Jornal Contexto 61

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JORNAL CONTEXTO são cristóvão

| sergipe

abril

2019 | ed. 61

IGREJAS EVANGÉLICAS: OS QUARTÉISGENERAIS DA EXTREMA DIREITA NO BRASIL? p. 4 política

meio ambiente

PASSADO E FUTURO DO MUSEU DO MANGUE p. 12 SAÚDE

AEDES AEGYPTI PODE ESTAR RESISTENTE A INSETICIDAS E REPELENTES EM SERGIPE p. 14 SAÚDE

GRAVIDEZ DE RISCO: A LUTA PARA REALIZAR O SONHO p. 16

ENTRE O ASFALTO E A FALTA DE SANEAMENTO BÁSICO p. 5

OS MUROS ENTRE A EDUCAÇÃO E A INFÂNCIA p.8

ESPORTE

CULTURA PRODUÇÃO INDEPENDENTE DE QUADRINHOS EM ARACAJU p. 24

O QUE DIZEM OS MUROS: A ASCENSÃO DO PIXO EM ARACAJU p. 26

OS 90 ANOS DO VAQUEIRO DO SERTÃO E A SOMBRA DA JAQUEIRA p. 29

MULHER NO CAMPO? CARTÃO VERMELHO! p. 32


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EDITORIAL | 2018.2 | ed. 61

JORNAL CONTEXTO

CRÔNICA

COM A PALAVRA . . .

Daniel Brandi Como se define uma boa reportagem? Tema bom, assunto de impacto, texto contundente. Além do repórter, quem constrói uma notícia digna de mérito? Neste jornal laboratório, incentivamos o exercício do olhar crítico de cada um. Antes mesmo da reunião de pauta, todos foram desafiados a pensar em questões relevantes, de modo a oferecer matérias distintas do repertório tradicional da grande imprensa. Chegamos a esta seleção de 23 textos, escritos por redatores de talento, que estão em treinamento do estilo jornalístico, mas foram provocados a investir em linguagem própria, que não se limita a um padrão. Buscamos trabalhar bem os personagens, com o objetivo de humanizar a narrativa e aproximar o leitor do conteúdo. Para tanto, o trabalho dos fotógrafos priorizou revelar o sorriso, a angústia e a reflexão das pessoas retratadas. E para apresentar um projeto de qualidade, a equipe de diagramação acertou os ponteiros numa tarefa minuciosa, que exigiu esforços individuais e demonstrou o valor do trabalho em equipe. O resultado é um jornal de excelência, que se propõe a dar passos seguros em direção a um jornalismo de relevância social.

OUTRO JORNAL, MUITOS OLHARES O

Jornal Contexto está de cara nova. A necessidade de originalidade e adaptabilidade foi atendida através da reformulação do projeto gráfico. As principais novidades foram a capa, que agora pode abrigar mais chamadas de forma a englobar mais temas, e o formato - anteriormente do tamanho de uma revista, agora em dimensões especiais próximas a de um tabloide, própria para facilitar a leitura digital e impressa. O layout de quatro colunas, os tamanhos fixos das famílias tipográficas e o uso de uma paleta de cores baseada nas cores da Universidade criam uma unidade visual que traz credibilidade e um toque de profissionalismo ao jornal. Neste novo Contexto, nossos repórteres produziram reportagens diversificadas sobre cultura, meio ambiente, educação, política, cidade, esporte e saúde. Vários olhares atentos acerca de assuntos de Sergipe e do Brasil compõem essas páginas. Nelas, retratamos a cultura popular de Sergipe, a história dos fanzines no estado, as corridas de rua, a gravidez de risco, o HIV infantil, a resistência do Aedes aegypti a inseticidas e repelentes, o abandono do Museu do Mangue e a problemática dos crimes virtuais. Além desses, as matérias abordaram outros temas, como a produção

de revistas em quadrinhos em Sergipe, o uso de tatuagens por idosos e a representatividade das mulheres no jornalismo esportivo. Questões ambientais como a preservação do litoral sergipano e a coleta de lixo em Aracaju também foram retratadas. Fizemos indagações sobre como algumas igrejas evangélicas exercem influência na vida política, retratamos a falta de acesso às creches aracajuanas e como o pixo nos muros ainda é marginalizado. Também tivemos textos leves como a história de Dona Zefinha, a colecionadora de bonecas de 98 anos, e das mulheres que fazem resistência no Maracatu, além de falarmos de assuntos factuais como a falta de saneamento no bairro localizado nas imediações da Universidade. As temáticas são amplas e abordam questões com uma perspectiva aprofundada sobre os fatos. O trabalho dos repórteres, editores, fotógrafos e diagramadores resultou em um jornal de qualidade, no qual temas relevantes para a população sergipana e brasileira foram tratados com a devida sensibilidade e escritos em uma linguagem simples e acessível. Vale a pena abrir o Contexto e desfrutar seus assuntos, linguagens e olhares. Boa leitura!

por Abel Serafim

HISTÓRIAS QUE ME TECEM Ainda me lembro dos dias em que me sentava na porta de uma amiga da minha vó para ouvir histórias de um tempo longínquo, mas encantador, às vezes folclórico e cheio de ternura. Ouvia atentamente o misto de sabedoria e afeto soado da boca daquelas mulheres que ensinaram a moldar o tempo com singeleza e inventividade. Essa lembrança, por vezes súbita, arranhada, despropositada, ganhou um lugar novo na cabeça desse menino que agora insiste em ser grande e, por isso, quer contar o que vê, o que sente, como elas faziam na boca da noite, quando a tarde se despedia para a escuridão no horizonte. Agora, como já não tenho tempo para me aninhar na roda de histórias do tempo da minha vó, eu tento ir em busca das histórias do outro lado da rua, da avenida, do ônibus, dos cochichos e das costuras do cotidiano. Histórias como a de Dona Zefinha me aproximaram das minhas origens, a ponto de descobrir particularidades da minha família que não tive a sorte de conhecer, mas tive a honra de saber pelos fios da memória. Que não percamos a relevância de ouvir histórias dos outros no jornalismo e fora dele. Porque elas revelam espantos, cotidianos, tempos que só o saber das ruas pode dizer.

Redação.

EXPEDIENTE editores

Prof. Me. Daniel Pereira Brandi [editor-chefe] Aíla Cristhie dos Santos Cardoso [texto] João Victor Vasconcelos de Matos [texto] Joyce Félix dos Santos [texto] Bianca Machado de Santana [diagramação] Paulo Marques de Oliveira Silva [diagramação] equipe de fotografia

Alisson Santana Mota Anna Mayze Santos Barreto Ayrana Ferreira Lopes Francielle Souza Nonato Juliana de Almeida Melo

Kaippe Arnon Silva Reis Marianne dos Santos Goes Paulo Marques de Oliveira Silva Pedro Gabriel Brito Nascimento Rivandson Teles dos Santos equipe de diagramação:

Irllen Gabriele Sousa Oliveira João Vitor Moura dos Santos Pedro Gabriel Barreto Ramos Yure Sales Pio equipe de texto

Abel Victor Teodosio Serafim Beatriz Oliveira Farias

Brunna Suellen Martins Barreto Camila Geronimo de Sá Carla Iasmin Souza Franca Gabriel Costa de Freitas Isabella Vieira Santos João Vitor Moura dos Santos Juliana de Almeida Melo Kaippe Arnon Silva Reis Kemily Caroline Alves Abreu Mendes Marcos Henrique dos Santos Maria Gabriela dos Santos Pereira Mariane dos Santos Goes Paulo Marques de Oliveira Silva Pedro Gabriel Brito Nascimento Rafaelle da Silva Pereira

Rebeca Samara de Oliveira Nunes Romário Rosa Cidrão Victor Santos da Silva Tais Fernanda Felix dos Santos Yara Karine Lima Gomes Yure Sales Pio Jornalismo Departamento de Comunicação Social Universidade Federal de Sergipe


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OPINIÃO | 2018.2 | ed. 61

ENTRE MEMÓRIAS E ENCONTROS, OS CONTEXTOS DE DONA ZEFINHA FRANCIELLE NONATO

M

Dona Zefinha compartilha outra paixão: a costura.

por Abel Serafim

anhã chuvosa. Céu cinzento. Mormaço. 09 de janeiro de 2019, Santa Luzia do Itanhy. Josefa Soares, aliás, Dona Zefinha, como carinhosamente é chamada, está sentada em uma cadeira de plástico branca. Um olhar observador e de relance para os movimentos da rua e da praça da cidade em frente da sua casa. É assim que ela tem contato com o mundo que se passa lá fora. Como não pode caminhar muito devido às dores que sente nas pernas, o jeito é ficar da porta de casa espiando o andar do mundo ou se ensimesmando e matutando ideias e lembranças com vizinhos e parentes. Aos 98 anos, a memória de Josefa Soares impressiona. Mesmo com recordações entrecortadas, ela se lembra de datas, causos e curiosidades da biografia dela e da cidade com clareza. É sempre procurada por entusiastas em histórias e até pesquisadores que se debruçam sobre o passado da primeira povoação do Estado de Sergipe (Santa Luzia do Itanhy, a 75 km de Aracaju). Lembra do nome da primeira professora, Adélia, uma mulher descrita como “forte e bonita”. Lembra de uma colega “danadinha” chamada Luzinete. Lembra de que a rua conhecida como Jackson Figueiredo era Rua da Palha devido às casas serem feitas de palhas. Lembra que aprendeu mesmo com a professora Castália. E de histórias contadas pela mãe. “Eu não alcancei. Minha mãe disse que um verão tocaram fogo no guaxinim, e incendiou a rua. Aí fizeram casa de telha. De palha, era tiro e baque’”. Para lembrar algum detalhe da história, ela leva a mão à cabeça e aperta os olhos. Mas essa consulta à memória não demora muito. Logo a informação flui como revelação analógica de uma fotografia, com cuidado, ao ritmo lento, num processo transformador. Católica fervorosa, ela reza cinco orações por dia: desde quando acorda, às cinco da manhã até quando dorme nove ou dez da noite. Reza o terço. Assiste as missas pela

televisão. Há três anos não vai à igreja. O motivo é a dificuldade de deslocamento devido às dores na perna. A fé e crença estão estampadas na casa dela. Na sala, um terço está pregado na parede entre o retrato da mãe e do pai, um livro de orações está posto no espaldar do sofá, um crucifixo está centralizado na parede que divide a sala da cozinha. No quarto, um oratório com a Santa Teresinha do Menino Jesus, rodeado por outras imagens, como Nossa Senhora Aparecida e Nossa Senhora da Vitória. Por muito tempo, foi rezadeira. Com uso de ramos, óleos e oração, afastava o “mal” das pessoas, como fogo selvagem, uma doença que provoca bolhas na superfície da pele que se arrebentam e criam feridas. Hoje, não reza mais ninguém devido às vistas cansadas e por medo de esquecer a oração. Aprendeu o ofício religioso de rezadeira ao observar outras mulheres que também rezavam no Itanhy. Sempre inquieta. Quando não tem nada para fazer, ele gosta de espremer plástico bolha. Não gosta muito das novelas atuais. Gostava mesmo de assistir os dramalhões mexicanos exibidos pelo SBT. Maria do Bairro e Marimar estão entre as suas novelas prediletas. Acompanha o que acontece no Brasil e no mundo pelos telejornais. “Gosto também das novelas da Rede Vida. São novelas bonitas”. Ri quando diz que gosta do enlatado Chaves. Com as condições físicas limitadas, Maria Inês Muniz, a vizinha, é quem realiza os serviços domésticos. Uma menina é paga para acompanhá-la durante a noite. Sobre isso, ela acha desnecessário. “Elas (filhas) botou(sic) porque quis (sic) botar. Eu durmo e não incomodo ela. Eu durmo a noite toda. Por mim, eu dormia sozinha. ” Dia 17 de maio de 2019 ela completará 99 anos de idade.

AS BONECAS DE DONA ZEFINHA ta. O ato de fazer bonecas foi transmitido de mãe para filha. Até seis meses atrás produzia as suas próprias bonecas de pano. O verbo produzir está no passado porque ela “enjoou de fazer bonecas”. “Tenho é muita boneca aí dentro. Tem uma boneca aí, apontando para a boneca no sofá, tem uma no quarto, e lá no quarto tem mais. Tudo que me dão: as sobrinhas, as afilhadas, as netas.” Mas a decisão não a impediu de costurar roupinhas para as suas companheiras. Ela mostrou uma boneca dentro de uma caixa que segundo ela está nua porque ainda não tem roupa. Essa ainda não tem nome. Só depois que ficar pronta. Josefa Soares tem um ciúme danado das suas amigas (bonecas). Com todo mundo, sem exceção. Ela diz que o ciúme, na verdade, é cuidado, pois sem ele, talvez, ela não tivesse tantas bonecas ainda. “Quando chega uma netinha ou bisneta querendo pegar, eu digo ‘ cuidado’ e tomo. ” “Olhe, se aquiete”. É com chateação e um balançar breve da cabeça que Dona Zefinha se lembra do dia da perda da sua primeira boneca ou uma das mais antigas do seu acervo. Uma amiga “destampou” a caixa e ela caiu no chão. Como era de louça, se espatifou e tornaram-se fragmentos. A boneca que guardava com afeto era especial, pois herdou de uma tia que ela

nunca conhecera. Ela brincou de boneca até os 21 anos, quando casou com José Batista, com quem viveu por 57 anos. Hoje, as tem por enfeite, zelo e fidelidade. “Quando eu me casei, eu levei a boneca.” Ela se refere à boneca que comprou na feira para um batizado de brincadeira organizado com a irmã. No sofá, um cesto com linha, agulha e tecido revela outro gosto: a costura e o bordado. Faz toalhas de mesa e vestimentas de bonecas. Agora, está finalizando uma toalhinha em que ela mesma risca, desenha e borda. “Eu faço para dar a família. Não vendo não. Nunca vendi. Faço para a família, para uma amiga, para mim mesma.” Diferentemente da mãe, as filhas não se interessaram pelo ofício de fazer boneca. “Brincaram de boneca. Mas gostaram mesmo de ler. Só a mais velha que bordava.” Dona Zefinha teve quatro filhos, um homem e três mulheres. Desses, apenas dois estão vivos: Josefa Soares e Cremildes Soares. Quando questionada sobre a saudade daquele tempo (da infância), ela devolve com outra pergunta: “Quem não tem saudade do que é bom?” Prossegue: “Os filhos obedeciam aos pais, eram educados com os pais. Quando chegava da escola ia para roça plantar cana, mandioca, ganhar di-

nheiro. Todo mundo tinha uma rocinha. Era feijão verde. Ninguém passava fome. Hoje, as pessoas morrem de fome”. Complementa com um sorriso no rosto: “Gozei muito. Dancei muito. Namorei pouco. Porque quando pegava um rapaz, as amigas tomavam. Não eram 15 dias”. E convicta afirma: “Estou aqui até quando Deus quiser.” FRANCIELLE NONATO

Quando se aproxima da entrada da casa de Soares, logo se avistam bonecas espalhadas por boa parte da casa. Uma paixão antiga, um cartão revelador da sua persona. Tem boneca no sofá, atrás da porta, sentada na cadeira, enfileiradas em prateleira, dentro de caixa, perto da televisão, na raque, na sala e nos dois quartos. Cada uma tem um nome: Flora, Ludmila, Serena, Coraci, Corália, Jaciara, Jacira, Corara, Clarinha, Olga, Violeta e até nome de celebridade, Susana Vieira, o mesmo da atriz global. Quando questionada como os nomes são escolhidos, ela gargalha e diz que escolhe “de cabeça”. São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Peru, Argentina, Cuba e Espírito Santo. Tem boneca de vários cantos do país e do mundo na casa de Dona Zefinha. As que vêm de fora (estrangeiras) são trazidas pela neta, Josiane Soares, professora da Universidade Federal de Sergipe. “Onde ela chega, compra uma boneca pra mim. ” O gosto por bonecas começou muito cedo. Ela ainda era criança. A mãe saía para trabalhar na roça e a deixava trancada. Sem dinheiro para comprar bonecas, se encarregava de produzir bonecas de pano, companheiras de Dona Zefinha durante o dia. Como não podia sair de casa, recebia as amigas na própria residência para brincar. “Nunca andei de porta em porta não. Minha mãe não gostava”, con-

As bonecas de D. Zefinha em seu quarto


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POLÍTICA | 2018.2 | ed. 61

JORNAL CONTEXTO

IGREJAS EVANGÉLICAS: OS QUARTÉISGENERAIS DA EXTREMA DIREITA NO BRASIL?

por Brunna Martins

“O Estado é o espaço de todas as religiões e o espaço até para os que não têm religião; nós respeitamos e defendemos isso”. Essa foi a fala de Lázaro Sodré, pastor da Igreja Batista e, desde outubro, líder do núcleo da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito em Sergipe. Indo de encontro ao fundamentalismo escancarado, principalmente, nas últimas eleições, grupos de evangélicos se uniram com o desejo de ressignificar sua fé. e acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em dez anos, os evangélicos (pentecostais, de missão e não determinados) cresceram cerca de 6,8%. Se em 2000, eram 15,4%, em 2010 se tornaram 22,2%, quase um quarto da população brasileira. A partir desses dados, o professor e coordenador do curso de Ciências da Religião da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Carlos Eduardo Calvani, explica: “Nunca houve uma ‘explosão’ evangélica no Brasil. O

que é apontado há pelo menos 50 anos é um crescimento gradual e constante desses grupos”. Calvani também afirma que a Igreja Evangélica é muito pulverizada e nunca conseguiu ajustar seus discursos teológicos com os institucionais. Já houve tentativas, como nos anos 30, com a Confederação Evangélica Brasileira, e nos 80, com a Associação Evangélica do Brasil, no entanto, ambas acabaram chegando ao fim em virtude de inúmeras divergências.

“Particularmente, enquanto pesquisador, não me parece que as igrejas evangélicas sejam os quartéis-generais da extrema direita no Brasil. Elas apenas reproduzem a seu modo esses discursos, e ganham apoio e adesão porque dão voz ao que pensa e sente uma grande parte da população que não consegue verbalizar por si mesma seus sentimentos”, declara o professor.

RIVANDSON TELES

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A RELAÇÃO ENTRE A IGREJA EVANGÉLICA E OS MOVIMENTOS DE EXTREMA DIREITA NO BRASIL Lamia Oualalou, jornalista e correspondente francesa no Brasil entre 2007 e 2017, explica o chamado “fenômeno evangélico”, datado desde a década de 70, em seu livro Jésus t’aime, la déferlante évangelique (Jesus te ama, a onda evangélica, em português). Nele, Oualalou descreve a dificuldade da Igreja Católica de chegar às periferias e destaca a presença feminina, onde mulheres, muitas vezes empregadas domésticas, passam a maior parte de seu tempo trabalhando no centro das capitais e quando voltam para suas cidades ou favelas, não têm nenhum espaço para socialização. Além disso, sua obra também aborda uma crítica aos movimentos e partidos políticos progressistas que abandonaram essa população. “A partir do momento em que a esquerda pensa que temas como família são de direita, é estúpido; a família poderia ser também um valor de esquerda. Por um lado, [a igreja evangélica] é neoliberal, porque a ideia é ganhar mui-

to dinheiro, ter bens materiais, mas ao mesmo tempo, o que é muito importante entre os evangélicos é essa rede de solidariedade que ninguém oferece hoje no Brasil”, afirma a jornalista, em entrevista para a Rádio França Internacional (RFI). Nas eleições brasileiras de 2018, a Bancada Evangélica foi reforçada. Foram eleitos 91 congressistas (deputados e senadores) identificados com tal crença, treze a mais do que em 2014. Entre estes, os mais famosos por seus discursos fundamentalistas, como Magno Malta (PR), não conseguiram se reeleger no Senado, em contrapartida, Marco Feliciano (PODE) ficou em 10º lugar entre os deputados federais mais bem votados em São Paulo. A Igreja que elegeu em segundo lugar a maior quantidade de evangélicos no Congresso (ficando atrás apenas da Assembléia de Deus), foi a mesma que inaugurou o Cenáculo de Aracaju em 9 de dezembro de 2018, nova sede da Universal do Reino de Deus no estado de Sergipe.

Com uma estrutura de 9.000 m², tecnologia de última geração e capacidade para 2.300 pessoas, a construção está localizada no bairro Inácio Barbosa, no cruzamento de duas importantes avenidas da capital – Av. Adélia Franco com Av. Tancredo Neves –, ao lado do principal terminal de ônibus da cidade, o Terminal DIA, do Teatro Tobias Barreto e do Centro de Convenções. Indo de encontro a todo o esplendor dessa inauguração, Rafaelle da Silva Pereira, 19, estudante de Jornalismo da UFS, diz que se surpreendeu com o apoio de sua igreja ao candidato e então presidente Jair Bolsonaro. “Minha igreja sempre foi envolvida com política através do partido PRB, e isso nunca me incomodou por eles terem posições mais centristas, mesmo sendo diferentes das minhas. Ao final de determinado culto, o pastor quis falar sobre as eleições, como já era de costume. Eu pensei que falaria dos candidatos da igreja, mas ele começou a discursar sobre

Bolsonaro e colocou um vídeo da atual ministra, Damares, sobre gênero. Para mim, que sou estudante de Jornalismo, foi um terror. Era equívoco atrás de equívoco”. Em outubro de 2018, o Grupo Record, também da Igreja Universal do Reino de Deus (conglomerado inclui a emissora, rádio e o portal de notícias R7), foi denunciado ao Sindicato de Jornalistas Profissionais no estado de São Paulo por fazer pressão para que o conteúdo produzido beneficiasse Jair Bolsonaro.

do, independente de ser uma lei criada pelo Estado ou quem quer que seja”. O líder deu como exemplo o repúdio ao aborto e a defesa da liberdade religiosa. A Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, já citada no início dessa reportagem, é uma movimentação nacional, mas em Sergipe, um dos líderes de seu núcleo é o pastor Lázaro Sodré, da Igreja Batista. Apesar da denominação de um de seus coordenadores, a Frente, como é chamada, não faz restrições em relação a isso. “A Frente surgiu como uma tentativa de reflexão sobre o cenário político-social do nosso país, fazendo leituras sobre esse contexto a partir da Bíblia e da tradição evangélica. Nosso desejo é fazer ‘links’ entre as igrejas e comunidades e as demandas sociais do Brasil”, explica o pastor.

