades se refletem no cotidiano da vida universitária. Por que, com tanta informação sobre sexualidade e os riscos da maternidade precoce, jovens ainda interrompem sua trajetória estudantil por causa de gravidez não-planejada? Por que, com tantos meios de expressão agora disponíveis, paredes de banheiros – sobretudo dos masculinos – ainda tornam público o que seria de âmbito privado e servem de palanque para manifestações de intolerância? E por que será que a equipe do Contexto teve tanta dificuldade para encontrar alunos que se revelassem contra a norma do Reuni que libera a frequência às aulas de disciplinas não-laboratoriais? Saindo do Campus, entramos no terreno da saúde com mais perguntas: por que em Sergipe se demora tanto para diagnosticar a anemia falciforme, considerada a doença hereditária de maior incidência no país? E por que tanta gente ainda insiste em arriscar a saúde para obter um corpo “sarado” em pouco tempo? Bem fazem aquelas que enfrentaram a resistência masculina e aderiram aos esportes de luta, agora considerados completos e saudáveis. Esta edição mostra, também, o papel relevante da comunicação no exercício dos direitos cidadãos. São jovens do Semiárido sergipano que estão descobrindo o poder dos meios alternativos através da educomunicação. São fotógrafos que dedicam uma parte do seu tempo e do seu conhecimento para revelar outros olhares e promover inclusão social através de imagens. São políticos e eleitores que se preparam para um novo cenário de disputas e de participação em campanhas na internet. Mas há quem só tenha a sua existência reconhecida após a morte, como “B1”. Comentários, críticas e sugestões serão bem-vindos pelo endereço: jorlabcontextoufs@gmail.com. Sonia Aguiar
Arte: Pedro Ivo e Ricardo Gomes
Crítica
Afinando o ritmo Michele Tavares* “Impecável!” Este primeiro adjetivo veio à mente assim que comecei a observar as últimas edições do Contexto. Num ímpeto de leitora-jornalista, a curiosidade bateu para continuar não só folheando as páginas e reportagens deste querido jornal-laboratório, pouco conhecido dos próprios alunos de Jornalismo, como também observar alguns pontos referentes à concepção visual do layout. Após alguns minutos de observação minuciosa, logo percebi mudanças que tanto agradavam minha visão de leitora-profissional, mas ainda não entendia a origem de certa ‘leveza’ na leitura visual. Então me dei conta de que o título deixava a página mais agradável. A retirada do box roxo que estava sobrepondo o nome do jornal e a mudança do tipo de fonte que identificava sua logomarca passaram uma boa impressão. “Eles acertaram!” Aí a leitura visual crítica continuou em busca de cada detalhe, de cada explicação para cada mudança. E toda essa exigência lembrava nossas discussões em sala, durante as aulas de Planejamento Visual, na qual a turma – da qual faziam parte alguns alunos que hoje integram a equipe do Contexto – discutia incansavelmente novas propostas de reformulação para o layout do jornal. Era um corta-recorta, copia-cola, muda fonte, tira e põe serifa, colore e descolore, experimenta box, sobrepõe imagem, acrescenta fios, sangra a foto! Todo esse vocabulário até então desconhecido pareceu ganhar um sentido concreto nas últimas edições. Até o ConteXtando ganhou uma nova roupagem. Aquela página diagramada em duas colunas de texto, com poucas imagens para complementar a informação, agora parece mais dinâmica. Lembra até o ‘diálogo possível’ da Cremilda Medina. Os entrevistados não só parecem ter mais voz, como vida... E por falar em redação jornalística, preciso estender meus comentários à seleção dos temas abordados nesta edição, seja campanha eleitoral na Internet, o mercado
de livros usados, ou exemplos de mulheres que vão à luta. Enfim, a turma está mais consciente de que agora o jornal ganhou fôlego com o aumento do número de páginas em decorrência principalmente do número de alunos matriculados no curso e na disciplina. Diversifiquem cada vez mais. Pensem em pautas que possam agradar além da academia. Pensem num Contexto que possa ser utilizado como projeto de expansão da UFS e da própria vida acadêmica e profissional de cada um de vocês. Pensem num Contexto que agradaria inclusive nossos pais, amigos e avós. Mas, e agora? O que fazer? Ora, continuo defendendo o Contexto como um bom jornal-laboratório, que está em fase de desenvolvimento e expansão, assim como o próprio curso de Comunicação. Digamos que ele esteja curtindo o início de sua adolescência e, portanto, está desfrutando das experimentações desta idade. A equipe está de parabéns. Apesar de pequenos ajustes que ainda devem ser avaliados, a equipe parece estar se afinando com a proposta editorial do jornal, ou pelo menos está contribuindo para criar uma proposta editorial efetiva para o nosso Contexto. Saudoso tempo em que nem sonhávamos com um programa de editoração eletrônica para diagramar as páginas de nosso jornal e que vivíamos salvando as várias versões em disquete... Por isso, queridos alunos, não deixem de cumprir com o deadline só porque a vovozinha ficou doente ou o hacker do ‘apagão’ deletou inexplicavelmente a reportagem de vocês do pen drive! Abracem a causa, sejam solidários com a data de fechamento da edição. Não esperem o colega tomar iniciativa e procurem sempre dar uma forcinha para a professora! Afinal de contas, o Contexto é portifólio de vocês. Continuem defendendo o jornal e brigando não só por novos formatos e layouts, mas principalmente para que o trabalho de vocês alcance o público leitor. Vocês são os responsáveis pela fama e/ ou anonimato do Contexto. Divulguem! C *Jornalista diplomada pela UFS, onde tem atuado como professora substituta nos últimos dois anos, e mestranda em Comunicação da Universidade Federal da Bahia.
Fotos da capa (de cima para baixo): 1) Fernanda Carvalho; 2) Wesley Soares; 3 e 4) Michel Oliveira; 5) arquivo pessoal; 6) Trotamundos; 7) arquivo pessoal
Contexto Universidade Federal de Sergipe Reitor: Prof. Dr. Josué Modesto dos Passos Subrinho Vice-reitor: Prof. Dr. Angelo Roberto Antoniolli Pró-Reitor de Graduação: Prof. Dr. Francisco Sandro Rodrigues Holanda Diretor do CECH: Prof. Dr. Jonatas Silva Meneses Chefe do Departamento de Artes e Comunicação Social (DAC): Profª. Drª. Messiluce da Rocha Hansen Profª. Responsável: Drª. Sonia Aguiar
Jornal Laboratório dos alunos de Jornalismo Equipe Contexto Diógenes de Souza Erick Souza Fernanda Carvalho Gabriel Cardoso Iuri Max Jeimy Remir Joanne Mota Larissa Ferreira Michel Oliveira Monique de Sá
Pedro Ivo Ricardo Gomes Victor Hugo Yasmin Barreto
Editoração Eletrônica Iuri Max Michel Oliveira
Edição de Fotografia Michel Oliveira
Contato Departamento de Artes e Comunicação (DAC) Universidade Federal de Sergipe Campus Prof. José Aloísio de Campos Av. Marechal Rondon, S/N, São Cristóvão - SE Fones: (79) 2105-6925 / (79) 2105-6926 E-mail: dac@ufs.br; jorlabcontextoufs@gmail.com
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Impressão Perfilgráfica Ltda. Rua Alameda das Hortênsias, 48, Imbiribeira, Recife - PE. CEP: 51160-400. Tel (81) 3339-3636. Tiragem: 1.000 (mil) exemplares
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Contexto
Política
Dez/2009 - Fev/2010
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Campanha eleitoral na Internet Novas regras animam políticos a usar a rede para ampliar debate com os eleitores Joanne Mota
joannemota@hotmail.com
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inhas telefônicas, modems, cabos, conexões sem fio (wireless), rádio, celular, satélites: esses são apenas alguns dos canais oferecidos hoje para o acesso e uso da internet. As chamadas redes sociais ou sites de relacionamento, por exemplo, são atualmente consideradas responsáveis pela maior parte dos acessos à internet. Elas trabalham incessantemente para aproximar e redefinir nichos sociais, ações cotidianas e modernizar profissões, como consultas médicas e o trabalho do sistema Judiciário. Agora, essas ferramentas deverão ser usadas intensamente nas próximas eleições, não somente como apoio ao trabalho dos órgãos que organizam e fiscalizam o processo eleitoral, mas também para quem pleiteia um cargo eletivo em 2010. De acordo com o Projeto de Lei 141/09, já aprovado pelo Senado, fica liberada a campanha eleitoral no ciberespaço através de sites pessoais e jornalísticos, blogs e redes sociais. Em alguns estados do Brasil já é possível observar políticos que iniciaram sua campanha online e criaram blogs, portais, redes de relacionamentos e seguidores no Twitter. Mas nada ainda que se assemelhe ao nível de relacionamento que foi criado por Barack Obama, nos Estados Unidos, em 2008, em sua campanha para presidente. O democrata conseguiu bater todos os recordes de financiamento em eleições já realizadas naquele país, com uma arrecadação de US$ 742 milhões de dólares. Segundo o artigo “Conexão Obama”, publicado em 2008, no The New York Times, pelo menos 54% desse dinheiro veio de doações menores de US$ 200, a maioria realizada pela rede. No mesmo ano, o número de brasileiros votantes superou 130 milhões de eleitores. Marco regulatório De acordo com dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), em 2008 foram contabilizados 70 milhões de brasileiros com acesso à rede mundial, dos quais a maioria na faixa etária de 15 a 24 anos. Esses dados retratam por que vereadores, deputados, senadores e governadores seguiram o exemplo
estadunidense e iniciaram uma corrida acirrada para ocupar espaço na web e ampliar o seu número de eleitores. Em Brasília, as discussões sobre o marco legal da internet se afinaram depois do mês de setembro. Desde o início, o objetivo do debate era definir os direitos e responsabilidades básicas no uso da rede mundial. Nesse sentido, o Ministério da Justiça realizou, no dia 29 de outubro, consulta pública para aferir as posições e definir o marco civil. Entre os temas que foram abordados destacam-se as ações de indivíduos e organizações que utilizam a web; a transparência das regras de responsabilidade civil dos provedores e usuários sobre o conteúdo postado; e as medidas para preservar e regulamentar direitos fundamentais do internauta, como a liberdade de expressão e a privacidade. Além disso, o Senado definiu que é vedado o anonimato aos jornalistas, e que deve ser garantido o direito de resposta para candidatos que se sentirem ofendidos na rede. O pesquisador da Universidade Federal de Sergipe César Bolaño diz que a inserção da internet na campanha eleitoral brasileira é mais uma tendência da comunicação na atualidade. Ele lembra que o momento agora é de atentar para a lisura dos procedimentos realizados, garantindo a igualdade de acesso para atores participantes do processo. “A internet, neste caso específico, poderá democratizar e facilitar a propaganda eleitoral dos candidatos, por que ela é relativamente mais barata que outras formas de propaganda”, explica o pesquisador. Políticos sergipanos Em Sergipe, muito já se fala do impacto que a internet poderá ter sobre a política local, especialmente de como poderá ser utilizada pelos candidatos para estabelecerem uma relação direta com seu eleitorado. O deputado federal Iran Barbosa diz que o uso da web já é uma constante em seu mandato. Segundo ele, a rede está se tornando uma ferramenta essencial para o debate, uma forma de democratizar a comunicação e uma alternativa menos onerosa para a campanha. O deputado reconhece que seu alcance ainda é limitado, mas diz que a idéia é abrir mais um canal de discussão com a sociedade sergipana. “Nós procuramos utilizar o ciberespaço de
forma ampla, explorando suas potencialidades. Um exemplo disso é a nossa ação de prestação de contas do trabalho realizado por nossa atuação parlamentar, com a alimentação constante do nosso site, envio de boletim semanal para nosso mailing e o uso do Twitter para informações instantâneas sobre nossa atuação, tanto em Brasília como aqui em Sergipe”, acrescenta. O editor de jornalismo do Jornal Cinform, Jozailto Lima, diz que a internet é hoje uma realidade indiscutível, e que como os políticos dependem de vasta interlocução com a comunidade para sua atuação na campanha, a rede torna-se mais uma ferramenta ampliadora dessa interlocução. Segundo ele, o projeto 141/09 foi uma decisão acertada, mas destaca que essa liberdade deve ser utilizada com responsabilidade. Iran Barbosa concorda e acrescenta que é com o espírito de prestação de contas que seu comitê utilizará a rede em sua campanha. “Respeitaremos as observações legais que ficarem definidas para uso da nova plataforma, sobretudo por que essa ação contribuirá para um confronto mais democrático nas próximas eleições de Sergipe e para um maior amadurecimento político da população”, completa. Outro fator apontado pelo editor do Cinform diz respeito ao público que esta nova modalidade de campanha quer abocanhar. Segundo ele, a geração de hoje não é mais da televisão e do rádio. O público jovem vive a internet, seja no celular, computador, netbooks, Iphone, etc. “A internet substituiu a TV e isso irá facultar ao adolescente de 16 a 18 anos, por exemplo, um estímulo para participar mais do debate político, o que contribuirá para sua inserção no processo eleitoral do país. E isso fará um bem enorme para democracia”, acrescenta Jozailto Lima. Para o assessor do deputado Iran Barbosa George Washington, o objetivo é trabalhar com todos os instrumentos de
