Jornal Contexto 54

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Universidade Federal de Sergipe Campus Prof. José Aluísio de Campos Av. Marechal Rondon, s/n, São Cristóvão - SE

Reitor: Prof. Dr. Angelo Roberto Antonielli Vice-reitor: Prof. Dr. André Maurício C. Souza Pró-Reitor de Graduação: Prof. Dr. Jonatas Silva Meneses Diretora do CECH: Iara Maria Campelo Lima

EDITORIAL A redoma e o labirinto

Jornal Laboratorial do Curso de Jornalismo Chefe do Departamento de Comunicação Social (DCOS):

Prof. Dr. Diogo Cavalcanti Velasco

Núcleo de Jornalismo: Prof. Dr. Vitor José Braga Mota Gomes Telefone: (79) 2105-6919/ 2105-6923 E-mail: dcos.ufs@gmail.com Coordenação Editorial: Profª. Drª. Michele Amorim Becker

Equipe da Edição 54 Editora-Chefe: Clara Dias Projeto Gráfico e Layout: Matheus Brito Reportagem: Caroline Matos Wirlan Lima Daniela Vieira Sara Andrade Elisa Lemos Yasmin de Freitas Dayanne Carvalho Juliana Teixeira Aparecido Santana Lucas Honorato Rafael Amorim Ana Angélica Mota Izabel Costa Clara Dias Capa: Clara Dias Diagramação e preparação dos arquivos: Elisa Lemos Caroline Matos Juliana Teixeira Rafael Amorim Lucas Honorato Editora de Imagens: Dayanne Carvalho

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sther Greenwood tinha tudo. Talento, reconhecimento pelo seu trabalho, amigos, uma mãe preocupada. Uma bolsa de estudos numa grande universidade e um estágio numa grande revista. Grande, também, parecia a projeção de seu futuro, mas nada do que ela tinha estava ao seu alcance, uma vez que aquele tudo era uma névoa pairando sobre a “redoma de vidro” em que se mantinha cárcere. Em seu único romance, A redoma de vidro, a poetisa estadunidense Sylvia Plath representa em Esther a depressão e o vazio no qual ela mesma imergia, retratando a urgência de tirar sua própria vida numa tentativa frustrada da personagem. Publicado sob o pseudônimo “Victoria Lucas” em janeiro de 1963, pouco menos de um mês antes do lúgubre suicídio de Plath, aos 30 anos, o livro levanta debates sobre saúde mental até hoje. 54 anos depois, a metáfora da redoma permanece viva, servindo, perfeitamente, para esboçar a sensação de quem passa por problemas como o de Esther e, por conseguinte, o de Sylvia Plath. Seja por genética ou circunstância; na infância, juventude ou terceira idade; quaisquer que sejam os motivos e as consequências, os atormentados por transtornos mentais tendem a cair em ostracismo. Mostram-se relutantes a falar sobre o que sentem. E, não raro, os sentimentos silenciados se tornam uma prisão constante. Por isso, faz-se necessário o olhar atento de quem está de fora, para diagnosticar os casos, mais crescentes a cada dia, de pessoas – colegas, amigos, familiares – que enfrentam obstáculos num labirinto mental para nós invisível, mas, para quem sofre, imenso e imutável, antes que o caminho de volta seja indecifrável. Vidro quebra. O intuito da edição 54 do Jornal Contexto é, portanto, respirar fundo na névoa que paira sobre as redomas por trás das reportagens, para solidificá-la e transformá-la em discussão. Para desviar as quatro pedras cerradas a punho a favor da ignorância e usá-las para libertar enigmas e tabus já costumeiros na sociedade. É reconhecer o abuso, o preconceito, o isolamento, a angústia, o desespero, o desconforto e a dor nas histórias a seguir, ressaltando, também, a alegria e a confiança de quem sorri ao dar seus depoimentos. É dar voz ao silêncio e ouvidos ao sussurro. É apontar holofotes, ou, ao menos, lanternas, para a obscuridade de casos não tratados. É, por fim, conversar abertamente sobre saúde mental, antes que só nos reste falar sobre os trágicos resultados da sua falta.

Clara Dias

Editora-chefe


POLÍTICAS PÚBLICAS CERCA DE 100 SUICIDIOS POR ANO EM SE Organização Mundial de Saúde considera uma epidemia, que leva a morte de uma pessoa a cada 40 segundos. Aparecido Santana | aparecidoradioetv@gmail.com

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suicídio é uma das principais causas de mortes por fatores externos no mundo, e o estado de Sergipe, o menor da federação, registou 1560 pessoas que tiraram a própria vida em um intervalo de 15 anos (2000 a 2015), de acordo com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM/DATASUS).

há previsões de que em 2020, cerca de 1,5 milhões de pessoas se suicidarão.

Analisando os dados do DATASUS foi possível perceber que durante estes 15 anos, houve uma predominância de suicídios cometidos por pessoas do sexo masculino, com uma taxa de 74,35%, numa proporção de 3:1, solteiro (64,7%), etnia parda (66,5%) sendo o enforcamento o método mais utilizado (54,7%) para ambos os sexos.

Segundo o médico Wellington Santana, nas urgências dos hospitais em que trabalha na grande Aracaju, aproximadamente 1 % dos pacientes atendidos são algum tipo de intoxicação. Entre esses pacientes que tem como causa intoxicação, cerca de 0,5 % são alguma tentativa de suicídio. “As tentativas de suicídio são mais comuns em jovens e tendo como principal causa problemas depressivos em que os pacientes ingerem medicamentos em excesso tendo como objetivo final o suicídio. É comum ainda a presença de pacientes do campo com intoxicação por carbamato e outros pesticidas”, relata.

No país, a maioria dos suicídios são praticados por meio de enforcamento, seguido de lesão por armas de fogo e autointoxicação intencional por pesticidas, equivalendo a aproximadamente 80% dos casos. A população indígena está mais associada à chance de morrer por essa causa, assim como as pessoas com menor escolaridade, os homens e os maiores de 60 anos. O suicídio tem sido considerado uma epidemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS). No ano 2000, um milhão de pessoas faleceram por suicídio (uma morte a cada 40 segundos), e estima-se que o número de tentativas seja de dez a vinte vezes superior ao número de mortes (uma tentativa a cada três segundos), sendo que

De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2016, há uma média de quase um óbito por hora no Brasil, sendo a terceira causa de mortes entre jovens no país, perdendo para homicídios e acidentes de trânsito, vitimando 8.688 pessoas por ano.

No livro “Transtornos Mentais sob um Novo Prisma”, de Norma Alves de Oliveira, presidente da Associação Sergipana de Psiquiatria (ASP), ela cita alguns fatores de risco como problemas antes ou durante o nascimento, perda dos pais na infância, vítimas de abusos sexual, histórico familiar, portadores de transtornos e entre outros.

De acordo com Norma Alves, uma das formas de prevenção tem sido palestras em instituições científicas e na comunidade abordando o tema sob uma perspectiva integral. “É comum, depois de algumas palestras, pessoas me procurarem e darem o depoimento de que estavam pensando em suicidar-se, mas que agora encontraram uma luz para fortalece-las”, relata. Norma Alves enumera alguns fatores importantes na prevenção, como: ambiente sócio-familiar seguro, relacionamentos saudáveis, expressão adequada dos sentimentos, ressignificação das crenças que mantêm padrões autodestrutivos, exercer sua tarefa pessoal e humanitária, meditação, ter um sentido para a vida, encontrar o propósito do ser, autoconhecimento na direção do ser em detrimento do ter, espiritualidade, solidariedade, fé, oração e vigilância. Ainda segundo a psiquiatra, há uma preocupação no sentido de orientar os profissionais da saúde que trabalham nas urgências para encaminharem os pacientes com tentativas de suicídio para profissionais da saúde mental, uma vez que estudos mostram que a grande maioria tem algum tipo de transtorno, sobretudo dentro do espectro da depressão. Com o crescente número de casos de suicídio, sendo considerado pelas instituições que gerenciam a saúde como grave problema de saúde pública, existem instituições que têm se mobilizado no sentido de descobrir estratégias eficazes de prevenção. No Brasil, um dos principais trabalhos para a prevenção de homicídios no país é feito pelo Centro de Valorização da Vida (CVV). O centro realiza atendimento online e por telefone, mas não divulga dados específicos, pois o atendimento é sigiloso. São aproximadamente 70 postos e cerca de 2.000 voluntários, que se revezam para o atendimento 24 horas por dia, inclusive aos domingos e feriados. O atendimento é prestado por telefone (141 para todo Brasil ou nos respectivos telefones de cada posto), e-mail, pessoalmente nos postos e via chat, sendo a primeira entidade do gênero no mundo a prestar atendimento via chat.

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POLÍTICAS PÚBLICAS REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL Unidades de atendimento à saúde mental e ao vício em álcool e drogas formam rede para tratamento especializado na capital e nas cidades do interior do estado

Lucas Hononrato | lucashonoratodasilvasantos@gmail.com

possuem necessidades decorrentes do uso excessivo de álcool e drogas. Além das unidades básicas de saúde, a RAPS Sergipe é composta, segundo as informações fornecidas pela Coordenação Estadual de Atenção Psicossocial (CEAP), por unidades que levam em consideração o número de habitantes da região, ofertando serviços de menor e maior complexidade, categorizados como de “porta aberta”, “referenciais” e “referenciados”. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os quais a solicitação de implantação e a gerência são feitas pelas prefeituras, estão entre os locais de livre acesso ou porta aberta à qualquer pessoa, prestando serviços mais especializados. Essas unidades possuem como objetivo substituir o modelo antigo de internação por um em que os métodos terapêuticos visem a inserção do paciente na sociedade, além de monitorar o perfil e a quantidade de pessoas portadoras de alguma necessidade mental para evitar a superlotação de hospitais psiquiátricos. A implantação de um CAPS leva em consideração o número de habitantes da cidade, a viabilidade e o nível de serviços que irá disponibilizar.

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or muitos anos, o tratamento psiquiátrico confundia-se com o pretexto de retirar das ruas não somente aqueles com algum transtorno psiquiátrico, mas também como forma de isolar ou esconder quem infringisse algum costume ou ordem vigente. Somente no final do século passado, ações e denúncias de pessoas que testemunharam as atrocidades que eram cometidas nesses locais culminaram em propostas e projetos de leis que apenas recentemente vieram a promover a importância do diagnóstico real, a revisão da necessidade de internação, além de garantir a proteção e os direitos para os pacientes com algum transtorno mental A primeira proposta a tramitar na Câmara e no Senado visando alterações no modelo de tratamento que o país fornecia a pessoas com transtornos mentais foi o Projeto Lei 3.657. Proposto em 1989 e aprovado no ano seguinte, com a autoria do sociólogo e ex-deputado Paulo Delgado, a proposta previa a extinção progressiva dos manicômios e a substituição por outros recursos assistenciais. Em 2001 o Projeto Lei passou por mudanças e foi transformado na Lei 10.216. O documento regulamenta que, em qualquer tipo de atendimento de saúde mental, o paciente e seus familiares ou responsáveis têm direito à presença médica, para esclarecer a necessidade ou não de internação, assim como de receber o máximo de informações possíveis sobre a doença e o tratamento. Aliado a esses direitos, a lei dispõe também que a pessoa diagnosticada seja tratada em ambientes terapêu-

ticos por meios menos invasivos e que seja atendida preferencialmente em serviços próximos à comunidade onde reside. Ainda de acordo com a regulação, é dever do Estado fornecer as condições para que esses pacientes possam ter métodos melhores de diagnóstico, atendimento e tratamento. Em Sergipe, elementos previstos para essa atenção à saúde mental e psicossocial estão presentes através de contrapartidas diretas entre o Ministério da Saúde, o Governo do Estado e algumas prefeituras. A partir dessas junções, uma Rede de Atenção que abrange tanto as necessidades psicossociais do paciente quanto suas necessidades básicas foi formada por diversos entes públicos e também privados, por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS). Rede de Atenção e Atendimento No estado, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) está organizada dentro de componentes que contemplam desde a atenção básica até aqueles que são específicos para atendimentos de pessoas que possuem alguma necessidade de atenção mental. Esses equipamentos, instituídos por portarias publicadas pelo Ministério da Saúde, são planejados para o atendimento tanto de pacientes diagnosticados como portadores de algum distúrbio psíquico, quanto por aqueles que

A coordenadora da CEAP, Renata Roriz, menciona que as idades próximas que não possuem população suficiente para a implantação de um CAPS podem formalizar parcerias tanto para alcançar a quantidade mínima de habitantes quanto para viabilizar a implantação e a manutenção. “A quantidade de pessoas em um município pequeno não é suficiente para ter um equipamento tão caro como um CAPS porque é um equipamento de média e alta complexidade. Espera-se que [em] uma população menor, a quantidade de pessoas com transtorno mental também seja menor. Então você tem um município vizinho que você

pode se associar a ele e juntos você consegue ter a quantidade de pessoas necessárias para montar o equipamento”, explicou. Entre os serviços da rede considerados de porta aberta também estão as Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e o Hospital Cirurgia que podem fazer os atendimentos preliminares para a estabilização do quadro. O Hospital São José é o único no estado a possuir uma urgência psiquiátrica, em que além de receber as transferências de outras unidades para que o quadro clínico seja estabilizado, também é um serviço considerado porta aberta. A unidade também possui papel de referenciar casos que precisam de internamentos ou transferências para outros locais, os referenciados, como a clínica particular São Marcelo ou as Comunidades Terapêuticas e as Unidades de Acolhimento.


