Ed. 59
2017.2
JORNAL CONTEXTO
EDITORIAL
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Nascemos.
Crescemos.
Vivemos.
Não apenas nos conectamos, nascemos. A infância é o único lugar para onde todos, se possível fosse, gostaríamos de voltar. É o infinito particular de cada um. É o mundo que guardamos para nós mesmos. A roupa favorita dobrada no guarda-roupa, mesmo sem nos caber mais. É a rosa que deixamos dentro da redoma de vidro, posta por adultos, como os que somos agora, e esquecemo-nos de regar, porque saímos para explorar o mundo e conhecer novos planetas, assim como fez o Pequeno Príncipe na aventura escrita por Antoine de Saint-Exupéry. Escrever sobre a infância em um tempo de tantas crises, como os vinte e sete aspirantes a jornalistas fizeram nesta edição do Jornal Contexto, é um ato político. É olhar para o presente e apontar que queremos que as nossas crianças não tenham os direitos violados, que possam lembrar-se do passado com nostalgia e não vergonha ou medo. Que não sejam máquinas. Assim, chegamos à edição 59 do jornal-laboratório Contexto e, antes desta assunção pueril, as reuniões de pauta apresentaram uma cisão de preferências, acerca do tema geral que deveria balizar as matérias dos alunos: de um lado, afinal predominante, as abordagens referentes à infância, suas dificuldades e questões transversais que se disseminam nas várias editorias do jornal; do outro, a necessidade de investigar o impacto das novas tecnologias nas gerações hodiernas, o que explica a abundância de reportagens que entrecruzam as situações, seja pelo prisma da segurança, vide o alerta contra as redes de pedofilia, seja pelos assuntos relacionados a educação e comportamento. Mas não somente de tecnologia se vive. Muito pelo contrário, aliás. Tanto que deparamo-nos com correntes de pensamento que defendem um afastamento protecional das tecnologias e um retorno à natureza, num viés lúdico, como no texto sobre as brincadeiras ‘off-line’, ou numa perspectiva salutar mais geral, que abarca tanto a alimentação, como no texto sobre práticas vegetarianas e veganas, quanto a adesão esportiva e a produção artística e literária. Pensando a questão numa abordagem mais reflexiva, apresentamos a resenha de um livro polêmico, “Dez Maneiras de Destruir a Imaginação do Seu Filho”, do professor britânico Anthony Esolen, que critica o modelo educacional atualmente predominante como nocivo à imaginação infantil. Apresentamos também um compêndio analítico sobre os influentes longas-metragens animados produzidos pela Disney, através de seu reflexo na categoria do Oscar Melhor Animação, e uma reportagem sobre a valorização identitária das crianças negras, finalizando com uma abordagem sobre o sobejo de sexualização infantil através da mídia e suas consqüências perversas. Além dos textos supracitados, abrimos espaços também para reflexões sempre necessárias, como a depressão infantil, o ‘bullying’ no ambiente escolar, as dificuldades de adoção envolvendo crianças carentes, os perigos da hipermedicação, as mazelas do trabalho infantil, e o exemplo bem-sucedido do Abrigo Girassol. Neste inventário de temas celebrando a infância, estamos longe de esgotar o assunto, muito pelo contrário, apenas abrimos e ampliamos um diálogo perene e urgente com a sociedade em geral, razão pela qual incluímos os endereços de ‘e-mail’ dos redatores ao lado de suas assinaturas nas matérias, para que possamos ouvir outras opiniões e, se for o caso, podermos complementar as edições posteriores deste jornal-laboratório com uma sessão reservada às cartas dos leitores. Tudo isso, neste período letivo, sob o comando firme mas generoso da professora Michele Amorim Becker. Esperamos que apreciem o resultado. E que não esqueçam que o essencial permanecerá invisível aos olhos. Um grande abraço de raposa cativada, Williany Souza e Wesley PC
EXPEDIENTE
Pró-reitor de Graduação: Prof. Drº Dilton
EQUIPE
Reportagens: Adele Vieira, Aline Wilma, Allan
Diagramação: Adele Vieira, Aline
Cândido Santos Maynard
Orientação: Profa. Drª. Michele Becker
Jonnes, Ana Lúcia, Anneli Rodrigues, Carluz
Wilma, Allan Jones, Carluz Lima,
Edição e Revisão Geral: Wesley Pereira,
Lima, Carlos Vitor, Clarissa Martins, David
Clarissa Martins, David Rodrigues,
Williany Bezerra de Souza.
Rodrigues, Eric Almeida, Evandro Santos,
Evandro Santos, Júnio Tavares, Karla
Direção de Diagramação: Adele Vieira.
João Paulo, Júnio Tavares, Karla Fontes,
Fontes, Labely Rairai, Leandro Pereira,
Capa: Adele Vieira e Williany Bezerra de
Labely Rairai, Leandro Pereira, Lourdes
Luara Pereira, Marcos Henrique,
Núcleo de Jornalismo: Prof. Dr° Carlos
Souza.
Morante, Luara Pereira, Marcos Henrique,
Matheus Fernando, Rose Bonifácio,
Franciscato
Edição De Imagens: Eric Almeida.
Matheus Fernando, Rose Bonifácio, Tailane
Tailane Noronha, Tainah Quintela.
Vice-reitora: Prof. Drª. Iara Maria Campelo
Telefone: (79) 2105-6919
Divulgação: Ana Lúcia, Carlos Vitor, João Paulo,
Noronha, Tainah Quintela, Wesley Pereira,
Lima
Email: dcos.ufs@gmail.com
Luli Morante.
Williany Bezerra de Souza.
