Jornal Laboratório Contexto - Edição 47 (Julho/2015, publicado em Outubro/2015)

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Compreender a capa foi difícil? Com quase um quarto da população com alguma necessidade especial o Brasil ainda não tem um sistema de inclusão adequado


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Ano 12 Julho de 2015

Jornal Laboratório produzido por alunos de Jornalismo da Universidade Federal de Sergipe

BRASIL País sem acessibilidade Reportagem Especial. p. 12 & 13

São Cristovão - SE


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OPINIÃO

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Acessibilidade: uma barreira a ser vencida por toda a sociedade

uando se fala em acessibilidade, de imediato se pensa nos aspectos arquitetônicos ou urbanísticos, que se evidenciam com mais facilidade. Para tanto, basta andar nas ruas, entrar em um prédio ou utilizar um transporte coletivo. No entanto, a acessibilidade é ainda mais ampla do que se supõe a princípio, assim como é imenso o nosso dever, que nos é outorgado enquanto parte de uma sociedade, em cumprir o pleno exercício da cidadania. A acessibilidade consiste em possibilitar o acesso a um lugar ou a um conjunto de lugares. Significa não apenas deixar que pessoas com deficiências ou mobilidades reduzidas possam participar de atividades que incluem o uso de produtos, serviços e informação, mas também permite a inteira extensão do uso destes. Permitir a acessibilidade é ir além daqueles aspectos arquitetônicos ou urbanísticos. É, indubitavelmente, abonar a todos os cidadãos a possibilidade de ampliar seus

conhecimentos através do Braille, das libras e dos recursos das tecnologias assistivas. É dever de todo cidadão garantir vagas específicas em concursos públicos e permitir desfrutar de serviços e produtos determinados para cada necessidade. Esse ato não é desaforado, não é cego e nem é ameaçador. Hoje, após uma penosa luta em direção ao glorioso progresso, o Brasil contempla o aspecto legal da acessibilidade. Não obstante, tornam-se necessárias a conscientização sobre os direitos conquistados e a inquietação de todas as pessoas para seu cumprimento. É preciso, antes de tudo, acabar com o preconceito e conceber a deficiência não como incapacidade. A luta por essa bandeira só prosseguirá viva e crescente com o amparo do nosso amor e dever, abrindo as portas do coração da humanidade, colocando-se no lugar do outro e lutando juntos pela igualdade.

Eles me conhecem bem aqui Por Zora Saviolli

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s veias dessa cidade sempre tiveram ritmo próprio. Os carros se enfileiram indiferentemente ferozes, o ressoar morno e fraco dos motores se parece com rugidos de leão. O resto dos seres, não sendo os reis da selva, se reveza e luta por algum resto para comer, ou um lugar privilegiado para assistirem, rindo como hienas, à dança da morte meticulosamente necessária. Os pontos de ônibus aporrinhados de gente, os ônibus aporrinhados de gente, as filas dos cinemas aporrinhadas de gente, a Avenida aporrinhada de gente: todas se movendo juntas, como uma marcha migratória da cidade. Cidade: gente, gente, gente, aporrinhadas de gente. De alguma forma isso sempre me tranqüilizou. A idéia de que a metrópole era um grande organismo vivo e, nós, meros vírus que ela tenta expulsar. O simples cinza que eu sentia de certo modo me fazia mais pertencente àqui. Como se eu, também, lutasse contra a gripe que tenta se instalar. Um pensamento quiçá simplório, certamente errôneo, mas instintivo: se não fosse assim, eu jamais deixaria de sentir as febres e diarréias de que a cidade decerto também sofre. O vidro chacoalha com o som de algum hip-hop estrangeiro e novamente eu chego à conclusão: eles realmente me conhecem aqui. Não falo dos indivíduos Donos de Suas Vidas, cujos narizes sempre estão apontando ao chão e cujas pupilas, ah! as pupilas, abraçam carinhosamente o Nada. Mas sim deles, os mil olhos que tudo vêem, esqueletos da cidade, seu sustento e sua pátria. Se nós, os vírus, não passamos de pulgas no couro cabeludo dessa grande cadela São Paulo, os arranha-céus e enormes bancos são seus ossos e articulações, seus impulsos cerebrais e sua alma. Alma? Ah, mas se houvesse alma... Quantas vezes esta igreja (essa mesma, que deveria ser de um branco imaculado, mas já foi estuprada pelo cinza pegajoso) já me observou com os olhos arregalados, dentro desse ônibus? Quantas vezes não dançou ao som dos meus fones de ouvido em volume ridiculamente baixo? E quantas vezes, meu Deus, não leu meus poemas ainda nem escritos, arrancados de mim brutalmente pelo suspiro sádico de um milhão de buzinas? São Paulo late. Junto ao cantar rouco dos pássaros (às sete da noite?), posso ouvir a fúria desses grunhidos e quase sentir sua baba na pele, depois de uma mordida larga e profunda. Gostaria

de enfiá-la numa coleira e levá-la para passear. Perdida no meio desses roncos felinos dos carros, sentada no meu galho como um gordo bicho-preguiça,quase me esqueço que não passo de uma mísera parte da cidade e que, imersa nela, nem mesmo meu mais agudo guincho soaria. Desço. O ar fétido que o ônibus deixa de rastro, como um gambá, atinge-me feito tapas no rosto. Tento tossir, em vão. Meu organismo já é tão acostumado aos milhares de dejetos gasosos desse teimoso ecossistema, que meus pulmões agarram todo o bafo quente da metrópole, ronronando. Meus passos são surdos: eu não os ouço, e tampouco o resto do mundo. Só pertencem às ruas, em que o som do meu andar imita o de um guepardo, abafado pela relva de sujeira e pelo meu ímpeto predatório. Somente nessas ruas, que já absorveram não só a energia e pressão dos meus pés como também suas intenções, sinto-me de repente uma parte importante de algo. Depois, desfaleço: as bitucas de cigarro esquecidas me parecem cadáveres de insetos. E então tudo em volta assemelha-se a um grande cemitério de insetos, sem-tetos, discretos, incertos e de todas as almas que já ousaram se sentir livres nesse lugar que tão sofregamente chamamos de casa. Apesar desse nome, não poderia nunca ser nosso lar. Mesmo com os barracos e palácios que erguemos em suas entranhas, pertencemos àqui muito menos do nos damos conta, nas nossas mentes puramente instintivas que buscam incansavelmente o sedentarismo. Como ratos, corremos assustados entre as vielas, sempre indo a algum lugar mas nunca de fato chegando. Personificamos nosso predadores em cédulas, faróis, travessias, escadas, e até mesmo em outros pobres ratos, tentando esquecer que somos minúsculas formas de vida que qualquer um poderia devorar-nos sem qualquer esforço. Somos a base da cadeia alimentar, mas nos alimentamos como reis decadentes. E então, num ritual canibalístico sem espiritualidade alguma, matamonos uns aos outros para oferecer sabe-se-lá a quem, sabe-se-lá por que. Eu (n)os conheço bem, aqui. Passo pela esquina em que o vidro chacoalhou, e escuto uma MPB fraca que nada contra o ar feito um peixe desnutrido. Percebo então que a Cadela me mordeu, e finalmente apresento os primeiros sinais de raiva.

Expediente Universidade Federal de Sergipe Campus Prof. José Aloísio de Campos Av. Marechal Rondon, s/n, São Cristóvão - SE Reitor: Prof. Dr. Angelo Roberto Antoniolli Vice-Reitor: Prof. Dr. André Maurício C. Souza Pró-Reitor de Graduação: Prof. Dr. Jonatas Silva Meneses Diretora do CECH: Drª. Iara Maria Campelo Lima Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo Chefe do Departamento de Comunicação Social(DCOS): Prof. Dra. Raquel Marques Carriço Ferreira Núcleo de Jornalismo: Prof. Drª. Greice Schneider Fone: 2105-6919/ 2105-6921 Email: dcos.ufs@gmail.com Coordenação Editorial: Prof. Ma. Michele da Silva Tavares (DRT - 1195/SE) Coordenação Projeto Gráfico: Prof. Dr. Vitor Braga (DRT – 1009/AL) Coordenação Fotojornalismo: Prof. Drª. Greice Schneider

Zora é paulista e tem apenas 19 anos. Poeta desde seus 11 anos, a autora já escreveu inúmeros contos, poemas e epístolas. Ela conta que não sabe ao certo quando começou a escrever. “Oficialmente, escrevo desde os 11 anos, mas já no jardim de infância eu fazia livrinhos. Lembro que, antes mesmo de aprender a escrever, eu ditei um texto para meu pai redigir no Word. Eu devia ter uns cinco ou seis anos”, diz. O que mais a preocupa é o amor e os ingredientes que romanticamente lhe são inerentes: solidão, tristeza, saudade, desejo e morte. Zora divulga suas produções em seu blog “Psicologicamente testado” e em sua página do Facebook “Bicicletando”. “Para ver o mundo sem óculos, você tem que ter passado muito tempo nadando junto aos tubarões, seja enjaulado ou não, sem ter ao menos um par de pés de pato”.

Equipe Contexto - Edição 47 Reportagem: Baruc Carvalho, Camilla Roberta, Daniel Damásio, Daniela Barbosa, Deyse Tuanne, Edson Romeiro, Elienai de Jesus, Elson Mota, Josiane Mendonça, Lorena Freire, Maíra Silveira, Sara Madureira, Rayan Alves e Wilmarques dos Santos. Orientação Pedagógica: Bárbara Nascimento (DRT -1916/SE; Mestranda PPGCOM/UFS) Fotografias: Acervo Mostra/ DCOS, Daniela Pinheiro, Ediê Reis, Eduardo Ferreira, Fátima Cristine, José Victor, Laíze Letícia, Júlia Freitas, Miguel Carlos, Rodrigo Macedo, Sara Madureira e Yago Andrade. Diagramação: Ana Lúcia, Carolina Leite, Cleanderson Santana, Ícaro Novaes, Ítala Marquise, Jennifer Cristina, Jéssica França, Júnior Dias, Leandro de Carvalho, Leilane Coelho, Lucivânia Santos, Mirian Santos, Maria Alves, Nathalia Gomes e Taís Cristina. Ilustração: Ellen Cristina, Hugo Fernandes, Luís Matheus, Maria Belfort e Yasmin Freitas. Revisão geral: Demétrius Vinicius, Elienai Conceição e Willmarques dos Santos. Capa e artes: Ellen Cristina, Hugo Fernando e Iris Brito. Projeto gráfico: Saullo D’Anunciação, Helena Sader e Yasmim Freitas. Gestão: Cleydson Lima e Fernanda Sales.


UFS5 TELENOVELAS E INTERAÇÕES EM REDE SÃO TEMAS DE LANÇAMENTOS Contexto indica dois livros recém lançados que apresentam resultados de pesquisas e sugerem reflexões sobre a telenovela e ambientes digitais

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m Portugal, o destaque das telenovelas na programação tem demarcado não apenas grandes transformações no cenário televisivo nas últimas décadas, mas também, o interesse dos seus observadores sobre o que levaria a audiên-

cia a se dedicar às telenovelas. A princípio eram as telenovelas brasileiras o grande trunfo da programação televisiva, em seguida, as telenovelas nacionais tomam a frente do “poder de atração” do interesse do telespectador português. Esta inversão histórica no território das transmissões das telenovelas em Portugal pôde ser observada como conduzida basicamente por três condições primordiais. A primeira delas é o cumprimento das políticas culturais estabelecidas nas diretrizes do regime de operação da televisão em Portugal, a segunda, a criação de condições “propícias” para as produções locais, por último, a aceitação dessa nova proposta pela audiência da televisão. Mas, sem o parecer positivo dos receptores, as novelas portuguesas não se sustentariam na grade da programação televisiva. As telenovelas brasileiras, por sua vez, não deixaram de ser emitidas e recepcionadas em Portugal. Mesmo com menor expressão de sucesso, elas demonstram possuir algum poder de atração sobre o telespectador português. Tal cenário possibilita a seguinte reflexão: Por que as pessoas assistem às telenovelas? O receptor percebe diferenças fundamentais entre as novelas de origem nacional e estrangeira? Do que se tratam as supostas diferenças e/ou similaridades? Estas propiciam os mesmos usos; as mesmas recompensas e despertam os mesmos interesses? Mais especificamente, quais são os elementos preponderantes na seleção de uma telenovela em rejeição à outra? Estes questionamentos guiaram o trabalho de investigação exposto no livro “Telenovelas brasileiras e portuguesas: padrões de audiência e consumo” (Editora Diário Oficial do Estado de Sergipe - EDISE), da pesquisadora e professora da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Raquel Marques Carriço Ferreira. A obra, que é fruto de sua tese de doutorado, é recomendada para os leitores interessados em análise da audiência e da recepção da comunicação de massa, considerando a telenovela como o tema central.

Raquel Marques Carriço Ferreira, (Editora Diário Oficial do Estado de Sergipe - Edise/2015)

O estudo apresentado neste livro dá origem ao modelo que representa as experiências dos receptores das telenovelas em Portugal. Além disso, tem como objetivo entender as especificidades do processo de decisão que culmina com a seleção e audiência das telenovelas (brasileiras ou portuguesas). No primeiro capítulo são expostas algumas noções sobre o

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rganizado pelos professores José Carlos Ribeiro (UFBA), Vitor Braga (UFS) e Paulo Victor Sousa (UFC), a obra explora uma variável importante no estabelecimento de trocas sociais na contemporaneidade: a interveniência das mediações sociotécnicas nas atuações em rede e nas práticas interacionais associadas. Ao propor discussões sobre mediações sociotécnicas, o livro salienta a importância de observar que as sociabilidades estabelecidas nas ambiências digitais não estão dadas na ordem das coisas. Pelo contrário, elas se tornam efetivas através de dinâmicas relacionais. Isso significa que a forma e as propriedades situacionais relacionadas ao exercício de performances interacionais não são fixas, e sim derivadas de processos de transformação, compromisso e negociação contínuos. E é precisamente a detecção e a análise do conjunto das variáveis intervenientes na constituição desses processos que se apresentam como o grande desafio para o conjunto de pesquisadores nessa área. Os textos que a compõem compactuam com as propostas apresentadas em outras obras como Práticas Interacionais em Rede (2013) e Mídias Sociais: Saberes e Representações (2012), criando assim uma coleção de trabalhos que problematizam de que maneira os ambientes digitais, em particular os Sites de Redes Sociais (SRS), os jogos multiplayer on-line, os blogs e as páginas pessoais na internet, são costumeiramente apropriados por empresas, indivíduos e coletivos, estabelecendo performances interacionais e, assim, constituindo espaços sociais de convívio. Para dar conta dessas problematizações, Performances sociais e mediações sociotécnicas é resultante de uma seleção das principais discussões que aconteceram por ocasião do III Simpósio em Tecnologias Digitais e Sociabilidade (SIMSOCIAL), realizado em 2013 na Universidade Federal da Bahia (UFBA), sob promoção do Grupo de Pesquisa em Interações, Tecnologias Digitais e Sociedade (GITS). A seleção aqui feita está dividida em quatro eixos discursivos: (1) Corpo, subjetividade e identidade; (2) Circulação de informação em redes sociais; (3) Produção de conteúdo e articulações coletivas na internet; e (4) Interação e práticas cognitivas em ambientes eletrônicos. O primeiro eixo comporta discussões

em torno das mudanças e particularidades dos processos psicossociais em ambientes interacionais on-line, abrangendo como tópicos reflexivos desde a análise dos processos de subjetivação do indivíduo ao exame das construções identitárias voltadas a campanhas publicitárias. O segundo eixo dá visibilidade aos modos pelos quais as informações transitam pelas redes, considerando tanto a recepção e a reapropriação de conteúdos dos meios massivos quanto a circulação de discursos acusatórios no Sites de Redes Sociais. Os trabalhos do terceiro eixo abordam temas como o engajamento dos usuários em questões políticas e ações de cooperação, trazendo à tona o aspecto agregador das ferramentas digitais e sublinhando as formas de colaboração observadas.