POLÍTICAS PÚBLICAS De acordo com Suely Matos, apoiadora institucional, o papel do Governo do Estado no RAPS Sergipe não é de gestão direta, mas sim de prestar assistência às administrações municipais que desejam implantar unidades como os CAPS. “O Estado faz a assessoria e o apoio institucional que são ferramentas de implantação, de indução, de monitoramento, de mudanças de prática e articulação da rede. Nós temos um instrumento para fortalecer o acesso [dos pacientes] e qualificar [as equipes]”, esclareceu. Suely Matos explica que os familiares ou a pessoa com sintomas de algum transtorno mental podem recorrer aos CAPS ou a unidades de saúde que disponham de urgência médica onde, não havendo condições de estabilização do quadro clínico, as equipes podem solicitar a transferência para a urgência especializada. “Em um caso agudo, e o CAPS com todos os seus equipamentos fez as condutas e não está tendo resolução, ele pode se utilizar de outro equipamento que é o hospitalar. A urgência é qualquer ponto de atenção, ou seja, as salas de estabilização ou a porta de entrada dos hospitais regionais. Qualquer entrada de urgência pode atender. Se o médico fizer todas as suas condutas, mas não conseguir estabilizar, pode encaminhar para a urgência especializada do Hospital São José”, informou Suely. Urgência psiquiátrica e internações

“A política pública olha para o paciente e as suas necessidades, que vai desde a atenção básica até um equipamento de maior complexidade”. - Suely Matos No estado, há apenas uma urgência especializada em casos de agravamento de transtornos psiquiátricos: o Hospital São José, localizado na Avenida João Ribeiro, no bairro Santo Antônio, região central da capital sergipana. A instituição faz parte da RAPS Sergipe, no modelo de porta aberta e recebendo pacientes em que a estabilização do quadro clínico não foi possível em suas cidades de origem. O gerente administrativo do Hospital São José, Fúlvio Leite, cita que embora a instituição não pertença a administrações públicas, alguns dos serviços prestados, como a urgência especializada em saúde mental, são fornecidos exclusivamente para o atendimento através do Sistema Único de Saúde. “O Hospital São José é uma instituição privada, de caráter filantrópico. Ela pertence a uma instituição religiosa. É um prestador de serviço ao

Sistema Único de Saúde. Existem serviços aqui que são exclusivos do SUS, como a Saúde Mental. É um atendimento dentro de um hospital privado, de uma instituição filantrópica, mas de atendimento público”, esclareceu. Fúlvio Leite caracteriza alguns dos quadros clínicos que a urgência psiquiátrica do hospital recebe. “Nosso atendimento é o chamado de urgência. Geralmente o paciente chega aqui com algum tipo de transtorno, tanto psiquiátrico quanto de uso abusivo de álcool ou de drogas. Então esse [paciente] chega com um surto. Esse surto pode ser agressivo ou um quadro de depressão profunda. A urgência psiquiátrica não só se caracteriza pelo fato da pessoa estar agressiva ou agitada, pode ser também o inverso, a pessoa pode estar introspectiva”, assinalou. A Lei 10.216/01 também dispõem sobre as internações. De acordo com o documento, estão previstos três tipos de internamentos: voluntário, involuntário e compulsório. O primeiro acontece a pedido do próprio paciente, enquanto o segundo a pedido de terceiros, familiares ou responsáveis. Já o último acontece por intermédio da justiça através da legislação vigente. Nos dois primeiros casos, somente poderá ser aceita por um médico registrado no Conselho Regional de Medicina da região onde atua. Para a internação involuntária, essa deve ser comunicada ao Ministério Público Estadual pela instituição onde será realizado o internamento.

guir as determinações judiciais que chegam até o hospital e que, mesmo que os médicos atestem que o paciente possui condições de alta, é necessário esperar a comunicação oficial da justiça acatando ou não as informações prestadas pelo hospital. “Quando nós temos um paciente psiquiátrico internado de forma compulsória, nós informamos à justiça de acordo com o que foi registrado. Quando o paciente tem condições clínicas de alta, nós informamos [a justiça] e aguardamos a decisão do juiz. A decisão de liberar ou não pertence ao juiz”, complementou.

“Pensando na saúde não só na presença da doença, mas também uma produção de autonomia”. - Suely Matos

Embora haja a possibilidade de internação prevista em lei e com leitos tanto no Hospital São José e na clínica particular São Marcelo, ela é realizada com fins terapêuticos. O gerente administrativo destaca que as internações realizadas na urgência psiquiátrica do hospital são para períodos curtos, em casos que venham a demandar um pouco mais de tempo para que o quadro clínico do paciente seja estabilizado. “Nós recebemos esse paciente e fazemos a estabilização junto a nossa equipe multidisciplinar formado por psiquiatras, enfermeiros, psicólogos, assistente social. Tentamos produzir essa estabilização, através da parte medicamentosa e se houver a necessidade de um pequeno internamento de alguns dias, nós podemos fazer. Após essa estabilização nós fazemos a alta qualificada, que é pegar o paciente e recoloca-lo dentro da rede, ou seja, levar esse paciente para um atendimento do CAPS ou ambulatorial presente em algumas instituições. Não é apenas retirar o paciente do surto, nós cumprimos nosso papel como urgência e depois o colocamos dentro da rede”, explicou. Suely Matos cita que, dentre os pacientes internados, há uma parcela considerável de internações realizadas a partir de processos judiciais instaurados por familiares ou pessoas próximas. “O índice é muito grande de judicialização dos casos. Às vezes o paciente nunca entrou na rede SUS. Nunca esteve no CAPS. Mas já foi para justiça para conseguir uma internação. O que é isso? É a cultura e o imaginário construído na população de que cuidado só se faz se tiver uma internação de longa permanência. De nove meses de um ano, que é o modelo hospitalocêntrico, asilar”, destacou. A apoiadora institucional Anusca Barros menciona que há internações através de intervenção judicial que não seriam necessárias. “Em muitos dos casos, às vezes nem precisaria de uma internação compulsória. Tem casos que nós poderíamos resolver pelo próprio fluxo da rede, mas como chega através de liminar, torna-se uma internação compulsória”, mencionou. Fúlvio Leite explica que a unidade tem que se-

O caso mais emblemático para a revisão das políticas públicas psicossociais Inaugurado em 12 de outubro de 1903, no interior de Minas Gerais, o Hospital Colônia de Barbacena, que funcionou durante décadas, foi palco de internações compulsórias de inúmeras pessoas advindas de várias localidades do país. Entre os pavilhões, homens, mulheres e crianças eram submetidas a tratamentos desumanos, submetidos ao frio intenso da região, ao esquecimento e em muitos dos casos, a morte. Nas construções que formavam o Colônia conviviam sob condições precárias tanto aqueles que possuíam algum transtorno psicótico quanto aqueles que foram levados para lá apenas por terem sido atores ou vítimas de atos ou ações que feriam costumes ou ordem vigentes. Dentro daquelas paredes, tinham suas histórias de vida apagadas e eram esquecidos pela sociedade.

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INFÂNCIA O AUTISMO E A ESCOLA:

COMO TEM FUNCIONADO A INCLUSÃO DE AUTISTAS NO ENSINO REGULAR Yasmin de Freitas | yasminfreitas.ufs@gmail.com

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éficits na comunicação e interação social; padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Estas são algumas das características dos portadores do Transtorno do Espectro Autista. Mas quando se fala de autismo, é preciso ressaltar que cada caso é um caso e que estas características irão se apresentar de forma distinta em cada criança.

garantido pela Lei 12.764, de 2012. A partir desta lei, os autistas passaram a ser considerados pessoas com deficiência e foram incluídos nas políticas de inclusão escolar, que visam ações como a solicitação de acompanhante especializado nos casos em que essa necessidade é comprovada e a punição de gestores que recusarem a matrícula dessas crianças em suas instituições.

Por ainda não ser possível delimitar quais as características do transtorno e por possuir sintomas semelhantes ao de outras síndromes, há certa dificuldade em se realizar o diagnóstico. Assim, em salas de aula, há crianças que ainda não foram diagnosticadas e são tachadas como alunos desorganizados, sem limites, entre outros rótulos. Mas, também há casos diagnosticados inseridos em escolas de ensino regular e apresentando bons resultados, mesmo diante de suas limitações e ritmo diferenciado.

Além de um direito, a inclusão de crianças autistas no ensino regular se mostra importante para o relacionamento social deles com crianças que não são semelhantes a eles. “A escola inclusiva é um importante fator para o relacionamento social e desenvolvimento das habilidades de todos os educandos que contemplam a mesma. Logo, das necessidades educativas especiais apresentadas pelo autismo também, pois o mesmo é considerado deficiência por lei, onde tem direito de fazer uso de todos os benefícios que a inclusão oferece na rede regular de ensino”, explica a pedagoga Renilde Santos.

O acesso ao ensino regular é um direito das crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista,

Ilustração: Miguel Gallardo


INFÂNCIA

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Na primeira imagem, material produzido pelos alunos. Na segunda e terceira, materiais didáticos utilizados pela pedagoga Leila Cardoso. | Fotos: Yasmin Freitas

Respeitar o ritmo de cada aluno Ao incluir crianças autistas em um ambiente escolar é preciso que se compreenda que estes necessitam de um acompanhamento diferenciado, que atenda às suas demandas e respeite os seus limites. A Cartilha de Inclusão Escolar, de 2014, recomenda que as escolas adequem o currículo escolar a partir do estilo cognitivo de cada criança. E isto não se trata apenas da redução de conteúdo, mas, principalmente, da forma como ele é apresentado ao aluno. Dessa forma, há alguns métodos utilizados para auxiliar na aprendizagem e alfabetização dessas crianças. O mais utilizado pelas pedagogas Leila Cardoso e Renilde Santos, que possuem experiência na rede pública de ensino e em uma associação particular sem fins lucrativos de pais de crianças com autismo, é o método TEACCH. Através de imagens, cartões e as chamadas pastas TEACCH, as pedagogas ampliam o vocabulário destas crianças, indicam as atividades que serão realizadas naquele dia na escola e promovem sua autonomia ao ensinar atividades de seu cotidiano como, por exemplo, o uso do banheiro. Nos casos em que existe um acompanhamento de uma equipe multidisciplinar (pedagogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeuta ocupacional), há uma escolha do melhor método para a alfabetização dessa criança, como, por exemplo, o método fônico. “Há vários métodos de alfabetização. O mais comum, utilizado nas escolas públicas do Brasil é o método silábico (ba-be-bi-bo-bu), porém não é muito eficiente com crianças autistas, pois eles são mais visuais e auditivos. Dentre as possibilidades de métodos de alfabetização, o método fônico é o mais recomendável, consiste na associação do som com a letra”, relata J. S. L., professora de reforço de duas crianças portadoras do transtorno. Outro passo muito importante é o de respeitar o ritmo de cada um dos alunos. Por isso, todas as atividades realizadas no ambiente escolar e o material utilizado são adaptados para o nível em que eles se encontram. Alguns desses materiais, inclusive, também são utilizados pelas mães das crianças. A professora Leila Cardoso também enfatiza a importância das agendas de rotina, um método utilizado em sua escola, que trabalha com a noção de previsibilidade. A partir da agenda, o aluno sabe o que irá acontecer durante o seu dia, como

as disciplinas que ele irá estudar, para onde ele irá no intervalo ou o funcionamento de uma atividade externa. Esta prática, que pode nos parecer simples e cotidiana, é demasiadamente importante para os autistas, pois por possuírem dificuldade em se adaptar a uma mudança de rotina, eles necessitam de um conhecimento prévio do que será feito.

Leila Cardoso, professora nesta escola desde 2011, acompanhou a chegada do primeiro aluno com autismo. “Ele foi a chave da minha história com educação especial, porque eu não era, nunca fui professora da educação especial, nunca trabalhei com alunos com educação especial”, conta a professora que hoje é responsável pelo trabalho de inclusão dentro da instituição, atuando na sala de recursos e fazendo intervenções em sala de aula.

A ajuda dos próprios colegas que é muito importante na inclusão, porque eles interagem demais, ajudam demais. Porque nós somos preconceituosos, mas as crianças não. E aqui, desde 2011, a gente faz um trabalho de conscientização, de ajudas do eu. Eu digo que eles são os ajudantes, que eles são os anjos azuis deles”

Desde então, a escola não só tem recebido alunos com o transtorno, como também possui uma sala de recursos, que atende estudantes da instituição e de outros colégios da rede estadual e municipal. Neste ambiente, que as crianças frequentam durante 2 horas por semana ou mais a depender de sua necessidade, são realizadas atividades para a ampliação do vocabulário destes alunos e do conteúdo que está sendo visto em sala, mas com adaptações ao nível em que aquela criança se encontra. É nesse mesmo local que se realiza uma intervenção com a família, conhecendo o seu perfil e descobrindo como os pais das crianças podem trabalhar em parceria com a escola.

Porém, o trabalho de Leila não daria certo sem o apoio dos demais funcionários e até mesmo dos alunos das turmas em que estas crianças estão inseridas. O diálogo com os professores e funcionários dos demais setores da escola como a secretaria e a cantina, ajudaram a incluir esses alunos a partir da compreensão das particularidades de cada um deles, evitando que o comportamento diferenciado de algumas crianças causasse estranhamento ou aversão.

Leila Cardoso. | Foto: Yasmin Freitas

Uma escola com “anjos azuis” A Escola Estadual Professor Manoel Franco Freire, localizada no bairro Jabotiana, em Aracaju, é um exemplo de escola inclusiva. Além de receber crianças com outras deficiências como paralisia cerebral e deficiência intelectual, atualmente, a escola conta com quatro alunos autistas, dois no turno da manhã e dois no turno da tarde.