comunicação possíveis e acessíveis ao mandato parlamentar, principalmente aqueles que sejam baratos e que ofertem conteúdos de qualidade. “Desde o início do mandato nossa equipe, que se divide entre Sergipe e Brasília, busca realizar ações que fomentem um feedback por parte da população.” Washington salienta que a apropriação do ciberespaço como ferramenta de trabalho hoje, seja nas eleições ou em outras atividades, é estratégica. “A grande mágica dessa ferramenta dinâmica é possibilitar o resgate de um público mais jovem, que cada vez mais se distancia da política e de suas posições ideológicas. A internet possibilitará uma aproximação desse público para as questões sociais e políticas, tal qual como aconteceu com os jovens norte-americanos na campanha do Barack Obama em 2008”, enfatiza. Qualidade no debate Com a criação de mais um ambiente de discussão nas eleições em 2010, uma interrogação que surge é sobre como ficará o nível de qualidade do debate com o uso dessas ferramentas. Para Jozailto Lima, este é um universo livre, sem custos, limpo, veloz e de alto alcance; um ambiente que o candidato usará para sua publicidade eleitoral e luta pelo pleito, o que deve ser feito com responsabilidade. “Não falo de censura, mas é preciso que as pessoas saibam que a internet tem limites e que não se pode usar um canal livre para macular a dignidade da pessoa”, lembra o jornalista. Apesar de todas as facilidades que a internet pode trazer como ferramenta, Bolaño considera essencial que os órgãos fiscalizadores, e mesmo a sociedade civil, fiquem atentos ao seu uso. “É importante lembrar que a igualdade de acesso para os candidatos, a liberdade de expressão e a responsabilidade de uso da internet são pontos fundamentais para garantir a construção de um debate democrático na rede”, enfatiza o pesquisador. C
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História e Sociedade
Dez/2009 - Fev/2010
Contexto
Primeiro clube do estado completa um século com muitas histórias Gabriel Cardoso
gabriel.roots@hotmail.com
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racaju viveu, até meados do século XX, uma intensa atividade nos clubes sociais e esportivos. Um dos sobreviventes dessa época é o Cotinguiba Esporte Clube, o primeiro de Sergipe, que no último dia 10 de outubro completou 100 anos. Ao longo desse período, acompanhou e abrigou importantes processos de mudança social no país e na capital – de movimentos políticos e golpes de Estado aos pioneiros bailes gay. Na década de 1950, o clube com sede na Avenida Augusto Maynard, 13, já figurava como uma das principais instituições sergipanas. Como era comum na época, foi fundado por “figuras ilustres da sociedade, como intelectuais e políticos membros das famílias mais abastadas de Aracaju”, segundo o atual presidente, Wellington Mangueira. Mas acabou seguindo uma trajetória pouco tradicional nos meios da elite local. Pioneiro no remo e no futebol, o Cotinguiba teve como rivais, durante décadas, o Iate Clube, a Associação Atlética de Sergipe e, principalmente, o Clube Esportivo Sergipe. Mas foi se diferenciando dos três ao aceitar em seu quadro de associados metalúrgicos e pescadores, num tempo em que a noção de inclusão social inexistia e os clubes de elite filtravam seus sócios pelo valor da mensalidade. “Foram eles que, muitas vezes, ajudaram na confecção de instrumentos para a prática do remo”, destaca Mangueira. É justamente por possuir em seu quadro social um considerável número de metalúrgicos, ou fundidores, e por estar localizado numa região conhecida como Fundição, que o clube passou a ser
chamado de o “Decano da Fundição”. Já nas primeiras assembléias, era possível encontrar entre os participantes membros de todas as classes sociais. “Desde que nasceu, o Cotinguiba foi um clube socialmente democrático. Nunca fez distinção de cor, estrato social ou posicionamento político”, orgulha-se Mangueira. Nos anos 1930, com a disseminação das idéias comunistas pelo Brasil, a sede do clube tornou-se um espaço de agitação intelectual, que muitos passaram a freqüentar para discutir política, filosofia e outros temas relevantes para a parte letrada da sociedade. “Aqui, muitos sergipanos amadureceram suas opiniões e assumiram suas convicções. Foi na nossa sede também que buscaram refúgio e foram acolhidos nos períodos de repressão da política brasileira”, relembra Wellington Mangueira. Durante a Era Vargas (1930-1945) e a Ditadura Militar (1964-1985), integrantes dos grupos de esquerda reuniam-se na sede do alvi-anil, onde até produziram panfletos e jornais. Os troféus serviam para esconder documentos comunistas. De acordo com um dos ex-presidentes do clube, Cássio Barreto, o fim da época áurea do Cotinguiba começa a partir do golpe militar de 1964. “Antes disso, ainda nos anos 1950, o Cotinguiba passou a investir mais na parte social do que na esportiva. Isso fez com que o clube deixasse de conquistar títulos, aos quais estava acostumado. Já na década de 1960, a sociedade começou a sofrer uma modificação muito grande. O regime militar tolhia qualquer forma de associação. Por conta disso é que os clubes saíram prejudicados”, argumenta Barreto. Nos anos 1970, o clube ainda desfrut-
Gabriel Cardoso
Sede do Cotinguiba: de reduto de políticos e intelectuais a pioneiro dos bailes gay
ou de alguma notoriedade e ganhou da imprensa local um novo apelido: “Tubarão da Praia”, nome do seu bloco carnavalesco. E manteve o caráter democrátio da sua sede como espaço aberto para a interação entre sócios e visitantes, sem preconceitos. O auge desse comportamento tipicamente cotinguibense de ser foi na década de 1980, quando se tornaram nacionalmente conhecidos os bailes gay, realizados em um período em que a discriminação aos homossexuais se intensificou, devido à propagação do vírus da Aids. Segundo o pesquisador Luis Antônio Barreto, diretor do Instituto Tobias Barreto, daí para frente Aracaju se transformou a tal ponto que o Cotinguiba e outros clubes não conseguiram acompanhar. “Antes, as pessoas encontravam nos clubes um espaço que lhes oferecia esportes, sociabilidade e lazer, quando não havia tantas opções, a não ser os cabarés
e as bodegas. Atualmente, o cenário está diversificado. Por isso, a hegemonia dos clubes se diluiu”, analisa. O fato de os dirigentes dos clubes não terem acompanhado as dinâmicas sociais também está relacionado à pluralidade de famílias vindas de outras regiões do país, bem como à falta de incentivo por parte do poder público. De um lado, pessoas trouxeram diferentes hábitos e estilos de vida para a pacata cidade, onde durante muito tempo apenas algumas famílias comandavam as festas e conferiam aos clubes prestígio social. De outro, os governos que antes destinavam recursos e faziam parcerias com os clubes, agora estão distantes e não demonstram interesse em revitalizar esses espaços. Nesse cenário, o Cotinguiba luta para continuar vivo, não apenas na memória dos mais antigos aracajuanos, mas também no cotidiano das novas gerações. Será possível? C
Contexto
Economia
Dez/2009 - Fev/2010
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Passe adiante que alguém compra Mercado de livros usados ainda é restrito em Aracaju, mas dá sinais de crescimento Ricardo Gomes
rgcfilho@hotmail.com
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ra aniversário de João Fumaça quando o Contexto o encontrou no Mercado Municipal Albano Franco para uma entrevista. Nascido em seis de novembro de 1938 – “o ano da morte de Lampião”, coincidência da qual se orgulha mostrando a carteira de identidade –, ele ganhou o apelido igual ao do atacante paulista justamente por causa da agilidade no futebol. Bola, entretanto, não é a grande ocupação de João. Dos seus 71 anos, ele dedicou os últimos trinta à venda de livros usados. O Sebão do Fumaça fica três corredores à esquerda da seção de pescados do Mercado do Centro da cidade. Vende livros, revistas e até informes publicitários, cédulas e moedas antigas. Os volumes costumam variar entre R$ 1,50, como o cordel sobre a vida do próprio João Fumaça, e R$ 10, como alguns dos vários romances empilhados na banca. Tirando os cordéis, quase tudo é de segunda mão. “Tenho cliente já fixo, que compra, troca, vende. Bem uns trezentos. Dá pra tirar um dinheiro”, informa o dono da loja. Maria Aparecida da Silva, moradora do bairro Siqueira Campos, é uma das compradoras recorrentes. “Venho sempre ver se chegou alguma doação. Muita revista de crochê antiga tem coisa boa”, revela. Mas João Fumaça não vive apenas com o que ganha no sebo – apesar de trabalhar todos os dias, inclusive domingos e feriados. “Sou aposentado do INSS, é claro”. Como Claudionor Papes, que tem uma banca na praça Olímpio Campos, Centro da cidade, e trabalha há cinco anos com livros usados, a preços entre R$ 15 e R$ 20. “Viver só disso é difícil”, comenta o comerciante. Segundo ele, os aracajuanos geralmente não se interessam muito por sebos. “Proporcionalmente, vendo mais para turistas. É raro um deles passar por aqui e não vir olhar”, afirma. “Em Recife, você tem a Rua da Roda, cheia de sebos, em Campina Grande o negócio é grande”, compara Papes. Dinossauros e coronéis A prosperidade de um sebo depende da história cultural do lugar onde ele se estabelece. É o que pensa Luiz Henrique Angélico, proprietário do Coquetel da
Cultura, que possui uma loja na rua Campo do Brito, bairro São José, e outra na avenida Acrísio Cruz, Salgado Filho. Angélico, que é baiano e trabalha com livros desde os 14 anos – hoje tem 46 –, diz que Aracaju levou muito tempo sem ter sebo. “Quando eu abri o meu aqui, em 2002, notei que a geração mais nova nem sabia o que era isso”. Salvador, que foi a primeira capital do Brasil e recebeu muitos povos diferentes, possui um dos maiores sebos do país, o Brandão. A demografia, é claro, também tem seu peso. A região metropolitana de Salvador tem hoje 3,8 milhões de habitantes (quase cinco vezes mais que a população da Grande Aracaju). Proprietário do Dinossauro Universo Cultural, da rua de Santa Luzia, bairro São José, Manoel Bonfim tem opinião semelhante à de Luiz. “Por ser uma terra de coronéis, os sebos aqui não tinham grande aceitação”, conta. De fato, muitas pessoas ainda não têm idéia do que acontece detrás do toldo amarelo do Dinossauro. “Tem gente que pergunta se estamos de mudança”, ri o dono da loja. Há cinco anos no mercado, Bonfim, no entanto, percebe um crescimento constante nesse ramo de negócios. Para cada dez livros que vende, entram cem. Com a carroceria apinhada de romances, enciclopédias e volumes de Tesouros da Juventude, uma Parati estaciona em frente ao Coquetel da Cultura da Acrísio Cruz, às quatro e meia da tarde de uma quinta-feira. Do outro lado do estacionamento, Luiz Angélico remexe nas caixas do porta-malas de um Prêmio CS, puxa um livro de Serviço Social, um atlas médico e os empilha no batente de uma janela próxima. “Isso não é todo dia”, pondera Fúria, atendente da Coquetel, enquanto descarrega o restante dos livros numa mesa de plástico próximo à entrada da loja. Mas certamente é uma situação bem diferente da que Angélico enfrentou sete anos atrás, quando chegava a ficar oito dias sem vender nada. Hoje, nas duas lojas, seu acervo ampliou-se de nove mil para 210 mil títulos. Manoel Bonfim também vive inteiramente do negócio de venda de livros. Paga o aluguel do ponto e sustenta a família – mulher e dois filhos – apenas com o que ganha no Dinossauro. “Quando o cliente traz livro sem querer tirar capital, ele dá
Didáticos de mão em mão Boa parte do rendimento dos sebos aracajuanos sai da venda de livros para estudantes. Manoel Bonfim, do Dinossauro Universo Cultural, diz que os livros para essa clientela são importantes porque “pegam três fases boas de saída: o vestibular, os concursos públicos e a universidade”.
