Ed. 57
2017.2
JORNAL CONTEXTO
DA NOSSA TERRA
EDITORIAL
CRÔNICA
3 ERICK LIMA (HTTP://CASADOCORDEL.BLOGSPOT.COM/P/XILOGRAVURA-ERICK-LIMA.HTML)
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EXPEDIENTE
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Universidade Federal de Sergipe Campus Prof. José Aluísio de Campos Av. Marechal Rondon, s/n, São Cristóvão - SE Reitor Prof. Dr. Angelo Roberto Antonielli Vice-Reitora Profª. Drª. Iara Maria Campelo Lima Pró-Reitor de Graduação Prof. Dr. Dilton Cândido Maynard
DI
TO RI
Diretora do CECH Profª. Drª. Ana Maria Leal
Chefe do Departamento de Comunicação Social Prof. ª Drª Tatiana Guenaga Aneas Núcleo de Jornalismo Prof. Dr. Carlos Eduardo Franciscato Telefone (79) 2105-6919 / 2105-6923 E-mail dcos.ufs@gmail.com Orientação Profª. Drª. Michele Becker Edição Vinícius Oliveira Rocha Direção de Diagramação Ana Luísa Andrade Projeto Gráfico/Layout Matheus Brito Capa e Ilustrações Ana Luísa Andrade e Haline Farias Reportagens Ana Luísa Andrade Andressa Pedrosa Cláudia Carvalho Eduardo Costa Emerson Esteves Haline Farias Joyce Oliveira Katiane Peixoyo Letícia Nery Malu Araújo Samuel dos Santos Talisson Souza Victoria Costa Vinicius Oliveira Rocha Diagramação Andressa Pedrosa Emerson Esteves Haline Farias Letícia Nery Malu Araújo Samuel dos Santos Talisson Souza Edição De Imagens Haline Farias
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Sergipe é tão grande na sua cultura quanto pequeno na sua extensão. É o menor dos estados brasileiros, lar de cerca de 2,2 milhões de pessoas agrupadas em 75 municípios espalhados pelos seus 21,9 mil km² de extensão. E mesmo assim, suas dimensões modestas nunca impediram seu povo de criar e desenvolver no decorrer dos tempos manifestações tão vivas da sua identidade. A minha relação com esta terra é antiga, remetendo a 2009. Oriundo do sudoeste da Bahia, vim completamente despreparado para o que encontraria por estas bandas. De imediato me choquei com a fala rápida, a pronúncia destacada do “t” e do “d” nas palavras, expressões tão marcantes como “cabrunco” e “canso mariano”... apenas para ficar na superfície. Hoje, nove anos depois, mesmo ainda me vendo como um estrangeiro, parte do meu coração está aqui. E Sergipe é uma terra de muitos corações ferozmente apaixonados por ela. Um povo que aos olhos dos outros pode ser visto como bairrista, mas que vigorosamente defende quem é e o solo onde pisa. Ao mesmo tempo, é uma terra carente de seu devido reconhecimento, inclusive por muitos dos seus. Transcendendo os limites de sua graciosa capital e munícipios circundantes, ela exala vida(s) própria(s). Sua identidade é única, mas ao mesmo tempo são muitas; e muitas são as suas histórias e seus personagens. Este jornal é sobre estas histórias. Sobre lugares. Das benzedeiras e dos evangélicos povoando um grande evento cristão; dos amantes do Sergipe e do Confiança alimentando suas rivalidades no Batistão; da culinária que é em essência sergipana e que merece ser melhor apreciada; passando pelo vaqueiro sertanejo em seu gibão de couro em Porto da Folha, os itabaianenses reunidos na praça de sua cidade, o jovem que sonha com sua banda independente em alguma casa de show em Aracaju, o cordelista no Mercado, o espectador assíduo no Cine Vitória, produtores de milho em Simão Dias e criadores de camarão às margens do Velho Chico, poetas anônimos do Elenildo Rock Bar, frequentadores dos bloquinhos de Carnaval... Este jornal é sobre (re) conhecer-se. É também não se isentar de críticas quando forem necessárias, mas apenas porque sem elas também não é possível compreender as complexidades deste minúsculo, mas rico estado. Este jornal é, acima de tudo, sobre sergipanidade. Vinícius Oliveira Rocha
ENTRE OS GALHOS DA CAATINGA Por Samuel dos Santos samueljorn16@gmail.com
Sábado, 5:00 da manhã. O sol aponta entre os morros e já se escuta o berrar das dez vacas apartadas no curral. De pé, Seu Miguel toma um forte e quente gole de café, cuidadosamente coado em panos por dona Ceição, sua esposa, e segue para alimentar as vacas no curral. É dia de festa! O gibão de couro já está separado, o cavalo e as vacas bem alimentados e a oração de força e proteção devidamente entoada. Aos poucos se avista o pau de arara chegando, onde vaqueiros e espectadores dividem o mesmo espaço com cavalos. Um a um vão chegando, desembarcando os cavalos e logo está tudo ocupado por gente da região e de outros Estados. Moças bem perfumadas, homens calçados em botas de couro e vaqueiros concentrados aguardam o início das corridas. Enquanto isso, Dona Betinha monta sua barraca de lanche, prepara o som e põe mais gelo nas bebidas. Há mais de 40 anos a fazenda Pajeú, em Lagoa do Rancho, município de Porto da Folha, é o palco dessa festividade. O que era um dever diário de quem trabalha na roça se tornou o esporte da região. Entre os meses de junho e agosto vaqueiros travam uma guerrilha no meio da caatinga para capturar o boi. Pelo som ruído se escuta o locutor anunciar o início das corridas. Imponentes, vestidos na armadura de couro, a dupla de vaqueiros se posiciona cada um em um lado da cancela. Entre as tábuas pretas do curral dá para ver o olhar de espanto e a inquietação da vaca sorteada para iniciar a corrida. - Pode soltar o boi - diz o locutor. A cancela é aberta, e o que se vê é a poeira da terra batida levantar com a sincronia das patas da vaca e dos cavalos ao adentrarem a caatinga cinzenta. Buscando manter-se firmes sobre o lombo do cavalo, que atinge 60 km/h, os vaqueiros, num jogo de cintura, esquivam-se dos galhos da catingueira enquanto tentam alcançar o pescoço da novilha. Faceira ela percorre a caatinga como se estivesse numa aberta pastagem sem qualquer obstáculo que impeça a sua passagem. Os vaqueiros não têm a mesma destreza e, inevitavelmente, são atingidos pelos rústicos galhos, sendo levados ao chão, selando a derrota com o sangue que jorrava de suas faces. Dessa vez, o animal venceu e, como prêmio, ganhou a liberdade na vegetação rasteira. Toda a cena foi embalada pelo forró e pela gritaria do público, que contemplou debaixo do telheiro da casa de Dona Ceição a consagração da vaca ao se perder na vegetação e o fracasso dos vaqueiros ao retornarem com as faces em sangue. Desolados com a eliminação, os vaqueiros tomam um gole de cachaça para aliviar a dor do corpo no sol escaldante do sertão, lá no bar de Dona Betinha, que dali tira o sustento e põe o feijão e a farinha em sua mesa. A água ardente não rasga a guela tão quanto os galhos da caatinga rasgam a carne do vaqueiro, que não dilacera tanto quanto o seu ego a não pegar o boi. Restam duas duplas, que disputarão o grande prêmio de uma moto, saindo vitoriosa dessa guerrilha aquela dupla que for a única a pegar o boi. Da frente da casa, seu Miguel cheio de orgulho tira o chapéu, coloca frente ao peito e aguarda ansioso pela derradeira corrida, que será realizada por seu filho Pedro e seu neto Júnior. A vaca sorteada foi Linda Joia, cujo nome transpõe a raridade de jamais ter sido tocada e capturada no meio da caatinga. Seus enormes chifres impõem medo, mas não a vaqueiros que carregam no sangue a genética da família Pajeú. Enquanto se direcionam à porteira, Pedro e Júnior acenam para o patriarca da família. Com os olhos marejados, Seu Miguel acena de volta e sussurra: Deus os abençoe, meus filhos. A benção foi dada, a porteira aberta, a caatinga estrala e a vaca é capturada! As lágrimas dos vaqueiros molham a pele rasgada e o chão rachado de uma terra marcada em tempos sombrios de seca, onde o vaqueiro resiste em ser feliz com a pega de boi no mato. Do público que ali estava só se escutava – Quem era tu, Linda Joia?! – enquanto recebia e ovacionava os vaqueiros feito heróis. Ali, o forró e a toada envolvem noite adentro, sob o forte luar do sertão, o público que comemora o encerramento desse festejo. Com o coração saudoso, eles se despedem de mais uma edição da Famosa Pega de boi no mato da Fazenda Pajeú. Foi tempo de festa, meu senhor, onde a alegria e a bravura desse povo colorem a inebriante paisagem do Sertão.
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ANDRÉ MOREIRA
ANDRÉ MOREIRA
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O NOVO “PAÍS” DO CARNAVAL S Por Joyce Kelly dos Santos Oliveira joycekellydossantos@hotmail.com
e for para perguntar uma cidade referência no carnaval, Aracaju com certeza estaria de fora, certo? Errado! Fora dos conhecidos destinos turísticos, como o eixo Rio – São Paulo, ou até mesmo Recife e Salvador, a capital sergipana tem investido no carnaval fora de época. São aproximadamente 22 bloquinhos de rua que festejam antes, durante e após o carnaval. Tradicionais, novos, organizados ou nem tanto, os bloquinhos vêm arrastando multidões fantasiadas. Pessoas de todas as idades colocam seus adereços e caem na folia. “Uma cidade dentro de outra” é uma das frases que melhor define o Conjunto Augusto Franco. O maior conjunto habitacional da capital completa 36 anos em abril e tem uma forma bastante peculiar de comemorar o carnaval. Há 9 anos, a comunidade organiza o “Bloco do Augusto Franco”, resgatando a alegria de antigos carnavais de rua e reunindo pessoas de todas as idades. Inspirado no tradicional carnaval de Recife, o Galo do AF tem o seu próprio galo que desfila seus quatro metros de colorido pelas ruas do conjunto, com bonecos gigantes e outros cortejos. Max Prejuízo, coordenador da Casa Cultural Careca e Camaradas, organizadora do bloquinho, destaca a importância da festa. “O conjunto cresceu bastante, mas a comunidade ainda é muito unida. A maior prova disso é conseguirmos realizar uma festa tão linda e que cresce a cada ano. É uma oportunidade para a família inteira. Temos a matinê, o desfile do galo, os bonecos gigantes e os shows musicais. A participação é livre, só cobramos dos foliões um quilo de alimento para doação à instituições”. CHEGANDO COM TUDO Eles começaram timidamente... A ideia era reunir apenas os amigos, os parceiros e os antigos clientes da empresa de eventos e formaturas Realize. Como se fosse pouca gente... A divertida divulgação foi acontecendo
pelas redes sociais da própria empresa. Posts, lives e a galera foi ficando animada. Às 16h do dia 04 de março de 2017, cerca de 8 mil pessoas lotaram as ruas do Salgado Filho no bloco “Tô Bebo, cagaio”. A quantidade de gente surpreendeu e a organização do evento também. A folia foi animada por DJ, pela banda Os Faranis e ainda contou com a distribuição gratuita de drinks num stand da Realize. Com o sucesso da primeira edição, esse ano eles voltaram. De acordo com Pedro Soares, produtor do evento, as dificuldades foram as mesmas, a burocracia das licenças e liberações dos órgãos públicos, SMTT, Emsurb, Polícia Militar, Guarda Municipal, Adema. Para colocar o bloco na rua, antes é preciso suar a camisa. Mas o resultado compensa, viu... “Foi uma loucura. Era pra ser uma festa íntima e foi crescendo. Organizamos tudo, tocamos e deu naquela galera. Loucura boa, que já virou tradição!”, disse Pedro. DE FARRAPOS À OFICIAL: O FESTIVAL BRASILEIRO DE RITMOS RASGADINHOS A folia teve sua origem em 1962, quando um grupo de amigos decidiu se reunir para festejar. Vestindo trajes rasgados, eles saiam batucando charangas pelos bairros Cirurgia. Suíssa e Getúlio Vargas. Durante muito tempo a festa ficou esquecida, até que em 2003, a tradição foi resgatada. Inicialmente um carnaval de rua, a folia foi crescendo até tornar-se a festa oficial do carnaval aracajuano. A grandiosidade do evento permitiu abrir espaço para os mais diversos ritmos, tornando-o um verdadeiro festival. Este ano, a 15ª edição do Festival Brasileiro de Ritmos homenageou as manifestações culturais sergipanas e o falecido artista plástico da terra, J Inácio. Suas obras foram utilizadas na decoração do percurso da festa.
ANDRÉ MOREIRA
Aracaju atrai multidão fantasiada com seus bloquinhos de rua
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MANIFESTAÇÕES CULTURAIS E O USO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS EM ITABAIANA
SARAU DO CALÇADÃO
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Sarau do Calçadão surgiu a partir da organização de um grupo de jovens, que motivados pela falta de projetos voltados para juventude, principalmente por parte da iniciativa pública, criaram a conferência da juventude, em 2015, que pretendia promover o debate e a participação desse grupo de pessoas na conjuntura do país, e passaram a discutir algumas demandas dos jovens. Espelhados em outras cidades onde existiam grandes saraus, como Aracaju e Lagarto, pensaram na possibilidade de produzir um sarau em Itabaiana. O pontapé inicial foi após a o término da conferência, quando alguns grupos musicais e teatrais itabaianenses fizeram uma apresentação. Segundo Leonan Leal, um dos mentores do evento, foi o momento em que anunciaram o surgimento do Sarau do Calçadão: “Algumas pessoas não acreditavam, mas a nossa turma acreditava na iniciativa”. Leonan ainda conta que o sarau encontrou dificuldades, mas o grupo persistiu: “Sentimos uma energia muito boa, é tanto que todo mundo fez de tudo para dar certo”. O calçadão, local onde acontece o Sarau, é ponto histórico da cidade. Há certo tempo, o espaço era área de lazer, pois era lá que aconteciam as grandes festas, como por exemplo, a tradicional Micarana. Então, a organização decidiu utilizar o local, que já não possuía mais nenhum tipo de atração artística que despertasse o interesse, principalmente, dos jovens. O primeiro sarau, ainda em 2015, mostrou que tinha condições de permanecer. Mesmo com algumas dificuldades, o evento aconteceu e encheu de brilho os olhos dos que ali estiveram presentes. O sarau ganhou sequência e foi construindo a sua identidade, e hoje atrai centenas de pessoas, que na última sexta-feira do mês embelezam o Calçadão.
O caráter alternativo é um dos principais motivos de atração do público para o evento. Para a estudante Danyela Santos, o Sarau do Calçadão já é referência em produções artísticas diversas. “Frequento o aarau porque ele possui essa capacidade de englobar todo tipo de arte”. A também estudante Maria Vieira, que acompanha o sarau desde o início, afirmou que o evento atrai pela boa energia que transmite: “O sarau me atrai por ser um evento que dá oportunidade aos talentos de pessoas que geralmente não têm espaço em outros locais”.
FOTO: ANDERGROUNDI
ILUSTRAÇÃO: LUCAS RONIERY
Por Katiane Peixoto katianepeixoto15@gmail.com
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FOTO: ANDERGROUNDI
CULTURA
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A poesia e a música invadem o calçadão Dr Airton Teles
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natureza, as praças, os calçadões e as avenidas preenchem o cenário e são os cartões postais da cidade. Mas, muito mais que beleza, esses locais possuem outros atrativos: são palcos de grandes talentos que levam o nome de Itabaiana por onde passam. Localizada no agreste sergipano, a 46km de Aracaju, a cidade é conhecida pela força da sua cultura. Grandes exemplos disso são as manifestações culturais que se tornaram ponto de encontro de pessoas, como o “Cultura na praça”, que acontece há quase seis anos, todos os meses no dia 14; e o “Sarau do Calçadão”, que há mais de dois anos reúne pessoas na última sexta-feira de cada mês O principal fator do surgimento de movimentos culturais independentes, feitos pela população e para ela, é a carência de eventos, principalmente promovidos pelo poder público, que trouxesse arte para as pessoas da cidade. Esses movimentos acolhem a população itabaianense e ocupam os espaços públicos da cidade.
O Cultura na Praça promove homenagens, à duas ou três pessoas, para dar relevância aos que acreditam em um mundo melhor. Buscam grupos artísticos, personalidades da cidade ou pessoas que estão fazendo algo de importante, como o Rayr Barreto, paraciclista itabaianense, que recebeu uma homenagem pelos resultados obtidos durante o ano de 2017 e pelo vice-campeonato brasileiro de paraciclismo. Para Rayr foi um momento de muita felicidade. “Graças a Deus venho treinando não só para ser reconhecido, mas também para trazer ótimos resultados”. O atleta enalteceu o evento e ainda falou sobre suas expectativas. “Quem sabe uma convocação para a seleção brasileira para poder representar nosso país, e, é claro, a nossa cidade em competições mundiais”.
CULTURA NA PRAÇA
FOTO: WENDELL REZENDE
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FOTO: WENDELL REZENDE
FOTO: ANDERGROUNDI
primeira edição do evento Cultura na Praça foi no dia 14 de março de 2012 e permanece até hoje, initerruptamente, concluindo 72 edições. Um dos maiores eventos culturais do estado, surgiu inspirado nos ideais de Chiara Lubich – nome do bairro onde acontece o evento – que acreditava que o princípio de tudo estava na cultura, sobretudo nas raízes do passado. Chiara foi fundadora do movimento “Focolares”, que, mesmo de origem católica, agrega todo tipo de credo religioso, se expandindo em cerca de 180 países no mundo. Segundo Edson Passos, empresário e organizador do evento, ela foi uma mulher que deixou um legado muito importante para a humanidade: “O que eu desejo a mim, é o mesmo que eu desejo a ti”, com o intuito de pregar a unidade entre as pessoas. A data de inicio do Cultura na Praça se deu como homenagem a Chiara, que faleceu no dia 14 de março de 2008. Segundo o organizador, a inspiração maior veio após conhecer Loppiano, na Itália, uma das “cidadelas”, espécie de cidade nova, cuja lei é o amor recíproco. Nesse lugar, todos os sábados à tarde acontecem encontros culturais do mundo inteiro, onde as pessoas levam algo que remete a sua cultura local, se tornando uma grande festa. “Tive a inspiração de trazer um pouco da realidade do que acontece no mundo para cá”.