Quando questionado acerca de sua interpretação sobre o princípio de separação entre Igreja e Estado, Lázaro afirma: “A Frente deseja e trabalhará por um Estado laico, entendendo que o espaço público é um espaço de todos, para todos e por todos”. E ainda conclui: “Existem várias interpretações sobre esses temas polêmicos, porém, a Frente, como promotora de direitos, entende que a questão do aborto e da homossexualidade perpassa a ideia do direito, tanto da mulher como da comunidade LGBT. Existem divergências do ponto de vista religioso, doutrinário, mas isso, nesse momento, na Frente, fica em segundo plano, porque nosso objetivo é lutar pelo direito de todos e todas, sem distinção, discriminação ou obstáculo para isso”.

Patrício Almeida - líder espiritual da comunidade adventista ENTRE

SEGUNDO ESSES EVANGÉLICOS, O ESTADO É LAICO A Igreja Adventista do Sétimo Dia prega a separação entre Igreja e Estado. Em uma aba em seu site oficial, explica para seus fiéis, em uma linguagem simples e em forma de guia, seu posicionamento acerca desse assunto. “A igreja acredita que adotar uma postura que não envolva filiação partidária ou qualquer tipo de compromisso com partidos políticos é uma das maneiras de manter esse princípio”, afirma em um trecho. Patrício Almeida, líder espiritual da ENTRE, comunidade Adventista em Lagarto/ SE, diz que o grupo foi criado de maneira independente, por fiéis, com o objetivo de atingir um público que, geralmente, não se atinge. “Nós passamos um ano, aproximadamente, estudando literatura, orando, pedindo orientação a Deus, para que

tivéssemos o melhor modelo para se fazer. Até que em maio de 2018, fundamos a ENTRE”, afirmou. “Somente quando os poderes temporais impõem a transgressão às leis divinas é que o cristão deve assumir a postura de antes ‘obedecer a Deus do que aos homens’”. Esse trecho (presente na página oficial da Igreja Adventista do Sétimo Dia), retirado da Bíblia e interpretado pelos adventistas, complementa o pensamento teológico ligado a essa denominação. Quando questionado sobre o mesmo, Patrício afirma: “Simples. ‘Sola scriptura e tota scriptura’, esse é um princípio que Lutero defendia ainda na Reforma Protestante, onde ele dizia que o que era contrário à palavra de Deus, ou seja, o que era contrário à Bíblia, não deveria ser segui-


CIDADE

ENTRE O ASFALTO E A FALTA DE SANEAMENTO BÁSICO N

os últimos meses de 2018, a prefeitura de São Cristóvão, em parceria com o Governo do Estado de Sergipe, pavimentou dez vias nas imediações da Grande Rosa Elze. Um investimento de mais de R$ 2 milhões provenientes do Proinveste - Programa do Governo Federal que tem como objetivo permitir ao Estado condições de crédito junto aos bancos oficiais com benefícios de recursos, com juros baixos e prazos longos. Apesar dos resultados positivos que a pavimentação asfáltica proporcionou aos moradores, muitos deles ainda reclamam sobre o descaso quanto ao sistema de esgoto do bairro. Josilene Silva, moradora do bairro há dez anos, reconhece e agradece as melhorias atuais, mas demonstra-se insatisfeita quanto ao saneamento básico da região. “Antes na rua que eu morava não tinha nenhum calçamento, minha casa vivia cheia de poeira. Hoje, graças a Deus, com a rua asfaltada, quando chove não tem muita lama. Mas de que adianta as ruas asfaltadas e esses esgotos todos a céu aberto?” questiona a moradora. A Lei 11.445 de 2007 apresentou novas diretrizes nacionais e definiu o planejamento de serviços básicos como instrumento fundamental para o acesso

Por Gabriel Freitas

universal ao saneamento básico, dentre essas ferramentas criou-se o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB). A Fundação Nacional de Sergipe (Funasa) e o Instituto de Tecnologia e Pesquisa (ITP) em 2017 assinaram um termo aditivo ao convênio nº 0274/2014, no valor de R$ 5 milhões, tendo como objetivo a capacitação técnica de 26 municípios sergipanos na elaboração do PMSB. Esse convênio visa traçar caminhos para a melhoria das condições de saúde, qualidade de vida, e o desenvolvimento das regiões, atrelado à prestação dos serviços de água, esgoto, drenagem e limpeza urbana. Trinta municípios contam hoje com o PMSB, são eles: Gararu, Monte Alegre, Nossa Senhora da Glória, Frei Paulo, Nossa Senhora Aparecida, Carira, Pinhão, Maruim, Neópolis, Riachuelo, Ribeirópolis, Nossa Senhora das Dores, Pacatuba, Graccho Cardoso, Japoatã, Capela, Canhoba, Rosário do Catete, Indiaroba, Cedro de São João, Salgado, Carmópolis, Brejo Grande, Santana de São Francisco, Siriri, Arauá, Itaporanga D’Ajuda, Boquim, Campo do Brito e Japaratuba. A cidade de São Cristóvão não aparece no plano. Em 2016, o IBGE divulgou em sua página oficial, dados que demonstram que ape-

LIXO: O COMEÇO DA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

por Isabella Vieira Já se perguntou o porquê de você comprar uma lixeira e guardar o lixo produzido para depois colocá-lo na porta de casa ou entregá-lo para o recolhedor do prédio em uma sacola plástica? Você sabe o significado de Coleta Seletiva?

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oleta seletiva é o recolhimento dos resíduos orgânicos e inorgânicos, secos ou úmidos, recicláveis e não recicláveis previamente separados na fonte geradora, recolhidos e levados para o reaproveitamento. É assim que funciona o processo de tratamento do lixo na cidade de Aracaju/SE. Todos os dias toneladas de lixo são descartados no mundo todo, inclusive na capital sergipana. A coleta seletiva funciona na cidade há mais de 18 anos e segundo a prefeitura, esse processo teve início no bairro Inácio Barbosa em 2001. No primeiro ano de atuação da Emsurb foram coletadas mais de 120 toneladas de material reciclável e nove bairros já faziam parte da ação.

O FUNCIONAMENTO DA COLETA SELETIVA EM ARACAJU Segundo a Prefeitura de Aracaju, o tratamento do lixo é eficiente graças ao desempenho do Programa de Coleta Seletiva de Resíduos Inorgânicos, gerenciado pela Emsurb e também à conscientização

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AYRANA LOPES

JORNAL CONTEXTO

da população ao separar o lixo seco. José de Alencar, 48 anos, mora no bairro Siqueira Campos, localizado na zona oeste da capital. Ele relata a sua experiência com o lixo produzido em casa: “O caminhão que cata o lixo passa por aqui todos os dias pela noite, menos final de semana e aqui em casa nós separamos os tipos de lixo: tem o do banheiro, o da comida e o de plásticos e outras coisas recicláveis. Acredito que essa conscientização é importante e facilita muito o tratamento”. Em dados fornecidos pela Torre, empresa responsável pelo recolhimento do lixo, a média mensal na capital é de 240 toneladas e na grande Aracaju são recolhidas mais de 700 toneladas de lixo pela equipe de trabalhadores - motoristas, fiscais e agentes. Os resíduos sólidos são transportados nos caminhões coletores, estes percorrem a cidade em diferentes dias e horários e seguem um itinerário próprio. A Prefeitura Municipal de Aracaju realocou os lixões dos bairros Santa Maria e Palestina para um grande aterro sanitário, em Rosário do Catete, município sergipano localizado a 40km da capital.

Esquina da R. Amintas Machado de Jesus com a R. José Adilson Andrade no Rosa Elze nas 38,3% dos domicílios em São Cristóvão têm seu esgotamento sanitário adequado, ficando em 25° lugar, dentre os 75 municípios do Estado. Além da atual situação presente no bairro Rosa Elze, o que também preocupa os moradores é a proliferação de mosquitos, insetos e pragas que podem ser vistas durante o dia, dividindo espaço com transeuntes e moradores, como relata Luanna Rabelo, estudante e residente há quatro anos no bairro. “Sempre que estou indo à Universidade é comum ver ratos correndo de um bueiro para outro em plena luz do dia, sem contar os escorpiões que já apareceram nas casas de vários amigos

meus” . De acordo com a análise de doenças realizada pelo Instituto Trata Brasil, no país, doenças de transmissão feco-oral (diarreias, febres entéricas e hepatite A) foram responsáveis por 87% das internações causadas pelo saneamento ambiental inadequado no período de 2000 a 2013. Além da leptospirose, a diarreia costuma ser a mais citada, sendo o sintoma mais comum das infecções intestinais causadas pelo consumo de água ou de alimentos contaminado. De acordo com dados do IBGE, em São Cristóvão a cada mil habitantes, 0,7 são internados devido à diarreia.

O aterro é administrado pela Estre Ambiental, empresa fundada em 1999, que cuida de serviços ambientais como a triagem de materiais recicláveis e tratamento de chorume. O processo de tratamento desses dejetos é feito em duas partes: transporte do lixo urbano de Aracaju para carretas, em seguida o lixo segue para o aterro. O Lixão da Terra Dura, localizado no bairro Santa Maria, existia desde 1986, mas em 2003 foi transformado em aterro controlado. Lá trabalhavam 60 catadores cadastrados, 4 funcionários da Emsurb e 24 funcionários da Torre. Entre esses catadores se encontra Damião Santana, 63 anos, catador de plástico e papelão desde os 20. “Comecei cedo e não parei, lá no Santa Maria muita gente ia lá e jogava muito lixo e vi que essa prática digna me daria dinheiro, além de ajudar o ambiente”, conta Damião.

alguns itens como: óleo de cozinha, produtos eletrônicos (pilhas, celulares, computadores). Para diminuir e conscientizar a população sobre o lixo jogado em vias públicas, a empresa Torre espalhou lixeiras públicas em locais estratégicos da cidade para o descarte do lixo. Rosângela Braga, 32 anos, comerciária, trabalha no centro de Aracaju há 12 anos e fala sobre a importância das lixeiras. “Eu sinceramente percebi uma grande diferença, há uns 8 anos a gente via muito lixo pelo chão. Eu acho que as lixeiras são uma forma de conscientizar a gente para podermos cuidar bem de nossa cidade e ajudar no cuidado com o lixo”. “Conscientização” é uma palavra chave para o tema lixo, mas vale ressaltar a mesma importância da palavra “ação” para esse assunto. O lixo é o personagem principal de nossa sociedade e está em todos os lugares: casa, trabalho, carro, shopping, centro comercial etc. É importante o bom tratamento do lixo para ser possível a preservação do meio ambiente. É interessante deixar fixado famosos 5 R’s da sustentabilidade: Repensar, Recusar, Reduzir, Reutilizar e Reciclar.

CUIDE DO SEU LIXO

Pouco se sabe sobre o lixo. Para muitos não é um assunto relevante, porém os resíduos produzidos e descartados pelos aracajuanos movem empregos e geram qualidade de vida. Um brasileiro produz em média 1kg de lixo por dia, isso significa uma média de 750 mil toneladas por dia em todo o Brasil. E o Nordeste é a região modelo quando se fala de tratamento e destinação de resíduos orgânicos e inorgânicos. Existem vários locais de descarte irregular na cidade de Aracaju, mas também existem projetos de descarte correto para

O QUE É EMSURB? Significa Empresa Municipal de Serviços Urbanos. É responsável pela manutenção da cidade. Ela presta serviços de coordenação de atividades referentes à limpeza pública, arborização, tratamento do lixo, conservação dos mananciais dos rios etc. Fica localizada na zona sul de Aracaju, no bairro Jardins.


CIDADE

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JORNAL CONTEXTO

CIBERCRIME: OS DESAFIOS FRENTE À VIOLÊNCIA NA INTERNET por Romário Rosa

Quando a liberdade de expressão passa a ser considerada um crime

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ibercrime é toda atividade ou prática ilícita cometida na rede. Condutas já consideradas crimes no mundo real também são aplicadas aos meios digitais. Embora muitos indivíduos aleguem utilizar a liberdade de expressão para expor suas ideias, ocorre de elas - em muitos casos transgredirem a moral e a dignidade do outro. As redes sociais são ferramentas muito utilizadas no Brasil. De acordo com relatório divulgado pelas empresas We are Social e Hootsuite intitulado “Digital in 2018: The Americas”, 62% da população do país está ativa nas redes sociais. São 127 milhões de usuários mensais só no Facebook, onde 90% usam a plataforma a partir de smartphones. O uso de mensagens instantâneas é outro recurso muito aproveitado pela população. Enviar e receber áudios e fotos, compartilhar postagens, utilizar emoticons e mandar os famosos “memes” são hábitos diários. Segundo estimativa da PNAD Contínua, (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), até 2016, 116 milhões de brasileiros acessaram o WhatsApp, número que representa cerca de 65% da população com 10 anos ou mais na ocasião. Com tantos usuários, já é possível se ter noção da grande quantidade de informações transitadas todos os dias na Web. Delas, muitas não atendem às políticas internas dessas redes sociais, por serem tidas como danosas. “O conteúdo multimídia a seguir pode conter material sensível ou impróprio”, “complete esta verificação de segurança”, “por motivos de segurança, sua conta está temporariamente bloqueada” e ainda “se você publicar algo que viole os nossos padrões outra vez, sua conta será bloqueada por três dias”. Estes são alguns exemplos de manifestações do Facebook sempre que o usuário pratica condutas incondizentes com a plataforma. Embora as redes sociais tentem disciplinar seus usuários e aplicar sanções, crimes continuam a ser difundidos. Pelo fato de muitos deles serem identificados somente após denúncias de outros usuários, sem que a empresa tenha o controle total do que é postado e compartilhado a cada momento. Em meio às novas tecnologias, os crimes comuns no mundo real geram mais desafios no virtual. Enquanto a demanda por denúncias contra violações na Internet aumenta, o número efetivo de casos registrados diminui. Racismo, neonazismo, intolerância religiosa, homofobia, incitação de crimes contra a vida, maus tratos a animais e pedofilia são agressões já vistas no mun-

do real. E que no online assumem formas diversas, como em vídeos, fotos, áudios, textos e videochamadas, por exemplo. A fiscalização e controle de tais crimes é também responsabilidade do usuário uma vez que toma contato com eles. E no caso de compartilhamento de conteúdo impróprio, o difusor é considerado também um criminoso. Em Aracaju, Sergipe, a Delegacia de Repressão a Crimes Cibernéticos (DRCC) atua desde 2012 no combate a crimes praticados na Web. Fraudes, hackeamentos, estelionatos e crimes de ódio são algumas das recorrências atendidas. A delegada Rosana de Souza atua há 12 anos na polícia e há três está à frente da DRCC e Defraudações. Desde que assumiu o posto, ela percebe uma especificidade técnica nas investigações cibernéticas. “Temos uma perícia que ainda está engatinhando, e a prova testemunhal ainda é a melhor das provas”. Logo, a participação de outros usuários na denúncia se faz crucial no relato do crime sofrido. Dentre as práticas criminosas da rede existe o estupro virtual. “É quando o agressor mantém fotos íntimas da vítima, por exemplo, e à ameaça de modo coercitivo, fazendo com que ela se sinta pressionada a atitudes contrárias à vontade, por medo de ter a intimidade vazada no ambiente virtual”, ilustra. Rosana explica que crimes à honra como injúria racial, calúnia e difamação, quando também praticados na Web resultam em um aumento da pena. Já que a exposição da imagem da vítima é passível de ser visualizada e compartilhada por outros membros. Podendo chegar a um ano e meio de prisão, ou aumentar além do equivalente no mundo real. Ela atenta também para o cuidado na hora de repassar informações que podem ser falsas ou danosas à dignidade do outro, sendo importante checá-las antes do compartilhamento. Rosana aponta que um grande desafio enfrentado hoje é a urgência pelo fomento de servidores especializados em crimes cibernéticos. Alerta também para a ausência de equipamentos condizentes com a tecnologia atual, já que são cruciais às investigações, limitações estas que implicam na coleta documental e atividade pericial. Para o advogado especialista em Direito Digital, Heverton Cezar, no ambiente acadêmico ainda há muito a ser aprimorado. “Considerando que o Direito Digital e consequentemente os crimes virtuais são matérias ainda pouco debatidas nas instituições de ensino superior, tenho por certo que a graduação não oferece sequer uma base para o profissional que visa

ROMÁRIO ROSA

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Rosana de Souza, delegada atuante no combate ao cibercrime, em sua sala na DRCC atuar diretamente com crimes virtuais, seja ele advogado, magistrado, promotor de justiça ou delegado”, entende. “A grande maioria das pessoas não têm sequer consciência de que comentem crimes virtuais quando ofendem ou denigrem a imagem de outra pessoa nas redes sociais, por exemplo, e de outro lado a vítima também não tem dimensão do dano que sofreu, são verdadeiros “analfabetos digitais”, e essa ignorância dificulta consideravelmente a atuação das autoridades no combate a esses ilícitos diante à inércia da vítima”, argumenta. Com a missão de defender e promover o direito à liberdade de expressão e de acesso à informação em todo o mundo, a ONG Artigo 19, nascida em 1987, em Londres, atua no Brasil desde 2007. Assessor de projetos no programa de direitos digitais da ARTIGO 19, Paulo Lara destaca que o abuso de poder por determinadas pessoas pode levar à autocensura de outras, entende a liberdade de expressão como um direito absoluto e que deve ser assegurado a todos. Para ele a difamação, o abuso de poder econômico ou político são mecanismos de censura, e a livre expressão é exercida à medida que os indivíduos conhecem melhor dos seus direitos. O cyberbullying, muito encontrado nas redes sociais é outro cibercrime. Na maioria dos casos as vítimas sofrem por não atenderem aos padrões de beleza impostos: a gordofobia, homofobia e o racismo são exemplos. Sob humilhações, ameaças e difamações os agressores expõem a imagem da vítima de forma vexatória, condutas estas que causam sérios efeitos no psicológico das vítimas. “Os danos variam de acordo com o cyberbullying que cada um sofre, no geral podem levar a vítima à irritação; ansiedade; distúrbios de sono; isolamento social: a pessoa começa a se sentir retraída; depressão e até mesmo ao suicídio”, explica Ítalo Souza, psicólogo. Ele afirma que a sensação de segurança

trazida pela tela do computador ou celular é motivo para que o agressor se sinta desinibido. Ele também acha que o insulto à vítima não causa penalidade, como se estivesse em uma terra sem lei. Outras vezes é por uma necessidade de autoafirmação ou baixa autoestima, para que se sinta aceito e líder de um determinado grupo. “A primeira atitude que a vítima deve tomar é acionar os gestores da rede social para que o conteúdo veiculado seja excluído, caso ocorra em ambiente escolar, comunicar aos professores e à direção sobre o acontecido. Jamais guardar para si, mas sim lidar com a violência e buscar junto às autoridades e psicólogos, suporte”, orienta Souza. Laila Vitória, 19, estudante, compreende não haver proteção alguma nas redes sociais. Para ela, o simples fato de utilizar as plataformas já é motivo para que o usuário esteja submetido a críticas negativas. Ela conta que o forte apego à rede social só aumentou o transtorno pelo qual passou, causado por ironias recebidas em comentários e mensagens. “A plataforma servia como meio para que as agressões já percebidas em sala de aula se agravassem”, desabafa. Há dois anos Laila desativou o Facebook, hoje diz se sentir mais liberta e livre das algemas das redes sociais, conforme ela considera. Agora ela utiliza apenas o Instagram e diz não publicar muito da vida pessoal. Somente fotos de rosto e não imagens que exponham tanto o corpo, e o compartilhamento é entre os amigos mais íntimos. A liberdade de expressão é a consciência da igualdade entre os indivíduos. De saber que um direito acaba onde o outro começa, de respeitar as diferenças e conviver em comunidade desde o mundo real, para que no online se possa explanar opiniões e não ofensas à dignidade do próximo.


EDUCAÇÃO

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A EXPURGAÇÃO DO PATRONO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA PAULO MARQUES

por Paulo Marques Depois de 22 anos de sua morte, o educador pernambucano, Paulo Freire, é pautado negativamente pelo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e pela direita brasileira.

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m 28 de outubro de 2018, a República Federativa do Brasil escolheu, para ocupar o maior cargo de liderança do país, Jair Messias Bolsonaro. Com mais de 57 milhões de votos, Bolsonaro se tornou presidente. O capitão da reserva foi eleito num momento em que a educação brasileira passa por dificuldades. Segundo dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), 96,4% das crianças e jovens estão na escola. No entanto, a cada 100 crianças, apenas 53,7% sabem ler aos oito ou nove anos. No fim do ensino fundamental, 66,1% não aprenderam português no nível adequado, que é até os 16 anos. No fim do ensino médio, 92,7% não sabem matemática no nível apropriado. Em sua campanha, o presidente apresentou seu programa de governo e, nele, suas propostas para educação. Porém, após eleito, a sua meta tornou-se única: expulsar o Paulo Freire. “A educação brasileira está afundando. Temos que debater a ‘ideologia de gênero’ e a escola sem partido. Entrar com um lança-chamas no MEC para expulsar o Paulo Freire lá de dentro”, relata o presidente durante palestra para empresários no Espírito Santo. Mas quem foi Paulo Freire? Quais são as suas ideias? Os problemas educacionais que o Brasil enfrenta são oriundos do método freiriano? Ao se ter a expurgação do patrono da educação brasileira como via para a solução dos problemas educacionais, perguntas surgem.