Fotos: Ricardo Gomes
Coquetel da Cultura (acima) e Dinossauro Universo Cultural: sebos em ascensão
até de graça”, pontua. Os preços variam de acordo com o estado de conservação e raridade, mas o livreiro costuma comprar obras por R$ 2 ou R$ 3 e vender por R$ 10, R$ 15. “Aqui não se tem o objetivo de fazer fortuna”, avisa. “E vale tudo: pechincha, troca”, sugere. Sol, mar e café Vale muita coisa para manter o negócio andando. O Coquetel da Cultura, por exemplo, tem apostado nos livros de ponta de estoque – aqueles de edições atrasadas ou que, por outros motivos, “sobram” nas editoras. Eles costumam ser vendidos por pelo menos 40% do preço do livro que chega às livrarias. Essa estratégia de diversificação também pode ser usada para oferecer outros tipos de serviços – e agradar o cliente. “O Coquetel da Cultura foi aberto com lanchonete e restaurante”, recorda Angélico. Nos tempos difíceis do começo da empresa, eram eles que a sustentavam. Hoje não há mais restaurante e a lanchonete serve apenas para a conveniência de quem visita o sebo. Observar o que os concorrentes do ramo andam fazendo também ajuda a tomar decisões. Andressa Strack e Denizard de Andrade, por exemplo, fundaram o Livro Lido em Curitiba 12 anos atrás. Decidiram mudar o negócio da capital paranaense para Maceió em 2008. “Viemos atraídos pelo sol e mar do Nordeste”, admite Andressa. O sebo funciona na rua Sá e Albuquerque, bairro Jaraguá, com
um café que sedia lançamentos de livros, apresentações de música e teatro, além de discussões literárias. Desde 2004, o Livro Lido funciona também pela internet, através de site próprio. Mais recentemente, passou a atender clientes através da Estante Virtual, portal que agrega 1.667 sebos de 300 cidades do país. Dos 20.000 títulos do Livro Lido, 5.834 estão disponíveis na Estante. Nenhum sebo de Aracaju possui experiência em venda na web, inclusive os cadastrados na Estante Virtual. Das três lojas da capital filiadas ao site, apenas a KByte possui acervo cadastrado – e de apenas dez exemplares. Para Fúria, do Coquetel, investir na web nem sempre vale a pena: “aqui, duas pessoas teriam que ser mobilizadas só para isso”, argumenta. Já Claudionor, João e Manoel prometem novidades nesse sentido para o ano que vem. “Vou modernizar isto aqui, colocar na internet. Lá fica tudo catalogado, é mais fácil”, conclui João Fumaça. C
Ele garante 40% do faturamento apenas com livros didáticos. Depois vêm os romances e as obras de Filosofia, afirma. “É uma grande economia”, comenta o doutorando em Sociologia Camilo Santa Bárbara sobre o hábito de comprar livros usados. Ele freqüenta sebos há cinco anos e costuma ir ao Coquetel da Cultura de três em três meses.
Os empresários da área muitas vezes se deparam com inconstâncias nas vendas – “tem dias que eu vendo R$ 200, R$ 300, outros nada”, coloca Bonfim –, mas a clientela estudantil acaba criando pontos de segurança. “O livro didático é um livro que se necessita – não tem para onde o cara correr”, conclui Luiz Angélico, do Coquetel. C
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Educação
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Contexto
Mídia alternativa na escola
Projeto de educomunicação capacita jovens do Semiárido Jeimy Remir
jeimyremir@hotmail.com
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os 36 municípios da região semiárida sergipana, 36 adolescentes e 36 educadores aprenderam a utilizar meios de comunicação como exercício de cidadania e como suporte às atividades pedagógicas, a partir de uma iniciativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A coincidência dos números foi casual e logo superada pelos resultados alcançados pelo Instituto Recriando – organização não-governamental que promove os direitos da infância e da adolescência no estado e foi encarregada pelo Unicef de conduzir o projeto Educomunicação para o Desenvolvimento. Depois de uma fase experimental em 2008, o projeto recebeu apoio da Petrobras, via o Fundo Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, e passou a atender 108 jovens. De abril a outubro deste ano, eles passaram por um processo de capacitação para utilizar meios de comunicação de baixo custo, como o jornal mural, fanzine, blog e radioescola, em atividades de participação política e social. De acordo com a jornalista e presidente do Instituto Recriando, Joyce Peixoto, a escolha do Semiárido deu-se por uma necessidade de enfrentar problemas que não são só climáticos. “Escolhemos esse público pela quase invisibilidade desses municípios nos veículos de comunicação de grande porte de Sergipe. Muitos deles não se reconhecem ao assistir os telejornais locais, que não raro estão focados nas notícias de Aracaju. A cobertura sobre essa região, quando acontece, destina-se a falar da seca, e quase sempre tendo como viés a situação de emergência do gado morto, do solo rachado e da criança desnutrida”, observa a jornalista.
Da prática à teoria A educomunicação surgiu no Brasil como um campo de estudos e de práticas relacionados à formação de senso crítico frente à mídia, em especial a televisão. Mas o termo ganhou novo sentido depois que pesquisas do Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo (USP) mostraram que ONGs de vários países da América Latina utilizavam a comunicação alternativa para debater problemas sociais em comunidades e como suporte à educação popular. É nesse sentido metodológico que agora se fala em educomunicação, segundo o professor da USP Ismar Soares, considerado pioneiro desse campo de estudos no país. Joyce Peixoto avalia a educomunicação como uma prática educacional de transformação da realidade, que vai além da proposta de formar potenciais comunicadores. “Seu foco principal é o de ser uma prática educacional provocativa e de estímulo ao desenvolvimento da análise crítica dos educandos, que nessa proposta não são meros receptadores de informações, mas agentes de transformação da realidade através do papel de multiplicadores de saberes”, conclui. Protagonismo juvenil No agreste sergipano, próximo às cidades de Lagarto e Simão Dias, a cerca de 55 km da capital, no município de São Domingos, vive a adolescente Ana Lucia do Carmo, de 15 anos. Aluna do 1º ano do ensino médio na Escola Municipal Prefeito José Fonseca Lima, ela integra um grupo de jovens que participa ativamente da vida social e luta, sobretudo, pelos direitos infanto-juvenis. Essa vivência do chamado protagonismo juvenil começou a fazer parte da vida Ascom Instituto Recriando
Jovens participam de oficina de radionovela
Fanzines produzidos em uma das oficinas
dela depois que participou de um projeto social voltado para jovens do semiárido sergipano. Hoje Ana Lucia integra, com outros adolescentes, o Pacto: Um Mundo para a Criança e o Adolescente do Semiárido, do Unicef, e apresenta um programa de notícias em uma rádio comunitária de seu município. “A equipe administrativa da Radio São Domingos já vinha pensando em colocar uma locutora nas programações. Como estou militando pelos direitos da infância e da adolescência, principalmente na minha escola e agora formando o pacto do Unicef, recebi o convite para participar de um programa de notícias voltado para o público jovem. E aceitei na hora”, contou com entusiasmo a adolescente. Na função de estagiária por um período de dois meses, com possibilidades de contratação, Ana Lucia estreou o programa São Domingos Notícias no início de novembro. Ao se apresentar aos ouvintes, definiu seu papel de apresentadora. “Meu principal desafio é estimular o público jovem, principalmente os adolescentes do meu município, a participarem da vida política e social da nossa comunidade”, enfatizou. O programa é apresentado de segunda a sexta-feira, das 6h às 8h, e conta com a participação de um locutor, de um sonoplasta e mais dois repórteres de rua, que transmitem as notícias da cidade, fora do estúdio de gravação. Sobre a experiência de apresentar um programa de rádio, a jovem locutora relatou: “Depois de participar do projeto de educomunicação, minha vida mudou para melhor. Hoje eu entendo o que é um veículo de comunicação e o analiso criticamente. Aqui na rádio, além de apresentar notícias sobre drogas, educação, violência e saúde, também emito mensagens de estímulo e mobilizo os jovens do meu município a se engajar na política. É tudo tão novo e me sinto orgulhosa quando as pessoas me reconhecem na rua, elogiam, dão dicas e dizem: ‘Olha, é a menina do rádio’”, descreve Ana Lucia. Multiplicação de saberes Depois de colocar em prática o que aprenderam no projeto do Instituto Recriando, Ana Lúcia e mais duas adolescentes receberam um novo desafio: multiplicar esses saberes em São Domingos. A replicação deu-se com a implantação da educomunicação na Escola Prefeito José
Fonseca Lima, utilizando as mesmas ferramentas de blog, fanzine e jornal-mural com estudantes do ensino médio. A partir dessa experiência, elas decidiram ampliar a participação nas oficinas para alunos do ensino fundamental, com o apoio da direção e da coordenação pedagógica. “Entrei no projeto como aprendiz e sai oficineira. Antes, eu tinha uma ideia superficial da comunicação. Hoje já entendo como ela funciona em nosso país. Tudo isso tem me trazido bons frutos, entre eles a implantação da educomunicação em nossa escola, que no futuro próximo contemplará os mil alunos que aqui estudam. Quando isso acontecer, me autodeclararei uma multiplicadora de saberes”, promete. William Santos
Ana Lúcia na rádio comunitária
Outras iniciativas A educomunicação também vem sendo adotada por outros projetos em Sergipe, como o Mídia Jovem, desenvolvido pela Secretaria de Comunicação do governo estadual. Este projeto já ofereceu seis oficinas no município de Brejo Grande, durante um ano, e atualmente atua nos bairros Santa Maria e Coqueiral. Sua última iniciativa é no Cenam, onde atende jovens em processo de ressocialização. Para o professor de Publicidade e Propaganda da Universidade Federal de Sergipe (UFS) Matheus Felizola, que realizou pesquisas em escolas públicas do município de Itabaiana, essa metodologia estimula a criação de ecossistemas comunicativos nos ambientes escolares. “A capacitação de educadores para o uso de diferentes linguagens midiáticas em sala de aula e a familiarização de professores e alunos com os diversos meios de comunicação possibilita melhor utilização da mídia bem como sua análise crítica”, avalia. C
Contexto
Cidadania
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Fotógrafos revelam outros olhares Projetos usam arte e técnica para inclusão e mobilização social
Paulo Comis
Victor Hugo
v.h.jornalista@gmail.com
A
fotógrafa carioca Monaliza Godoy precisou atravessar o país e se deparar com uma realidade bem diferente da que vivenciou na “cidade maravilhosa” para perceber outras visões de extrema pobreza e violência que marcam certos grupos sociais. Radicada em Aracaju há 20 anos, ela resolveu revelar as imagens e percepções do bairro Santa Maria – um dos mais populosos e mais pobres da cidade - a partir da visão infantil. O projeto Olhar de Criança, criado por ela em 2008, vem propiciando a meninos e meninas do bairro uma nova maneira de se relacionar com a fotografia no seu próprio meio social. A partir de aulas com noções básicas de fotografia, teóricas e práticas, os jovens munidos de câmeras descartáveis retratam o bairro de um modo poético e particular. “Eles tiveram a oportunidade de aprender e reproduzir aquilo que foi passado, além de entenderem melhor o meio em que vivem”, destaca a fotógrafa. Ela também ressalta que motivação e auto-estima foram dois grandes fatores que caracterizaram o projeto. O ensino da fotografia como elemento de inclusão social, além de desenvolver conhecimentos práticos, permite que eles possam construir novos parâmetros de socialização dentro de suas comunidades. Monaliza, que trabalha há 15 anos com fotografia, explica que “o investimento em projetos sociais permite que várias comunidades venham a se desenvolver. O Olhar de Criança possibilita que esses meninos e meninas consigam estimular sua percepção crítica, possam projetar novas possibilidades e desenvolverem modos de expressar seus olhares”. Como resultado, o trabalho desses jovens foi transformado em uma exposição fotográfica que ficou
Alunos da exposição ‘Olhar de Criança’ organizada pela fotógrafa Monaliza Godoy (de preto à esquerda)
15 dias no Shopping Riomar, em outubro, e integrou evento em comemoração ao Dia da Criança promovido pelo governo do Estado. A qualidade do trabalho das crianças e adolescentes do Santa Maria estimula Monaliza a prosseguir com o projeto e comprova o potencial da fotografia para incluir socialmente grupos marginalizados ou discriminados. Trotamundos Coletivo Foi por também acreditar nos benefícios que podem ser gerados pelo ato de fotografar que Alejandro Zambrana, Daniely Clarisa, Danilo Bandeira, Marcelinho Hora e Zak Moreira formaram o primeiro grupo de fotógrafos de Sergipe, o Trotamundos Coletivo. “A raiz desse projeto é composta por cinco fotógrafos, o que não significa que somos apenas isso. Somos produtor cultural, designer, fisioterapeuta, administrador e fotojornalista, que levamos conosco o gosto pela arte e tudo aquilo que dela pode ser despertado”, explica Zak. Dentro das ações do coletivo, o projeto Quem faz a foto? foi levado a uma uni-
Assistidos pelo CAPS participam de oficina do projeto Quem faz a foto?