Também foi realizado um trabalho com os alunos para que eles não só compreendam as deficiências, mas que também se sintam responsáveis pela acolhida e cuidado destas crianças. No ano passado, foram realizadas visitas a escolas que trabalham com libras e braille, além de palestras com cadeirantes. Isto culminou em trabalhos apresentados pelos alunos, como um canto em libras e uma peça para deficientes visuais. “A ajuda dos próprios colegas que é muito importante na inclusão, porque eles interagem demais, ajudam demais. Porque nós somos preconceituosos, mas as crianças não. E aqui, desde 2011, a gente faz um trabalho de conscientização, de ajudas do eu. Eu digo que eles são os ajudantes, que eles são os anjos azuis deles”, relata a professora que acredita que a inclusão começa desde o portão da escola.


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INFÂNCIA Quando as escolas não são o suficiente Infelizmente, nem todas as escolas possuem uma estrutura pronta para receber estes alunos, nem professores aptos para trabalhar com essas crianças ou uma equipe que possa contribuir com o trabalho desenvolvido pelos pedagogos já presentes na instituição. Por algumas crianças não conseguirem se adaptar ao método de ensino adotado pela escola na qual está inserida, muitos acabam buscando instituições que os auxilie na sua alfabetização, mas, principalmente, no desenvolvimento de sua interação social. Na escola em que Leila trabalha, embora exista todo um trabalho de inclusão por parte dos funcionários, não há uma equipe multidisciplinar que preste apoio a esta criança. O colégio conta apenas com duas cuidadoras que, por lei, não podem desenvolver trabalho pedagógico, pois sua função é de apenas acompanhar estas crianças nas idas ao banheiro e nos intervalos. Por este motivo, a pedagoga acaba acumulando algumas funções que vão muito além da pedagogia. “Eu até faço alguns trabalhos de fono [fonoaudiologia], que era a fono [fonoaudióloga] que deveria fazer, a TO [terapeuta ocupacional] que devia tá fazendo. Esse trabalho de comportamento, o psicólogo que deveria estar intervindo. Ele não tem psicólogo, não tem TO, não tem fono, não tem mediadora [de aprendizado]”, relata.

É um trabalho de continuidade. O trabalho com a criança autista ele começa em casa, vem para a escola, volta para casa e para o ambiente que ele for” dentro de seu lar, ele dificilmente apresentará frutos. “É um trabalho de continuidade. O trabalho com a criança autista ele começa em casa, vem para a escola, volta para casa e para o ambiente que ele for”, conta a pedagoga, defensora da tese de que sem a parceria da família nenhum avanço poderia ser alcançado.

A ausência dessa equipe, em alguns casos, é suprida com o acompanhamento destes profissionais a parte, através de planos de saúde ou pelo próprio SUS. Outra solução são as associações sem fins lucrativos de pais de autistas, que oferecem serviços de apoio através de terapias integradas com profissionais como educador físico, psicólogo, teraupauta ocupacional.

Leila ressalta a importância da participação da família em questões como a estabilidade emocional, a alimentação, o comportamento e a previsibilidade. Quanto à alimentação, a pedagoga trabalha com as mães para que exista esse controle do que é consumido pelas crianças. Ela incentiva que alimentos como doces, que se transformam em energia e os deixam mais agitados, sejam evitados na dieta das crianças, optando mais por frutas, sucos menos adoçados.

Renilde Santos trabalhou durante dois anos em uma dessas instituições. Pedagoga, com curso de TEACCH e ABA, ela trabalhava com crianças em sessões de 40 minutos, que eram intercaladas com o atendimento dos outros profissionais e contavam com material adaptado ao nível de cada aluno. Mas, infelizmente, a associação encerrou as suas atividades.

A previsibilidade, segundo a pedagoga, é outro elemento importante para os autistas, pois se não há uma previsão do que ele irá fazer no seu dia ou das situações que ele poderá encontrar (um corte de cabelo, uma visita a um museu, por exemplo), essas crianças não conseguem suportar, ficando agitadas e desconfortáveis no local em que se encontram.

A inclusão ultrapassa os portões das escolas

Mas além destes pontos, a professora reforça mais dois pontos com as mães das crianças: a alegria das crianças e a sua autonomia. “É isso que eu digo às mães dos meus alunos, que eles primeiro sejam felizes. Vamos tentar primeiro fazer com que eles saibam comer com as mãos dele”, conta.

A parceria entre a família os profissionais que trabalham com estas crianças é de extrema importância. Se o trabalho feito pelos profissionais da escola e/ou instituição que essa criança frequenta não for continuado


INFÂNCIA EXCESSO DE ATIVIDADES PREJUDICA O INTELECTO E EMOCIONAL DA CRIANÇA EM DESENVOLVIMENTO

Sara Andrade | andradesara41@gmail.com

COMO IDENTIFICAR TRANSTORNOS PSICOLÓGICOS NA INFÂNCIA

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infância é a fase mais importante na construção do indivíduo, mas foi atropelada pela modernidade. Escola, lições para casa, natação, aulas de inglês, música, entre outros. “Esse excesso pode provocar falta de interesse e energia para executar as atividades, insônia ou sono agitado, dificuldades para concentração e uma série de problemas psíquicos e físicos que irá se estender durante toda vida”, afirmou a coordenadora pedagógica da Escola Municipal Santa Cecília, da cidade de Fátima, no estado da Bahia, Patrícia Quirino. Se, por exemplo, uma rotina de trabalho e faculdade é exaustiva para o adulto, sendo que um pode prejudicar o rendimento do outro, por que as crianças precisam fazer tantas atividades para o seu desenvolvimento pessoal e intelectual? Faz sentido lotar a agenda dos filhos para que eles tenham um futuro promissor, se este vai cultivar estresse exagerado ou a perda do interesse pelas atividades? “Dentro da nossa sociedade, a demanda de trabalho que é exigida dos pais, tem recaído sobre as crianças como forma de ocupação do seu tempo livre”, afirmou a psicóloga e professora do Departamento de Psicologia, da Universidade Federal de Sergipe, Dalila Chavier de Franca. A obrigação ensina a ter disciplina, mas os pais devem levar em consideração os limites dos filhos. A advogada Gilenilda Reis, é mãe de dois adolescentes: Victor César, 15 anos, e Ítalo Gabriel, de 12. Ambos fazem curso de inglês, música, jiu jitsu e futebol. “O mais novo fica ansioso para chegar logo os horários das atividades. As aulas de futebol e bateria, foram recomendadas por psicólogo. Ele fazia terapia porque não conseguia ficar muito tempo parado, inclusive na escola. Como refúgio ele usava exageradamente o celular. O profissional sugeriu atividades que gastassem energia para ele ficar mais calmo”, relata. Apesar da agenda lotada, Gilenilda acredita que as atividades não são cansativas, do ponto de vista psicológico “sempre organizando os horários para não sobrecarrega-los”, complementa. O problema não está nas atividades, mas sim em seu exagero. Existem formas para compreender as necessidades dos filhos e profissionais capacitados para auxiliar em assuntos especializados. “As atividades precisam ser moderadas, considerar sempre a capacidade cognitiva que a criança tem de desenvolvê-la para que evite situações de fracasso, pois são muito nocivas no desempenho e até em sua autoestima”, continuou Dalila Franca. Às vezes, os pais idealizam um futuro para seu filho e acabam por deixá-lo sufocado em atividades que não o agrada, por tanto é necessário, sobretudo, dialogar e entender quais são as suas aptidões e desejos. A criança pode querer ser astronauta, pianista, bombeiro, cozinheiro e as mais diversas profissões. As suas variações têm de ser compreensíveis, pois ela está em uma fase de descobertas e curiosidades. Quando há diálogo e apoio dos pais para com os filhos, existe desenvolvimento.

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e acordo com a psicóloga Dalila Franca, os pais devem delimitar o que é patológico ou não, por isso é muito importante atenção aos comportamentos, curiosidades e conversas dos filhos. As crianças estão cada vez mais estressadas e muitas delas não recebem um acompanhamento adequado, deve-se procurar ajuda de um profissional sem hesitar em casos nos quais os pais percebem que existe algo irregular. Os transtornos psicológicos na infância podem ser identificados a partir do comportamento da criança. Existem os mais graves e os mais simples, porém é necessária a mesma atenção para todos eles. A psicóloga listou alguns pontos que derivam do excesso de atividades: Medo de ir à escola; Silêncio exagerado; Dificuldade para relacionar-se; Desinteresse nas atividades; Medo excessivo. Ainda, segundo Dalila Franca, deve-se viver cada fase intensamente, pois as habilidades serão desenvolvidas em seu devido tempo. Uma criança estressada, torna-se um adulto egoísta, desnorteado, com baixa autoestima e até mesmo depressivo. O século XXI é a era do excesso de informações, desde cedo as crianças já têm um contato exagerado com uso de eletrônicos, é preciso desacelerar e ensiná-las a prática de ler, imaginar e contemplar as coisas ao seu redor.

NOTA A presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia, Quézia Bombonatto, em entrevista para o jornal Zero Hora, citou qual o ritmo ideal para as atividades Até dois anos: nenhuma atividade, pois esse é um período de descobertas e para criança interagir. Três a cinco anos: período no qual a criança começará a ir para escola. Sua imaginação será muito fantasiosa. Os pais poderão levá-los a, no máximo, duas atividades que tenham a finalidade apenas de diversão como música, por exemplo. A partir dos seis anos: algumas atividades extras em grupo e organização dos horários, a responsabilidade aumentará, mas sem exageros. Pré-adolescência: organização do tempo é primordial, nesse momento os adolescentes precisam compreender que têm mais responsabilidades e que deverão cumpri-las. Podem experimentar várias atividades, é um momento para descobrir o que gosta.

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INFÂNCIA

JOVEM + NEGRO + POBRE NEGRO + POBRE + JOVEM POBRE + JOVEM + NEGRO

INFÂNCIA NEGRA:

A ESTATÍSTICA QUE PRECISA DEIXAR DE EXISTIR, A REPRESENTAÇÃO QUE PRECISA ACONTECER Elisa Lemos | eliisalemos@gmail.com

Ilustração: Reprodução de “Um jantar brasileiro”, de Jean-Baptiste Debret

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INFÂNCIA

J

ovem, negro e pobre. Negro, pobre e jovem. Pobre, jovem e negro. ‘A ordem dos fatores não altera o produto’, dizem todos os professores de matemática em sala de aula. Será que eles percebem em suas equações o real problema que precisa de solução? Será que sabem eles que isso se aplica à vida que acontece do lado de fora? Sem olhar a ordem das palavras fatores, sem analisar os sinais da questão, o produto continua inalterável: jovem, negro e pobre na escola sempre será ponto de repressão Segundo o Censo Demográfico de 2010, compilado pela Unicef, mais de 3,8 milhões de brasileiros entre 4 e 17 anos de idade não frequentam a sala de aula. Esse número coloca o país em terceiro no lugar no ranking dos países com maior número de abandono escolar. De acordo com os dados do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), em 2013, um a cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental em território brasileiro, abandona a escola antes de finalizar a última série. O que a estatística ainda continua a comprovar, em relação a esse fato, é que o perfil desses indivíduos é fator comum em muitos outros espaços no Brasil: é jovem, é negro e é pobre. A resposta para esses dados se dá dentro da linha temporal da história do Brasil. Trazidos por brancos portugueses para os portos brasileiros, em navios negreiros, os negros começaram a ser comercializados e escravizados, de modo que produzissem a economia do país e servissem aos brancos dentro de suas casas. Nesse processo, os negros tinham suas culturas apagadas das memórias enquanto eram obrigados e emergir na cultura alheia, assim, a escravidão foi mostrando seus legados e deixando que os brancos explicassem que jovem, preto e negro, por exemplo, não tem vez. O preconceito racial, que rege muitas relações entre brancos e negros no mundo, começa a ensaiar sua atuação ainda na infância. Nesse período as crianças começam a expor o que aprenderam dentro de casa, a reproduzir o que captam da mídia e a executar o que foi adquirido nesse processo. O problema é como o negro sempre é representado. Desde os primórdios na escravidão no Brasil que existe um selo de qualidade, falho, que afirma a qualidade de ser branco e não negro. Essa visão, que continua sendo transmitida pelos pais e pela mídia, gera nos negros uma formação com falhas, principalmente na auto-estima. “Uma das coisas mais importantes em relação à situação do racismo na escola é que existe, muitas vezes, problemas de estresse e depressão que crianças negras passam têm a ver com o enfrentamento do preconceito dentro da escola, nas situações que ela vivencia de não aceitação dos outros pelas suas características raciais ou mesmo pelo próprio preconceito no sentindo de desvalorização do outro. Só pelo fato de ser negro já existe uma pré-concepção de que o outro vale menos”, disse a psicóloga Dalila Xavier, que desenvolve pesquisa em análise de valores, identidade e preconceito racial. Essas situações, quando vivenciadas por uma criança, podem refletir em diferentes esferas. É natural que em situações de vulnerabilidade o ser humano tome atitudes de proteção, é o instinto de sobrevivência. E a criança não encara isso de modo diferente, porém suas ações são as mais variadas. Nesse estágio, as crianças negras tomam como mecanismos de proteção o embranquecimento. Aqui elas pedem aos pais para alisar o cabelo e começam a querer ter a pele menos negra. Além disso, passam a não querer socializar mais, evitam falar do assunto que a fazem estar nessa situação, podem tomar atitudes de caráter agressivo, podem desenvolver depressões/problemas de auto-estima e, em quase todos os casos, começam a perder o interesse em frequentar a instituição de ensino. “Os xingamentos pelas características raciais são