CONSTRUINDO PAULO FREIRE Filho de Joaquim Temístocles Freire e de Edeltrudes Neves Freire, Paulo Freire nasceu em 29 de setembro de 1921 no Recife. Estudou, em 1943, na Faculdade de Direito do Recife e, além disso, foi professor de Português e Filosofia. Fundou junto com outras personalidades, no ano de 1955, o Instituto Capibaribe – uma sociedade civil, que existe até hoje, sem fins lucrativos, sem proprietários, com finalidade de educar crianças, formar professores e atualizar famílias, mantida pelas mensalidades pagas pelos estudantes. “Agitador”! Depois de buscar exílio no Chile por ter sido acusado de “agitador” em 1964 - período ditatorial no Brasil - o educador lecionou na Universidade de

Segundo dados do Google Scholar, Paulo Freire é citado em mais trabalhos acadêmicos do que Karl Marx e Michel Foucault Harvard e deu consultoria educacional ao redor do globo. Em 2 de maio de 1997, Paulo Freire faleceu em São Paulo. Ao longo da sua carreira, ele escreveu: “Educação Como Prática da Liberdade” (1967); “Pedagogia do Oprimido” (1968); “Cartas à Guiné-Bissau” (1975); “Educação e Mudança” (1981); “Prática e Educação” (1985); “Por Uma Pedagogia da Pergunta” (1985); “Pedagogia da Esperança” (1992); “Professora Sim, Tia Não: Carta a Quem Ousa Ensinar” (1993); “À Sombra Desta Mangueira” (1995); “Pedagogia da Autonomia” (1997) e diversos outros livros. A maior preocupação de Paulo Freire, em suas obras, está, numa breve síntese, em como aproximar os conteúdos da realidade do educando. Silvana Bretas é professora há 13 anos do Departamento de Educação da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Atua como pesquisadora na área de História da Educação, especialmente história das instituições escolares de ensino superior. Além disso, pesquisa também sobre Educação Básica. Para ela, o pensador foi o maior educador brasileiro e, talvez, um dos maiores nomes, dentro da educação, respeitados internacionalmente. “Saiu recentemente uma pesquisa de que o livro “Pedagogia do oprimido” é citado em mais de 100 universidades inglesas. Um dos livros mais citados em ementas de planos de aula por todo o mundo. Então, por aí a gente entende a importância do educador que, ao falar de educação, falou

sobre o homem, sua sociedade e a importância de pensar o outro”, diz. De acordo com levantamento do Google Scholar, a obra “Pedagogia do Oprimido” é a terceira mais citada em trabalhos acadêmicos. A ferramenta apontou 72.359 citações, ficando na frente de pensadores como Michel Foucault e Karl Marx, 60.700 e 40.237 respectivamente. Outra preocupação importante no pensamento freiriano é o de como o indivíduo, ao nascer, irá conhecer o mundo. Silvana conta que Paulo Freire se preocupa com que os elementos culturais que o indivíduo recebe na sua primeira infância, no seu primeiro grupo social, sejam sempre um instrumento que ele utilizará para conhecer o mundo. “Como eu educo o outro? Como eu trago esse sujeito da educação e permito que ele se reconheça como um sujeito cultural? Como respeito esse conhecimento que ele tem, considero-o e desenvolvo uma educação? Tão colaborativa, tão na base do diálogo, entre professor e estudante, ao ponto de que ele ascenda a todos os conhecimentos científicos, artísticos e culturais da melhor forma possível, mas com a forte raiz do que ele é e de onde ele veio”, explica a docente que complementa afirmando que essa é uma preocupação que atravessa todas as obras de Paulo Freire, desde 1959.

DESCONSTRUINDO O PATRONO

Não é só o presidente Bolsonaro que

compartilha da ideia de que o método do educador pernambucano é o responsável pelos problemas da educação brasileira. Com o título “Desconstruindo Paulo Freire”, o livro organizado pelo historiador Thomas Giulliano, lançado em 2017, defende a necessidade de se desconstruir a figura do pensador. No dia 25 de julho de 2017, em entrevista ao canal do YouTube, Opinião Livre, o professor afirma que depois de 20 anos ele precisou parar e escrever sobre Paulo Freire, pois, segundo ele, o educador “não deveria ter recebido o espaço que teve em seu tempo de vida, principalmente depois de morto ao ser alçado ao patamar de patrono da educação brasileira”. Ao ser indagado sobre quem foi Paulo Freire, Thomas é resoluto. “Eu considero ele um genocida tanto no sentido intelectual quanto no sentido pedagógico”, afirma. Para ele, a pedagogia criada pelo pensador criava mimados. “Uma pedagogia que torna o aluno aquele sujeito detentor de posições inegociáveis; ou seja, esse aluno detém todas as credenciais para o desenvolvimento da educação. Essa é uma consequência nefasta que, hoje, nos nossos dias a gente se depara com ela”, conta. O historiador complementa ainda, que o “genocídio de Paulo Freire” toca quando o educador tratou, de acordo com o professor, a figura de Che Guevara como “sinônimo de amor”.


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OS MUROS ENTRE A EDUCAÇÃO E A INFÂNCIA por Rafaelle Silva

RIVANDSON TELES

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ducação é um dos temas centrais no debate público e no que diz respeito a anseios de políticas públicas no Brasil. Entretanto, o acesso à educação nos primeiros anos de vida, ainda não é realidade no país. De acordo com o Plano Nacional de Amostras de Domicílio (PNAD) 2018, apenas 32,7% das crianças na faixa de 0 a 3 anos de idade frequentam creches ou préescolas. A correlação entre essa distribuição e a classe social das crianças desta faixa etária também existe, pois, entre 20% das crianças com renda domiciliar per capita mais baixas do país, 33,9% estão fora da escola. Já em um grupo de crianças com a renda 20% mais alta, só 6,9% não frequentam creches. Entre os principais motivos está a falta de vagas ou de instituições próximas de suas residências. Por isso, em 2014, foi criado o Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado pela Lei número 13.005, com o intuito de melhorias em todos os âmbitos da área, principalmente no combate às desigual-

dades históricas no país. O projeto tem vigência de dez anos e é norteado por vinte metas que devem ser cumpridas até o final do prazo, em 2024. A primeira meta da proposta diz respeito à educação infantil, e prevê “universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 a 5 anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças com no máximo 3 anos de idade até o final da vigência deste PNE”. A adesão de Sergipe foi total, ou seja, os 75 municípios se propuseram a cumprir as metas. Porém os dados do PNAD 2018 mostram que os objetivos do PNE ainda não foram cumpridos, principalmente, em relação aos primeiros anos da infância (0 a 3 anos). De acordo com o relatório do INEP 2018, a situação no âmbito estadual é 24,3% dos 50% previstos até 2024, o segundo índice mais baixo da região Nordeste, atrás apenas de Alagoas.

CAPITAL SERGIPANA O artigo 205 da Constituição Federal e o art.11 da Lei de Diretrizes e Bases prevêem que é dever dos municípios da federação garantir a educação infantil. Por isso, é importante municipalizar a discussão acerca do acesso a creches e pré-escolas. De acordo com o relatório do INEP de 2014, acerca da taxa de atendimento escolar, Aracaju obtinha 34,4% dessas crianças na escola. A situação é bem melhor entre as crianças entre 4 a 5 anos, em que a taxa é de 89,3%. Os dados incluem instituições públicas e privadas. Em relação às creches públicas, segundo os dados do G1 Sergipe, em 2018 a rede municipal ofereceu 5.052 vagas na idade pré escolar, totalizando 7.477 vagas na educação infantil. Aracaju obtém 29 creches públicas espalhadas pelas seis zonas da cidade, e os bairros mais contemplados, são: Santa Maria (3), Siqueira Campos (2), São Conrado (2) e Porto Dantas (2), considerados os bairros da cidade com grande número de pessoas em situação

..isso não significa que o número de vagas é suficiente para o atendimento a população.

de vulnerabilidade socioeconômica. Mas isso não significa que o número de vagas é suficiente para o atendimento a população. Segundo o último censo populacional do IBGE, em 2010 a cidade obtinha 40.673 pessoas entre 0 a 4 anos. Entretanto, dados da instituição referentes a 2017, mostram que o município contabilizou 11.114 matrículas na Educação Infantil, ou seja, escolas públicas e privadas que atendem a faixa de 0 a 6 anos. A Prefeitura de Aracaju, em resultado do PNE, idealizou o Plano Municipal de Educação (PME) para firmar a adesão às metas estabelecidas. No começo do projeto em 2014, a gestão recebeu aproximadamente R$ 9 milhões, referentes ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação para a construção de doze novas creches e pré-escolas. Porém, de acordo com o Sistema de Monitoração e Controle do MEC, apenas oito locais constam na lista de obras, sendo que sete delas foram canceladas. Apenas a creche do bairro Santa Maria/17 de Março foi concluída. No final do ano passado, a atual gestão anunciou a construção de três novas unidades nos bairros Farolândia, Lamarão e Santa Maria com recursos somados em R$ 7 milhões do Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância). Cada unidade de ensino contará com dez salas de aula e custará R$2.215.068,38.

Sara Valentina de 3 anos e sua mãe Silvânia Gomes ao chegar à creche

REALIDADE DAS CRECHES O atendimento da rede municipal abarca a faixa de 6 meses a 6 anos de idade. Os horários de funcionamento para as crianças de 6 meses a 3 anos é das 6h30 às 18h. Já a faixa de 4 a 6 fica na escola das 7h às 11h horário da manhã, e 13h às 17h horário da tarde. A Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) Júlio Prado Vasconcelos fica no

bairro de São Conrado e atende uma das populações mais vulneráveis do município. A instituição oferece 186 vagas e as matrículas são feitas através de um portal disponibilizado pela Secretaria Municipal da Educação (SEMED), com intuito de diminuir filas e dinamizar o tempo das mães. Silvânia Gomes, mãe da Sara Valentina


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Algumas instituições [...] são consideradas locais inapropriados para servirem de escolas Oliveira de 2 anos, Beatrize Oliveira, que mora no Aruana, disse que não existe creche pública no bairro. “Eu queria ter colocado ele na escola agora, no início do ano, quando ele fez 2 anos, mas não consegui, não tinha como pagar uma particular”. A população também reclama da estrutura física das creches. Algumas instituições, como a do bairro Siqueira Campos, são consideradas locais inapropriados para servirem de escolas. Isso mostra que creches mais antigas precisam de reformas. A rotina das crianças de 6 meses a 3 anos passa por acolhimento, troca de roupa, refeições, atividades educativas, brincadeiras e descanso. O projeto pedagógico é específico para cada idade. Zelia Rezende, responsável pelo suporte pedagógico

do EMEI Júlio Prado Vasconcelos, explica como o projeto funciona. “As [crianças] de 6 meses até 2 anos trabalham muito com o lúdico, depois já começam as atividades que trabalham a coordenação motora. As atividades vão crescendo conforme a idade”.

RIVANDSON TELES

de 3 anos, mora no bairro e passou por esse problema. “Foi aquele sistema, a gente teve que dormir na fila, fiquei dois dias, mas foi há dois anos”, conta. Os avanços aconteceram, porém a diretora da EMEI, Maria Goretti Barros, explica que muitas mães não têm acesso a internet. “Do ano passado para cá, foi implantada essa matrícula online, facilitou muito por um lado, mas dificultou por outro porque muitas delas não têm acesso, aí tem que ir à Lan house, e fica aquela apreensão”, relata. Outras situações que envolvem também o acesso às vagas são os lugares em que as creches se localizam. A mãe do Bernardo

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IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL

O artigo intitulado “A importância da Educação Infantil” (2016) da professora da Fundação Getúlio Vargas, Gisele Leite, situa o conceito de infância ao longo do tempo. Apenas nos séculos XIX e XX, esse período da vida começa a se tornar importante e essa criança começa a ser vista como alguém que precise de lugar, tempo, espaço e aprendizagem diferenciada. As primeiras instituições de educação infantil no mundo surgem no final do século XIX. No Brasil aparecem na década de 1870 com o intuito de atender a classe média industrial. Em 1930, a construção de creches começa a ter participação direta do setor público, como resultado da luta por direitos trabalhistas. Somente em 1996 a educação infantil vai ser reconhecida como direito do cidadão, não só do pai ou da mãe. A professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Andrea Herminia, conta ainda que as creches surgiram da necessidade da entrada das mulheres no mercado de trabalho. “Surgiu uma demanda de uma instituição que cuidasse das crianças, uma relação totalmente assistencialista”, esclarece. Ela explica que a educação infantil passou por diversos marcos legais: A Constituição de 1888, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei de Diretrizes e Ba-

Júlia Santos de 3 anos, filha de Josefa Santos, ao chegar a escola pela manhã

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ses (LBD) e Diretrizes Curriculares. Ressalta que é dever do Estado garantir as vagas, mas que a garantia desse direito tem sido só no campo teórico. Herminia afirma que de uns 10 anos para cá, a concepção do que é educação infantil mudou muito, e que a ideia de assistencialismo não é mais realidade. “Não vejo essa fase como preparação, vejo como concreto. A criança é um sujeito completo, sócio-histórico e cultural”.

EMANCIPAÇÃO FEMININA

Atividades lúcidas EMEI Júlio Prado Vasconcelos, localizada no bairro São Conrado

O art.400 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) garante para a mãe trabalhadora o direito a berçário ou creche nos locais de trabalho, sempre que a empresa tiver trinta ou mais mulheres trabalhando. O art.54 do ECA e o art.208 da Constituição Federal também asseguram o atendimento de crianças de 0 a 6 anos em creches e em pré-escolas. O acesso à educação infantil é direito perene para a criança e trabalhista para a mãe. Josefa Santos, mulher negra, mãe da Júlia Santos de 3 anos, que mora no São Conrado e trabalha no Atalaia, explica que conseguir a vaga foi muito importante. “Foi uma oportunidade grande conseguir

colocar ela aí para eu poder trabalhar”. Silvânia Gomes, mulher negra, mãe da Sara, que mora também no bairro São Conrado, é empregada doméstica no bairro Jardins. 6h30 da manhã deixa sua filha na creche e vai para o trabalho. Ela conta que colocou sua filha na creche com 1 ano e que isso facilitou muito sua vida. “Eu pago aluguel, pago tudo, infelizmente se eu fosse pagar uma pessoa era muito complicado”.

CONSELHO TUTELAR

O Conselho Tutelar é o órgão a quem os pais podem recorrer, caso não consigam uma vaga. A coordenadora do 2º Distrito do Conselho em Aracaju, Rosa Nascimento, explica que a trabalhadora ou o trabalhador pode procurar a instituição e requisitar a vaga à SEMED, para que a Secretaria informe o lugar adequado, de acordo com a residência do requerente. “Se não obtivermos resposta da Secretaria da Educação em até 15 dias, a gente encaminha ao Ministério Público.” O Conselho não atua em políticas públicas relacionadas à educação infantil. O órgão age apenas em caso de ineficiência ou inexistência de vagas.


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JORNAL CONTEXTO

O LITORAL SERGIPANO: PRESERVAÇÃO E CUIDADOS

Por Victor Santos

LÁZARO SANDRO DE JESUS/ARACAJU LIXO ZERO

Muitos turistas se encantam com as praias do Nordeste. Os próprios nordestinos discutem entre si qual a orla mais bonita do Brasil, além de valorizarem bastante a cultura praieira. Mas, será que essas praias, e cidades litorâneas, estão recebendo os devidos cuidados para que o ambiente aquático se mantenha preservado e longe da poluição? A resposta é mais complexa do que podemos imaginar.

Lixo recolhido pelo grupo Aracaju Lixo Zero na Praia da Costa, localizada na Barra dos Coqueiros

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a década de 70, um grupo de estudantes graduandos em Oceanografia viajou para praias brasileiras com a intenção de realizar pesquisas sobre o ambiente aquático. Lá, eles descobriram uma realidade assustadora: os pescadores estavam matando tartarugas marinhas. A presença desse animal, que já estava em risco de extinção, diminuía mais com as pescas, as matanças das fêmeas e o comércio de seus ovos. Os estudantes então resolveram se empenhar para a fundação do Projeto TAMAR em 1980. Graças ao projeto, o cuidado com o am-

biente marinho aumentou e várias cidades litorâneas, inclusive cidades aqui de Sergipe, receberam o TAMAR. Em Sergipe, Pirambu era uma região de forte comércio para ovos de tartaruga, por isso os animais que habitavam o litoral da região, principalmente a espécie Olivia, se encontravam em um nível de alerta. Até que em 1982, o estado recebeu a primeira instalação de uma base do TAMAR, justamente no município de Pirambu. Na época, 53 km de praias começaram a ser monitoradas, e a iniciativa ambiental não parou por aí. Em 2002, com incentivos do

TAMAR, Aracaju inaugurou o primeiro oceanário do Nordeste, localizado na Orla da Atalaia. O local se tornou fonte de atividades ambientais em prol das tartarugas e outras necessidades das praias sergipanas. Entretanto, nem mesmo a média de 120 visitas por ano no Oceanário é capaz de controlar a poluição das praias, muito menos as mortes de tartarugas marinhas. Em janeiro de 2018, o grande número de tartarugas mortas mostrou como os cuidados da população com o ambiente aquático estavam ruins. Não foi somente a poluição do lixo nos mares a culpada da

morte desses bichos, mas a atividade pesqueira de arrasto também é um grande inimigo. Conversas entre o TAMAR e a comunidade pesqueira delimitaram zonas para a pesca, visando um cuidado maior com o ambiente aquático. Os pescadores alegam que as espécies de camarões estão diminuindo, e o alto consumo desse crustáceo faz com que eles ultrapassem os limites de pescas, na tentativa de não diminuir suas vendas.


MEIO AMBIENTE | 2018.2 | ed. 61

QUAL A VISÃO DOS ESPECIALISTAS A RESPEITO DO MAR SERGIPANO? Rauber Santos é biólogo do Projeto Tamar no Oceanário de Aracaju, e acompanha as atividades do projeto desde 2011. Ele conta que antes a ameaça estava na pesca para caça predatória, mas hoje o que mais prejudica a vida marinha é a pesca incidental, que acaba capturando e matando tartarugas mesmo sem intenção. Várias leis e normas já foram implantadas para que os pescadores sigam em benefício do meio ambiente, como a Instrução Normativa nº 31, do Ministério do Meio Ambiente, de 13 de dezembro de 2004, que determina a obrigatoriedade do uso de dispositivo de escape de tartarugas para embarcações utilizadas em pesca de arrasto.

11 MAYZE BARRETO

JORNAL CONTEXTO

Rauber conta que a situação marinha anda bem preocupante nos últimos anos. Diz que o número de espécies do litoral sergipano está diminuindo em decorrência não só do lixo acumulado, mas das pescas, principalmente a de arrasto, que danificam todo o assoalho do ambiente aquático. “Antes você encontrava peixes em determinado local, agora você não encontra mais”, admite. Como biólogo, ele se preocupa em sensibilizar a todo o momento as pessoas. O tema “lixo” fica mais fácil de debater, por ser um material de fácil visão para todos, porém ele fala que também é fundamental explicar todo o processo da pesca e seu impacto no mar.

Córrego onde esgoto é despejado no Rio Sergipe, ao lado da Orla Formosa-Treze de Julho. MAYZE BARRETO

PESCADOR, IBAMA E OS IMPASSES DESSA RELAÇÃO

Totem da tartaruga marinha na frente do Projeto Tamar- Oceanário da Orla da Atalaia

ZONA PRAIEIRA, QUEM ESTÁ CUIDANDO DE TODO O LIXO? Além dos órgãos da prefeitura responsáveis pela limpeza da cidade, Aracaju conta com vários grupos ambientais interessados em uma cidade mais limpa. O Movimento Praia Limpa atua na praia da Cinelândia desde agosto de 2018. Lara Oliveira, radiologista e produtora de rap, deu o pontapé inicial para esse projeto independente. Depois de perceber em suas redes sociais a alta indignação de surfistas, e da população em geral, com o lixo acumulado nas praias, ela convocou várias pessoas para um mutirão na praia da Cinelândia. O resultado: mais de 50 pessoas compareceram e fizeram aquele ato repercutir em toda a cidade. Lara, junto a Luan, seu amigo, criou uma conta no Instagram para o movimento, e desde então eles já somam mais de 700 seguidores. Luan Loureiro é monitor de educação ambiental no projeto TAMAR. Depois de iniciar o movimento, eles perceberam uma onda ambiental em Aracaju, mais movimentos surgiram e outros se fortaleceram. O Movimento Praia Limpa já acumula cinco mutirões, o último deles

no dia 02 de fevereiro deste ano. Para Lara, não adianta apenas recolher o lixo, mas também levantar bandeiras para as pessoas se conscientizarem e verem como podem mudar os velhos hábitos. “Não adianta você só limpar a praia. Você tem que limpar, você tem que conscientizar e você tem que mudar o quadro daquela situação”, esclarece a produtora.