dade do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) no bairro Santos Dummont, em Aracaju. Lá, eles desenvolveram algumas oficinas de fotografia que tinham como público-alvo pessoas com desequilíbrios mentais severos e persistentes. Nessas oficinas, o Trotamundos tentou transmitir de forma dinâmica e didática algumas técnicas básicas de fotografia, utilizando uma linguagem adequada aos participantes. O coletivo ainda enfrenta pequenas dificuldades, mas que não comprometem significativamente suas ações. “Apoio e espaços diversos para a fotografia se mostrar como arte na nossa cidade ainda são escassos. Tudo aqui é pensado muito individualmente, por isso decidimos criar esse coletivo”, explica. Ainda assim, o grupo conseguiu organizar a exposição do projeto Quem faz a foto?, incluindo a produção dos assistidos do CAPS, no período de 16 de novembro a 5 de dezembro, no Espaço Semear. Muito além de Sergipe Em todo o Brasil não é difícil encontrar outros projetos e trabalhos semelhantes que apostam na fotografia como medida de inclusão social ou como instrumento de mobilização, sobretudo de jovens. O projeto Aos Olhos dos Erês realiza um trabalho que envolve adolescentes de 10 a 18 anos, moradores do Candeal Pequeno e adjacências, em Salvador. A iniciativa vem sendo desenvolvida pela Associação Pracatum e apoiada pelo Criança Esperança. Seguindo a lógica de outros projetos do tipo, Aos Olhos dos Erês desenvolve oficinas artísticas e educação ambiental, além de proporcionar um adequado suporte de ensino da fotografia. Tudo
isso, a partir de uma didática que, além das técnicas, busca difundir a noção da linguagem fotográfica como meio de expressão sócio-cultural e artística. O resultado dessas propostas pôde ser visto em uma exposição que resgatou a cultura do Candeal através do olhar de crianças do bairro. Na Favela da Maré, no Rio de Janeiro, os reconhecidos fotógrafos João Roberto Ripper e Ricardo Funari desenvolvem desde 2004 o projeto Imagens do Povo com o objetivo de formar fotógrafos através do registro do cotidiano de comunidades carentes a partir do olhar dos jovens das próprias comunidades. Desde então a Escola de Fotógrafos Populares formou cerca de 100 profissionais em 4 turmas, com participantes de diferentes comunidades, e vem aperfeiçoando a sua estrutra curricular e sua infraestrutura técnica. O banco de imagens gerado pelo projeto pode ser conferido na internet: www.imagensdopovo.org.br. Em São Paulo, o programa Fotografia e Cidadania, realizado na Febem Tatuapé, com apoio do Senac São Paulo, ofereceu curso e oficinas de fotografia aos monitores responsáveis pelas atividades com os adolescentes das várias unidades da instituição. Todas as ações eram acompanhadas por fotógrafos. No último dia 22 de outubro eles inauguraram a exposição Memórias do POC, onde o trabalho de 40 alunos envolvidos nas primeiras turmas das oficinas do Programa de Ocupação Cultural foi contemplado pelo público. Além de ter seus trabalhos exibidos na coletiva, os alunos receberam certificados de conclusão do curso. Em todos esses projetos a fotografia vem sendo utilizada como um instrumento de expressão pessoal, fazendo com que os beneficiados encontrem novos olhares sobre si e sobre o espaço onde vivem. A educação visual desses grupos cria possibilidades de inclusão social a partir da contribuição da arte fotográfica. C
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Cultura
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Contexto
A invasão sergipana Marcelinho Hora
Rock autoral (e independente) busca espaço e atravessa fronteiras Integrantes da Elisa, Daysleepers e The Baggios reuniram-se para turnê em quatro estados do Nordeste
Pedro Ivo
p3dr01v0@hotmail.com
A
té pouco tempo atrás, o rock autoral sergipano sofria de alguns problemas: não havia músicos dispostos a enfrentar o desafio de criar novas bandas, o público não era tão cativo e o apoio à cena autoral também era restrito. Mas esse é um quadro que vem mudando. O trabalho autoral e independente é aquele em que, além de montar um repertório com suas próprias composições, os músicos não costumam contar com a participação de empresários, produtores profissionais ou grandes gravadoras. Neste caso, as bandas geralmente são promovidas por gravadoras pequenas ou até pelos seus próprios músicos, que hoje dispõem de mais facilidades e menores custos para gravar um EP – disco promocional contendo de três a cinco músicas – ou um CD completamente autoral. Bandas nesse estilo, como a Elisa e a Daysleepers, têm surgido nos últimos dois anos e dado força a esse tipo de produção no estado. Elas somam-se a nomes mais antigos e com algum reconhecimento de público, como a Plástico Lunar – já com quase dez anos de estrada – e a The Baggios, que começou a tocar há cinco anos. Apesar de a maioria das bandas ser recente no cenário musical sergipano, todas produzem material de qualidade, que não deve nada a bandas de outros estados, seja do Nordeste ou de qualquer região. Cada uma possui influências claras no seu som, o que as atribui forte identidade.
A Daysleepers mostra claramente uma influência do rock dos anos 1960, assim como a Elisa lembra bastante bandas dos anos 80, como The Cure e The Smiths, mas ao mesmo tempo tem toques de um som “experimental” (marcado por efeitos diversos, normalmente vindos de instrumentos como teclado). Também recebe influências mais recentes, oriundas de bandas que o grande público em geral desconhece, como LCD Soundsystem ou Mew. Já a The Baggios mostra influências de bandas de rock setentista e possui também grande pegada de blues. A Plástico Lunar vai por uma linha próxima, porém, mais puxada para o rock “garageiro”, lembrando o som de grupos como Mutantes e Pink Floyd, com marcas de Bob Dylan. Desafios e oportunidades Um recurso que auxilia muito na divulgação do trabalho dos grupos hoje é a internet, sobretudo através de sites como Myspace e Trama Virtual. “Há também o Ladonorte, que é um selo online, por onde a Baggios, a Elisa e a Daysleepers saíram. Dá não só para baixar as músicas, como também para conhecer a arte dos artistas que têm lá”, lembra Pedro Yuri, vocalista da Elisa, que ressalta que mesmo com a divulgação online, gosta de ter o disco dos outros artistas em mãos. “Você conhece mais a ‘arte’ da banda pelas ilustrações dos discos”, observa. Apesar de a cena autoral estar novamente ganhando força em Sergipe há pouco tempo, um público cativo vem se
formando, ainda que não muito grande – característica comum nesse meio. Normalmente não passa de 100 pessoas por show, em noites de “casa cheia”, como se diz no jargão musical. Outro grande problema que permanece, na opinião dos músicos, é a falta de locais para tocar, uma vez que há apenas o Capitão Cook e a recém-aberta Casa do Rock, localizada na praia de Aruana. “O público também é meio ‘de lua’, já que um dia aparecem 20 e no outro pode passar de 100 pessoas”, lembra Júlio Andrade, que toca guitarra e faz vocal na The Baggios, e também é guitarrista na Plástico Lunar. Conhecido como Julico, o músico lembra um detalhe importante sobre a Casa do Rock: “ninguém vai lá pra ficar na porta sem entrar, coisa que ocorre muito no Capitão Cook”, compara. Das dificuldades que os músicos enfrentam, além da falta de espaços, há também a ausência de um festival que represente a cena local. O último desse tipo deixou de existir há quatro anos. Era o Punka, organizado por Alexandre Hardman, que hoje realiza a Derrota Fantasy (festa com temática à fantasia voltada para o público que curte rock) e o Coverama (festival de bandas “cover”, que ocorre durante a maior parte do ano). O Punka teve participação de várias bandas e artistas do cenário independente, não só de Sergipe, como de outros estados, inclusive de outras regiões. Sem um festival, Sergipe acabou ficando apagado dentro do cenário independente. O apoio que o governo dá às bandas também não é dos maiores. Mesmo com o projeto Freguesia, que foi organizado pela Funcaju e contou com vários artistas (entre eles as bandas citadas aqui, que tocaram entre maio e julho), não há um suporte contínuo. “Esses lances em que o governo ajudou, foram mais ‘marketeiros’, daquela história de ‘Aracaju, capital da qualidade de vida’’’, lembra Arthur Maia, vocalista da Daysleepers. Julico também reclama da pouca divulgação do projeto, que praticamente se restringia à ‘agenda cultural’ da TV Sergipe. Em outros estados do Nordeste, todas as bandas causaram (e ficaram) com uma boa impressão. Três das bandas citadas (Elisa, Daysleepers e The Baggios) realizaram uma pequena turnê por Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Bahia, em julho deste ano. Lá, na maioria dos shows, houve mais público que aqui. “Em
Poções (na Bahia), foi memorável. Não esperávamos quase nada e tivemos hotel bancado pela organização, uma estrutura de show muito legal... E muito público! Uma experiência de ATPN (antigo local de realização do Coverama) dobrada (algo em torno de 250 a 300 pessoas, o triplo do que há numa apresentação normal)!”, conta Pedro Yuri. Ainda que em alguns locais tenha havido contratempos (como shows cancelados pelas mais variadas razões), o saldo, na opinião dos músicos, foi positivo, com grande reconhecimento do público e convites para shows em outros estados, inclusive fora do Nordeste. “Numa escala de 100% foi tipo uns 70%. Fomos muito bem-recebidos nos lugares”, recorda Arthur Maia. Apesar de todos esses sinais de retomada, a cena autoral e independente de Sergipe ainda não tem a força que se observa em outros estados da região. Em João Pessoa, por exemplo, há muita coisa acontecendo. “O Festival Mundo, onde a Baggios tocou, é motivada pelo ‘Coletivo Mundo’, que são bandas que se juntaram, fundaram um estúdio de ensaios, alugaram um espaço pra shows, onde rola bandas do círculo deles, bandas amigas e convidadas”, exemplifica Pedro Yuri. Entre oportunidades, problemas e desafios, o rock autoral sergipano segue em ascenção, conquistando cada vez mais público e reconhecimento, tanto localmente quanto no Nordeste. C Wesley Soares
Pedro Yuri da Elisa em um show na Bahia
Contexto
Cultura
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Produtores locais apontam caminhos para o audiovisual ganhar as telas Larissa Ferreira
Making of da animação As aventuras de Seu Euclides, de Marcelo Roque Belarmino
Cacique Serigy, não considera que esse aumento no número de produções seja um avanço. “Existem mais produções locais atualmente em Aracaju, com o advento das novas tecnologias, assim como na África, na Ásia e na Oceania. Mas, o que de fato seria o ‘avanço’? Quantidade ou qualidade?”, rebate. Como forma de divulgar parte dessas produções, a Aperipê TV lançou em 2008 o 1º Festival Sergipano de CurtasMetragens para Televisão – Curta Aperipê. O evento tencionava exibir e premiar as produções realizadas no estado, mas não conseguiu passar da primeira edição. Já o Programa de Fomento à Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro – DOCTV, que desde 2003 tem contribuído para a realização de diversos filmes em todo o país, premiou o sergipano De Barra a Barra, de Carlos Eduardo Ribeiro Júnior, com o valor de R$ 110 mil. Além da falta de mais eventos de exibição, outro problema que os produtores sergipanos enfrentam é a carência de mecanismos de fomento. “Falta implantar um política cultural que proporcione maior regularidade de editais para a produção de filmes nas diversas bitolas, e faltam projetos direcionados para que essas produções cheguem ao grande público”, argumenta Ribeiro Filho. Os poucos oferecidos, como os da Fundação Municipal de Cultura, Turismo e Esportes (Funcaju) ou os de apoio ao cinema do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), ainda são restritos e mal divulgados.
relação ao audiovisual essa lei não tem servido para quase nada. Quem aponta esse descaso é Marcelo Roque Belarmino, criador da animação As aventuras de Seu Euclides e de vídeos como Quebra-cabeça: “Nem como prefeito ele ativa a lei. Eu não sei se ele se arrependeu, não sei o que aconteceu. Nem o governador Marcelo Déda, quando prefeito, nem ninguém impulsionou essa lei novamente. Não deu certo esse negócio”. No momento há apenas uma promessa do vereador Nitinho (DEM), de apresentar à Câmara Municipal de Aracaju uma emenda ao orçamento de 2010, em benefício dos artistas locais para apoio aos seus projetos.