muito comuns para crianças que estão dentro da escola e é algo que vai afetar muito a identidade delas (...) muitas crianças não conseguem nem identificar que passam por esse processo de branqueamento. Elas vão pensando que é algo pessoal e começam a se distanciar de suas características raciais”, completa Dalila. Para José Lima, estudante de comunicação, a fase da escola foi a mais conturbada e a mais definitiva para sua aceitação pessoal hoje: “Lembro que quando era pequeno eu já tinha trejeitos afeminados, porque eu sou gay, e já ouvia coisas do tipo ‘Além de você ser negro, você ainda é gay?’, era aquilo de ser viado, preto e pobre – porque além de tudo eu também sou periférico. Aí a gente já cresce com essa ideia de que viemos com um problema, quando na verdade a gente não tem problema nenhum.”, conta. Até crescer, entender o contexto do negro no Brasil e conseguir declarar sua cor sem se inferiorizar por isso existe um grande processo de desconstrução e apreciação do mundo. São poucos os negros que conseguem se enxergar negros, são poucos os negros que conseguem terminar o ensino médio e são menos ainda os negros que conseguem ingressar no ensino superior. Seguindo essa linha, também é reduzido o número de negros no mercado formal de trabalho, de negros em cargos de poder, de negros morando em regiões de classe média e/ou com o mínimo de saneamento básico e menor ainda o número de crianças negras que conseguem se enxergar em alguém que seja parecido fisicamente com elas. Criança negra não tem representação, logo criança negra não tem perspectiva. Então por que querer ser negro? A psicóloga Dalila explica esse questionamento relatando uma de suas pesquisas com crianças de cinco anos: “Era uma pesquisa sobre identidade, e a gente perguntava às crianças sobre seu tom de pele e se ela gostava de ser assim. Daí teve um menino branco, que disse que gostava muito de ser branco porque gostava muito de comprar. Já a menina negra afirmou que era negra e que gostava mais ou menos de ser assim, mas quando mostrei imagens de diferentes crianças e perguntei qual daquelas ela era, ela me apontou a foto da menina branca. Era quem ela gostaria de ser, e é triste coisas dessa natureza (...) as crianças percebem o espaço de cada grupo.”. É importante fazer com que essas crianças sintam-se parte do todo. A saúde mental desses indivíduos é algo frágil que pode ter consequências sérias se ignoradas e agregadas a outras falhas do desenvolvimento. “Acredito que crianças negras têm uma carga muito pesada para suportar, diferente das outras crianças, e que não vão perceber isso porque estão em uma realidade completamente diferente. Lidar com isso sozinha não é responsabilidade de uma criança, mas de adultos que também invisibilizam bastante esse fato e normalizam quando sabem que acontece por não querer tratar do assunto”, explica Wézya Mylena, estudante de Direito. E completa: “se eu tivesse incentivo eu teria outros meios para tratar do assunto, podia existir um projeto pedagógico para ajudar a gente, um ensino de cultura afro-brasileira para gente se ver representar na escola, por exemplo”. Visibilidade é a saída. Jovem, preto e pobre é estatística, sim. Jovem, preto e pobre também precisa de espaço. Jovem preto também pode ter poder aquisitivo. Preto também pode falar língua de gringo, basta não tirar o jovem preto e pobre da escola com desculpa de que branco é melhor. Preto só precisa da oportunidade e espaço que branco tem desde que nasce. Preto só precisa se enxergar porque preto depois que descobre seu poder não tem mais discurso branco para frear.

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EDUCAÇÃO

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Meio acadêmico e a naturalização dos danos à saúde mental Dayanne Carvalho | dessco.jorn@gmail.com Juliana Teixeira | julianateixeirabs@gmail.com

Imagine se todas as pessoas dos Estados Unidos da América estivessem com depressão. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), relativos ao ano de 2015, esse número está próximo da realidade mundial: 322 milhões de pessoas no mundo são afetadas pela doença – a prevalência do transtorno na população mundial é de 4,4%. O Brasil está em primeiro lugar nos índices de depressão na América Latina e esse número equivale a pouco mais que a população de Cuba, ou seja, 11,5 milhões de brasileiros que somam quase 5,8% dos cidadãos. No ambiente acadêmico esses números se apresentam de forma alarmante. Um estudo feito pela psicóloga Rachel Rubin da Silva aponta que, em média, 30% dos universitários experimentam algum tipo de sofrimento psíquico como ansiedade e depressão. No entanto, falar em saúde mental ainda é um tabu em várias esferas. Para a educadora do ensino médio Carine Mangueira, os índices são estarrecedores e a pressa cotidiana ignora a repercussão silenciosa dessas doenças nas relações familiares, sociais e produtivas. “Apesar do ensino, em seus vários níveis, ter nos últimos anos tentado se tornar inclusivo e mais humanizado, a proporção dos debates, a discussão acadêmica ostensiva e as possibilidades pedagógicas repensadas diante da nova realidade de diagnósticos não é relevante.

Pior que a expansão da doença e suas causas, é o silenciamento, o tabu, a falta de discussão ampla sobre um problema de saúde pública”, afirma Carine. Os transtornos enfrentados pelos estudantes ainda são vistos como um processo natural e inerente à universidade. Mariana Pupo, estudante de Medicina, considera essas estatísticas um elemento recorrente dentro da universidade, mas ao mesmo tempo invisibilizado. “Quanto mais converso com amigos, tanto do meu curso quanto de outros, percebo como o ambiente acadêmico é adoecedor e quão pouco se fala sobre isso”, nota. Uma pesquisa feita no Reino Unido pela revista “Student BMJ” constatou que um em cada sete estudantes de medicina, por exemplo, já considerou cometer suicídio durante o curso. Além disso, 30% dos estudantes vivenciaram algum problema relacionado à saúde mental. Mariana considera que a própria estrutura dos cursos contribui para reforçar a estatística. “Houve períodos em que, várias vezes durante a semana, eu passava mais de 12h na universidade, e vale ressaltar que durante todo o curso eu segui exatamente a grade proposta pelo departamento, sem adiantar ou perder nenhuma matéria. A nossa grade é exatamente a que eu vivi. Em casa, nós temos que inventar tempo e disposição para estudar para diversas provas, chegando até cinco ou seis em uma semana. Aos fins de semana, o tempo

que resta é para colocar os assuntos em dia, e nessa rotina muita gente acaba esquecendo de cuidar de si”, conta. Ainda de acordo com a universitária, essa rotina que desconsidera o lazer e a saúde mental intensifica a ansiedade sentida pelos estudantes de medicina, além das cobranças individuais e coletivas pela responsabilidade de serem os melhores para os pacientes. “Os estudantes da área da saúde, em geral, e de medicina em particular, na UFS, tendem a ser submetidos a rotinas intensas de estudos e atividades práticas. A cada novo ciclo mais dificuldades são postas e eles precisam saber lidar com esses desafios crescentes.


EDUCAÇÃO

“Pior que a expansão da doença e suas causas, é o silenciamento, o tabu, a falta de discussão ampla sobre um problema de saúde pública” O perfil do aluno, hoje em dia, que precisa trabalhar, ou que vem de outros estados – fenômeno observado a partir do Enem – tende a criar algumas dificuldades a mais na adaptação, já que ficam longe da família e são submetidos a uma carga horária intensa (trabalho e estudo). Isso implica negativamente na saúde desses alunos”, explica João Paulo, psicólogo do setor de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS). De acordo com ele, a formação de um ciclo de ansiedade deixa o organismo permanentemente tenso e o estudante passa a apresentar algumas dificuldades como insônia, declínio do desempenho acadêmico, procrastinação e conflitos interpessoais. “Nesses casos, os alunos tendem a perder disciplinas, trancar ou abandonar o curso, em razão do grande volume de sofrimento acumulado. Em alguns casos extremos, o aluno pode apresentar quadros psicopatológicos, como depressão”, explica o psicólogo.

TRANSIÇÃO E ESTRUTURA EDUCACIONAL Os desafios que os estudantes enfrentam nessa fase da vida são os mais diversos e vão desde aqueles relacionados ao contexto universitário, como a escolha profissional e as exigências acadêmicas, até o âmbito pessoal quando tentam se adaptar a novas relações e papéis, e se projetar no mercado de trabalho. Maria Giulia Souza, estudante do Colégio de Aplicação da UFS (Codap), é uma entre muitos estudantes que estão passando pelo processo de transição do ensino médio para o ensino superior e que muitas vezes transcende as preocupações acadêmicas.

“É durante essa transição que começo a pensar em todo o resto da vida. Não só na profissional, mas na vida pessoal também, como, por exemplo, conseguir dinheiro para morar em um apartamento perto da faculdade e me manter lá”, explica a estudante. De acordo com Luige de Oliveira, mestre de Sociologia, a estrutura de ensino é centrada na competitividade e a necessidade pelo sucesso na vida desde cedo parte de uma perspectiva de crise estrutural. “Se o gargalo vai afunilando mais, a briga para entrar nesse buraco vai se tornando cada vez mais bárbara. Então, ou você começa a “vencer na vida” logo cedo, derrotar a todos os iguais e potenciais concorrentes, ou estará fadado ao fracasso da dificuldade em conquistar uma vaga na faculdade, obter alguma segurança no mercado de trabalho e crescimento profissional. Impossível não termos uma sociedade doente”, ressalta o professor de ensino médio. Para Carine, essa competitividade a que os estudantes estão suscetíveis surge “desde o ensino fundamental, é potencializada no ensino médio e, muitas vezes, não é explicitada no mundo acadêmico. “A frustração, a sensação de inabilidade, de nunca alcançar metas porque sempre há metas maiores, artigos melhores, notas a serem batidas”, explica. Além disso, esse viés competitivo a partir do mérito reforça os retratos de uma sociedade excludente dentro do sistema educacional na medida em que invisibiliza recortes sociais, raciais e de gênero. Ao seguir um viés meritocrático, a universidade acaba por sobrecarregar indivíduos com realidades que diferem desde a renda até o apoio familiar, afastando-se do ideal de uma educação superior homogênea e inclusiva.

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ESPORTE Atividades físicas como válvula de escape para a redução dos níveis de estresse Wirlan Lima | wirlanlima@gmail.com

Acordar, trabalhar, cuidar dos filhos, cuidar da casa, o trânsito, contas para pagar. Essa é a rotina do brasileiro. Em muitos casos, estes acontecimentos do dia a dia podem gerar problemas mentais como mudança de humor, ansiedade, depressão e, principalmente, estresse. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 90% da população mundial sofre com estresse. No Brasil, 70% lida com este mal que é considerado a “doença do século XXI”. O estresse é prejudicial à saúde, uma pessoa que sofre desta síndrome pode desenvolver várias doenças, tanto físicas quanto psicológicas. O indivíduo nessas condições pode desenvolver dores musculares, cansaço, exaustão, problemas cardiovasculares, desenvolver depressão, dentre outros. Para amenizar esse mal, praticar atividade física surge como um aliado importante no combate a esta doença. O estresse Estresse pode ser definido por estar sob “pressão” ou “tensão” psicológica. E é ativado quando o indivíduo percebe que agentes estressores podem ameaçar a sua integridade física ou mental, ou seja, é uma reação adaptativa, representando uma defesa natural do organismo, na qual é desencadeada quando o corpo é exposto à agentes estressores, como a rotina do dia a dia e ao lidar com pressão psicológica, principalmente com pressões no trabalho. Sobre este último ponto, uma pesquisa realizada pela International Stress Management Association (ISMA-BR) apontou o trabalho como um dos principais agentes estressores da população brasileira, pois, segundo dados da ISMA-BR, 70% dos trabalhadores brasileiros sofrem com estresse. Segundo o psicólogo Rafael Matos, o estresse pode se desenvolver através de fatores externos e internos ao indivíduo. “Os fatores internos referem-se às dificuldades do indivíduo em lidar com situações externas que são capazes de criar tensões patológicas, por exemplo: desastres naturais, assaltos, hospitalizações, sobrecarga no trabalho, dentre outros. Em contrapartida, o estresse também pode desenvolver-se devido a condições internas capazes de atuar como geradoras de tensão no estado emocional do indivíduo, tais como: a ansiedade, o pessimismo, os pensamentos disfuncionais, padrão de comportamentos de pressa, falta de assertividade, competição, dentre outros”, explica. Esta doença é caracterizada por três fases: a de alarme, resistência e exaustão. A fase de alarme decorre da ativação do sistema nervoso simpático que aciona o mecanismo de luta, nesse momento o indivíduo têm os primeiros contatos com o agente estressor; na fase de resistência, o corpo mantém-se ativado por um tempo, suportando o estressor; já a fase de exaustão é caracterizada pelo desgaste dos recursos adaptativos do corpo em suportar os estressores, tornando-se assim vulnerável. “Na fase de exaustão, o indivíduo apresenta uma queda na capacidade de pensar, lembrar e agir; o sistema imunológico encontra-se fragilizado, sendo frequente o surgimento de doenças infecciosas; o corpo apresenta sinais de exaustão e cansaço”, aborda o psicólogo.