Momento do show da banda Cebola Radioativa O evento proporciona também o crescimento profissional de diversos artistas locais, como por exemplo, a banda “Fulano D’tal” que fez o seu primeiro show no Cultura na Praça, iniciando aí sua carreira. Segundo o vocalista da banda, Fábio Jean, o grupo possivelmente não teria visibilidade em outros lugares, já que possui um caráter contracultural, o que não é comum na cidade. No entanto, o evento contribuiu de forma muito expressiva. “A aceitação do público foi incrível e nos surpreendeu demais!”. O Cultura na praça leva lazer e entretenimento à população, que todo dia quatorze já tem compromisso com o evento, como o seu José Antônio, que leva toda a sua família. “É bom demais, aqui a gente vê de tudo, é tudo muito lindo”. Além disso, o evento abrange pessoas de todas as idades. Victor Oliveira, 16 anos, afirma que frequenta desde o início e que é um evento importante. “É muito importante incentivar a cultura local e dar espaço para todo tipo de arte”.
Cultura na praça promove apresentações artísticas e lazer o público
Sarau do Calçadão atrai jovens toda última sexta-feira do mês
Além de ter essa capacidade de atrair o público, o projeto também motiva pessoas que se engajam para organizar e poder, de maneira efetiva, produzir e fazer acontecer todos os meses. Mayara Medeiros é uma dessas pessoas despertadas pelo desejo de produzir o evento e entrou na organização recentemente. Ela conta que sempre quis participar de um movimento que reunisse pessoas e que fizesse o bem para a sociedade: “O sarau abre espaço para toda uma galera que canta, dança, produz poemas [...], como isso atrai os jovens, não permitindo que eles estejam nas ruas.”. O Sarau do Calçadão construiu constrói novos talentos na cidade. A cantora Aline Souza, que atualmente faz grandes shows na região, se apresentou pela primeira vez no evento, há dois anos. Segundo a artista, foi lá que iniciou a sua carreira profissional, pois dali surgiram vídeos e comentários pela cidade: “O dono de um barzinho me assistiu, gostou e me contratou”. A cantora ainda participa do sarau sempre que pode e se sente honrada por fazer parte dessa história: “Me vejo ali em todos que se apresentam”.
“SARAU É O ESPAÇO DE PESSOAS QUE POSSUEM O MESMO PROPÓSITO: SEMEAR A UNIÃO” MAYARA MEDEIROS
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CENA DO ROCK INDEPENDENTE EM SERGIPE: OBSTÁCULOS, PERSISTÊNCIA E RECONHECIMENTO
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NATHÁLIA CAFEZEIRO
A revelação do rock independente instrumental sergipano
Em comparação com década passada, o cenário atual ainda conserva problemas antigos, porém demonstra evolução em vários aspectos. Papel dos fãs é primordial nesse processo.
Aclamação do Brutown: indicação ao Grammy Latino REPRODUÇÃO/INSTAGRAM
SNAPIC FOTOGRAFIAS
Por: Emerson Esteves eesteves76@gmail.com
Banda Taco de Golfe é destaque do rock instrumental em Sergipe
Julio Andrade (Julico) e Gabriel Andrade (Perninha) foram a banda The Baggios, formada em 2004
Foi nesse contexto, na cidade de São Cristóvão, município localizado na Região Metropolitana de Aracaju, que dois adolescentes se embrenhavam no mundo da música em busca do desejado sonho de compor e tocar. Esses dois jovens eram Júlio Andrade e Lucas Goo, respectivamente vocalista/ guitarrista e baterista da banda/duo The Baggios. O DUO DE SÃO CRISTÓVÃO QUE FEZ HISTÓRIA Júlio Andrade (Julico), que está presente desde a origem da banda, conta que a ideia de montar a The Baggios vem de um sonho de infância. Segundo o vocalista, “A The Baggios surgiu com esse propósito, de dois amigos irem para o estúdio, compor e tocar músicas de outros nomes que a gente admira, releituras, e depois consequentemente a gente começou a pensar em fazer shows, gravações”.
Desde 2004, ano em que a banda começou os trabalhos, a The Baggios já teve três formações diferentes. Lucas Goo (baterista) ficou no posto até 2006, em seguida deu lugar para Elvis Boamorte que deixou a posição em 2008, e no mesmo ano Gabriel Carvalho (o Perninha) entrou e permanece até hoje. Júlio enfatiza que no início a banda era muito tratada como um hobby, uma forma de prazer. Mas, com o passar do tempo e a partir do dinheiro arrecadodo em shows, a banda precisou exercer uma nova atividade: administrar o cachê recebido. Em meio às dificuldades de ser uma banda independente, ainda mais em São Cristóvão, Júlio ressalta que o amor e a paixão pelo que faz foi fundamental para romper com qualquer dificuldade. O cantor cita que no início tiveram que enfrentar diversos obstáculos como dificuldades em obter equipamentos, pagar os ensaios, conseguir shows. Por serem adolescentes na época eram Julico sobre o início da The Baggios: “os ainda muito dependentes da família, shows eram particamente mendigados” não ensaiavam todos os dias por não terem dinheiro suficiente, e por não terem os equipamentos precisavam pedi-los emprestados. A The Baggios teve sua primeira demo gravada com R$ 250,00 numa gravação ao vivo porque só tinham como pagar por três horas de gravação mais o dinheiro da mixagem.
Quanto à necessidade de fazer os shows, o vocalista relembra que era “praticamente mendigado”. Porém, eles já entendiam a importância de se introduzir no mercado da música, pois por serem uma banda desconhecida, estarem presentes atuando no cenário era importante para construir uma carreira sólida. Dentro dessa cena, o público e os fãs são de extrema importância. Para o vocalista, a relação entre banda e fãs deve ser formada “tijolinho por tijolinho”, já que as primeiras experiências nos shows não eram muito favoráveis: “A gente tocava para cinco pessoas, não tinha som direito. Por outro lado a gente percebia que esses cinco que foram naquele show foram em outro show e chamou outros amigos. A construção do público é uma das peças fundamentais para qualquer banda, então essa relação entre público e banda tem que ser muito respeitada. Porque são eles que vão fazer a banda ser grande ou pequena, ou ser respeitada ou não respeitada”, afirmou.
REBECA NUNES
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ode se dizer que em Sergipe o rock independente começou a ser estimulado a partir dos anos 90. Com mais força, bandas e artistas começaram a se lançar no mercado de forma independente, seja com uma produção mais intimista ou também se destacando ao tocar em shows de pequeno e médio porte, movendo e impulsionando a cultura do rock independente aracajuano e consequentemente de todo o estado. No começo dos anos 2000, o clube de shows ATPN (que encerrou suas atividades em 2007), e a Rua da Cultura, ambos em Aracaju, se tornaram pontos frequentes de shows e moviam a cena.
: The Baggios no tapete vermelho do Grammy durante a cerimônia em Las Vegas
CENA DE ROCK INDEPENDENTE: INÍCIO DOS ANOS 2000 X ATUALIDADE Quanto à cena independente de rock em Aracaju e região do início do século em comparação com o momento atual, Júlio analisa da seguinte forma: “Nesse período de agora existe mais uma
onda de faça você mesmo. Os artistas estão se produzindo mais, não estão dependendo de um produtor para fazer show, acho que isso se tornou mais frequente na cena musical, então as pessoas acabam fazendo shows com o que tem”. Segundo ele, cada cena teve seus propósitos, benefícios e qualidades. “Não posso nem dizer que foi melhor ou pior, porque as pessoas se adequam com o que tem, então os caras faziam o melhor possível naquela época”, ressaltou o músico. Já no início dos anos 2000 era percebida a existência de diversos movimentos, festivais e shows, em espaços como a antiga ATPN e hoje em dia no Che, Capitão Cook (ponto importante para a cena independente, local de um dos primeiros shows do The Baggios) e a Reciclaria. Sobre o cenário atual ele completa: “Eu acho que esse momento da música está realmente muito mágico, principalmente pelas produções dos discos. Creio que elevaram a qualidade dos discos muitas vezes do que no início dos anos 2000, porque a tecnologia foi avançando, a facilidade em você gravar um disco hoje com a qualidade maior, de forma simples tu pode gravar um disco em casa”. O músico afirma que com o advento e consolidação da internet, essa nova plataforma ajudou na disseminação da produção independente. “É um ponto bem massa, hoje tem gente ouvindo a gente no Japão, no México, nos Estados Unidos e eu creio que se não tivesse a internet ninguém iria ouvir”.
Depois de batalhar e enfrentar as mais diversas dificuldades que o meio independente impõe, é quase surreal a presença de uma banda sergipana dentre os indicados ao Grammy Latino. É exatamente esse o sentimento que Júlio expressa. Para ele, essa indicação só premia o esforço e a determinação da banda em seguir os seus sonhos: “Temos que agradecer às pessoas, desde Lucas [Goo] até as pessoas que participaram do Brutown. É uma parada bem importante no sentindo de alimentar a banda, mas não é para mim fundamental para a banda estar viva, porque a gente não tinha sido indicado a nada e estava produzindo da mesma maneira. ” Com o reconhecimento do Grammy pela indicação do Brutown, os holofotes se voltaram para o menor estado do Brasil. Para Julico, essa visibilidade para Sergipe em função da indicação do álbum é importante para abrir portas para outras bandas e provar que é possível fazer as coisas acontecerem no estado. “Uma banda que se projeta nacionalmente de alguma maneira acaba abrindo algumas portas para atenção deles para a gente. Eu acho que não depende de uma banda para
erguer uma cena, mas se essa cena consegue acompanhar esse ritmo que essa banda está levando, todo mundo vai junto.” Júlio conta que a partir do momento que a banda começou a rodar o país, eles perceberam que pouco se conhecia sobre o que era produzido no estado. Era comum ouvirem perguntas do tipo “O que acontece em São Cristóvão? E em Sergipe?”. Naturalmente eles viram uma oportunidade para divulgar o trabalho produzido na região, indicando artistas sergipanos. Da nova safra de bandas que vem surgindo ou que estão se afirmando no mercado agora, o músico fala de sua admiração por Sandyalê, Arthur Matos, Cidade Dormitório e a Taco de Golfe. Essa última, que tocou com a dupla no Che, em novembro, na comemoração de um ano de lançamento do Brutown foi muito elogiada por ele. A The Baggios ainda pretende colher os frutos do seu último disco. A banda, que se apresentou no Lollapalooza 2016, pretende trabalhar nele até meados desse ano. Para março deve sair um EP de inéditas e um novo álbum já é previsto para o fim desse ano.
A Taco de Golfe é uma banda de rock e a falta de aceitação do público regional. instrumental de Aracaju, composta por “Especificamente no meio autoral, é desafiador. Gabriel Galvão, Filipe Williams e Alexandre Exige muita vontade de fazer o ‘rolê’ acontecer. Damasceno. Eles estão em atividade há três A desvalorização da música autoral de bandas anos, seja com a banda ou com outros projetos. independentes é algo que desanima. Algumas Segundo Gabriel, a ideia da banda nasceu de casas de show preferem bandas que tocam forma natural e com o passar do tempo eles 3 horas de música cover que um conteúdo resolveram levar para algo mais a sério. “A autoral. A falta de adesão do público perante ideia do grupo surgiu quando Alexandre me as bandas regionais também é um problema”, convidou para uma jam com outro baixista, revela o grupo. de forma despretensiosa mesmo. Tocamos Com um repertório 100% original, a banda e acabou fluindo bem. Um tempo depois costuma tocar em lugares como o Capitão resolvemos levar isso como uma banda, e Cook, Che e o Cantinho Cultural. Mesmo fomos novamente para o estúdio experimentar estando nesse cenário instável a Taco enxerga coisas inspiradas em bandas que estávamos que novas bandas estão surgindo num volume ouvindo. Convidamos Filipe para o posto de considerável e que sempre há espaço para baixista e acabou dando muito certo.” A banda quem está determinado em fazer acontecer. tem como inspirações sonoras grupos como No que diz respeito à indicação do The Baggios Don Caballero (do gênero math rock), Toe e ao Grammy Latino, o grupo vê isso de uma Mogwai (ambas de post-rock). No geral a Taco forma muito positiva, pois a dupla carrega se encontra numa sobreposição de universos consigo o nome do estado e o dissemina para como o Rock e o Jazz. todo o Brasil, Mesmo estando a tão pouco tempo O último lançamento da Taco de Golfe situados no cenário independente aracajuano, foi o EP Cato (2017). A banda, porém, já pensa a banda já sentiu algumas dificuldades nos próximos trabalhos, que já estão em fase típicas da cena, principalmente no que se de gravação e produção. O sucessor do Cato é refere à desvalorização da música autoral esperado para o fim desse semestre.
A relação íntima entre fã e banda no cenário independente O papel de um público fiel, comprometido em divulgar o trabalho, dar suporte, e que ajuda a firmar o nome do grupo junto à sociedade é fundamental para o crescimento e a consolidação de qualquer banda, um papel ainda mais importante dentro da cena independente. Igor Matias, 23, estudante de jornalismo da Universidade Federal de Sergipe, é um excelente exemplo de um típico fã e admirador do rock independente. O estudante tenta sempre acompanhar de perto os eventos do gênero em Aracaju. Além disso, costuma comprar camisas e cds, de preferência da The Baggios, quando tem dinheiro sobrando. “Eu tento ir no máximo de shows possíveis para também fortalecer a cena. Não adianta só ficar compartilhando as ‘paradas’ no facebook e não comparecer nos shows. Fazer volume que é importante”, afirma. Igor desde 2014 é fã de carteirinha da The Baggios, banda pela qual fez ele passar por algumas situações até mesmo complicadas. “No lançamento do Brutown eu fui para a Reciclaria, que é muito longe da minha casa,
tive que pegar dois ônibus, uma demora para chegar e o show acabou super cedo e eu sem grana para voltar de taxi. Tive que ir dormir no Aeroporto para poder acordar de manhã e pegar um ônibus”. Todo esse sacrifício vale a pena, pois segundo ele, apoiar uma banda local e independente contra o mainstream e ver que ela se fortalece a cada dia o faz se sentir parte dela. Uma banda que consegue produzir, gravar e lançar um disco de forma independente em um estado pequeno como Sergipe, e ainda assim ser indicada ao maior prêmio da música, é certamente motivo de muito orgulho. Sobre isso Igor declara: “Chegar no Grammy é uma vitória. Não só para o The Baggios, mas para aquele fã que nem eu que prestigia os caras, para a cidade de São Cristóvão, que é uma cidade histórica, ter o peso do The Baggios, Aracaju e Sergipe como um todo. Acho que vale a pena pela correria que os caras têm, porque não é fácil viver de música independente aqui, é tenso”.
HALINE FARIAS HALINE FARIAS
Grupo de amigos que juntos produzem e levam arte para a população aracajuana
O estudante Allan trouxe em 2012 em sua bagagem a ideia de um slam para Aracaju
“[...] chegou um momento em que eu senti a necessidade de fazer mais uma coisa por aqui e chamei meus amigos e amigas para construir o slam.” Allan Jonnes
O slam é um formato de campeonato de poesia falada, geralmente com uma performance. O júri que avalia as poesias é formado aleatoriamente no momento que ocorre o evento, onde os jurados escolhidos pela produção estão entre o público. Esse campeonato possui uma vertente comunitária e também inclusiva, pois ele defende a ideia de que qualquer pessoa é capaz de produzir boa poesia, podendo assim participar e competir. Há uma estimativa de que atualmente existam pelo menos 500 slams espalhados pelo mundo, em países como Irlanda, Inglaterra, Austrália, Zimbábue, Madagascar, Israel, Singapura, Polônia, Itália e até mesmo no Polo Sul e no Havaí, das quais as maiores comunidades slams fora dos Estados Unidos se encontram na França e na Alemanha. No Brasil, até onde se sabe, o primeiro slam foi formado em São Paulo. O slam passou a ser mais conhecido no Brasil a partir de compartilhamentos de vídeos em redes sociais, como o Facebook, e também no YouTube. Atualmente, o Slam Resistência (São Paulo), Slam da Guilhermina (São Paulo) e o Slam das Minas (Recife) sãos os que possuem mais destaque na cena brasileira, devido também a essas postagens de vídeos na internet. A produção do slam conta com um (a) ou mais apresentador (a) que coordena as apresentações e interage com o público. Eles devem fazer uma pequena descrição de cada poeta e é quem também instruem os juízes, os avisando do momento para que levantem seus quadros ou cartões com as notas. Os apresentadores devem se manter imparciais, contendo o entusiasmo que possivelmente pode surgir espontaneamente. Há o DJ, que é responsável pela trilha sonora do evento e também interage com o(s) apresentador (res), e também o “matemático”, que faz a soma e a média dos pontos de cada slammers (os poetas). Há cinco juízes, escolhidos na plateia, que dão notas de 0 a 10, e que são instruídos a utilizar notas com casa decimal para diminuir a possibilidade de empate. As regras valem para todos os slams, em qualquer lugar do mundo. As poesias podem ser sobre qualquer tema com duração de no máximo três minutos (há uma tolerância de dez segundo e passando disso o poeta é penalizado nos pontos), desde que sejam de autoria do slammer e cada poesia só pode ser usada uma única vez nas eliminatórias e uma vez na grande final, sem acompanhamento musical ou de adereços. Cada poema recebe cinco notas, a mais alta e a mais baixa são descartadas e as três restantes são somadas, representando a nota final. O slammer vencedor de cada eliminatória, que acontece uma vez ao mês, vai competir na final com todos os vencedores e caso haja outros slams na região, competir com os vencedores destas finais. A final nacional ocorre em São Paulo e há, todos os anos, uma espécie de “copa do mundo” acontece na França, que reúne slammers de todo o mundo.