GRUPOS DE ESTUDOS ANALISAM A DELICADA SITUAÇÃO DA ZONA HIDROGRÁFICA SERGIPANA Ananda Marieta é presidente do Grupo de Estudo e Pesquisa para o Desenvolvimento de Políticas Aquáticas Sustentáveis (GEPDPAS), da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Graduanda em Engenharia de Pesca, conta que um grande problema do litoral do estado é o assoreamento das praias. Esse processo danifica o curso do rio devido ao acúmulo de terra, detritos, entulho e, principalmente, lixo. “O estuário [...] fica cheio de lixo, os animais que estão ali usando pra berçário não conseguem se reproduzir, então você

Carlos Benício está em Sergipe há 12 anos. Alagoano, trabalha com a pesca desde que chegou ao estado e fala que não é tão simples como parece ter o cuidado no mar para não degradar o ecossistema marinho. Sobre a rede de arrasto, diz que é a melhor alternativa para a captura de camarões e peixes. Grande quantidade significa mercado bem abastecido e um maior retorno financeiro. Carlos diz que é comum acabar capturando tartarugas durante a pesca. “Às vezes ela está indo comer o camarão e vem na rede junto”, conta o pescador. Ele admite que a relação com as autoridades do Meio Ambiente não é das melhores. Carlos relata que já presenciou um amigo ter seu barco apreendido, outros levam multas, etc. Ultrapassar os limites de navegação e pesca delimitada pelo Ins-

tituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) junto ao Projeto TAMAR, significa correr o risco de receber multas. Maria Helena é assessora de comunicação do IBAMA e fala que toda a fiscalização voltada para a pesca é feita “levando em consideração a base legal para o ordenamento pesqueiro”. Além disso, cada espécie marinha possui sua lista de regras e leis para serem seguidas – o período de defesa do caranguejo-uçá é diferente do peixe piracema, por exemplo. Sobre o diálogo entre essas duas partes, pescadores e IBAMA, Helena explica que o Instituto não só fiscaliza, mas orienta também. Campanhas e reuniões são feitas para praticar o debate, que mostra e conscientiza todos sobre os períodos de defesa.

vai causando um problema numa cadeia atrófica inteira. O grande problema de Aracaju é a questão dos resíduos sólidos, você não sabe o que é ir numa praia ou num rio e não ver uma latinha, e isso tem um impacto muito grande quando a gente vê microscopicamente e macroscopicamente”, explica Ananda. A presidente do GEPDPAS esclarece junto a seu colega e companheiro do grupo, Jeferson Andrade, que com a urbanização no litoral, toda essa confusão se estende. Ela cita o Shopping Riomar, exemplo de construção feita sobre o manguezal, que costuma incentivar ações sócioambientais, mas segundo a estudante, não é o bastante. Eles declaram que o principal objetivo do grupo de pesquisa é conscientizar a população sergipana sobre as problemáticas que todos causam para o ambiente aquático. Palestras dentro e fora da Universidade são as principais atividades do GEPDAS, além da parceria já fixada com o Movimento Praia Limpa. “Em Pirambu, que é a grande área de desova, diariamente o TAMAR resgata tartarugas lá, ou feridas pela questão das embarcações, ou questão do óleo que as embarcações deixam no mar. A tartaruga

é um animal extremamente sensível”, explica Ananda. Danielle Chagas, estudante de medicina veterinária da Pio Décimo, faz parte do Grupo de Estudos e Pesquisa para a Conservação de Organismos Aquáticos (GEPOA). O grupo também tem como objetivo tratar da educação ambiental. Para isso vai até as escolas da cidade, e com brincadeiras faz da conversa uma forma de conscientizar as crianças. A fauna marinha é o tema base que estimula a preocupação dessa galera. Danielle também estagia na Fundação Mamíferos Aquáticos, instituição não governamental que trabalha com pesquisas e ações em prol da conservação e sustentabilidade da zona marinha. A ligação desses movimentos populares e acadêmicos não é feita a toa. A maioria afirmou que os órgãos governamentais não conseguem atuar da maneira mais correta na cidade. Falta uma fiscalização mais decente, uma atuação mais firme e, principalmente, incentivos e apoios a esses grupos. Aracaju é uma mina de ouro para o turismo nordestino, suas belezas litorâneas enchem os olhos, mas de nada adianta ser tão bela se aqueles que vivem nesse paraíso, não souberem cuidar dele.


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PASSADO E FUTURO DO MUSEU DO MANGUE

á cerca de 40 anos a Coroa do Meio era formada por mar, rio e manguezais. O bairro aracajuano recebeu esse nome justamente por estar no cruzamento do Oceano Atlântico com o Rio Sergipe. A região do bairro mais próxima ao mangue começou a ser povoada por pescadores e por pessoas que desfrutavam de poucas condições financeiras. Assim, por conta da exclusão socioeconômica, se abrigaram nas margens do rio e ergueram palafitas- moradias precárias construídas sobre a água. Do fim da década de 80 até o início dos anos 2000, várias denúncias referentes a expulsão de moradores, a demolição de suas palafitas e a falta de qualidade de vida dos residentes da região próxima a Maré do Apicum foram relatadas no Jornal da Cidade. Uma dessas foi no Caderno B, de 6 de agosto de 1997, que pontua: “No local não havia iluminação pública, esgoto sanitário ou qualquer outro tipo de esgotamento sanitário.” Apenas em 2001, foi realizado o Plano de Erradicação de Moradias Subnormais, que fazia parte do programa Habitar Brasil, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento. Este projeto, conhecido pela comunidade como “Moradia Cidadã”, construiu mais de 600 casas. Com isso, centenas de palafitas transformaram-se em casas de bloco e cimento; e fora d’água. Junto às casas, em maio de 2001, foi iniciada a construção do Centro de Educação Ambiental Manoel Bonfim Ribeiro, conhecido como Museu do Mangue, localizado na Avenida Desembargador Antônio Góis, próximo à Maré do Apicum na Coroa do Meio. Essa construção museológica tinha como proposta fazer ações com cunho socioambiental que permitissem despertar e construir uma memória coletiva, bem como preservar o patrimônio do manguezal e as histórias dos ex-moradores de palafitas. Com isso, as ações do Museu beneficiariam a comunidade, através de lazer, renda e educação ambiental, como também atrairia turistas para a região. De acordo com a Prefeitura de Aracaju, o empreendimento foi construído em parceria com o Governo Federal por meio do Ministério das Cidades. O projeto, cujo investimento foi de R$ 1.671.627,27, contemplaria não só o Museu do Mangue, como também um centro produtivo, núcleo de apoio aos pescadores, espaço poliesportivo e estacionamento. O Museu também tinha o intuito de recuperar o manguezal e criar um laboratório de pesquisas científicas, que fun-

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Por Aíla Cristhie

O Museu do Mangue ficou pronto, mas não foi inaugurado e está abandonado e sem função para a comunidade da Coroa do Meio cionaria em parceria com a Fundação Mamíferos Aquáticos e a Universidade Federal de Sergipe. O início das obras foi comemorado na época pela Prefeitura de Aracaju. No entanto, o Museu só foi entregue em 2005 e sem nenhuma inauguração. Assim, a população acredita que o local não foi aberto, e a estrutura passou a ser abandonada pelo Poder Público. Além disso, entre anos de 2001 e 2010 a comunicação institucional da prefeitura e jornais onlines da capital não divulgaram nenhuma matéria referente à inauguração do Museu do Mangue. Em junho de 2011, a estrutura do Museu foi tomada por chamas. A Prefeitura nunca informou dados concretos sobre a responsabilidade do incêndio. De acordo com Gilvan Pereira, morador da região, acredita-se que foi por falhas técnicas da construção ou devido a fogos da época dos festejos juninos. No mesmo ano do incêndio, a Prefeitura divulgou que começariam obras de revitalização do local. O Museu foi revitalizado em algumas partes, mas segundo a comunidade, ele

continuou em situação de abandono. Visto que não foi mantido após as obras, não foi gerado emprego e não foram efetivadas ações culturais, sociais e científicas. A comunidade se reuniu em conjunto diversas vezes para trazer movimentação na região do Museu do Mangue. Uma dessas foi em 2015, quando conseguiram uma concessão temporária do Ibama para realização de feiras de artesanato e culinária no estacionamento do Museu. Eram 36 barracas que traziam lazer e renda para comunidade, entretanto a concessão terminou e não obtiveram uma nova, por conta da mudança de gestão do governo municipal, segundo moradores da região. Além disso, várias ações civis públicas, reuniões com a Secretaria de Meio Ambiente de Aracaju e cobranças à prefeitura para a revitalização do Museu foram realizadas pela Associação de Moradores do Bairro Coroa do Meio e pela Associação dos Ex-moradores de Palafitas. A última foi em novembro de 2018, quando o Ministério Público Estadual por intermédio da 5ª Promotoria de Justiça

dos Direitos do Cidadão, ajuizou ação civil pública em face do Município de Aracaju e da Empresa Municipal de Obras e Urbanização – Emurb, com o objetivo de obter tutela jurisdicional para a revitalização e a instalação de equipamentos de segurança que garantam o adequado funcionamento do Museu do Mangue. No entanto nada se efetivou. Dezoito anos após sua fundação, as narrativas do Museu nunca puderam ser vistas, pois o local está abandonado. Segundo a coordenadora de educação ambiental da Secretaria de Meio Ambiente de Aracaju, Rafaela Ribeiro, a ação civil do Ministério Público do Estado solicitava o orçamento da obra, a prefeitura o entregou com a estimativa de R$ 800 mil, mas alegou estar num momento de contenção de gastos. A coordenadora justifica que a Secretaria está no aguardo de receber verba para a revitalização do Museu do Mangue e que ainda não há um prazo de realização da obra. Conta também que a poluição no local é uma questão cultural e parte da culpa do Museu do Mangue não funcionar é por conta da violência da região.


LEIS QUE NADAM CONTRA A MARÉ

No artigo sétimo da Lei Orgânica do município de Aracaju, como também na Constituição Estadual e Federal, está garantido e assegurado como direito individual e coletivo o meio ambiente equilibrado. Na mesma Lei Orgânica, está prescrito no artigo 19 que compete ao município conservar o patrimônio público e recuperar, proteger e preservar o meio ambiente, combatendo a poluição. Ademais, está escrito também, como dever da Secretaria do Meio Ambiente de Aracaju, promover a recuperação ambiental e o reflorestamento de áreas degradadas. Apesar de todas essas leis, a realidade de desigualdade social e ambiental na Maré do Apicum e Museu do Mangue permanece há décadas.

No espaço do manguezal, Bené aponta o lugar onde as palafitas estavam instaladas lho, bairro nobre da capital. O projeto foi entregue em 2016, construído em menos de três anos, com orçamento em mais R$ 4 milhões. O calçadão supervaloriza uma área rica da cidade, já o Museu do Mangue que necessita de uma revitalização com um custo bem menor, continua abandonado há 18 anos, pois é localizado numa região de população baixa renda. Esses descasos partem de um porquê social e racial. Historicamente, as populações que mais sofrem com essa discriminação são as comunidades que dependem do ecossistema, como os pescadores e moradores de palafitas. Isso ocorre pois os impactos da degradação do meio ambiente afetam diretamente a vida dessas pessoas. Além de serem as populações que mais sofrem com a destruição de ecossistemas, são elas que mais atuam na manutenção desses ambientes. Seu Reis é um desses: negro e ex-morador de palafita, mora há mais de 30 anos na Coroa do Meio. Ele cuida e mantém a Associação de Pescadores do bairro e mais de 100 plantas ao redor do mangue.

Seu Reis lamenta o descaso com o manguezal

SEM PEIXE, SEM MANGUE É SINÔNIMO DE ESPERANÇA VIDA Além de todos os aspectos sociais e fiSeu Reis relata que é difícil ter sustento

do mangue:“A lama tomou conta de tudo, a pesca acabou, aqui eram 10, 12 metros de água com a maré seca, hoje não tem meio metro, dá pra atravessar caminhando. O sustento do pescador hoje é assim: quando chega o verão, os meninos pegam camarão que ainda tem, a lagostinha, a ostra mas é pouco… e as ostras hoje são bem pequenininhas.” Para ele, essa degradação aconteceu porque os esgotos da região são mandados diretamente para o Mangue. Flávio Ferro, Gilvan Pereira e Elian Cruz, moradores que lutam para a revitalização do local, também acreditam que os esgotos do bairro são despejados no Mangue. Além de afetar a vida dos pescadores, a poluição do mangue traz uma perda enorme ao ecossistema. Os moradores citados e Reis, relatam o desaparecimento de diversas espécies que antes eram frequentes, como o Caranguejo Uçá.

nanceiros que o Museu do Mangue e a Maré do Apicum podem trazer para aquela região, é necessário pontuar os aspectos ambientais do mangue e sua importância para o meio ambiente equilibrado; principalmente para Aracaju, cidade constituída por manguezais. De acordo com a dissertação de mestrado “A História da devastação dos manguezais aracajuanos”, de Fernanda Almeida, o manguezal é um repositório de diversidade biológica, sendo considerado por muitos cientistas como um dos mais produtivos ecossistemas do planeta, por abrigar milhares de espécies de vida, desde bactérias e fungos aos animais de grande porte como mamíferos. Outro dado relevante acerca da diversidade biológica do manguezal é que o Mangue, em condições ambientais normais, pode atingir cerca de 10 mil espécies por metro quadrado, segundo a Revista de Ecologia e Desenvolvimento, nº 27. ALISSON SANTANA

Os moradores ao redor lutam para o Museu do Mangue um dia funcionar. O local está fechado, mas história eles têm para contar. Um desses é José Benedito, mas conhecido como Bené, que vive no bairro há 30 anos, cuja palafita ficava no mesmo lugar onde hoje é o Centro de Educação Ambiental. Quando veio de Pacatuba, interior sergipano, para a capital, Bené não tinha onde morar. Assim foi para perto do mangue, onde também passou a tirar seu sustento vendendo botijão de gás. Bené casou, teve filhos e construiu memórias afetivas ainda morando em palafita. Ele conta que muita gente culpa a comunidade por abandonar o museu e o mangue, mas ele pensa que o abandono principal é do Poder Público. Desde que começou a morar na Coroa do Meio, Bené criou o costume de tirar fotos do mangue e das palafitas. Esses registros hoje são guardados como recordação, mas na época era como um testemunho de que ele residia naquele local. Com sua história, Bené faz lembrar que a manutenção de espaços públicos como o Museu do Mangue é importante, não só economicamente, mas principalmente para construção de identidade e memória coletiva para os ex-moradores de palafitas.

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HISTÓRIAS QUE O MUSEU NÃO CONTA

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RACISMO AMBIENTAL Além dessas injustiças, é possível perceber também racismo ambiental, ou seja, a negação à comunidade de ter o meio ambiente equilibrado e políticas ambientais por discriminação. Para entender esse conceito é preciso pensar na prática: por que aquela área da Coroa do Meio é a mais suja e pobre? Por que o Museu do Mangue não é inaugurado? Por que usam a desculpa da violência para a continuação do abandono? Um exemplo de como o racismo ambiental se configura em Aracaju é o Calçadão da Praia Formosa, localizado na 13 de Ju-

Na região falta coleta regular e locais adequados para o descarte do lixo, que junto ao esgoto polui o manguezal e inviabiliza a pesca


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AEDES AEGYPTI PODE ESTAR RESISTENTE A INSETICIDAS E REPELENTES EM SERGIPE

Por João Victor Vasconcelos

Pesquisa da UFS investiga se populações do mosquito no estado continuam sensíveis a essas substâncias ou se elas tornaram-se ineficazes. engue, Zika e Chikungunya são doenças causadas no ser humano por vírus diferentes que, por sua vez, são transmitidos pelo mesmo vetor: o Aedes Aegypti. Erradicado do Brasil após forte campanha em 1955, esse mosquito preto e branco voltou ao país nos anos 70 e daqui não saiu mais. As campanhas de prevenção e combate às larvas do inseto - que adora colocar seus ovos em água parada - continuam fortes e os agentes municipais fazem seu papel colocando larvicidas em possíveis criadouros. Porém, esse trabalho pode estar sendo em vão: o Aedes pode ter adquirido resistência ao seu veneno. Novamente. De acordo com o último Levantamento Rápido do Índice de Infestação (LIRAa) divulgado em janeiro de 2019, realizado pela Secretaria de Saúde de Sergipe, cinco municípios sergipanos estão com alto risco de infestação do Aedes Aegypti: Feira Nova, Richão do Dantas, Salgado, Nossa Senhora de Lourdes e Simão Dias. Essas cidades encontram-se com índice de infestação acima de 4%, enquanto 24 localidades encontram-se em médio risco – com índice de infestação entre 1% a 3,9%. Segundo a gerente do Núcleo de Endemias da Vigilância Epidemiológica do Estado, Sidney Sá, o fato de estarmos no verão contribui para o aumento do número de mosquitos e cria um alerta na população sergipana. “A gente está vivendo um período muito quente que provoca um aumento do número da população do vetor Aedes. [Por isso] é importante que todos fiquem bem atentos e montem estratégias de controle e prevenção a esse vetor”, explica Sidney. Ainda segundo ela, o alerta vale para os municípios que estão em alto risco de infestação, mas também para os demais. “Isso não quer dizer que eu tenha que ficar tranquilo cem por cento porque esse período é um período de risco para o aumento desse vetor. [A dengue, zika e chinkungunya] são doenças transmitidas por um mosquito cuja proliferação é muito rápida. Basta um descuido nosso que ele pode voltar com força total”, argumenta. Cabe, portanto, aos moradores junto aos governos municipais e do estado a missão de combater o Aedes. Para Sidney Sá, “a população pode colaborar fiscalizando sua casa, observando os criadouros que ali podem existir, tendo um cuidado maior com as lavanderias e com os toneis que armazenam água. Já a gestão pode ajudar no sentido de ampliar as ações de mobilização junto a população, ampliar as visitas dos agentes, chamar os agentes comunitários de saúde junto com os

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Profª. Dra Roseli La Corte coordena experimento realizado pelo seu orientando em teste de larvicida. agentes de endemias, já que todos são agentes de saúde a trabalhar juntos para controlar esse vetor” conclui. Os agentes de saúde, citados pela gestora, fazem o combate às larvas do Aedes aegypti diretamente na casa dos moradores. Como o mosquito coloca seus ovos em locais com água limpa e parada, o papel desses profissionais é aplicar larvicidas em reservatórios que possuam essas características. Atualmente em Sergipe, o larvicida utilizado é o Pyriproxyfen, substância entregue pelo Ministério da Saúde ao Governo do Estado e distribuída aos municípios. Sendo usado há quatro anos, esse inseticida substituiu outro ao qual os mosquitos haviam adquirido resistência e que havia, portanto, tornado-se ineficaz: o Temefós. Mas será que o Pyriproxyfen ainda funciona?

RESISTÊNCIA DO AEDES

Docente do Departamento de Morfologia da Universidade Federal de Sergipe, a Dra. em Saúde Pública, Roseli La Corte, busca responder a essa pergunta. Desde 2017, a pesquisadora coordena um projeto amplo que, entre outros temas correlatos, busca estudar se há resistência a inseticidas e repelentes por parte do Aedes Ae-

gypti em municípios sergipanos. Como forma de justificar a necessidade de se realizar esse estudo que avalia se há resistência ao novo inseticida utilizado em Sergipe, a professora explica o que aconteceu com a substância usada anteriormente. “Ele [o Temefós] era muito bom porque matava as larvas dos mosquitos rapidamente, custava pouco e a quantidade aplicada era pequena. Mas com o tempo, de tanto utilizá-lo, foram selecionando populações de mosquitos que eram resistentes. A maioria morria, mas alguns que eram mais tolerantes foram ficando. E aí se estabeleceu a resistência quase no Brasil todo”, argumenta. Mas, afinal: o que é resistência? Como na prática um mosquito pode tornar-se resistente a um inseticida e não ser mais morto por ele? Experiente em pesquisas deste tipo, a professora Roseli exemplifica como isso pode ocorrer: “Por exemplo, quando uma pessoa vai colocar uma quantidade de inseticida num recipiente muito grande, ela teria que calcular a quantidade que ela coloca. Aí digamos que ela tenha dificuldade de calcular e joga uma quantidade X. Essa quantidade pode ser menor do que deveria. Então os mais fracos vão morrer, mas os outros que são mais fortes podem não morrer”,

explica. Esses mosquitos que sobrevivem e, portanto, não reagem mais àquele inseticida se reproduzem e nova geração fica resistente ao seu veneno. Foi o que aconteceu com o Temefós. Segundo a pesquisadora, a troca do inseticida que era utilizado no estado ocorreu porque a substância usada anteriormente não tinha mais eficácia, já que não matava mais as larvas do Aedes aegypti. “Eu já fiz estudos com vários municípios de Sergipe que mostraram que as populações de mosquitos Aedes aegypti do estado são todas resistentes ao Temefós. Mesmo sendo resistentes, ele continuou sendo usado”. De acordo com ela, o novo inseticida utilizado – Pyriproxyfen – é mais forte que o Temefós, porém age de maneira diferente, já que este não mata a larva na hora, mas inibe o seu crescimento. Essa diferença no modo de agir gerou dúvidas quanto a sua eficácia, o que fez, inclusive, o Governo do Estado pedir à professora para analisar a nova substância. “Até a Secretaria de Saúde pediu pra eu avaliar porque os agentes falavam que ele não matava, por que eles esperavam que as larvas morressem na hora – o que não ocorre”, conta Roseli.


A PESQUISA

resistente a um, fica resistente a outro. A proposta é avaliar qual esse perfil de resistência no estado”, conclui. Para fazer a coleta das larvas do mosquito, a equipe vai até a cidade analisada e monta uma armadilha com um pote de água e um pedaço de madeira. Roseli conta que o número de ovos costuma ser alto. “A gente tem que ir lá no município, coletar ovos do Aedes aegypti, trazer para o laboratório, criar e fazer os testes de resistência. No momento a gente está avaliando Laranjeiras, Nossa Senhora do Socorro e Simão Dias. A última vez que fomos em Laranjeiras, em novembro/dezembro, nós coletamos onze mil ovos”, conta. Como as análises ainda estão sendo feitas, a docente explicou que não tem resultados das cidades atualmente estudadas. Em Aracaju, contudo, ela conta que concluiu os estudos sobre resistência ao Pyriproxyfen e que este inseticida continua sendo eficaz. JOÃO VICTOR VASCONCELOS

O projeto coordenado pela professora é intitulado “Interação homem-vetor: infectividade, transmissão vertical e resistência a inseticidas e repelentes em populações de mosquitos de importância médica no Brasil” e é fomentado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, bem como pela Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe – FAPITEC/SE. Membro do Laboratório de Entomologia e Parasitologia Tropical (LEPaT) da UFS, a pesquisadora Roseli explica o propósito do seu projeto: “ O objetivo dessa pesquisa é verificar qual o status de resistência das várias populações de Aedes aegypti de vários municípios daqui em relação ao inseticida que a gente está usando – Pyriproxyfen - ao que a gente usava antes, que é o Temefós, e a um que a gente pode vir a usar. Porque pode acontecer de uma população possuir resistência cruzada, ou seja, ao mesmo tempo que ela fica

Com umidade e temperatura controladas, o insetário é dividido por municípios. Mosquitos adultos são utilizados nos testes de repelentes.