ESPORTE

Atividade física como agente redutor dos níveis de estresse Praticar atividade física regulamente traz vários efeitos positivos para o corpo, pois controla o colesterol e os níveis de diabetes, atua no controle do peso, melhora a circulação sanguínea e a capacidade pulmonar, atua no fortalecimento muscular, dentre outros. Sua prática regularmente também desenvolve benefícios psicossociais e cognitivos, principalmente aliviando os níveis de estresse. Por suspeita de estresse intenso, o médico de Maria do Carmo, 38 anos, a recomendou praticar atividades físicas regularmente como parte do tratamento para amenizar os efeitos da doença. “Passava o dia todo com mau humor e ao fim do dia sempre tinha muitas dores de cabeça e dores no corpo, então meu médico mandou praticar atividades físicas. Acabei optando por frequentar academia. Percebi uma melhora em relação as dores que sentia antes”, relata a dona de casa. Para o educador físico Alessandro Galindo, praticar atividades como corridas, andar de bicicleta, praticar yoga e caminhadas, e ter uma alimentação saudável estimula o corpo a produzir substâncias que atuam na redução do estresse, ao aliviar as tensões. “ Essas atividades acabam produzindo endorfina pelo cérebro que atua relaxando fisicamente e mentalmente o indivíduo”, explica. Fátima Carvalho é vendedora, 35 anos, e faz parte do grupo de pessoas que sofre de estresse no trabalho. Ela conta que tem problemas com a pressão em relação ao aumento de produtividade e em se relacionar no ambiente de trabalho. Fátima começou a praticar caminhada com o intuito de controlar o colesterol, mas logo percebeu que, além colesterol, obteve uma melhor disposição e relacionamento no trabalho. “Quando faço caminha percebo que o meu dia é diferente, principalmente no trabalho. Tenho mais disposição para trabalhar e me relaciono melhor com as pessoas, e isso para mim é fundamental”, relatou a vendedora que pratica caminhada todos os dias da semana. No âmbito mental, a atividade física melhora as funções cognitivas, como raciocínio, memória, atenção, recepção e processamento de informação; e promove uma socialização. “Neurologicamente falando, a atividade física tem o potencial de estimular neurotransmissores do sistema nervoso central responsáveis por áreas de funções cognitivas. Já no que se refere ao aspecto psicossocial, a atividade física proporciona, quando praticada de modo coletivo, a socialização. Além disso, contribui para a melhoria da autoimagem, o que por sua vez fornece ao indivíduo o sentimento de confiança para enfrentar novas situações, seja no campo afetivo, seja no profissional, sendo todos esses aspectos fundamentais para a promoção da saúde mental”, explica o psicólogo Rafael Matos.

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CULTURA

HerĂłi

Do sensĂ­vel

Imagem retirada do filme.

ao tabu

Caroline Matos | carollanjoss@gmail.com


CULTURA

C

onstatar o quão inesperado pode ser o decurso de determinadas vidas pode se tornar uma tarefa emocionalmente árdua, principalmente quando estas são marcadas por adversidades genéticas e psicológicas que influenciam diretamente as suas vivências. O curta metragem “Herói”, intensamente sensível e inquietante, dirigido por Pedro Figueiredo e João Pedone, coloca justamente isso em voga. O filme, produzido enquanto Pedro e João cursavam o terceiro ano de Cinema na Universidade de São Paulo (USP), conta a história de Neusa (Giuliana Maria), uma empregada doméstica que se dividia entre os afazeres domésticos e os cuidados com Vinícius (Matheus Martins), filho de seus patrões, que possuía suas capacidades cognitivas diminuídas, o que o fazia agir como se fosse uma criança presa ao corpo de um homem adulto. A deficiência de Vinícius é um dos principais ganchos da obra. Apesar de o personagem ser um jovem que, biologicamente, se apresenta na fase em que a sexualidade passa a se aflorar com mais intensidade nos seres humanos – adolescência –, suas limitações o impedem de discernir as situações e mensagens transmitidas por seu próprio corpo. Em contrapartida, Neusa, em um dos momentos do filme, abusa sexualmente do jovem após ele adentrar o banheiro enquanto a doméstica tomava banho. Transtornado com a situação a que estava sendo submetido, Vinícius tenta se defender do estupro mesmo sem compreender claramente o que estava lhe acontecendo. O curta estreou no Festival de Gramado, em 2015, concomitante à sua indicação na categoria de Melhor Atriz. Construção Após ter ingressado na Escola de Artes Dramáticas (EAD) da USP, a atriz Giuliana Maria passou a se dividir entre os estudos e a profissão de odontóloga, o que a ajudava a se manter financeiramente em São Paulo. A chance de fazer parte do elenco de Herói surgiu oportunamente quando ela estava prestes a se formar, ainda que as características exigidas para o papel, a princípio, não estivessem de acordo com o seu perfil. A personagem Neusa tinha sido pensada como o verdadeiro estereótipo de empregada doméstica brasileira: negra, pobre e fora dos padrões estéticos. Porém, a química entre os atores durante os testes fez com que o papel fosse adaptado à atriz. Para dar vida ao papel, Giuliana tentava se descuidar com a aparência o máximo possível, para que assim aparentasse ter mais idade do que a realidade. Além disso, com quatorze minutos e apenas dois personagens, o roteiro do filme apresenta poucos diálogos, propiciando que os atores explorassem a capacidade de dramatização de seus corpos ao ponto de construírem diferentes narrativas através de olhares e expressões. “Foi um trabalho bem sensível. Eu e o Matheus estudamos bastante os personagens e o resultado foi muito bonito. Eu não esperava em chegar a ganhar o Kikito de melhor atriz. Foi meio surreal”, explana a artista. Seu parceiro de cena - Matheus Martins, hoje conhecida com o nome social Marina Matheus - era, assim como Giuliana, estudante da EAD. Vinícius, personagem central que apresenta sua capacidade cognitiva comprometida, aparece durante toda a obra vestido com uma espécie de fantasia improvisada de super-herói, com direito à cueca na cabeça e meias nas mãos, o que reforçou a construção da imagem infantil do personagem, apesar de ele ter aparência de um homem jovem.

Para Pedro Figueiredo, inicialmente, a obra não teve nenhuma intenção em abordar o tema com um viés moral, pois falar sobre abuso de pessoas com necessidades especiais, além de muito sério, requereria a elaboração de cenas que refletissem de forma mais real possível a brutalidade da ação. “Acredito que, primeiramente, lidamos tudo de uma forma meio irresponsável. Depois o roteiro foi se tornando uma tentativa e encadear os acontecimentos, criar causa. Essas coisas de dramaturgia clássica aconteceram só quando a Giu e o Matheus entraram. Tudo se tornou algo mais sério, eles pensavam muitos sobre os personagens e queriam entender a justificativa deles para os atos”, relata. O silêncio entre as cenas, que mais explana do que cala, e o minimalismo nos olhares entrelaçado às emoções transmitidas, possibilitam que lacunas sobre as significações da obra sejam abertas, dando ao público a chance de assimilar o conteúdo de diferentes formas. “A ideia inicial é do Heitor Isoda, um dos roteiristas. Foi mais um conjunto de eventos meio atípicos e desconexos como: um jovem adulto vestido com uma roupa de herói. Ele se recusando a comer o almoço da empregada. Ela abusando sexualmente dele. Eles criaram vida nos personagens que antes foram estereotipados por nós [diretores]. O filme se tornou algo muito mais sutil e delicado, porque os atores queriam entender os motivos por trás daquelas ações”, conta o Pedro. Saúde Mental O principal acontecimento do curta se dá durante o estupro do personagem de Matheus por sua cuidadora. Em determinado momento, a doméstica apresenta desvios de conduta ao notar a presença de Vinícius se masturbando dentro do banheiro enquanto ela estava no banho, o que estimulou a personagem a cometer o abuso sexual contra o rapaz. No Estado de São Paulo, entre 2011 e 2014, o Disque Direitos Humanos (100) registrou quase oito mil denúncias de violência contra pessoas com deficiência. Em 72% dos casos, o agressor pertencia à família da vítima. Conforme a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, a negligência foi o tipo de violência mais recorrente (32%), seguido de violência psicológica (29%), violência física (20%), violência financeira (12%) e violência sexual (4%). De acordo com o IBGE (2015), no Brasil, 6,2% da população possuía algum tipo de deficiência, sendo que 0,8% desse número se referia a população portadora de deficiência intelectual. Do total de pessoas com esse tipo de insuficiência cognitiva, mais da metade (54,8%) tem grau intenso ou muito intenso de limitação e cerca de 30% frequentam algum serviço de reabilitação em saúde. Apesar de o filme ter sido pensado a partir de uma história em quadrinhos de autoria de um dos roteiristas do curta, Heitor Isoda, seria inevitável não levar em consideração a pauta central e a forma de abordagem sensível de um tema que ainda é debatido com ressalvas, como se o tabu em torno do assunto fosse mais intenso que a necessidade de colocar em evidência esse tipo de violência tão recorrente. O enredo obedece justamente a circunstância mais comum para a prática do abuso sexual de incapazes: no ambiente doméstico e com a ausência dos responsáveis pela pessoa vulnerável (apesar de muitas vezes o abuso ser cometido pelos próprios familiares). A escassez de dados disponíveis para análise dos casos de violência sexual acometidas a esse grupo, por exemplo, dificulta a apuração e divulgação dos dados reais e evidencia a sutil importância que as autoridades tem dado ao assunto.

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CULTURA A produção desse tipo de material audiovisual cumpre um papel de grande importância não só pelo estímulo à produção acadêmica e à abordagem da sensibilidade através da arte, mas também pelo fato de trazer à tona pautas normalmente invisibilizadas na sociedade, como o assédio sexual cometido contra portadores de necessidades especiais. Para Figueiredo, as questões levantadas pelo filme são imprescindíveis para a construção de debates sobre o tema. “Quando a gente começou a passar o filme eu não sabia como ia ser a reação das pessoas, e acabei descobrindo que gera debate. As pessoas me fazem várias perguntas, e muitas eu nem sei responder. Muitas eu tive que digerir e pensar depois. Cada um reage de um jeito, e traz novas questões”, afirma.

Premiação O curta foi lançado no 43° Festival de Cinema de Gramado, em agosto de 2015, onde foi indicado ao prêmio de Melhor Atriz, conquistado por Giuliana Maria. Um misto de incredulidade e emoção tomava conta da atriz que, até pouco antes da premiação, não sabia que estava concorrendo ao Kikito. “Receber um prêmio por um trabalho que você fez é muito gratificante e gera uma visibilidade que requer uma maturidade para você transformar isso numa coisa positiva na sua carreira. Tenho amigos que são grandes atores e que nunca ganharam um prêmio. Ter essa dimensão do prêmio com um todo maior do que você é a parte mais importante”, relata.

Visita à UFS Giuliana Maria, atriz mineira que deu traços à Neusa, morou em Aracaju durante a adolescência e, em retorno à capital, participou de um bate-papo com os estudantes de Comunicação Social da Universidade Federal de Sergipe, promovido pela professora Suyene Correia, no mês de abril. Rotina de ensaios. Técnicas. Controle emocional. Entrega. A atriz compartilhou um pouco da sua história profissional e pessoal com os alunos, inclusive sobre como tomou a decisão de se dedicar à atuação e de como isso desagradou sua família – declaradamente tradicional. “Na cabeça deles artista tinha vida fácil, se envolvia sexualmente com seus parceiros de uma forma promíscua. Esse tipo de coisa era muito presente no discurso do meu pai, por exemplo, que era uma pessoa extremamente autoritária”, conta. Assim como uma maioria esmagadora de mulheres que precisam se superar a cada dia e lutar por seu espaço de direito seja no trabalho, seja no âmbito familiar, a atriz continuou sua trajetória artística e hoje em dia carrega consigo uma extensa bagagem profissional, tanto no cinema quanto no tea-

tro, a exemplo de seus trabalhos em “A MORrer” (curta dirigido por Gabriela Caldas e premiado como Melhor Curta Sergipano no Curta-SE, 2006), participação nas séries “A Lei” e “Carceireiros” e “Bodas de Sangue” (peça de Federico García Lorca, Kumpanya dos Duendes). Além de prosseguir com a carreira de atriz em São Paulo, Giuliana Maria agora divide o seu tempo com o cargo de diretora da Escola de Artes Valdice Teles, em Aracaju. O bate-papo com a atriz, além de oportuno, também foi de grande importância para os alunos interessados pelo mercado audiovisual e, inclusive, por atuação. “Ter esse contato com alguém que tenha feito parte não só do elenco, mas também do processo criativo do filme [Herói], é muito importante para a gente que ainda é estudante, por dar essa possibilidade de perguntar, de saber como aconteceu”, conta o aluno de Jornalismo Eric Almeida, que classificou ainda a presença da atriz como fundamental para estimular nos alunos a vontade de produzir e alcançar seus objetivos profissionais.


MULHER 19 19 O silêncio veste saia Clara Dias | claralds@gmail.com

Araceli Crespo completaria nove anos um mês e meio depois da ocasião em que teve a vida hediondamente ceifada, no dia 18 de maio de 1973, num ato precedido por extrema violência e abuso sexual. Seu caso se tornou nacionalmente afamado. Contudo, mesmo sendo provada a autoria do crime, os dois responsáveis por ele nunca foram a julgamento. A data do falecimento de Araceli foi transformada pelo Congresso Nacional, em 1998, no Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Sete anos depois desse infortúnio, Dolores de Jesus*, que já havia completado nove anos de idade, teve seu corpo violado pela primeira vez. Ela ainda não tinha o amparo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído apenas em 1990. Também não tinha conhecimento das consequências psicológicas que enfrentaria anos depois. Seu caso, no entanto, como o de milhares de meninas, nunca foi conhecido.