HALINE FARIAS
por que é tão difícil falar sobre dor? por que é tão fácil fingir que estou numa redoma numa fortaleza numa carcaça sem nenhuma tristeza? por que é tão difícil falar sobre dor? será que vão ouvir esse último clamor?
Estranho um dos personagens “estranhos” com seu jeito peculiar de produzir poesia
mas é claro que não
HALINE FARIAS
A poesia slam (slam poetry ou spoken word, como também é conhecida em inglês) surgiu no começo dos anos 80, numa escola em Chicago, nos Estados Unidos, onde Marc Smith deu início a uma competição de poesia, o slam. A proposta foi se espalhando por todo o país e, já nos anos 90, começou a aparecer em vários países da América.
ÁGUIA
Alguns personagens no meio dos zeros e dez ganham certo destaque, seja pelo seu jeito peculiar ou pelas poesias que conseguem ultrapassar os ouvidos e chegam aos corações. Estranho é um apelido tanto quanto estranho para um dos poetas que já participou várias vezes do slam aqui em Aracaju. Allan diz que Estranho escreve no papel suas poesias antes de ir para competição e que depois de lê-las não as utiliza mais.
dor é coisa privilegiada afinal a cura é branca e não serve pra bixa mal criada a dor é fina, aguda e demorada não tenho tempo pra mais essa empreitada a vida corre, cobre e cobra não me deixa dar uma respirada nem pra chorar nem pra doer me falaram pra calar nunca reclamar e se abrir a boca é pra agradecer a dor está sempre à espreita eu tenho que aguentar sou forte resistente nem o ardor acabou com a minha gente por que a dor importaria? nem foi tão ruim assim eu até merecia a dor é minha amiga ou será que é parasita? não sei não me importa a dor não me incomoda não posso me incomodar há fins demais nessa história não posso lamentar há dores mais importantes que as minhas alguém sempre faz questão de lembrar não vou chorar a dor não é o meu lugar o que me resta é a raiva essa terapia clandestina nos tira da surdina me faz soltar fumaça essa sim é pobre é preta é afeminada
Wagner expressa em letra, face e voz seu íntimo com poesias Já Wagner, apesar do nome mais comum, possui também, como todos os poetas, seu processo criativo e ganha destaque com suas palavras e performance. Wagner Carvalho, 20 anos, estudante de Letras Português e Inglês na UFS, é do interior da Bahia, Itabuna, e mora em Aracaju desde 2005. Ele conheceu o slam pela internet e se encantou, mas pensou que nunca seria capaz de conseguir competir com suas poesias e enfrentar a timidez. Na quarta edição do Slam do Tabuleiro, em outubro de 2017, Wagner decidiu participar depois de muito incentivo dos amigos. “A minha primeira participação foi um dos melhores dias da minha vida, eu acabei em terceiro lugar e presenciei muita energia boa, muita troca de vivência e afeto. [...] eu estava ali simplesmente colocando todas as minhas dores para fora em forma de verso, acho que foi isso o que mais me interessou: poder ter um espaço para gritar as minhas angústias e receber muita empatia em troca.”. Farias. O jovem Wagner usa o palco do slam para falar de suas vivências, como
um espaço de denúncia, seja como declarações de amor ou queixas da falta dele. “Escrevo sobre racismo, LGBTfobia, solidão e amor, ou a falta dele. Não teria como ser diferente já que como bicha preta esses são os temas que mais recortam a minha existência.”. Para Wagner o slam trouxe mudanças em sua vida e é gratificante participar e perceber que é capaz de produzir poesia. “Descobrir que você é capaz de algo que disseram que você não era a sua vida toda é realmente gratificante, além de todas as pessoas incríveis que eu já conheci nessa pequena jornada, toda a troca de experiências e apoio.”. O campeonato é o momento que o estudante encontra para sua voz e sentimentos serem ouvidos. “Apresentar dor, raiva, angústia e fragilidade na frente de pessoas desconhecidas e ser avaliado por isso não é nada fácil, mas se torna necessário quando somos silenciadas em qualquer outro espaço que tentemos ocupar. Então continuarei dando a cara à tapa, passando por cima de dificuldades internas e externas para que mais bichas venham a escrever poesia.”.
a dor não resolve nada a raiva é libertadora revolucionária me fez revoltada é aquela palavra que vocês tanto gostam “empoderada”
O slam apresenta um novo forma- projeto, pois na cidade há pessoas que to de se perceber a poesia e de sociali- querem escrever e há as que querem zá-la, conseguindo atrair mais pessoas ouvir, e fazer todas as edições (são nee trazer uma nova visão do que é poesia cessárias seis para disputar a nacional) e como pode ser feita. Wagner enxerga e finais para mandar alguém para São na competição de poesia uma espécie Paulo e competir com poetas de todo de quebra de padrões. “O slam, para o Brasil. Allan revela que não pensam mim, representa uma ruptura com to- em mudar o local do evento, pois se dos os padrões em torno da literatura e sentem confortáveis e o proprietário o grito das margens. A poesia das ruas. é uma pessoa incrível, mas há outros Como estudante de Letras, sempre no- planos para a grande final que será tei um viés elitista em torno da poesia. um local surpresa. Ele e os demais da Nós somos ensinados que poesia boa é produção pensam em disseminar cada Vinícius de Moraes, Allen Ginsberg [...], vez mais essa nova forma de ter contana verdade, qualquer pessoa é capaz to com a literatura e em fazer convites de escrever poesia, há diversas formas em escolas da cidade para apresentar de se fazer poesia e todas são válidas aos alunos uma nova relação com a lie merecem ser valorizadas.”. O orga- teratura, algo que não pareça maçante. nizador do Slam do Tabuleiro, Allan, “Temos convites para fazer nas escolas, também nota o slam como uma forma pois às vezes as pessoas tem uma relade tirar toda essa carga de algo especi- ção com a literatura que é meio chata, ficamente de literatura acadêmica que [...] e trazer esse outro tipo de poema a poesia carrega. que é feito pela rua, pelas pessoas da A equipe do Slam do Tabuleiro rua para rua, é interessante.”. conta que desejam continuar com o HALINE FARIAS
Janaina explica que apesar de cada um ter uma função, o desenvolvimento do projeto é feito de forma coletiva. “Fazemos reuniões e todos participam ativamente. Cada um tem sua função, mas todos constroem, é algo coletivo, feito de forma horizontal.”. Quanto ao local do evento, o bar do senhor Elenildo, é um espaço cedido pelo proprietário, onde não há nenhum pagamento, apenas uma troca mútua: o slam utiliza o espaço e as pessoas que vão para a competição consomem no bar. Segundo Allan, o local foi escolhido justamente por ser um ambiente que é aberto a um público diversificado. “A gente gosta muito de um público que é espontâneo e não um público que vai para todos os mesmos eventos todos os meses, senão a gente fica sempre falando e batendo palmas para as mesmas pessoas e fica uma bolha que a gente não rompe.”. O apresentador do Slam do Tabuleiro conta que algumas pessoas vão por já conhecerem o projeto através de amigos ou pela internet, mas a ideia do slam ser em um bar é interessante por acabar tendo ali pessoas que nunca tinham tido contato com esse tipo de poesia, mas que depois que conhecem, acabam gostando e voltando. “Há esse envolvimento de pessoas que não conheciam e ao conhecerem se envolvem [...]. Mulheres que estavam lá tomando uma cerveja e foram juradas, gostaram e depois voltaram.”. A estudante de publicidade e propaganda Eduarda Ribeiro conta que conheceu o slam há pouco tempo, cerca de um mês, através de sua namorada, e se interessou pela forma que o slam leva arte para as pessoas. “Fui a uma edição do Slam do Tabuleiro e me surpreendi muito positivamente, uma experiência muito boa e com certeza irei outras vezes”. Ela afirma que a experiência é enriquecedora e trazer algo nesse formato para a cidade de Aracaju é importante, pois consegue inserir arte para todos os públicos e artistas que tratam de diversos temas. Os temas das poesias no Slam do Tabuleiro vão desde lutas políticas, lutas feministas a poesias sobre romances ou família. Segundo Allan, “em Aracaju eu percebo que tem uma diversidade, tem gente que vai ler em um papel coisas que escreveram na adolescência, tem gente que vai falar e parece um discurso, algo mais politizado.”. Ele completa dizendo que a maioria dos participantes é mulher e que até o slam do mês de janeiro deste ano, apenas mulheres foram campeãs.
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O Elenildo Rock Bar se localiza no centro de Aracaju HALINE FARIAS
a penúltima sexta feira de todo mês o bar do senhor Elenildo, o Elenildo Rock Bar, abre espaço para ser palco da poesia além da música. No centro da cidade de Aracaju, por volta das 20h de uma sexta, cervejas e guitarras penduradas na parede cedem espaço para aparelhagem de som, microfone e poesia. “Nos bares, nas ruas, no tabuleiro: SLAM!”. É o lema do Slam do Tabuleiro, responsável por levar a poesia para o Elenildo Rock Bar. Uma poesia que não é somente declamada, mas disputada e avaliada pelas palmas, gritos e arrepios do público, além das notas dos jurados. O Slam do Tabuleiro, que acontece em Aracaju desde julho de 2017, é uma iniciativa de um grupo de amigos, sendo que alguns já participavam ativamente da cena artística da capital sergipana. O estudante de jornalismo Allan Jonnes, que também atuou no coletivo Sarau de Baixo, um sarau mensal que ocorreu durante dois anos em baixo do viaduto do DIA, trouxe de São Paulo o desejo de formar um slam em Aracaju. Allan conheceu o slam quando foi para São Paulo, em 2012, a convite do escritor Marcelino Freire para participar de uma edição especial de um campeonato de poesia chamado ZAP (o primeiro slam do Brasil). “Participei do Zap e ganhei, então fui convidado para outro slam que era também uma edição especial com poetas de todo Brasil e também ganhei. Depois disso fiquei em São Paulo por um tempo para fazer oficina com o pessoal de outros slams e construir uma performance com eles.”. Ele conta que percorreu todos os slams em São Paulo, que na época eram bem menos, cerca de apenas quatro. Com esse contato mais direto com as competições de poesia, a ideia da construção de um slam em Aracaju surgiu e foi guardada por Allan Jonnes, até que em 2017 ele sentiu que era o momento de colocar a poesia em jogo. “[...] chegou um momento em que eu senti a necessidade de fazer mais uma coisa por aqui e chamei meus amigos e amigas para construir o slam.”. A produção do Slam do Tabuleiro conta com uma equipe de cinco pessoas. Janaina Vasconcelos, mais conhecida como Jana ou DJ Disfalq, é professora de fotografia na Universidade Federal de Sergipe (UFS) e quem comanda o som do evento, além de ser responsável por gravar algumas poesias para guardar no acervo da organização, pensando na possibilidade de se fazer um podcast futuramente. Allan Jonnes, estudante de Comunicação Social na UFS e autônomo, é um dos apresentadores, junto com Débora Arruda, que é formada em Letras também pela UFS e possui uma microempresa no ramo alimentício. Bruna Noveli é produtora de audiovisual e no slam fica responsável pela cobertura fotográfica e os vídeos. E o designer gráfico João Henrique, responsável pelo design e também é o matemático nas competições.
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Haline Farias halinefarias@gmail.com
SOBRE O SLAM
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P O E S UI A EM JO GO DE T AB U L E I R O
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Público aprecia e se encanta com as poesias
“Como estudante de Letras, sempre notei um viés elitista em torno da poesia. Nós somos ensinados que poesia boa é Vinícius de Moraes, Allen Ginsberg [...], na verdade, qualquer pessoa é capaz de escrever poesia, há diversas formas de se fazer poesia e todas são válidas e merecem ser valorizadas.”
a raiva é eficiente se calaram meu choro vão me ouvir gritar até arrebentar os dentes os seus dentes não subestime a minha raiva ela foi por muito tempo dor e agora ela é águia forte, livre e predadora vai derrubar qualquer pessoa que me fez raiva e dor quando eu só pedi amor.
Wagner Carvalho
Wagner Carvalho
A poesia “Águia”, de Wagner Carvalho, traz uma reflexão sobre a dor
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CULTURA EM VERSOS
Poesia pelo Dia do Nordestino Bráulio: Eu nasci no interior nunca neguei a ninguém a terra que a gente vem merece todo amor lá sorri e senti dor lá eu fui feliz demais e sempre que olho pra trás quero voltar sem ter freio porque quem esquece de onde veio não sabe pra onde vai! E é por isso que eu digo quanto mais sou nordestino mais tenho orgulho de ser!
O poeta é quem fazia versos, estrofes e poesias, hoje em dia com a chegada da tecnologia até a meninada se anima a juntar rima por rima para fazer poesia que valoriza o cordel que triste vivia pensando no dia em que voltaria a ser declarado como cultura popular.
B
erço de importantes cordelistas como Pedro Firmino, João Batista de Melo, Pedro Amaro do Nascimento, Zezé de Boquim e outros tantos nomes, Sergipe se destaca na produção de cordéis com grandes nomes do passado, e com nomes que estão chegando e ganhando cada vez mais espaço entre os cordelistas. Esse encontro entre o passado e o presente fica visível na figura de Joelson Santana, filho do cordelista já falecido Pedro Firmino, que comercializa cordéis há dezessete anos no Mercado Municipal Antônio Franco, na barraquinha que ainda leva o nome e as lembranças de seu pai. E o presente, representado por Erika Santos de quinze anos que há três anos conheceu o cordel e se tornou uma das jovens revelações sergipana. Erika foi descoberta em um projeto na Escola Municipal de Ensino Fundamental Presidente Vargas onde estudava no ano de 2013. O projeto fez com que a menina, filha de um pedreiro analfabeto e uma dona de casa, tomasse gosto pelas rimas e versos, fazendo com que a jovem em pouco tempo como poeta já possua alguns de seus cordéis divulgados em Portugal. Pelo seu destaque como cordelista, e graças ao apoio que sempre recebeu de seu irmão em todos os seus sonhos, ela recebeu durante o “VI Encontro de Leitores e Escritores de Sergipe” em 2017, o convite para fazer parte da Academia Sergipana de Cordel, ela será empossada em julho de 2018. Os integrantes da Academia Sergipana de Cordel enxergam com bons olhos essa renovação
que não é marcada apenas por Erika, poetas mais antigos. Com o intuito de mas também por outros jovens que es- valorizar a memória dos antigos cordetão conhecendo um pouco mais sobre listas, Pedro Amaro afirma que “exiso cordel através de trabalhos de cor- tem projetos que buscam relembrar as delistas mais antigos, e dos próprios memórias dos antigos cordelistas, atratrabalhos que levam essa cultura a se vés de livros e cordéis que trazem para manter viva. o presente o nome de grandes cordelisPossuindo uma grande impor- tas do passado”. Além disso, segundo tância para o cordel sergipano, a Aca- Pedro, as memórias dos grandes poetas demia Sergipana de Cordel (ASC) foi se mantém vivas também graças a prefundada há pouco tempo, no dia 19 de sença de membros em praticamente julho de 2017, reunindo trinta e sete todos os municípios de Sergipe, e grapoetas como Pedro Amaro do Nasci- ças aos projetos que divulgam o cordel mento que é membro fundador, sua realizados na Cordelteca. filha Isabel Nascimento que seguiu A academia funciona sem nenhum a carreira do pai e também se tornou tipo de apoio do governo estadual, nem cordelista, Zezé de Boquim que partici- para a divulgação dos projetos que ela pou da fundação da Cordelteca, o jor- desenvolve nas escolas públicas. Por nalista Thiago Barbosa, entre outros. A falta de apoio, ela realiza os seus projeacademia funciona na casa do poeta tos por conta própria, sendo a mesma, Pedro Amaro, onde também funciona responsável pela divulgação dos evena Casa do Cordel- Espaço Cultural Pe- tos por meio da página do Facebook dro Amaro do Nascimento, fundada da academia, e das redes sociais dos em 2003 com o intuito de divulgar o poetas que fazem parte da instituição. cordel que ele e os outros cordelistas Graças aos seus esforços, eles já conseproduziam. A fundação da academia guiram fazer com que academia sergiaconteceu após uma visita de Pedro pana e seus cordéis fossem conhecidos Amaro a Academia Brasileira de Lite- em estados como Paraíba, Ceará, Recife, ratura de Cordel, situada no Rio de Ja- entre outros. neiro que serviu como inspiração para A academia busca através da diacademia sergipana. vulgação dos projetos não só difundir o Apesar de a academia sergipana cordel sergipano, ela vai além na tentater sido fundada somente em 2017, tiva de que o cordel seja visto não apeapós a morte de grandes nomes do nas como simplesmente poesia matuta. cordel sergipano como João Batista Eles procuram, segundo Pedro Amaro de Melo e Pedro Firmino, que quando “que o cordel seja levado a sério”, para vivos ocuparam cadeiras na Acade- que ele apareça mais vezes nas escolas mia Brasileira de Literatura de Cordel de Sergipe em projetos que manifes(ABLC) fundada em 7 de setembro de tem a nossa cultura, e não apenas no 1988, ela busca não esquecer de seus mês de agosto, mês do folclore
João: Sou o gibão do vaqueiro sou cuscuz sou rapadura sou vida difícil e dura sou Nordeste brasileiro sou cantador violeiro sou alegria ao chover sou doutor sem saber ler sou rico sem ser granfino quanto mais sou nordestino mais tenho orgulho de ser! Bráulio: Da minha cabeça chata do meu sotaque arrastado do nosso solo rachado Dessa gente maltratada quase sempre injustiçada acostumada a sofrer mesmo nesse padecer sou feliz desde menino quanto mais sou nordestino mais tenho orgulho de ser!