de curtas e documentários de qualidade mas ainda é muito incipiente no que se refere ao volume de produção. Contudo, “a qualidade é compatível com o que vem sendo produzido no resto do país”, avalia. A jornalista e crítica de cinema Suyene Correia reconhece que existem boas produções, mas acha que o amadorismo ainda prevalece. “O pessoal, com essa história de que está mais fácil de filmar por conta do digital, está se esquecendo do principal: roteiro. Quando ainda tem alguma história para contar, esbarra na precariedade das filmagens, amadorismo dos atores, entre outros problemas”, explica. Por essa razão, Alessandro Santana, autor do curta-metragem A Eterna Maldição do
Escola de produtores O Núcleo de Produção Digital Orlando Vieira (NPDOV), associado à Rede Olhar Brasil, foi criado em 2006, por meio de uma parceria entre a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura e a Prefeitura Municipal de Aracaju. Desde então, o núcleo oferece oficinas livres e cursos modulares para a capacitação e formação de profissionais na área do audiovisual. Em média, o NPDOV já produziu 30 vídeos, atuou na co-produção de 14, e só em 2008 mais de 200 pessoas participaram de cursos e oficinas. Outra iniciativa recente na área foi a criação do curso de Audiovisual da Universidade Federal de Sergipe, em substi-
tuição à graduação em Rádio e TV. O curso tem o objetivo de preparar e formar profissionais para atuar nos processos de criação, produção e realização de formatos audiovisuais, como também trabalhar com diferentes mídias. Além disso, visa acompanhar o desenvolvimento das tecnologias de produção de áudio e vídeo. Professora do curso, Ana Ângela Farias vê com otimismo a iniciativa: “Eu acho que Sergipe ainda tem muito a conquistar, mas a própria idealização e concretização dessa habilitação em audiovisual é um passo à frente em relação a isso”, comenta. Porém, considera preocupante a falta de estrutura e de equipamentos. “A gente ainda tem problemas infra-estruturais sérios. A expectativa é que no próximo semestre cheguem equipamentos que já estão sendo providenciados pela área de planejamento da UFS e que no futuro nós vamos ter o Complexo de Comunicação”. Sobre as dificuldades que os alunos encontrarão em relação ao mercado de trabalho em Sergipe, Ana Ângela também tem boas expectativas. “Eu espero que a maioria desses alunos consiga espaço de atuação aqui. A gente não pode formar pessoas que só vão ter oportunidade de trabalho fora do estado”, acrescenta. Para a professora Lilian França, “o cenário futuro é promissor e abre amplas perspectivas de trabalho para os egressos da UFS. Mesmo quem quiser trabalhar por conta própria poderá encontrar espaço para montar sua própria microempresa com um custo baixo”, avalia. O novo curso do Departamento de Comunicação da UFS vem atraindo estudantes de outros estados, como Cleiton Lobo, do Espírito Santo, e Tácio Gouvea, da Bahia. “Sempre quis fazer cinema, mas a questão de não ter o curso em Vitória impediu que eu fosse atrás disso. Ir para o Rio de Janeiro não era uma coisa que me interessava e como minha mãe mora aqui, então vi a oportunidade”, comenta Lobo. O estudante de audiovisual Marcel Andrade, também da Bahia, mostra-se animado com o curso: “Tenho motivação em continuar na área, porque com as novas tecnologias tudo está mais fácil e acredito que o mercado tende a crescer porque haverá turmas se formando, e mais pessoas interessadas em produzir”. C
Melissa Warwick
Michel Oliveira
Anderson Bruno
Moema Costa
Festival Curta-SE em sua 9º edição
Alunos em oficina do NPD Orlando Vieira
Cena do curta “Cacique Serigy “
Cena da animação “Seu Euclides”
larafiona@gmail.com
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azer produções audiovisuais independentes em Sergipe ainda é uma tarefa complicada. Primeiro, são poucos os incentivos públicos. Segundo, apesar de o mercado estar em sensível expansão, não há eventos suficientes que divulguem as produções locais. A Lei Municipal de Incentivo a Cultura, criada em julho de 1991 pelo então vereador Edvaldo Nogueira (PC do B), prevê incentivos fiscais para a realização de projetos em diversas áreas, como literatura, música, artesanato ou cinema. Contudo, a realidade atual mostra que em
Apesar do espaço ainda reduzido, o cenário audiovisual dá sinais de crescimento em Sergipe. O sucesso do Festival Iberoamericano de Cinema de Sergipe – CurtaSE e a criação de um núcleo de produção digital vêm contribuindo para aumentar as produções e valorizar um pouco mais o mercado. “A situação melhorou muito com duas coisas fundamentais: o interesse do público com o Curta-SE e o Núcleo de Produção Digital Orlando Vieira”, comenta Belarmino. Para Ribeiro Filho, presidente da Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas Seção Sergipe (ABDSE), o estado tem uma produção regular Moema Costa
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Saúde e Lazer
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Contexto
Quando a musculação gera riscos Falta de acompanhamento e uso de anabolizantes prejudicam a saúde Erick Souza
erickse@hotmail.com-
A
busca por um corpo magro, definido e musculoso é um mito histórico nas culturas ocidentais. O desejo desta estrutura imaginária ainda está presente, principalmente em cidades localizadas à beira-mar, como Aracaju. “Em cidades litorâneas de clima quente, em que as pessoas têm a necessidade de expor os seus corpos, os padrões de beleza corporal são rígidos, ligados a uma idealização física, alimentada pela mídia e pelos atores atrelados a todo tipo de propaganda”, destaca o professor Pedro Jorge Moraes Menezes, chefe do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Com a proximidade do verão e das festas de fim de ano, há uma corrida às
dezenas de academias de musculação de Aracaju. Entretanto, profissionais e especialistas alertam: é preciso acompanhamento e autorização física e clínica para a prática de exercícios seguros à saúde. Para Pedro Jorge, há um grande risco, principalmente para os adolescentes, mais influenciáveis pela mídia e pelos estereótipos de beleza, que recorrem a práticas inadequadas, a excessos de peso nos aparelhos e até mesmo ao uso ilegal de certas substâncias. “Jovens lançam mão de produtos proibidos, como anabolizantes, quando deveriam buscar formas reais e permitidas, que possam trazer resultados permanentes e que possam lhes proporcionar uma qualidade de vida melhor”, alerta o professor. Até os suplementos alimentares não são recomendáveis para todas as pessoas, Arquivo pessoal
Thiers procura manter o condicionamento com uma hora e meia de malhação diária
exceto em caso de orientação médica. “Em pessoas de desenvolvimento normal, estas substâncias são recomendadas apenas para a concepção competitiva, pois um corpo saudável e bem alimentado já produz hormônios e substâncias suficientes ao seu desenvolvimento atlético”, ressalta o professor da UFS. Ciência e disciplina dão resultado A busca por ganho de massa corporal foi o que levou o assistente administrativo Thiers Marcel, 23 anos, que se considerava muito magro para a sua estatura (1,87m, 65 kg), a começar a malhar há dois anos. Nos primeiros meses, não conseguia alcançar seus objetivos e, por orientação médica, tomou medicamentos à base de hormônios que resolveram o problema. “Tomei apenas algumas doses, de acordo com a indicação médica. Depois parei, e hoje corre tudo bem”, conta Thiers, que de lá para cá conseguiu ganhar 15 kg de massa muscular. Os profissionais de educação física ressaltam que para a iniciação esportiva com qualquer finalidade, seja para perder peso, ganhar músculos, flexibilidade ou resistência física, deve-se procurar uma academia ou outra estrutura que forneça equipamentos e acompanhamento especializado de acordo com a evolução física do indivíduo. Assim, pode-se evitar lesões irreversíveis à saúde e à estrutura física do praticante. Além disso, não devem ser visados resultados imediatos. “O praticante deve ter uma alimentação adequada e completa em nutrientes e desenvolver programas de exercícios gradativos, de modo a respeitar a individualidade biológica de cada um”, indica Carlos Evalderson, instrutor de academias
Erick Souza
Pedro Jorge, da Educação Física da UFS
há 30 anos. Ele conta que recentemente um de seus alunos teve, por excesso de cargas, uma lesão séria nos ombros, que o obrigou a fazer acompanhamento fisioterápico e a suspender as atividades por três meses. O instrutor diz que estes casos são bastante freqüentes, principalmente nesta época do ano, em que as pessoas querem resultados rápidos e arriscam a própria saúde com práticas inadequadas. Danilo Borges, 20 anos, busca seguir todas as recomendações e progredir nos treinamentos. Ele se matriculou numa academia na zona sul de Aracaju e conta que deve continuar os exercícios mesmo após o período de festas, a fim de ter uma vida mais saudável e resultados físicos permanentes. “A malhação não é só pro verão”, garante. Portanto, o que profissionais e praticantes ensinam é que milagres e “fórmulas mágicas” não produzem resultados permanentes, reais e saudáveis. Além disso, deve-se atentar para trajes leves, alongamentos antes e depois dos exercícios, além de muita hidratação e descanso adequado. Mais vale um corpo fora dos estereótipos e saudável do que um aparentemente em forma e debilitado. C
Contexto
Saúde
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Diagnóstico da anemia falciforme em Sergipe ainda é tardio Diógenes de Souza
diogenesaju@uol.com.br
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elo menos 9,2 milhões de pessoas no Brasil têm anemia falciforme, considerada a doença hereditária de maior incidência no país. De acordo com dados do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), a cada ano nascem em todo o país 3.500 crianças com a doença, e pelo menos 200 mil com traço de anemia. Apesar desse quadro, só se ouve falar dela quando alguém próximo – parente ou amigo – enfrenta o problema, que nada tem a ver com a anemia simples (redução de hemácias no sangue). A anemia falciforme está tão introjetada na nossa história quanto a escravidão. Foi esse, inclusive, o canal por onde o gene chegou ao Brasil – antes exclusivo da raça negra, um mecanismo natural encontrado pelo organismo para enfrentar a malária no continente africano. A miscigenação do povo brasileiro (82% da população nordestina é composta por negros e mulatos) acabou propiciando a sua disseminação. Importância do diagnóstico Como explica a doutora Rosana Cipolotti, especialista em hematologia e professora do curso de medicina da Universidade Federal de Sergipe (UFS), quando há o diganóstico a família do paciente, e muitas vezes até os próprios médicos, alegam ignorar a hemoglobinopatia. “Aqui
no Hospital Universitário (HU), por sermos uma escola, os alunos são treinados no ambulatório, que realiza um trabalho de mais de 20 anos. Acontece de pessoas virem de outros estados, porque os médicos não têm essa formação e desconhecem o problema”, conta Cipolotti. Boa parte desse desconhecimento deve-se à falta de diagnóstico precoce. O Teste do Pezinho, que deveria ser realizado obrigatoriamente, e de forma gratuita, em toda a rede de Saúde, tem a capacidade de detectar não só essa doença como uma série de outros problemas que, descobertos cedo, podem dar à criança uma vida absolutamente normal. Porém, poucos estados realizam o exame com esse potencial. Sergipe não foge à regra. “Apesar de termos uma grande incidência, o teste realizado aqui não cobre o diagnóstico da anemia. Ele é capaz de detectar apenas fenilcetonúria e hipotireoidismo. Além de Minas Gerais, que foi o pioneiro, o Rio de Janeiro, a Bahia e algumas cidades de São Paulo e do Rio Grande do Sul já implantaram essa modalidade”, diz a médica. Ela esclarece que normalmente a doença só é descoberta quando a criança apresenta os primeiros sintomas, a partir dos seis meses. “O surgimento de infecções, pneumonias, aumento do baço, inchaço, dor intensa nas articulações e icterícia [amarelamento da pele e/ou das mucosas] são sinais que geram a suspeita do problema”.