gênero das telenovelas. A autora considera o contexto do ambiente televisivo português, cuja competitividade entre as emissoras as levam a investir estrategicamente nos conteúdos das telenovelas para atrair a audiência portuguesa para suas respectivas grades de programação. Ela também discute a relação de atratividade das telenovelas portuguesas e brasileiras pelos telespectadores portugueses entre 1999-2010. E, por meio da análise dos índices de participação de audiência coletada pelo instituto de pesquisa, demonstra a relação de penetração das telenovelas em Portugal. O segundo capítulo apresenta os resultados essenciais das entrevistas realizadas com quase 50 telespectadores das telenovelas, destacando os motivos e contextos dessa audiência. O modelo desenvolvido pela autora prevê também as relações de preponderância da eleição das telenovelas segundo suas origens, se brasileiras ou portuguesas. Em conexão, estes elementos estabeleceram a estrutura do modelo que representa a audiência das telenovelas como ocorre em Portugal. No terceiro capítulo, o modelo e seus respectivos conceitos configurados foram postos em discussão com a literatura que demonstrava maior potencialidade para sua interpretação. Para tanto, destacou-se as ideias sobre os processos intrínsecos de interação receptores versus conteúdos dos gêneros populares do entretenimento, como as telenovelas, para a verificação de como tal interação pode resultar em gratificações ou recompensas para os receptores, e estas gratificações, em motivos para novas exposições aos conteúdos das telenovelas. Sobre a autora Pesquisadora nas áreas de televisão, telenovelas, teorias da Comunicação, Raquel Marques Carriço Ferreira também atua com os temas dos estudos da Audiência e Recepção, Comunicação Persuasiva, Ética e Legislação Publicitária, Comunicação Integrada, Planejamento, Mídia. É Professora Adjunta da Universidade Federal de Sergipe, com atuação no curso de Publicidade e Propaganda e no Programa de Pós-graduação em Comunicação Social. Publicitária, doutora pela Universidade Nova de Lisboa (2011), e mestre pela Universidade Metodista de São Paulo (2003), Coordena o curso de Publicidade e Propaganda (UFS) e o grupo de pesquisa RECEPCOM - Grupo de Estudos da Produção e recepção Ficcional.

Grupo de Pesquisa em Interações Sociais, Tecnologias Digitais e Sociedade (GITS) e do Grupo de Pesquisa em Cibercidades (GPC). Professor da Universidade Federal do Ceará.

Por fim, o quarto eixo encerra o presente livro integrando debates sobre educação e aprendizagem em plataformas de interação na internet, analisando as novas formas de presença e de mediação resultantes dos ambientes on-line de aprendizagem e suas particularidades tecnológicas. Ao todo, dezesseis textos compõem o livro, oriundos do campo das ciências humanas, em áreas como a comunicação e a educação. Sobre os organizadores José Carlos Ribeiro é Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA, Graduado em Psicologia pela UFBA, Coordenador do GITS – Grupo de Pesquisa em Interações, Tecnologias Digitais e Sociedade – CNPq. Atualmente é professor do Departamento de Psicologia (UFBA) e dos Programas de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas (POSCOM) e de Psicologia (POSPSI) da Universidade Federal da Bahia. Vitor Braga é jornalista pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), especialista em Artes Visuais pelo SENAC, mestre e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas da UFBA. É professor do curso de Comunicação da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e é vice-coordenador da equipe Sergipe da Rede Brasil Conectado. Paulo Victor Sousa é formado em Publicidade e Propaganda. Também é mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA, onde também realiza seu doutorado. É membro do

Organizadores: José Carlos Ribeiro, Vitor Braga e Paulo Victor Sousa (EDUFBA/ 2015)


UFS IN-COMUNICAÇÕES: MENTES MAIS CRIATIVAS E ALMAS MAIS LEVES

Entre alegrias e escolhas, colaboradores do evento descobriram universos nas coisas ordinárias SARA MADUREIRA eladepp@live.com

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Encontro de professores e alunos para orientação pedagógica.

vida parece ser cheia de fatos aleatórios, não previsíveis e sem significado aparente, mas são esses fatos que determinam a vida. Organizado por mais de 30 colaboradores e promovido pelo Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Sergipe (UFS), a II Mostra IN-Comunicações foi realizada entre os dias 8 e 15 de maio, no Centro de Cultura e Arte (Cultart) da UFS. O que alguns estudantes consideram perda de tempo é, para muitos, um grande estímulo para a formação acadêmica e uma intensa bem-aventurança. Movidos pelo desejo de aprender, 25 monitores experimentaram as aventuras que a organização do evento pode proporcionar. A integração, à qual o objetivo e o nome do evento se referem, significou o amadurecimento dos estudantes e professores, entre descobertas, alegrias e escolhas. Em quase dois meses, a turma de colaboradores viveu uma correria saudável, uma jornada criativa e uma filosofia de coletividade que resultaram em um evento inesquecível e estimulante. Em 2013, em sua primeira edição, a Mostra IN-Comunicações surgiu para responder a dois desafios da Comunicação Social em Sergipe: os ruídos na comunicação e a estagnação no meio acadêmico. Na época, o evento contou com apresentações musicais, exposições fotográficas e exibições de vídeos. Neste ano, a segunda edição do evento ampliou sua programação: debateu as oportunidades da área em todo o Brasil e falou sobre como o cenário atual influencia a prática profissional. Em oito dias, integrando os cursos de Jornalismo, Audiovisual e Publicidade e Propaganda, a Mostra promoveu oficinas, grupos de trabalho, orientações pedagógicas, palestras e mostras de áudio e vídeo.

da pós-graduação na área da Comunicação estão realizando, durante os seminários de pesquisa. “Acredito que foram manhãs muito proveitosas para todos, pois os trabalhos renderam várias discussões”, afirmou. Apesar dos desafios de organizar os grupos de trabalho dos seminários e de elaborar parte da programação do evento, a jornada e o resultado da Mostra foram, para ele, gratificantes. “Foi muito difícil conseguir adequar uma programação para que alunos de cursos em horários diferentes pudessem participar. Porém, o nosso aprendizado só se completa a partir do momento em que você estuda fora da sala da Universidade. É nesse ponto em que você se encontra em um processo ativo, no qual confronta o seu conhecimento com as ideias, teorias, visões dos autores. É nesse momento que você sai de uma zona de conforto e questiona sua própria visão sobre as coisas. Isso é o que vale”, expôs Vitor. Silas Brito, recém-formado em Jornalismo e coordenador da equipe de TV na cobertura jornalística do evento, viu o IN-

Comunicações como uma porta para o futuro acadêmico e profissional. Para ele, o Jornalismo é inspirador por seu papel ético perante a sociedade. “Em sua ideologia, o Jornalismo sempre continuará sendo o quarto poder da esfera pública, o exercício da inteligência daqueles que buscam informação e, acima de tudo, compromisso e responsabilidade com o que prega. Poder contribuir de maneira singela com o IN-Comunicações foi uma grande oportunidade de conhecê-lo e praticá-lo mais”, pontuou. Estudante do sétimo período do curso de Jornalismo e produtora de releases para a divulgação do evento nos veículos de comunicação, Mariana Pimentel destacou que o IN-Comunicações ensinou, aos participantes e colaboradores, a investir no novo. “O evento impulsionou, acima de tudo, a criatividade e a ousadia dos discentes de Comunicação Social. Esse projeto coletivo fez cada função desempenhada ter seu valor reconhecido, pois cada um precisou fazer sua parte para a conclusão do evento com sucesso. O estímulo em se apresentar e a credibilidade depositada nos estudantes impulsionaram ainda mais a formação acadêmica”, disse. Professora do Departamento de Comunicação Social da UFS, Michele Tavares sempre participa de eventos acadêmicos em virtude da carreira como docente. No entanto, ela revela que, durante seus quatro anos como estudante de Jornalismo da UFS, apenas um evento foi realizado pelo Departamento de Comunicação Social. Como professora, fez o caminho inverso: passou a motivar alunos e professores por um curso de Comunicação Social mais integrado e prático. Sua maior inspiração é o cenário atual do Jornalismo no Brasil. “Aparentemente, o jornalismo não é motivador por ser muito preso a manuais e formatos. É nesse ponto onde surge a contradição, pois ele acaba inspirando o profissional a fazer diferente. O In-Comunicações trata exatamente disto: motivar os participantes a ir além da realidade e do que desmotiva”, explicou Michele. “É extremamente necessário que o estudante de comunicação saia de sua zona de conforto e explore seu potencial criativo. Sem isso, ele nunca avançará como um profissional”, completou. Entre os colaboradores, o significado do IN-Comunicações surgiu de uma atribuição do que eles viveram e experimentaram. Ouvir o chamado do propósito de vida, transformar provações diárias em experiências recompensadores e degustar a vida foram chaves essenciais para que o evento tivesse sentido. Como “crianças”, os colaboradores do evento descobriram universos nas coisas ordinárias. Quebrando padrões internos e externos, o novo sentir e agir torna o indivíduo único. Acervo incomunicações

ACERVO INCOMUNICAÇÕES

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Após enxergar a interação entre os participantes e os palestrantes, Alana Karolina, recém-formada em Jornalismo e coordenadora da equipe de assessoria de imprensa do evento, teve um momento de contemplação. Pensou em sua jornada de trabalho e constatou que tudo aquilo foi bom. Essa foi a primeira atribuição aparente de sentido para o evento: a de que ele foi, simplesmente, bom. Não importa se no pacote vieram dores de cabeça e noites mal dormidas. “Apesar do desafio de manter a equipe motivada e no mesmo foco, quando há feedback dos participantes, se vê que o objetivo da Mostra foi realmente alcançado. Eu espero que daqui a cinco ou dez anos eu esteja colhendo os frutos que acredito que o IN-Comunicações me dará: as portas abertas para o mestrado e uma carreira acadêmica como professora de universidade”, disse a nova jornalista. Para Vitor Braga, professor do Departamento de Comunicação Social (DCOS) da UFS, o sentido do IN-Comunicações se deu ao acompanhar as pesquisas que os alunos da graduação e

Visitantes prestigiam esposição fotográfica.


UFS7 VIOLÊNCIA CONTRA JORNALISTAS: UMA CONVERSA MUITO ALÉM DO RELATÓRIO Na abertura do II In-Comunicações, uma discussão sobre a violência contra jornalistas em Sergipe abre reflexão sobre o respeito à liberdade de informação e de expressão. DANIEL DAMÁSIO hinchadamasio@hotmail.com

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noite de 8 de maio, que marcou a abertura da II Mostra In-Comunicações, reservou ao público presente no Cultart momentos provocantes de reflexão sobre a sociedade. Sim, pois ela passa sobre a concessão da liberdade para se informar e expressar – e passa tudo isso pelo jornalista e sua figura essencial, e por isso, não tão quista. Abusos de poder, rompantes de egos, coações de ideias, ameaças de integridade física e moral e atentados contra a vida compuseram o cardápio de discussões postas pela mesa de debatedores. A pauta: o Relatório Anual da Violência Contra Jornalistas, da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Na plateia, atuais e futuros jornalistas, professores e alunos de Comunicação Social e até leigos do assunto. A mesa foi comandada pelo professor titular do Curso de Comunicação Social da UFS, Carlos Eduardo Franciscato e composta por José Cristian Góes, jornalista e pesquisador, ex-colunista de Cinform e portal Infonet, Raquel Almeida, editora do portal Infonet e Edmilson Brito, vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Sergipe (Sindijor). Ambos usaram o espaço para compartilhar experiência e impressões sobre a ameaça (ainda) constante ao direito de se informar e se expressar. “Precisamos realmente debater para que problemas como os que aconteceram em 2014 não voltem a acontecer nesse ano, nem nunca mais. Infelizmente a gente sabe que é algo que está longe de acontecer”, sentenciou Edmilson, referindo-se ao modelo dos conglomerados de comunicação, do qual é crítico.

Além do que (não) se vê Esse traço invisível de violência foi estampado primeiro pelos depoimentos de Raquel Almeida, que relatou a coação sofrida em junho do ano passado por sua equipe em Salgado (Centro-Sul) quando esta fazia uma reportagem sobre um assalto com suposta participação de um enteado do então Secretário de Estado da Segurança Pública, João Eloy. Na ocasião, o motorista e o repórter (cujas identidades não são divulgadas) foram abordados por dois homens – que se identificariam depois como policiais, dirigiram-lhes ameaças, quebraram celulares e uma máquina fotográfica e ordenaram que não voltassem à cidade, “se tivesse amor à vida”. Sobre a pauta, um escândalo envolvendo gente importante, Raquel conta: “Na cidade, tentamos fazer entrevistas e as pessoas, com medo, não falavam nada. Na verdade, não ia nem ter matéria, e acabou virando matéria totalmente diferente, do repórter que foi ameaçado”. O caso converteu-se em processo em andamento na Justiça e o Estado prestou apoio à equipe, com ressarcimento dos equipamentos a partir do salário dos envolvidos identificados e presos. Mas não para por aí. A jornalista revelou também um entrevero com um indivíduo que teve um nome citado em uma matéria e queria sua retirada imediata. “A matéria não tinha nada que denegrir a ele, uma matéria ridícula e simples, de batida de carro, só porque tinha o nome, não tinha nem a foto, e o senhor me ameaçou na porta da redação, pedindo para tirar a matéria”. Foi na própria Infonet que Cristian Góes ganhou notoriedade ao escrever em seu blog a crônica “Eu, o coronel em mim”, publicada em 2012 e que dialoga com a literatura para criticar os resquícios do coronelismo na política, baseado na visão de MYLENA ROCHA

As violências contra a equipe de Infonet e de Cristian Góes foram os casos sergipanos registrados no relatório nacional da Fenaj, além do repórter esportivo Iran Machado, morto em Itabaiana às vésperas do Natal passado. Se um já é estarrecedor, o que dizer de 129 assassinatos registrados em todo o país no ano passado, sendo com maior repercussão o caso de Santiago Andrade, repórter cinematográfico da TV Bandeirantes do Rio de Janeiro, em meio às manifestações de rua que acirraram o

clima político do Brasil desde 2013. Mas o que foi chamada à maior atenção pelos integrantes da mesa e entrevistados é a “violência simbólica”, a que não mata, mas deixa marcas para os jornalistas assediados e para a própria sociedade.