CLÁUDIA SILVA CARVALHO
Cláudia Silva Carvalho claudia.carvalho383@gmail.com
13 CLÁUDIA SILVA CARVALHO
CLÁUDIA SILVA CARVALHO
CULTURA
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Poesia com Rapadura: Bráulio Bessa e João Neto
CORDELTECA A Biblioteca Pública Clodmir Silva é de grande importância para divulgação do cordel, por se encontrar guardado nela um grande tesouro da cultura sergipana. Um acervo de centenas de cordéis todos doados por grandes poetas sergipanos, que no ano de 2003 se uniram em torno da ideia do cordelista Francisco Passos Santos, mais conhecido como Chiquinho do Além Mar, de criar um espaço para organizar os trabalhos realizados pelos poetas. A união contou com nomes como Zezé de Boquim e Pedro Amaro do Nascimento, que junto com Chiquinho doAlém Mar fundaram a primeira Cordelteca do país. Além de divulgar a nossa cultura, a Cordelteca também busca reviver a Barraquinha de Cordéis no Mercado Antônio Franco
memória do cordel sergipano, graças pode possuir conta em redes sociais, A VENDA DE CORDÉIS EM SERGIPE pre que vem visitar os estados do Noraos eventos realizados pela bibliote- sendo assim, a divulgação na mídia dos A venda dos cordéis em Sergipe deste procura adquirir alguns exemca e pelo trabalho de formiguinha dá eventos de responsabilidade do gover- acontece em pontos muito frequenta- plares que chamem a sua atenção, por coordenadora Fabiana Bispo e da sua no estadual, que não possui um projeto dos por turistas que visitam a capital acreditar que a literatura de cordel é equipe, que buscam realizar projetos de divulgação adequado às necessida- sergipana, como por exemplo, o Merca- “uma importante expressão literária”. que fortaleçam o cordel como cultura des da Cordelteca. do Antônio Franco no centro de Aracaju, O interesse dela de conhecer o cordel sergipana, assim como acontece com Fotografia: Cláudia Silva Carvalho e no espaço J. Inácio, na Orla de Atalaia. sergipano aconteceu pelo fato de seo projeto “Hora do Cordel”que tem por Devido também a falta de divul- Joelson Santana que comercializa cor- gundo ela “ele contar histórias”. objetivo “introduzir o cordel na educa- gação o público que visita frequente- déis no centro de Aracaju afirma que Já Marcelo Vieira Pereira, médico ção”. O projeto busca pelo menos uma mente a Cordelteca é bastante reduzido, “as vendas acompanham o fluxo de tu- e também turista do Rio de Janeiro, quarta-feira por mês levar um ou mais mesmo ela estando situada num bairro ristas, sendo mais forte durante os me- atribui ao fato de não comprar cordéis cordelistas que tenham relação com de grande circulação de pessoas da ca- ses de festas, como carnaval, São João e com frequência à falta de pontos de o tema que será tratado naquele mês pital sergipana como é o caso do Siquei- festas de fim de ano”, visto que são os venda no Rio de Janeiro, onde ele mora. pela biblioteca para falar de seu traba- ra Campos. A coordenadora observou meses que a capital sergipana recebe Por conta disso sempre que vem visilho e de seus cordéis. que o número de frequentadores cresce um maior número de turistas, grupo tar os estados do Nordeste ele busca Mas apesar de todo esse esforço muito no mês de agosto devido ao dia esse segundo ele que são os maiores adquirir alguns livretos. Ele enxergar o em realizar projetos que propaguem 22 ser dedicado ao folclore. Segundo ela, consumidores de seus folhetos. cordel sergipano com bons olhos pelo a literatura de cordel, eles esbarram “os alunos vêm à biblioteca para fazer Lea Caban, advogada e turista do fato de “o cordel sergipano estar prena pouca divulgação que a Cordelteca pesquisas relacionadas ao cordel. No Rio de Janeiro, afirma que não compra sente em feiras e eventos espalhados recebe, uma vez que a biblioteca não resto do ano, a frequência é baixa”. cordel com muita frequência, mas sem- por quase todo o estado de Sergipe”.
CULTURA
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AGÊNCIA VOZ
Ana Carolina afirma que “O audiovisual de Sergipe não é forte porque ainda não se consolidou enquanto um mercado de produção cinematográfica. Este mercado ainda precisa estabelecer pequenas pontes com a publicidade, com o Jornalismo e com o marketing digital”, afirma. Segundo a Coordenadora existem poucas pessoas que vivem da produção cinematográfica. Isso entra em confronto com a própria produção, pois se for analisar em termos de produção, ela é muito grande, mas essas pessoas não ganham dinheiro, não são monetizadas, ou seja, em termos de monetização é um mercado que ainda precisa se consolidar aqui em Sergipe.
ELABORAÇÃO: VICTÓRIA COSTA
O pouco investimento de políticas públicas em alguns estados do país traz à tona a disparidade nos números de produção e desempenho no setor audiovisual do Nordeste, que ainda encontra-se aquém quando comparados ao eixo Rio-São Paulo. Segundo dados da Ancine, as produções nordestinas também apresentam deficiências como a falta de parceiros, baixo índice de especialização na equipe de profissionais, entre outros fatores que dificultam o desenvolvimento das empresas. De acordo com dados de uma pesquisa realizada pelo SEBRAE no ano de 2015, 61% das produções audiovisuais do país estavam concentradas em São Paulo e no Rio de Janeiro.
CENÁRIO ATUAL DO AUDIOVISUAL SERGIPANO
RECEPÇÃO DAS PRODUÇÕES LOCAIS
Dados da distribuição da produção audiovisual no país
O setor que apesar de promissor, ainda enfrenta grandes dificuldades no estado
A
indústria audiovisual é um setor que cresce no Brasil de forma acelerada desde a segunda metade dos anos 1990. Esse crescimento pode ser percebido através do expressivo aumento na produção de filmes nacionais: de um total de 14 filmes até 1995, para 100 filmes até 2011. A expansão da indústria desencadeou também no crescimento da produção de curtas e consequentemente de festivais de exibição de filmes pelo país. Em Sergipe essa realidade não é diferente. No estado, a produção de filmes e curtas locais emergiu justamente no início da atual década, tal qual no restante do país. Assim como o surgimento de diversos pontos culturais voltados para a exibição de filmes locais como, por exemplo, o Centro de cultura Sergipana ou o Cine Vitória. De acordo com dados da Agência Nacional de Cinema (Ancine) o público de filmes produzidos no Brasil praticamente dobrou de 2012 até 2016, o que consequentemente levou ao aumento
da renda obtida por tais filmes em torno de 60%. Na avaliação da própria Ancine e de estudiosos dessa área, o crescimento do audiovisual no país é resultado em grande parte de medidas públicas que têm criado reserva de mercado e direcionado dinheiro público para o setor. Já que esse setor industrial possui uma especificidade, uma vez que seu dinamismo está fortemente relacionado às políticas públicas de apoio a cultura. Porém, nem todos os estados têm políticas públicas tão fortes em relação a essa área, como é o caso de Sergipe. Ana Carolina Westrup, atual coordenadora do Núcleo de Produção Digital Orlando Vieira, fala sobre a realidade do cenário de políticas públicas no estado. “Tem uma falta de investimento aqui no estado de Sergipe, por exemplo, não tem uma secretaria de audiovisual. O único equipamento que discute e elabora propostas para o audiovisual é o Núcleo de Produção Digital. Só que o núcleo é um espaço ainda restrito”, comenta.
CRESCE A PRODUÇÃO INDEPENDENTE NO ESTADO O pouco investimento público em produções aliado ao desenvolvimento de organizações sociais e associações culturais trouxe consigo um novo alento: a ascensão de produções audiovisuais independentes. Ou seja, é correto afirmar que o audiovisual brasileiro vive no momento presente um ambiente extremamente favorável à produção independente. Esse crescimento acontece também por conta da maior acessibilidade aos recursos au-
diovisuais, além do uso de aparelhos móveis (celular) para a produção de filmes. Para Nathan Reis, produtor audiovisual do estado, novas formas de produzir conteúdo são de grande importância para essa área. “Produzir é um trabalho é muito difícil, porque além de tudo requer investimento e gastos, então saber que pessoas estão produzindo por conta própria deixa claro o quanto a criação de cinema está crescendo aqui”.
AGÊNCIA VOZ
por Victória Costa vcarvalhosantosdacosta@gmail.com
Público acompanhando um filme local
As seções que exibem filmes locais estão sendo um sucesso de público, que em sua maioria é jovem. De acordo com uma pesquisa do Target Group Index, do IBOPE Media em relação às faixas etárias, o grupo que mais acompanha filmes nos cinemas é formado por jovens de 12 a 19 anos, depois aparecem os adultos de 25 a 34 anos e, por fim, os jovens de 20 a 24 anos de idade. Como é o caso do estudante, Lucas de Souza, de 19 anos que acompanha assiduamente a exibição de filmes locais. “Eu acho muito importante valorizar aquilo que é produzido dentro do próprio estado, é muito legal você reconhecer, por exemplo, os locais da sua cidade enquanto assiste a um filme. É uma sensação de pertencimento muito grande, é bem diferente de você acompanhar um filme de São Paulo ou do Rio. É uma sensação de identidade cultural. De você se sentir Sergipano, se sentir em contato com a sua terra, de encontrar beleza em um local que muitas vezes não é tão reparado.” Para a diretora executiva da Casa Curta-SE, Rosângela Rocha, é fundamental o compromisso de exibir produções locais. “Precisamos valorizar o produto da casa, como também contamos com a participação dos realizadores sergipanos prestigiando as outras mostras”, conclui.
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ECONOMIA
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OS LOCAIS ALTERNATIVOS SERÃO A NOVA TENDÊNCIA DA CIDADE? Na rua Nossa Senhora do Socorro lá e nisso eu já sabia da existência do bairro São José da capital sergipana, de uns modelos de loja colaborativa, o local de número 271 tem atraído a que eu sabia que era interessante, atenção de muita gente que passa pela que era um novo modelo de negócio, região desde dezembro do ano passado. que começava a fazer sucesso e esse Com uma pintura de acabamento modelo de loja colaborativa me agrada em preto azul e vermelho que montam muito já que tem como proposta uma uma parede emoldurada, mas sem economia criativa, diferente das lojas nome algum na fachada, a primeira convencionais. Vendo as lojas em são impressão que se tem é a de que o lugar Paulo, tive a ideia de que seria algo se trata de uma loja de moda, com promissor para trazer para Aracaju, araras posicionadas na área central foi quando minha mãe vendeu a loja do espaço, logo em frente aos portões de fato e eu fiz a proposta para o meu largos da entrada. Nestas araras se irmão, propusemos juntos aliás, e encontram roupas penduradas e finalmente a gente ia fazer algo que etiquetas de preço de venda dos mais sempre quisemos. diversos modelos de vestimenta e tipos Lojas colaborativas como a Void do de tecido, mas em se tratando de uma Rio de Janeiro, que tem inclusive filial loja, há certos objetos no ambiente que na cidade de São Paulo e a Black Joy provavelmente instigam os clientes. Arte de Florianópolis foram lojas que Quem não se perguntaria o porquê tivemos como forte referência para de em uma loja, à primeira vista de idealizar e criar a Doca. Mas Aracaju roupas, haver uma estante repleta de é um lugar muito singular. Uma livros e logo ali mais próximo, uma “capital-interior” onde a proximidade mesa longa de madeira de Call Work. entre as pessoas é muito grande e Já mais ao fundo, um balcão de bar. Por nisso resolvemos apostar alto na em mais estranho ou até mesmo confuso proporcionar uma experiência de que possa parecer, é exatamente isso. vivência com o local. Realmente esse Estamos falando da Doca, o mais novo “Q” de interior que Aracaju tem dá para local alternativo da capital sergipana a cidade um potencial empreendedor que é, ao mesmo tempo, bar, cafeteria, enorme e muito proveitoso. loja e casa de exposição. Outra coisa que influenciou Baseado no conceito de loja bastante para que criássemos a Doca colaborativa, o estabelecimento dos foi o fato de meu irmão e eu já termos irmãos Rafael e Vinícius Benevides foi trabalhado com a realização de alguns inaugurado no final do ano passado eventos esporádicos pela cidade. Isso na região central de Aracaju e desde realmente foi uma coisa forte, que então tem ganhado grande visibilidade influenciou muito mesmo para que de uma grande parte da população realizássemos a abertura do nosso aracajuana que está cada vez mais estabelecimento, o que há um bom buscando locais alternativos para tempo vinha sendo nosso sonho”. realizar algumas de suas atividades de lazer. Vinícius Benevides, um dos - E qual a proposta da Doca? O irmãos-sócio da loja que tem 23 anos, que vocês buscam proporcionar ao até então só havia passado pela público com esse espaço? experiência do empreendedorismo “Então, o que a gente realmente quando trabalhava ajudando sua mãe, pretende é trazer sempre algo novo e que até recentemente era dona de uma diferente para o nosso “ponto cultural”. loja de roupas no centro da cidade, Acho que isso se dá logo de cara quando em entrevista ao Jornal Contexto, o oferecemos no mesmo lugar serviços jovem contou sobre suas primeiras de bar, cafeteria, biblioteca, loja de experiências como empreendedor, moda, de produtos alimentícios; no revelou em que se inspirou com o fim das contas a gente acaba querendo seu irmão para criar a Doca e conta não definir muito o que é a Doca, não detalhes do que ele mesmo chama de vemos a necessidade de apontar algo “ponto cultural” da cidade: em específico que ela queira trazer para o público, e esse é, inclusive, mais um dos motivos de não termos uma - De onde surgiu a ideia de criar fachada instalada na frente do local. um local como a Doca na cidade de A intenção da gente é deixar que o Aracaju? pessoal repare no local. Queremos “A proposta surgiu depois de meu instigar a curiosidade e com ela trazer irmão e eu termos percebido que não o público para dentro da Doca e assim havia nenhum local com esse tipo de poderão reparar e entender melhor a proposta na cidade. A gente veio de proposta que estamos oferecendo” uma família que já teve comércio, meu pai tinha fábrica, minha mãe sempre tomou conta de loja e recentemente ela - Em se tratando da Doca como um decidiu vender essa loja e o dinheiro espaço loja, que ela também possui, da venda foi dividido entre eu e meu o que vocês trazem e consideram irmão que juntos decidimos unir como sendo um diferencial em nossas ideias e dar início ao projeto comparação as outras lojas da (da Doca). Realmente não é uma ideia cidade? de agora. O modelo que adotamos “Olha, como a Doca se trata de uma agora, como tá aqui, é bem recente. loja colaborativa, nós conseguimos Quando eu trabalhava na loja com atender vários segmentos. Não é uma minha mãe no centro, na loja que ela loja de artigos de surf, ou de qualquer tinha, eu viajei para são Paulo para outro esporte em específico, por comprar alguns produtos para a loja. exemplo. Vendemos de tudo aqui. Você Meu irmão mais velho trabalhava pode encontrar na loja até mesmo
CRÉDITOS: TALISSON SOUZA
Talisson Souza talissonsouza23@gmail.com
Vista da área interna da Doca
vasinhos com plantas, chá mate, café, roupas; nós realmente conseguimos atender um público muito diversificado e acho que algo que meu irmão e eu acabamos inventando e que traz ainda mais um diferencial para a Doca, algo que eu nunca vi nas outras lojas que visitei e me inspirei para criar a nossa, é que a gente mistura os produtos nas prateleiras. Não separamos por categorias de valor, tamanho do box, marca nem nada do tipo. A gente tem uma demanda de produtos para vender com contrato e todos esses procedimentos burocráticos, mas preferimos deixar os produtos juntos, misturados, pelo fato disso trazer uma ideia maior de liberdade de compra para o consumidor. Ele poderá encontrar outros produtos, se interessar por estes outros produtos, sejam diferentes ou apenas de outras marcas, mas de um mesmo segmento. Deixamos, é claro, tudo disposto de modo que as coisas não fiquem em desordem e confuso para os clientes. Fazemos com que os produtos “conversem” entre eles trazendo no final um “lance” menos mecânico. Transformamos o ato de comprar em uma coisa mais orgânica, mais fluida”. ¬- Escolher esse lugar em específico, nesse bairro, foi algo aleatório ou planejado por você e seu irmão? “Procuramos outros locais, claro, mas aqui pelo bairro mesmo. Em meio a isso vieram muitos imprevistos de locação até que chegamos aqui nesse endereço onde estamos agora e o meu irmão ficou realmente muito interessado e entusiasmado com o espaço. Posso dizer que ele realmente se apaixonou pelo lugar. Eu já havia conhecido o local antes e o que funcionava aqui era só um bar mesmo. Como meu irmão e eu queríamos trabalhar num local que fosse acessível para todo mundo e o São José é um bairro que fica localizado na região central da cidade, isso meio que facilitaria a locomoção do pessoal da zona sul, zona norte e de qualquer outra região da cidade para vir a loja, então decidimos que ficaríamos aqui pela região mesmo e esse lugar que encontramos casou muito bem com a proposta que tínhamos. Dos dois espaços que temos dentro da Doca deixamos o da frente como espaço para ficar a loja e a área de vivência que conta também com um pequeno deck na área externa muito confortável para se reunir com os amigos a partir do período da tarde. Já no espaço de trás ainda não é algo bem definido. Digamos que é ainda um laboratório da gente, mas já rolou em show nessa área, apresentações culturais, exposição de material fotográfico e no dia da inauguração da Doca tivemos pintura ao vivo. Antes tudo aqui estava pintado de preto e deixamos algumas partes ainda assim na mesma cor para dar mais um tom de neutro ao ambiente. Já em algumas partes lá da frente decidimos descascar as paredes que também eram pretas pois nessa parte o ambiente era
muito escuro e queríamos destoar um pouco as coisas. Toda a decoração foi muito ideia minha e do meu irmão. Eu já fiz arquitetura, não conclui o curso, mas admito que isso me ajudou bastante de modo geral. Alguns amigos também ajudaram um pouco a gente com algumas dicas e coisa do tipo, mas no geral realmente fomos meu irmão e eu para acertarmos tudo. Reaproveitamos ainda algumas coisas que sobraram da loja da minha mãe e estamos aqui com esse resultado final” - Quais os critérios para que expositores, artesãos e vendedores possam trazer sua arte para a Doca? - A gente deixa um espaço bem aberto pra exposição de qualquer tipo de arte, desde a confecção de casaquinhos artesanais até obras de arte. A intenção do espaço é promover a interação entre artista e público, já que aqui em Aracaju existem poucos espaços com essa mesma proposta. Já rolou flash day e todos os tipos de arte. Se você tem uma ideia, alguma arte, você vem, nos apresenta, e a gente vê qual a melhor forma de expor seu produto para venda ou não. - Quais os desafios e os resultados que já obtiveram com essas primeiras experiências de vida empreendedora? “Enfrentamos alguns problemas de questão administrativa porque quem mandava bem nisso era minha mãe, mas ela está aposentada agora e não quer nem saber dessetipo de trabalho, mas o feedback que estamos tendo da galera, e maneira geral, vem sendo muito positivo. O pessoal tem aprovado nossa ideia, nossa proposta. Gostaram do local, acham confortável e para gente isso é muito satisfatório, por mais que ainda não estejamos organizados por completo. As lojas têm vendido bem. Abrimos em dezembro e já alcançamos um bom número de vendas. Queremos trazer um movimento econômico para o próprio local, para a região e esse é inclusive nosso lema: “o caminho para o local”. Queremos fortalecer a economia na região, da região. As marcas locais são muito boas. Tanto quanto as marcas de outros estados maiores ou até mesmo internacionais. Tem outras lojas colaborativas no estado, mas nem todas elas têm uma proposta como a nossa. A gente quer vender não só os produtos, mas também as marcas que são locais. Queremos vender também a experiência do consumir esses produtos locais. Um escambo, uma troca. Não estamos todo esse esforço somente pelo dinheiro. Enxergamos o lucro em dinheiro como uma consequência do nosso trabalho, que teremos se for bem feito. Do jeito que estamos, não nos consideramos realizados ainda, mas feliz com os resultados que já conseguimos obter.