A descoberta da doença O inchaço nas mãos, pés e da barriga foram os principais indícios que levaram a dona de casa Marli Santos Cruz a desconfiar que algo estava errado com dois dos seus três filhos. Clécio Cruz dos Santos, hoje com 14 anos, teve a anemia falciforme diagnosticada aos oito meses; na irmã Celane, hoje com 11, a descoberta do problema ocorreu aos cinco meses. Depois de muito vai-e-vem para desvendar o que acontecia com as crianças, apenas com o exame, denominado Eletroforese, realizado no HU da UFS, foi capaz de detectar que ambos tinham a doença. “As dores são constantes. Se eles correm ou brincam muito, como é normal para qualquer criança, a dor aparece. A menina até já disse uma vez que preferia ter nascido no lugar do irmão mais novo, porque ele não tem a doença”, diz a mãe. A cada três meses, Marli, que mora em Estância com a família, leva os dois a Aracaju para prosseguir o tratamento e conseguir, via doação, na Avosos - Associação de Voluntários e Amigos da Oncologia em Sergipe, os remédios que farão parte de toda a vida das crianças. Até aqui, apenas Clécio precisou fazer uma cirurgia como conseqüência direta da anemia. Ao saber da possibilidade do diagnóstico ser dado já no Teste do Pezinho, Marli demonstrou surpresa, lastimando a ausência do exame em Sergipe. “Já que a criança
nasce com a anemia, seria bom descobrir logo, até porque enfrentaríamos menos problemas no dia-a-dia. Para as crianças é insuportável não só a dor, como tomar o mesmo remédio sempre”, ressalta. Tratamento para uma vida melhor Por ser uma doença genética a anemia falciforme é, consequentemente, incurável. Mas os avanços da medicina sinalizam melhorias na qualidade de vida do paciente e o clichê ‘quanto mais cedo se descobre o problema, mais cedo vem a solução’ cai como uma luva. “Algumas medidas de controle permitem que a pessoa tenha uma vida saudável, de qualidade, ainda que sob vigilância. A pessoa pode chegar à vida adulta e ter uma sobrevida normal”, acrescenta a médica Rosana Cipolloti. Quanto mais tarde é dado o diagnóstico, mais intensas são as complicações, que podem levar ao Acidente Vascular Cerebral (AVC) ou à morte. “Quando um AVC acomete alguém muito jovem, inclusive, a anemia faciforme pode ser um dos motivadores”, revela. Complicações pulmonares agudas e crônicas, lesões nos vasos sanguíneos que decorrem em insuficiência cardíaca, doenças renais que podem exigir hemodiálise ou transplante de rins são agravantes gerados pela doença. As crises constantes de dor nas articulações são geradas pela falta de suprimento de oxigênio nos tecidos, decorrente da deficiência nas hemácias. O tratamento mais comum é a prevenção de infecções através de medicamentos profiláticos e de vacinas habituais e específicas. “Além disso, há o uso de algumas medicações, entre elas uma mais recente, a Hidroxuréia, indicada para adolescentes e crianças, e que tem se mostrado muito promissora”, ressalta a doutora Rosana. O mais perto da cura que se pode chegar é o transplante de medula óssea. “Para o paciente que tem anemia falciforme, ele é feito com as mesmas restrições que possui para aquele que tem leucemia. Ter um doador compatível, principalmente. Por ser um procedimento que envolve um risco, tem que se contrabalancear o risco do transplante com o risco da própria doença”, explica a médica. Traço falciforme Ainda de acordo com a Dr. Rosana, o traço é a característica genética que permite que a pessoa tenha a capacidade de transmitir a doença, mas que não a desenvolva. Quando pai e mãe tem o traço, os filhos gerados terão um grande potencial de desenvolver a doença. Se apenas um possui o gene, a probabilidade é bem menor. Falta de informação O Contexto entrou em contato com a Secretaria Estadual de Saúde (SES) para saber se existe a possibilidade de a modalidade do Teste do Pezinho citada na reportagem ser implantada, mas até o fechamento desta edição nenhuma resposta havia chegado. Associação Pró-Falcêmicos (SP): www. aprofe.hpg.ig.com.br/ C
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Comportamento
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Contexto
Jovens aprendem a conciliar estudos com a maternidade precoce Monique de Sá
moniquetavares16@hotmail.com
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egundo dados da Organização Mundial da Saúde, 50% das gestações são indesejadas e uma a cada nove mulheres recorre ao aborto. No Brasil o índice de abortamento sobe para 31%. Mas para algumas mães, a gravidez pode representar um desafio a mais: conciliar o período de gestação e a maternidade com os estudos. O Contexto ouviu três jovens mães que souberam lidar com essa situação inesperada e estão aprendendo a se revezar entre mamadeiras, fraldas e livros. “Foi ele quem me deu forças” Aos 17 anos, Marina Barroso (foto abaixo) preparava-se para prestar vestibular, pensando em ser médica, quando soube que estava grávida. Mas a reviravolta na vida da jovem não a fez desistir do sonho profissional. Agora com 20 anos, ela estuda medicina na Universidade Federal de Sergipe (UFS) e relembra as primeiras reações de medo e desespero que teve quando soube que ia ser mãe tão cedo. “Na época meu namorado e hoje marido, Renan, meu deu apoio incondicional. Já a reação da minha família foi de choque, mas depois obtive o apoio que precisava”, recorda a estudante. Marina explica que estava na terceira série do Ensino Médio e acabou não passando no vestibular. Na época, ela avaliou a situação como falta de sorte, pois ficou como excedente. Isso foi em 2006. No ano seguinte, Marina levou adiante seus estudos e em abril seu filho Octávio nasceu. Depois de ficar um mês sem estudar para cuidar da criança, ainda assim conseguiu atingir seu objetivo e passou. “Hoje eu percebo que o fato de ter tido meu filho muito nova n ã o
foi um obstáculo, e sim um incentivo para eu alcançar meus objetivos. Foi ele quem me deu forças para vencer todos os obstáculos”, afirma. Agora, a estudante participa dos mesmos programas de qualquer garota da mesma idade: festa, shows, barzinhos. Mas procura incluir seu filho em outros programas também, como shopping e teatro. “Meu dia-a-dia resume-se aos estudos e a ficar com meu filho. Gosto de estar com ele vendo-o crescer e ajudandoo a aprender”. Para dar conta desta maratona diária, Marina recebe apoio de seus pais. Segundo ela, seu filho, seu marido e seus pais são essenciais em sua vida. Em relação à universidade, ela diz que uma creche seria, sim, uma boa solução, pois apoiaria as mães estudantes, principalmente para aquelas que não têm com quem deixar seus filhos. “Só que seriam necessários também profissionais para cuidar dessas crianças”, destaca. “Quem não aprende com seu filho?” Grávida de seis meses, aos 21 anos, a estudante de Direito Mirella Ribeiro nem pensa em trancar o curso. Para ela, seus direitos serão assegurados pelo artigo 6º da Constituição Federal, que permite a estudantes grávidas ficar sob regime domiciliar a partir do oitavo mês de gestação e mais três meses a partir do nascimento da criança. Com esse amparo legal e, claro, a ajuda de sua mãe, será possível conciliar seus estudos e o nascimento de seu bebê. A situação que tentou evitar, tomando a pílula do dia seguinte, deixou Mirella à beira do pânico. “Só pensava em sumir, era uma mistura de desespero e lágrimas. Meu ex-namorado pediu que eu abortasse. Eu não queria aquele filho, mas também não queria abortar, pois tinha medo de tudo que viesse a acontecer depois”, relembra a estudante, que na época tinha 20 anos. Os primeiros meses foram complicados por ela não ter aceitado a gravidez de imediato, passando a ignorar e rejeitar a criança. O que ajudou foi o apoio que recebeu da família. Todos reagiram da melhor maneira possível, mesmo sabendo que não seria fácil conviver com esta “nova idéia”. Apesar disso, Mirella diz sentir um pouco de rejeição: “as pessoas passaram a me olhar como se eu fosse uma criminosa ou algo do tipo. Não apontavam, mas também, para que gestos físicos se os olhares mostravam tudo?”, lamenta. Hoje, após ter superado essa tristeza e a revolta íntiFotos: arquivo pessoal
ma, Mirella afirma: “minha bonequinha é um presente de Deus e não vejo a hora de tê-la em meus braços. Eu percebo que Deus quer que eu aprenda algo de muito valioso. Afinal, qual a mulher que não aprende com seu filho?”. Para ela sua ”bonequinha” vai trazer mais uma responsabilidade em sua vida. “Só espero que eu consiga ser para ela o que minha mãe foi e é para mim”. Em relação à universidade, a jovem futura mãe diz que irá conciliar curso e bebê, de maneira que ambos não sejam prejudicados. “O primeiro passo é mudar para o turno da noite, pois é o horário que minha mãe poderá ficar com minha filha.”, afirma. Atualmente são poucos os professores que sabem de sua gravidez. E os que sabem não mudaram em nada, as exigências continuaram as mesmas. “Até agora minha gravidez não prejudicou em nada nos meus estudos, continuo me dedicando como sempre fiz. Tenho fé em Deus que me formarei no tempo certo, aliás, agora é que mais preciso, pois tem alguém que depende de mim. Sei que não será fácil conciliar a maternidade com a universidade, mas tenho muita força de vontade para continuar. Esse foi um dos motivos que me deixou mais desesperada, pois tinha medo de ter que trancar o curso”, diz emocionada. “Família apóia em qualquer situação.” Natália Vasconcellos tinha 17 anos quando soube que estava grávida. Até aquele momento ela só tinha duas preocupações: suas aulas de balé e o vestibular que prestaria no final do ano para o curso de Jornalismo na UFS. Hoje, aos 23 anos, mãe de Eric (5) e Yasmin (3), ela conta como reagiu à gravidez precoce e como consegue conciliar uma dupla maternidade com seus estudos. “É claro que aos 17 anos a gente toma um choque! Mas aceitei bem. Sabia que podia acontecer, então assumi a minha responsabilidade”, recorda. A família, porém, levou um susto principalmente seu pai. “Minha mãe ficou até feliz - por incrível que pareça! Eu e meu marido sempre tivemos apoio das nossas famílias. Para mim, família quando é família apóia em qualquer situação. Mas não pensem que eu estou dizendo que façam, pois vai ficar tudo bem. A vida para quem é mãe tão jovem não é fácil não!”, alerta Natália. Para a futura jornalista, o mais difícil foi a sua segunda gravidez, que aconteceu mesmo com o uso da pílula anticoncepcional. Nas duas vezes em que ficou grávida, a estudante diz ter sentido preconceito por parte das pessoas, em certos comentários que considera desne-
cessários. Como mãe, Natália diz enxergar nos seus filhos seus maiores amores. “Ter filhos é mágico, eles nascem de um amor, é a junção de dois em um, é o verdadeiro bem que se pode ter. Coloco os meus filhos em todos os meus planos e programas!”.
Natália e seus filhos aproveitam o São João
No que diz respeito à sua vida acadêmica, que iniciou em 2004, a estudante diz que só se formará no próximo ano, pois teve que trancar dois períodos, durante o tempo de amamentação. Nos períodos seguintes, a jovem ‘pegou’ disciplinas a menos e de acordo com os horários do momento. “Acho muito pouco o período que a UFS dá de licença, para mim foram apenas dois meses!”, lamenta. O esforço dessas três jovens mães para contornar as situações não planejadas é apoiado pela psicóloga do Departamento de Psicologia da UFS, Cristine Mattar. Para ela, o ato sexual sem a devida prevenção representa uma escolha, por isso considera que as pessoas devam ser responsáveis por seus atos e assumir a gravidez. “Minha perspectiva é fenomenológica existencial, ou seja, a pessoa deixouse levar por um momento de prazer. Foi uma escolha dela! Por isso, o casal deve arcar com as possíveis conseqüências, como uma gravidez indesejada, por exemplo”. C
Contexto
Comportamento
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Relatos privados
O complexo universo dos banheiros públicos Michel Oliveira
mytchells@gmail.com
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escrito acima foi deixado no banheiro do prédio da Didática II da UFS, seguido de uma ameaça: “Vamos dar porrada em vocês seus macacos fedorentos lugar de preto é na senzala”. O que normalmente passaria despercebido gerou discussão quando os estudantes do curso de Rádio e TV Aparecido Santana e Ed Carlos divulgaram o fato no blog sergipeemdestaque@blogspot.com. A publicação feita pelos estudantes foi replicada pelos portais noticiosos. Dias depois, as frases foram apagadas. Essas expressões racistas são uma amostra de como as mudanças sociais fizeram o banheiro deixar de ser um reduto de intimidade para se tornar parte do convívio coletivo, com todos os seus conflitos. Invasão de privacidade Nos banheiros coletivos o público invade o privado. Cheiros insuportáveis misturam-se aos gases aromáticos do pinho ou da quiboa. Pilhas de papéis usados amontoam-se pelos cantos. O desconforto é a regra dominante, mas há momentos em que o banheiro público é inevitável. A estudante de jornalismo da Universidade Tiradentes (Unit) Maise Rocha explica que depende muito do banheiro. De terminal? Nem pensar! “Tenho medo de entrar, não tem proteção nenhuma. Não sei o que pode estar me esperando lá dentro. Só entro acompanhada com uma amiga”.
Há aqueles, no entanto, que não conseguem por um ponto final ao processo digestivo em tronos desconhecidos. “Eu só faço em casa, é muito mais confortável. Já aconteceu de pintar aquela dor de barriga. Pedi a Deus por tudo que há de mais sagrado. Até pensei: ‘prefiro fazer nas calças a entrar nesse banheiro’. Cheguei em casa passando mal, mas não fiz”, relata o professor de inglês Breno Stephanny. A falta de assepsia é um dos principais motivos para as pessoas não usarem os toaletes. Mas não o único, como descreve Breno: “Esses dias fui ao banheiro do terminal da Rodoviária Velha. Entrei e saí na mesma hora. Havia cocô no teto, nas paredes e no chão, até o vaso era da cor de cocô. Ainda fui abordado por quatro homens que estavam na porta esperando algum cara pra ficar. Isso em plena manhã de sábado. Se fosse à noite seria até compreensível, mas pela manhã? Que fogo é esse? Acabei desistindo”. A sedução do anonimato Quantos usuários dos banheiros masculinos da UFS nunca viram os anúncios de Ricardo ou Rodrigo? O número deixado existe. Do outro lado uma voz máscula atende. Passado uns minutos desconfia das perguntas e tenta escapar: “meus colegas colocaram esse número pra tirar onda”. Mas antes de desligar, o suposto Rodrigo se denuncia: “se quiser a gente pode marcar um encontro pessoalmente”. O comportamento de grafitar é antigo. Achados arqueológicos mostram que os moradores de Pompéia já produziam inscrições nas paredes dos banheiros. Mas estas foram assumindo novas características e finalidades ao longo do tempo. “Sou casado, sempre quis dar o c*, mas nunca tive coragem. Alguém está afim?