Universidade Federal de Sergipe
Diretora do CECH: Profa. Ana Maria Leal
Campus Prof. José Aloísio de Campos
Chefe do Departamento de Comunicação
Av. Marechal Rondon, s/n, São
Social: Prof. Dr° Diogo Cavalcanti Velasco
Cristóvão - SE Reitor: Prof. Dr° Angelo Roberto Antoniolli
CRÔNICA
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INFINITO PARTICULAR: O MUNDO DO AUTISMO Crônica baseada na leitura do livro “Mundo singular: entenda o autismo”, de Ana Beatriz Barbosa Silva, Mayra Gaiato, Leandro Reveles Por João Paulo Silva Oliveira
falecomjpoliveira@hotmail.com
As diferentes constelações do espectro autista envolvem cada criança numa atmosfera singular de um sentir único de solidão e incompreensão. Um mundo grandioso mergulhado dentro de si mesmo. Cada criança se apresenta como um universo a ser explorado, entendido. Eles buscam por meio do olhar que não demora o entendimento de tudo que os rodeia. A visão extraordinária dos detalhes busca enxergar os fragmentos de realidade; a pequena porção de um todo. O olhar que não se fixa no rosto e nos olhos caminha de mãos dadas com o desejo de enxergar uma realidade particular, íntima. Essa percepção legitima a vontade de transpor seu mundo e buscar o outro. A conexão entre esses dois mundos acontece, nos diferentes níveis do espectro autístico, como uma ponte para a socialização. O autista não quer viver sufocado em si mesmo. Mas às vezes não consegue ser entendido, ouvido. O coração dos autistas, assim como muitos instrumentos musicais, depende de quem o toca. A família é o amparo maior, o reduto onde os anjos e demônios do pensamento norteiam a direção primeira da vida. Aprender a interpretar a criança por inteira é uma tarefa tão árdua quanto projetar seu futuro na sociedade. Os pais se veem diante da imensidão de um mar cruel de dúvidas, incertezas, medo. Tudo é tão novo e ao mesmo tempo tão visceral e desafiador. A quem clamar por ajuda? Como ser ouvido? Como desbravar um filho sem saber qual caminho percorrer? O pânico crava no peito as unhas do desespero, mas não cala o desejo de ultrapassar barreiras e vencer desafios. Os pais se transformam em legítimos missionários conduzindo a dura missão de ofertar à vida social um ser que dentro de seu meio familiar não é facilmente compreendido. O espectro autístico é tão flexível que gira constantemente ao redor de extremos: enquanto há crianças que não falam, não andam, sequer sabem se comuni-
car; há outras que desenvolvem talentos incríveis nas ciências exatas, artes plásticas, cênicas, música e afins. Lidar com extremos não é tarefa fácil, por isso que cada criança é um universo particular, isto é, dentro dela se comporta uma singularidade de gestos, manias, olhares, interesses, sensações. Tudo é único, apesar de semelhanças; concreto, apesar de abstrações; singelo, apesar de
confusões. Fred, 8 anos, passa horas olhando o vento balançar as folhas de sua árvore predileta, e sorri para cada folha que lentamente percorre o ar e depois é acolhida pelo chão; Jonas, 7 anos, dedica seu tempo para saber tudo sobre carros; é apaixonado por automóveis, e ocupa longas horas do seu dia lendo o quanto puder sobre veículos; Maria, 6 anos, não deixa seu olhar fixo na professora durante as aulas, pois ele se encontra perdido na janela admirando o ir e vir dos ônibus; Gael, 9 anos,
não se interessa em fazer amizades, dedica seu tempo na escola a leitura de poesias; percorre as aulas com um livro na mão, conduzido por estrofes e versos. Apesar dos comportamentos repetitivos, deficiência na comunicação e interação social, Fred, Jonas, Maria e Gael vivem numa plenitude sem fulminação. Numa redoma de sentimentos que pode parecer, à primeira vista, impenetrável, mas que não o é. Existirão crianças, assim como eles, que logo de imediato se recusarão em compartilhar seus mundos; outras que irão aos poucos o mostrando conforme se sentirem seguras e acolhidas dentro da exata dimensão de si mesmo. O mundo do outro pode parecer invasivo, intimidador, desinteressante, exaustivo. Mas isso irá depender de cada universo particular. Cada criança é um mundo que desabrocha à nossa frente. O mundo a sua volta não é o todo; é um pequeno fragmento dessa grande porção. O olhar não compreende ter uma ampla visão de tudo que o cerca, mas capturar um fragmento da realidade vista. O detalhe do rosto, do cabelo, dos olhos, sorrisos e lábios são mais atrativos que a expressão facial contida num sorriso. A realidade é observada como um quebra-cabeças: somente após juntar as pequenas peças de realidade é que o todo vem à tona. Os pais resguardam consigo o desejo de que eles voem para o mundo – sem esquecer de seu ninho de origem -, desbravem pessoas, lugares, e, principalmente, a vida; a sua própria vida. Eles, mais que quaisquer pessoas, sabem da força motriz que há no sentimento que os impulsionam a superar descaminhos e precipícios em busca do direito de vê-los em comunhão com a sociedade. Há no céu mais estrelas de esperança que nuvens de pessimismo. Muitos podem questionar: “vale a pena passar por tudo isso e ter um filho nesse mundo tão complicado?” A resposta ecoa no peito daqueles que olham e enxergam além do óbvio, do comum: “depende do quanto de amor você queira sentir na vida”. Os guardiões desse amor têm consciência que também são céu para os voos de muitos infinitos particulares.
MEIO AMBIENTE
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BRINCAR OFF-LINE: CRIANÇAS E SUAS INTERAÇÕES COM O MEIO AMBIENTE Digitalização das brincadeiras, insegurança, pais super protetores, déficit de políticas publicas eficientes e atualizadas na educação fundamental, são diversos os fatores que poderiam ser listados aqui para tentar explicar o afastamento na relação entre as atividades lúdicas das crianças e o meio ambiente de modo geral. Por Allan Jonnes allan-jonnes@hotmail.com
FOTO DE ARQUIVO
FOTO: FERNANDO CORREIA
Oficina de tinta vegetal Erê Ateliê.
respeito a uma liberdade motora, não consegue se expressar, etc”
Recreação offline Erê Ateliê. O instituto Alana, ONG que atua em programas que buscam a garantia de condições para a vivência plena da infância, traz a informação de que nos centros urbanos as crianças passam cerca de 90% do tempo em lugares fechados.
tivas eletrônicas nas brincadeiras, é muito cômodo para esses pais que, em troca desse controle e dessa segurança oferecem um celular, um tablet, um videogame. E eles também não tem tanta culpa, são vitimas desses processos de insegurança que impossibilitam uma variedade maior de experiências com o mundo”, afirma Breno enquanto permanece atento à Dandara brincando no parquinho.
ERÊ ATELIÊ Em Aracaju os professores Breno Nóbrega e Jaciara Duarte reuniram suas inquietações em relação a criação da própria filha, Dandara, e criaram o A EDUCAÇÃO É A POSSIBILIDADE Erê Ateliê, um coletivo que de forma DAS EXPERIÊNCIAS prática em suas ações, por onde passa O Erê ateliê é intinerante e atua oxigena a relação entre pais, professoem escolas, aniversários, creches, cores, crianças e meio ambiente. munidades, tudo com o intuito de levar “Percebíamos nas festas de crianças essa proposta de uma outra espécie de quando acompanhávamos Dandara interação das crianças com a cidade e que ali havia muito estímulo voltado com o meio ambiente. Utilizam uma ao consumo de presentes, as crianças espécie de modo avião com as crianças, dão a festa também essa característica que as faz visitar com prontidão novas de um lugar onde se vai ganhar mais PAPAIS E MAMÃES TAMBÉM TÊM texturas, novas brincadeiras, novos esbrinquedos, enfim, estimulam tam- MEDO tímulos, interação com a natureza, a bém o consumo exagerado de doces, Outro dado bastante significativo possibilidade da falha, e tudo isso enetc. Então a gente pensou em criar uma do Instituto Alana é sobre o sentimen- quanto estão desplugadas de qualquer alternativa a isso, uma festa de aniver- to de insegurança. De acordo com a aparelho eletrônico. sario precisa ser também um lugar de ONG, mais de 80 % da população bra“Nas atividades nós percebemos afeto, de comemorar a vida daquela sileira vive em cidades e quase metade em grande maioria crianças ainda pessoa, para além de apenas reproduzir desse numero não sente-se segura nes- muito carentes de experiência, e isso essa lógica do consumo e do acúmulo tes locais. Para Nóbrega isto é também sem dúvida cria um déficit de desende brinquedos. A gente sabe que inde- um fator que agrava essa separação volvimento. O meio ambiente estimula pendente de você tá numa festa, dando das crianças com o meio onde vivem esse desenvolvimento, essa autonomia, banho na sua filha, ou levando pra pas- “Para discutir sobre infância e meio am- ela vai aprendendo a calcular os riscos, sear, tudo isso é já um processo educati- biente a gente precisa também discutir o que é o subir na arvore, e o que é o vo, daí nasce o Erê ateliê” é que nos diz o direito a cidade, já que grande parte cair da arvore. Tudo com bastante atenBreno. da população vive em centros urbanos. ção da nossa parte, claro, mas dando Quando convidados a participar Esse centro urbano é pobre desse con- liberdade também. Aí ela vai sentindo desta reportagem, Nóbrega sugeriu tato com a natureza, então isso acaba texturas novas, sabores novos, vai se que nossa entrevista acontecesse na limitando a experiência e a visão das arranhar um pouquinho, se sujar, etc. praça do bairro Bugio, onde mora com crianças. Nos centros urbanos você tem Hoje há uma tendência de uma criação a sua companheira e sócia do ateliê acima de tudo o medo, a insegurança, “In vitro”, uma super proteção, uma exJaciara Duarte - que infelizmente não então cria-se uma cultura de que as clusão quase que absoluta dos riscos, e pôde estar presente - e Dandara, sua fi- crianças precisam estar em casa, prote- essa criança não aprende a lidar com as lha de 5 anos que nos acompanhou até gidas, e essa realidade é muito propícia frustações, com a dor, com o erro, aí ada praça. Não para a conversa, mas para para o desenvolvimento das alterna- quire insegurança, inclusive no que diz
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reunir-se às outras coleguinhas. “Criança não precisa de muita coisa, de muito objeto, de muito brinquedo, nesses casos o menos é mais, quanto menos ela tem - mais ela consegue criar autonomamente alternativas de brincar, e isso para elas é um salto de qualidade no desenvolvimento. Se ela não tem um brinquedo ela não vai ficar sem brincar, ela vai arranjar um galho e fazer disso parte da brincadeira, resignificando aquele galho que é parte da natureza e foi dado a ela e ela cuida, preserva, protege, e aí eles brincam com tudo, pedra, um saco de plástico que vira uma pipa. Quanto menos você limita o brincar delas com brinquedos que servem para fins específicos mais elas necessitam abstrair, e a imaginação das crianças, quando estimuladas não tem limites, elas vão para muito longe.”