Abertura do evento: jornalista Cristian Góes, Franciscato (UFS), Edmilson Brito (Sindjor) e Raquel Almeida (Infonet)

uma personagem fictícia. Hoje, doutorando em Comunicação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e estudioso das linguagens jornalísticas, ele comenta a proposta do texto expondo o frágil limite entre ficção e realidade. “Na literatura, há contextos que são essencialmente ficcionais, como este. Ele não tem amparo na realidade, não tem um fato determinado, não tem figuras claras, objetivas, então ele tem outro compromisso, outra proposta, e parece que surtiu e muito o efeito da proposta”, afirmou. O processo movido à época pelo desembargador Edson Ulisses, que rendeu até uma sentença de reclusão (convertida em serviços comunitários), ganhou repercussão internacional quando a ONG francesa Repórteres Sem Fronteiras tomou conhecimento e repercutiu o caso para 150 países e fez com que a crônica fosse traduzida em 13 idiomas, inclusive em chinês. “O caso em si é muito absurdo, e a gente acreditava que teria alguma repercussão, só que a gente não imaginava que tivesse uma repercussão tão grande. O que de certa forma mostra o quanto aqui em Sergipe nós precisamos avançar, porque se teve um lugar em que teve menos repercussão foi aqui, teve mais repercussão fora que localmente”, lamenta Cristian. Mas, não só aos jornalistas consagrados em que a chaga do cerceamento atinge. A estudante de Jornalismo da UFS Ágata Christie Silva já viveu um desses episódios quando estagiava em um grande jornal de Aracaju e teve discordâncias por causa de algumas matérias às quais ela alega: “Relações de poder que cerceiam a liberdade de escrita. Isso já aconteceu comigo e não foi legal, depois que isso aconteceu, meu primeiro instinto foi querer sair do jornal e foi o que acabou acontecendo”. “Como é fácil falar coisas impensadas!...” E o que move o sentimento de retaliar um jornalista? Os entrevistados pela reportagem são consoantes ao afirmar que impunidade, jogo de interesses e abuso de poder são os principais fatores que despertam algumas hostilidades. Para o professor Franciscato, o reconhecimento da democracia passa pelo respeito ao trabalho da imprensa: “O problema é que nós temos inúmeras situações de vocação autoritária, em que as pessoas não querem ser afrontadas, não querem ser questionadas, e quando o jornalista faz o seu dever de trazer à público certas questões, as pessoas se sentem agredidas, tiradas de uma zona de proteção que a obscuridade lhe dava”, sentenciou. Hoje, pesquisador respeitado, o gaúcho Franciscato chegou à Aracaju como freelancer no início dos anos 1990 quando acompanhou a perseguição anterior do Estado à Cristian Góes pelas denúncias de um grupo de extermínio paramilitar na capital, e foi vítima de um boato de que tinha sofrido um atentado. Se a tecnologia ainda não tinha deslanchado no jornalismo da época e o editor era “o bom intermediário” que filtrava as publicações, as redes sociais de hoje permitem que qualquer um escreva e publique o que quiser, apenas seguindo seus impulsos – o que na visão do professor, é uma armadilha sedutora: “Esse é o dilema da Internet: excelente ferramenta que potencializa as pessoas para conversarem entre si, mas que exige das pessoas um cuidado, uma reflexão, e essa impulsividade da tecnologia é uma boa armadilha para cometer violências contra pessoas apenas dizendo coisas impensadas... Como é fácil falar coisas impensadas, e como é prejudicial. Na conversa de um pra outro já é prejudicial, imagina para milhares de pessoas poderem compartilhar”. Desenvolver e reiterar os valores éticos e democráticos é um passo de vários outros que vem a prevenir e combater o quadro hostil à imprensa, e passa pela visão dos entrevistados por meios diversos – e divergentes, da regulamentação da mídia até uma melhor formação do jornalista, no sentido de autoconhecer o seu papel. O debate é um primeiro passo, como o que ocorreu na abertura do evento e teve o nível elogiado pelos presentes ao Cultart. Com a experiência amarga e heroica de resistir a duas grandes perseguições, Cristian é mais direto: “O meu mantra, a minha convocação é no sentido de não se calar, mesmo sabendo das repercussões, das retaliações, dos processos que virão, mas é jamais se calar, porque quem cala, infelizmente, vai domesticando a censura e a violência, e a gente não terá o exercício pleno da liberdade”.


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JORNALISMO

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ENTRE A APURAÇÃO E A PUBLICAÇÃO: A LIBERDADE DOS COMUNICADORES DE SERGIPE O fazer jornalístico ainda é um desafio constante para a ética de profissionais de todo o estado

Baruc Martins. Email: aglomeradao@gmail.com

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Baruc Martins

m 2001, Toni Lander percebeu que precisava se comunicar com o mundo. Junto com Denilson Santos, colocaram no ar a rádio Atitude FM, um projeto desenvolvido com baixo custo no conjunto habitacional Antônio Carlos Valadares, em Poço Verde, interior de Sergipe. A “radinha do conjunto”, como era conhecida, ganhou forma e passou a relatar, entre uma música e outra, os problemas da comunidade. Parte do município, então, começou a se ver ali e parte dali era o município. Aos poucos, porém, a audiência concentrada apenas no conjunto tornou-se impeditivo para se aproximar mais das pessoas da cidade. Então, a rádio começou a circular, sobretudo nas praças em dias de feira pública, e também na internet. O projeto foi seguindo até ser encerrado pelo cansaço e pelos problemas operacionais. Depois dessa experiência, Poço Verde, após anos de espera, passou a ter sua própria rádio comunitária: a Poço Verde FM. A nova rádio, contudo, parou de ouvir a comunidade e se concentrou no repertório musical. Programas jornalísticos se resumiram em opiniões sobre matérias do dia e a participação do ouvinte se restringia a escolha de músicas. Uma rádio que deveria ser pública e educativa se espelhava no modelo privado para se fazer existir. Toni ainda trabalhou em outros lugares, na produção de outros programas e até como apresentador solo, mas algo o incomodava. “A principal dificuldade foi adentrar nas emissoras sem vestir a camisa de seus donos, que todos – e repito, todos mesmo – são ou fazem parte de algum grupo político”, explica. E, assim, mesmo em alguns momentos precisou ajustar a sua filosofia política com a linha editorial do dono do veículo; foi sistematicamente colocado para fora porque não se ajustava às regras do local onde trabalhava. Segundo a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sergipe é o estado com um dos menores índices de violência contra jornalistas, com apenas dois casos em 2014 – o equivalente a 1,55% do total do país. No Brasil, a região Sudeste concentra a maior parte dos casos (55,82%), seguida pela região Nordeste (18,6%), Sul (12,4%), Norte (7,75%) e Centro-Oeste (5,43%). Ainda há um recorte de gênero com os homens (76,74%) liderando o índice contra menos de um terço dos casos envolvendo mulheres (17,5%). Esses números ranqueam o Brasil como um dos principais países que violentam jornalistas e põem em risco dois pilares centrais da democracia: a liberdade de expressão e do pensamento. Muito além do contexto sobre o atentado à liberdade de imprensa, a liberdade do jornalista em Sergipe se situa de maneira mais extensiva e coloca barreiras frente ao fazer jornalístico, indo de questões profissionais – que envolvem a apuração da notícia – até questões pessoais com implicações à própria vida. Cristian Góes, ex-jornalista do Cinform, Jornal do Dia e Infonet, é quase um lugar-comum quando se fala sobre o debate da liberdade de imprensa em Sergipe. Famoso por ser processado após ter feito uma crônica ficcional sem citar locais, épocas, nem datas, a situação mais grave de cerceamento à sua liberdade de jornalista não se deu após a publicação de um texto. Mas antes. “Quando atuei no Cinform, junto com outros colegas, fazendo uma série de denúncias sobre um grupo de extermínio montado pelo Governo do Estado, com apoio do Legislativo e do Judiciário, para matar supostos ladrões de gado, houve uma série de ameaças a nossa integridade física. Ameaças de tiro, de invasão do jornal, atentados, etc... alguns de nós, jornalistas, nos sentimos fisicamente ameaçados”, conta. Em outubro de 2012, o radialista de uma rádio local de Itabaiana, Edmilson de Jesus, 40, foi assassinado durante o seu expediente de trabalho. Nos números que envolvem violências contra jornalistas, Edmilson não entra. Paulo Sousa, presidente do Sindicato dos Jornalistas de Sergipe (Sindijor) explica que há trâmites legais para ser considerado jornalista hoje: “Tem que ser formado no curso de Jornalismo e requerer, junto ao Ministério do Trabalho [e Emprego] a sua carteira. Só assim é considerado jornalista”, explica. Segundo Paulo, os casos mais comuns de violência contra

Toni Lander em atividade na webrádio Atitude, em Cajazeiras, Heliópolis / BA.

jornalistas que o Sindijor recebe, em geral, são poucos e concentrados em assédio moral. “Mas há casos em que as empresas interferem para colocar o que querem e isso também é atentado à liberdade do jornalista”, completa. Para ele, “é necessário que o jornalista se mantenha firme na obediência do Código de Ética do Jornalista”, independente de qualquer coisa. No Sindicato dos Radialistas de Sergipe (STERT/SE), por outro lado, são recebidos poucos casos de assédio moral. Na verdade, a maioria não fala sobre o que sofre. No menor estado da federação, a profissão de radialista é algo doído. “A liberdade de imprensa e expressão não existe. É a liberdade vigiada. É a liberdade do patrão”, desabafa Fernando Cabral, presidente do sindicato. Cristian Góes diz sempre ouvir casos que colocam em xeque a liberdade dos jornalistas em Sergipe. Mas grande parte sofre ações de censura, de assédio e prefere, assim como os radialistas, ficar calado. O problema, segundo ele, não é apenas o silêncio, mas a não percepção dessas violências, pois naturaliza essa opressão e a opressão naturalizada passa a ser entendida como prática normal e até legítima dos donos dos meios. “Talvez esse seja o pior efeito de se calar diante das censuras e assédios. É preciso reagir, não individualmente, mas buscar se articular com o sindicato e outras organizações, para fazer uma frente coletiva de reação a esse quadro. Porque entendo o jornalismo como uma atividade em disputa, aberta, pública. E não há disputa onde um lado se cala”, defende. Nos números que apresentam violências contra jornalistas, os jornais ainda são os campeões, com 32,56% do total. Seguido pela TV, com 24,03%; Agência de notícia e outros, 10,85%; mídia digital, com também 10,85%; freelancer, 8,53%; mídia não identificada, 6,97%; revista, 3,88% e rádio, 2,33%. Do relatório da Fenaj, espanta o baixíssimo número de casos envolvendo rádios no Brasil. A maioria dos radialistas não são jornalistas. Para Fernando Cabral, o cenário de trabalho em si, dos radialistas, é aterrador. “Tem [denúncia] até de morte”, frisa. O caso de Edmilson, por exemplo, está longe de ser o último. Na

década de 1990, o radialista Zezinho Cazuza, da Xingó FM, foi assassinado e o principal acusado foi o ex-prefeito da cidade, Genivaldo Galdino. Um caso que ganhou em repercussão nacional. Já em 2014, Iran Machado, radialista também de Itabaiana, foi morto em casa. Toni Lander, hoje, continua a exercer a profissão. Mas sabe que falta muita coisa. “Sobretudo a implementação de direitos trabalhistas e a ausência de registro de carreira são as questões mais problemáticas”. Para Cristian, não há um único problema. Mas vários. Que se articulam e delimitam a zona do caos: desde a não existência de empresas profissionais de comunicação até um público pouco exigente devido ao baixo incentivo à cultura e ao pouco investimento, de fato, em qualidade. Para Fernando Cabral, é uma questão prática: “Nós precisamos democratizar os meios de comunicação”. Sem isso, o controle da informação continuará sendo de apenas poucas famílias e a prática comunitária será pouco vivida. Pois, segundo ele, não existe rádio clandestina. O que existe é a criminalização. Pois, “a gente sabe que tem muita rádio comercial com concessão vencida há 10, 15 anos e o governo não criminaliza. O que aconteceu foi uma invasão dentro das rádios comunitárias por igrejas, partidos, etc. Por isso, a gente precisa rediscutir as rádios comunitárias fazendo com que ela seja, de fato, comunitária”, diz. Já Cristian, quando perguntado sobre o que falta no jornalismo, é categórico: “O jornalismo é uma experiência que se realiza ou não, independente das empresas. Aliás, penso que as empresas, muitas vezes, sequer realizam jornalismo. O que significa dizer que precisamos avançar e perceber um ambiente tensionado para a informação, para o interesse público. Seja dentro ou fora das empresas, precisamos de muitas outras vozes que digam que o mundo não se resume a uma edição de um jornal, que existe apenas uma versão dos fatos, que não há alternativa.” Para que no dia seguinte o deadline das redações ou o “bom dia” do programa de rádio não sirvam de pretexto para continuar a violentar quem se dedica diariamente a nos prestar informação.


SERGIPE

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TREZENA DE SANTO ANTÔNIO: TRADIÇÃO DE MÃE PARA FILHA

Aos pés da ladeira do Santo casamenteiro o culto ao padroeiro é transmitido de geração em geração

SARA MADUREIRA

LORENA FREIRE lo_freire93@hotmail.com

O dia de Santo Antônio é celebrado no dia 13 de junho, inaugurando as celebrações aos santos juninos

Faltando poucos minutos para o início da celebração da trezena, Dona Gileda apressa a filha Talita, para não perderem nenhum minuto da missa. Com passos rápidos, chegam antes da entrada do Padre. Antes da celebração, logo após encontrarem um banco, ajoelham­-se e em silêncio fazem seus pedidos e agradecimentos. A mãe roga­a Santo Antônio pedindo sua interseção para que ele ilumine sempre os caminhos da filha. Não se esquecendo do marido, roga­ com o intuito de tê­-lo ao seu lado até o final da vida, degustando os preciosos momentos da vida cotidiana. A filha em seu silêncio particular faz suas orações pedindo pela saúde dos pais, principalmente da mãe. Do altar, representado através de uma imagem, Santo Antônio ouve todas as preces e ao longo da celebração parece abençoar seus devotos, que ao saírem da celebração sentem­-se renovados. E, assim, encerra­-se o primeiro dia da trezena de Santo Antônio.

Como todos os anos, desceram e subiram com entusiasmos, afinal o Santo nunca as tinha deixado na mão. E não eram poucas as oportunidades em que o santo ouvira os pedidos. Como retribuição, as duas nunca falhavam na devoção, e a festividade era a oportunidade para quitar todas as promessas feitas ao longo dos anos. Terminada as celebrações, as duas descem a ladeira e seguem pelas ruas do bairro em direção à residência. Nas mãos, pãezinhos distribuídos na missa, para que sejam colocados dentro da farinha, garantindo que nunca falte o pão de cada dia. E assim foram todos os anos, durante os 28 anos de Talita. No entanto, esse ano, o dia 13 de junho será diferente para Talita. Pela primeira vez ela não poderá contar com a companhia de sua mãe. Esse ano Dona Gileda acompanhará o dia de Santo Antônio bem pertinho do Padroeiro. Há meses atrás Dona Gileda passou a olhar sua filha do céu, ao lado de São João, São Pedro e Santo Antônio. E este ano certamente realizará seus pedido de um lugar muito especial. A saudade permanece em Talita, que já não terá sua companhia para a celebração, mas ela não esquecerá os ensinamentos passados pela mãe, e agradecerá ao Santo por ajudá-­la a superar os momentos dolorosos na vida.