ECONOMIA
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JORNAL CONTEXTO 57
A FORÇA DO MILHO PARA SERGIPE O grão que representa tanto para o estado é símbolo de resistência e modernização
LETÍCIA NERY
Por Letícia Nery leticianery_@hotmail.com
Mais da metade da produção de milho em Sergipe vem do plantio de sementes transgênicas.
M
ilho cozido, assado, cuscuz, canjica, polenta, mungunzá, sorvete, bolos, pamonha...A variedade de pratos possíveis de serem montados a partir do milho é de se perder de vista. Por todo o país pode se observar jeitos diferentes de lidar com a gastronomia, mas a presença desse grão no cotidiano das pessoas é indiscutível. Além do consumo particular, o milho é usado também para alimentar animais, como o gado, e comercializado para exportação. Nesse último caso, cerca de 30 milhões de toneladas foram exportadas no ano de 2017, segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec). De acordo com o quarto levantamento de grãos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a estimativa é de que na safra 2017/18 uma área correspondente a um volume de mais de 17 milhões de toneladas de milho tenha sido plantada no Brasil. Na região Nordeste, a cultura desse grão é uma das mais importantes para a população e gera altos investimentos. O milho para o nordestino representa força e é um símbolo da população, como pode ser visto durante o período dos festejos juninos. Há uma forte predominância dos pratos citados acima no dia a dia e, principalmente, na época conhecida como São João. Não existe dúvida do papel que o milho ocupa no cenário nordestino como um todo e, claro, em Sergipe. Em relação à produção sergipana, se destacam os municípios de Carira e Simão Dias, que se localizam a um pouco mais de 100 quilômetros da capital Aracaju. Segundo Esmeraldo Leal, secretário do Estado da Agricultura (Seagri), “Sergipe já foi um dos maiores produtores de milho do Nordeste. Tem diminuído em números absolutos, mas continua sendo proporcionalmente um dos estados com maior produção de milho. Fica muito claro que é uma cultura [a do milho] que vem dando resultado econômico”.
SEMENTE CRIOULA X SEMENTE TRANSGÊNICA Uma questão que está sendo debatida desde meados de 2013 é a escolha do tipo de semente para o plantio. As transgênicas são “as melhoradas nos laboratórios, nas indústrias”, enquanto as crioulas, também chamadas de tradicionais e locais, foram “melhoradas pelo próprio agricultor, foram adaptadas àquela condição dele que não tem muito recurso. Elas tiveram um melhoramento natural para se adaptar à sua localidade”, diz Amaury da Silva, pesquisador há 11 anos na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária de Sergipe (Embrapa Tabuleiros Costeiros). Um ponto-chave na discussão sobre a situação das sementes é a larga produção das transgênicas e a Seagri já identifica esse problema. “Hoje a gente já tem muita dificuldade de separar o que é semente transgênica do que é semente crioula”, afirma o secretário. Desse modo, a produção de milho crioulo vai se tornando cada vez menor, e manter a variedade dessas sementes é uma preocupação grande tanto da Embrapa, quanto do governo, já que há um certo risco em relação à dependência da transgenia e de pacotes e modelos de sementes por parte dos pequenos agricultores. “Seria muito bom, não só o estado de Sergipe, mas que o mundo todo tivesse muita opção de sementes. Nada impede que a transgênica continue sendo estudada. O que não dá é que, sem muito estudo, ela entre de uma forma que não é como opção, que ela entre destruindo nossos bancos genéticos de sementes”, diz Esmeraldo. Apesar de não haver uma porcentagem exata do plantio da semente transgênica em Sergipe, estima-se que a transgenia esteja presente em 80% da produção. De acordo com os estudos de Kátia Barreto, mestranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Sergipe (UFS), “o atual processo de modernização da produção de milho no Agreste e Centro-Sul de Sergipe teve início no município de Simão Dias em 2003 com a implantação dos primeiros experimentos de competição de cultivares pela Embrapa Tabuleiros Costeiros, daí, gradativamente, se ampliou para os municípios vizinhos”. Ainda segundo a pesquisa de Kátia, no município de Carira, a redução do plantio das sementes crioulas é visível, e isso vem sendo causado pelo grande investimento na tecnologia e no modelo do agronegócio. O Governo está acompanhando as reclamações da dependência econômica dos agricultores para com as grandes empresas. Segundo o secretário, o valor de venda de um saco de 20 kg das sementes transgênicas varia entre R$ 300,00 e R$ 400,00, enquanto o mesmo saco de sementes crioulas é vendido por um valor médio de R$ 10,00. Para ele, essa diferença é inadmissível e afirma que “fica uma disparidade absurda, então não tem como explicar que é custo de produção, não tem como explicar que é custo de tecnologia. Fica muito claro que há uma exploração muito grande na política de produção e venda de sementes”. Já para o agricultor Benedito Sobrinho, 54 anos, o perigo é que o plantio do milho seja destinado apenas à indústria. “Enxergo o único perigo quando o milho transgênico só serve para atender às necessidades dos grandes produtores. Eu, como pequeno agricultor, prefiro trabalhar com o milho crioulo por ter variedades mais resistentes e não necessitar de tanta tecnologia no plantio”, comenta.
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SERGIPE PREFERE AS SEMENTES CRIOULAS? O uso das sementes transgênicas entrou com muita força no estado de Sergipe e isso gera preocupações. Para que exista uma maior variedade na utilização das sementes, o governo se utiliza do Programa de Distribuição de Sementes. Neste ano, o projeto espera incentivar o plantio do milho crioulo. “Provavelmente esse ano a gente faça essa opção de comprar pelo menos 30% de variedades crioulas”, afirma Esmeraldo Leal. Além de secretário estadual, ele também é agricultor e cultiva milho, mas nunca utilizou as sementes transgênicas. Esmeraldo ressalta que é importante manter os focos de resistência das variedades de sementes para evitar a escassez do milho crioulo e ainda brinca: “há uma diferença muito grande no sabor. Os nossos milhos mais tradicionais têm gosto de milho. Essas sementes que estão chegando, é visível a diferença”. Já para Valdício Souza, 40, professor da rede estadual e filho de agricultor, a diferença entre as sementes não é critério de relevância para escolher qual produzir e conta que planta a que estiver de mais fácil acesso para sua terra. “Tanto faz essa situação de crioula ou transgênica. O que importa, pra mim, é o acesso. Às vezes compro a semente transgênica porque não encontro a crioula, mas nada que gere problema”. Apesar de o assunto também ser debatido entre os consumidores de milho, é perceptível que o questionamento sobre a escolha da semente na hora da compra é muito menor. Larissa e Ricardo Rodrigues costumam comprar milho uma vez por semana, mas quase nunca colocaram a utilização da semente transgênica em discussão. “Sinceramente, a gente buscou se informar sobre isso há algum tempo atrás, mas, hoje em dia, a gente só compra e pronto”, comentam os irmãos. A IMPORTÂNCIA DO MILHO PARA A AGRICULTURA FAMILIAR SERGIPANA Segundo a Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro), a agricultura familiar representa 79% da produção de milho de Sergipe. Em 2016, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) classificou o estado como o 4° maior produtor desse grão no Nordeste. Isso demonstra uma base muito significativa na produção dos pequenos agricultores sergipanos e uma das principais escolhas de plantio. Quem estuda o assunto também é enfático ao destacar a importância do milho. Como explicitado por Amaury da Silva – pesquisador da Embrapa– “o milho para o agricultor familiar é tudo, não é? Sempre foi”. A grande venda do grão durante os festejos juninos, bastante conhecidos no Nordeste, demonstra que a cultura do milho tem força e permanece como uma tradição, também na região sergipana. Carminha Santos, 42, é agricultora há 20 anos e planta milho para vender em feiras livres. Ela diz que o plantio do grão simboliza a importância que a agricultura tem em sua vida e que a escolha pelo milho crioulo vem da maior facilidade para plantá-lo. “A gente só planta do tradicional mesmo. É mais fácil trabalhar com ele para vender e o transgênico é para quem tem área grande [de plantio]”, comenta. “O milho é o milho, não é? Sem ele... é melhor nem pensar”, completa.
MEIO AMBIENTE
JORNAL CONTEXTO 57
O DESENVOLVIMENTO DA CARCINICULTURA NO BAIXO SÃO FRANCISCO SERGIPANO
Por Malu Araújo
malu.ojuara.1@gmail.com
Entenda porque o camarão que chega à sua mesa tem sido alvo de discussões
SALINIZAÇÃO: DO ARROZ AO CAMARÃO Localizada próximo à foz do “Velho Chico”, a região costumava ter a rizicultura como uma das principais atividades geradoras de renda para seus moradores. Porém, nos últimos anos, houve um avanço da cunha salina no rio, o que aumentou o grau de salinidade das águas e inviabilizou essa forma de cultivo. Carlos Tadeu da Silva Rosa, superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) em Sergipe, confirma essa situação e é enfático ao afirmar: “Se você for na foz, você vai constatar. A rizicultura hoje em Brejo Grande e Ilha das Flores acabou”. Outra atividade tradicionalmente desenvolvida no Baixo São Francisco é a pesca. Assim como o cultivo de arroz, ela se tratava de uma das principais fontes de renda da população local e também foi prejudicada por conta da salinização das águas, que fez com que várias espécies de peixes típicos de água doce, que eram bastante comuns na região, morressem. Esse fenômeno tem prejudicado diversas famílias ribeirinhas, que dependiam da água tanto para o seu sustento quanto para consumo.
Com essas duas atividades prejudicadas, os produtores passaram a migrar para a carcinicultura, pois o camarão é uma espécie muito adaptável a diversas condições de salinização da água. “É uma forma de sobrevivência”, aponta o superintendente, que também é técnico em Agropecuária. “É preciso olhar com um outro olhar: o da sobrevivência humana. O que está dentro da lei que eu posso fazer para não agredir o meio ambiente, mas ao mesmo tempo gerar emprego e renda para substituir uma atividade que foi exterminada?”, conclui, deixando bem claro que essa é uma opinião própria, e não da instituição que representa. DESENVOLVIMENTO REGIONAL X PROBLEMAS AMBIENTAIS “O principal problema ligado à carcinicultura é o desmatamento dos manguezais”. Essa é uma afirmação da procuradora do Ministério Público Federal, Lívia Nascimento Tinoco, que demonstra estar preocupada com a situação da produção de camarões no Baixo São Francisco. Além de ser a responsável pela Procuradoria de Proteção Ambiental dessa instituição em Sergipe, Lívia também coordena a Fiscalização
CARCINI... O QUE? Apesar do nome complicado, a carcinicultura nada mais é que a produção de camarão em viveiros. Confira algumas informações que você deve saber sobre essa atividade no Baixo São Francisco: - Sua principal vantagem de cultivo é o fato de ele se adaptar bem a qualquer condição de salinização da água, podendo ser produzido tanto na água doce quanto na água salgada e essa vantagem é justamente o que fez com que a carcinicultura crescesse na região; - Uma das únicas exigências para a o cultivo de camarões é de que a água esteja o mais limpa possível, pois eles, assim como vários outros crustáceos, são bem sensíveis a qualquer alteração no parâmetro da água; - Em Sergipe, a atividade começou a ganhar mais força a partir do ano de 2002/2003; - A principal espécie cultivada na região é a Litopenaeus vanname.
FISCALIZAÇÃO E LICENCIAMENTO
A
carcinicultura é uma atividade que tem crescido cada vez mais no estado de Sergipe. Dados do ano de 2014, divulgados pela Agência Sergipe de Notícias, mostram que já somos o 4º maior produtor de camarão do Brasil, com aproximadamente 600 toneladas produzidas ao ano, e com envolvimento de cerca de 10 mil famílias. Nesse panorama, um dos locais que se destacam na produção de camarão é a região do Baixo São Francisco Sergipano, que abrange 14 municípios do estado, entre eles Brejo Grande, Ilha das Flores e Neópolis. Lá a implantação da carcinicultura tem sido tema de diversas discursões, principalmente desde outubro do ano passado, quando uma ação da Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) do Rio São Francisco embargou 18 empreendimentos produtores de camarão na região por conta de irregularidades ambientais. Posteriormente, em dezembro, o Governo do Estado sancionou a Lei n° 8.327, que dispõe sobre a Política Estadual da Carcinicultura e foi alvo de críticas por conta da forma como foi aprovada, intensificando ainda mais o debate sobre a questão. Se por um lado a carcinicultura é vista como um fator de desenvolvimento da região do Baixo São Francisco – visto que ela é considerada relevante social e economicamente, principalmente por conta da geração de renda; por outro, a produção requer a instalação de piscinas artificiais que por vezes destroem parte da vegetação nativa dos manguezais, podendo inclusive prejudicar algumas atividades tradicionalmente desenvolvidas na região, além de trazer outros desequilíbrios ambientais.
Preventiva Integrada – FPI, uma frente composta por instituições e entidades de três estados nordestinos (Sergipe, Alagoas e Bahia) que busca diagnosticar a situação do meio ambiente nas proximidades do Rio São Francisco integrando órgãos como Ministérios Públicos Federal e Estadual, Ibama, Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema), entre outros. Após os resultados encontrados na última ação da Fiscalização, realizada em outubro do ano passado, ela reforça o fato de os manguezais serem áreas de preservação permanente protegidas por lei e chama atenção para as consequências da destruição desse ecossistema. “Causa um empobrecimento ambiental justamente pela perda da biodiversidade, por retirar a função de berçário natural de espécies que o manguezal proporciona e também por permitir uma maior salinização do solo”, explica. Além disso, a procuradora assinala que a região abriga diversas comunidades tradicionais, como grupos quilombolas, de pescadores, de catadores de marisco etc e relata reclamações por parte desses moradores a respeito da forma como a atividade vem sendo desenvolvida. “Por exemplo, os catadores de mariscos dizem que os tanques de
carcinicultura tomam conta da beira do rio e impedem o trabalho deles de chegar até a margem e realizar a cata”, pontua. “Outra reclamação é de que os sumos utilizados para a atividade matam o caranguejo, o que impacta a atividade econômica dos catadores”, complementa. Ela fala ainda que o porte de armas por empregados das fazendas faz com que os pescadores tenham medo de se aproximar das margens do rio. Apesar disso, Lívia ressalta que a produção de camarão não é uma atividade inválida nem proibida para a região. “Muito pelo contrário, todos nós gostamos de comer camarão, né?”, brinca. O problema está na forma como essa produçãotem sido conduzida e implantada. Já Anderson Almeida, presidente da Associação dos Engenheiros de Pesca de Sergipe (AEP/SE), acredita que muitas vezes a carcinicultura é condenada e não se leva em conta a sua importância para a região, além do histórico dos locais de cultivo. Segundo ele, muitas áreas de manguezal já foram destruídas anteriormente para o desenvolvimento de outras atividades (como produção de sal, plantio de arroz etc) e, atualmente, estão sendo utilizadas para cultivar camarão. “O fiscal vai lá, vê um viveiro no meio e o mangue
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ao redor. Ele vai subentender que ‘o cara aqui tirou’, mas ele não vai atrás para entender o que era aquilo antes, se realmente foi aquela atividade que desmatou”, explica. Apesar disso, o engenheiro reconhece que há pessoas que não estão se dedicando à atividade de uma maneira que leve em conta os impactos ao meio ambiente e defende que essas pessoas devem sim ser punidas. No entanto, afirma que é importante saber distinguir quando isso ocorre para não invalidar toda a carcinicultura da região, pois, segundo ele, essa pode ser uma boa forma de desenvolvimento para o local se for realizada da maneira correta. “É o tripé da sustentabilidade: o social, o econômico e o ambiental; você deve equilibrar esses três”, resume. Por fim, Anderson critica ainda o fato de que, no geral, não há engenheiros de pesca nos órgãos fiscalizadores da carcinicultura. Para ele, é difícil pensar em uma regulamentação que funcione sem que haja profissionais dessa área para entender melhor a situação. Além disso, ele também estende a crítica às fazendas de produção de camarão no local, assinalando mais uma vez a falta de técnicos capacitados e a sua importância para desenvolver a atividade da maneira correta.