ESTUDO COM REPELENTES

Além de estudar a resistência a inseticidas no Aedes aegypti, Roseli conta que também pesquisa se há resistência pelo vetor da Dengue, Zika e Chikungunya aos repelentes usados pela população. Segundo ela, esse tipo de trabalho é inédito em Sergipe e fundamental para avaliar se os repelentes ainda são eficazes. Além disso, ela lembra que após o surto de microcefalia no Nordeste brasileiro, em 2015, e a relação desta doença com o vírus Zika, o uso de repelentes aumentou exponencialmente. Só em Sergipe naquele ano nasceram 181 crianças com essa má formação cerebral. Para efeito de comparação, no ano de 2018 apenas um caso foi registrado no estado – os dados são da Secretaria de Saúde. “Paralelo a isso [estudo com inseticidas], quando teve toda a problemática da Zika, as pessoas começaram a usar muito repelente. O próprio Ministério [da Saúde] distribuiu e ainda distribui repelente para as gestantes do Bolsa Família. Então as pessoas ampliaram o uso de repelente. Aí uma outra dúvida que surgiu – que faz parte desse projeto – é verificar se as populações desses mosquitos continuam apresentando o mesmo grau de repelência que tinham antes ou qual é a situação da repelência. Porque diferentemente dos repelentes, os inseticidas sempre foram

estudados. Eu posso pegar um trabalho de Aracaju antigo, por exemplo, e consigo saber como era a resistência ao Temefós. Agora sobre repelente não tem. A gente não sabe qual é o perfil dessas populações de campo ao repelente”, explica a docente. A coleta das larvas ocorre da mesma maneira que no outro estudo com inseticidas, porém a análise da resistência aos repelentes é feita com o mosquito adulto. “A gente pega uma população de laboratório de mosquito que eu tenho – sem exposição a repelente – e vê se a resposta dele é igual a essa população de campo. Será que essas populações que estão expostas aos repelentes respondem da mesma maneira que populações que não estão? Ou seja, será que está tendo algum desenvolvimento de tolerância ao repelente ou não?”, indaga. O estudo sobre resistência a repelentes ainda está em andamento e não possui resultados parciais. Pesquisas como essas realizadas pela professora Roseli La Corte são fundamentais para garantir que o combate ao Aedes aegypti seja eficaz no Brasil. Com um permanente controle das substâncias utilizadas, uma nova eliminação desse vetor pode ser sonhada - assim como ocorreu no século passado.

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GRAVIDEZ DE RISCO: A LUTA PARA REALIZAR O SONHO

Por Pedro Nascimento

PEDRO NASCIMENTO

Independentemente das condições financeiras ou de possuir uma carreira estável no mercado de trabalho, algumas mulheres nutrem o sonho de se tornarem mães. Porém, no período entre a gestação e o parto, podem haver problemas que colocam em perigo a vida da mãe e do bebê.

Ser mãe é sinônimo de luta para gestantes com gravidez de risco

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iabetes, hipertensão, sangramentos, pressão alta, aceleração repentina dos batimentos cardíacos, tonturas e desmaios frequentes são alguns dos diversos sintomas que podem causar complicações à gestante, havendo a necessidade de um cuidado especial e até mesmo sua internação em alguma maternidade. Segundo a obstetra, Waldemeiry Santos de Oliveira, 50 anos, que há mais de 20 se dedica à área da obstetrícia, para que toda mãe tenha uma gestação saudável, é necessário ter uma boa qualidade de vida, se alimentar bem e corretamente, praticar atividades físicas e ter um acompanhamento no pré-natal com consultas frequentes. “A própria falta do pré-natal bem feito já expõe a paciente e o bebê à riscos”, alerta a Dr.ª Waldemeiry. A obstetra informa que raiva, estresse, susto e tristeza são alguns dos mitos relacionados à gravidez de risco, mas salienta que eles podem causar um aumento na pressão arterial da gestante, caso ela tenha alguma predisposição. Jesse Assis Santos, 24 anos, está com sete meses de gestação. Essa é a sua pri-

meira gravidez e está à espera de gêmeas. Segundo os médicos da Maternidade Nossa Senhora de Lourdes, local em que ela está internada, o que torna sua gravidez delicada é o fato de ser gemelar, o que, consequentemente, fará com que os bebês venham a nascer de forma prematura. “Eu não estou sentindo nada (sobre dores), porém estou com 3 dilatações e sentindo contrações, mas sem dor nas contrações. Um pouco de dor pélvica e cólicas”, relata Jesse, que está em repouso absoluto na expectativa da chegada de Alice e Clarisse. De acordo com informações da maternidade, gerida pela Secretaria de Estado da Saúde (SES), em 2018, das 15.494 grávidas que foram atendidas, 7.274 precisaram ficar internadas, uma vez que apresentaram sintomas que deixavam a gravidez mais delicada que o normal. É o caso de Jamille, 25, que vive a segunda gestação, e está aguardando a chegada de Maria Cecília. Aos oito meses de gestação, ela foi diagnosticada com a pressão arterial muito alta, teve sangramento e precisou ser internada na Ala Rosa da Maternida-

de, área especial que tem como objetivo ajudar as mulheres que estão com gravidez de alto risco. “(Foi) antes de completar oito meses, que seria o provável para ela nascer. Aí a bolsa estourou e começou a sangrar. Já estou perdendo líquido, só que não tem a passagem, não tem a dilatação e o que causou isso foi a pressão alta”, relata Jamille. Apesar dos diagnósticos dados pelos médicos em relação à gravidez de risco, Jamille revela estar calma. “Estou preocupada, mas ao mesmo tempo aliviada, porque a primeira (gestação) foi de seis meses e essa está de oito, então foi de ‘lucro’. Mas aí quanto tempo mais ela demorar um pouquinho, mais ela engorda, mas já está toda formadinha, está toda perfeita”. Boa parte dos médicos recomenda que a mulher seja mãe por volta dos 20 a 30 anos, fase da vida em que ela é mais fértil. Alguns apontam que com o avanço da idade, a produção de óvulos diminui e a dificuldade de engravidar aumenta. Mas, segundo a Dr.ª Waldemeiry, a gestante poderá enfrentar problemas na gravidez, após os 35 anos, caso ela engravide com

alguma patologia conhecida ou descoberta durante a gestação. “O problema é que após essa idade a mulher começa a desenvolver alguns problemas de saúde como a hipertensão, diabetes e outros”. Ela diz que o importante é seguir todas as orientações médicas para que assim a gestação seja tranquila e saudável. “O ideal é fazer uma avaliação clínica geral, exames preventivos anuais, clínicos e cardiológicos e manter uma boa alimentação”.

FÉ E SUPERAÇÃO

Seis gravidezes. Esse é o número de gestações que a cabeleireira Jordana Novaes, 36 anos, vivenciou ao longo de 15 anos de sua vida. Tempos de muitas lutas e esperança que viveu, sempre, ao lado do seu marido, Claudio Novaes, 41 anos. Desde a sua primeira gravidez, aos 21 anos, Jordana passou por momentos complicados no início das gestações. Nessa época, sem nenhum planejamento, ela engravidou e perdeu o bebê quando tinha apenas 4 meses. Tempos depois, engravi-


SAÚDE

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Jesse aguarda ansiosa pela chegada das gêmeas Alice e Clarisse são. Começou a estudar Pedagogia, porque ela queria dar aos filhos dos outros o amor que não podia dar, por ainda não ser mãe. Nesse tempo, chegou a ser acompanhada por dois psicólogos, mas ambos queriam fazê-la seguir em frente, aceitar que não conseguiria ser mãe. Ela não voltou mais para as consultas por estar decidida a não desistir.

Eu nunca pensei em desistir. Eu iria até o fim. Nem que para isso eu arriscasse a minha vida. “O sonho do meu marido também era ter um filho. Eu cheguei pra ele e disse: ‘arrume outra (esposa), alguma pessoa

que possa te dar um filho, porque eu não posso, eu sou uma árvore que não dá fruto’. Ele estava livre para arrumar quem ele quisesse. Ele não poderia impedir o sonho dele por minha causa, o problema era eu”, desabafa Jordana. Porém, Claudio não desistiu do sonho do casal. Seis meses depois de perder Izaque, Jordana descobriu que estava grávida. “Foi uma surpresa, um presente. Um ano anterior eu virei o ano chorando, depressiva”, disse. Após o diagnóstico, a batalha recomeçou, mas Jordana já estava mais preparada “como um guerreiro que já sabe o que vai enfrentar na guerra”. Apesar de ter tido um sangramento - que nunca teve nas demais gestações - quando estava com 2 meses de gravidez e de passar mais 9 meses na cama, Jordana disse que estava mais forte, mais disposta a enfrentar tudo, mais emocionalmente

preparada a enfrentar a gestação. No dia 21 de agosto de 2017, às 16h, Claudia Novaes veio ao mundo com 2.800 gramas e muita saúde. Jordana e Claudio enfim realizaram o sonho de ser pais. “A Claudinha, abaixo de Deus, é tudo pra mim. Hoje eu sou uma mulher feliz e realizada”, diz Jordana. Hoje, o casal só quer aproveitar a vida o máximo possível ao lado da pequena Claudia, que com um ano e cinco meses já começa a dizer as primeiras palavras. Mais um momento marcante que Jordana Novaes quer viver e relatar na biografia que se prepara para escrever, narrando tudo o que vivenciou nos 15 anos turbulentos que passou. Um sonho que lhe trouxe tristezas, que lhe fez derramar lágrimas, mas que hoje lhe presenteia com o fruto mais precioso de sua vida: a sua filha Claudia. PEDRO NASCIMENTO

dou novamente e perdeu quando o feto tinha apenas 2 meses em desenvolvimento. Somente após o terceiro aborto retido, já com 29 anos, resolveu procurar especialistas para descobrir o motivo de nunca conseguir concluir as gestações. “Comecei uma bateria de exames. Foi quando eu descobri a deficiência de progesterona. Eu já não tinha mais. Descobri que eu estava com um cisto no ovário e que eu tinha um septo no colo do útero (que divide o útero em dois e impede o crescimento do bebê por falta de espaço suficiente no órgão)”, relata. Dez anos antes ela tinha sido diagnosticada com útero bicorno, que é uma má formação uterina em que existe uma membrana que divide o útero em dois lados, mas esse resultado foi descartado. Após isso, o médico deu seis meses para ela engravidar pelos métodos naturais. Ela aproveitou para retirar o cisto - que já estava com 5 cm - e realizou outros exames, mas todos davam o diagnóstico de que ela não engravidaria mais por meios naturais e que não conseguiria mais ovular. “Os médicos diziam para mim: ‘Por que você não adota?’. Eu falava: ‘Não!’. Eu queria passar pelo processo, eu queria aquela transformação”. Obstinada a realizar o sonho de se tornar mãe, Jordana procurou uma nutricionista para ajudá-la a manter uma dieta diferenciada - sem muitos industrializados - gerando a produção de progesterona, para que assim viesse estimular a ovulação, pois ela não podia tomar mais remédios. Ela passou a ser atendida por uma obstetra, que lhe deu ainda mais esperança de ser mãe. Com ela, Jordana começou todo o processo de pré-natal e com dois meses de gravidez, descobriu que o colo do útero estava se dilatando e que seria necessário fazer uma Cerclagem, que tem como objetivo manter o colo uterino fechado até o final da gravidez. Após a cirurgia, ela ficou meses em cima de uma cama, em total repouso. Após esse período, Jordana deu à luz ao Izaque, que foi diagnosticado com Cardiopatia Congênita. Segundo o que os médicos, a cada 100 bebês, um nasce com essa anormalidade na estrutura ou função do coração. E a de Izaque era gravíssima. “Meu filho nasceu para morrer. Não tinha jeito para ele. O médico chegou pra mim e disse: ‘se seu filho fizer a cirurgia, ele morre e se não fizer, ele também morre’. Eu resolvi arriscar a cirurgia”. Após 17 dias sedado, a cirurgia foi realizada e Izaque não resistiu após ter quatro paradas cardíacas. Mais um momento complicado que ela e seu marido precisaram vivenciar: “Eu descobri o que é o amor incondicional e ao mesmo tempo a sensação de perder um ente querido, alguém que você ama. Foram dois sentimentos grandes para sentir quase que ao mesmo tempo. Depois disso eu fui lutar por mim mesma. Eu precisava criar esperanças para seguir. Eu passei um ano sem sonhar, vivendo um dia de cada vez. Recomeçar foi outra luta”. Decidida a seguir em frente, Jordana tentou voltar à rotina, sempre em busca de ocupar a mente com outras atividades - pois já estava desenvolvendo a depres-

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Passadas as dificuldades, Jordana, Claudio e a pequena Claudia Novaes vivem uma fase de muito amor e alegria


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UT RISO : VISITAS E DOSES DE ALEGRIA À ONCOLOGIA INFANTIL D

por Juliana Melo

ACERVO UT RISO

o diagnóstico ao tratamento da doença, todos os dias a unidade da oncologia pediátrica do Hospital de Urgência de Sergipe (HUSE) recebe crianças e familiares que precisam tanto de informações quanto de apoio. A rotina de um paciente com câncer requer cuidados que variam de situações como prevenção de infecções hospitalares à necessidade de atendimento psicológico. Ao longo de quase 20 anos de trabalho voluntário, a UT Riso é uma equipe formada por atores que já mergulharam na trajetória de aproximadamente 1500 pacientes - entre 1999 e fevereiro do ano passado -  amenizando dores e abrindo portas para um mundo lúdico apresentado por suas fantasias de palhaços. A terapia do riso é uma ação inspirada no trabalho do médico norte-americano Hunter Patch Adams. Por volta de 1960, ele observou que sorrir é um ato que fortalece o sistema imunológico e contribui diretamente com o processo de recuperação dos pacientes. A descoberta inspirou o grupo brasileiro Doutores da Alegria, que é uma das referências adotadas pelos membros da UT Riso e que segue diretrizes fundamentais para as composições da equipe de voluntários. A equipe aposta no trabalho artístico e faz a seleção de voluntários de modo bem cuidadoso, valorizando questões produtivas e psicológicas. Segundo Fátima Basto, uma das fundadoras do grupo, é preciso ter força para trabalhar com atividades que são realizadas num ambiente hospitalar. “Não basta ser um artista... já que o trabalho pede criatividade e, muito além de uma peça de teatro, trabalhamos com interações numa realidade difícil. Além dessa aptidão artística, a gente exige que a pessoa seja criativa e rápida, por estarmos lidando com o inusitado. É preciso ter força para trabalhar no ambiente! ”, afirma a também artista, que atua na equipe como a Dra. Risoleta. Ela reforça ainda que, antes de começarem as atividades, todos os voluntários são orientados sobre questões básicas do hospital, como, por exemplo, cuidados com infecção hospitalar. Além de prevenções relacionadas ao ambiente, uma das principais orientações diz respeito aos tipos de brincadeiras que são levadas aos pacientes, com escolhas delicadas e muita empatia diante de momentos onde a criança deixa o universo da dor e do medo para entrar no mundo colorido que a figura do palhaço traz. Os pacientes participam de atividades que levam música e diversão aos diferentes níveis de tratamento para pessoas de diversas idades, tendo em vista que, mesmo se tratando de oncologia pediátrica, grande parte dos pacientes, já adultos, recebem o diagnóstico ainda na infância

Dra. Risoleta e Dr. Somneca, numa visita ao Huse. e, devido ao retorno da doença, são atendidos na área infantil quando precisam novamente do acompanhamento médico. Os palhaços interagem em etapas distintas, assim como a descoberta do diagnóstico, ambulatório, quimioterapia, acompanhamento em exames mais complexos e internamento oncológico. Na medida em que a família abre espaço, os membros da UT Riso estendem o trabalho para fora do hospital e promovem atividades como passeios e programações nas quais realizam almoços em locais com piscina para um dia de lazer, entre aqueles que estão em tratamento e para seus acompanhantes. Thaynara de Jesus tem 24 anos e frequenta o setor oncológico do HUSE há aproximadamente dois anos e meio. A adolescente diz que a distração leve e saudável que os palhaços proporcionam é capaz de fazer com que, por um momento, ela esqueça a rotina de dor e as reações aos medicamentos do tratamento. “Eles estimulam a alegria e não tem quem não fique animado com eles lá. É uma grande ajuda aos pacientes que ficam muito tempo internados, sem contato com a família, sem visitas por um longo tempo… eles chegam com novidades, com música, com alegria e mesmo sem poder sair do hospital, a alegria que eles trazem faz com que a gente acabe se divertindo mesmo estan-

do lá. Estamos lá, mas é como se esquecêssemos disso”, conta a paciente. Além de trabalhos voluntários, a oncologia pediátrica do hospital conta ainda com acompanhamento psicológico, tanto para pacientes como também para os seus pais ou responsáveis que também são internados e precisam de um suporte emocional após o impacto que o diagnóstico traz. Marta Moraes é psicóloga, atua diretamente com a Oncopediatria do HUSE e afirma que brincadeiras e atividades lúdicas são iniciativas que fazem com que os pacientes expressem seus sentimentos e demonstrem os níveis de suas adaptações. “O psicólogo dentro da equipe multidisciplinar olha o paciente com nome e sobrenome. Como alguém que, antes de estar no hospital, tem toda uma história, uma trajetória e merece um profissional que se preocupe justamente em trabalhar a questão da sua subjetividade”, explica. Entre tanta dedicação e amor, estabelecer limites é algo fundamental entre a divertida equipe. O personagem e suas características engraçadas não devem invadir o lado emocional das crianças e, no momento das visitas, os únicos objetivos são a distração com brincadeiras e o apoio por meio da diversão, assim como explica Paulo Araújo. Fora do hospital, ele é músico e psicólogo, mas dentro dele se dedica

exclusivamente ao Dr. Somneca. “São papéis e funções bem diferentes. O Dr. Somneca só quer saber de brincar, aprontar presepada, cantarolar e receitar músicas para quem encontra pelos corredores. A escuta atenta e aprofundada do psicólogo não aparece em nenhum momento dentro do grupo UT Riso, mas o lado humano e sensível está sempre presente nesses dois papéis”, diz ele. Paulo afirma que o trabalho voluntário mudou seu modo de enxergar a vida e os momentos únicos que ela traz, mesmo com todos os desafios que uma organização não governamental enfrenta. Ao longo de quase 20 anos, a equipe passou por várias mudanças em sua formação e, principalmente, por dificuldades para firmar os patrocínios que suprem gastos com a manutenção dos trajes de palhaços e materiais para execução das atividades. Atualmente, após várias fases, o trabalho segue crescendo e amadurecendo no resgate dos pacientes, compartilhando um endereço com a Avosos (Associação dos Voluntários a Serviço da Oncologia em Sergipe), que é uma instituição que também trabalha em prol da assistência às crianças e adolescentes com câncer em Sergipe. Em qualquer nível que a enfermidade esteja, o remédio prescrito pelo grupo de atores sempre será a alegria.


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HIV INFANTIL: CONTAMINAÇÃO, TRATAMENTO E VIVÊNCIA infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) é uma infecção viral que destrói progressivamente determinados glóbulos brancos do sangue e provoca a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Essa infecção também é adquirida por crianças e por isso é muito importante informar sobre a contaminação, tratamento e vivência dessas crianças na sociedade. Quando se fala da criança, existem dois tipos de contaminação. A vertical, da mãe para o filho, ocorre durante a gestação, via transplacentária, por ocasião do parto ou pela amamentação, por isso é recomendado que mães infectadas não amamentem seus filhos ou doem leite. A taxa de risco de a mãe transmitir o vírus para o filho é de 30%. Outro tipo de contaminação é a de crianças e adolescentes, através dos métodos clássicos de transmissão que são via sexual, transfusão sanguínea ou hemoderivados contaminados, além da utilização de agulhas de maneira inadequada, principalmente através do uso de drogas injetáveis. De acordo com o Programa Infecções Sexualmente Transmissíveis da Secretaria de Estado da Saúde, dados de dezembro de 2017 indicam que houve um aumento de crianças soropositivas em Sergipe. Em 2016 foram contabilizados 106 casos de crianças infectadas. Já em dezembro de 2017, 134 crianças contraíram HIV, além de mais de 40 crianças com manifestação do vírus. Os dados apontam a manifestação da doença em cerca de 70 crianças a mais que o número divulgado em 2016, fazendo com que em 2017 Aracaju liderasse o número de casos de HIV em menores de idade. Conforme dados do Ministério da Saúde, é possível reduzir em 50% as chances de contaminação de recém-nascidos pela mãe, com o tratamento e acompanhamento adequados. Os fatores mais importantes associados aos riscos de transmissão na gestação são virais, imunológicos e obstétricos, que ocorrem quando a mãe está em trabalho de parto. Durante o pré-natal, todos esses fatores devem ser atentamente analisados, já que cerca de 35% das transmissões acontecem durante a gestação e 65% no período peri-parto (cerca de duas semanas antes e após o parto). Por isso a gestante deve fazer uso de antirretrovirais, que previnem a transmissão. Toda gestante deve fazer o teste anti-HIV no começo da gestação, pois assim diminuem os riscos de transmissão para o bebê. O tratamento deve ser devidamente encaminhado a gestante para

que ela possa ter um parto saudável e livre de complicações. O índice de transmissão de uma mãe com o acompanhamento adequado não chega a 5%. Segundo o médico infectologista Thiago da Silva Mendes, referência técnica e coordenador do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) do Hospital Regional de Lagarto, a presença do vírus muitas vezes não é descoberta após o parto, então é importante prestar atenção nos sintomas apresentados pelo bebê. Esses sintomas estão relacionados, principalmente, a infecções, mas podem ser difíceis de identificar. São eles: • Problemas respiratórios frequentes, como sinusite; • Ínguas inchadas em diferentes locais do corpo; • Infecções da boca, como aftas; • Atraso no desenvolvimento e crescimento; • Diarreia frequente; • Febre persistente; • Infecções graves, como pneumonia ou meningite. Normalmente os sintomas aparecem até os 4 meses de vida, mas podem demorar até 6 anos. Joyce Cleide Fontes, obstetra e ginecologista na Maternidade Monsenhor Daltro e Hospital Universitário de Lagarto, explica que é necessário evitar a infecção dos bebês, sendo de extrema importância o tratamento para o aumento da expectativa de vida dessas crianças. “Sem tratamento, metade dos bebês com HIV morre antes dos dois anos”, afirma.