Até o dia 13 de Junho, a profissão de fé vai crescendo. A ladeira da colina do Santo Antônio, passa a receber fiéis originários do próprio bairro, além de devotos de outras localidades, incluindo moças que, ao saberem da fama de casamenteiro, apressam o passo em busca de encontrar seu amado com ajuda do Padroeiro Junino. Esse é o ritmo dos dias de louvor: missas, orações, promessas, intensificação da venda de imagens do Santo, tudo feito com muita fé. O dia treze de junho já começa de uma forma especial para Dona Gileda e Talita, por estarem aos pés do padroeiro, no bairro que leva o nome do Santo. Elas são acordadas logo às cinco horas da manhã com a alvorada festiva. O barulho da queima de fogos, que em outro dia poderia causar um mau humor, é trocada pela alegria de serem protegidas pelo Santo Padroeiro. Acordada pela alvorada, Talita faz seu primeiro agradecimento ao Santo ainda em casa. O dia de Santo Antônio é especial para a jovem. Criada no bairro do Padroeiro, e tendo a mãe como uma devota fervorosa do Santo, nunca deixa de participar da festividade, valendo inclusive efetuar a troca do turno no trabalho, para acompanhar a celebração. Já pela noite, apostos com sua fiel

SARA MADUREIRA

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cada ano, faltando 13 dias para o dia 13 de junho, a tradição se renova. Do alto da ladeira da Colina do bairro Santo Antônio, com visão privilegiada da capital do menor estado brasileiro, a religiosidade pede espaço para que seus fiéis façam suas preces.

escudeira Dona Gileda, Talita se prepara para descer a Colina na procissão do Padroeiro.

Igreja de Santo Antônio

SARA MADUREIRA

O culto nordestino aos santos juninos

Santo Antônio é considerado o Santo casamenteiro

Os santos juninos são muito cultuados no Nordeste. São João, São Pedro e Santo Antônio, marcam as celebrações do mês de junho. Misturando imaginário popular e religiosidade, a cultura nordestina de celebrar os santos juninos se mantém viva, e dão o tom do Mês mais representativo para os nordestinos. Aécio Cruz, seminarista da Igreja Católica, que se prepara para o sacerdócio explica como se originou essa tradição de culto aos santos juninos. Segundo ele, a origem da religiosidade vem dos colonizadores. Os portugueses católicos trouxeram ao Brasil as crenças religiosas e aqui assumiram um caráter popular. A relação destas festas com os santos católicos está no simples fato de coincidirem com o mês em que são celebrados no calendário litúrgico. “A origem da festa é a devoção aos santos celebrados no mês de junho e foram ganhando popularidade com toda essa riqueza cultural do nosso nordeste”, explica. Conhecido como o protetor das Amizades, dos casados e dos enfermos, São João Batista é celebrado com entusiasmo no dia 24 de junho, com direito a muitas fogueiras nas ruas que deixam a chama do dia santo mantêm­-se

perene. “São João é conhecido como o ‘homem enviado por Deus’, primo de Jesus, era um profeta que pregava nas margens do Rio Jordão, e lá fez o Batismo do filho de Deus. Diz a lenda que ele nasceu sem pecado, sendo santificado ainda no útero da sua mãe”, disse o seminarista. Do Santo casamenteiro ao santo das chuvas, os santos juninos mexem com o imaginário popular. Segundo Aécio, Santo Antônio leva a fama de santo casamenteiro, pois ele ao deparar­-se com uma noiva que não possuía condições para oferecer o dote, ele ajudou e ela teve condições de oficializar sua união. Daí por diante o Santo passou a ser conhecido por facilitar casamentos. São Pedro é conhecido como responsável pelas chuvas, porque há uma passagem bíblica no evangelho de Mateus que diz a Pedro que ele recebia a chave do reino dos céus, sendo assim, o que ligasse na terra seria ligado no céu e o que desligasse seria também no céu. “Então, criou­-se o costume de associar São Pedro, o guardião do céu, ao poder de enviar e cessar a chuva; há também quem brinque com o trocadilho afirmando que ele foi nomeado o primeiro ‘manda’ c­ huva da Igreja”, disse Aécio.


COMUNIDADE ESTUDANTES SOFREM COM ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA NO ROSA ELZE Vítimas de preços abusivos e em imóveis mal estruturados, assim como o ambiente ao qual o bairro se encontra.

JOSIANE MENDONÇA

JOSIANE MENDONÇA josiesaints@gmail.com

é necessário ainda tirar dinheiro do próprio bolso para fechar as contas. “É como se não ganhássemos o auxílio, pois só o valor pago pelo aluguel, numa casa que abrigue oito pessoas no Rosa Elze é, praticamente, quase todo o dinheiro repassado aos estudantes. E, para não pegar transporte coletivo, que é estressante e ocupa muito tempo, preferimos pagar por este conforto”, explica. Mas, também tem aqueles que tentam amenizar as dificuldades indo morar mais distante. A exemplo, a bolsista Josilange Vieira relata que ela, junto as outras residentes, optaram por morar em um condomínio no Eduardo Gomes e pagar por um preço mais barato. “Foi a forma que encontramos para economizar e não ter que precisar cobrir as despesas. Quanto a distância, quando dá venho de ônibus, mas na maioria das vezes chego na UFS aluguel no à pé mesmo”, disse.

A maior parte dos locatários são estudantes. Para concluírem a graduação, a maioria formam grupo de amigos para dividirem as despesas, alugando um imóvel que, de preferência, seja numa Morar de região que fique próximo a universidade. Assim, devido a localização ao qual se enRosa Elze, numa casa A estudante Marie Chaves divide alucontra, o bairro Rosa Elze é o mais proguel no Rosa Elze com mais quatro amicurado. O motivo maior pela opção é não com dois quartos, custa gas e conta que a casa onde moram ter que pegar ônibus diariamente, já que este em média 600 reais (no tem apenas quatro cômodos e que não é precário e o tempo gasto para se deslocar vale o preço cobrado. “Encontrei uma mínimo) e 60% não de um bairro para outro em Aracaju, muicasa maior e muito mais barata em outro tas vezes, chega a ser maior do que de um bairro, mas como passo o dia todo na UFS, estão satisfeitos município para a capital. Mas, os preços teria que pegar ônibus em horário de pico cobrados pelo aluguel dos imóveis chegam e no turno da noite, o que para mim acho a ser bem mais altos do que se comparado com outros bairros perigoso”, disse. Outro estudante, Lucas Dantas, conta que mais distantes. já morou num bairro mais distante e que, devido ao trânA maioria dos estudantes são dependentes dos pais, principalmente, os que estão iniciando no curso de graduação. Além do mais, eles têm outros gastos inclusos como água, luz, telefone, internet, alimentação, etc. E, mesmo em conjunto, a conta pesa no bolso de cada um. Como agravante, poucos conseguem auxílios oferecidos pela Pró­-Reitoria de Assuntos Estudantis (Proest), a exemplo da Bolsa Residência, no valor de R$ 900, que deve ser dividido entre oito alunos. Diante desse cenário, seja para os que não conseguem o auxílio ou não possuem condições de sustentar­-se, a saída acaba sendo desistir da graduação. Josy Albuquerque é uma das bolsistas. Ela e mais sete meninas dividem o benefício oferecido pela universidade. O valor da bolsa precisa ser dividido entre as principais despesas da casa, como aluguel, água, luz, botijão e produto de limpeza. Mas, ao final do mês,

sito, sempre chegava atrasado nas aulas. Ele e mais dois primos vieram do estado da Bahia e hoje dividem um kitnet no Rosa Elze. Ainda segundo Lucas, ao calcular o custo da passagem de ônibus mais o preço do aluguel cobrado em outros bairros, achou que pagaria, apenas, pouco menos e que não valeria tanto à pena, apesar de hoje estar morando numa casa bem mais pequena.

Consequentemente, a superlotação dos estudantes movimentam o comércio na localidade, o que não significa que o que encontram atendem a todas as suas necessidades, pois não há, sequer, uma rede de supermercados. Muitos também questionam da existência de um único banco. A praça, único ambiente onde se teria lazer, se encontra em condições de precariedade e tornou-se o lugar onde, ironicamente, todos têm medo de passar por perto devido vários fatores de criminalidade no local.

JOSIANE MENDONÇA

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grande especulação imobiliária no Rosa Elze, bairro localizado no município de São Cristóvão, cresce a cada ano como resultado da lei da oferta e da procura nesta localidade. Situado nas redondezas da Universidade Federal de Sergipe, é o primeiro lugar onde alunos, professores, técnicos ou servidores que frequentam a UFS vão em busca na hora de alugar um imóvel. Seja porque vieram de outros municípios de Sergipe ou mesmo de outros estados brasileiros, para estudar ou trabalhar. Com isso, os proprietários de imóveis veem a chance de conseguir grande lucro nos aluguéis e acabam por abusar dos preços.

Nessa página: imagens da Praça Armando Batalha, no Rosa Elze

JOSIANE MENDONÇA

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COMUNIDADE11 Em dados obtidos através de enquete realizada com os estudantes foi possível constatar que morar de aluguel no Rosa Elze, numa casa com dois quartos, custa uma média de 600 reais (no mínimo) e que 60% não estão satisfeitos, pois muitas das casas são mal estruturadas. Para 90% a vantagem em morar no bairro é a sua localização (próximo à UFS), sendo que 50% argumentou também da não necessidade em ter que utilizar transporte público (economizando tempo e dinheiro) e 20% por almoçar e jantar diariamente no restaurante universitário (Resun). Quanto a desvantagem, 40% criticou a violência no bairro (falta de segurança), 80% disseram que não há lazer; 40% reclamou da falta de supermercados (com mais variedades) e 20% dos preços dos produtos serem altos (nas mercearias), além de 40% falar da necessidade de outros bancos. E, quando questionados do porquê em não ir morar em outros bairros, 55% respondeu que a principal desvantagem seria a de ter que pegar ônibus diariamente e que, além de ser precário, causa stress no trânsito e a pessoa está mais vulnerável a atos de violência, como assaltos, etc.

Vantagens

Localização Evita ônibus Resun

Resultado das respostas dos estudantes sobre as vantagens de morar no Rosa Elze

Desvantagens Falta lazer Falta segurança Falta supermercado Falta bancos Utilizar ônibus Preços abusivos

SÁTHIA VITÓRIA saah.viick@yahoo.com.br TAINARA PAIXÃO paixao.tai14@gmail.com

Chega manso, sério e fumando o seu cigarro. Logo quando nos vê, abre um sorriso singelo, como quem já sabe que vai ser entrevistado... de novo. Mas não reclama e nos atende de bom grado. Ele sabe o quanto é difícil achá-­lo, principalmente durante o seu horário de trabalho. E põe difícil nisso. “Sou Pernambucano de Serra Talhada, terra de João Grilo!”, diz com orgulho o Chiquinho, como é conhecido o Francisco Assis Alves Farias, homem que simplesmente não pára. Trabalha exaustivamente de segunda à sexta em três expedientes diferentes. Sua copiadora dentro da UFS é movimentada, uma correria só. E o ritmo de trabalho não é diferente. Ele aperta o botão “copiar” cerca de vinte mil vezes por dia. É quase o Charlie Chaplin das cópias. É isso o que ele faz desde os 16 anos de idade, quando começou a trabalhar sendo o ajudante do dono da copiadora, o Brandão, e é esse o único sustento da sua família.

Celina de Jesus Santos, famosa cozinheira do bairro do Rosa Elze

A Celina de nunca, como sempre

Sua sobrinha, Daiane Farias de Santos, que trabalha com ele há seis anos na copiadora da UFS, o considera um homem ora sério, ora engraçado. “Ele tem seus dias”, diz ela, rindo. Ao descrever o movimento do local de trabalho dos dois, Daiane revela que os dias são quase iguais, sem muitas variações de acontecimentos ou situações bizarras, nada fora do padrão, sem regressão ou evolução de acontecimentos.

LUCAS MOURA mouralucas@live.com - Celina, cheguei! Eu anunciava em mais um dia.

Em seus 40 anos de vida, entretanto, Chiquinho já viu as máquinas de cópia evoluírem muito. “Antes eram manuais, não dava pra fazer frente e verso, e tinha que tirar uma cópia de cada vez”, diz ele. Mas a maior mudança que ele viu acontecer não foi no seu objeto de trabalho, e sim em sua vida pessoal: há três anos Chiquinho reencontrou seu pai. Os dois não se viam há vinte e cinco anos. Perderam contato e, mesmo tentando, não conseguiam se reencontrar. Até que, através de parentes e da Internet, ambos fizeram renascer o que antes estava morto: a relação entre pai e filho.

Com um sorriso que é próprio, ela recebeu-me: - Bom dia, meu filho! E logo foi perguntado: - O de sempre? Respondi também como sempre: - Exatamente o de sempre. Comi o cuscuz com leite e carne de sol que só ela sabe preparar. Cada vez me surpreendo mais com o mesmo prato de todos os dias. Mas nesse dia a surpresa seria dela.

Chiquinho, apesar de ser católico, não acha que a religião tenha influência no seu dia ­a ­dia, mas carrega em seu pescoço uma corrente com um crucifixo, seu amuleto, talvez sua conexão materializada com o divino, aquilo que não o fez perder as esperanças nesse reencontro. Ao falar do seu pai, em seu olhar transparece a gratidão de um homem que, conhecido por tantos alunos e professores, batalhador, cidadão do bem, é merecedor de tamanha vitória.

- Celina, hoje eu vou te entrevistar, disse eu. - Não. Não gosto de entrevista. Me peça outra coisa, mas isso não, respondeu. Insisti. Convenci. Tal como fazia com minha mãe quando era mais novo.

Agora, em seus tempos de folga – férias de final de ano – aproveita ao máximo com o seu pai e com toda a sua família em terras pernambucanas, para onde viajam sempre, desde que se reencontraram. Feliz e de volta ao local de trabalho, Chiquinho junta o que pode para, no fim do ano, recuperar um pouco do tempo perdido. Se há alguma coisa que ele faça mais do que tirar cópias? Agradecer. Sim, mais de vinte mil vezes por dia. A todo segundo, Chiquinho agradece pelos últimos três anos, os mais bem vividos da sua vida. DAYANNE CARVALHO

Resultado das respostas dos estudantes sobre as desvantagens de morar no Rosa Elze

Chiquinho: uma vida frente e verso

DAYANNE CARVALHO

Resultados da enquete

Satisfeitos

Sim Não

Resultado das respostas sobre a satistação dos estudantes em morar no Rosa Elze

Celina Maria de Jesus Santos teve uma vida difícil, nasceu em 21 de outubro de 1962 na cidade de Simão Dias, centro-sul do estado Sergipano. Cresceu. Como a maioria das pessoas que vivem da roça, começou a trabalhar muito cedo para ajudar sua família. Batalhou. Seus pais tiveram 19 filhos, sendo que de todos esses restam apenas 13, os outros seis faleceram justamente pela vida dura que eles enfrentaram naquela época. Temeu. No ano de 1985 viajou para Salvador. Arriscou. Encantou-se com a grande cidade grande e decidiu não mais voltar. Hoje vive muito bem Ficou. Casou-se e teve um filho. Apacom seu filho cuidanixonou. No entanto, do da alimentação no ano 2000, quando de dezenas de estuseu Júnior tinha cinco anos, decepcionada dantes que veem nela com o marido, deo cuidade que tanto cidiu retornar a Sergipe. Sofreu. Vivendo buscavam em sua em Aracaju, não teve alimentação vida fácil, aliás, nunca teve. Trabalhou duro. Criou. Em uma oportunidade imperativa abriu um trailer, no qual vendia lanches. Sonhou. A grande surpresa veio em 2003 quando conseguiu milagrosamente montar seu próprio restaurante. Prosperou. No entanto, como sempre, não seria tão fácil. Foi obrigada a fechar as portas por problemas de inquilinato. Chorou. Mas nem tudo estava perdido, a vida ainda lhe reservaria muitas surpresas. Levantou. Conseguiu abrir um pequeno restaurante para estudantes em frente à Universidade Federal de Sergipe. Acreditou. Hoje vive muito bem com seu filho cuidando da alimentação de dezenas de estudantes que veem nela o cuidado que tanto buscavam em sua alimentação. Venceu. - Celina, você é feliz?