De saia Na infância, Dolores já reconhecia olhares tortuosos que deviam ser incompreensíveis na sua idade. Aprendeu com a vida a traduzir a língua dos adultos. Sua mãe mal interpretava o português. Estava preocupada com a boca do fogão que não acendia, quando um senhor, com idade para ser avô da menina, passou pela porta de sua casa, oferecendo conserto para utensílios domésticos. Necessitada, a mãe aceitou o serviço. Foi ali, no bairro Farolândia, na casa onde hoje se vendem lotes de condomínio, perto do cemitério onde, mais tarde, foi construído um campus universitário, que Dolores conheceu o abuso sexual. O pai de Dolores não deixava os homens se aproximarem dela. Todavia, perdeu a batalha para o álcool e não pôde evitar aquela primeira aproximação. O senhor, que já havia consertado o fogão, foi cuidar também da descarga, e pediu permissão à mãe da menina para que ela o ajudasse no banheiro. A resposta positiva engatilhou o início de seu pesadelo diurno. “Ele me mandou botar a língua para fora e eu disse não. Ele disse que se eu não o obedecesse, ele mataria minha mãe e meu pai. Então, eu botei a língua para fora... Ai meu Deus! Não gosto nem de lembrar. Foi horrível”, lembrou Dolores. Ali, entre as paredes do banheiro que nin-

guém conferiu, o homem não nomeado pela vítima, hoje com 36 anos, chupou a língua da criança e passou a mão pelas suas partes íntimas. E exigiu: “Amanhã, quero você de saia. Está ouvindo”? No dia seguinte, ela estava de saia. Em 2015, o Disque 100 (serviço criado pelo governo para receber denúncias de violação dos Direitos Humanos) recebeu 17,5 mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Apenas uma parte das 80,5 mil denúncias computadas em território nacional no mesmo ano, das quais 54% tinham meninas como vítimas. Já nos primeiros quatro meses de 2016, foram quase cinco mil as denúncias do Disque 100. Em 1980, não houve nenhuma. O serviço governamental só foi inaugurado em 2006, 26 anos depois de Dolores começar a mudar de comportamento por conta do seu primeiro abuso. A mãe, ocupada o dia inteiro com a lavagem de roupas para sustentar suas crianças, não percebeu o jeito diferente da filha, nem a excessiva proximidade dela com aquele homem. “Ele me botava sentada em seu colo e, ali, eu tinha que pegar nas partes íntimas dele. Elas ficavam alteradas, e, assim, ele passava nas minhas pernas, botava minha mão em cima”, contou a moça. O comportamento se repetiu até o dia em que ele tentou sua primeira saída com a menina.


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MULHER Segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), baseado nos dados de 2011 do Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério da Saúde (Sinan), 70% das vítimas de estupro no Brasil são crianças e adolescentes. Não obstante, uma pesquisa realizada em 2015 pelo Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, indica que 90% das mulheres sentem medo de serem agredidas sexualmente. Um medo que transpareceu no olhar de Dolores quando ela implorou em silêncio para que sua mãe não a deixasse, nem a seus três irmãos, acompanhar aquele senhor ao mercado. Ela sabia que seria estuprada. A permissão, entretanto, foi concedida. Na volta, os meninos foram na frente, enquanto o senhor puxava Dolores para o beco escuro ao lado de uma das casas da redondeza. “E ali ele começou a me usar sexualmente. Quando ele estava me usando do jeito que queria, na hora, do nada, apareceu um homem. E esse homem olhou e perguntou o que ele estava fazendo. Foi no momento em que ele me soltou e eu corri para casa. Cheguei, fiquei chorando no quarto e não contei para ninguém”, continuou. O homem não voltou a aparecer. Três dias depois, seu nome era anunciado na mídia como acusado pelo estupro de outra garota, deixada num terreno baldio em meio a uma hemorragia. Dolores sentiu-se sortuda.

De calça Dolores cresceu solitária. Quando ia à escola, não saía da sala de aula nem durante os intervalos. Por isso, não tinha muitos amigos. A vergonha era paralisante. Ao se mudar para o Conjunto Augusto Franco, não ia sequer à padaria. Sua irmã passou a ir em seu lugar, pois ela tinha vergonha, medo, de passar pela rua. “Eu só passava se estivesse acompanhada, ou se não tivesse ninguém no caminho. Caso contrário, não saía de dentro de casa. Não saía para canto nenhum. Minha mãe não mandava nem eu ir ao mercadinho, porque eu não ia. Até meus 20, 25 anos, eu era assim”, relatou. De acordo com a psicóloga Karine David Andrade Santos, vítimas de violência sexual podem apresentar consequências físicas e psicológicas, como angústia, medo, ansiedade, culpa, vergonha, depressão, reações somáticas, contágio com Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), problemas ginecológicos, dentre outros. Além disso, muitas costumam desenvolver Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). “Quando esse abuso ocorre na infância, os membros responsáveis ou pessoas próximas da criança são os autores mais frequentes desta violência. E isto terá impacto direto no desenvolvimento desse ser. Assim, ocorrerão prejuízos em determinadas habilidades como comunicação, na confiança em si e no próximo, bem como reconhecer e ter comprometimento com os desafios encontrados na vida. Também são comuns os registros

de problemas de aprendizagem, queixas somáticas, depressão, dificuldades de relacionamento e risco de drogadição na vida adulta”, afirmou a psicóloga. Ainda segundo Karine, determinados comportamentos são indicadores de abuso sexual na infância e podem ser facilmente identificados por educadores ou pessoas próximas. Receio de ficar só, medo ou receio de voltar para casa, agressividade excessiva, melancolia, choro fácil e frequente e dificuldade de se relacionar com as pessoas são exemplos desses indicadores. Dolores não buscou tratamento, não reconhecia os sintomas da ansiedade ou depressão. Karine, entretanto, acredita na psicoterapia como melhor forma de remediar esses sintomas. “A psicoterapia será a oportunidade de expressar o não-dito, as emoções e os sentimentos reprimidos, assim como recuperar o espaço psíquico ocu-


MULHER pado pelas palavras e expressões do agressor. Além disso, através da escuta atenta e do acolhimento, os sentimentos dessa vítima serão validados, o que pode proporcionar o restabelecimento da segurança e propriedade dela sobre seus sentimentos e emoções”, explicou a profissional. Dolores, por conseguinte, considera-se uma pessoa medrosa. Também pudera. Além do abuso na infância, foi submetida a uma série de situações similares através dos anos. Em casa, na adolescência, com o tio. Mais tarde, aos 20, com o padrasto. Aos 17, sonhava em ser dançarina. Ingressou numa banda para descobrir que a moeda de troca seria seu corpo, não seu talento. Não aceitou. No ônibus, foi apertada, violada, tocada, empurrada. Perto de homens, não anda mais. Como babá, tornou-se clichê. Após visitas noturnas do contratante ao seu quarto, demitiu-se, e, na carona até o ponto de ônibus, foi jogada na rua, no escuro, por se recusar a acompanhá-lo até o motel. Na empresa onde trabalhou por último, como copeira, foram dois episódios de assédio sexual. Um não a deixou ir em paz ao banheiro. O outro, bem, o outro a trancou na sala e pediu que ela revivesse a sua infância. Para ele, a calça da farda não era empecilho. Ela não sentou no seu colo dessa vez. O trauma continuou a perseguir Dolores. Ainda não gosta de sair de casa sozinha, acredita que pode ser seguida e violentada. “Eu tenho MEDO de sair só! Se for para sair de casa, prefiro ficar, trancada. Se sair, preciso ter uma pessoa ao meu lado. Tenho mais segurança”, confidenciou a moça. Ainda contou que nunca se sente segura em sua própria casa. “Se eu estiver em casa sozinha, eu não durmo. Eu não durmo de jeito nenhum! Quando meu pai não está em casa, vai viajar, eu durmo na casa da minha mãe, com ela. Não tem quem faça eu ficar sozinha, porque eu penso que um homem vai subir e entrar dentro de casa”. Nem os cacos de vidro em cima dos muros, nem um de seus dois filhos guardando o corredor para que ela possa lavar os pratos em paz, convencem-na de que está livre de cair, mais uma vez, em estatísticas.

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Diferente Apesar das duas experiências ruins, foi em seu último trabalho que Dolores encontrou uma mudança para seu comportamento. Entrou na empresa com poucas palavras, mal humorada, tratando as pessoas mal, como um mecanismo de defesa. “Eu era fechada, não falava com ninguém, era tímida, e o povo dizia que eu era mal humorada, que eu tinha cara de bicho. Às vezes, não vou mentir, ficava até com a cara feia mesmo”, confessou ela. Aos poucos, suas colegas a aconselharam a ser mais amigável e comunicativa. Logo, Dolores fez amizades e, apesar de manter a sua timidez, conseguiu quebrar a barreira que a impedia de falar com as pessoas. Contudo, os casos em que a moça sofreu abuso e assédio sexuais nunca foram solucionados, ou sequer denunciados. “Não cheguei a falar para ninguém porque não tinha entendimento. Não sabia que tinha essas coisas. Eu sei hoje, vim saber um dia desses, quando comecei a trabalhar. Esse primeiro emprego foi uma escola para mim. No trabalho, aprendi o que é lei, porque eu fui escutando, ouvindo as pessoas falarem”, explicou. Realidade de inúmeras meninas que sofrem casos parecidos no mundo. Um estudo feito pela Comissão do Gabinete de Crianças da Inglaterra, em 2014, aponta que 400 mil crianças vítimas de abuso sexual não relataram seus casos entre 2012 e 2014. 50 mil casos foram denunciados, mas estima-se que o número supere 450 mil. Em Aracaju, conquanto, o Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV) abriu 999 inquéritos relacionados à violência contra mulher em 2016. Ainda não há estatísticas sobre quantos deles são ligados a abuso sexual. O Departamento, porém, afirma ser minoria entre as ocorrências. A psicóloga Karine Santos explica que as vítimas costumam ter medo ou vergonha de realizar a notificação, ou mesmo não reconhecem a condição abusiva dentro do relacionamento. Além disso, nem sempre as delegacias ou outros órgãos de denúncia são de fácil acesso. No entanto, há formas alternativas de atender às

vítimas de violência. “Em Sergipe, tenho conhecimento da existência de centros especializados no atendimento à mulher em situação de violência, o que representa um ganho considerável no combate a esses casos”, afirmou Karine. Ademais, existem coletivos de mulheres que se propõem a ajudar as outras em diversos problemas voltados à temática da mulher, incluindo a violência, como o Coletivo de Mulheres de Aracaju. “A gente faz mesas discutindo o tema frequentemente e temos uma lista de lugares onde essas mulheres podem ir e serem acolhidas. Muitas vezes, muitas nos procuram apenas para serem ouvidas. Temos psicólogas no coletivo e, também, assistentes sociais. Damos o direcionamento a essas mulheres. Também fazemos oficinas de defesa pessoal, para que as mulheres saibam como se defender em tentativas de abuso”, relatou Mikaella Campos, estudante de Jornalismo e integrante do Coletivo. Para evitar a repetição de histórias como a dela, Dolores alerta outras mães a observarem cuidadosamente os passos de seus filhos. Ela, como mãe, acredita e pratica o diálogo com seus dois filhos, meninos, para estabelecer uma relação familiar de confiança. A moça, enfim, sabe que a culpa nunca é da vítima. “Quando vem a acontecer esse caso na vida de uma criança, ou de uma menina de 12 anos, às vezes as pessoas julgam. Dizem “ah, uma menina de 12 anos já sabe o que quer”. Não, não é não. Eu entendo. Eu sei que muitas têm medo. Fazem por pressão, porque eles fazem medo. Dizem que vão matar a mãe e o pai. A criança fica sujeita na mão do rapaz, porque não tem uma pessoa de confiança para poder contar”, sobressaltou. De saia ou de calça, portanto, Aracelis e Dolores precisam, sobretudo, de voz. *Por motivos de segurança e privacidade, a fonte preferiu não ser identificada.


MULHER DEPOIS DOS 60:

A GERAÇÃO DAS MULHERES EM DESCOBERTA Rafael Amorim | rafaelamorimc@gmail.com Três mulheres. A religião. O teatro. O Alzheimer. Os filhos. A solidão. Os carnavais. As plantas. O isolamento. O álbum de fotografias... A história de Eunice, Idéa e Elizabeth são tão diferentes quanto elas. Ainda em descoberta, as mulheres que já ultrapassaram suas seis décadas contam, nessa reportagem, o que mudou depois de tanto tempo e aquilo que permanece igual – no mundo e nelas – e mostram como cada uma, a seu modo, foge dos problemas psicológicos que chegam com a idade.

Foto: Rafael Amorim

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idade que nem sempre é a terceira, tampouco a melhor, costuma chegar para todos. Segundo o Ministério da Saúde, envelhecer bem envolve quatro fatores básicos: os hábitos de vida, a hereditariedade, as condições ambientes e as doenças. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera uma pessoa idosa a partir dos 60 anos. No mundo, já existem cerca de 841 milhões de pessoas que já ultrapassaram essa idade. No Brasil, esse número é de 24,4 milhões e a estimativa de vida não para de crescer. Embora, convencionalmente, envelhecer seja relacionado às mudanças físicas as quais as pessoas estão submetidas, com a idade, muitas doenças psicológicas começam a ser rotineiras na vida dos idosos – a depressão, por exemplo, já alcançou 121 milhões de pessoas no mundo, um número ainda mais expressivo para pessoas acima dos 60 anos. O sentimento de improdutividade, a falta de independência, a solidão, o isolamento e até mesmo a falta de atenção dos familiares são fatores que levam os idosos à depressão, segundo a psicóloga Esmeraldina Melo, especialista no tratamento desse público. “A gente sabe que a partir do momento em que as pessoas que estão ao redor desse idoso a consideram improdutivo, “velho”, tiram a autoestima dele, excluem e anulam o conhecimento que ele possui”, conta. Para ela, o próprio contexto político ao qual essas pessoas estiveram submetidas implica em uma dificuldade naturalizada de socialização. “Essas pessoas, normalmente, vieram da época em que havia a ditadura militar, em que os encontros eram proibidos, estar em grupo era muito difícil. Isso é muito diferente da geração atual”, explica. O encontro com pessoas da mesma idade, então, surge como algo que, segundo Esmeraldina, aumenta a sociabilidade e a maneira dessas pessoas enxergar o mundo. “É muito importante manter amizades, estar em grupo e se descobrir. Descobrir novos lugares, novas atividades e estabelecer uma nova relação com a vida e sua cidade, por exemplo”, afirma. Além disso, a disponibilidade de tempo que é consequente nessa idade pode ser o impulso para iniciar novas atividades. “A partir dos 60 anos, é possível que você faça uma reorientação profissional. Você pode começar alguma coisa não porque você vai competir ou buscar subsistência, mas porque você gosta, nunca fez e tem um olhar diferente”, conta. Para Esmeraldina, a fé, o amor e as atividades desempenhadas como o esporte e o lazer são estímulos que, após os 60 anos, impedem que essas pessoas enfrentem problemas psicológicos e tenham, assim, uma saúde mental estável.