BRINCAR ONLINE TAMBÉM PODE. A tecnologia e os brinquedos digitais instalam-se na rotina das crianças justamente na medida em que a prioridade é mantê-los longe de outros riscos. Nóbrega nos elucida também que essa lógica funciona principalmente nas classes A e B. Ele nos conta que na experiência com o projeto já visitou uma variedade de bairros distintos e percebe que em bairros mais periféricos as crianças lidam de modo mais natural com as experiências do Erê, é como se ainda houvesse ali resquícios dessa relação tão comum de curiosidade por parte das crianças para explorar os lugares onde vivem, o meio ambiente onde crescem. Ele não vê a tecnologia como um
problema se usada de maneira adequada, se não for a principal mediadora da interação dessas crianças com o mundo, “Dandara também tem acesso a essas coisas todas, é claro, ela também se interessa, tem os amigos que brincam com isso, a gente não proíbe, o que a gente faz é possibilitar para ela além disso outros tipos de interação, de por exemplo tomar um banho de rio, de explorar um sitio, de vir na praça andar de patinete ou apenas brincar de correr com os amiguinhos que ela acaba de conhecer, enfim. O ato de educar normalmente é visto como apenas colocar limites a criança, a gente também delimita algumas coisas, mas isso precisa vir acompanhado de alternativas para as crianças, para que elas possam exercer também o seu senso crítico, para que façam também suas próprias escolhas.”.
Dia de pintura coletiva com as crianças da EMEI José Calumby, no bairro 17 de Março.
TECNOLOGIA
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A TECNOLOGIA COMO NOVO INDICATIVO DE EXCLUSÃO SOCIAL
Por Tailane Noronha tainoronha@hotmail.com
C
ontrariando toda estimativa de que a tecnologia e os seus adeptos ampliariam as informações e os vínculos de amizade, muitas crianças e adolescentes nunca estiveram tão desconectados do mundo real. Presos aos aparelhos móveis, parecem hipnotizados, comprometendo os estudos, diminuindo ou piorando o contato social com os familiares e amigos, e perdendo o interesse em atividades ao ar livre, fora das telas. É difícil, diante de um mundo cada vez mais digital, encontrar alguém que ainda não tenha acesso à tecnologia. Não raro crianças entre 3 e 5 anos ou com idades cada vez menores são inseridas no mundo virtual. Conforme os dados da pesquisa realizada pela TV Online Brasil 2014, conduzida pelo comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), por meio do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), 81% das crianças e adolescentes no Brasil usa diariamente a internet. Essa inserção precoce nas tecnologias divide a opinião de pais e especialistas, e embora não exista um consenso, muitos apontam riscos que podem prejudicar o desenvolvimento de crianças e adolescentes. “Qualquer coisa em excesso faz mal, e com a tecnologia isso não seria diferente. Estudos e pesquisas mostram que o uso inadequado acarreta em doenças como depressão, obesidade, ansiedade, aumento da impulsividade, falta de interação social – esta de fundamental importância para a criança aprender regras, desempenhar papéis, testar
“Qualquer coisa em excesso faz mal, e com a tecnologia isso não seria diferente. Estudos e pesquisas mostram que o uso inadequado acarreta em doenças como depressão, obesidade, ansiedade, aumento da impulsividade,falta de interação social – esta de fundamental importância para a criança aprender regras, desempenhar papéis,testarseus limites” seus limites”, alerta a psicóloga Ane Deise Nascimento. Especialistas advertem que os pais devem sempre estar atentos às mudanças de comportamento dos filhos quando há o uso da tecnologia por longos períodos. O mundo tecnológico vai, gradualmente, misturando os limites com o mundo real no dia a dia dessas crianças e adolescentes. A era digital tem transformado os cenários de vida cotidiana, os comportamentos e as relações sociais em todos os aspectos. É necessário que se desenvolvam habilidades para que o uso da internet seja feito de modo crítico e seguro. IMPOSIÇÃO NÃO FUNCIONA SE OS PRÓPRIOS PAIS EXAGERAM Existe uma linha tênue entre
o uso e o abuso. Embora pareça complicado estabelecer um equilíbrio nesse novo estilo de vida marcado pela introdução das novas tecnologias, os pais devem combinar regras quanto ao tempo de uso e estar cientes de tudo que os filhos acessam. Investir em diálogos é de fundamental importância para os pequenos aprenderem a usar de modo moderado todo aparato que lhe é ofertado. Mas não adianta impor regras e dar como exemplo o que lhes foi proibido, os próprios pais precisam se conscientizar para que os filhos sigam seus exemplos. Uma pesquisa realizada pela AVG, empresa especializada em segurança online, demonstrou que 42% das crianças
ouvidas na pesquisa sentem que seus pais passam mais tempo no celular do que com eles. A pesquisa apontou ainda, que a maioria dos pais confessou o uso contínuo do aparelho e que se sentem culpados por isso. É comum que adolescentes usem a tecnologia para fugirem dos seus problemas e busquem nela afeto e carinho, nos jogos, nas salas de bate papo online ou até mesmo nos personagens fictícios. Essa é a realidade de J.C.N.P, adolescente de 14 anos que tem acesso diário a internet e passa quase 24h por dia ligado ao seu smartphone. Por opção, prefere ficar trancado dentro do seu quarto, sozinho. Suas refeições também são feitas dentro do quarto, e o pouco
contato com a família, pais e irmã, ocorre nesse curto espaço de tempo. Monitorado virtualmente pela mãe que trabalha fora e passa a maioria do tempo conectada no celular, quando está em casa tenta sem sucesso fazêlo sair do quarto. J.C.N.P tem acesso a tecnologia desde muito novo, sempre foi muito esperto e inteligente, mas começou a apresentar dificuldade de concentração e desinteresse o que acarretou o atraso na escola, com a perda de um ano letivo. Atualmente sofre transtorno no sono com alterações do humor e passa madrugadas acordado jogando no celular. O uso patológico dos videogames já é mencionado na quinta edição do Manual Estatístico e Diagnóstico dos Transtornos Mentais, uma espécie de cartilha da psiquiatria, lançada em Janeiro. Calcula-se que a cada cinco crianças e adolescentes, um sofre algum transtorno que precisa de tratamento especial por apresentar queda no rendimento escolar, sofrer de insônia, ou por se tornar antissocial, alertam especialistas. A dependência tecnológica é comportamental e jovens com idades cada vez menores dão sinais, que muitas vezes passam despercebidos pelos pais. A internet têm se tornado uma arma muito perigosa, principalmente para as crianças que fazem uso indiscriminado, e que consequentemente, se tornam mais propensas ao vício e aos problemas de saúde, como a insônia.