MARIA GABRIELA PEREIRA

A

por Maria Gabriela Pereira

ACOMPANHAMENTO PÓSPARTO

Quando a mãe descobre que é soropositiva, ela é encaminhada para o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA). A enfermeira obstétrica Sidnara Dias Gonçalves da Maternidade Zacarias Júnior, em Lagarto, explica que o primeiro cuidado após o parto é orientar a mãe e toda a equipe envolvida para que sejam realizados os procedimentos de prevenção e, logo em seguida, o início do tratamento. Existem várias orientações sobre o acompanhamento do bebê depois do parto. O Ministério da Saúde defende que a criança faça dois testes de carga viral, um no primeiro mês de vida e outro no quarto mês, para garantir que a infecção não seja transmitida da mãe para o filho ao longo da gestação ou durante o parto. Se os resultados forem negativos, é concluído que a criança não foi infectada. O médico infectologista Thiago Mendes

aconselha que a criança faça um acompanhamento com um infectopediatra até os 2 anos. “Somente após a realização de exames nesse período, o médico pode dizer se houve ou não a transmissão do HIV”, explica.

AMAMENTAR PODE?

Segundo Joyce Cleide Fontes, obstetra e ginecologista, não é recomendável que a mãe soropositiva amamente. “Ela não

deve amamentar, porque existem estudos que demonstram risco adicional de 7% a 22% de transmissão vertical por essa via. A gestante recebe medicação para inibição da lactação e o Ministério da Saúde fornece fórmula láctea infantil ao recém-nascido”. De acordo com a obstetra, em alguns países da África a amamentação não é proibida, porque existe um perigo maior do que a criança ser contaminada pelo HIV: ela pode morrer em decorrência de inanição ou contaminação por água com coliformes fecais.


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MULHERES E MARACATU: O BAQUE QUE REVERBERA UNIÃO E RESISTÊNCIA T

por Rebeca Nunes

oques rítmicos nos tambores, loas entoadas como cânticos, cortejos e simbolismos: esses são alguns entre tantos outros elementos que nutrem a atmosfera do Maracatu. Manifestação cultural originalmente afro-brasileira, se mantém viva, forte e espalhada pelos estados do Brasil, principalmente em todo o litoral nordestino. Dentre os estados do país, Pernambuco recebe o título de berço do Maracatu, e foi lá que no dia 12 de outubro de 2008 nasceu o primeiro grupo de maracatu de baque virado (também conhecido como maracatu nação) formado apenas por mulheres, o Maracatu Baque Mulher.

MARACATU BAQUE MULHER RECIFE O grupo foi fundado pela única mulher que chegou a ocupar até os dias de hoje o posto de mestra de maracatu no Brasil, Joana D’arc da Silva Cavalcante, popularmente conhecida como mestra Joana. Quebrando barreiras e expectativas impostas pelo modelo da nossa sociedade, coordenando e apitando atualmente a Nação do Maracatu Encanto do Pina, foram, e são, grandes as dificuldades que mestra Joana se deparou ao assumir seu atual posto. Mestra Joana enfrentou grandes impactos resultantes do machismo, casos como homens que abandonaram a nação Encanto do Pina, até outros que se negaram a chamar Joana pelo título de mestra. Aos finais de semana, um grupo de mulheres com faixa etária variada se deslocava até o Recife Antigo acompanhadas por mestra Joana, para que houvesse um espaço de diálogo, trocas e conhecimento. Foi através dessa ideia inicial, com o intuito de fortalecer a figura da mulher como protagonista, que o Maracatu Baque Mulher de Recife se formou na comunidade do Bode e se tornou matriz de outros grupos filiais. Esses grupos estão espalhados por vários estados do Brasil, e até mesmo na Argentina, onde o Maracatu Baque Mulher também conta com um grupo filial.

BAQUE MULHER ARACAJU

Existe um padrão a ser seguido pelos grupos filiais que se formam. O Baque Mulher Aracaju agrega os modelos de reuniões, cores das vestimentas, letras das loas, ritmos e baques padronizados de acordo com o grupo matriz de Recife. Em Sergipe, a ideia de contatar mestra Joana para formar o grupo foi da psicóloga, artesã, doula, agbêzeira e atual líder do Baque Mulher Aracaju, Thálita de Faria. O grupo tem como sede a Reciclaria Casa das Artes, onde ocorrem os ensaios que são abertos para qualquer mulher que

Baque Mulher de Aracaju em Sergipe [Foto: arquivo pessoal] queira participar, mesmo que não saiba tocar ou não possua instrumentos que compõem o maracatu. As reuniões e ensaios ocorrem geralmente aos sábados a partir das 14h. Daniela Lima, 31, descreve como algo extremamente mágico a primeira vez que ouviu o baque do maracatu ecoar pelas ruas de Recife durante o carnaval de 2012. “Quando eu vi e ouvi pela primeira vez o maracatu tocando assim do meu lado na rua, eu falei que queria tocar, fazer e viver daquilo”. Foi o que Dani Baixa, como carinhosamente é chamada e conhecida fez em 2016 quando foi morar em Recife, e a partir de então, conheceu e participou pela primeira vez de um grupo de maracatu ligado à nação Porto Rico. Hoje em dia, morando em Aracaju, Dani desenvolve a função de luthier na confecção de instrumentos musicais, é capoeirista, faz parte não só do Baque Mulher Aracaju como também do grupo Descidão dos Quilombolas e afirma que tem em sua vida música e cultura por toda parte. Dani conta que o maracatu teve e tem um impacto muito forte em sua personalidade. “O maracatu me ensinou a baixar a cabeça, ouvir mais e perceber que não sou melhor e nem pior que ninguém, que somos todos iguais”. Acrescenta que sua vivência no Candomblé despertou percepções e traços de sua personalidade, resumindo então a sua relação com o maracatu e com a religião em duas palavras:

energia e sintonia. Descendente de brasileiros, outra integrante do Baque Mulher Aracaju é Lisa Boersma, que nasceu na Holanda e aos 11 anos de idade veio morar no Brasil. Ela relata que sempre gostou de conhecer e pesquisar muito sobre música. Apesar das tentativas anteriores de aprender a tocar alguns instrumentos musicais, foi em 2017 que o maracatu a cativou. “Foi um contato completo mesmo, um contato mútuo do meu corpo com a música e da música com meu corpo”. Atualmente, Lisa aguça o seu olhar através de um viés social e ressalta que o maracatu se estabelece onde é necessário e não apenas onde é conveniente. O Baque Mulher não é só tocar maracatu. Os objetivos do grupo vão muito além do que reunir mulheres apenas pelo viés da manifestação cultural. Entre agbês, caixas, alfaias e outros instrumentos, o Baque Mulher é lugar de aprender e ensinar simultaneamente, através de vivências e conversas sobre temas distribuídos pela coordenação geral para direcionamento dos diálogos.

EMPODERAMENTO DAS MULHERES DO BAQUE

A presença do machismo é constante em nossa sociedade. No meio cultural não é diferente e são muitos os casos em

que as mulheres são diminuídas, mal interpretadas e até mesmo barradas em espaços que podem e devem ser ocupados por elas. Mestra Joana explica em uma entrevista para o portal NE10, que mesmo sendo essenciais para o maracatu, o papel de estar à frente nunca foi dado à mulher. Exatamente a partir do incômodo relacionado a questões como essas que surgiu o Baque Mulher. A ideia de mulheres poderem tocar percussão e maracatu em um meio extremamente machista, onde ainda existem nações de maracatu nos quais mulheres sequer podem tocar. O Baque Mulher não só atua diretamente no empoderamento das mulheres dentro do meio do maracatu, como também atua na comunidade. Luta não só contra o machismo, mas também contra o racismo e homofobia, com debates sobre a mulher negra e lésbica, transfobia e intolerância religiosa. Empoderamento, diálogo, história e louvor refletem juntos no baque a ancestralidade representada por mulheres do passado que desde os primórdios foram resistência e tiveram suas vozes perpetuadas. O eco das vozes das mulheres de ontem vive e reverbera como força no tambor das mulheres de hoje, seja em Recife, Aracaju, ou no arrepio da pele de cada um que ouvir e ver o maracatu passar.


A IDADE DAS TINTAS H

omenagens à família, passagens bíblicas e personagens literários. Essas são algumas das diversas tatuagens que marcam o corpo do pessoal adepto a essa manifestação artística. E ao falar dessa parte da população, associar os desenhos aos jovens é algo quase imediato. No entanto, há alguns anos a terceira idade tem mostrado cada vez mais interesse pela arte da tatuagem. Por muito tempo, a tatuagem foi vista de maneira negativa. A pele marcada era motivo de julgamento. Pessoas tatuadas não tinham credibilidade no mercado de trabalho e até a própria família demonstrava desaprovação. Hoje, ainda que não se tenha chegado à total aceitação sobre esse assunto, a melhora é significativa e essa é uma das razões que o tatuador Alisson Hora acredita levar idosos a se tatuarem. “Acho que já rolava uma vontade antiga, não faziam pelo fato do julgamento e de como a tatuagem era vista pela sociedade. Hoje o cenário da tatuagem está muito diferente, além de ser algo que faz as pessoas se sentirem bem [...] eu acredito que a tatuagem está até mudando vidas, curando feridas” disse Alisson. Aos 69 anos, Maria do Carmo Andrade Azevedo, mais conhecida como Dona Carminha, decidiu fazer uma tatuagem. Após terminar o curso de tatuadora, sua neta Carla Santana precisava de uma cobaia e Dona Carminha não pensou duas vezes para aceitar. Pesquisou um pouco aqui e ali e escolheu a imagem que carregaria para sempre nas costas: um desenho de Santa Terezinha. “Eu tenho uma pessoa que tá ali, minha Santa Terezinha, que eu amo demais, peço tudo a ela, principalmente minha saúde, e ela me atende [...] foi uma forma de agradecimento e pra onde eu vou, se ela já andava comigo, agora pior”, conta Maria.

por Camila Gerônimo

Dona Carminha relata que não sofreu preconceito e nenhum tipo de desaprovação por parte da sua família. Já no trabalho, alguns olhares tortos se fazem presentes de vez em quando. Aposentada, ela trabalha no terminal DIA - Distrito Industrial de Aracaju vendendo alguns salgados para ganhar um dinheiro extra. Conta que algumas mulheres, idosas, ficam olhando para suas costas. “Uma olha pra outra, aí eu percebo e digo ‘e aí, gostou?’ Elas riem sem graça e dizem ‘é bonito, mas eu não tenho coragem’ e eu digo ‘eu não tive coragem, tive fé’”. Ao ser questionada sobre o processo da tatuagem e da cicatrização, Maria do Carmo afirmou não ter passado por nenhum problema. O tatuador Alisson também confirmou que não há dificuldade em tatuar idosos, o procedimento é igual para todas as idades. Além disso, contou como é especial, para ele, tatuar esse novo público. “É uma experiência única pra mim, aprendo demais!”. Apesar de amar sua tatuagem, por tudo que ela representa, por carregar consigo sua santa que tanto lhe é presente, Dona Carminha contou que já está suficiente. A ideia de fazer mais tatuagens não é algo que lhe ocorre. Ela ainda aconselha: “As pessoas que querem fazer suas tatuagens têm que saber onde vai fazer, se é tudo higienizado, não é chegar em fundo de quintal e fazer”. Há alguns anos, idosos têm mostrado que a idade fala pouco quando se tem vontade. Alisson Hora tatua há 12 anos e não foram poucos clientes com mais de 60 que já passaram pelo seu estúdio. Sobre os idosos, Alisson comenta: “as pessoas vêem uma pele flácida como algo velho. Sei que tem muitos anos de vida, mas o novo ainda existe dentro de cada um, e vontade de viver!”. Dona Carminha exibindo sua primeira tatuagem.

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MAYZE BARRETO

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OCUPAÇÕES CULTURAIS ARACAJUANAS E OS ZINES O

por Kaippe Reis

fanzine, ou somente zine, completa 90 anos de existência em 2020 e, nesse tempo, já esteve disposto em diversos formatos, tamanhos, temáticas e, mais recentemente, plataformas. Zine é um tipo de publicação alternativa similar às revistas tradicionais, inclusive tendo ângulo editorial, público-alvo e temática. Se acontece Rolling Stone ou NME falando sobre música, por exemplo, existem inúmeros outros zines se dedicando ao mesmo tema. Porém, os zines são pulverizados e autopublicados sem o jabá das gravadoras e um espaço em que os sujeitos da ação são aqueles que antes, muitas vezes, apenas recebiam conteúdo - virando agora emissores - apesar da pequena tiragem que os zines costumam ter. Independente do curto tempo de existência - principalmente se levarmos em consideração que a prensa de Gutemberg tem quase 600 anos - este tipo de publicação também enfrentou a crise dos impressos na virada do século, além de que ainda tem se adaptado à era digital. Entretanto, mesmo as suas versões impressas ganham novos títulos e edições todos os anos indo em contramão ao mercado editorial impresso tradicional, que enfrenta dura crise e constante retirada de seus produtos de circulação. Diversos nichos já tiveram produção de fanzines para chamar de seus: os fanáticos por ficção científica, por histórias em quadrinho, por música, por literatura, mas o zine também serve para expor ideias originais de seus autores como crônicas, poesias, colagens, fotografias e histórias em quadrinho. Deste último, há a possibilidade de ter sido o conteúdo do primeiro zine da história feito, em 1929, por ninguém menos que Jerry Seigel, um dos criadores do Superman. No entanto, a pedra fundamental da publicação, segundo zineiro e pesquisador Márcio Sno narra em seu livro O Universo Paralelo dos Zines, lançado em 2015 pela Tomozino, foi “The Comet”. O zine foi lançado em 1930, na cidade de Chicago (EUA), por Raymond Palmer e Walter Dennis, membros da Science Correspondence Club e era destinada a repassar informações para outros fãs de ficção científica. O título durou até 1933 e teve 13 edições. Já o termo “Fanzine” surgiu apenas em 1941, também nos Estados Unidos, quando Lewis Russel Chauvenet disse no seu “Detours” que o que ele estava fazendo ali era um fanzine. O neologismo vinha da aglutinação das palavras da língua inglesa “Fanatic” (fã) e “Magazine” (revista), ou seja, uma revista de fã. No entanto, esse tempo vem sendo desconstruído, principalmente fora do país, deixando para trás

Capas das edições 7, 8 e 9, respectivamente, do zine Ouija feito por Márcio Thiago em parceria com outros artistas “Fan”, e a pejoratividade que possa conter ali, e mantendo apenas o “Zine”, principalmente nas publicações de conteúdos originais e que não pautam fenômenos culturais anteriores. Com boas décadas de distância, uma geração veio ter contato mais íntimo com zines a partir de ocupações culturais que aconteciam em Aracaju e possuíam publicações próprias: “Circular Poesia”, do Sarau Debaixo, e ​“​Cajuzine​”​, do Ensaio Aberto. Além disso, o espaço dos eventos era propício para a circulação de zines, que naquele momento tomavam formatos cada vez mais artísticos e menos informativos, que era uma característica datada dos zines do final do século XX. O zine “Circular Poesia” nasceu junto ao​ Sarau Debaixo, em setembro de 2013, sob o Viaduto do DIA envolvendo poesia e música. Desde a primeira edição, o Circular esteve presente no evento e contava com produção de membros do coletivo: poesias, colagens, desenhos. Todavia, com o desenrolar do evento começou-se a pedir contribuição de diversas linguagens para artistas locais que iam surgindo para eles ao passo que o Sarau acontecia. Segundo Clara Noronha, uma das responsáveis pela publicação, a própria ocupação cultural ia fornecendo material pro zine com as participações externas no Palco Aberto e no Concurso da PM (Poesia Marginal). As temáticas eram escolhidas dentro do Coletivo e apenas isto, já que não há uma avaliação editorial externa no fanzine. Era tudo autopublicado. A venda do Circular Poesia era uma das formas de custear o evento. O zine era xerocado e montado em tamanho A6 e

vendido por membros do coletivo que rodavam pelo espa​ço passando chapéu e oferecendo as publicações. Com o tempo, a estética da publicação foi se aprimorando, “ficando menos quadrada”, segundo Noronha. Ao completar um ano, foi lançado um Circular Poesia especial, diagramado digitalmente, contendo ilustrações do artista plástico sergipano Yuri, Yuri, Yuri e com um trabalho mais sofisticado que os zines anteriores. Na capa nesta edição, por exemplo, a característica imagem do ônibus foi sintetizada por uma catraca em chamas, impressa em papel couchê amarelo. Em 2015, o Ensaio Aberto iniciava as atividades e logo surgia o Cajuzine, em referência ao evento que acontecia no Parque dos Cajueiros. Segundo Thainá Carline, diagramadora do zine, a publicação foi importante por ajudar a pagar alguns gastos do e​vento, mas t​ambém por ter sido uma maneira de registrar o que estava sendo produzido naquele período. A publicação tinha como foco divulgar artistas locais com letras e cifras de música, desenhos, colagens, fotografia, poesias e outras contribuições que chegavam ao coletivo. Carline conta que conheceu artistas a partir do que chegava por email. O Cajuzine foi uma plataforma importante por ter sido a primeira vez que alguns artistas foram divulgados para além das suas redes sociais como Vinícius Déda e Rachel Sobral, ambos ilustradores. Havia ali uma ligação de retroalimentação entre quem consumia e quem produzia. Seus amigos estavam ali. “É massa demais saber que isso marcou muita gente, pois me marcou muito também”, com-

pleta Thainá. Em 2017, um grupo de mulheres se juntou para trazer o grupo paulista Rap Plus Size para tocar gratuitamente na ocupação cultural Casinha, no Rosa Elze - São Cristóvão. Mais de um mês antes do evento, saiu o zine Mulheres no Rap que era vendido em diversos espaços pelas envolvidas na empreitada. Para Clara Noronha, uma das organizadoras do evento, o zine foi visto como um espaço importante não só para financiar o evento​,​mas também para divulgar as mulheres que fazem rap no Brasil e no Mundo. Não há quem negue que o Mulheres no Rap faz seu devido papel de divulgação. Ele é uma ótima maneira de adentrar e conhecer o mundo deste estilo musical mostrando desde as cantoras clássicas como Dina Di, até as mulheres que estão fazendo acontecer nas cenas nordestina e sergipana. Clara conta que o in​tuito era levar o zine Mulheres do Rap em todos os lugares, dentre eles as batalhas de rima. Estes espaços são ambientes hostis às mulheres e mesmo ​assim elas iam no intuito de vender e levantar fundos para o evento. Aquino Neto vê este movimento como uma via de mão dupla em que os movimentos de rua se apropriaram da estética do zine. Não obstante, Márcio Thiago vê os eventos como um espaço que deu visibilidade não só para a plataforma e​m si, mas para nova​s experiências que surgiram por conta da confluência de pessoas em espaços como o Maré Maré ou o Clandestino, citados por ele em entrevista. Talvez estes eventos fossem equivalentes


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Edição especial (junho 2015) por 9 artistas para esta década ao que eram as escadarias da Catedral ao final do século passado. Segundo Márcio Thiago, quando começou a acontecer o Ensaio Aberto, as pessoas começaram também a levar material para vender. O movimento das ocupações fez com que parte da população fosse até esses espaços vender roupa, comida e outr​o​s produtos, dentre eles zines, que encontraram ambiente propício para se proliferar. Havia no evento um espaço de divulgação para além do feed das redes sociais e suprindo um desfalque da internet, que é o contato direto entre quem produz e quem vende. Esta troca é justamente o que incentiva Aquino a fazer zine​. Para ele, se isso não acontece, o zine seria apenas um panfleto que poderia estar sendo dado no Centro da cidade e que a pessoa pega aquilo e não troca uma ideia com o autor, apenas leva para casa. Aquino Neto voltou a produzir zine dez anos depois do seu Guerrilha a partir do seu envolvimento com o Clandestino. O evento o proporcionou estar próximo de um intercâmbio de bandas de fora e no calor deste surgiu o “Linhas Tortas”, no começo de 2014. Aquino fazia entrevista com as bandas e buscava colaborações de conhecidos para colagens e ilustrações, quase que revivendo o estilo datado comum entre as décadas de 1980 e 1990. O Linhas Tortas tinha uma tiragem menor do que o Guerrilha, até por ser um produto diferente e esteticamente mais maduro. Este era consideravelmente experimental tendo edição em que a capa era de papel vegetal, em que era costurado também. Apesar da vertente punk, o Clandestino teve tímida produção com o #CANSADASDEOUVIR, no entanto havia ligação com este tipo de publicação de tal forma que​ em uma das edições, o intuito era arrecadar fundos para o clássico ​Maximumrockinroll. ​A publicação originária de São

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Edição de um ano do zine Circular Poesia editado totalmente de modo virtual. Francisco (EUA) nasceu em 1982 e pauta, sobretudo, punk e hardcore. Em entrevista ao site Bagaceira Talhada, a organização explica como surgiu a ideia para a edição: “Como participantes e consumidores desse rolê, conhecemos a revista tem tempo e sabíamos que eles eventualmente fazem eventos para levantar grana para continuarem ativos. Dessa vez eles resolveram fazer algo maior, um dia mundial onde vão estar rolando centenas de shows em praticamente todos os continentes do planeta de forma conjunta. Tudo isso para levantar alguma grana e ajudar a MRR a persistir.” Para Aquino, o evento fez sentido por conta da ligação que todas as bandas que passaram pelo Clandestino tem com zine. “Se você pegar todas as bandas (que passaram ali), dificilmente não tem uma que não tenha feito entrevista para fanzine, pelo menos”, conta Aquino. Então, tendo em vista que o M ​ aximumrockinroll é uma referência em conteúdo e longevidade, faz sentido que o evento tenha acontecido. Mas diversos eventos acabaram e ficou uma lacuna. Márcio Thiago sente que a produção de zines diminuiu à medida que os espaços minguavam. Ele próprio teve o último Ouija publicado em 2016 ano em que acabou o Ensaio Aberto. Mas a plataforma tem potencial para retomar a produção com força. Pessoas ainda querem criar novos títulos, desde veteranos como Clara Noronha, que está finalizando a sua próxima publicação, até Vinícius Déda, cuja única experiência foi com o Cajuzine. Ele almeja lançar em breve uma história em quadrinho em zine. Mais uma linguagem a ser abarcada pela plataforma. Em entrevista, Clara lembrou que o ato de fazer um fanzine é um protesto. Certamente garante que nos próximos anos a produção deverá crescer novamente​.​(In) felizmente.