“Em seu olhar, Chiquinho transparece a gratidão de um homem que é merecedor de tamanha vitória.”

- Graças a Deus, sou. Os alunos são a melhor clientela, tão lindos, tão jovens, tão educados... Amou.


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ESPECIAL BRASIL, PAÍS SEM ACESSIBILIDADE

Com quase um quarto da população com alguma necessidade especial, o Brasil ainda não tem um sistema de inclusão adequado

DANIELA BARBOSA danielabarbosareis@hotmail.com Arquivo Pessoal

CAMILLA ARAÚJO camillafuncaju@gmail.com

Henrique indo à escola

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enrique já tinha uma semana quando toda a família descobriu que ele tinha Síndrome de Down. A notícia foi dada num posto de saúde da pior maneira possível: a enfermeira perguntou à Jailda Melo, avó da criança, se o menino já havia sido batizado, devido às poucas chances de sobrevivência. Levado de volta à maternidade por causa de uma icterícia, doença na qual a pele do bebê fica amarelada durante os primeiros dias de vida, só então a médica pediu o exame cariótipo que comprovou a alteração genética.

deslocamento da espinha cervical e doenças sanguíneas. Mas, não foi o caso de Henrique, que depois de ter passado por todos os exames não teve nenhum problema diagnosticado.

Assim começou a luta de Henrique, com as dificuldades encontradas no Sistema Único de Saúde (SUS), ainda em seu primeiro mês de vida. Normalmente, assim que o bebê nasce ele deve passar por diversos exames pediátricos que detectam algumas doenças e dão indicações de que pode haver alguma anomalia genética. Esses exames podem indicar ainda nos primeiros dias de vida se a criança possui alguma deficiência, como a visual e a auditiva, ou alguma doença que se não for devidamente tratada pode trazer como consequências deficiências mentais, por exemplo.

Apesar dos avanços alcançados nos últimos anos, são relatos como estes que nos fazem perceber como é falho todo o sistema de amparo às pessoas com algum tipo de deficiência no Brasil. O que ocorreu com Henrique apenas demonstra o despreparo que ainda existe entre os profissionais brasileiros. Muitos pais continuam enfrentando dificuldades para identificar as possíveis deficiências de seus filhos. Além disso, depois de confirmadas, faltam espaços apropriados para os tratamentos necessários, infraestrutura adequada e profissionais qualificados. Em Sergipe, por exemplo, apenas em junho de 2015 o governador Jackson Barreto assinou a ordem de serviço do Centro Especializado em Reabilitação tipo I, novo modelo de unidade de saúde destinado a ampliar os serviços aos portadores de deficiência física, visual, auditiva e intelectual.

Ao realizar essa avaliação, o pediatra não observou as características presentes em Henrique e retardou o diagnóstico. Como o SUS não cobre os exames necessários, a família precisou arcar com todo o custo. A criança poderia ter sofrido algumas complicações que decorrem da Síndrome de Down, como problemas cardíacos e digestivos, anomalias intestinais, deficiências visuais e auditivas, disfunção de tireoide, infecções,

Para Jailda, o alívio com os resultados finais não diminui a revolta com o atendimento recebido no SUS. “Eu não tinha condições financeiras e precisei conseguir vários trabalhos extras para pagar todos os exames, já que eles eram caros e precisavam ser feitos com urgência. Mas, se não fosse pela icterícia, será que descobriríamos o problema de Henrique quando ele tivesse quanto tempo de vida?”, questiona.

Em novembro de 2011 o Governo Federal lançou o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Viver sem

Limite, visando implementar iniciativas e intensificar as ações então desenvolvidas em benefício da pessoa com deficiência. A partir de então, surgiram novos Projetos de Lei e Portarias, intensificou-se o acompanhamento dos indicadores na área e criaram-se diversas cartilhas de orientação para os setores da sociedade lidarem de forma apropriada com os deficientes. Na área da saúde, foram implantados dois novos exames no teste do pezinho, para garantir que doenças genéticas sejam identificadas e comecem a ser tratadas o mais cedo possível, evitando sequelas futuras. Além disso, a rede de reabilitação do SUS foi ampliada de forma a atender todos os estados da Federação, aumentando o financiamento para construção e reforma de Centros de Especialidades Odontológicas, além da aquisição e adaptação de veículos para transporte das pessoas com deficiência aos serviços de saúde. O ano de 2011 também registrou mais um avanço para quem tem deficiência auditiva. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) publicou uma resolução determinando a cobertura do implante coclear pelos planos de saúde. Também conhecido como ouvido biônico, o aparelho é considerado uma das maiores conquistas da engenharia ligada à Medicina e substitui totalmente o ouvido de pessoas com surdez total ou parcial. Quanto mais nova é a pessoa que realiza o implante coclear, maiores são as chances de ouvir com perfeição. EDUCAÇÃO INCLUSIVA? A Constituição Federal afirma no artigo 205 que a educa-


EDUARDO FERREIRA

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Passarela de pedestres, localizada na Avenida Tancredo Neves, é composta por rampas que possibilitam o acesso aos cadeirantes

Quando mãe e avó começaram a buscar uma escola para Henrique, perceberam que matriculá-lo não seria tão simples quanto a lei determinava. Apesar de não negar explicitamente a vaga, algumas escolas particulares não queriam recebê-lo. “Eles me diziam que podiam até realizar a matrícula, mas que a escola não tinha condições de receber meu filho e ajudar de verdade no desenvolvimento dele. Eu ouvia que a estrutura física não estava adaptada e os professores não tinham condições de dar o acompanhamento que Henrique precisa. Só quando recorri a uma escola um pouco menor, consegui matricular meu filho”, explica Luana Araújo, mãe da criança.

para cada tipo de necessidade especial. Esses locais oferecem um serviço contínuo de acolhida, apoio e acompanhamento profissional às essas pessoas e às suas famílias,com o objetivo de fortalecer os vínculos familiares e sociais e ajudar no alcance da autonomia e da independência. Outro problema enfrentado no âmbito da educação é a falta de capacitação adequada dos profissionais que trabalham com alunos com alguma deficiência. Em Sergipe, praticamente só há cursos direcionados à especialização na área de Libras. Gabriela conta que a escolha pela pós graduação cursada aconteceu por falta de opções. “Na faculdade as matérias ofertadas se aprofundaram mais na deficiência auditiva e em como cuidar de pessoas com deficiência motora ou dificuldade de aprendizado. As demais dificuldades foram

pouco aprofundadas. Eu estagiei com deficientes visuais e surgiu a vontade de me especializar no assunto. Pesquisei todas as faculdades sergipanas e na época nenhuma tinha nada em Pedagogia voltado em deficiência visual. Na verdade, elas só tinham em Libras, então me matriculei e estou cursando”, reclama. Ela explica ainda que os aprendizados na área vieram da prática no estágio e em cursos ofertados esporadicamente. “Fiz um curso com Lucas Aribé sobre o Soroban e como usálo para ensinar matemática aos deficientes visuais. Algumas operações são fáceis, mas outras mostraram-se complicadas e precisavam ser mais aprofundadas. Faltam mais cursos que nos ensinem a trabalhar com esse público da forma correta”, conclui. EDUARDO FERREIRA

ção é direito de todos. Qualquer escola seja ela pública ou particular, que negar a matrícula de um aluno com deficiência comete crime punível com a reclusão de um a quatro anos para a pessoa que recusou o direito. Ainda assim, essa não é a realidade das famílias que desejam matricular crianças e adolescentes deficientes em muitas escolas, principalmente particulares.

A pedagoga Gabriela Barbosa lembra que tanto as escolas públicas quanto as particulares ainda precisam de muitas melhorias para receber o deficiente. Para ela, alguns pais se deparam com condições melhores nas instituições administradas pelo governo porque elas precisaram realizar concurso público para cuidador e as crianças acabam recebendo um acompanhamento mais efetivo. “Além disso, foram feitos investimentos financeiros através do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) para a adaptação dos prédios com rampas, plataformas elevatórias, banheiro para deficientes e as demais mudanças necessárias; enquanto isso, muitos dos donos de estabelecimentos particulares ainda não estão dispostos a investir tanto dinheiro nas adaptações físicas, nem no salário de outro profissional que acompanhe a criança em sala de aula”, explica. Já a pedagoga Camilla Silva explica que as dificuldades que um aluno deficiente pode encontrar depois de matriculado variam consideravelmente de acordo com a pessoa e com a estrutura encontrada na escola. Segundo ela, o processo de aprendizagem pode se tornar mais simples ou complexo a depender da deficiência apresentada, do grau que o indivíduo possui dentro da mesma, das adaptações existentes nas escolas e dos profissionais existentes nela. “Em minhas pesquisas realizadas em uma escola da rede estadual e escolas da prefeitura de Aracaju, foi possível encontrar realidades diferentes. Em deternimada escola, a dificuldade apresentada por crianças cegas encontrava-se na falta de um profissional especializado na área de deficiência visual, considerando que nas salas de recursos existia apenas uma professora para atender a todas às crianças, independente da sua deficiência”, reclama Camilla. A profissional ressalta ainda alguns pontos que podem atrapalhar o pleno desenvolvimento educacional dos deficientes. “Assim como qualquer outra criança e adolescente, quem possui alguma deficiência, seja ela física ou mental, possui suas individualidades e limitações próprias. A falta do material pedagógico apropriado para cada deficiência e a quantidade de alunos atendidos na sala de aula às vezes impossibilita o atendimento considerado ‘ideal’ por parte do professor. No entanto, é preciso ressaltar que isso não serve como desculpa para negar a educação ao deficiente e a fazer tudo o que for necessário para que o mesmo acompanhe a turma”, ressalta Camilla. Independente de matriculado em escola pública ou particular, o deficiente que necessitar de ajuda pode ser assistido por centros e instituições que oferecem atenção especializada

Indicação de uma vaga para deficiente físico, localizada no Centro de Aracaju

Mercado de trabalho e Infraestrutura Em 24 de julho de 1991, o Brasil aprovou a Lei 8.213, popularmente conhecida como Lei de Cotas. Ela define que as empresas privadas que possuem entre 100 e 200 funcionários reservem 2% de suas vagas para pessoas com deficiência. Se houver entre 201 e 500 funcionários a reserva deve ser de 3%. Entre 501 e 1000 funcionários, 4%, enquanto empresas com mais de 1001 funcionários devem destinar 5% das suas vagas para deficientes. A empresa que desrespeita a Lei de Cotas pode pagar uma multa que varia entre R$ 1.617,12 e R$ 161.710,08. No entanto, encontrar emprego nem sempre é tão simples. Guilherme dos Santos, que tem deficiência motora , é formado em Publicidade e Propaganda e, apesar do bom desempenho enquanto universitário não consegue trabalhar em Aracaju. “Os locais estão prontos para me receber enquanto

cliente, mas para trabalhar nenhum possui a estrutura necessária, infelizmente”, lamenta. Para garantir a preparação adequada aos profissionais deficientes, além da reserva de vagas nas universidades federais e no Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, o Pronatec, o Viver sem Limites destinou uma verba para que universidades, institutos federais e escolas adequassem suas estruturas às necessidades dos deficientes. A Universidade Federal de Sergipe (UFS) foi uma das instituições que passaram por uma reforma física para receber os alunos com deficiência. As mudanças mostraram-se mais urgentes com o ingresso mais frequente de deficientes através do sistema de cotas, que prevê a reserva de vagas para quem tem necessidades especiais em todos os cursos. Dentre as mudanças estruturais, foram instaladas plataformas elevatórias,


UFS

EDUARDO FERREIRA

ESPECIAL

Por lei, cadeirantes têm prioridade garantida no atendimento em consultórios médicos, bancos e órgãos públicos, dentre outros serviços ao cidadão rampas de travessia e piso tátil. A didática VI passou a contar com uma sala de apoio e a biblioteca com uma sala específica contendo material audiodescritivo e em Braille. No caso do Ensino Superior, a maior parte das faculdades e universidades sergipanas já fez as devidas adaptações e conseguem atender às pessoas com necessidades especiais. Foi o caso de Guilherme, que se formou por uma das maiores universidades particulares de Sergipe, um local com elevadores, rampas de acesso e outras adaptações, como livros em Braille e piso tátil, dentre outras adaptações. Ele considera ter recebido o acompanhamento necessário para concluir seu curso com êxito. “Minha vida acadêmica foi tranquila. Era fácil ver que a universidade se importava muito com minhas necessidades, sempre me apoiando e fazendo o necessário para que eu pudesse estudar como qualquer um”, comemora. O vereador Lucas Aribé, primeiro parlamentar sergipano com deficiência visual, explica que a grande maioria dos estabelecimentos particulares de todos os ramos, não só da educação, já passaram pelas adaptações estruturais necessárias para atender aos deficientes, já que existe uma fiscalização nesse sentido. “Essa fiscalização não acontece com ênfase nos órgãos públicos, o que abre espaço para duas situações. A primeira é que há órgãos públicos que passaram por reformas, mas elas não estão de acordo com o que a Lei determina, nem com o que os deficientes necessitam, e sem a fiscalização isso não é notado. A segunda é que a aprovação da estrutura física de uma instituição particular não garante que a mesma também vai oferecer uma estrutura com profissionais qualificados”, conta.

pude notar foi que ninguém nunca tinha pensado em como receber uma pessoa com deficiência. Era impossível que eu participasse da votação, já que o material disponibilizado era impresso. Atendendo ao meu pedido, o presidente da Câmara suspendeu a votação e tive tempo para poder conceder um voto consciente”, comenta. Por mais que tenham ocorrido avanços nos últimos anos, o Brasil ainda está longe de ser um lugar acessível. De acordo com o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 23% da população do país tem algum tipo de deficiência. Ainda assim, só em 2015 foi criada na Câmara dos Deputados uma Comissão Técnica de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, mostrando que apenas agora percebeu-se a necessidade de discutir o tema mais profundamente. Nota-se também que a maior inserção do tema só ocorreu após a eleição de parlamentares com algum tipo de necessidade especial.