E A POPULAÇÃO LOCAL, O QUE DIZ? O engenheiro de pesca Adriano Ferreira é produtor de camarão na região do Baixo São Francisco, mais especificamente na cidade de Brejo Grande. Ele é um dos exemplos de morador do local que teve que migrar da produção de arroz para a carcinicultura por conta da salinização do rio e é bem enfático ao afirmar que, para ele, “o camarão é uma dádiva enviada por Deus”. Adriano conta que a terra na qual ele produz o crustáceo atualmente pertence à sua família há mais de 100 anos, desde a época em que seu bisavô ainda era vivo. Segundo ele, no entorno da cidade de Brejo Grande, a maioria dos produtores seguem esse mesmo padrão e não há presença de carcinicultura em zonas de manguezais. “Em sua maioria, não são áreas novas, zonas cruas, que foram devastadas para implementar [o camarão]. São áreas que já eram utilizadas para outros cultivos. Foi a alternativa que surgiu e os donos de terra de lá estão abraçando a causa”, explica. “São áreas que já são consolidadas e nós estamos amparados [pela lei] para exercer a atividade”, conclui. Por fim, Adriano acrescenta que não defende que se destrua o meio ambiente no local e que as pessoas que não estiverem regularizadas pela lei devem ser punidas. No entanto, ele diz que é uma atividade agrossivilpastoril que propicia o desenvolvimento da região e, portanto, não deve ser condenada ou descartada. Já Maria Aparecida dos Santos e José Francisco dos Santos, casal de moradores da Comunidade Quilombola da Resina, possuem uma vivência diferente da de Adriano. Lá na Resina, o cultivo do arroz também foi inviabilizado por conta da salinização. Atualmente, as principais atividades desenvolvidas
são a agricultura de subsistência (com plantio de mandioca, batata etc) e a pesca, tanto de mariscos quanto de peixes. Desse modo, por conta da dependência do rio, eles reclamam da forma que a carcinicultura está sendo desenvolvida na região. Segundo Maria Aparecida, que também é presidente da Associação dos Pescadores e Pescadoras Artesanais da Resina, horas e mais horas de máquinas foram necessárias para abrir os buracos onde seriam instalados os viveiros na margem do rio e agora a água que sai desses viveiros, contaminada com cal e cloro, é jogada no rio sem tratamento algum. Isso prejudica principalmente a atividade da cata do caranguejo, pois este acaba morrendo com o excesso de produtos jogados no rio. Além disso, a pescadora tece crítica as políticas públicas que contemplam a atividade, afirmando que elas são injusta para com os moradores da Resina. De acordo com a liderança comunitária, faltam investimentos do governo e cursos de capacitação para que as comunidades tradicionais possam trabalhar com a carcinicultura da maneira correta, sem prejudicar o meio ambiente. José Francisco concorda com a esposa e acrescenta ainda o fator dos altos custos financeiros necessários para implantar e manter a carcinicultura. Segundo ele, “gasta muito, mas os caras que são empresários podem fazer. Eles arrendam [a terra] e se não der certo, vão embora. Já o impacto no meio ambiente fica pra gente resolver”. Por fim, ele afirma que a atividade poderia vir a ser interessante para a comunidade se eles tivessem uma capacitação e um acompanhamento técnico para produzir o camarão sem agredir ainda mais o meio ambiente. E, claro, tudo conforme a lei.
Apesar de o Rio São Francisco ser um rio federal, pois banha mais de um estado do país, a competência do licenciamento de produção em suas margens em Sergipe é da Adema. Desse modo, na atividade da carcinicultura, cabe ao órgão analisar os documentos necessários para a implantação dos tanques, além de fazer vistorias nas áreas que serão cultivados os camarões. Em entrevista ao Contexto, Harionela Macedo e Augustus Louzada, respectivamente bióloga e zootecnista da Gerência de Fiscalização da Adema, reconheceram os impactos ambientais desse tipo de produção em regiões de manguezal, mas admitem que ainda assim há carcinicultura nessas áreas. Augustus explica que as fazendas nesses locais são regulamentadas devido a uma brecha na legislação e obedecem a alguns critérios: tem que ser instaladas até 22 de julho de 2008, devem estar em zonas de apicum e/ou salgado (de transição entre a terra firme e o mangue), e não é permitido que sua extensão aumente. “O cultivo não é no manguezal; ele é próximo, está no entorno”, complementa Harionela. “A gente usa a legislação, resoluções estaduais, a lei federal, para dar uma base para regularizar”, conclui. No entanto, não é isso que diz Luciano Bazoni, chefe da Divisão Técnico-Ambiental do Ibama em Sergipe. Segundo ele, a situação está mais crítica que isso e há sim diversos tanques de camarão implantados em áreas de manguezal no Baixo São Francisco. Ele afirma que existem aproximadamente 2000 viveiros de camarão no estado, mas que apenas cerca de 200 deles estão regularizados com a Adema, e frisa que o licenciamento da atividade é uma função desse órgão. Luciano acredita ainda que poderia haver mais fiscalização na região, com uma integração mais efetiva entre as instituições ambientais do estado, e explica: “a competência da fiscalização é comum, todo mundo pode fiscalizar”. Apesar desse desejo, os representantes dos dois órgãos afirmam que não há uma regularidade na fiscalização das áreas de produção de camarão no Baixo São Francisco, fazendo com que essa ação dependa da demanda e das condições de disponibilidade de recursos. Devido a isso, as duas instituições são rés de uma ação civil pública e devem, por conta dela, fazer um levantamento de toda a atividade da carcinicultura no estado de Sergipe.
ASCOM FPI/SE
REPRODUÇÃO: AGÊNCIA SERGIPE DE NOTÍCIAS
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O estuário do rio é mais uma área que sofreu devastação
JORNAL CONTEXTO 57
pelidos a atuar.
ANDRESSA PEDROSA (CHARLOTTE)
Andressa Pedrosa (Charlotte) charlotte.borgs2@gmail.com
Já para olhado ou quebranto dona Astéria afirma que o processo é o mesmo, mas sem a água, apenas com o ramo repetindo três vezes a ladainha, “ Com dois te botaram com três eu tiro, com as palavras de Deus e de Santa Virgem Maria eu rezo ( nome da pessoa) de quebranto, de olhado, de olhos mal-excomungados que vão para as fontes secas do Mar Sagrado, com os poderes de Deus e da Virgem Maria. (nome da pessoa) esse olho ruim que te olhou, essa boca ruim que te gabou, foi no comer, no beber, no andar, no caminhar, no vestir no calçar, no trabalho, no emprego, na alegria, na disposição, em todo o seu corpo. Na carne, nas veias, nos nervos, nos ossos, nas pernas, em tudo. No vestir no calçar, no andar, no caminhar, e vá para a fonte seca do mar sagrado. ( nome da pessoa) eu lhe ofereço a Santa Pelonha e Santa Maria”. Sem saber ler e escrever, Maria de Lourdes do bairro Santa Maria, aprendeu ouvindo as ladainhas de cura ANDRESSA PEDROSA (CHARLOTTE)
Sabedoria antiga das benzedeiras e rezadeiras une práticas medicinais da cultura popular, ramos, ladainhas e fé.
O RITUAL DA CURA
Maria Lázaro do bairro da Jabotiana diz que sua missão nessa vida é curar.
Na cultura popular, corpo e espírito não se separam nem a vida da religião. Para todos os males que atingem o corpo e a alma do homem sempre há uma reza para curar. É por isso que apesar do tempo e dos avanços da medicina, a tradição das benzedeiras e rezadeiras persiste no Estado de Sergipe ainda que invisibilizada por grande parte da sociedade. Essa prática tem o seu registro histórico de destaque no Brasil desde o período colonial que advém das civilizações indígenas e da influência dos negros e da colonização européia. Nessa época devido à ausência de padres para a “cura da alma” e de médicos para a “cura do corpo” coube às rezadeiras e benzedeiras auxiliar os fiéis, isto é, pessoas religiosas que as procuravam tanto para a cura quanto para o tratamento de doenças. Indivíduos de origens africanas e indígenas foram os grandes curandeiros no período colonial. Além disso, a Igreja colonizadora através de seus missionários não se fazia presente nos locais mais distantes cabendo, então, a determinadas pessoas fazer o elo entre o doente e aquele que providenciará a sua cura (Deus). Apesar de não ser uma regra o vínculo com linhas religiosas essas mulheres utilizam os saberes de algumas religiões (uma única ou várias) entre elas as do Catolicismo, Candomblé e até mesmo do Pentecostalismo. O importante é que todas são intermediárias de Deus, Nossa Senhora, dos orixás, dos caboclos e de outras entidades restabelecendo assim o equilíbrio mental e espiritual com a fé calcada na crença e devem seu dom que por eles devem exercê-lo. No Interior as rezadeiras e benzedeiras têm formação em sua maioria
católica, já nos centros urbanos, os rituais variam seguindo a diversidade religiosa local conforme outros preceitos que podem ser católico, umbandista ou esotérico. Mas, mesmo baseadas em cultos ou religiões distintas, as rezadeiras e benzedeiras seguem os mesmos princípios de mediadores de uma ação do divino. Questionada sobre seus dons, a benzedeira Maria Geruza dos Santos, de 66 anos se diz apenas um instrumento de Deus, “Eu não curo, é Deus, né? Tenho muita fé Nele. Ninguém nunca disse: Ah! eu não fiquei melhor, fica melhor sim. Chegou uma moça aqui com fogo selvagem e já tava perto de espalhar, já tava na parte da frente toda do corpo e nas costas tava só um pedacinho. Se encontrar no corpo todo a pessoa morre, né? Eu benzi e Ela se curou, graças à Deus.”
Benzedeira Maria Geruza dos Santos, do bairro Robalo.
Na capital, apesar de todos os avanços dos seus pais, no sertão de Alagoas. Ree acessos à postos de saúde e centros centemente a estudante procurou uma médicos, há também quem prefira procu- benzedeira por estar com quebranto. rar benzedeiras e rezadeiras para casos “Ela falou que eu estava com olhado por em que a cultura popular identifica como eu ter quebrado o pé e eu até me peralgo de trato das benzedeiras, como: es- guntei quem iria querer colocar olhado pinhela caída, quebranto, fogo selvagem, em mim? Fui ao ortopedista e, logo em olhado e outros nomes que o povo usa seguida, ela me benzeu e foi muito sinpara designar sensações físicas e espi- cera ao dizer que o benzimento não serituais. “Eu acredito que as benzedeiras ria para curar o meu pé, mas para a cura são capazes de afastar um mal, tanto de da alma e de toda a negatividade do ordem física quanto espiritual por pos- quebranto que teriam posto em mim. suírem um dom Divino. Apareceram al- Ela me benzeu com ramos e pedras, no gumas bolhas bem vermelhas junto com período de uma semana e durante o inchaço e muita dor e ardor, à princípio processo eu senti como se uma enerna região do pé, depois se espalhou por gia muito pesada saísse de mim. Eu me outras partes do corpo. Eu já estava de- senti limpa de corpo e alma”, afirma. sesperada, fui ao médico, tomei alguns remédios, mas não sentia melhora. Foi POR BÊNÇÃO NÃO SE COBRA quando eu procurei Dona Geruza, que é benzedeira na minha comunidade, aqui Recusam-se cobrar pelo seu ofício, no Robalo. Ela veio até a minha casa e por serem consideradas portadoras de me benzeu. Dentro de dois dias eu já um dom divino especial e acreditam estava curada”, relata a estudante da que se pedir dinheiro como pagamento Universidade Federal de Sergipe, Anneli por suas rezas, elas com certeza perdeRodrigues. rão os seus dons. Na maioria das vezes, recebem presentes como forma de agradecimentos. Questionada, a Benzedeira Maria de Lourdes, de 60 anos argumenta que têm um dom sagrado, uma especialidade que recebeu de Deus, que a enche de força e sabedoria, para que o representem e realizem o trabalho de cura e proteção daqueles fiéis, “A palavra de Deus não se cobra, né? As pessoas voltam para agradecer a cura, ai trazem presente pra mim, já ganhei perfume, desodorante eu vejo como uma forma de carinho”. Nas histórias contadas aparecem avós, tios, mães, pais e outros parentes Anneli Rodrigues e a benzedeira Dona como portadores desse dom. No entanGeruza em um encontro após a cura. to, a herança espiritual vem de um pedido dos ascendentes, mas muitas vePara Williany Souza, estudante de zes de iniciativa dos próprios rezadores, Jornalismo, o contato com essas prátique diante da manifestação de alguma cas sempre foi frequente por influência doença ou necessidade, sentem-se imANDRESSA PEDROSA (CHARLOTTE)
RESPEITO AOS SABERES HISTÓRICOS
ANDRESSA PEDROSA (CHARLOTTE)
ANDRESSA PEDROSA (CHARLOTTE)
O benzimento é costume antigo e está no dicionário. Benzer vem do latim bene dicere, que significa bem dizer. Dizer bem de alguém e fazer o bem. Ainda hoje, em qualquer parte do Estado de Sergipe, principalmente no interior, é possível encontrar pessoas exercendo seus conhecimentos e dando assistência às aflições físicas e espirituais. Essas pessoas carregam consigo uma mistura de áurea misteriosa e dons divinos, que inspira respeito e confiança aos que as procuram. Mantendo viva toda uma tradição. É neste contexto místico, onde muitos fenômenos não se explicam que a rezadeira Maria Lázaro Coutinho de 75 anos, descobriu seu dom, “Desde quando eu era pequena, o povo tinha um negócio de pedir a minha mãe para eu abraçar o coqueiro, porque diziam que os côcos não caiam e quando eu abraçava dava fruto. Chegava também gente na minha casa com muita dor de cabeça, eu passava a mão e pronto a dor passava, fiquei até conhecida como: Maria passa a mão. Começou assim”.
O diálogo é o primeiro contato entre o benzedor e o benzido/bento, inicia-se com a pessoa que procura as benzedeiras/rezadeiras falando da sua vida, suas dores, angústias e aflições. Não são somente as características somáticas que envolvem esse momento, ela é por sua vez uma atenção secundária, já que o aspecto mais conciso do diálogo é a intenção e o vínculo acolhedor estabelecido entre o sujeito e o objeto da benção. Feito esse primeiro elo, a benzedeira/rezadeira inicia o ritual/ ato da benção/reza, podendo ser de inúmeras maneiras como por exemplo: imposição das mãos, recitação de ladainhas, gestos em forma de cruz sobre o benzido, ou objeto. Fazem uso também de ramos, facas, água benta, entre outros objetos. É na benção que é suplicado o fim almejado. A benzeção não encontra seu ponto final na benção. Após o ritual, chega o momento da prescrição que acontece das mais variadas formas, uma vez que dependem primordialmente da queixa apresentada durante o diálogo e da tradição pessoal de cada benzedeira/rezadeira. Nessa última fase do ritual, a pessoa que benze fala o que sentiu durante a benzeção e prescreve orações ou mesmo chás e ervas, banhos de sal, óleos, etc. A eficácia do benzimento está estreitamente relacionada ao modo como as pessoas. percebem a saúde e a doença. De modo geral, suas funções são limpar a energia negativa, o corte e a cura da doença e do mal, livrando desde o mau olhado ou o quebranto (ambos muito parecidos), doenças psicológicas ou espirituais, espinhela caída (segundo as rezadeiras, trata-se de uma dor provocada pelo deslocamento de uma cartilagem localizada na “boca do estômago”, saída do esôfago para o estômago), fogo selvagem e até doenças mais sérias. Ainda é possível encontrar mulheres conhecidas por livrar muita gente de males que às vezes a medicina desconhece. Na cura do fogo selvagem Dona Astéria, benzedeira de 71 anos explica o ritual do benzimento, “eu pego um ramo de pinhão roxo e um pote de água e vou respingando nos ferimentos e falo “São Irineu perguntou a santa Iria, Saltador, Fogo Selvagem, com o que saltaria com as palavras de Deus e da Santa Virgem Maria, com ramo verde e água fria. Santa Iria tinha três filhas, uma fiava, outra cozia, outra no
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A CURA PELA NATUREZA E PELA FÉ EM SERGIPE
“Eu comecei com 11 anos, a minha mãe era rezadeira, dona de casa, ai eu aprendi tudo. Graças a Deus, eu aprendi vendo ela rezar e guardei tudinho dentro da minha cabeça. Mas já vem de nascença. Quando vai acontecer alguma coisa com os meus filhos eu sinto. Ai benzo logo a foto deles, porque eles moram em Alagoas”, relata Dona Maria de Lourdes.
fogo se ardia com as palavras de Deus e da Santa Virgem Maria, com ramo verde e água fria.” Repito mais três vezes e ofereço a pessoa doente para São Irineu ou para o santo da preferência da pessoa. Eu benzo por vários dias até o ferimento secar e a pessoa se curar, geralmente é coisa de cinco dias”.
Dona Astéria do bairro do Robalo, diz que Benzedeiras são médicas de Deus. REZADEIRAS X BENZEDEIRAS Por ser uma função exercida em geral por mulheres, é sempre referida no feminino. Elas se diferenciam de outros indivíduos que promovem a cura das doenças e afastamento do mal. Todo o trabalho, seus gestos, jaculatórias, palavras e expressão corporal dão um clima de misticismo ao ambiente e acabam proporcionando um grande poder de fé sobre os presentes. Rezadeiras e benzedeiras são denominações distintas para designar quase o mesmo ofício. Porém, segundo o livro Rezas, benzeduras e simpatias, a diferença é que benzedeiras são em geral mulheres, sendo mais solicitadas para prestação de serviços e muitas vezes são as únicas parteiras do lugar. Outra diferença é que de modo geral as benzedeiras usam junto as ladainhas, elementos, como um galho/ ramo de ervas na mão que pode ser de aroeira, arruda, pinhão roxo ou vassourinha, a Rezadeira recita uma oração em cima da pessoa até a erva murcha. E a depender da localidade no Estado, algumas utilizam facas, água e óleos que junto as ervas são utilizados para respingar durante o ritual. Quando a erva murcha, significa que o “mal” foi retirado. As matrizes religiosas das benzedeiras são distintas, podem ser de origem Católica, Indígena ou Africana. Já as rezadeiras, na maioria das vezes, utilizam rezas como o Pai Nosso ou as Ave Marias, dentre outras orações católicas (repetidas 3 vezes seguidas para se atingir a cura), utilizando água ou óleos extraídos das plantas. Nas rezas são usadas formas modificadas das orações oficializadas pela Igreja Católica, misturadas
a palavras resmungonas e incompreensíveis de um latim corrompido. Essas rezas abrangem as mais variadas necessidades, podendo solucionar conflitos familiares, chamar pessoas de volta à responsabilidade, acabar com o poder maléfico de um ambiente, e outros problemas que contribuem para a credibilidade da rezadeira, como a cura do mau-olhado, quebranto, espinhela caída, cobreiro, febre, tristeza, míngua, ar na cabeça, erisipela, dores em geral e outras doenças que muitas vezes variam de nome de acordo com a cultura local.