Banheiros “alternativos”
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e s d e 1 9 9 8 , quando a Escola de Samba União da Ilha do Governador criou um banheiro específico para gays, lésbicas e transexuais, a polêmica acerca do tema se formou. De lá pra cá algumas cidades votaram projetos de
lei que previam a criação do terceiro banheiro, a exemplo de São Luis e Patos no Maranhão, e de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Entidades de defesa dos direitos GLBT manifestaram-se contra essas iniciativas, como a Articulação Nacional de Travestis, Transexuais e Transgêneros (ANTRA), e o Grupo Gay da Bahia. Para acrescentar novidades ao debate, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) estabeleceu, através de um ato administrativo de 2008, que travestis e
Sou novo. Deixe contato. Quero um rapaz bonito”. O gatosensivel@... interessouse pelo anúncio deixado em uma das cabines do piso superior da Biblioteca Central (Bicen). Dezenas de outros grafitos disputam espaço na mesma porta, alguns apagados pelo tempo, ou pelo pessoal da limpeza. A pintura mal feita das portas do Restaurante Universitário (Resun) não conseguiu apagar as marcas dos que passaram por lá. Em um dos boxes, o desenho de uma mulher nua divide espaço com os Versos Íntimos de Augusto dos Anjos: “Vês! Ninguém assistiu ao formidável / Enterro de tua última quimera/ Somente a Ingratidão - esta pantera/ Foi tua companheira inseparável!”. Com as reformas, vários banheiros da UFS receberam portas de metal. Os escritos migraram para as paredes, onde são apagados mais facilmente pelos faxineiros. “Até agora não riscaram nada nos banheiros femininos”, afirma Elilde Santos Pereira, agente de serviços gerais responsável pelos toaletes femininos da Bicen. Ela diz que em geral os alunos são muito mal educados: “eles bagunçam quase tudo, é papel fora do lixeiro, dentro do vaso, não dão descarga. As pichações são ato de vandalismo. Quando riscam alguma coisa a gente apaga”. Mas os escritos das portas e paredes também revelam medos, fantasias e tabus sociais. São meios de expressão pessoal para articular questões sociais e políticas, adotados por indivíduos que tiveram outros meios de expressão negados. Por isso interessam a antropólogos, sociólogos, psicólogos, lingüistas. A professora do Departamento de Psicologia Zenith Delabrida, por exemplo, estuda o comportamento e as relações dos indivíduos
com o banheiro enquanto um ambiente público, onde as pessoas vivem as conseqüências dos próprios atos. “Se você usar inadequadamente o banheiro público e tiver que voltar ali, pode experienciar a conseqüência desse uso inadequado” explica. Para ela, os grafitos de banheiro são uma questão de oportunidade, pois os estudantes normalmente têm canetas. “A cabine é um ambiente privado. Isso permite que a pessoa tenha liberdade de escrever o que quiser. Ninguém vai saber que foi ela”, analisa. “O banheiro foi criado para as funções excretoras e o cuidado com a higiene pessoal. Mas como é um ambiente público com características de privado, onde as pessoas se despem, fica muito associado à sexualidade”, complementa. As diferenças entre homens e mulheres também são visíveis. Enquanto no banheiro deles prevalece o silêncio, o delas funciona como local de encontro das amigas. Afinal, o que fazem juntas no toalete? A estudante de Jornalismo Maise Rocha explica: “Geralmente vamos juntas por costume. Mas há situações em que ir acompanhada é muito importante. Outro dia o trinco da porta estava quebrado e minha amiga ficou segurando. A gente aproveita pra falar o que não se fala na mesa. E ainda tem o espelho”. Delabrida esclarece que o banheiro feminino é eminentemente social. “Permite que se torne um ambiente que oferece privacidade, principalmente para uma conversa. O que não acontece com o masculino”. Seja por essas diferenças ou por problemas de higiene, histórias engraçadas ou constrangedoras, escritos racistas e preconceituosos, ou pelos grafitos e desenhos mais picantes, banheiros públicos sempre serão locais de insegurança para a grande maioria. Afinal é onde literalmente nos sentimos despidos em público. C
transexuais poderiam utilizar os banheiros femininos da instituição. “Hoje os seres humanos encontram em si expressões de individualidade que não se encaixam nas categorias macho e fêmea. A sexualidade não é uma realidade pronta, é uma construção social. E isso está se desfazendo. Haverá desconforto até que se aceite essa nova ordem. É uma situação que precisa ser mais bem compreendida e amadurecida, para que as diferentes forças sociais venham encontrar um novo arranjo de organização que respeite a cidadania, a democracia e a pluralidade cultural típica da sociedade
contemporânea”, explica o professor Fernando Barroso, pesquisador da mídia e do comportamento gays. O ator Leandro Santolli questiona: “Será realmente necessário? Na verdade não sei se os gays e as lésbicas sofrem algum tipo de abuso, incômodo, discriminação quando usam banheiro publico. Só sei é que homens fazem xixi em pé e mulheres sentadas independente da opção sexual”, conclui. C
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Universidade
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Contexto
Fotos: Michel Oliveira
Morfologia póstuma da desigualdade que luta pela forma perfeita ela consegue permanecer magra. As pernas são de um desenho articulado. Estatura média, peso ideal. Em forma. No lado esquerdo da região pubiana houve uma pequena fissura na pele que ocasionou a separação entre o púbis e a coxa. O reparo foi feito com pontos cirúrgicos de linha de nylon preta. Pontos são comuns em toda a extensão do corpo. Os joelhos estão amarrados com barbante, daquele utilizado para prender bexigas em festa de aniversário. Sem o barbante o couro ressecado se abriria em duas partes, Iuri Max, Michel Oliveira e Yasmin Barreto deixando a rótula exposta. Em iurimax@msn.com / mytchells@gmail.com/ yasminbarretodc@gmail.com várias partes do corpo há costuras s homens não são bons depila- grosseiras feitas com o mesmo barbante. dores. Essa é uma das primeiras O abdômen também se divide em duas impressões que temos quando o técnico partes. O intestino fica à mostra quando a levanta o plástico azul. De início tende- “janela” de pele é aberta. Os seios, pelas mos a desviar o olhar. Até nos acostumar- marcações na pele, pareciam fartos. Hoje, mos com a idéia, olhamos para ela apenas encontram-se achatados. No lado esquerde soslaio. Desviamos nossa atenção para do foi feito um corte que possibilita a vio ambiente. sualização do músculo. Seu pulso é fino; a Na sala sempre há alunos, mesmo mão, pequena. As unhas das mãos e dos quando não tem aula marcada. Três me- pés estão cortadas. O pescoço está com ninas conversam normalmente enquanto um buraco, gerado pela ausência da pele dissecam uma das mãos. O ar que parece que o cobria. ser mais rarefeito não as incomoda. A Traços sutis formam o que resta da ventilação é precária. Os grandes bascu- face. O nariz pequeno, achatado para a eslantes estão abertos, mas o ar não circula. querda, revela a descendência afro. Lábios Todo o Departamento de Morfologia finos, rijos. Uma boca de tamanho méda Universidade Federal de Sergipe (UFS) dio. É possível ver um pequeno furo em tem esse ar carregado. Como intrusos, ambas as orelhas, rastros de uma vaidade chegamos a uma das aulas da turma de passada. Pequenos cílios nas pálpebras, Medicina. Nem fomos notados. Deitada marcas de sobrancelha. Uma pequena sobre uma das macas estava B1, nossa en- abertura no olho esquerdo permite visutrevistada. Fomos apresentados a ela pelo alizar um globo ocular ressecado. O rosto técnico José Bispo da Silva, conhecido por seria oval se ainda tivesse bochechas. Baiano. Ele retirou o plástico azul que a cobria, nos deu breves explicações e disse Do esquecimento a preservação que podíamos ficar à vontade com ela. A história que antecede a chegada de B1 à UFS é a mesma de muitos outros. Atributos e medidas Foi uma indigente, que não teve o corpo Era um pouco inquietante vê-la ali, reclamado após se passar um mês ou mais, deitada na maca. Impassível, não era in- no Instituto Médico Legal. Um convênio comodada nem pela forte luz que entrava pelo basculante e refletia nas mesas de alumínio. Estar de olhos fechados deveria ajudá-la. Talvez por isso, mesmo nua, não corasse com os olhares alheios. Nada na vida de B1 é certo. Os professores afirmam que ela devia ter aproximadamente 35 anos quando lhe faltou o fôlego de vida. Há 15 mora na UFS. Divide o tanque B – daí seu nome – com outro cadáver feminino e com dois fetos. firmado entre o Instituto Médico Legal “Existe uma separação entre os corpos (IML) e a universidade permite que esses femininos e masculinos”, explica Baiano. corpos sejam doados. “Tudo legalizado, Homens de um lado, mulheres e crianças com documentos assinados”, afirma Vera do outro. Lúcia Corrêa Feitosa, chefa do DepartaA tonalidade de B1 é muito semelhante mento de Morfologia. à de carne do sol ou de charque. Na texApós passar na seleção, que consistiu tura também se assemelha bastante. Ela em estar em bom estado, o corpo foi remede aproximadamente 1,64 de altura. tirado da geladeira do IML e levado para Veste manequim 34 ou 36. Em um mundo a universidade. O traslado ocorreu de-
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pois das 23 horas. Completado o degelo, a equipe, formada por um técnico e dois auxiliares, começou a preparação. B1 foi banhada com mangueira e sabão em pó. Feita a limpeza, todos os pêlos foram retirados com lâmina de barbear. O processo foi feito pelos técnicos. Deve ter sido por isso que a depilação não ficou das melhores. A próxima etapa foi fazer uma lavagem intestinal. Com todos os procedimentos de limpeza realizados, foi inserido formol pelos orifícios do corpo. Quando a substância atingiu os tecidos ela foi posta em um tanque com formol, onde ficou em observação por três dias. Como deu tudo certo, B1 ficou em repouso durante seis meses mergulhada na solução. Só depois pôde “ser usada para fins didáticos”, como afirma o técnico em enfermagem, José Adilson dos Santos. Vera Lúcia afirma que o cadáver é de muita importância, “auxilia a por em prática os três pilares da universidade: ensino, pesquisa e extensão”. Enquanto serve à ciência, B1 resiste em um meio extremamente “machista”. O número de homens que morrem na indigência é muito superior ao de mulheres. A UFS conta com um acervo de cadáveres grande, cerca de 40. Apenas quatro são femininos, dentre eles B1. Predominância masculina à parte, são várias gerações de cadáveres. Há corpos de mais de 40 anos. Os calouros chegaram há dois. Com 15 anos na casa B1 já é uma veterana. De icógnitas a certezas As relações estabelecidas com B1 são frágeis. As mãos que percorrem seu corpo não lhe fazem carinho. Os casos mais duradouros acontecem com alunos mais estudiosos, que permanecem depois da aula, estudando os músculos, o sistema digestivo ou urinário. Nada passional. Para os mais radicais, que acham absurdo o uso de cadáveres humanos, que consideram isso um desrespeito, uma lição: B1 só
“Quando a gente vê o pé, a mão, a gente vê as mazelas que eles passaram.” veio parar no laboratório de anatomia humana por causa das desigualdades sociais. Ela pode ter sido uma mendiga, uma mulher que viveu à margem da sociedade, ou uma doente em estado terminal abandonada pela família. Na UFS ela vive em uma sociedade privilegiada. A professora Tânia Andrade confirma: “Quando a gente vê o pé, a mão, a gente vê as mazelas que eles passaram,
são desnutridos. Se um aluno reclama da ausência de músculos na hora do estudo, explico que pra tê-los é necessário o alimento, coisa que eles não tiveram. Isso sim é desrespeito”. Uma das grandes ironias vividas por B1 é só agora fazer parte de uma sociedade. Hoje ela passa pelas mãos de médicos, fisioterapeutas, enfermeiros, biólogos, educadores físicos, fonoaudiólogos, músicos, profissionais de dança, farmacêuticos. Tivesse passado por algumas dessas mãos antes, talvez não estivesse onde está.
“A morte a trouxe para a sociedade.” Antes indigente, hoje recebe homenagens nas formaturas. “A morte a trouxe para a sociedade”, conclui Tânia. E nessa sociedade ela é extremamente estimada. “Se alguém desrespeita os cadáveres, como B1, como poderão respeitar os pacientes? Esses não passam em minha matéria”, afirma a professora. Depois de permanecer alguns dias sobre a maca, ela começa a ressecar. É preciso levá-la de volta ao tanque B para que se reidrate. Ficará submersa em água com formol. O futuro de B1 é certo. Quando não servir mais como músculo, servirá como articulação. Se a articulação deixar de funcionar adequadamente servirá como osso. Lá no ossuário será costelas, crânio, falanges. Deixará de ser classificada como B1 e perderá novamente a identidade. Seu futuro está traçado, seu passado: desconhecido. C
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ConteXtando
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Você é a favor da liberação da freqüência proposta pelo Reuni? Yasmin Barreto*
yasminbarretodc@hotmail.com
Implantado em abril deste ano pelo MEC, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão de Universidades Federais – o Reuni, tem entre seus objetivos diminuir a evasão na graduação das universidades federais. Funciona assim: o governo libera recursos financeiros às instituições que aceitem fazer parte do programa e que provem que, no tempo máximo de 5 anos, conseguirão alcançar a meta de 90% na taxa média de conclusão dos cursos que oferecem.
SIM
X
“O
professor não pode obrigar um aluno autodidata a assistir aula. A universidade é um centro de pesquisa, não é colegial. O aluno tem que ter responsabilidade. Há alunos que não conseguem aprender sozinhos, sendo necessários bons professores, mas há os que não conseguem se adaptar à metodologia do professor e são autosuficientes, podem mostrar seus conhecimentos na prova e serem aprovados. Quando eu era estudante não ia para as aulas dos professores ruins.