TECNOLOGIA
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ATÉ QUE PONTO OS APARELHOS ELETRÔNICOS SÃO INOFENSIVOS?
Você costuma presentear seus filhos com esses objetos? Se a resposta for sim, muito cuidado! Karla Fontes karlakaroline11@hotmail.com Um dos assuntos mais pautados nos consultórios neuropsiquiátricos têm sido o uso exagerado de aparelhos eletrônicos e as alterações emocionais, comportamentais e físicas em crianças e adolescentes. Hoje em dia, não se pode pensar na vida moderna sem a tecnologia, porém, para tudo existem limites e exceções. Se por um lado o uso de tecnologias facilitam o processo de estudo, trabalho ou lazer, infelizmente por outro lado o uso abusivo tem trazido sérios problemas. Para Karla Ribeiro, psiquiatra infantil, o uso exagerado em aparelhos eletrônicos, podem acarretar sérias alterações na saúde mental e social de crianças e adolescentes, gerando quadros de ansiedade, dependência, depressão, irritabilidade, problemas de desenvolvimento cerebral, obesidade, problemas relacionados ao sono, problemas emocionais, demência digital, emissão de radiação e até fobia social. Mas, esses não são os únicos problemas. De acordo com estudos apresentados pela Sociedade Americana de Epilepsia, em casos de crianças com predisposições genéticas ou alterações orgânicas dos circuitos nervosos, o hábito vicioso de estarem sempre conectados, pode contribuir para o desenvolvimento de doenças como a epilepsia. O que sabese atualmente é que alguns tipos desse distúrbio, podem ser precipitados por estímulos provocados pela forte luz azul ou vermelha emitida por aparelhos eletrônicos como o smartphone, tablet, computador e jogos eletrônicos; mas, apenas se essa criança/jovem já tiver uma predisposição, um transtorno de base. MAS, COMO CONTORNAR ESSA SITUAÇÃO? É preciso rever os conceitos de necessidade e futilidade. O bom senso, o
uso de maneira equilibrada é a melhor forma de conter essas situações. Por que deixar meu filho à vontade durante horas com um joguinho eletrônico se eu posso estimulá-lo a brincar com um jogo educativo? A resposta talvez esteja na falta de tempo, na correria do dia-dia, na exaustão, no momento de descanso. O joguinho eletrônico, os vídeos musicais, os desenhos animados estão a todo o momento interagindo com a criança, e substituindo a atenção de um pai, uma mãe, um amigo. E os jogos educativos, as brincadeiras de correr, de adivinhar, de montar; esses vêm perdendo espaço, afinal, eles não cantam, não dançam e não interagem sozinhos. “A gente vê hoje crianças muito pequenininhas vendo vídeos de desenhos animados, musiquinhas, não tem problema. O problema é o tempo que elas ficam; é substituir o contato com a mãe, com o pai, com os colegas, com a família pelo celular, e o tipo de conteúdo que essa criança está tendo acesso. Assim como a chupeta, a mamadeira ou a amamentação, o celular, o tablet e outros eletrônicos são utilizados para resolver de forma momentânea problemas como o choro ou a frustração da falta de afeto ou presença, mas só que nesses casos, a gente vai acabar postergando essa frustração, e não é com o celular que resolveremos esses problemas,” afirma Karla Ribeiro, psiquiatra infantil. A partir de qual idade eu posso liberar o meu filho para ter acesso a esses aparelhos? Não tem uma regra clara para o uso desses aparelhos. De acordo com a médica, o recomendável é um cuidado maior com os horários, o tempo de uso e os tipos de jogos ou páginas que estão sendo passados para essas crianças, do que a idade em si.
“Uma regra clara de boa convivência é a melhor saída para essas situações. Um bom diálogo, um elogio por boas notas, uma gratificação, e claro, não permitir que a criança abra mão de uma atividade que é própria de sua idade. É muito importante lembrar que não se deve trocar as atividades acadêmicas, a troca social ou o lazer, pelo uso desses eletrônicos, então o bom senso vindo primeiramente dos pais é a melhor solução”, destaca a profissional. EU NÃO DEI NENHUM BRINQUEDO OU APARELHO ELETRÔNICO PARA MEU FILHO, MAS ELE SABE MEXER EM TUDO. COMO ELE APRENDEU? Os quadros psiquiátricos tem uma origem que é uma etiologia que pode ser genética, uma pré-disposição. Se os pais tem aquele hábito de uso desses eletrônicos, consequentemente a criança acaba herdando isso geneticamente, mas também viver em um ambiente onde os pais, por si só, já fazem esse uso exagerado da tecnologia, do smartphone, das redes sociais, pode predispor essa criança no comportamento de aprendizado. “Eu sempre falo para os pais das crianças que não tem como dizer: ‘Não, meu filho não terá acesso à tecnologia’. A gente sabe que hoje o que mais traz esse quadro de dependência e vício na tecnologia são os jogos eletrônicos, os smartphones e as redes sociais, então, não dá para dizer a uma criança e para um adolescente que ele não terá acesso, principalmente quando ela vê esse uso exagerado em seu ambiente de convivência,” comenta Karla Ribeiro.
FOTO: KARLA FONTES
As brincadeiras de boneca, futebol e esconde esconde perderam espaço para as brincadeiras do mundo virtual
PESQUISA O Jornal Contexto realizou uma enquete com cinquenta pais de estudantes de uma escola da rede estadual de ensino. O resultado mostra que o nível de acesso de crianças e jovens entre 9 e 17 anos atinge um percentual de 96%, sendo que dessa fatia, 83% possuem aparelhos eletrônicos. Durante a enquete, perguntamos aos pais com qual idade os filhos começaram a ter acesso a esses aparelhos. Nove dos pais reconhecem que os filhos começaram a ter acesso com idade de até três anos; dos pais que responderam a enquete, dois responderam que os filhos iniciaram o uso desses eletrônicos com cerca de seis anos; oito afirmaram ter liberado o uso com idades entre seis e oito anos, e 29 declaram ter liberado acesso com outras idades. Questionados sobre o tempo de acesso dessas crianças e jovens, entretanto o resultado foi surpreendente. Dois pais dizem que os filhos permanecem não mais do que duas horas conectados; 16 deles assumem que os filhos passam cerca de quatro horas navegando na rede; três afirmam que os pequenos passam mais de seis horas e 22 desses reconhecem que os filhos passam mais de oito horas na Web.