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SAÚDE
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SERGIPE PRECISA DE COMIDA SERGIPANA Gastronomia típica do estado ainda é pouco apreciada pelo próprio sergipano Por Ana Luísa Andrade analuandrade98@gmail.com
MARCELO FREITAS / UNIT
ANA LUÍSA ANDRADE
Com apenas 27 anos, Seichele já é reconhecida pelo seu trabalho. Além disso, a empreendedora trabalha de uma forma um tanto inusitada; aposta no modelo de “Menu Confiança”, em que o cliente não interfere nem tem conhecimento sobre o que irá consumir, confiando na escolha do chef. Seichele afirma que a escolha desse modelo de trabalho ocorreu devido ao grande preconceito que ainda existe contra a culinária sergipana, inclusive vindo dos próprios sergipanos. “A gente fala de vários elementos do nosso universo, mas é como se fosse de outro planeta”, lamenta. Para ela, a verdadeira identidade da culinária sergipana está no interior do estado, na culinária feita em casa. “A gente tem o costume triste de achar que Sergipe é Aracaju”. A própria chef reconhece que não conhecia muito da gastronomia do estado até ter a oportunidade de presenciar o movimento gastronômico da “Gastrotinga”, orga-
adquirir os insumos nas cidades do interior, como o parmesão de Propriá, e chama atenção para a vantagem que é a presença constante de feiras livres no estado, já que elas possibilitam o fornecimento de uma variedade de alimentos frescos. Foi experimentando a semente de coentro no Seu Sergipe que o empresário Erivaldo Santos, nascido em Gararu, relembrou sua infância. Na ausência da folha, sua mãe utilizava o ingrediente como principal tempero. Segundo ele, a experiência foi bastante curiosa e atrativa, já que promove a ressignificação da cultura do estado, da culinária dos interiores e, principalmente, a valorização da sergipanidade. Contudo, Erivaldo acredita que o programa precisa ser mais divulgado, inclusive entre turistas, para que a identidade sergipana consiga maior visibilidade.
No carpaccio de caju, o sabor da fruta é muito diferente da consumida sem preparo.
Tema da 5ª Semana da Gastronomia da Unit foi “Desvendando os sabores sergipanos”
“A gente fala de vários elementos do nosso universo, mas é como se fosse de outro planeta”
“Quando a gente fala de uma rabada, de um sarapatel, de uma buchada, a primeira impressão é horrível”
Seichele Alves
Isabelle Brito
“O objetivo é trazer o sertão para dentro da universidade”
A CASTANHA DO CARRILHO
Anny Kelly
Outro advento possibilitado pelo Sebrae foi a participação da castanha de caju do Povoado Carrilho (Itabaiana) no Salon Internacional de la Restauration de I’Hôtellerie et de l’Alimentacion (Sirha 2017), um dos eventos mais importantes da gastronomia mundial. Após passar por uma seleção a nível nacional, a castanha de caju foi um dos cinco alimentos escolhidos para representar o Brasil no evento que aconteceu em janeiro do ano passado, em Lyon, na França. Segundo Ângela Souza, o grande diferencial da castanha sergipana, que possibilitou sua escolha dentre tantos insumos, é seu processo de cozimento. Enquanto no restante do país a castanha é frita, em Sergipe ela é assada artesanalmente, possuindo textura e sabor superiores. O produto foi bastante apreciado no evento, tanto natural, quanto temperada ou doce, e seu uso em pratos mais requintados vem sendo cada vez mais comum.
Suco de palma e outras receitas desenvolvidas no Campus Sertão
SOB UM OLHAR MAIS OTIMISTA Contudo, alguns incentivos já vêm acontecendo no estado para uma maior valorização da gastronomia sergipana. As universidades têm desempenhado um papel muito importante nesse aspecto. A Universidade Tiradentes, além de seu papel direto com a formação de profissionais da Gastronomia, sempre participa efetivamente do Festival do Caranguejo, promovido anualmente pela Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) Sergipe, em que todos os bares e restaurantes participantes do evento precisam desenvolver uma receita cuja base é o caranguejo. Já a Universidade Federal de Sergipe, principalmente no Campus Sertão, possui uma série de projetos de pesquisa destinados à produção feita com insumos da região. A professora de Agroindústria, Anny Kelly Vasconcelos, uma das responsáveis pelo projeto, afirma que cada professor trabalha com uma diferente linha de pesquisa e desenvolve um determinado produto, a fim de estimular o uso dos ingredientes do sertão, já que grande parte dos alunos do campus vêm de famílias produtoras. “O objetivo é trazer o sertão para dentro da universidade”. A professora foi responsável pelo desenvolvimento de produtos provenientes da palma, como o suco de palma e o mousse de palma com coco. Alguns desses proje-
tos foram apresentados na Feira de Sergipe 2018, que aconteceu entre os dias 16 e 28 de janeiro na Orla de Atalaia. Promovida pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a Feira de Sergipe, além de dar espaço aos empreendedores de artesanato locais, esse ano trouxe a novidade da presença do Polo Gastronômico de Sergipe, uma parceria do órgão com a Abrasel. O Polo se trata de uma associação de restaurantes sergipanos que têm buscado manter uma parceria de forma a incentivar uma maior unidade gastronômica dos estabelecimentos. Mesmo abrangendo uma variedade de bares e restaurantes, o Polo Gastronômico tem colaborado para promover a identidade sergipana dentro desses estabelecimentos. A gerente de agronegócios do Sebrae, Ângela Souza, afirma que, desde sua criação, os participantes do grupo têm buscado não só inserir ingredientes sergipanos em seus pratos – a exemplo do uso da mangaba em diversas preparações - mas também valorizar outras produções locais, como o artesanato utilizado na decoração dos estabelecimentos. Além disso, há uma grande preocupação em relação à forma como esses pratos podem ser servidos e apresentados de modo que fortaleçam a cultura sergipana.
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Clientes aguardam vendados a degustação do menu do Seu Sergipe.
Já a culinária litorânea foi influenciada tanto pelos nativos indígenas – uso de raízes, como a tapioca - como pelos colonizadores portugueses, que trouxeram o açúcar e, consequentemente, uma série de doces. A queijadinha – um dos patrimônios imateriais do estado por exemplo, tem origem portuguesa, e inicialmente levava queijo em sua composição. Entretanto, apesar de ainda carregar esse nome, o insumo não era comum na região colonizada, tendo sido substituído pelo coco. Além disso, a região litorânea também oferece a Sergipe outros de seus elementos mais reconhecidos, como a mangaba, o caju e a castanha de caju e o amendoim verde – exclusivo do estado. O caranguejo, que também é um dos principais componentes da culinária litorânea, atualmente é importado do Pará, pois, em função da grande degradação ambiental ocorrida nos mangues sergipanos, sua demanda já não pode ser atendida. Isabelle lamenta, contudo, a pouca popularidade da comida sertaneja no estado. Segundo a professora, ainda há muita discriminação, inclusive por parte dos estudantes de Gastronomia. Essa discriminação tem explicação histórica: a escravidão. Os pratos típicos do sertão possuem influência das senzalas, pois enquanto as carnes consideradas nobres eram destinadas à casa grande, as vísceras eram dadas aos escravos. “Quando a gente fala de uma rabada, de um sarapatel, de uma buchada, a primeira impressão é horrível”. Como professora responsável pela disciplina de Cozinha Regional, Isabelle afirma que tenta desmistificar essa culinária, mostrando que o local precisa ser valorizado
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A
o andar pelas calçadas da Pas- nizado pelo “chef do sertão” Timóteo sarela do Caranguejo é possível Domingos, cujo objetivo principal é encontrar uma grande varieda- utilizar os insumos do sertão, como as de de estabelecimentos gastronômicos Plantas Alimentícias Não Convencioao longo do percurso. Churrascarias, nais (PANCs) na gastronomia, a exemcozinhas orientais, hamburguerias, plo das cactáceas e de algumas flores pastelarias, barraquinhas de açaí, co- comestíveis. mida nordestina, sorveterias e pizzaEntretanto, nada disso é feito da rias. O principal componente do circui- forma convencional. Seichele investe to do turista que vem a Aracaju tem de no uso desses ingredientes típicos em tudo um pouco, mas pouquíssimo se pratos contemporâneos, visando mosvê da típica culinária sergipana. Essa trar a grande riqueza que a culinária difusão de culturas de outros estados do estado pode apresentar. O carpaccio e países em Sergipe nos leva a questio- de caju, o brûlée de mangaba e o picles nar a identidade da nossa gastronomia. de maxixe são apenas algumas das ela Foi essa inquietação que mo- borações da chef. Além disso, apostou veu a jovem chef Seichele Alves a fa- também nos movimentos do slow food zer algo diferente. Após trabalhar por – em que se busca utilizar apenas insualgum tempo com buffet e também mos de produção local e, consequentecom confeitaria, sentiu falta de poder mente, frescos – e do comfort food, ou inovar e usar ingredientes da culiná- “comida da vovó”– em que o prato busca ria sergipana em seus produtos, o que remeter a emoções e sensações já vivia levou a iniciar em 2015 um trabalho das. Todo esse trabalho é feito com o totalmente diferenciado em seu bistrô, objetivo de valorizar os produtos locais. Seu Sergipe, exclusivamente dedicado Seichele busca, sempre que possível, à gastronomia sergipana.
É PRECISO VALORIZAR A DIVERSIDADE DO ESTADO Seichele Alves é uma das pouquíssimas chefs que trabalham dessa forma em Sergipe, mas essa situação tende a melhorar. De acordo com Isabelle Brito, professora do curso de Gastronomia da Universidade Tiradentes, a tendência mundial é que haja cada vez mais o uso dos ingredientes locais em pratos diferenciados, como forma de valorização da cultura regional. Essa prática se torna ainda mais importante em Sergipe, tendo em vista a constante busca por uma identidade gastronômica, que ainda tem pouca força. “Quando a gente fala da culinária sergipana, fica muito difícil dizer um elemento específico”, afirma Isabelle. Ao pesquisar a fundo sobre a identidade gastronômica no sertão sergipano, tema da sua dissertação de mestrado, a professora encontrou dificuldades. Ela aponta que em Canindé do São Francisco, por exemplo, o prato mais apreciado pelos turistas é a tilápia, que não é natural da região. O peixe na verdade é criado em viveiros para atender à demanda turística, pois possui um preço baixo e tem um tamanho considerável. Já para os habitantes do município, a base da alimentação vem dos derivados da pecuária, como a carne de bode, o queijo e a carne do sol. A professora afirma ainda que é muito importante fazer a distinção entre essa culinária sergipana encontrada no sertão e a mais conhecida e popular, encontrada na região litorânea. No sertão sergipano, era fundamental garantir a conservação dos alimentos, devido às adversidades naturais e sociais comuns da região, dando origem ao charque e à carne do sol, por exemplo.
A castanha de caju de Carrilho pode ser encontrada com diversas preparações
COMUNIDADE
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AS FACES DO ENTRETENIMENTO EVANGÉLICO
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“A gente veio pra dar um plano B para os jovens da igreja, que era a necessidade dos jovens das outras igrejas também. E aí tomou essa proporção, de famílias, igrejas e até católicos que não curtiam a ideia de Pré-Caju – e hoje em dia a do Fest Verão – procurarem uma alternativa diferenciada, que é uma festa com pregação, oração, e um momento também de música, que traz aquela energia de jovem, aquela agitação. Então, tem alegria, tem a diversão, mas tem também aquele momento de refúgio, concentração, meditação, de exercício da fé.”
Enquanto a população aracajuana comemora festas como o Fest Verão e o Carnaval, a comunidade evangélica investe nas suas próprias formas de lazer nesses períodos.
CRÉDITOS: ACERVO CRISTÃO NEWS
Vinícius Oliveira Rocha voliveira96@gmail.com
CRÉDITOS: ACERVO IGREJA PRESBITERIANA RENOVADA
Jeferson Campos
Realizado durante 16 anos, o Mais de Deus trouxe renomados artistas cristãos para Aracaju.
Em sua terceira edição, o Holy Festival se tornou um dos principais eventos gospel do estado.
secretário da Igreja Presbiteriana Renovada. Isso se deve ao fato de seu evento principal, o Mais de Deus, ter sido realizado nas mesmas datas que o Pré-Caju e, posteriormente, o Fest Verão. Mas, assim como Márcio, Jefferson
atribui o choque de datas à demanda da juventude da igreja e, posteriormente, da parcela cristã da cidade.
CRÉDITOS: ACERVO CRISTÃO NEWS
A memória de Davi Lima é muito marcado pela religiosidade. De acordo e Mauro Henrique do Oficina G3), o vívida sobre como se sentia na época do com o último censo do IBGE, 88% da Clama Sergipe e o Holy Festival. Esses Pré-Caju. No auge da adolescência e das população sergipana se considera dois últimos ilustram as diferenças de amizades construídas nesse período, cristã, entre católicos e evangélicos. objetivos na realização de um evento ele era como um peixe nadando contra Com uma parcela tão expressiva, é evangélico. Segundo Márcio, enquanto a maré. “Eu ficava triste, frustrado, inevitável pensar no cristianismo o Clama se mostra um festival porque meus amigos não estavam lá como um importante componente da mais segmentado, com um público comigo, mas não por não estar lá [no cultura do estado, e por conta disso fica majoritariamente cristão, no Holy Pré-Caju], e sim pela necessidade deles clara a necessidade dessa população notou-se um percentual de até 40% de estarem lá”, conta. A criação cristã em ter suas próprias formas de não cristãos. desenvolveu nele um afastamento de entretenimento. Contudo, mesmo com este eventos como esse, mas se não devia Márcio Góes é empresário e dono percentual ele não acredita que estar lá com os amigos, o que faria em da Cristão News, portal de notícias exista uma concorrência entre os épocas como essa? gospel que nos últimos anos tem se eventos evangélicos e os chamados Como Davi, muitos da comunidade destacado pela produção de eventos “eventos seculares”, ao contrário do evangélica se veem neste dilema em voltados para o meio evangélico. que se costuma pensar. “Eu nunca determinados períodos do ano, onde Segundo ele, essa produção se deu iria fazer um evento no mesmo dia a cidade é tomada por grandes festas por conta da demanda do meio. “Nós de um evento secular, pensando em que mobilizam a população. A não ouvimos o jovem falando: ‘poxa, lá fazer ou por questão de disputa ou participação dos cristãos nessas festas no secular [jargão referente ao meio de público, porque a gente sabe que o acaba fazendo surgir a necessidade não cristão] existe isso e existe aquilo, público é diferente. Então pode existir de eventos próprios, que priorizem vários eventos, e no meio da gente um evento meu no mesmo dia de um tanto um envolvimento das diversas não existe, muitas igrejas não fazem’, evento secular, mas porque chocou por denominações sob as bandeiras da ‘ah, porque o cantor tal nunca vem em coincidência. Não faria como alguns música, do entretenimento e do louvor, Aracaju e em outros estados toca direto’. eventos faziam, porque isso leva quanto num isolamento que privilegie Então nós sentimos essa necessidade um pouco pra o lado de preconceito a convivência entre seus membros. nos jovens, e a gente faz esses eventos”. religioso, porque as pessoas vão dizer Dentre os eventos produzidos pela ‘por que ele tá fazendo no mesmo dia Cristão News, estão o Loop Sessions que eu? ’”. ALTERNATIVA PARA OS EVANGÉLICOS (parceria de renomados cantores Essa ideia de concorrência também Sergipe é um estado fortemente cristãos como Leonardo Gonçalves é combatida por Jefferson Campos,
Em 2017, 40% do público foi de pessoas não-cristãs.