”
Luiz Adolfo de Melo, professor do Departamento de Física
“E
xistem alguns casos onde as aulas não são tão indispensáveis assim. Alguns estudantes têm facilidade com determinada disciplina e conteúdo, ou já fizeram algumas disciplinas semelhantes e já entendem bem do assunto. É certo que a sala de aula é o principal âmbito do aprendizado e que a relação aluno-professor é importantíssima na busca pelo conhecimento. Mas, em alguns casos particulares ela pode deixar de ser considerada um critério fundamental para a formação acadêmica. Os professores são profissionais, que trabalham para que o aluno alcance suas metas, mas não todos. Alguns professores são simplesmente ruins e o estudante pode aprender mais sozinho.
NÃO
“O
que eu tenho verificado é que ao contrário de ter flexibilizado e aumentado o número de aprovações, isso tem produzido na verdade um aumento (pelo menos nas minhas disciplinas) das reprovações. Porque os alunos não têm conseguido alcançar a média necessária para serem aprovados. Então, eu acho que essa é uma política que precisa ser reavaliada. Embora hoje se tenha um acesso muito maior às informações, sobretudo em decorrência da internet, a presença do professor como um facilitador do conhecimento ainda se mostra fundamental. Para mim, a relação aluno, professor e sala de aula é muito importante para a vida acadêmica do aluno.
”
Messiluce Hansen, chefe do Departamento de Artes e Comunicação
“S ”
Victor Luiz Santos, Filosofia (licenciatura)
“S
ou a favor. Creio que o importante é o aluno demonstrar que conseguiu absorver o conteúdo da disciplina, independente se foi em classe ou de forma autodidata. Se ele conseguiu obter o conhecimento por outro meio, além do passado em classe pelo professor, isso é mérito do aluno e o conhecimento continuará com ele para aplicar na área de atuação. E alcançar uma média superior, como é exigido para aprovação sem freqüência, é uma forma de comprovar que o aluno tem domínio sobre o conteúdo.
”
André Mansfield, Física Médica
“N
ão concordaria se afetasse disciplinas práticas, mas como se aplica apenas às teóricas, sou a favor. Há muitos estudantes que têm problemas quanto à conciliação de suas ocupações. Eu, por exemplo, moro e trabalho em Lagarto e estudo em Laranjeiras, sendo que ônibus universitário só traz ao campus de São Cristóvão. O método usado pelo Reuni para comprovar que o aluno não precisa comparecer às aulas é eficaz, pois uma média alta é a garantia de que o aluno está suficientemente preparado e que, neste caso, as aulas não são necessárias.
”
Algumas das medidas previstas pelo Reuni já foram implantadas na UFS. Uma delas é liberação de freqüência nas disciplinas não laboratoriais aos alunos que consigam média igual ou superior a 7. A equipe do CONTEXTO saiu pelo Campus de São Cristóvão em busca de professores e alunos contrários e favoráveis à medida, e com que argumentos. Mas o debate quase ficou desequilibrado. Foi difícil encontrar estudantes contra essa liberação. Confira o que dizem:
Zaninho Urashima, Teatro (licenciatura)
*Entrevistas concedidas a: Diogenes de Souza, Fernanda Carvalho, Gabriel Cardoso, Iuri Max, Michel Oliveira, Monique de Sá e Yasmin Barreto.
ou contra. Vejo como algo importantíssimo o fato de o aluno estar presente em aulas não laboratoriais, visto que o debate e a discussão ainda são a melhor maneira de adquirir conhecimento. Obviamente as novas metodologias de ensino devem fazer parte das aulas, pois com aulas monótonas fica impossível interagir e desenvolver uma discussão com o intuito de promover a aprendizagem. Existindo comprometimento, tanto do aluno quanto do professor, o processo de ensinoaprendizagem acontece mais facilmente.
”
Osmir Fabiano Lopes de Macedo, Mestrado em Química
“E
xtinguir a obrigatoriedade do discente em participar ativamente das aulas durante o seu curso é prejudicial à formação profissional decente. As deficiências do ensino universitário já são tantas, essa liberdade nas freqüências só vem a acrescentar mais uma a lista. Não posso conceber a extinção da “sala de aula”, especialmente enquanto futuro professor. Uma forma de ensino que limita as expectativas apenas ao alcance da média certamente tem sua qualidade comprometida. Essa política simplesmente segue as mesmas premissas do EAD (ensino á distância), o qual, em minha opinião, é caracterizado pelas péssimas metodologias aplicadas e, sobretudo pela inópia aquisição de conhecimento.
”
Caio César Costa, Letras (licenciatura)
“A
pesar dos livros e a internet auxiliarem os alunos, não substituem a figura do professor, ele sempre tem a acrescentar na apresentação dos conteúdos e no aprofundamento dos textos. È também importante para que se crie responsabilidade, pois, mesmo não participando efetivamente das discussões, o aluno cria uma certa disciplina ao freqüentar as aulas assiduamente. Com essa decisão do Reuni a figura do professor acaba perdendo sua importância, se torna desnecessário.
”
Rodolfo Menezes, Administração
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Esporte
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Mulheres que vão à luta Fernanda Carvalho
fernandavalentim23@hotmail.com
A
Histórias de vida O dia-a-dia de Mariana é cuidadosamente preenchido com treinos de 3 a 4 horas por dia entre parte física e técnica, além do trabalho como representante de vendas que ocupa suas manhãs e tardes. “O trabalho surgiu porque meu pai tem uma empresa de representação em vendas. Trabalhar com vendas é muito dinâmico, há o contato com pessoas diferentes, foge da rotina,” explica a ca-
anos, evitam a menina, “Eu não gosto de lutar com ela. Eu tenho medo porque ela é forte”, confessa. Diferente de Évila e Mariana, Luísa Ventura, 18 anos, começou a praticar Karatê por iniciativa própria. “Sempre fiz vários esportes e com sete anos cismei de aprender a lutar por causa dos filmes de luta que assistia. Como na época no colégio em que eu estudava só havia o Karatê, comecei a praticar e não quis mais parar. Vi que era bem diferente dos filmes, porque lá eles misturam vários tipos de artes marciais. Mas foi melhor do que eu imaginava”, diz Luísa. Lutas para todos os gostos Não é somente o Karatê que atrai o público feminino em Sergipe. Muitas academias oferecem diferentes modalidades de luta para as mulheres, como Jiu-Jitsu, Muay Thai, Judô, Boxe e Kick Boxe. Wagner Almeida, professor faixa-preta e diretor-técnico da Federação Sergipana de Kick Boxe, afirma que em Sergipe já há turmas só femininas dessa modalidade. O professor, que atualmente possui em suas turmas o total de 12 alunas, explica que o esporte atrai as mulheres porque define cochas, glúten e enrijece os músculos abdominais e do trícips (o ‘famoso’ tchauzinho). “O diferencial do Kick é que ele é mais complexo e tem várias modalidades que atraem a meninas, como o Aerokick. É um esporte completo, que exige dedicação e disciplina. Num treino de duas horas, uma menina pode perder de 400 a 900 calorias, dependendo do organismo da pessoa”, esclarece Wagner. “Eu comecei a praticar o Kick porque é uma atividade diferente, mais dinâmica, que trabalha vários músculos, sem tirar a feminilidade do corpo, e pode ser usado como defesa pessoal também”, explica Fabiana Medeiros, 29 anos. “Além disso, elimina as ‘gordurinhas’, desestressa, nos deixa mais felizes e com mais disposição e energia,” completa Wilma Almeida Araújo, funcionária pública, que associa a prática de Kick Boxe à dança do ventre, para adquirir força e graciosidade respectivamente. As moças, que há sete meses praticam Kick Boxe, alegam nunca ter sofrido nenhum tipo de preconceito por praticarem um esporte mais associado ao universo masculino. “Não vejo preconceito, há mais admiração”, conta Fabiana. “Tem gente que diz que eu não tenho cara, mas ninguém se assusta. Os homens ficam é admirados”, conclui Wilma. Já as amigas Tayse Rocha
Mariana Dantas com a treinadora Marineide Oliveira
Fotos: Fernanda Carvalho
os sete anos de idade Mariana Dantas era uma criança muito ativa e inquieta, características que levaram seu pai a inscrevê-la em aulas de Karatê, para obtenção de autocontrole e disciplina. Com o tempo, o amor da menina pelo esporte foi crescendo e aos 12 anos, quando adquiriu a faixa preta da modalidade, ela ganhou também uma certeza: “Dalí em diante não iria mais parar.” Hoje, aos 24 anos, e seis vezes campeã mundial, vice-campeã pan-americana, bicampeã sul-americana, penta campeã brasileira e mais de onze vezes campeã sergipana, tornou-se referência no karatê feminino estadual e brasileiro, comprovando que esporte de luta também pode ser ‘coisa de mulher’. “É um esporte completo, que não deixa o corpo masculinizado, traz resistência, autocontrole e benefícios para a mente através da sua filosofia”, comenta a atleta. “Desde que se tornou uma modalidade esportiva, o Karatê deixou de ser agressivo e é visto mais como autodefesa. Quem o pratica costuma ser disciplinado, ter bons reflexos, velocidade e autoconfiança. Isso atrai as meninas”, acrescenta a professora Marineide Oliveira da Silva, 43 anos, ex-atleta da seleção brasileira, ganhadora de vários títulos e que atualmente treina atletas sergipanos de nível internacional como Mariana, Ítalo José e Juliana Lima.
rateca, também formada em Educação Física, e que ainda encontra tempo, uma vez por mês, para fazer sua pós-graduação em Administração e Marketing Esportivo em Salvador. Quando sobra um intervalo para o lazer, a atleta gosta de ir à praia, comer caranguejo, ou ficar em casa curtindo a família e os amigos. No final do ano, quando o ritmo dos treinos e competições diminui, a carateca aproveita para se dedicar a outras duas paixões: remo e corrida. Para Mariana, o karatê profissional em Sergipe ainda tem muito a se desenvolver “Em termos de Brasil, temos um nível muito bom, mas em Sergipe ainda é muito precário. Para mim, por exemplo, dificulta o fato de não haver no estado profissionais femininas da mesma categoria que a minha (até 61 kg) para treinar ou competir. Mas é difícil também para quem está começando, porque a maioria das empresas só quer investir no patrocínio de atletas já prontos. Porém, não se pode desistir, tem que ter determinação. Esporte é sinônimo de perseverança. Dificuldades vai haver sempre, mas também há muitas coisas boas”, aconselha Mariana. No final do próximo ano a carateca planeja largar as competições profissionais para se casar, mas esclarece “Não estou parando porque vou casar. Vou casar porque estou parando”. Daí em diante pretende dar aulas de Karatê e se dedicar à Educação Física, porém prefere não fazer muitos planos. “Como no Karatê, eu lido muito com disciplina na vida eu deixo correr solto, relaxar um pouco”, ressalta. Já para Évila de Oliveira Santos, nove anos, as conquistas com o esporte estão apenas começando. Praticante da modalidade desde os quatro anos, por incentivo de uma coleguinha que já treinava, a menina se apaixonou pelo esporte e atualmente participa de competições no estado. Embora pequena, admite a vantagem que o Karatê lhe oferece em relação às demais amiguinhas. “Na escola os meninos não mexem comigo, só com as outras meninas, pois têm medo porque sabem que eu faço Karatê”, comenta. Até colegas de Karatê como Gustavo Farias, de nove
Fabiana Medeiros pratica Kick Box
e Saba Rosa, ambas de 21 anos, preferiram optar pelo Jiu-Jitsu. “A procura das meninas pelo esporte tem crescido porque quando uma amiga começa logo traz outras. O Jiu Jitsu define o corpo da mulher, controla a ansiedade, aumenta a sua auto confiança e concentraçaão, permite maior flexibilidade, dá agilidade corporal e mental e oferece, além de resistência física, a auto-defesa”, descreve Emílio Santos, professor faixa-preta em Jiu-Jitsu. Por trabalharem com o desenvolvimento muscular, anaeróbico e cardiovascular, as modalidades de luta fazem com que as mulheres obtenham maior qualidade na saúde e maior resistência. Thayse, que sofre de asma, percebeu também que após ter entrado no Jiu-Jitsu sua saúde melhorou bastante. Além, disso, lutas potencializam a força e aumentam a massa muscular feminina, o que resulta na menor possibilidade de ocorrência de celulite, estrias e gordura localizada. Até o Vale-Tudo ou MMA (Mixed Martial Arts), esporte onde socos, chutes, joelhadas, chaves de braço e estrangulamentos costumam definir as lutas, tem conquistado adeptas no Brasil. Entre elas, Vanessa Porto, Claudinha Gadelha, Michele Tavares, além das musas do MMA nacional feminino Carina Damm e Ana Maria, a Índia, que participou do último No Limite, da Rede Globo. Em Sergipe, mesmo modalidades consideradas pela maioria mais agressivas, como Boxe e Muay Thai, vêm sendo procuradas nas academias de luta pelas mulheres. E assim, trazem novas promessas esportivas, como Mirelle Rocha, que conquistou o título de campeã brasileira de boxe feminino mosca ligeiro (atletas com até 46 kg), no último Campeonato Brasileiro de Boxe, realizado em Aracaju, e Maria Derê, que ganhou o cinturão Norte e Nordeste do 2º Naja Fight, realizado no estado. C