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PUBLICIDADE INFANTIL: UM TEMA PARA ADULTOS Por Marcos Henrique polimfotos@gmail.com
ILUSTRAÇÃO: MARCOS HENRIQUE
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m tema que tem gerado muita discussão na sociedade brasileira é a publicidade direcionada para o público infantil. E não é para menos. Dados da pesquisa realizada pelo Centro de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas, mostram que as crianças brasileiras são as que mais assistem tevê no mundo, atingindo uma média diária de 5 horas e 20 minutos. Mais preocupante ainda é saber que essa média de consumo televisivo é muito superior ao tempo médio ocupado com o ensino dentro das salas de aula que não ultrapassa 3 horas e 15 minutos por dia. Sem ter um órgão responsável por fiscalizar ou regulamentar a publicidade infantil, alguns setores da sociedade civil ficam divididos sobre
CANAL ZOOMOO Lançado em setembro de 2013, ZooMoo é um canal de TV por assinatura que serve como passatempo para crianças com histórias engraçadas sobre o mundo animal, séries de bonecos e animações. ZooMoo tem como público alvo crianças em idade préescolar. Na tentativa de oferecer um produto de qualidade para os pequenos, o canal conta com colaboradores especializados em educação infantil. O canal é uma das raras opções sem apelo publicitário que podemos encontrar no mercado. O conteúdo infantil está disponível também em plataformas digitais.
essa prática. Uma parte absorve com naturalidade os anúncios, enquanto a outra parte não compartilha do mesmo pensamento. O importante nessa discussão do que pode e não pode é saber que a publicidade age na promoção de necessidades e desejos junto aos mais diversos públicos. Assim, os pequenos são estimulados a comprar por meio de anúncios muitas das vezes tidos como inocentes, mas que na verdade estão apenas jogando com as emoções e sentimentos das crianças, que inevitavelmente são a parte mais fraca dessa história. Com o propósito de tentar frear essa especulação comercial sobre nossas crianças, o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), apresentou o projeto de lei 5.921/2001 que tem por objetivo
enquanto alguns anúncios servem para esclarecer aspectos importantes da vida em sociedade, outros servem apenas para induzir o esejo de consumo nas crianças.
proibir a publicidade destinada a venda de produtos infantis. O parlamentar acredita que essa prática pode trazer danos aos pais, familiares e a sociedade, sobretudo se levarmos em consideração o fato de que nossas crianças estão consumindo excessivamente e indiscriminadamente os conteúdos que rolam na televisão. Para a advogada Luana do Nascimento Carvalho, é preciso haver uma ponderação de valores, pois enquanto de um lado pode existir uma possível censura, do outro pode haver uma proteção a vulnerabilidade infantil. Luana ainda destaca que apesar do PL ter um motivo nobre, é preciso reavalia-lo tendo em vista que vivemos em um mundo globalizado e grande parte das crianças e
adolescentes também possuem acesso à internet. De acordo com a psicóloga Isabel Simone, a publicidade infantil, assim como qualquer outro tipo de publicidade, tem pontos positivos e negativos. A profissional explica que enquanto alguns anúncios servem para esclarecer aspectos importantes da vida em sociedade, outros servem apenas para induzir o desejo de consumo nas crianças. Um ponto negativo destacado pela psicóloga é a chamada “compra casada”, ou seja, quando oferta-se um brinquedo na compra de um determinado produto. Na maioria das vezes a criança não tem a intenção de comer um lanche ou um doce, mas acaba consumido simplesmente pelo desejo de ter o brinquedo.
PROJETO DE LEI Nº 5.921, DE 2001 I - RELATÓRIO O Projeto que ora relatamos possui grande relevância para toda a sociedade, uma vez que aborda um tema referente ao cuidado que nós temos, ou deveríamos ter, com nossas crianças brasileiras, pois o dever de cuidar de todas as crianças brasileiras é de todos nós, como Família, Comunidade, Sociedade e Estado. E isso foi determinado com especial ênfase pelo legislador constitucional em seu art. 227 que instituiu a doutrina de proteção integral e especial da criança e do adolescente, positivando que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
LOGOMARCAB DO CANAL ZOOMOO (IMAGEM/DIVULGAÇÃO)
AUTOR: Deputado Wado LUIZ CARLOS HAULY RELATOR: Deputado SALVADOR ZIMBALDI
CULTURA
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CRIANÇAS DE CANINDÉ PUBLICAM LIVROS COM HISTÓRIAS AUTORAIS
Desde 2015, iniciativa de escolas e da Academia Canindeense de Letras e Artes já rendeu pelo menos 4 livros escritos por crianças. Por Carluz Lima soucarluz@gmail.com
(FOTO: CARLUZ LIMA)
Os irmãos Rubén e Ruth dizem que pretendem participar de outras edições da publicação ela responde que prefere falar sobre o empoderamento da mulher e feminismo. “Ah, eu acho bom, né, por que não fica somente guardado pra mim”, disse Ruth abrindo um largo sorriso. “Pra mim foi importante participar, porque eu fiquei ‘Meu Deus, olha o meu texto aí!’. Era bom que todo mundo compreendesse o real valor disso”, completa. Já seu irmão, Rubén Levi (12), que estuda na mesma escola de Ruth e também participou da antologia, escreveu sobre os conflitos existentes na Síria. Para ele, a iniciativa de publicar o seu
Santana, formado em Administração e também poeta e cordelista, mostrou à nossa reportagem alguns exemplos de produções feitas pelo público infantil, que resultaram em livros. “Escritos do José”, já conta com duas edições. Ele foi produzido por estudantes da Escola Municipal José Guilherme, localizada na Zona Rural de Canindé. Com o apoio da Aclas, a compilação “As histórias que encantam” pôde se tornar mais um instrumento incentivador da produção textual dos alunos do Colégio Privado Ágape; Já o livro “As aventuras da minho-
(FOTO: TIMOTEO DOMINGOS)
Já faz alguns anos que em Sergipe, iniciativas promovidas por escritores resultam na instalação de academias literárias nas cidades do Estado. Em Canindé de São Francisco, o projeto iniciado pelo Clube da Leitura, um grupo de amantes da literatura que, periodicamente, escolhiam um livro para debater em reuniões promovidas por eles. Posteriormente, o Clube evoluiu para a criação da Academia Canindeense de Letras e Artes (Aclas) entidade que tem ficado à frente de alguns projetos na área das letras na cidade. A Aclas promove anualmente, desde 2014, um encontro que reúne escritores de todo o Estado de Sergipe. Realizado geralmente no mês de Julho, ocorre na Praça Ananias Fernandes dos Santos, em Canindé, sendo palco para outras atrações culturais, como xaxado, teatro, música entre outras. É neste evento ainda que é lançado um livro, com produções literárias de vários autores, intitulado de Seleta de Escritores Canindeenses e Convidados, que reune produções de jovens e adultos. Já a partir do Segundo Encontro de Escritores Canindeenses, surgiu a ideia do “Encontro de Escritores Canindeenses Mirins”. A produção do livro mobilizou professores, integrantes da Aclas e os próprios participantes. A primeira antologia, lançada em 2016, reuniu em quase 60 páginas, textos de 35 alunos de escolas privadas e públicas que escreveram desde poemas até reflexões e contos sobre temas da atualidade como feminismo e direitos infantis. Ruth Thayane (14) já escrevia antes mesmo de saber sobre o livro que seria lançado. A pequena escritora é aluna de um centro educacional da rede privada, e uma das participantes da antologia. Ela conta que gosta de escrever sobre mulheres “em especial sobre Cora Coralina e a força das mulheres”. Questionada se escreve sobre outros temas,
“Como disse nossa querida Cora Coralina, cabe a você decidir se rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar. A questão é: você se define ou se deixar definir” – Trecho de ‘A Máscara’ escrito por Ruth Thayane
texto é algo bom para que as pessoas possam saber o que acontece na Síria atualmente. Os irmãos relatam que sua mãe, Valéria Fernandes, e seus professores foram importantes durante todo esse processo, pois estimularam a participação dos dois. “Os professores de português, Luciara e Andréa e mãinha nos motivaram, porque se ela não tivesse me incentivado a participar, levado meus textos, eu não saberia”, comenta Ruth. Valéria, a mãe, é pedagoga e participa das publicações coletivas idealizadas pela Aclas. OUTRAS PRODUÇÕES FEITAS POR CRIANÇAS O atual presidente da Aclas, Tinho
ca Amanda”, foi produzido por alunos do ensino infantil. “Alunos do maternal que estão ainda iniciando”, destaca Tinho Santana II ENCONTRO DE ESCRITORES CANINDEENSES MIRINS A segunda edição do livro seria lançada ainda em 2017. Mas, devido uma greve iniciada por professores e outros servidores públicos da cidade, motivada por atrasos de salários, alunos e professores deixaram de manter um vínculo mais próximo por quase dois meses. Agora, a previsão é de que a próxima antologia seja publicada e lançada ainda neste ano de 2018, durante o encontro de escritores da modalidade adulta, a qual deverá ocorrer no mês de julho.