De acordo com Jefferson, o objetivo principal não era necessariamente de atrair não crentes, mas a presença destes e as possíveis conversões eram sempre um ponto alto no evento. Já Márcio afirma que o objetivo principal, acima do lucro, deve ser o ganho de almas. Para isso há o uso de algumas estratégias, como a participação de cantores evangélicos também conhecidos no meio não cristão, como Lázaro e Aline Barros, ou de DJs, no caso do Holy Festival. Em uma coisa ambos são unânimes: as críticas. Márcio cita o caso da cantora Priscilla Alcântara, que se apresentou em uma renomada casa de shows secular de Aracaju. Segundo ele, a apresentação nessa casa possibilitou a vários jovens cristãos irem lá, quando em outras circunstâncias não iriam; contudo, isso gerou bastantes polêmicas, com muitos questionando as conversões que lá poderiam haver. Sobre isso ele é enfático: “a gente é um entretenimento cristão. É diferente da igreja, a igreja tem que ter um relacionamento com o jovem, atende ele, paga pelo ingresso. Se ao sair do evento ele vai mudar com a Palavra, com tudo que teve ali, aí é com ele e Deus”. Já Jefferson cita a realização do Mais de Deus nas mesmas datas do
antigo Pré-Caju (e hoje do Fest Verão) para ilustrar as críticas que o evento recebia. “O Mais de Deus é como se fosse na visão deles um ‘Carnaval de crentes’, e não é [risos]. Mas essa é a visão de cada um, e a gente tem de respeitar né, cada um tem a liberdade de interpretar o mundo com a sua visão”. Quando questionado sobre o por quê de não ser mais realizado o evento, ele aponta para a necessidade atual da Igreja Renovada, que é da construção do novo templo, intitulado “Hebrom”, nome referente a uma cidade bíblica dos tempos de Abraão. “A ideia é fazer o Mais de Deus aqui na nossa igreja. Só que a gente ainda não tá com estrutura pra receber, por isso que a gente tá sem fazer. E também não tem condição de montar toda uma estrutura de palco, de evento, pra tirar um recurso que é destinado à obra pra fazer um evento que é passageiro. Mas um dia volta [risos]”. REFÚGIOS EM MEIO ÀS FESTIVIDADES
Não são apenas grandes eventos do porte do Holy Festival ou do Mais de Deus que atendem à demanda da população evangélica aracajuana. Uma estratégia muito mais antiga
merece destaque: os retiros espirituais. Davi, que atua como diácono e líder do ministério de música da Igreja Batista Coroa do Meio, explica de que forma os retiros funcionam: “são momentos em que a igreja se recolhe a um lugar isolado nesse período carnavalesco, em que nós a princípio evitamos o contato com as festas carnavalescas e criamos um ambiente só nosso, onde há estudos, onde há uma maior possibilidade de convivência”. Para ele, o diferencial do retiro estava não apenas na sensação de aventura em passar dias em recantos mais isolados ou em ambientes rurais, cercado de pessoas novas com as quais se firmavam laços de amizades, mas sobretudo no aspecto espiritual. “Lá nós temos atividades espirituais, cultos, estudos, tudo isso num ambiente diferente do que a gente comumente tem nas igrejas”. Para ele, os retiros eram momentos tão únicos que todos ansiavam ao longo do ano pela sua chegada. Essa mesma importância desses momentos é notada por Iasmin França, estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Sergipe. Ela destaca o valor sentimental e espiritual que os retiros tinham para ela: “Enquanto as pessoas estavam nas festas seculares a gente estava fazendo
a nossa festa, aproveitando aquele tempo que a gente tinha reunido com os membros da igreja para estar em comunhão, pra louvar a Deus”. Para ela, os retiros eram mais voltados para a comunidade das igrejas, embora fossem abertos para não cristãos que não se sentissem confortáveis com o período de Carnaval. Davi também observa isso, mas faz uma ressalva sobre a presença dos não cristãos: “ela [a pessoa não cristã] teria de se enquadrar nas atividades, porque às vezes uma pessoa de fora podia pensar ‘não, eu vou só pra passear, como não sou evangélico não vou participar dos cultos’. A ideia é que ela estando lá entenda que o retiro é voltado para estabelecer o relacionamento entre os membros da igreja e, principalmente, um trabalho espiritual complementado pelo trabalho lúdico”. E assim como ocorre com os festivais cristãos, Davi e Iasmin concordam sobre haver certas dificuldades das pessoas em compreenderem porque preferem ir a um retiro do que a uma festa de Carnaval. Ambos nascidos e criados em lares evangélicos, eles afirmam não terem sofrido críticas diretas sobre essa opção pelo retiro por maior parte de suas vidas. Mas Iasmin comenta
que ao entrar na faculdade sentiu essas críticas mais diretamente, ao passo que Davi reconhece que para uma pessoa que frequentava essas festas e depois se converte, tais críticas vêm de forma mais incisiva. Além disso, ele pontua que para o jovem pode haver muitos conflitos quanto a essa diferença de postura em relação a amigos e colegas que preferissem estar nas festas: “A gente sente a falta da presença dos nossos colegas, mas eu nunca tive a vontade de ir pra uma festa como essa e deixar de ir pra um retiro por conta de não ter meus amigos lá. Pra mim sempre foi essencial estar com minha família e junto com meus irmãos da igreja”, conclui com firmeza. Para ambos, as igrejas têm deixado de investir nos retiros, o que de forma alguma deve acontecer. Davi defende que os retiros não podem ser reduzidos a “clubes de passeio”. Por mais que se valorize a descontração, o foco deve ser na comunhão e no crescimento espiritual. Já Iasmin reforça como a convivência com outras pessoas ajuda na compreensão do que é o cristianismo. “É ali que a gente entende que ser cristão não é aquela visão que o mundo tem, ‘nossa que coisa chata ser cristão’, ser cristão é maravilhoso, mas do nosso jeito”.
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FUTEBOL, RIVALIDADE E PAIXÃO Principais clubes de Aracaju, os grandes rivais Sergipe e Confiança movimentam suas torcidas a cada Campeonato Sergipano REPRODUÇÃO?BATISTÃO
Por: Eduardo Costa Andrade eduardocostaandrade98@gmail.com Arquibancadas do Batistão são dividas com as cores dos dois clubes RELAÇÃO COM O ESTÁDIO
REPRODUÇÃO?CONFIANÇA
Para todo bom torcedor, ir ao estádio acompanhar seu clube é um grande momento. Sergipe e Confiança têm seus estádios (João Hora de Oliveira e Sabino Ribeiro, respectivamente), mas por serem pequenos e falhos na estrutura, raramente recebem jogos. As memórias dos torcedores aracajuanos estão no Estádio Lourival Baptista. Inaugurado em 1969 e conhecido popularmente como Batistão, recebe partidas dos dois clubes e foi palco dos grandes momentos do nosso futebol. O estádio possui as cadeiras do lado esquerdo em vermelho e do lado direito em azul, referência aos dois times e aos lados que suas torcidas sempre ocupa-
ram no local. Em 2014, foi reformado tando”, pontua. para receber a seleção da Grécia na Mas, para quem mora próximo ao Copa do Mundo e passou a ser a “Arena estádio e não tem relação com o futeBatistão”. bol, a ligação pode não ser das melho“Na infância, morava a 200m do res. Letícia Nery, 19, mora em um conBatistão. Meu pai me levou aos 5 anos domínio em frente ao Batistão há seis para ver o estádio pela primeira vez, anos. A estudante de Jornalismo, que em 2001. Me mudei, mas em 2003 vol- vive com a mãe, sofre com o barulho e tei a morar novamente por lá, e toda a movimentação constante dos jogos. quarta e domingo, sempre que meu pai “Meu apartamento é virado para o Baestava disposto a me levar, eu ia”, diz tistão, não dá para fugir. Em jogos granLênitton Yuri, 21, torcedor do Confiança. des tem carro de som na frente do esJá a enfermeira Caroline Alves, 23 anos, tádio das 10h até meia-noite, além dos praticava esportes e tinha uma simpa- fogos muito altos. Chega um momento tia pelo Sergipe desde criança. Mas um que eu e minha mãe temos que fechar fato foi determinante para ela se apai- a casa toda para conversamos”, ressalta xonar de vez pelo clube. “Assim que indignada. cresci e comecei a frequentar o estádio, minha paixão pelo time só foi aumen-
A Arena Batistão é o principal palco do futebol no estado
INFLUÊNCIAS NO SURGIMENTO DA PAIXÃO É comum ter influências na família ou entre os amigos quando se escolhe um time. E em Aracaju não é diferente. Ainda mais em um futebol onde os clubes são da mesma cidade e não tem tanta visibilidade midiática, a inteferência “alheia” é fundamental. “Meu
pai me levou pela primeira vez ao estáFANATISMO QUE VAI LONGE dio quando eu tinha seis meses. Quando fiquei mais velho, até ia vestido de A paixão dos torcedores pelos seus jogador”, diz Fabrício Santos, 19 anos e clubes de futebol pode chegar a níveis torcedor fanático pelo Sergipe. Maria muito altos. Matheus, por exemplo, Arcieri, 37, louca pelo rival Confiança, depois que começou a acompanhar relata a mesma situação. “A família o Confiança, fez dele a sua vida. Seu toda é azulina. Iniciou por influên- quarto tem as paredes pintadas com o cia, mas a paixão é grande”, ressalta. escudo e o mascote do clube, o dragão. Mas nada impede que esse amor Além disso, ele possui 43 camisas e vápelo clube possa nascer bem depois, rios recortes de jornais com vitórias da mesmo quando já há uma compreen- equipe. “Quando eles colocam um time são do futebol. Matheus Nobre, 19 anos, de futsal ou de vôlei, vou assistir. Até vai a todos os jogos do Confiança. Sua criei um time no FIFA (jogo de videogarelação, entretanto, começou um pouco me) com o nome do Confiança”, diz. mais tarde. “Meu pai é Sergipe, e o ConO fantatismo também entra em fiança estava na Série C, em 2008. Ele simbiose com a organização do time. gosta do futebol sergipano e me levou. Fabrício e seu amigo, Antônio Soares, Quando vi o estádio lotado, me apaixo- 19, vão a todos os jogos do Sergipe. E até nei”, disse o estudante de Gastronomia. viraram torcedores-símbolos do coloraNo caso do Confiança, as recentes do. “Em jogos maiores, pinto o rosto em conquistas atraíram muitos torcedores. branco e vermelho. Isso acabou geranNo século XXI, o time azulino ganhou do um apelido para mim e meu amigo oito estaduais, fez a melhor campanha Fabrício, os ‘caras pintadas’”, lembra de um time sergipano na Copa do Bra- Antônio. Em 2016, após o 34º título essil (oitavas de final em 2002), conquis- tadual, o Sergipe compartilhou em sua tou um inédito acesso entre séries do conta oficial no Instagram a foto dos Campeonato Brasileiro – da Série D dois, que chegaram a ser reconhecidos para a C, em 2014 – e esteve duas vezes na rua por outros torcedores. no mata-mata da Série C, a um passo O limite entre o saudável e o preda segunda divisão. “Hoje o Confiança judicial, porém, pode ser mínimo. Luiz é uma equipe de massa e se renovou Roberto lembra bem do que sofreu encom as campanhas recentes. E a torci- quanto mandatário do Confiança: “Em da é o maior patrimônio dos clubes. Se cada passo dado no futebol, no outro não tem torcida, não tem a emoção do dia você pode tomar porrada. Tem refutebol”, diz Luiz Roberto. Hoje com 52 clamação, pichação, até ‘presentes’ no anos, sua paixão chegou ao nível máxi- meu carro já ganhei”, diz. Já Gabriella mo: foi vice-presidente do Confiança de Ferreira, 19, sofreu na pele dentro da 2008 a 2010 e presidente em dois man- torcida do Confiança em um clássico. datos, de 2011 a 2016. “Ainda vou ao es- “Levei spray de pimenta na arquibantádio. Mesmo fora da gestão, a paixão cada. Fiquei sentada muito tempo, pasde torcedor continua”, destaca. sando mal e sem poder sair”, relembra.
Torcida “proletária” costuma lotar o Batistão nos jogos decisivos ) ARQUIVO PESSOAL
P
rincipal esporte do Brasil, o futebol está enraizado na nossa cultura. Um dos símbolos da sociedade, envolve milhões de paixões, faz com que diferentes pessoas se unam torcendo por um só objetivo e promove festas e grandes espetáculos todos os anos. É algo que precisa ser valorizado e jamais deve ser tirado da nossa gente. Em 2018, o Campeonato Sergipano de Futebol chega ao seu centenário. Realizado desde 1918, o maior torneio esportivo do estado foi palco de grandes jogos e tem muita história para contar. Caminhando ao lado disso há uma rivalidade que mexe diretamente com a paixão dos sergipanos, em especial na capital Aracaju. O Club Sportivo Sergipe e a Associação Desportiva Confiança são os maiores campeões estaduais e fazem a grande rivalidade local. Criado em 1909, o Sergipe é o maior campeão do estado, com 34 títulos. O Confiança, nascido em 1936, tem 21 taças e é o principal campeão no século XXI. Os dois movem paixões, arrastam milhares de pessoas ao Estádio Lourival Baptista (o “Batistão”, principal estádio de Sergipe) todos os anos no “clássico-maior” e moldam uma cultura de torcedores.
Fabricio (esq.) e Antônio (dir.) viraram os ‘caras-pintadas’ do Sergipe
Fabricio (esq.) e Antônio (dir.) viraram os ‘caras-pintadas’ do Sergipe
OS PROBLEMAS DO NOSSO FUTEBOL Apesar de tudo, o futebol sergipano ainda tem problemas crônicos. Um dos principais é a falta de calendário dos clubes. Os estaduais são seletivas para a Série D (quarta divisão) do Brasileirão, e só os dois melhores vão à competição. A partir do terceiro, quem já não se garantiu anteriormente entra de férias por até sete meses, voltando a jogar só no ano seguinte. Recentemente, por campanhas negativas, o Sergipe é quem tem mais sofrido com essa situação em Aracaju. E manter a torcida desse jeito só se justifica por um motivo: paixão. “Quando paramos no meio do ano, tem aquele período de raiva e decepção, onde você fica até aliviado por não ver mais jogos e pensa em parar. Mas sempre que chega o fim do ano, já volto a acompanhar loucamente até o estadual”, destaca Caio Ribeiro, 19, estudante de Economia e torcedor do “Gipão”. Alguns, pelo amor ao futebol, até desenvolvem torcidas por clubes que estão em um patamar maior nacionalmente. Antônio, por exemplo, divide a paixão pelo Sergipe com outra que tem desde pequeno, o Vasco da Gama. “A gente não tem calendário muitas ve-
zes, vai passar o resto do ano dizendo que não tem um time para torcer? É muito comum aqui você ter torcedores de times daqui e com afinidade por um grande clube brasileiro”, ressalta. E isso está ligado a outro problema complexo: o público. Exceto nos clássicos e nas finais, o estadual tem públicos que raramente chegam a 25% do Batistão. “Temos que transformar o futebol em um esporte familiar para levar os torcedores aos estádios”, diz Maria. A questão do público tem forte relação com a mídia. Como os clubes sergipanos não tem destaque nacional, há um bombardeio de exposição de outros times, em especial os do chamado “eixo” Rio de Janeiro/São Paulo. Com isso, buscar informações das equipes locais é sempre difícil. O Confiança investiou bem no marketing e passou a informar muito mais os torcedores. “Geralmente vejo as notícias por Instagram e Facebook, eles divulgam muito”, diz Mauricio Prado, 19, torcedor do Dragão. Já Caio, que é filho de Silvio Santos, ex-presidente do Sergipe, destaca o contato direto com as pessoas do time (mais fácil por não estar em uma cidade tão grande) e a influência do rádio, meio de comunicação que cobre constantemente o futebol local junto à internet. “Quem está lá sabe das coisas em primeira mão. Até o pes-
soal das rádios, já que elas têm programas diários”, frisou. Mais recentemente, surgiu outro problema relacionado ao público: os ingressos. Com as reformas, o custo do Batistão saltou e os clubes acabam repassando o gasto ao torcedor por meio das entradas mais caras. Lênniton lembra dos pedidos da torcida do Confiança pela redução nos preços, mas destaca o fenômeno que assola o Brasil pós-Copa 2014: “Um percentual do ingresso vai para o clube, graças ao aluguel do estádio e outras despesas. Há um clamor justo pela redução dos preços, mas a diretoria deve ter cuidado, pois os custos da Arena Batistão aumentaram e o time tem prejuízo”. O QUE FAZER PARA MELHORAR? Apesar da melhora no engajamento, há muito a evoluir. As questões são complexas e várias medidas podem ser tomadas em conjunto, contribuindo para o espetáculo. Em um futebol sem tantos recursos, a questão do apoio financeiro sempre é pauta. Fabrício Santos destaca a necessidade de suporte do estado, e lembra do caso de Maceió, onde os dois principais clubes (CSA e CRB) recebem boa ajuda pública e estão na Série B nacional. “Lá a prefei-
tura dá 1 milhão por ano para os dois no estádio e em outdoors”. Em comclubes. Uma ajuda de R$ 100.000 já é pensação, Caroline cita o lado negativo uma folha salarial de um time daqui. O da dependência: os horários dos jogos Confiança até recentemente tinha um muitas vezes chocam com os da TV, que cheque para receber do governo de R$ prefere partidas nacionais. “Se tiver um 20.000 pelo título estadual de 2017”, diz. jogo do Sergipe e no mesmo horário Já sobre o preço dos ingressos, a estiver passando Flamengo x Vasco, as ideia do sócio-torcedor é cada vez mais pessoas optam por assistir o jogo do explorada. Ele prevê que o torcedor se Rio”, afirma. fidelize, pagando uma determinada Por fim, a divulgação também quantia ao mês de acordo com o pla- acaba entrando em pauta. Antônio, no e tendo vantagens como descontos estudante de Publicidade e Propagane participação em sorteios. No estado, da, mostra bem a importância disso. isso começou com a gestão de Luiz Ro- “Quanto mais conseguirem pessoas berto no Confiança. “Criamos condições para acompanharem, indo ao estádio, de atrair o sócio, que é uma arrecada- maior é a chance de você engajar os ção antecipada. A partida lá do fim do torcedores e que eles virem fiéis. Isso ano, o torcedor paga com a mensalida- passa pela comunicação, que aqui hoje de a partir de agora. É uma valorização”, é falha”, afirma. Gabriella, estudante de afirma. Lênniton, que se fidelizou no Jornalismo, também destaca o mesmo último mês de janeiro, aponta a vanta- ponto e lembra que isso pode ser fungem nos ingressos. “No começo de 2018, damental nos novos tempos: “A galera se eu fosse aos três jogos de janeiro no que agora é jovem pode trabalhar isso Batistão como comum, pagaria 70 reais. para que os filhos deles, no futuro, posComo sócio, pago o plano de 50 reais e sam torcer para os times daqui”. vou aos jogos de graça”, destaca. Ainda há muito a melhorar, mas Luiz também expõe o lado positi- uma coisa é certa: o futebol em Aracavo da aparição na TV que, para ele, é a ju é patrimônio da nossa sociedade, da maior fornecedora de renda pela expo- cultura do povo. E precisa ser valorizasição: “É essa valorização que os clubes do para oferecer um bom espetáculo e têm que vender. Não como linha de seguir vivo, movendo milhares de paitroca, mas no que a sua marca ganha xões todos os anos. por estar na TV, e consequentemente
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