Primeira edição do zine Circular Poesia editado pelo Coletivo Sarau Debaixo (Out/2013)


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PRODUÇÃO INDEPENDENTE DE QUADRINHOS EM ARACAJU

por Yara Lima

O

consumo de histórias em quadrinhos tem sofrido mudanças desde o advento da internet. Antes, o único meio em que essas histórias poderiam ser lidas era através da mídia física, tornando o acesso bem mais difícil, já que não é uma arte barata. Hoje em dia é possível conferir prévias e até mesmo histórias inteiras que são lançadas diretamente na Internet. Isso geralmente acontece com artistas independentes que usam as redes sociais para divulgar seu trabalho a fim de conseguir um público prévio para, quem sabe, conseguir publicar uma história por uma editora. Claro que grandes artistas não deixam de usar as redes sociais para divulgação do trabalho. Independente do status em que se encontra o quadrinista a arte segue sendo muito precária. Então a necessidade não deixa de existir, mas existe uma diferença muito grande entre quem usa as redes sociais para divulgação e quem de fato depende dessas redes para ter o mínimo acesso aos seus conteúdos. Para os quadrinistas mais consagrados, as redes sociais são mais usadas para mostrar rascunho de material, processo de criação, e claro o quadrinho pronto já disponível para a venda. Ao contrário dos artistas independentes que, geralmente,

postam na íntegra suas histórias, postam tirinhas completas, alguns postam todo dia específico da semana uma arte para fidelizar o leitor naquela rede. A intenção normalmente é construir um público para tornar rentável um futuro quadrinho publicado. Não é de hoje que as editoras têm priorizado artistas que já possuem um público pronto e um caminho mais concreto em termos de divulgação. Mas tem uma prática que acontece muito mais na literatura do que nos quadrinhos, mas ainda assim não deixa de acontecer: é o fato de que as editoras têm dado preferência para artistas que possuem canais no Youtube, porque já existe um público pronto que tem uma chance muito maior de comprar aquele material. Isso diminui o peso das editoras em relação a lucros e já tira o trabalho de divulgação da mesma, porque o próprio artista irá divulgar seu trabalho para o público previamente construído. O que dificulta ainda mais a produção do artista, considerando que os públicos mais fiéis são de quadrinistas já consagrados e que tem material à venda. Em Aracaju esse nicho aperta ainda mais. O nível de circulação de material aqui dentro já é escasso e os consumidores de quadrinhos mais ativos recorrem

à possibilidade de criar vínculos de amizade com donos de bancas para garantir que a sua coleção fique completa. Um dos problemas que impede que as coleções fiquem completas é a enorme dificuldade de chegar aqui o material. Dentro do Brasil, o grande monopólio da produção de quadrinhos é da Panini Comics. Não existe ainda uma empresa que se iguale ao seu tamanho e sem competitividade não existe uma melhora. Nesse sentido a distribuição da Panini é cada vez mais problemática. Por exemplo, enquanto nas grandes capitais como Rio de Janeiro e São Paulo estão nas bancas às edições 10 ou 11, em Aracaju é possível encontrar nas bancas apenas as edições 6 ou 7. Se houver sorte. Toda essa dificuldade acabou aumentando a quantidade de leitores que vão às redes sociais em busca de um pouco mais do seu quadrinista, porque é uma maneira mais fácil de ler esse material e ainda existe o feedback pronto, já que o leitor pode assim que ler a tirinha deixar comentários na rede ou compartilhar com seus amigos, tornando um pouco maior o acesso. Antes dessa popularização dos artistas nas mídias sociais, o meio mais barato para a circulação dessas histórias era a publicação independente através


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de Zines. Dentro de Aracaju essa ainda é uma realidade. Os artistas independentes fazem Zines, colam cartazes com histórias dentro da universidade e expõem nas poucas feiras que existem por aqui. A quadrinista Jolees , estudante de Letras da Universidade Federal de Sergipe, falou sobre a dificuldade que é produzir uma história em quadrinhos aqui na cidade. “É muito difícil porque a gente faz sozinha, sabe? A gente pensa na história, faz o roteiro, desenha com as limitações que temos, organizamos a história e então publicamos por nossa conta mesmo. É um trabalho muito grande e tem que ter amor mesmo, porque a recompensa é quase nada pela quantidade de trabalho que temos aqui.”

Não posso deixar de falar que essa feira e esses eventos são muito elitistas, o que já quebra as pernas de quem quer viver da arte que produz. Mas, e os consumidores de quadrinhos aracajuanos, eles desprezam o material produzido aqui? Mesmo que existam produtos e produtores excelentes e acessíveis bem pertinho, Jolees relata: “Eu nem posso dizer que a culpa é de quem compra esse material porque ele simplesmente nem chega às pessoas. A gente tem aqui opções de expor em feiras tipo a da gambiarra, por exemplo, mas eles cobram um valor muito alto por dia lá, são R$150 e nunca que um quadrinista vai tirar o suficiente para pagar o aluguel e se conseguir tirar, seria só aquilo mesmo. Ou seja, nenhum lucro. Não posso deixar de falar que essa feira e esses eventos são muito elitistas, o que já quebra as pernas de quem quer viver da arte que produz”. Jolees escreve quadrinhos com visões infantis de histórias que ela mesma cria. No início de 2018 ela publicou A florzinha, onde conta uma história sobre uma flor para crianças entenderem melhor sobre fotossíntese e amor próprio. A publicação foi toda feita por ela e a quadrinista revelou que hoje não consegue ter orgulho do trabalho publicado porque a dificuldade foi tão grande que se tornou um lembrete de estresse para ela. Jolees falou também sobre as suas próprias referências: “Eu amo muito as produções da love love 6, principalmente as histórias da Garota Siririca porque o jeito que ela fala sobre feminilidades e nudez feminina sem sexualizar é tão lindo e tão simples.E é muito bem escrito. Fui em uma feira em Brasília e pude conhecê-la. Foi uma experiência incrível. Quero contar histórias como ela conta, de uma maneira que a leitura seja fácil, que os desenhos te contem coisas e que você possa normalizar isso desde cedo” . Sobre suas ideias futuras de trabalhos,

Jolees revela: “Esse ano estou tentando colocar ritmo na minha vida artística, algo em torno de um Zine a cada dois meses para não perder a prática e em seguida quero contar uma história infantil sobre um caju que é filho de uma árvore e passa por uma auto descoberta. É uma história livre de gêneros e espero que tudo siga certo.” Mas nem tudo são exatamente espinhos, existem vantagens em ser independente. Embora a questão financeira seja um caminho incerto, existem benefícios como o fato de que sem uma editora por trás esses materiais independentes acabam sendo muito mais autorais, muito mais críticos e muito mais livres. “Olha o caso da garota siririca, é um quadrinho feito por uma menina para outras meninas. Fala sobre o corpo feminino, sobre masturbação e não tem nenhum tabu, talvez se uma editora está por trás disso a liberdade artística seria muito mais podada. O desenho teria que ficar mais bonito, menos explícito e isso já tiraria um

Não conheço muitas lojas especializadas em quadrinhos aqui em Sergipe, e na maior que eu conheço aqui, eu nunca consegui encontrar material sergipano. pouco do poder de informação que esse quadrinho está trazendo”, afirma Jolees. Gabriel Henrique, estudante de História da Universidade Federal de Sergipe, entrou no mundo dos quadrinhos há pouco tempo e já percebeu as dificuldades do mercado aracajuano. “Eu não conheço muitas lojas especializadas em quadrinhos aqui em Sergipe, e na maior que eu conheço aqui, eu nunca consegui encon-

trar material sergipano. O melhor jeito de conseguir esses quadrinhos independentes é conhecer os artistas que produzem ou pegar em algum festival, ou feira de livros, outra coisa rara aqui” Jolees e Gabriel têm o mesmo pensamento em relação à liberdade criativa dos produtores existir mais nos meios independentes. Para eles é importante zelar pela liberdade criativa dos autores, assim o autor não perde a oportunidade de explorar melhor os enredos. O que pode findar em uma história podada para atender o mercado, e deixar de lado o fundamental, que é a narrativa em si. A produção independente de quadrinhos é constantemente um desafio. Se faz indispensável cada novo evento onde surge alguém interessado, que quer produzir, com histórias para contar. É isso que alimenta a produção. Embora os meios não ajudem na elaboração, na divulgação e na venda, os quadrinistas continuam e os leitores seguem como podem para dar atenção ao material.


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O QUE DIZEM OS MUROS:

A ASCENSÃO DO PIXO EM ARACAJU

por Beatrize Oliveira

Entre casas, marquises e edifícios comerciais e residenciais, a mistura de letras e símbolos passeia pelas paredes, e recria a paisagem dos centros urbanos.

“Mulheres que ocupam, painel de Manu e Jujuba” [foto arquivo pessoal Jujuba]

B

asta uma volta pela cidade, com um pouco mais de atenção às ruas, para se dar conta: os muros falam. A linguagem possui uma estética própria, e ocupa cada vez mais espaço nas paredes, em uma mistura de arte e transgressão que não cabe em nenhuma galeria. A pichação não tem intuito de agradar. Historicamente, ela surge como protesto e imposição à ditadura, marcava nas paredes frases de cunho político que denunciavam a violência e opressão da época. Atualmente, o inimigo ainda é o mesmo: o sistema. O pixo atua como forma de expressão de jovens que se vêem à margem da sociedade, uma forma de denúncia ao genocídio, ao descaso das autoridades, e a criação de um paredão invisível entre periferia e centros urbanos. Palavras que não encontram espaço na TV ou no rádio, vão parar nos muros da cidade. Por ser um movimento marginalizado,

há uma resistência por parte da sociedade em reconhecer a pichação como elemento artístico e cultural. O mesmo acontecia com o grafite, que possui a mesma raiz do pixo, mas que acabou se capitalizando, talvez por ser mais confortável ao olhar, menos agressivo, e com maior apelo visual e estético. O pixo não possui a mesma pretensão, seu poder contestador não é objeto apreciativo, e sim, reflexivo.

O GRITO QUE VIROU ARTE Em Aracaju, a pichação tem ganhado cada vez mais destaque nas ruas. Poemas, críticas, frases de ordem, assinaturas e símbolos, surgem nos muros das zonas norte e sul, como forma potente de protesto, questionando a propriedade pública e privada, e ocupando locais cada vez mais altos.

Entre as Tags, que são as assinaturas de nome ou apelido, que estão estampadas na cidade, facilmente nos deparamos com as de Ringo, o bacharel em Direito de 24 anos, que há pouco mais de 2 se arrisca nas ruas. Com um estilo próprio, muito influenciado pela estética europeia, o artista enxerga o pixo como uma válvula de escape, uma forma de demonstrar insatisfação, um grito político e pessoal. Sua técnica envolve uma preocupação com a harmonização dos traços, mas apesar da vaidade, entende o movimento como arte em todas as suas representações. “Ainda que fosse feio, que não tivesse preocupação estética nenhuma, para mim seria arte, porque arte é transbordar o que você sente, querer passar uma mensagem, não importa a forma”, afirma. Jovens que antes eram invisíveis para a sociedade, agora encontram uma forma de existir. Eles marcam sua presença em todo território, se arriscam em lugares

altos e caóticos, como forma de conquistar seus próprios troféus. Entre as motivações, existe a necessidade de ser bom em alguma coisa, e ser reconhecido por isso.“Se você considerar o pixo como uma escola, os caras são os melhores alunos, porque eles sobem nos lugares mais altos, e têm mais dedicação”, declara Ringo. O pichador acredita que a criminalização do movimento está diretamente ligada à estruturação da cidade. “O pixo nasce assim, como contracultura, cultura de gueto, é força de contestação, veio para incomodar, por isso é mal visto. Não há esforço nenhum por parte da sociedade de compreender o pixo como forma de arte, cultura e expressão da periferia”, explica. Outro artista muito presente nos muros aracajuanos é Marquinhos Rity, artista de rua de 22 anos, que além de seu nome, assina os grupos que participa, conhecidos entre eles como crews. São eles: Os Criti-


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JORNAL CONTEXTO cados, Arte e Expressão e Os Loucos da Sul. Ele descreve seu envolvimento com a pichação como um ato de amor e resistência. “Eu gosto de me manter ativo nas ruas, não por fama, nem por ego ou ibope, mas com um propósito de luta”, conta. Para Rity, o pixo tem evoluído em questões de visão e estética, principalmente com a chegada de novas modalidades no estado, deixando para trás alguns hábitos. “Antigamente o pixo tinha um envolvimento com torcida organizada, e era muita feio a pichação, a galera não tinha respeito, cortava o pixo um do outro”, relata. A transgressão presente no pixo é o resultado da insatisfação e a necessidade de escuta é a devolução de tudo de ruim que é imposto pelo sistema, principalmente aos jovens de periferia. E como toda forma de arte que tem como intenção a transformação da sociedade, ela gera incômodo e desaprovação. O artista enxerga o vandalismo que lhe é atribuído como um ato de libertação, e desabafa. “O pixo tira pessoas de vários meios, resgata várias vidas, gente que podia estar roubando, matando. Se não fosse a pichação, eu poderia nem estar aqui”.

LUGAR DE MULHER É NA RUA

“É essência e vem de dentro, a humildade e o respeito, não é tendência de momento, não desonra o conceito. Não adianta só falar se o que importa é sua ação, não adianta você orar se peca julgando o irmão. Hipócritas de plantão

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sempre prontos para atacar, jogando lixo no chão vem dizer para eu não pixar [..] Tá achando que é mentira só porque eu sou menina? Pois se toca ô machista, eu sou foda e tô na pista”. É com esse rap que Manu, de 19 anos, se apresenta. Poeta marginal, MC, militante e ativista do movimento hip hop sergipano e nacional. Participa das crews Pixo Feminino e Somente Loucos e acredita que a pichação faz parte do movimento hip hop, que é uma manifestação artística de rua, com propósito de denúncia e agressão à sociedade. “A minha manifestação enquanto pichadora, além da comunicação entre tribos e pessoas, é uma forma de dizer: eu tô aqui, esse também é meu lugar, e se tem muro na rua, e a rua é pública, é meu muro também”, explica. A pauta feminista tem encontrado mais espaço entre as latas de tinta, e estampa nas paredes que o espaço urbano também pertence às mulheres. E na busca por esse território, são muitos os desafios encontrados. Além da polícia, a pichadora tem que enfrentar também os assediadores. “É muito difícil um cara chamar uma mana pra fazer um rolê, pra pintar, há não ser que seja com segundas intenções. Não só o movimento da pichação e do grafite, mas todo movimento hip hop é muito machista, é muito misógino, e muito sexista. Eles acham que a gente está fazendo isso para agradar eles, mas a gente faz porque também somos revolucionárias”, desabafa. O pixo retrata a insatisfação pelo pouco que é dado, e principalmente por tudo aquilo que é retirado: educação, saúde, segurança, moradia e direito à vida. Os pichadores escrevem seus nomes como forma de visibilizar suas causas, e conse-

O pixo em lugares cada vez mais altos [foto arquivo pessoal Marcos Rity]

O cotidiano esbarra na revolução dos muros [foto arquivo pessoal Ringo]

quentemente gerar impacto na sociedade. “Pelo significado da palavra, vandalismo é o que o estado faz com nossas vidas. Por que as pessoas se incomodam mais com tinta na parede do que com sangue no chão? ”, questiona Manu, fazendo referência ao genocídio de jovens, em sua maioria negros e marginalizados. Jujuba, 21, também se arrisca pelas ruas da cidade. A atleta de jiu-jitsu que sonha em ser professora de educação física se envolveu com os movimentos de rua aos 14 anos, e se apaixonou pela arte. “A pixação pra mim é uma forma de revolução, um modo de expulsar a raiva em não poder gritar pelos meus direitos, em não ter voz. Todos temos formas de nos rebelar diante de algum fato, uns gritam, outros queimam pneus, e tem nós, os que pixam”, relata. O fato é que o pixo incomoda a sociedade. Talvez por serem feitos sem permissão, ou por nem sempre serem legíveis pelas pessoas que não estão inseridas no contexto da pichação. A atividade é tipificada como crime ambiental e contra o patrimônio público e é passível de três meses a um ano de prisão. “A sociedade é tão hipócrita, olham tanto pro pixo que

é crime, mas não ligam pra propagandas que está em todo lugar e não passam de poluição visual. Eu não apoio pixar casa de morador e sim coisas do governo”, afirma Jujuba. Apesar dos desafios, o movimento tem crescido e ganhado mais adeptas. “Eu atualmente estou muito feliz porque estou vendo cada vez mais mulheres representando muito bem a cena. Sei que faço minha caminhada sem fazer mal a ninguém, pedindo sempre proteção a Deus e servindo de inspiração para outras minas que estão no movimento”, declara. Mulheres unidas por um propósito, ocupando espaços públicos, transformando anos de violência e opressão em combustível para mudança, provando que lugar de mulher é na rua, e onde mais ela quiser. Grafite: arte desenhos

urbana

caracterizada

por

Picho: a escrita mais legível, sob a ótica da sociedade Pixo: o vocábulo com “x” diz respeito ao movimento das ruas, a grafia própria para identificação entre participantes do movimento


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LARGO DA GENTE SERGIPANA: ENFEITE OU REPRESENTAÇÃO?