Lei da Inclusão é aprovada Recentemente o Senado aprovou a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que garante diversos direitos as essas pessoas. Algumas dessas garantias são: as instituições privadas não podem cobrar nenhum valor a mais e são obrigadas reservarem 10% das vagas dos processos seletivos; Os teatros, cinemas, auditórios e estádios passam a ser obrigados a reservar espaços e assentos adaptados; Os hotéis deverão oferecer uma cota de 10% de dormitórios acessíveis; na saúde, proíbe os planos de praticarem qualquer tipo de discriminação à pessoa em razão de sua deficiência, entre outras. EDUARDO FERREIRA

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ARACAJU A cidade que leva o título de “melhor qualidade de vida do país”, não atende a preceitos básicos de acessibilidade na maior parte de sua estrutura. As pessoas que têm alguma deficiência encontram problemas ao andar nas ruas da cidade, quando usam o transporte público, utilizam a saúde, a educação ou tentam se inserir no mercado de trabalho. O poder público muitas vezes se ausenta em fazer sua parte, não colocando em prática leis que vigoram na cidade. Na capital sergipana existem mais de 40 leis direcionadas a pessoas com algum tipo de deficiência, é o que relata o vereador Lucas Aribé, primeiro parlamentar sergipano com deficiência visual. Eleito em 2012, com mais de 4.300 votos, Lucas é graduado em Jornalismo, já jogou basquete e dominó, toca teclado, violão, flauta e sanfona. Um exemplo de superação que vem quebrando paradigmas e trazendo para as sessões da Câmara Municipal de Aracaju o debate sobre o assunto. A própria Câmara foi o primeiro lugar onde Lucas começou a estimular mudanças. “No primeiro dia de sessão o que eu

Passarela de pedestres é outra garantia ao cidadão


UFS15 PESQUISA REVELA QUE REDES SOCIAIS FORTALECEM LAÇOS DE AMIZADE Tese de Doutorado mostra que redes sociais fortalecem a comunicação e a relação interpessoal, resultando em verdadeiros laços de amizade

ELIENAI DE JESUS elienaidejesus@gmail.com

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ser humano sempre teve a necessidade de se comunicar e expor aos demais o seu pensamento. Com o advento das redes sociais as distâncias geográficas entre pessoas foram estreitadas, e o mundo virtual possibilitou também o relacionamento entre pessoas até então desconhecidas. No que diz respeito aos relacionamentos virtuais, há um senso comum negativo entre as pessoas sobre esse tipo de comunicação. Pesquisas científicas já apontaram que a internet pode levar as pessoas até à depressão e ao isolamento. O estudante de Direito Gabriel Cruz, 19, acredita no potencial das redes sociais e contrapõe o estereótipo do isolamento social que pode ser causado pelas redes. “Assim, como há séculos, filósofos interagiam por meio de cartas, hoje em dia possuímos a internet. Acho que não podemos simplesmente discriminá-la como algo negativo, isso varia muito com o uso que cada um faz”, defende. Ele conta que possui cerca de 10 amigos virtuais que nunca conheceu pessoalmente, mas que mantêm contato com alguns deles há mais de dois anos. “Conversamos sobre tudo. Mas varia de onde os encontrei. Não conheço por acaso. São pessoas com algo em comum. Blogueiros, descritores e agora estudantes de direito”, explica. O estudante relata também como se dá os seus relacionamentos virtuais e justifica o modo como utiliza as redes sociais. “Há anos venho conhecendo pessoas em redes sociais. Algumas duraram até hoje, outras não duraram meses. A internet possibilita encontrar pessoas que compartilham gostos e experiências semelhantes aos seus, isso ajuda na construção de laços pessoais”, diz. A professora do Departamento de Psicologia (DPS) da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Lívia Gomes também expõe sua opinião sobre o assunto. Segundo ela, apesar dos ar-

gumentos extremistas que aparecem na literatura, orientados pelo temor do isolamento social e de uma sociedade constituída de laços frágeis e descomprometidos, pesquisas empíricas demonstram que esse temor é inapropriado. “Na pesquisa sobre as implicações das amizades virtuais nas formas de sociabilidade contemporâneas, os resultados apontam para o fato que as relações de amizades estabelecidas na internet estão longe do caráter fútil e de desengajamento supostos por um certo consenso da opinião pública. Inúmeras são as histórias de amizades ou namoros que se formaram a partir de uma comunidade digital, de encontros em salas de bate-papo, de predileções que se encaixam, de vidas que se cruzam. A suposta vilã dos laços afetivos e duradouros parece ter se consolidado como mais um veículo para trocas de conhecimentos, diálogos e experiências”, argumenta. Lívia Gomes resolveu estudar o assunto de forma mais aprofundada. Ela é autora da tese de doutorado intitulada “Implicações políticas das relações de amizades mediadas pela internet”, defendida no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), além de outras pesquisas sobre o assunto. Segundo Gomes, suas pesquisas mostram que o avanço das redes sociais, a exemplo do Twitter e Facebook, serve para fortalecer a comunicação e as relações entre as pessoas. “A minha tese de doutorado investigou a experimentação política da amizade na internet. A autenticidade dos afetos nas relações mediadas pela rede revelada pelas narrativas, mostra uma nova maneira de estar junto na qual os sujeitos são mutuamente afetados pelas trocas simbólicas que se dão no registro discursivo das conversas online”, explica. A professora relata que a pesquisa foi constituída como objeto de estudo etnográfico, as narrativas, sob a forma da pala-

vra escrita, referentes às relações de amizades mediadas pela internet, ou apenas iniciadas através dela. De acordo com ela, as narrativas foram obtidas através de entrevistas realizadas online. “Foram entrevistadas 14 pessoas de diferentes cidades do Brasil, com faixa etária maior que 24 anos”, conta. AMIZADE VIRTUAL X AMIZADE PRESENCIAL Lívia afirma que não gosta de utilizar a expressão “amizade virtual”, pois segundo ela o senso comum tende a fazer oposição entre o virtual e o real, sendo assim ela denomina as relações como relações mediadas pela internet. “A autenticidade dos afetos nas relações mediadas pela internet revela uma nova maneira de estar junto na qual os sujeitos são mutuamente afetados pelas trocas simbólicas que se dão no registro discursivo das conversas online”, justifica. A professora também explica que apesar da nova possibilidade de contato através das redes sociais, os relacionamentos presenciais continuam tendo sua importância. “Pesquisas atuais têm demonstrado os aspectos positivos dos relacionamentos mediados pela internet, revelando inclusive, que estes tendem a complementar os relacionamentos reais e não a substituí-los. As pesquisas apontam também que as relações virtuais podem ser solidárias e intensas, configurando a formação de fortes laços de amizade e até mesmo de casamentos reais”, esclarece. Já Gabriel, conserva os relacionamentos online, mas também não deixa de lado as amizades presenciais. “O problema encontra-se na dificuldade que algumas pessoas possuem para administrar a vida virtual e real. Nada impede que uma amizade seja legitimada no meio digital, mas o contato pessoal também é muito importante”, finaliza.

SAIBA MAIS SOBRE AS PRINCIPAIS REDES SOCIAIS Facebook: criado em 2004 é uma rede social que permite o compartilhamento de vídeos, fotos, textos e áudio além de permitir a formação de grupos de interesse e páginas com finalidades comerciais e de lazer. Em 2013 tornou-se a rede social mais utilizada no Brasil. Twitter: serviço de microblogging que permite o compartilhamento de textos e links de até 140 caracteres, atualmente já dispõe do serviço de compartilhamento

de vídeos, fotos e conversas online através da webcam. Instagram: é um aplicativo e uma rede social simultaneamente, através do aplicativo, o usuário pode tirar fotos e aplicar diversos efeitos para depois, caso queira, publicá-las em diversas redes sociais incluindo o próprio instagram que possui uma interface muito dinâmica e agradável. O aplicativo está disponível para a maioria dos sistemas operacionais portáteis como, por exemplo, android e o IOS. Fonte: Portal Educação


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SAÚDE

MÉTODO CANGURU AJUDA A TRATAR BEBÊS DE BAIXO PESO

A estratégia é diminuir a tempo que o recém-nascido fica na incubadora e incentivar a alimentação MAÍRA SILVEIRA exclusiva de leite materno.

Segundo o médico neonatologista da Maternidade Nossa Senhora de Lourdes, Dr. Paulo Menezes, o método tem um papel importante para assegurar a saúde do bebê de baixo peso. “Só traz benefícios para o recém-nascido. O útero é um ambiente quente e aconchegante, só que ele nasceu antes do tempo, então é preciso criar um meio parecido com o intrauterino. O calor do corpo da mãe fornece controle térmico para o bebê”, assegura. Além disso, de acordo com o coordenador, o método oferece segurança à mãe do bebê prematuro, permitindo o envolvimento desta nos cuidados do recém-nascido com orientação da equipe de saúde. Esse acompanhamento oferece maior segurança para o cuidado posterior, depois que ambos recebem alta. Para Priscila Lima, o Método Canguru foi importante para a recuperação do seu bebê, que passou por todas as etapas e já recebeu alta. “Se o bebê nasce normal, a gente sabe cuidar, mas quando ele é prematuro existe um jeito especial de dar leite e banho. Então é necessário todo um cuidado da equipe junto às mães que estão internadas na ala do Método Canguru”, diz.

O Método Canguru é composto por três importantes etapas. A primeira etapa começa a partir do momento em que os bebês nascem e passam por um período de internação na Unidade de Terapia Intensiva neonatal (UTIn) ou na Unidade de Cuidados Intermediários Convencionais (UCINCo), onde ficam nas incubadoras e possuem todo o suporte de oxigênio. Quando o quadro desses bebês é estabilizado, eles são transferidos para a Ala Verde, onde começa a segunda etapa. Nessa etapa o bebê deve ter entre 1,250kg e 1,8kg. É na segunda etapa que o vínculo entre família e criança e o incentivo à alimentação pelo leite materno são desenvolvidos junto à equipe de saúde.

De acordo com Dr. Paulo, muitas mães chegam à maternidade direcionadas a alimentar os bebês através de mamadeiras e leite artificial. “É preciso desconstruir esse pensamento e mostrar a importância do aleitamento materno. Esse leite não é só importante em termos de dieta, mas também para o desenvolvimento facial no que se refere à deglutição e à flexibilidade na articulação das estruturas que participam da fala”, explica o neonatologista. Além disso, o leite materno tem a vantagem de ser digerido mais facilmente pelos recém-nascidos. Maíra Silveira

O ‘Mãe Canguru’ existe desde 1999 e já foi aplicado em mais de 500 hospitais de todo o Brasil, através de uma norma criada pelo Ministério da Saúde. A técnica utilizada tem como princípio a diminuição do tempo de separação entre a mãe e o recém-nascido. Para isso o bebê é colocado no colo da mãe na posição canguru (posição vertical junto ao tórax), o que proporciona o contato entre as peles, estimulando o vínculo entre mãe e filho.

Etapas

A terceira etapa consiste em uma continuidade do método feita a partir de um ângulo mais externo. O bebê e a família vão para casa, mas a cada 48 horas retornam à maternidade para verificar o ganho de peso, os cuidados com amamentação e também as condições sociais em que essas famílias estão vivendo. “Quando as famílias estão aqui elas têm toda uma equipe responsável por dar o suporte necessário. Em casa é somente a família e o bebê. Por isso, às vezes eles tendem a ficar inseguros e esse retorno acaba dando maior segurança, tanto pra nós quanto pra eles”, observa Dr. Paulo. Dificuldades Outro importante objetivo do Método Canguru é estimular a alimentação do bebê através do leite materno, que é considerado o alimento mais completo, pois contém todos os nutrientes necessários para garantir o crescimento saudável de uma criança. Essa é uma das maiores dificuldades enfrentadas pela equipe de saúde da Maternidade Nossa Senhora de Lourdes. Hugo Fernandes

O

Método Mãe Canguru é um modelo de assistência perinatal voltado para o cuidado humanizado de bebês prematuros. Desenvolvido há dez anos em Sergipe, primeiramente na Maternidade Hildete Falcão e depois na Maternidade Nossa Senhora de Lourdes, esse método valoriza a presença e a participação da mãe e da família no processo de tratamento de bebês que nascem com baixo peso.

email: mairasilveira_@hotmail.com


Treinamento de casais para parto

SAÚDE17

Ensaio fotográfico mostra usuários da Casa Casulo, situada no loteamento Aquarius Aruana, em Aracaju, utilizando o espaço terapêutico e educativo que oferece palestras, pscicoterapia, yoga e cuidados com a gestação.

Saiba mais sobre parto humanizado e sobre a Casa Casulo na edião 46 do Contexto. As fotos são de Miguel Carlos.


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CULTURA

DIVINA RENDA: ARTE QUE ENCANTA O POVO Artesanato gera renda para mulheres do município de Divina Pastora e encanta os turistas por sua beleza e perfeição

RODRIGO MACEDO

POR WILMARQUES SANTOS wilmarques.santos@hotmail.com de artesãs aprendesse a trabalhar coletivamente para poder aumentar a renda da família. Desde 2006, a associação conta com uma sede própria, que fica no centro do município. Lá existe um espaço para as artesãs produzirem e uma sala onde estão os produtos para comercialização. Fazem parte da associação 60 artesãs, de diferentes idades. A quantidade de artesãs envolvidas com a associação faz com que elas consigam produzir em grandes volumes, sendo capazes de atender grandes pedidos. O surgimento da ASDEREN consolidou a produção de renda irlandesa em Divina Pastora. A arte incorporou-se à cultura das mulheres do município e a associação tem um importante papel na organização da produção da renda irlandesa. Maria Izabel Santos, 44 anos, aprendeu cedo a arte da renda irlandesa. Desde os 12 produz peças, orientadas por uma rendeira mais experiente e continuou fazendo cursos de aperfeiçoamento. Ela explica que com o surgimento da ASDEREN, as encomendas de peças de renda irlandesa aumentaram significativamente, estimulando o interesse de outras mulheres que são rendeiras independentes da ASDEREN e comercializam suas obras em seus domicílios. “Eu gosto de fazer renda, costuro porque me realizo, tenho o maior prazer de tecer as peças de renda, de expor dentro e fora da cidade. Gosto de participar sempre dos eventos que a associação é convidada. Tenho orgulho de ser rendeira!”, relata.

renda irlandesa é uma arte que surgiu na Itália em torno dos séculos XVI e XVII. A renda consagrou-se como “irlandesa” pelo fato de missionárias italianas levarem a renda da Itália para a Irlanda e lá desenvolveram a nova técnica. Em Sergipe, a produção de peças em renda irlandesa concentra-se nos municípios de Divina Pastora e Laranjeiras. Ambas as cidades tiveram sua produção de renda tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como patrimônio cultural e imaterial nacional. Atualmente há diversos pólos produtores nesse ramo, a exemplo das cidades de Rosário do Catete, Riachuelo, Santa Rosa de Lima, São Cristóvão e Aracaju. A Renda Irlandesa é uma das modalidades de renda de agulha, sendo esse o instrumento básico com a qual as mãos hábeis e criativas das artesãs transformam cordões e fios de linha em verdadeiras obras de arte e fazem destas um complemento de renda para as suas famílias. O pano em branco adquire nas mãos das rendeiras os mais belos desenhos contornados por elas.

Era época de Natal, minha família era pobre, vendi a peça por 12 mil réis e comprei um vestido e um chinelo para mim, chorei de alegria”, diz emocionada. Em 1998, a Rede Artesanato Solidário (ArteSol) começou a trabalhar em Divina Pastora com um grupo informal de mulheres que faziam a renda irlandesa. O projeto realizou pesquisas para levantar dados e informações sobre os pontos, os desenhos e as técnicas relacionadas à renda. A partir daí, iniciou-se uma fase para o aprimoramento, quando as artesãs passaram a utilizar o linho (tipo de tecido) para aplicar a renda, ampliando a variedade de produtos. O grupo se consolidou em 2000, com a criação da Associação para o Desenvolvimento da Renda Irlandesa (ASDEREN). O projeto também contribuiu para que o grupo

Atualmente, cerca de 180 mulheres produzem a Renda Irlandesa no município. Estima-se que cerca de 80% da população feminina da cidade esteja de alguma forma envolvida com a atividade, que gera renda e desenvolvimento para as famílias do município. WILMARQUES SANTOS

A

Asdern, marca criada para as produtoras, e a rendeira Izabel Santos, uma das principais artesãs

Em 2007, diante da unicidade do artesanato, o município solicitou ao IPHAN o registro do modo de fazer da renda irlandesa como Patrimônio Imaterial Cultural do Brasil. O título foi homologado em 2008. Em 2013, as peças elaboradas pelas artesãs passaram a ser comercializadas com o Selo de Indicação Geográfica (IG) do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), um certificado que garante a procedência e qualidade dos produtos, além de agregar valor e credibilidade ao artesanato. O Selo foi conseguido pela ASDEREN com o apoio do SEBRAE, sendo a primeira Indicação Geográfica concedida a um tipo de renda no país.