Idéa Nogueira | Foto: RafaIdéa Nogueira | Foto: Rafael Amorim

A mulher do século XX Uma coisa que Idéa Nogueira, 80, sempre fez e continuou fazendo, mesmo depois da aposentadoria, foi ensinar. Professora de ciências durante a vida inteira, nem mesmo quando a aposentadoria chegou, conseguiu abandonar o hábito. “Ainda hoje sou professora na igreja, eu ensino na classe de adultos”, conta ao se referir ao ensino bíblico. Formada na Universidade Federal de Pernambuco em Nutrição, num período em que a profissão ainda começava a ser conhecida, Idéa acabou adaptando o conhecimento que tinha para se tornar professora de escolas públicas em Aracaju, onde chegou após se casar. Continuou em sala de aula até perceber o conflito entre as gerações. “Antigamente aluno respeitava professor, hoje não respeita nem os pais. Quando eu notei que a juventude estava perdendo o respeito pelas autoridades, eu decidi parar”, diz. Sendo a irmã mais velha entre duas filhas mulheres, Idéa conta que era muito “peralta” quando criança. “Dava muito trabalho para minha mãe, levava muito beliscão. Agora é que eu parei porque estou velha, não aguento mais. A mente continua boa, mas o corpo não reage mais como antes”, conta. As limitações que vieram com o tempo foram difíceis de ser absorvidas na rotina. “Minha cabeça está boa. Eu ainda penso bem, mas o joelho reclama”, diz, ressaltando o fato de ainda ter uma boa visão: “só uso óculos mesmo pra preservar”. Apesar disso, Idéa já não se locomove como antes, nem consegue cumprir todas as tarefas com a mesma disposição. Casada há 52 anos, ela acredita que as pessoas hoje são muito inconstantes. Quando pensa no segredo para um casamento estável, as dicas são duas: escolher bem e aceitar sua escolha. “Até que a morte nos separe, não é isso que falam?”, questiona.

Às vezes ele me pergunta como foi nosso casamento. Ele não lembra, mas eu lembro. Eu trasmito pra ele. Amanhã ele faz a mesma pergunta. E eu respondo de novo...” O marido, na segunda fase do Alzheimer, doença que começou há 4 anos, é outra variável na vida da mulher. Ao explicar que as ligações no cérebro são quebradas, Idéa se choca com outro


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Elizabeth Almeida | Foto: Rafael Amorim

tipo de fratura: a perda de memória dele. “Às vezes ele me pergunta como foi nosso casamento. Ele não lembra, mas como eu lembro, eu transmito pra ele. Amanhã ele faz a mesma pergunta. E eu respondo de novo”, conta. Olhando para o passado, entre fotografias espelhadas na estante, Idéa fala sobre o melhor momento da sua vida sem pensar duas vezes. “Não tem fase melhor na vida de ninguém do que ser mãe e ter seus filhos ao seu redor”, conta. Mãe de 4 filhos, é a infância deles que se configura em sua melhor saudade. “Fim de semana, vem todo mundo aqui pra casa. Pena que são só 4, devia ter mais. É uma felicidade”, afirma. As mudanças às quais assistiu, chegando aos 80 anos, foram muitas. Transformações que também alcançaram a mulher e seus direitos. Nesse aspecto, Idéa é categórica e afirma, mesmo quando não tem aprovação: “a mulher quer ser igual ao homem quando não é e não pode ser. Isso é cientificamente provado. Nós existimos pra fazer companhia e ajudá-lo, não para ser igual a ele. Agora tem até um partido da mulher”, diz, indignada. “Eu sou mulher do século XX. Eu passei pro XXI, mas minha cabeça ainda está lá”, completa. A mulher que não se entregou Antes de começar a entrevista, Elizabeth Almeida, 62, acordou, deixou o café pronto, foi para a academia e depois para a missa, passou na farmácia para comprar alguns remédios e só depois sentou para falar sobre si. No meio do caminho, uma pausa na casa da mãe, hoje acamada e assistida durante todo o tempo. Enquanto organiza os remédios da progenitora, alguns para depressão, a inquietude a impede de parar um só momento. Foi no Colégio Nossa Senhora de Lourdes, hoje já “engolido” pelo comércio, que Elizabeth guarda suas primeiras lembranças. “Embora eu fosse meio doente, tinha asma, eu me diverti muito com aquelas brincadeiras saudáveis que hoje não existem. Pular corda, jogar queimado... Hoje os eletrônicos estão destruindo isso”, conta. Apesar de ter conhecido o marido cedo, aos 18 anos, o casamento só veio aos 30. “A gente namorou uma eternidade”, conta. A primeira filha veio logo depois, em um período no qual Elizabeth já se considerava uma mulher independente. “Meu marido sempre trabalhou fora e eu sempre lidei com tudo. Ia para o trabalho, levava meus filhos na escola. Nunca deixei de fazer nada por ser mulher”, afirma. A correria da rotina de quando os filhos eram pequenos sofreu pequenas alterações após os 60 anos. Isso porque hoje Elizabeth faz ainda mais coisas. Às 6, academia. O almoço já fica pronto e o café encaminhado. Sem empregada, divide algumas atividades domésticas com o marido e

o filho. Passa na casa da mãe e ajuda nas atividades básicas. Segundas e quartas, yoga. Nas quintas, inglês. Sem esquecer do teatro, sua grande paixão. Após o pai ser diagnosticado com Alzheimer e morrer pouco tempo depois, foi no teatro que Elizabeth encontrou uma saída para o que não queria ter. “Ajuda não só ao corpo, como a mente. Decorar os textos, se apresentar para o público. É muito bom”, conta. Hoje, integrante do grupo Imbuaça, companhia de grande expressão em Sergipe, ela já não se enxerga fora dos palcos. Elizabeth atribui a boa forma (também mental) às viagens que faz. Seja visitando a filha na Europa ou pulando o carnaval de rua em Recife, segundo ela, o melhor que conheceu até hoje, a descoberta de lugares novos é também um estímulo. Esse ano, a experiência foi no Rio de Janeiro, na escola de samba da Mangueira. “Adoro carnaval. Adoro dançar. Tudo que for de agito é comigo”, afirma.

A mulher está lutando muito para ocupar todas as áreas. Ela é igual ao homem. A sociedade é que distingue. Acho que os meninos já crescem machistas e nós, mães, é quem devemos podar esse comportamento desde cedo” Independente desde cedo, ela continua no serviço público e não optou pela aposentadoria. Foi ocupar e dividir espaços com homens, durante a vida, que a fizeram perceber a importância de resistir enquanto mulher. “A mulher está lutando muito para ocupar todas as áreas. Ela é igual ao homem. A sociedade é que distingue. Acho que os meninos já crescem machistas e nós, mães, é quem devemos podar esse comportamento desde cedo. Comigo foi assim.”, comenta. Em plena atividade, Elizabeth conta que ainda não sentiu a idade chegar: “envelhecer é se entregar, coisa que eu ainda não fiz”. Apesar disso, os anos continuam passando. Coisa que percebe pelo envelhecer dos outros. Após a morte do pai, a doença da mãe e até mesmo o cansaço do cachorro, ela tem a impressão de que as coisas ao seu redor estão envelhecendo primeiro do que ela. “Eu vou empurrando a idade com a barriga. Não me entregando...”, conclui.


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MULHER A mulher do agora Eunice Santos, 79, não teve filhos. Nem marido. A maternidade, lembrada com carinho por Idéa e Elizabeth, nunca foi uma realidade para ela. Lembrar é, inclusive, uma atitude fora de costume. Não o faz. Só pensa no presente. Quando questionada sobre o momento ou a pessoa que mais sente falta, Eunice responde com uma pergunta: “você sabe que eu não penso? Se você me perguntar o que eu vou fazer amanhã eu também não sei, ainda não cheguei no outro dia”. Quando se esforça para lembrar do passado, Eunice também recorre a um momento ímpar da cidade onde morou desde o nascimento. “A gente ia passear na praça Fausto Cardoso, ia ver as vitrines das lojas. Mas hoje não tem mais. Tudo fecha antes de seis por causa dos maus elementos. Naquela época não era assim”, recorda. O conflito de épocas também se mostra na maneira como enxerga os problemas da juventude de hoje. “As crianças crescem igual batata. Jesus disse: para o insensato, vara!”, comenta quando atribui a falta de punição à indisciplina dos jovens de agora. “Ninguém nunca me viu”, conclui ao explicar o porquê de nunca ter estado em um relacionamento. “Tive vontade, mas não apareceu. Quem apareceu não era meu perfil. Fui me ocupar com outras coisas”, conclui. Aposentada no serviço público, Eunice conta que nunca se viu em outra atividade. Lembra da amiga que ficou com depressão após a aposentadoria e enxerga o que lhe impediu de entrar no mesmo quadro: “eu me segurei na minha rotina, graças a Deus”. Há poucos anos, Eunice pegou algumas matérias de direito na Universidade Federal de Sergipe, através

de um projeto de inclusão para “a terceira idade”, como propõe o projeto. Desistiu e nem pensa em voltar. A experiência com a disciplina de espanhol foi determinante. “Não estava entendo aquilo, uma coisa esdrúxula pra mim. Não penso em voltar mais”, conta enquanto lembra sorrindo da dificuldade.

Antes de finalizar a entrevista, Idéa, a “mulher do século XX”, é surpreendida pelo filho mais novo saindo do quarto, após acordar. Os cabelos brancos denunciam a idade que já bate à porta. “Bom dia, moço”, diz ao reconhecer o estranho na sala. “Coloque uma camisa”, a mãe ordena. O homem volta para cumprir a ordem.

Eunice também vai duas vezes na semana para o Instituto de Longevidade de Aracaju, para praticar ginástica assistida. Outra grande paixão são as plantas medicinais, uma prática que dissemina entre os mais próximos. “Um conhecido teve uma pneumonia no Rio e não podia viajar de volta porque estava na cama. Quando eu telefonei, eu mandei comprar salsa, pegar uns cinco raminhos, cortar, botar no liquidificador com um copo de leite quentinho, bater e adoçar com mel. Só foi fazer que ele voltou ao normal”, conta orgulhosa.

Posteriormente, Idéa pergunta: “Quantos anos você acha que ele tem?”. Sem dar espaço para suposições, conta logo após questionar: “São 43”. Enquanto olha para o filho, começa a contar sobre como ele gosta de revistinhas e desenhos animados. Explica que apesar de ter concluído a oitava série, provavelmente não consiga escrever muito bem, mas conhece os países da Europa como a palma das mãos.

Sua maior relação e conexão até hoje é com a fé, ligação que tem desde que nasceu. Eunice conta que cresceu na igreja evangélica e nunca pensou em sair. “Eu ia ver a coisa, mas só ficava ali e pernas pra que te quero”, lembra. “Eu me considero felicíssima com Jesus. Quem dizer que diga que nasceu do macaco, eu digo que não: nós somos semelhança de Deus”, explica. Quando questionada sobre como foi processar as mudanças que vieram com a velhice, Eunice é enfática: “Eu nem vi. Quando vi, chegou”. Sem perceber também espera o momento em que as promessas que lê na Bíblia se cumprirão, mas sem pressa. “Pra que sofrer por antecipação?”, questiona. “Eu vivo o agora. Sou assim, no agora”, conclui.

Logo depois, a mulher explica que, embora o filho tenha 43 anos, a idade em que engravidou do garoto fez com que ele nascesse com um retardo mental que lhe faz agir como se tivesse 13. “Mas não tem problema, ele continua vivo. E comigo.”, conclui. Enquanto se despede, Idéa agradece a Deus pelo presente não esperado. O garoto que em breve chegará aos 44, continuará com 13 enquanto viver. Por descuido ou destino, talvez seja ele o único da casa a driblar o envelhecer presente em todas as histórias. Mesmo com os anos, ainda existirão revistinhas para ler e países para localizar no mapa-múndi que guarda na gaveta do quarto.