JOÃO VITOR MOURA

por João Vitor Moura

Largo da Gente Sergipana com as esculturas de 7 metros de altura que representam os grupos étnicos que contribuíram para a formação cultural do estado de Sergipe

O

espaço alargado e vazio, localizado na Avenida Ivo do Prado, em Aracaju, tornou-se no Largo da Gente Sergipana quando esculturas de sete metros de altura foram instauradas, no dia 17 de março de 2018, com a finalidade de representar a cultura do estado de Sergipe. O Rio Sergipe já foi o palco para os navegadores portugueses que enchiam os porões das suas caravelas com o pau-brasil - que a Europa tanto consumia. Para os corsários franceses que também navegavam e junto com os índios desmatavam. Até para o Imperador Dom Pedro II. Hoje é o palco para as esculturas de Bacamarteiros, Cacumbi, Parafusos, Reisado, Chegança, Taieira, São Gonçalo e Lambe-sujo e Caboclinho, além do barco de fogo, que representam a cultura do estado sergipano. O arquiteto e urbanista responsável, Ezio Déda, conta que a ideia da criação do Largo surgiu para complementar o Museu da Gente Sergipana e celebrar a cultura popular em uma instalação artística urbana. A ligação entre o Museu e o Largo da Gente Sergipana é feita por duas faixas de pedestres. No Largo, placas de sinalização sugerem ao visitante conhecer um pouco mais sobre os grupos folclóricos no museu e outros que ali não estão. Já os visitantes do museu têm a oportunidade de vestir as principais indumentárias dos grupos, na instalação Nossos Trajes, e são incentivados a conhecer o Largo. Os grupos de folguedos ou dança representados nas esculturas, que são impos-

síveis de não serem percebidas, foram escolhidos pela professora e historiadora Aglaé Fontes com o critério de selecionar as etnias que contribuíram fortemente para a formação da cultura popular de Sergipe, que foram de influência portuguesa, africana e indígena. Segundo Ezio, o Instituto Banese, que realiza ações socioculturais, a exemplo de próprios projetos como o Museu e o Largo da Gente Sergipana, mantém contato com todos os grupos que tem uma frequência de atividades culturais, não só no mês de agosto –mês da cultura popular- mas, em todas as programações do Instituto que buscam contemplar e representar as manifestações culturais do estado. Para alguns, a criação do largo foi apenas uma maneira de informar ao povo que existe uma cultura tradicional, apesar de não estar bem representada. “O largo não aumentou tanto a visibilidade dos grupos. Infelizmente não ajudam grupo nenhum. Cada um tem que se virar da maneira que pode. Por isso que a cultura está acabando, por falta de incentivo das escolas, dos políticos. Infelizmente, está acabando mesmo” conta a visitante do espaço Neide Santos, que ainda acrescenta que a criação do largo é “só enfeite e mais nada”. A historiadora Aglaé ressalta que o Largo é uma grande valorização, pois chama atenção do povo sergipano, e dos turistas para uma cultura popular que existe. Além disso, ela afirma que é preciso que os professores do estado - responsáveis pela formação social dos alunos - abaste-

çam eles, também, de conhecimento da cultura do lugar em que vivem. A historiadora ainda deixa claro que “ali não é boneco. Boneco é de criança brincar. Ali é uma escultura, e teve um artista que sentou comigo várias e várias vezes para estudar e dar feição aos nossos grupos folclóricos”. Marilene dos Santos Moura, 66 anos, mestra do Reisado de São José, estava em Salvador, na Bahia, no dia da inauguração do Largo da Gente Sergipana, e retornou à Aracaju, em Sergipe, o mais rápido possível para não perder aquele momento. “O largo representa muito para o meu reisado. Naquele dia foi um momento único. Tem o boi, personagem do meu reisado, ali deixou muitas marcas boas, para mim é tudo. Meu tudo. Minha vida. Minha paixão”, conta Marilene com a voz embargada. Em Portugal, Reisada ou Reiseiros. No Brasil, Bumba-meu-rei, Boi de Reis, Boi-Bumbá ou Boi, Festa de Santos Reis, Folia de Reis ou simplesmente, Reisado, como é conhecido aqui em Sergipe. É com a sanfona, o tambor, a zabumba, a viola, a rebeca ou violão, o ganzá, pandeiros, pífanos e os “maracás”- chocalhos feitos de lata, enfeitados com fitas coloridas - que o grupo Reisado, trazido pelos colonizadores portugueses para Sergipe, percorre as ruas, de porta em porta, para anunciar a chegada do menino Jesus pelos três Reis Magos, com louvor aos donos das casas, por onde passam e dançam. O reisado só se apresentava no Natal e nas folias de reis – no período de 14 de dezem-

bro até 6 de janeiro - mas hoje a apresentação é feita em qualquer época do ano. Com brilho, estrelas na testa, fitas e cores intensas, por onde passam, eles cativam os olhares fixos dos espectadores. O amor, a guerra e a religião, são alguns dos temas de enredo utilizados pelo grupo, mas podem variar de acordo com o lugar e o período das encenações. O Mateus, Dona Deusa e a Jaraguá são os principais personagens nas danças de Reisado. E, é claro que o Boi não pode ficar de fora. O Reisado se divide em dois cordões -que são fileiras. Um cordão é azul, representando a sublimidade da Virgem Maria, e o outro é o “encarnado” (vermelho) para representar o sangue de Jesus Cristo. “Os outros personagens, os brincantes, que ficam nos cordões, eles vão para o centro para dizer as suas partes, que eles chamam de ‘entremeios’”, explica a historiadora Aglaé. O Mateus, o palhaço, sempre com suas brincadeiras e piadas com a plateia, também instiga a Dona Deusa, que é quem anuncia o que o grupo vai apresentar. O boi, personagem extraordinário do Reisado, tira do público gargalhadas através dos seus pulos com o Mateus. Mas o público fica triste quando o boi morre pelas mãos do Mateus após um forte drama entre a Dona Deusa, que acaba preso. Após ser solto, Mateus reparte o boi com a plateia e finaliza com a ressurreição do animal.


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OS 90 ANOS DO VAQUEIRO DO SERTÃO E A SOMBRA DA JAQUEIRA D

por Marcos Henrique

e origem humilde, o filho de lavradores do Povoado Jacaré- em Simão Dias, centro-oeste de Sergipe - foi por muitos anos destaque regional e até mesmo nacional, quando o assunto é forró de raiz. Comemorando 90 anos de vida em 12 de março deste ano, José Gregório Ribeiro, popularmente conhecido como Josa, o vaqueiro do Sertão, é um dos artistas mais lembrados da música sergipana. Em 1947, o jovem de 18 anos decidiu ir tentar uma vida melhor na cidade grande, indo para o Rio de Janeiro onde tornou-se policial militar. Na PM ele ingressou como sargento músico, mas sua trajetória como policial durou pouco tempo. Na tentativa de amansar um cavalo, Josa acabou caindo, sofreu várias lesões e, em uma delas, precisou amputar um dos dedos, principal responsável por sua aposentadoria inesperada para aquele momento. Com 25 anos de idade e já aposentado, ao retornar para seu estado natal, Josa foi surpreendido com um contato que ocorreu através do programa ‘Festa na Casa Grande’, na rádio Difusora e hoje Aperipê. Mal sabia Josa que em uma passagem por Caldas de Cipó, na Bahia, um artista, que viria a ser um grande incentivador em sua carreira musical, ficou admirado com seu programa. Ele decidiu que queria conhecê-lo. O Rei do Baião, como Luiz Gonzaga também é conhecido, enviou um telegrama marcando um encontro, o qual foi aceito e realizado posteriormente na praça General Valadão, centro de Aracaju. Desse primeiro encontro surgiu uma grande amizade entre os dois sanfoneiros, ao ponto de Josa ser levado para gravar um disco em Recife. Joseane, filha de Josa, destaca que no início da carreira do seu pai, um grande radialista da época, conhecido por Carlitos Mello, chamava o sanfoneiro simãodiense de Josa Sanfoneiro. Mas esse nome musical precisou ser alterado. Por não largar o chapéu de couro e o gibão, e por conta do reconhecimento de suas músicas, inúmeras cartas chegavam na rádio para o vaqueiro. Com todas essas características não deu outra: muda-se o nome para Josa Vaqueiro do Sertão. O ritmo nordestino forró passou por várias modificações ao longo do tempo. Porém, mesmo com o surgimento do forró de duplo sentido, nada modificou na vida artística de Josa: ele seguiu cantando o legítimo pé-de-serra, falando de Deus, da natureza e do homem do campo, como destacou Joseane. Muitos conhecem Josa da música “Na Sombra da Jaqueira”, mas ele é um artis-

Josa no Forródromo de Areia Branca. Fonte - Arquivo pessoal de Joseane, filha de Josa. ta completo - cantor, compositor e tem na bagagem mais de 300 composições. Artistas como Alcymar Monteiro, Mestre Zinho, Clemilda, Erivaldo Carira, Joílson do Acordeom, Zé Américo de Campo do Brito, Joseane de Josa, entre outros, gravaram suas músicas. Com mais de 50 anos de lançada, a música “Na Sombra da Jaqueira”, carro-chefe de Josa, serviu de inspiração para ele adotar Areia Branca, situada às margens da BR-235 e distante 46km de Aracaju. As duas cidades já foram consideradas , por muitos anos, como Capital Nacional do Forró. Em um de seus diversos shows na cidade de Areia Branca, Josa encontrou uma fazenda na região da Praça da Pomba com várias jaqueiras. O forrozeiro comprou a fazenda, nomeou-a de “Na Sombra da Jaqueira”, deixando sua marca naquela região até hoje. No dia 19 de abril de 1996, a Câmara Municipal de Areia Branca concedeu o Título de Cidadão Honorário a Josa.

Álbum “Na Sombra da Jaqueira”, de Josa ‘Vaqueiro’ do Sertão


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CORRIDA DE RUA: QUALIDADE DE VIDA E DESEMPENHO FOTO BANCO DE IMAGENS PIXABAY

por Mariane Góis

Hoje em dia, a corrida faz parte do cotidiano de muitos brasileiros, seja para aqueles que buscam melhor qualidade de vida ou para quem procura o esporte como hobby.

O

atletismo é uma modalidade esportiva que faz sucesso no mundo todo. Nota-se que o número de adeptos da corrida praticada em ruas e avenidas aumenta progressivamente a cada ano, independentemente do objetivo adotado para realizar esta prática: qualidade de vida ou competição. No caso dos apreciadores que têm o intuito de melhorar a saúde e suas condições físicas, afirmam que a procura pela corrida se dá devido à facilidade da prática e do baixo custo para o praticante. Praticar algum esporte, especialmente a corrida, traz inúmeros benefícios, como auxiliar na prevenção de doenças do coração, melhora a qualidade do sono, reduz a pressão arterial, previne a hipertensão entre outros benefícios. Além disso, cientistas afirmam que correr melhora a qualidade de vida nos aspectos emocionais e mentais, e ajuda inclusive o corredor a ter uma vida mais longa. A corrida de rua é um dos esportes mais democráticos da atualidade, não só pelo seu poder inclusivo, mas também pela sua praticidade. Um par de tênis adequado, bom estado de saúde, disposição e pronto!

Carlos Alberto, 21 anos, é adepto da corrida de rua há seis anos, e já percorreu cerca de 4 mil quilômetros pelas ruas do estado. Ele diz que ingressou na prática ao fazer uma visita ao médico e ser acon-

“A corrida me proporcionou saúde, principalmente. Eu emagreci muito... pressão alta que eu tinha, acabou que sumiu, eu era prédiabético e depois não tive mais contato com ela”, afirma. selhado a fazer alguma atividade física, pois estava acima do peso e isso estaria afetando sua saúde. Conheceu a corrida

através de um grupo na academia que já praticava o esporte, desenvolveu gosto ao perceber que a atividade surtia efeitos muito positivos. “A corrida me proporcionou saúde, principalmente. Eu emagreci muito... pressão alta que eu tinha, acabou que sumiu, eu era pré-diabético e depois não tive mais contato com ela”, afirma. Carlos relata que a dedicação é o aspecto mais importante para um praticante conseguir bons resultados. “A gente vive pra corrida, literalmente, é um estilo de vida, a gente transforma a vida inteira pra correr, a gente dorme pra correr, a gente come pra correr, trabalha pra correr, viajar pra correr, faz tudo pra correr, então a gente tem que mudar a vida inteira para a corrida”. A corrida é uma atividade que tem estratégia, técnica e requer condicionamento físico. Cada vez mais popular, atrai atletas amadores todos os dias, que logo são seduzidos pela prática. Mas apesar de trazer vários proveitos para a saúde, as corridas exigem cuidados. A educadora física Lívia Pires, que atua há quase dez anos no ramo de clubes de corrida e caminhada orientada, alega que o interessado deve recorrer a avaliações

físicas para uma maior seguridade antes de ingressar na prática. A profissional afirma que os indivíduos devem ser submetidos a avaliações como a antropometria, na qual as medidas das dimensões corpóreas, percentual de gordura, peso e estatura são analisadas. O nível de condicionamento físico e exames cardiológicos, como eletrocardiograma e eco-doppler também são importantes avaliações para que o simpatizante entre com segurança no atletismo de rua. As preocupações vão desde os cuidados com a saúde, até a escolha de vestimentas e um calçado adequado. Por mais que pareça um simples fator, o tênis também é uma relevante condição para boa incorporação na prática de corrida de rua, diz Lívia. “O corredor ele tem que se sentir bem em estar utilizando o calçado, não pode ter nenhuma dor ou desconforto”. Ao ser questionada a respeito do aumento da procura pela prática no estado de Sergipe, Lívia afirma que ao chegar em Aracaju há dez anos atrás, existiam apenas três clubes de corrida. Segundo ela, de lá pra cá ocorreu também uma ampliação significativa no número de corridas.


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O PROBLEMA DE CALENDÁRIO PARA OS TIMES LOCAIS o longo dos anos, os campeonatos estaduais têm sido deixado de lado tanto por parte do público, como por parte dos patrocinadores. Em estados com nível técnico inferior ao dos principais eixos do futebol brasileiro, esse problema é ainda maior. Com um calendário futebolístico enxuto e voltado para as competições nacionais, os times locais tidos como pequenos veem o Campeonato Sergipano como única competição a ser disputada no ano. O campeonato Sergipano atualmente rende 2 vagas aos melhores times para competições de maior destaque, como Copa do Brasil e Copa do Nordeste, além da principal competição que é a 4ª divisão nacional. Isso faz com que os clubes “deem a vida pela competição”. Os clubes recebem apoio por parte da Federação Sergipana de Futebol (FSF) com taxas de arbitragem e afins, porém por parte do governo nem todos têm apoio. Apenas cerca de cinco clubes recebem

YURE PIO

A

por Yure Pio

algum tipo de incentivo financeiro do governo estadual ou municipal. A copa do Brasil na primeira fase rende aos clubes o equivalente à receita de um ano inteiro de despesas por parte deles. “A copa do Brasil hoje é uma competição altamente rentável para os clubes. Os clubes que participam da primeira fase recebem R$ 525 mil, passando de fase pode chegar a ganhar mais R$ 600 mil”, diz o presidente da FSF, Milton Dantas. A copa do Nordeste por sua vez garante aos clubes, no mínimo, R$ 750 mil na primeira fase, podendo chegar a R$ 3 mi caso seja campeão. Anteriormente existia em Sergipe a chamada Copa Governo do Estado que fazia com que os clubes não ficassem estagnados por muito tempo, porém foi finalizada em comum acordo entre os clubes e a FSF. Com os grandes clubes do estado possuindo calendário fixo e divisão nacional, a competição ficaria com a quali-

Milton Dantas, Presidente da Federação Sergipana de Futebol

Jonas Salu, meio campo do time de futebol Itabaiana [Foto: Assessoria do Itabaiana]

dade defasada e sem patrocínio, o que fez com que os clubes recuassem para não ter prejuízos. “A grande maioria dos clubes pequenos que não possuem calendário nacional fazem planejamento de apenas 4 meses. A Federação já tentou reeditar a Copa Governo do estado, porém essa ideia foi rechaçada por todos os clubes por falta de apoio financeiro”, diz Milton Dantas. A falta de maiores patrocínios e incentivos governamentais contribui drasticamente para a instabilidade financeira dos clubes que tentam fazer milagres com suas contas para poder colocar seus times em campo. Isso influencia diretamente no nível do Campeonato. Como o planejamento das equipes é de 4 meses, elas precisam renová-lo a cada ano, e por isso não conseguem manter um plantel de jogadores que tenha entrosamento. Porém o que costuma prejudicar os clubes ainda mais é a falta de público nos estádios, já que a média de público é ínfima; na maior parte dos jogos há prejuízo ao clube, exceto quando é um jogo tido como clássico. O campeonato Sergipano tem uma média de público pagante inferior a

400 pessoas por jogo. Os atletas também são prejudicados pela falta de calendário, muitos deles se veem obrigados a ter mais de uma profissão para continuar vivendo o sonho de ser um jogador de futebol. Como é o caso do jogador Jonas Salu, meio campo do Itabaiana. Ele joga profissionalmente há 9 anos e afirma que o campeonato é muito curto, então não tem como se manter financeiramente apenas disso. Porém não vê isso como um problema, apenas como uma motivação para se dedicar mais e aparecer algo melhor em sua vida. No Brasil, de acordo com Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf) apenas 6% dos jogadores terminam o ano jogando nas duas primeiras divisões. Entre os times de Sergipe, o mais longe que um time pode terminar jogando é outubro na Série C, já que dois times terminam a série D por volta de Junho, e o resto dos clubes sergipanos terminam em Abril.


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MULHER NO CAMPO? CARTÃO VERMELHO! N

o Brasil existem aproximadamente 100,5 milhões de mulheres. Desse total, 40,2 milhões estão no mercado de trabalho, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse número tem crescido e a presença feminina está cada vez mais comum, até mesmo nas profissões que em predominam homens. Embora essas mulheres já tenham ocupado cargos como a presidência da República, o comando do Supremo Tribunal Federal e a direção da maior companhia aérea nacional, no país do futebol, o jornalismo esportivo parece ser o último obstáculo para afirmar a competência feminina. É um território tipicamente habitado por homens, no qual o acesso ao sexo oposto ainda parece ser restrito. Apesar disso, é possível encontrar mulheres que seguem quebrando paradigmas diariamente e conquistando seu espaço nesse mercado. Com muita competência, ética e seriedade no que fazem, elas mostram que são craques do jornalismo esportivo e batem mesmo um bolão quando o assunto é futebol.

PIONEIRAS NO GRAMADO No Brasil, as primeiras jornalis-

tas esportivas começaram a aparecer no início da década de 1970. Antes disso, era praticamente impossível ver mulheres no esporte. As pioneiras foram: Maria Helena Rangel, formada pela faculdade Cásper Líbero na década de 1940, Mary Zilda Grassia Sereno, uma das primeiras fotojornalistas de São Paulo e Regiani Ritter, uma das primeiras repórteres de campo da história do jornalismo esportivo. De lá para cá, a trajetória da mulher nessa área foi marcada por muitas barreiras no que diz respeito a sua aceitação nesse universo. A fotojorna-

lista Zilda Grassia, por exemplo, durante sua carreira, chegou a tentar vender uma fotografia para o jornal O Globo após o título da Itália na Copa do Mundo de 1934, onde captou a imagem de uma freira italiana na cidade do Rio de Janeiro, comemorando o feito da seleção de seu país natal. A foto foi utilizada pela publicação, mas Zilda não foi contratada.

PARA ESSE JOGO, ELAS NÃO FORAM ESCALADAS

O número ainda pequeno de mulheres nessa área, bem como em outras profissões tipicamente masculinas, encontra explicação em fatores sociais, como pontua o professor de sociologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Marcelo Ennes. Ele explica que ainda hoje, em pleno século XXI, os critérios de seleção, promoção e remuneração do trabalho de profissionais, não são meramente racionais ou meritocráticos. “Em poucas palavras, o que explica o fato de homens e mulheres empregados na mesma atividade, com a mesma habilidade, com a mesma competência não terem os mesmos salários é o fato de alguns cargos serem restritos ao gênero masculino. O que expressa que a sociedade não se baseia só em critérios meritocráticos, mas que ela se organiza também em padrões e valores culturais que expressam uma hierarquia entre homens e mulheres de maneira a reservar aos homens os cargos e salários melhores em detrimento das mulheres”, aponta. Em entrevista com a apresentadora do Esporte Interativo no canal TNT, Taynah Espinoza afirma já ter sofrido preconceito por parte do público, de che-

PIONEIRAS NO CAMPO

por Iasmin França

fes e até mesmo de colegas de trabalho, e fala que sente o machismo quase todos os dias. “Nessa profissão, é necessário provar muito mais. Se eu der uma informação, muitos colegas dirão que é porque sou mulher e fiz algo em troca para consegui-la. Agora se algum homem dá um furo jornalístico, ele conseguiu porque é muito bom jornalista e tem ótimas fontes. E assim segue. Todo dia. Cansa, mas desistir não é a saída”.

LONGE DO TÍTULO DE MUSA

Uma outra problemática nesse meio é a exploração estética da figura feminina, que desvia o foco do verdadeiro papel da mulher enquanto profissional e a coloca na condição de um mero símbolo de beleza. Não é difícil perceber, basta ligar a tv em um canal esportivo e observar que existe um padrão estabelecido para as jornalistas, que apenas vez ou outra, é quebrado. Por isso, o maior desafio de todos é o de passar longe do status de musa do esporte e ser enxergada pela competência. “Vemos muitos homens repórteres, comentaristas, narradores feios neste meio, mas não lembro de nenhuma mulher feia. Isso nada mais é do que tratar a mulher ainda como objeto, mesmo que ela tenha conteúdo. Para mudar essa cultura, a sociedade precisa modificar o comportamento, e os cargos mais altos precisam passar a ter mais mulheres também. Não vemos mulheres no comando de redações, de programas e no geral, mulher na chefia é algo muito raro, e não só nesse meio” ,diz Taynah Espinoza. A jornalista conta ainda que quando era repórter de rádio, no início da sua carreira, ela ia cobrir os jogos com boné para que o cabelo não chamasse atenção e ela passasse longe da figura de musa do esporte.

ABAIXE A BANDEIRA DO IMPEDIMENTO

De acordo com Taynah, sua realidade é a mesma vivida por muitas mulheres que, movidas pela paixão, transformam as mazelas da profissão em um combustível para provar que são capazes. “Eu não desistiria nunca por sofrer com o machismo da sociedade. Aliás, isso me dá ainda mais vontade de mostrar para as pessoas o quanto eu entendo e estudo pra falar de futebol. Nós, mulheres, não podemos desistir! A gente faz o que a gente quiser.

Regiane Ritter

jornalista e atriz brasileira, nascida em 7 de fevereiro de 1947, em Ibitinga-SP. De modo pioneiro, tornou-se repórter e comentarista esportiva, em 1980, na Rádio Gazeta.

Maria Helena Rangel atleta, professora de Educação Física e jornalista brasileira, nascida em 19 de outubro de 1928. Trabalhou em “A Gazeta Esportiva de São Paulo”, sendo considerada a primeira jornalista esportiva do Brasil.

Mary Zilda Sereno uma das primeiras fotojornalistas esportivas do Brasil. Nunca, sociedade machista nenhuma, decidirá o que a gente faz. Nunca!”, desabafa a apresentadora. Mesmo com os obstáculos, elas acreditam que jogar com raça ainda é a melhor saída. Como num jogo de futebol, é preciso continuar tentando até os 45 do segundo tempo, e se até aí não der, elas aproveitam os acréscimos como se fossem os últimos minutos de suas vidas. É pegar ou largar. Nessa partida, o resultado é ganhar ou ganhar. Afinal, elas não estão ali para brincadeira. O simples fato de ser mulher exige delas muito mais esforço. Assim, driblam as dificuldades, dão um chapéu no preconceito e combatem o machismo com uma caneta, daquelas que deixa o adversário sem graça. E não importa se o gol é olímpico ou de peixinho. O que importa é que elas alterem o placar! E sabe quando o placar é alterado? Quando elas conquistam o lugar onde sempre quiseram estar, e lá permanecem, por puro mérito. E se a bandeira do impedimento teimar em resistir, não se preocupe, o VAR vai corrigir!


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