Tinho Santana (à direita) diz que em 2ª edição do livro Encontro de Escritores Mirins poderá ser lançada em 2018
“ O mundo não fez nada, não faz nada, talvez ninguém saiba o que fazer, ou os que podem fazer alguma coisa não querem fazer nada... Pois há muitos anos que esse problema existe” – Trecho de ‘Síria e o seu sofrimento atual’ de Rubén Levi
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MUSICALIZAÇÃO INFANTIL COMO MÉTODO DE APRENDIZAGEM Por Anneli Rodrigues annelirodrigues@gmail.com
FOTO : ARQUIVO PESSOAL
além de me ajudar no desenvolvimento da matemática me deixa mais alegre e relaxado para cumprir minhas atividades”, disse Guilherme. Para o professor,contador de história e escritor Matheus Luamm, que trabalha no Colégio do bairro São José, ao contar suas histórias para as crianças não desvincula do uso da música. “Utilizo-me da musicalização como metodologia para a contação, a exemplo de chocalho como técnica para acalmar ou chamar atenção para a leitura”, explica. De acordo com coordenadora do Colégio, Tizar Sampaio, a musicalização ajuda as crianças em diversos fatores, em especial na oralidade. Tizar relembra um fato ocorrido com uma criança na instituição, que não falava absolutamente nada e com dois meses de musicalização a criança teve resultados significativos, a ponto da mãe de ir na escola com humor: “Antes ela não falava nada, agora fala até demais”, lembra. Musicalização é utilizada como metodologia para contação de histórias pelo professor Matheus Luamm
FOTO : LAUDECI MOURA
percepção espacial, socialização, além de demonstrar sentimentos”, explica a pedagoga e psicomotricista Luciana Rodrigues de Sá, que trabalha com a Educação Infantil nesta unidade de ensino. Para Luciana não há uma idade específica para internalizar a música na infância. “Pelo que se sabe desde o bebê no ventre que muitas mulheres são orientadas por especialistas a fazer uso da música, como forma de ajudar no desenvolvimento do feto, através de técnicas e utilização de terapias
sonoras”, comenta a pedagoga. Outro aspecto colocado por ela, é que não há desafios ou dificuldades de se trabalhar a musicalização na sala de aula na primeira infância, que vai dos zero aos sete anos .“O que se percebe é o medo do novo, principalmente de alguns profissionais mais tradicionais, que acreditam que o aluno vai se agitar e a turma virar bagunça”, relata. Em contrapartida, o maestro e músico Ronaldo Valença, da Escola Andrés Segóvia, localizada no Bairro Cirurgia, em Aracaju, diz preferir
“Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música, não começaria com partituras, notas e pautas. Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe contaria sobre os instrumentos que fazem a música. Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas. Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes.”
ensinar crianças acima de sete anos de idade. “Trabalhar a musicalização na primeira infância não faz parte do meu público, pois nessa fase as crianças têm dificuldade de concentração, porque elas levam as coisas mais na brincadeira. Como minha formação é em nível técnico em música,e não licenciatura, não possuo as técnicas necessárias, em conhecimento infantil, principalmente quanto ao uso do lúdico e a utilização do repertório”, conta, explicando que trabalha mais MPB num nível mais complexo e “adulto”, que, para ele, não é adequado para as crianças menores. Para Laudeci Moura Canuto, mãe de Luís Guilherme, 10 anos, seu filho melhorou muito no desenvolvimento da aprendizagem a partir do uso da música. “Principalmente com relação ao raciocínio lógico, pois tinha muita dificuldade em aprender a matemática”, conta a mãe do garoto, que tem essa vivência desde os seis anos. O estudante lembra disso perfeitamente. “A música
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O termo musicalização infantil adquire uma conotação específica, caracterizando o processo de educação musical por meio de um conjunto de atividades lúdicas, em que as noções básicas de ritmo, melodia, compasso, métrica, som, tonalidade, leitura e escrita musicais são apresentadas à criança por meio de canções, jogos, pequenas danças, exercícios de movimento, relaxamento e prática em pequenos conjuntos instrumentais. (BRITO, 2003 p. 45). No Colégio Patrocínio São José, localizado no bairro São José, na capital sergipana, os alunos estão sendo iniciados desde cedo na musicalização como método de aprendizagem. Para eles, a música faz parte da vida diária como forma de desenvolver a coordenação motora, a criatividade e favorecer a socialização, além de dar vida e cor ao ambiente. “Através da música a criança faz uma viagem, ela se encanta, pois quando a criança solta o corpo, está trabalhando o movimento e coordenação, que são essenciais para a escrita e para o seu desenvolvimento. A música não é apenas uma brincadeira, mas também ajuda a criança a obter
MÚSICA E INCLUSÃO “A música como elemento de inclusão se configura como um grande aliado frente ao trabalho educativo. A dinamicidade, o potencial socializador, a alegria e movimentação muitas vezes involuntárias causadas pelo ritmo de uma música, a torna uma ferramenta de grande relevância nas mãos de educadores e músicos que trabalham com crianças”. Nesse sentido, a música tem um papel importante na vida de profissionais que fazem a educação. É o que relata a pedagoga Luciana Sá. “Trabalhar a música como educação inclusiva de, por exemplo, crianças com autismo, ajuda a conseguir a aproximação com o aluno, através do uso da música, principalmente na questão do toque e abraço”, comenta. Ao contrário do que pensa Ronaldo Valença, que não se sente apto para trabalhar com educação inclusiva. “Não tenho conhecimento, não é discriminação, é só porque prefiro ser mais profissional e não apenas ganhar o dinheiro, tenho meu nome a zelar”, diz.
Rubem Alves
FOTO : ARQUIVO PESSOAL
Luís Guilherme , aluno do Colégio Patrocínio São José diz que a música o deixa mais alegre e relaxado.
Música é utilizada em sala de aula como expressão corporal pela psicomotricista.
Ronaldo Valênça , maestro e músico da Escola Andrés Segóvia.