O município de Divina Pastora, localizado a 39 km da capital Aracaju, é o maior pólo de produção de renda irlandesa no estado. A arte foi trazida por freiras da Itália que tiveram estadia no Convento do município e ensinaram duas senhoras de família tradicional a produção de renda, que por sua vez passaram o saber fazer de geração para geração. Lourdes Costa, 83 anos, é descendente da família que disseminou a arte da renda no município. Ela conta que aprendeu a produzir peças de renda irlandesa aos 12 anos de idade e que esta sempre foi fonte de renda de sua família. “A renda irlandesa teve muita importância em minha vida, porque foi fonte de renda da minha família desde que eu tinha 12 anos de idade”, relata. Ela relembra com alegria de quando vendeu a sua primeira peça de renda irlandesa aos 15 anos. “Foi uma felicidade muito grande.

O QUE É PATRIMÔNIO IMATERIAL Segundo o artigo 216 da Constituição Federal, podem ser considerados como patrimônio “as formas de expressão; os modos de criar; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; além de conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.” No Brasil, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) é responsável por promover e coordenar o processo de preservação e valorização do

Patrimônio Cultural Brasileiro, em suas dimensões material e imaterial. Os bens culturais imateriais estão relacionados aos saberes, às habilidades, às crenças, às práticas, ao modo de ser das pessoas. Desta forma podem ser considerados bens imateriais: conhecimentos enraizados no cotidiano das comunidades; manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas; rituais e festas que marcam a vivência coletiva da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social; além de mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e se reproduzem práticas culturais.

Peças de renda irlandesa comuns de se ver em Divina Pastora O QUE É O SELO DE INDICAÇÃO GEOGRÁFICA Nos mercados nacionais e internacionais, muitos produtos são caracterizados não apenas pela marca que ostentam, mas também pela indicação da sua verdadeira origem geográfica. Essa indicação lhes atribui certa reputação, valor intrínseco e identidade própria que os distinguem dos demais produtos de igual natureza disponíveis no mercado. O termo “indicação geográfica” foi se firmando quando produtores, comerciantes e consumidores começaram a identificar que alguns produtos de determinados lugares apresentavam qualidades particulares, atribuíveis à sua origem geográfica, e começaram a denominá-los com o nome geográfico que indicava sua procedência. Os produtos que apresentam uma qualidade única, explorando as caracte-

rísticas naturais, tais como geográficas (solo, vegetação), meteorológicas (clima) e humanas (cultivo, tratamento, manufatura), e que indicam de onde são provenientes são bens que possuem um certificado de qualidade atestando sua origem e garantindo o controle rígido de sua qualidade. Modalidades Indicação de procedência: nome geográfico (país, cidade, região ou localidade) reconhecido pela produção, fabricação ou extração de determinado produto ou serviço. Denominação de origem: nome geográfico que identifica produto ou serviço dotado de características devidas, exclusivamente, ao meio geográfico (fatores naturais e humanos).


CULTURA19 INTERATIVIDADE E MUSEUS: UMA RELAÇÃO EM CONSTRUÇÃO EM SERGIPE Museu da Gente Sergipana é o único que explora a tecnologia para promover a interatividade

Mas, o que é um museu? E, qual o conceito de interatividade que se aplica numa perspectiva de utilização da tecnologia em museus. Segundo o International Council of Museums (ICOM, 2001), museu é “uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público e que adquire, conserva, investiga, difunde e expõe os testemunhos materiais do homem e de seu entorno, para educação e deleite da sociedade”. Porém, há outras vertentes teóricas que defendem que os museus nasceram do hábito humano, ainda bastante presente, de colecionar objetos; hábito este, que faz com que o homem além de colecionar, ainda dê valor, afetivo, material, ou ainda cultural, às suas coisas. Todos esses fatores comprovam a necessidade de preservação desses objetos ao longo do tempo. Já em relação ao conceito de interatividade, como o próprio nome já diz, o termo se refere a qualquer atividade que envolva interação por parte de uma ou mais pessoas. Os indivíduos interagem entre si ou com qualquer ferramenta tecnológica, então o termo está muito mais associado a essas interações entre as pessoas e as tecnologias. A esses avanços tecnológicos que permitem ao indivíduo interagir. Unindo os dois conceitos, museu e interatividade, temos a formação de um novo conceito: museu interativo. Segundo o artigo “Museus Interativos: uma alternativa para a educação no século XXI”, de Lauren Prestes Lima e Cláudio Jorge Guimarães, “a interatividade é um ato de interação entre pessoapessoa, pessoa-objeto, é a relação entre dois ou mais. Vendo pelo prisma dos museus, a interatividade esta relacionada a essa relação pessoa-objeto, o poder tocar, sentir, experimentar, ver de outra forma. Com todas essas mudanças tecnológicas que surgem a todo tempo no mundo, pode-se dizer que já somos dependentes da interatividade. A interatividade realizada nos museus se dá pelo fato de que as pessoas não só veem as exposições, mas de alguma maneira são instigadas a experimentar outras sensações além do visual. Esta análise se faz interessante pelo fato de que, na atualidade, há uma variedade de recursos utilizados. Museus interativos apresentam características distintas dos museus convencionais. A interatividade permite que os visitantes possam experienciar, sentir, provar, aprender mais com o acervo, exposição”. Um museu interativo permite ao visitante ser ator e espectador ao mesmo tempo. Essa experiência possibilita construir um roteiro e um tempo próprio em sua viagem dentro de visitação. O visitante ganha independência e autonomia, à medida que circula pelo museu, interagindo com o acervo do local, com o olhar voltado para o passado, presente e futuro, e ainda sentindo-se à vontade no meio de toda essa interatividade. Museus desse tipo, por serem bastante interativos, representam um novo conceito de entretenimento, aproximando o público dos diferentes ramos da ciência, bem como dos problemas da sociedade, participando de forma totalmente criativa e intensa. “É necessário criar estratégias para que o museu se torne uma instituição acessível e atraente, com coisas novas, pois isso mobiliza a população local”, defende o historiador Fernando Aguiar. Já Marina de Castro, estudante do curso de Museologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS), posiciona-se, da seguinte maneira, em relação à vantagem de um museu interativo: “Ser interativo, é o principal fator que o diferencia dos outros, dando a possibilidade de tocar nas coisas”. Atendendo a todos esses requisitos de interatividade, em Aracaju, o Museu da Gente Sergipana, é um museu que descarta conceitos ultrapassados, de que funciona apenas para guardar “velharias” e são quase arqueológicos. O museu é o mais interativo de todo o Nordeste, inspirado nos museus interati-

Dentre as atrações deste museu, há uma midiateca (uma mistura de biblioteca com computadores e fones de ouvido), a feira do Josevende, “nossos leitos” (o passeio de barco) e “nossos trajes” (o boneco virtual vestido com roupas da terra, que se movimenta de acordo aos nossos movimentos).

DEYSE TUANE

vos do mundo. No entanto, ele é apenas a semente de algo que deveria ser mais e mais disseminado dentro do estado.

Questionado sobre um museu diferente, cercado de tecnologias, e da possibilidade de tocar nas peças interagindo com o acervo do museu, o jornalista Thiago Morandi, turista de Minas Gerais, conta sobre a sua experiência: “Eu vim muito atraído porque quando eu li a respeito do museu, dizia que foi um dos mesmos criadores do Museu da Imagem do Som, de São Paulo. E a proposta justamente é essa, interação com o público: som, movimento, toque; e isso é muito bacana, porque mineiro gosta de ver com as mãos, então a gente fica muito curioso em tocar, em sentir, ter essa sensação”. Um museu é uma instituição voltada para a comunidade a qual pertence e, sendo assim, deve atender às suas necessidades. No entanto, é possível encontrar um problema considerável no Museu da Gente Sergipana: a falta de um espaço para receber exposições de outros Estados, ficando o museu restrito às coisas da nossa terra. Isso por um lado é bom, porque permite à comunidade conhecer um pouco mais da própria história e faz com que os costumes e tradições não se percam na modernidade atual, mas por outro lado, deixa evidente a falta de informações e de contato, com outros tipos de cultura e conhecimento, que poderiam ser transmitidos e adquiridos com exposições de fora do estado. A respeito dessa afirmação, a jornalista, Suyene Correia, tem uma opinião bastante formada: “Eu acho que o Museu da Gente poderia ampliar o escopo, no sentido de realizar um intercâmbio com outros museus, trazer exposições de fora pra cá. Existe um espaço para exposições temporárias, que poderia ser utilizado para isso. Eu acho que você tem que dialogar com DEYSE TUANE

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lista dos museus mais interativos do mundo abrange uma série de espaços com temáticas variadas e estão espalhados pelos vários continentes. Entre eles, o Museu Nacional do Voo, localizado na Escócia; o Museu de Ciência, situado em Londres e o Museu Chopin, em Varsóvia. Mas, quando o cenário é o Brasil, dentre os que mais se destacam por índices de visitação, é possível citar o Museu da Língua Portuguesa e o Museu do Futebol, ambos em São Paulo. Já em Belo Horizonte, encontra-se o Museu Circuito Cultural Liberdade e o Museu Inhotim, este último, um dos maiores do mundo, a céu aberto, quando o assunto é arte contemporânea. Mas, quando se trata do Nordeste, o estado de Sergipe possui o mais interativo deles: o Museu da Gente Sergipana Gov. Marcelo Déda.

DEYSE TUANNE annie_ufs@hotmail.com

Museu Governador Marcelo Déda o outro, eu sempre fui a favor disso, e é um problema que percebo em várias instituições culturais daqui: uma resistência em realizar intercâmbio com galerias e museus de fora de Sergipe”, diz. Quem veio montar a expografia do museu foi Marcelo Dantas, ele também idealizou o Museu da Língua Portuguesa. O prédio do museu passou por uma intensa reforma, onde a arquitetura antiga do prédio foi preservada, porém há algo totalmente contemporâneo quando se entra no museu. Visitando o museu pela primeira vez, a sergipana Telma Costa, diz o que sentiu no processo de interação com o museu: “Eu fiquei emocionada, você me viu aqui dançando, e eu estava imagi-

Visitantes interagem com os atrativos do museu nando, como fica uma criança quando entra aqui e vê isso? É fantástico! A interação, quando a gente passou ali pelo barco, eu pensei que o barco estava andando de verdade, e quis pegar carona, correr para pegar o barco. É uma coisa bem diferente, você se sente realmente dentro daqui, bem criativa mesmo”. A 13ª Semana de Museus, com o tema “Museus para uma sociedade sustentável” acontece de 18 a 24 de maio em todo o Brasil, e o Museu da Gente Sergipana tem uma programação específica para essa semana. O supervisor de ação educativa do Museu da Gente Sergipana, Romero Crispim da Silva, contou que o museu realiza uma programação especial. “O Museu conta inclusive com uma oficina, onde será ensinado às crianças, a confeccionar cinco tipos de brinquedos, utilizando apenas materiais reciclados como garrafa pet e lata de refrigerante. E como o tema da 13ª Semana é ‘Museus para uma sociedade sustentável’, as crianças aprenderão a reciclar”, afirma. O Museu da Gente Sergipana não é um dos mais interativos a nível nacional ou internacional, há muito que se fazer ainda para chegar lá, mas podemos perceber que ele é fruto de uma boa ideia que está dando certo, que lança os seus primeiros passos rumo a uma interatividade muito maior a qual já possui, e que é um exemplo para que outros como ele possam existir, dentro e fora do estado. Localizado à Avenida Ivo do Prado, 398, o Museu da Gente funciona de terça a sexta-feira, das 10 às 16h; sábados, domingos e feriados, das 10 às 14h. O acesso é gratuito.

Brinquedos tradicionais fazem parte do acervo


ESPORTE

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SERGIPE TEM OLIMPÍADAS

Equipe brasileira se prepara em Aracaju para o ciclo olímpico que passa por Toronto e Rio de Janeiro. Confira a entrevista com Cristina Vital, sergipana de destaque no mundo da GRD

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arranque das belas e carismáticas meninas da Seleção Brasileira de Ginástica Rítmica Desportiva (GRD) para Toronto, (Canadá) passa por Aracaju, e por uma sergipana que conhece do riscado: Maria Cristina Vital, 50 anos, com larga carreira como árbitra internacional e também como técnica, sendo Atenas-2004 a experiência mais marcante, como treinadora da ginasta Larissa Barata, uma das raras atletas sergipanas a disputar os Jogos Olímpicos. A atual coordenadora técnica de GR da Confederação Brasileira de Ginástica (CBG), instalada em Sergipe desde 2009, usa o conhecimento de duas Olimpíadas para falar dos preparativos finais da equipe para duas importantes competições pré-olímpicas: o Mundial da Stuttgart (Alemanha) e os Jogos PanAmericanos de Toronto. Cris Vital, assim conhecida, recebeu a reportagem do CONTEXTO, em seu clube, o Cris Vital GR Club, instalado em uma das quadras do Cotinguiba Esporte Clube, e falou sobre sua expectativa positiva no sucesso do evento e a pouca divulgação da modalidade. Sem deixar de lado o sorriso fácil que lhe é peculiar. Confira os principais tópicos abordados durante a entrevista:

Sergipe como base Cris Vital: A CBG está instalada aqui desde 2009. A professora Luciene Rezende foi eleita no final de 2008 como presidente e a sede passou a ser em Aracaju. Antes era a Seleção Brasileira Individual, que ficava aqui e a qual eu era treinadora. A partir de quando ela ganhou a eleição e assumiu o cargo, e me convidou para ser a coordenadora da seleção, ela preferiu que o conjunto estivesse sediado aqui em Aracaju, debaixo exatamente dos braços da Confederação.

Os preparativos

CV: Estamos há mais de um mês em preparação para os Jogos Pan-Americanos de Toronto. A equipe está formada e, inclusive terça-feira (27), viajamos para Berlim onde participaremos do Berlin Masters, que é mais uma competição prévia que faz parte da preparação para os Pan-Americanos. O evento classificatório para as Olimpíadas do Rio de Janeiro é o Campeonato Mundial Pré-Olímpico que acontece em setembro, em Stuttgart (Alemanha), e nós iremos participar. De qualquer maneira a equipe do Brasil já está qualificada por ser o país-sede.

O nível das rivais

CV: Houve um maior investimento mundial em cima da competição de conjuntos. Então hoje em dia a gente vê muito mais conjunto disputando, e claro que a disputa ficou mais acirrada, muito mais difícil. (...) O Brasil cresceu muito em nível mundial, nós estamos entre os 15 melhores do mundo, o que é excelente para a modalidade. Temos países de grandes porte com quem disputamos: Rússia, Itália, Bielorrússia, Espanha, Bulgária, esses cinco países estão brigando pelo pódio o tempo inteiro. Depois temos Ucrânia, Alemanha, Japão, Brasil, França, Grécia, Suíça... É muito bom saber hoje em dia que o nível técnico no Brasil cresceu tanto que ele está dentro desses 15 melhores países do mundo.