O menino que não envelhece

Foto: Rafael Amorim


MULHER 2727 Relacionamento Abusivo:

conheça suas armadilhas e consequências Camila de Jesus Oliveira | camilaburkek@hotmail.com

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e m pre que pensava em terminar ele dizia que iria se matar. Jogava minhas amigas contra mim, fazia eu sentir que só ele no mundo me amava, que ninguém se importava comigo”. O relato é da estudante de Engenharia Mecânica da UFS, Aline Reis, 23 anos, que esteve por 3 anos em um relacionamento abusivo. O namoro começou quando Aline que é Pernambucana, mudou-se para Aracaju com o objetivo de estudar engenharia. Longe dos pais, começou a criar laços de amizade e seis meses após o início das aulas, começou a namorar um bancário 7 anos mais velho que tinha, segundo ela, características admiráveis: era carinhoso, prestativo e solidário. Fazia questão de buscá-la e leva-la de casa para a universidade, nas saídas com as amigas sempre fazia questão de acompanhá-la, além de ser seu fiel ouvinte e conselheiro. Com o passar dos meses essas características foram substituídas por ciúmes, possessividade e uma necessidade intensa de controle da situação. “O primeiro ano foi realmente perfeito, depois disso eu comecei a notar coisas estranhas, mas deixava passar em respeito a tudo que vivemos, achava que eram situações pontuais e momentâneas, que com o tempo tudo voltaria ao normal, mas tudo só fez piorar. Por um tempo ele me acompanhava quando eu ia comprar roupa, com a justificativa que era perigoso andar de ônibus e que com sua companhia seria mais seguro. Nas lojas a opinião dele sempre prevalecia e eu acaba não comprando short e decote para o agradar” relembra a estudante. Quando percebeu que estava em um relacionamento abusivo ela ficou sem chão. Estava fadada a terminar, mas ao mesmo tempo, se sentia culpada por isso. O namorado chorou e ameaçou se suicidar quando ela falou do término. “Tentei terminar cinco vezes com ele e em todas acontecia algo diferente. Uma vez ele ameaçou se matar, em outra entrou em minha casa quando eu não estava e ficou me esperando, pois ele tinha a cópia da chave. Medo e pânico definem o que senti quando o vi sentado no meu sofá, às 23h da noite quando cheguei da universidade. Quando terminei [o relacionamento] me vi sozinha, sem amigos, com a família distante, o sentimento de culpa me invadiu e perdurou por meses. Minha mente oscilava entre raiva dele por tudo que fez no final do namoro e raiva de mim por ter terminado com ele que foi tão bom no início. Terminar e me livrar desses pensamentos foi como nascer de novo. Hoje um ano depois sinto que sou outra pessoa e estou recuperada, mas ainda faço tratamento para ansiedade” relatou Aline Reis. Em resumo, relacionamento abusivo é aquele que há um excesso de poder e possessividade sobre o outro. Geralmente começa de modo sutil. Aos poucos se excede. Para Raquel

Barretto, psicóloga e mestre em Saúde Pública, os principais indicativos de um relacionamento abusivo são: ciúmes; controle de decisões; violência verbal ou física; fazer o parceiro se sentir mal por ser quem ele é; forçar relações sexuais e tentar isolar o parceiro de amigos e até família. Segundo ela, a maioria das vítimas são mulheres. “A maioria das pessoas que nos procuram são mulheres. Elas relatam desgaste na relação, algumas se culpam e a maioria, ao ser questionada sobre o término, alega acreditar na mudança do companheiro, tem medo da solidão, além de não confiar na justiça como protetora nesses casos. Fatores econômicos também pesam nesse tipo de decisão, já que socialmente em muitos relacionamentos a mulher depende do homem”, pontua Raquel. Para a psicóloga, é importante salientar que não há uma regra geral. Mulheres também podem ser abusivas e em relacionamentos homoafetivos a abusividade também é presente, mas alerta para a dificuldade quando a relação é heterossexual, já que culturalmente nesse tipo de relacionamento há um poder do homem sobre a mulher e uma submissão da mulher em relação ao homem. “O princípio do relacionamento abusivo é a posse, o domínio, e é assim que os relacionamentos heterossexuais são caracterizados, infelizmente.

A sociedade ainda é muito machista e persiste nessa ideia de culpar a vítima, somado ao sentimento de impotência e, muitas vezes, a dificuldade econômica, as mulheres se vêem constantemente em relacionamentos abusivos” esclarece a psicóloga Raquel Barretto. Levantamento da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), aponta que, em 2013, cresceu em 20% a porcentagem de mulheres que denunciou a violência logo no primeiro episódio. Esses dados apontam que os autores das agressões são, em 81% dos casos, pessoas que têm ou tiveram vínculo afetivo com as vítimas. O Ligue 180 atingiu 532.711 registros no ano passado, totalizando quase 3,6 milhões de ligações desde que o serviço foi criado em 2005. Em 62% dos casos que chegaram ao Ligue 180, a violência é cometida por companheiros, cônjuges, namorados ou amantes das vítimas. Os relatos de 19% apontaram como autores das agressões os ex-companheiros, ex-maridos e ex-namorados. Apenas 6% da violência têm como autores pessoas externas às relações afetivas. Para sair de um relacionamento abusivo a psicóloga afirma que muitas dificuldades costumam aparecer, entre elas tem-se as emocionais, que giram em torno de insegurança, medo do futuro e das possíveis reações do parceiro, o sentimento de culpa e a sensação de que não conseguirá seguir em frente; além da expectativa de mudança por parte do parceiro, assim como as questões econômicas, frequentes quando a vítima depende do parceiro. “Mesmo diante de todas as dificuldades e do isolamento que a pessoa se encontra, é importante que as pessoas busquem aconselhar e não culpar a vítima por se encontrar nesse quadro. É essencial também que a pessoa tenha um acompanhamento psicológico e que conte com o apoio da família e amigos”, finaliza Raquel Barretto. *Com informações do site da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR)


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MULHER DEPRESSÃO PÓS-PARTO: UM PROBLEMA QUE AFETA CADA VEZ MAIS MULHERES Izabel Costa | mynameis_isabel@hotmail.com Ana Angelica | angerca31@hotmail.com

“Nas primeiras semanas após o parto, já comecei a sentir muita dor de cabeça, irritabilidade, falta de paciência para lidar com as situações do dia a dia, até que no décimo oitavo dia fui dormir muito triste, recordo que chorava muito naquela noite. No dia seguinte, sentia fortes dores de cabeça, tendo assim um ataque de pânico, onde gritava muito e pedia que o meu esposo segurasse o meu bebê, pois não queria amamentá-lo. Foi nesse momento, quando ele, junto com minha família. me deu os primeiros socorros, levando ao hospital. Lá, o médico me encaminhou para uma clínica de saúde mental e a Assistente Social me comunicou de fato o meu diagnóstico”, conta A.R.S. Ela teve depressão pós-parto após sua segunda gravidez e, até ser levada ao hospital desconhecia os sintomas.

A depressão pós-parto atinge 1 em cada 4 mulheres no Brasil e, segundo estudos da Organização Mundial da Saúde, 19.8% sofrem com esse problema nos países subdesenvolvidos. Já no Brasil, são 26.3%, superando a média mundial, de acordo com estudos da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz (Friocruz).

SINTOMAS Os sintomas mais comuns de depressão pós-parto são: dor de cabeça, tristeza, desesperança, alterações no humor e choro. Algumas mães costumam chorar após ver o filho nascer, mas logo passa o que é comum. Já outras permanecem a chorar e outros sintomas são acrescentados, isso é sinal de alerta de que algo não está normal. Nesse caso, a família precisa ficar muito atenta, inclusive, se for o primeiro parto, pois é mais comum a depressão em quem está sendo mãe pela primeira vez. Isso porque ocorrem várias transformações em seu corpo e há possibilidade da mulher não ter se preparado emocionalmente para isso. A depressão pós-parto geralmente mostra sintomas durante a gestação, porém, como os hormônios femininos se alteram nesse período e geram algum tipo de desconforto, a mulher pensa que é normal e não procura um diagnóstico complexo para saber se o que sente é normal ou não. Além disso, as maternidades, hospitais e clínicas não costumam trabalhar esse tema, tornando-o desconhecido para a maioria das mulheres. “Aconteceu com meu primeiro parto e única gravidez há 12 anos, foi muito difícil me recuperar, pois a convivência com a minha filha era necessária e mantive segredo”, conta Alessandra Novaes, massoterapeuta. Também não lembra quando iniciou a depressão, mas, segundo seu obstetra, foram dias antes do parto. Diagnosticada com depressão 15 dias após o parto, percebeu os sintomas quando o choro da sua filha começou a irritá-la e também a presença das pessoas. A depressão permaneceu, aproximadamente, por três anos, embora seus familiares não tivessem conhecimento do que estava acontecendo. Relata também alguns sintomas vistos por ela, que foram isolamento, falta de apetite e tristeza profunda, além de permanecer em silêncio quando as pessoas falavam com a mesma.

Iustração: Belly Sketcher


MULHER

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Causas São variadas as causas que podem gerar a depressão pós-parto, como estilo de vida, fatores físicos e emocionais, falta de apoio da família durante a gravidez, transtorno bipolar, violência doméstica e depressão anterior. Após o parto, acontece a queda dos hormônios: estrogênio, progesterona e hormônios produzidos pela glândula tireoide, acarretando o cansaço e tristeza levando aos sintomas de depressão.

Tratamento Logo após perceber alguns dos sintomas, é de fundamental importância procurar apoio juntamente com o assistente social que vai encaminhar ao especialista e indicar os procedimentos. “No início do tratamento, fui incentivada e acompanhada pela família. O tratamento, a princípio, foi feito através de antidepressivos, mas isso só não estava sendo o bastante, foi quando fui orientada pelo psiquiatra para ser feita também o tratamento através de terapia, com psicólogo. No entanto, não sentia melhoras. A tristeza percorria dia após dia, pesadelos, insônia, pois sentia que cada dose da medicação fazia-me sentir fora do meu estado normal. Foi quando ao dialogar com uma amiga, que me indicou a fazer o tratamento apenas através de terapia: homeopata e psicanalista foi quando então passei a sentir de fato melhor. Isso durou mais ou menos 1 ano, mas não o suficiente para me sentir totalmente curada , pois até o momento faço acompanhamento com esses especialistas , já que optei a não tomar medicação” disse A.R.S.

Recuperação Embora a massoterapeuta tivesse conhecimento a respeito da depressão pós-parto, não fez tratamento com especialista. Além de não aceitar que estivesse doente, assim como é o caso da maioria das mulheres diagnosticadas com o mesmo problema. Ela atribui a sua recuperação à fé divina, sendo de fundamental importância. Segundo Alessandra Novaes, “ter pessoas que a amem por perto é essencial para o tratamento. Um pouco de paciência, amor, medicamentos com acompanhamento médico também são extremamente necessários”. É importante que a sociedade seja informada sobre a depressão pós-parto, de modo geral para as mulheres, mas também para o público masculino, pois a maioria dos homens não tem conhecimento e, por falta de esclarecimento acabam não se interessando pelo assunto. Já Érica Vasconcelos, professora, conta: “Eu tive depressão pós-parto na minha primeira gravidez e única, por que eu só tive um filho.” “Na verdade quem notou que havia algo diferente comigo foi eu mesma”. Érica Vasconcelos, professora. Na época, as pessoas que estavam próximas a ela eram sua mãe, sogra e seu esposo, e não notaram nada de anormal. Cogitaram que ela pudesse estar com depressão pós-parto. Sua depressão teve duração de um mês e meio. A professora procurou ajuda com um especialista porque já possuía certo conhecimento sobre a depressão pós-parto, como também de outras doenças psíquicas. Primeiro, por sua mãe sofrer de transtorno bipolar. Segundo, por ela também possuir a mesma doença herdada da mãe. Por ser um assunto de interesse do seu cotidiano, sempre quis saber mais sobre doenças psíquicas.

Rejeição Os primeiros sintomas que Érica teve foram sensação de angústia, pânico, vontade de morrer, medo de pegar o bebê, de amamentar, olhos como se tivesse um véu (vivendo em um ambiente com fumaça), dormia pouco, pensava 24 horas em morrer. Tudo que fazia associava com a morte, comparando a obsessão de morte a um criminoso com uma arma apontada na cabeça. A sensação de pegar o filho e a hora de amamentar era o que a professora tinha medo, mas não houve rejeição com o bebê.

Medicação natural Mesmo sabendo a importância de um psiquiatra para o tratamento da depressão, a professora se desesperou em saber que tomaria remédio antidepressivo, pois isso acabaria prejudicando na amamentação. Mas foi com a ajuda de um homeopata que ela se livrou da doença. Assim como A. R. S., também aderiu esse tratamento natural e conseguiu se libertar dos sintomas de depressão pós-parto, porque para ela essa forma é mais saudável e mesmo que o período de tratamento seja mais longo vale a pena. O filho desta está com seis anos e ela atualmente continua com as sessões, porém com uma Psicanalista.

Como funciona o acompanhamento de acordo com a Psicanálise? As sessões são agendadas de acordo com a necessidade do paciente, sendo uma ou duas vezes por semana. As sessões são movidas pela transferência, um fenômeno que indica dor na análise. A Psicanálise é a compreensão do funcionamento da mente humana e trabalha com a ideia de que os indivíduos não têm consciência de inúmeras coisas que fazem, por isso sua abordagem é voltada para o tratamento de transtornos emocionais. De acordo com a psicanalista Magna Maria de Oliveira, “a psicanálise é um método que funciona pela ética do sujeito do inconsciente, de sua verdade, que se faz ouvir além do dito. É no dito das palavras, na repetição do seu sofrimento psíquico, que o sujeito faz suas elaborações. As quais o levará à liberdade. Ou seja, a causa do seu sofrimento ou depressão. A qual será simbolizada através da fala, vindo à tona, os processos inconscientes que antes, o fazia sofrer levando-o à depressão. O inconsciente freudiano é estruturado por uma linguagem. E esta, ao falar da sua dor de existir, descobrirá os porquês dos sintomas da depressão, ou seja, uma baixa pressão em busca de uma compreensão e um sentido de viver”.


CONTEXTO 54 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE 2017


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