CULTURA
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INFÂNCIA NEGRA: RECONHECER A SI MESMO PASSA POR OUTROS “SI MESMOS” Por Adele Vieira adelevieira@hotmail.com
“SOMOS SOCIALIZADOS PARA DETERMINADOS PAPÉIS, FRUTOS DAS EXPECTATIVAS DA SOCIEDADE” No Brasil, a priori, os negros eram excluídos por serem escravos. Hoje, mesmo após séculos do período colonial, ainda há um forte racismo, um legado deixado pelo sistema escravista que coloca a população negra à margem da sociedade. A exemplo disso temos os livros didáticos, que ensinam a história do nosso país a partir de uma ótica européia e branca. Até mesmo o padrão de beleza, não só brasileiro como mundial, é fundado na visão daqueles que “venceram”. A beleza não está nos olhos de quem vê, ela é uma construção social que confere privilégios e incentiva diretamente na depreciação da pele negra e dos traços negróides. Para perceber isso basta pesquisar por beleza no Google e observar que aparecerão páginas e mais páginas de, predominantemente, mulheres brancas com cabelos longos e lisos. Portanto a beleza negra além de estética é uma questão política. Em meio a essa realidade embranquecedora está a criança negra, com seu nariz largo, lábios grossos e cabelo crespo, tentando entender o que ela é no mundo e o que o mundo é para ela. É aí, na infância, que a criança começa a formar a sua identidade e por isso é fundamental que ela encontre elementos significativos referentes à sua etnia.
Sombrio, triste, infeliz, mofino, nefando, aflito, escravo de pele escura. Essas são algumas das significações do vocábulo negro no Dicionário Aurélio. De forma figurativa ou não, a palavra negro não parece ser tida como algo que remeta minimamente ao agradável. Então, como construir a identidade de uma criança negra quando a cor dela é definida como “sombria”?
Eleonora Vaccarezza, psicóloga, doutoranda em Psicologia Social e atual presidente da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia (CRP-19), explica que a construção da identidade se dá a partir dos pontos de vista de si mesmo, do olhar do outro e de um ideal a ser alcançado, concepções diretamente influenciadas pela sociedade. Utilizando-se da perspectiva sociológica de Pierre Bourdieu, ela elucida que já na infância, através do processo de socialização, somos treinados e ensinados a lidar com a sociedade em que estamos inseridos, e essa “adequação social” segue durante toda a vida. Segundo a psicóloga, existem quatro agentes socializadores: a família, a escola, a mídia e, atualmente, as tecnologias. A família, como primeiro deles, é responsável por incorporar os primeiros valores da criança. “É nesse processo que somos socializados para determinados papéis, frutos das expectativas da sociedade, como o que é ser homem e mulher, como brancos, negros, indígenas, LGBTs são vistos…”. Mas não necessariamente é a família inteira que vai exercer esse papel socializador. A psicóloga esclarece que pode inclusive não ser a mãe ou pai, mas uma tia, uma avó ou alguém que cuide ou esteja mais próximo da criança. É o caso de Layne, que não é mãe, mas tem forte presença na vida de duas garotinhas. Ela teve seu cabelo
alisado na infância e anos depois decidiu deixar suas raízes crescerem sem alisantes. Hoje percebe que não cabe a ela nem a ninguém incentivar e muito menos impor qualquer tipo de atitude que possa dirimir a negritude das crianças. “ELA DAVA FERRO, MINHA MÃE DAVA FERRO, POR QUE NÃO DAR O FERRO NO MEU CABELO TAMBÉM?” Layne Almeida tem 25 anos, é uma mulher negra, bissexual, estudante de Direito e trabalha como afro incentivadora fazendo tranças e penteados no salão Lacre Afro que funciona na casa em que mora. Ela é madrinha de Wendy e Wennie, que estão com cinco e seis anos respectivamente. As duas são de Feira de Santana, na Bahia, e estão a priori passando as férias com Layne em Aracaju. As pequenas chamam Layne de madrinha, tia, mãe… A relação muda de acordo com o momento. “Se eu for parar para pensar em DNA talvez eu não tenha nenhum laço sanguíneo com elas, mas o sobrenome tá ali e elas se reconhecem em mim por meio disso talvez, e tem a questão da proximidade também, elas cresceram comigo.”, diz Layne. Ela conta que cresceu da mesma forma que as meninas estão crescendo: pegando influência de cada lugar. Layne nasceu em Feira de Santana e já foi para Jacobina e Entre Rios, também
na Bahia, ficar com as famílias da mãe relaxamento no meu cabelo.” e do pai. Hoje ela mora em Aracaju Layne conta que nesse dia desceu com a companheira Lorena e, talvez a ladeira esvoaçante com seus cabelos ocasionalmente, com as duas garotas. “A longos, lisos e volumosos, foi até gente cresce perto de pessoas que são a apelidada de índia quando chegou em nossa família e são várias pessoas, em casa. Mas a química do relaxamento vários lugares.”, e completa O que eu sou começou a quebrar os fios e a índia foi hoje minha mãe não construiu sozinha, deixando de existir. Foi aí que a avó apesar de ser mãe solteira. Todas dela resolveu “dar o ferro”, que também essas pessoas foram protagonistas tinha função alisante. “Ela dava ferro, na formação do que eu chamo de minha mãe dava ferro, por que não dar identidade. Hoje a protagonista sou o ferro no meu cabelo também?”. Porém, eu, mas fui educada por uma família esse ferro junto com o alisamento inteira, em especial as mulheres.” anterior resultaram em corte químico Enquanto procurávamos fotos da e o cabelo de Layne caiu, aos oito anos. família de Wendy e Wennie no perfil do Então ela voltou a usar as xuxas Facebook de Layne, uma foto postada e as tranças. “Trancei muito o cabelo em 2011 chamou a atenção e logo se e meu pai odiava. Ele falava assim tornou pauta. Nela, Layne estava com ‘tá parecendo aquelas neguinha da o cabelo alisado, muito diferente dos Queimadinha.’, ‘mas e eu sou de onde cabelos crespos que hoje são tão parte meu pai?’”, fala dando risada. Ele dela. “Depois dessa foto eu cheguei em queria que Layne continuasse com casa e falei ‘Já deu né’, aí eu raspei meu o cabelo liso e para isso ela teria que cabelo. Foi isso!”, fala naturalmente e continuar alisando quimicamente, no sem demonstrar arrependimento. entanto, Layne sabia que o cabelo não Até os quatro anos, a mãe de iria aguentar mais processos alisantes. Layne prendia o cabelo dela com xuxa “E aí foi quando com uns quinze, e trancinhas e depois apenas com um dezesseis anos eu briguei, rompi com coque, talvez por falta de tempo. O pai ele mesmo e fiquei com a minha mãe, não achava bonito aqueles prendedores que nunca me afetou em nada com e ela também reclamava de alguns meu cabelo. Ela queria que eu fizesse aspectos relacionados ao cabelo. o que queria fazer, mas sempre com a Associando esses fatores à dinâmica da responsabilidade de cuidar.” vida, o pai aproveitou as férias da escola Hoje Layne faz penteados, tranças, para levá-la ao salão da amiga dele “que cortes, pinta e borda com o cabelo, era branca, eu lembro disso até hoje, eu mas sem nunca tentar disfarçar o encontrei com ela um tempo depois. que sua raiz naturalmente é: crespa, e Aí essa mulher, na sala da casa, deu sobretudo negra.
FOTOS: ADELE VIEIRA
Layne trança o cabelo de Weenie enquanto Wendy, muito alegre e brincalhona, espera a sua vez.
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FOTOS: ADELE VIEIRA
Wendy parece gostar do espelho e não precisar de muito para se divertir. Ela faz caras e bocas e observa o seu reflexo.