Ginasta sergipana?

CV: No momento não temos nenhuma ginasta sergipana na seleção. A última que tivemos até o ano passado era a Rafaela Costa, mas ela decidiu parar, ela estava mais engajada nos estudos, se preparando para concursos, inclusive – como advogada – e então, no momento, todas as ginastas que estão na equipe são de outros estados.

Baixa visibilidade

CV: Eu vejo com tristeza, porque a GRD é um esporte muito praticado em todo o país. Nós temos muitas crianças fazendo ginástica rítmica em todo o país. Nós temos o apoio da Caixa Econômica Federal (além do Ministério do Esporte e da própria confederação), que é a patrocinadora da CBG, porém falta mais investimento para as nossas ginastas, melhorar o nível técnico, fazerem cursos fora, trazer treinadoras de fora para dar cursos pra gente. Isso estou falando até em nível estadual, a preparação que as treinadoras precisam ter para com suas atletas para poderem entrar na seleção. Creio que todos nós precisamos de investimento – no caso, mais por parte dos empresários e da iniciativa privada.

Artística, não!

CV: Normalmente as pessoas confundem com a ginástica artística, mas ela é feita sobre os aparelhos, sobre a trave, sobre o solo. A GR manipula os aparelhos: o arco, a maça, a bola e a corda. Essa é a diferença fundamental. E normalmente as pessoas confundem: “Ah, ginástica rítmica, aquela da Daiane dos Santos...”, não, não, não. É completamente diferente. A GR é do conjunto tetracampeão pan-americano, da Angélica Kvieczyinski, na Natália Gaudio, da Larissa Barata e tantas outras.

Restrições? CV: Não acho que tem muita restrição. Sou muito suspeita pra falar porque sou apaixonada pela GR. Acho que tem possibilidades, tanto é que tem até uma escola do Estado praticando GR, envolve muito a arte, estáW diretamente ligada com a arte, e a regra para este ciclo olímpico vai puxando mais ainda, tentando transformá-la em mais arte do que esporte, pura e simplesmente. Pra mim acho que tem poucas restrições, acho que tem que ter vontade e amor pelo esporte, e querer trabalhar.

CBG e novas ginastas CV: Tem muitas escolas em Sergipe que praticam a GR, inclusive, escolas estaduais, como o caso de 24 de Outubro, que mantem o treinamento com os alunos. Tem algumas que até competem pelo meu clube e tem o nível, em termo de competição escolar em Sergipe, muito bom.

Estruturas CV: O local de competições (nas Olimpíadas) já está pronto, vai ser a Arena Olímpica, a mesma que aconteceu o Basquete nos Pan-Americanos de 2007, fiz uma visita onde vai ser a Vila Olímpica, já tem um adiantamento enorme nas construções. Acho que vai ser tudo maravilhoso. Em Toronto, a logística é realizada com o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), que é um evento que pertence ao Comitê. Nós estamos todos preparados, o COB tem uma excelência na preparação de tudo que é necessário para que a equipe brasileira chegue em tempo, vá bem, já fizeram visita, reserva na vila, todos os locais que vamos competir, tudo já foi passado através do COB. Toronto é uma cidade maravilhosa, muito bonita, e tenho certeza que vai ser muito bom.

Vai ter Olimpíadas? CV: Acho que o brasileiro é assim, é sempre desconfiado, não acredita, “ah, não vai dar certo...”, mas sempre dá certo, e tenho certeza que vamos fazer uma grande festa olímpica, que todo o público brasileiro vai contribuir, e vai ser maravilhoso para os outros países verem como o Brasil é um país unido e que tem a capacidade de fazer uma boa Olimpíada. (...) Em Sergipe, como está distante do Rio, está longe do incômodo que são a construção das instalações olímpicas, mas creio que quando chegar próximo, também vai estar de corpo e alma torcendo pelos atletas brasileiros e que os Jogos Olímpicos sejam uma grande festa.

POR DANIEL DAMÁSIO hinchadamasio@hotmail.com


ESPORTE PRÁTICA DO STAND UP PADDLE CAI NO GOSTO DOS SERGIPANOS

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O esporte tem atraído cada vez mais adeptos que buscam diversão e uma vida saudável POR EDSON ROMEIRO mega_rtv@yahoo.com.br

Foto- Mikael Honorato

colha perfeita para mim”.

Excelente opção de condicionamento físico, ajuda a fortalecer pernas e abdômen, melhora o equilíbrio do corpo e a concentração além de queimar muitas calorias. Ele possibilita ainda um trabalho pedagógico de conscientização sobre a importância da água e fortalece os vínculos de amizade. Pessoas que tem vontade de se aventurar, encontrarão no SUP uma ótima chance para isso. A prática esportiva do SUP tem sua origem ligada a Waikiki, uma das ilhas do arquipélago havaiano. No começo dos anos 60, os professores de surf do Havaí, conhecidos como Beach Boys, deram origem ao termo “Beach Boy Surf”, quando estavam em suas pranchas compridas remando com remos de canoa, com o objetivo de tirarem fotos para os turistas que aprendiam a surfar. Na língua havaiana é chamado de Ku (de pé) Hoe (remar) He’e (surfar) Nalu (onda). Existem precedentes a essa atividade em algumas civilizações ao longo dos séculos: desde tribos indígenas da Ásia e da Amazônia, passando pelos moches peruanos e seus “Caballitos de Totora”. Povos árabes do Mediterrâneo a bordo de seus “Hasakes” e, evidentemente, pelos povos polinésios. No final dos

anos 90, o esporte começou a ser popularizado pelo mundo através dos surfistas Laird Hamilton e Dave Kalama. Aqui no Brasil, um dos pioneiros no SUP foi Vitor Marçal, um respeitado salva-vidas brasileiro radicado em Oahu no Havaí, a quem consideram o primeiro a remar com uma prancha longa em terras tupiniquins. A novidade foi se espalhando por nosso litoral e novos adeptos começaram a se aventurar, passando a pesquisar mais a fundo e a produzir pranchas de SUP. Um mercado começou a surgir e empresas passaram a investir em tecnologia e equipamentos voltados para o stand up paddle. Em meados de 2011, o SUP aportou em Sergipe e rapidamente adquiriu adeptos, tanto que em 2014, Aracaju sediou uma etapa do Campeonato Brasileiro de SUP Race e uma etapa do Campeonato Nordestino. Além das competições, outra iniciativa marcante no esporte aqui no estado é a realização, desde 2012, da Remada Rosa, evento beneficente que reúne mulheres e acontece no dia 8 de março na Orla Pôr-do Sol. Nele, são arrecadados alimentos e outros itens que são doados para instituições de caridade. Um destes adeptos é o professor de Educação Física André Souza, residente no município de Canindé do São Francisco, na Região do Alto Sertão, que começou a remar há um ano e meio, aproveitando toda a exuberância do Rio São Francisco. Ele contou que já havia surfado e poderia usar o rio para praticar alguma atividade esportiva. “Eu sempre gostei de água. Como sou atleta, gosto de correr e sou da área esportiva, vi que o rio poderia ser utilizado para praticar algum esporte náutico e o SUP era a es-

REPRODUÇÃO

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sensação da liberdade de passear por cima da água e a sua versatilidade, faz com que o stand up paddle (SUP) seja um dos esportes que mais cresce no mundo. Pode ser praticado em qualquer lugar com águas calmas, realizar passeios ou travessias de longa distância, surfar desde marolinhas até grandes ondas e realizar manobras radicais, tudo vai depender da modalidade de SUP que o praticante escolher.

André uniu a paixão pela modalidade com a oportunidade que existia na região e começou a dar aulas e locar pranchas. Para se tornar instrutor, participou de um curso em Salvador, promovido pela Confederação Brasileira de Surf (CBS) e pela Confederação Brasileira de Stand Up Paddle (CBSUP) que aconteceu na Capitania dos Portos. O gosto foi tanto pelo esporte, que em sua segunda remada, ele percorreu 18 km e não parou mais. A partir dessas grandes remadas, surgiu a idéia de percorrer todo o trecho do “Velho Chico” que banha Sergipe, para fazer um documentário mostrando os danos que o rio vem sofrendo. Assim, ele convidou um amigo que topou o desafio. Eles dividiram a viagem em três etapas, sendo que a primeira começou na foz, localizada no município de Brejo Grande, Região do Baixo São Francisco e seguiram até o município de Neópolis, em uma viagem de 48 km. A segunda parte começou em Neópolis e foi até Propriá, na divisa de Sergipe com Alagoas, em mais 52 km de percurso. A terceira etapa será feita em breve, mas segundo André serão mais 49 km de Propriá até Gararu. Ele conta ainda que cada uma dessas remadas, leva em média oito horas. Apesar do cansaço, ele se sente muito realizado em aventurar-se. Para ele, a sensação de paz, liberdade e comunhão com a natureza não tem preço. “O SUP é um esporte que pode ser praticado em qualquer lugar que tenha água: lago, rio ou mar. Ele te aproxima mais da natureza. Quando você está em cima da prancha, consegue abstrair e tem uma percepção maior da natureza”, pontua André. Esse não foi o único desafio que ele encarou. No início do ano, ele deu a volta na Ilha de Itaparica, localizada na Região da Baía de Todos os Santos. “Saímos de manhã e quando chegamos estava escurecendo”, disse. Outro grande desafio que ele ainda quer fazer é remar o percurso do Rio Amazonas. Modalidades É possível praticar o SUP de diversas maneiras, pois ele possui algumas modalidades, por aqui, a mais praticada é o SUP Fun Race, em que o objetivo é apenas se divertir, muito difundida entre as pessoas que apenas buscam uma atividade lúdica. Já no SUP Race, vence o atleta com o maior potencial de rendimento da prancha com o remo, capaz de realizar o percurso estabelecido para a prova em menor tempo. O Freestyle tem como objetivo avaliar a variedade de manobras realizadas sobre a prancha, apenas com a mobilidade do corpo e o auxílio do remo. A modalidade Rafting tem como objetivo descer corredeiras sobre a prancha apenas com a mobilidade do corpo e auxílio do remo. O SUP Wave é parecida com o surf. Existem também modalidades alternativas e entre elas estão o SUP Pesca em que o praticante utiliza a prancha em vez de um barco para pescar e o SUP yoga em que são realizados movimentos da yoga em cima da prancha.


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TV EM DEBATE O PRECONCEITO COMEÇA NA SUA TELA “A representação homossexual na teledramaturgia brasileira nem sempre significa progresso, mas sim reafirmação de valores tradicionais e estereótipos.”

RAYAN ALVES rayan_alves@hotmail.com EDIÊ REIS

Cena do primeiro capítulo da novela Babilônia, alvo de críticas e elogios.

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história da teledramaturgia brasileira tem início na década de 1950 com a exibição da telenovela “Sua vida me pertence”, pela pioneira TV Tupi. A novela de 15 capítulos estreou dia 21 de dezembro de 1951. De lá para cá, o Brasil tornou-se referência no assunto: conquistou premiações como “Emmy” e novelas, a exemplo de “Avenida Brasil”, foram recordistas em exportação (para mais de 130 países) e, desde 1970, a produção em série não parou. O Impacto e importância das telenovelas para formação e afirmação cultural brasileira é inquestionável. O seu poder sob a população chama atenção até de quem não quer estar tão envolvido em produções de massa. Esse é o início do nosso debate. Imagine as telenovelas como formadora de opinião. Imaginou? Agora vamos mais a fundo: imagine as telenovelas como um dos principais meios de afirmação cultural das minorias sociais. Sendo mais específico, essa edição do TV em Debate abordará a representação da homossexualidade na teledramaturgia brasileira. Nos últimos tempos, a homossexualidade vem ganhando espaço no cenário mundial, em alguns países onde há maior aceitação da população, como a Irlanda (que aprovou o casamento gay democraticamente), é um grande progresso. Para países mais conservadores como a Rússia, o assunto ainda é tabu. Já o Brasil, caminha discretamente, com recuos constantes, para maior liberdade. Porém, segundo o censo de 2010, mais de 90% da população brasileira está ligada a alguma religião. Por isso, o assunto ainda é um ponto de inflamação nas famílias tradicionais. O primeiro personagem gay da televisão brasileira foi um carnavalesco estrelado por Ary Fontoura em “Assim na terra como no céu”, em 1971 pela Rede Globo e, desde então, foram mais de 65 representações. Nos últimos anos, houve um “boom” em representatividade, o que foi comemorado por boa parte da comunidade e simpatizantes. No entanto,

a última produção (que ainda está no ar) Babilônia, foi um ponto de extrema atenção sobre o rumo que essas produções estão tomando. A representação de duas mulheres idosas e bem sucedidas, sem nenhum artificio cômico, incomodou a maior

A telenovela foi e ainda é meio de reprodução e de transmissão de preconceitos sociais de todos os tipos Jean Willys parte da sociedade conservadora. O que resultou em uma grande queda de audiência, a telenovela que começou com 38 pontos, hoje mendiga aos 21. Para o estudante de mestrado em audiovisual Thiago Deus, o problema de fato não está apenas na sociedade, mas na maneira em que todos esses personagens foram veiculados. “O personagem gay sempre foi visto como suporte nas representações, ele sempre é visto como o comediante, o afeminado, o suporte da protagonista, mas nunca como uma pessoa séria, de destaque, esse é o grande problema”, explica Thiago. “Ainda que haja maiores representações, não vamos para frente se esse tipo de representação não mudar, o gay tem que ser visto como formidável e não como suporte cômico”, conclui.

A proposta inicial da novela Babilônia era romper o conservadorismo relacionado a questões sexuais, principalmente representado pelo casal de lésbicas vividos por ninguém menos que Fernanda Montenegro e Natália Timberg. No entanto, devido a repressão e queda de audiência, a novela apostou em um novo enredo na tentativa de rebater qualquer crítica e reconquistar o público. Dois grandes filósofos da comunicação, Adorno e Horkheimer, explicam em seu livro “Indústria Cultural” a transformação da arte (no sentido amplo) em mercadoria para fins comerciais. O que vemos nos casos acima é claramente representado por tal teoria, uma vez que o que vale mais a pena é lutar pela audiência, pelos merchandising do que por uma mudança na postura social ou representar, de fato, as minorias. Em um recente artigo para revista Diplomatique, o Deputado Federal e representante da comunidade LGBT, Jean Wyllys afirma que apesar da maior abertura para os personagens homossexuais ainda há um preconceito muito forte na maneira em que esses personagens são direcionados, na maioria das vezes, recorrem a estereótipos que a comunidade quer assistir, afirmando assim, a superioridade heterossexual. Ainda segundo Jean: “A telenovela foi e ainda é meio de reprodução e de transmissão de preconceitos sociais de todos os tipos: de raça ou cor ou de origem étnica ou geográfica (racismo); de gênero (machismo); e também o preconceito relacionado à orientação sexual.” Ainda que haja um progresso nos últimos anos, não é satisfatório encontrar em uma esfera pública de comunicação os mais diversos preconceitos serem exalados de maneira natural, espontânea e mascarada de meias-verdades. Esse não é um problema apenas de todos que se sentem afetados por tais representações, mas sim, de todos aqueles que compõem a sociedade.


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