“EU GOSTO QUANDO O MEU CABELO É ELE!” Essas experiências com o cabelo que Layne viveu na infância, em essência, fazem parte da história de muitas crianças negras, como Wendy e Wennie. Assim como para a madrinha, o alisamento também chegou muito cedo. Elas tiveram seus cabelos alisados para a formatura do ABC da mais velha, Weenie, quando ainda tinham cinco e seis anos. Mas, ao contrário da reação de Layne quando alisou o cabelo pela primeira vez, nenhuma das duas gostou. Layne fala que Wennie frequentemente pergunta se o cabelo irá voltar a ser black. “Ela fica se olhando no espelho assim... aí mexe para um lado, mexe para o outro e quando sacode ela ri, que é quando o cabelo fica cheio”. Quando perguntadas sobre o alisamento, ambas rapidamente respondem que de fato não gostaram e Wendy, muito sabida, acrescenta “eu gosto quando o meu cabelo é ele!”. Não foi preciso perguntar mais nada sobre o assunto, ficou claro ali, no caminho da mercearia, que a opinião das duas sobre seus cabelos crespos já está muito bem formada. E Layne teve e está tendo grande participação nessa formação identitária, mas se preocupa sem deixar de ter consciência do seu papel. “Tem tanta coisa para aprender, tem tanta influência… às vezes eu fico com medo de pelo o quê que elas vão se apaixonar,
mas eu percebo que é um momento que deve ser delas e que eu não preciso influenciar a ponto de proibir elas de fazer alguma coisa. Eu não posso fazer isso!”, reflete. Atualmente é ela quem cuida dos cabelos das pequenas: lava, hidrata, penteia, trança e assim como faz com o próprio cabelo, não tenta pôr fim a nenhum cacho sequer. Muito pelo contrário, Layne está ajudando a trazer de volta o cabelo black que Wennie tanto quer e fazer o cabelo de Wendy ser ele mesmo novamente. Talvez sem notar a semelhança, Layne quer para as meninas o que a mãe queria para ela: que façam o que queiram fazer. De forma talvez ainda inconsciente, isso traduz nas mocinhas um sentimento de identificação, uma imagem positiva, pois elas conseguem não só se ver representadas na madrinha, como também ver de fato o reflexo de si mesmas no espelho. “TUDO QUE A GENTE VÊ NA ESCOLA, DE CERTA FORMA, É UM MICROSSOMO DA NOSSA SOCIEDADE ATUAL.” Depois da convivência interativa no contexto familiar, o universo social da criança se expande para a escola, o segundo agente de socialização. A partir da sociologia de Pierre Bourdieu, a psicóloga Eleonora explica que essa instituição espelha aspectos positivos e negativos presentes na sociedade em que está inserida.“Tudo que a gente vê na
escola, de certa forma, é um microssomo da nossa sociedade atual.”, afirma. Essa realidade pode resultar na reprodução de desigualdades sociais que podem já ter sido apresentados a criança através da família. Ela exemplifica: “uma criança negra que ouve que seus traços não são belos, que ouve críticas em relação a textura do seu cabelo ou a cor da sua pele, quando chega no ambiente escolar isso pode ser reforçado.” Mas esse não é o caso de Wendy e Wennie. Elas estão matriculadas na pré-escola e na alfabetização, respectivamente, em Feira de Santana no Colégio João Paulo I, uma escola fruto da parceria da igreja da comunidade com o município. “Eu frequentei essa igreja, meu pai frequentou, minhas tias frequentaram, minha avó era missionária lá...”, diz Layne. Todos na família tiveram certo contato com essa igreja, fosse como a bisavó das meninas que foi missionária, como Layne que fez catequese lá, ou como Wendy e Wennie que estudam no colégio. Aliás, foi por existir essa proximidade que a bisavó matriculou as meninas, afinal é o colégio do bairro. Layne conta que, diferente da concepção tida como “tradicional”, o Jesus Cristo e os seus discípulos pintados na parede da igreja são negros, assim como o pároco da igreja e a maioria da comunidade. Mas, como diz Layne, “todas as pessoas envolvidas nesse processo são pretas
de nascença, mas não necessariamente de vivência”, então não se tem sempre desenvolvido, em cada um, o que se convencionou chamar de afro atitude ou afro incentivo. Entretanto, Layne diz que o pároco, que é o responsável pelas diretrizes do colégio, tem consciência da identidade negra e reflete isso de alguma forma tanto na igreja quanto no colégio. A bisavó de Wendy e Wennie pode ter matriculado as garotas nesse colégio por estar nas imediações e possivelmente por conta da memória afetiva, mas essa proximidade além de geográfica é também étnica. De alguma forma, esses contatos cotidianos com elementos que representam as raízes das pequenas moças, estão contribuindo para a construção da identidade delas como crianças e, futuramente, mulheres negras. “QUE SUA RAIZ É RICA, SUA PELE É LINDA E QUE EXISTEM VÁRIOS HERÓIS E HEROÍNAS NEGRAS QUE LUTARAM E LUTAM PELA NOSSA EXISTÊNCIA.” Além da família e da escola, movimentos sociais como a União de Negros pela Igualdade (UNEGRO) também são importantes e contribuem para a formação da identidade negra. A UNEGRO é um movimento social que atua em Sergipe e em outros 23 estados brasileiros e busca articular a luta contra o racismo, com a luta de classes e contra as desigualdades de gênero.
Segundo Anne Carol, militante da organização em Sergipe, a entidade possui dois projetos - o Cine João Mulungu, direcionado a todas as idades que promove a exibição de filmes com temáticas ligadas à questão étnico-racial seguida por debates; e o projeto Todo Cabelo é Bom, que é realizado em escolas nas séries do ensino fundamental menor e busca desconstruir o racismo através, também, da valorização da estética negra. Além de promover essas ações, a UNEGRO participa de instâncias sociais como fóruns, conselhos e frentes, viabilizando encaminhar demandas para a formulação de políticas públicas em defesa dos direitos da população negra. Anne entende, a partir também das vivências pessoais, que os padrões estéticos e identitários não se encaixam na formação de uma criança negra e muito menos periférica. “Sabendo que o padrão passado é totalmente branco, a criança negra cresce não aceitando a sua cor, seu cabelo crespo e até mesmo a cor dos seus olhos [...] por isso é de suma importância que um movimento independente como a UNEGRO leve informações que elevem a autoestima delas e mostre que sua raiz é rica, sua pele é linda e que existem vários heróis e heroínas negras que lutaram e lutam pela nossa existência.”, orgulhosamente reconhece.
ESPORTE
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ESPORTE COM ARTE E CULTURA POPULAR: BENEFÍCIOS DA CAPOEIRA PARA CRIANÇAS.
Por Tainah Quintela tainahquintela@hotmail.com FOTO: ARQUIVO PESSOAL – PAPA-LÉGUAS
Como é que pode um cabrito virar bode, tartaruga dar mancada e lagartixa dar risada? Como é que pode uma aranha tão medonha do jeito que ela é tamanha vem fazer a sua teia na palma da minha mão? Sobe no coco, pega o coco, quebra o coco, abre o coco para gente coco comer! (Trava-línguas)
COMO É QUE PODE, MIGUEL? O pequeno Miguel tem cinco anos e um repertório relativamente vasto de trava-línguas e músicas que estimulam o letramento. Ele faz parte de uma turma de alunos que praticam a capoeira na Escola Novo Tempo, uma instituição particular de ensino construtivista, que utiliza “a arte como combustível de criação, aplicação de valores humanos e ações relacionadas à sustentabilidade”*. A diretora Denilza Rezende garante que o letramento é somente um entre tantos aprendizados que tem observado nos meninos e meninas que, juntamente com Miguel, praticam este esporte secular. “A evolução na coordenação motora grossa - que diz respeito a atividades como sentar, andar, correr e usar os braços e pernas, por exemplo - é notável. Há também uma evolução comportamental. E tudo isto as crianças aprendem brincando, se movimentando, ativando a memória e conhecendo melhor a nossa cultura”, frisa a pedagoga. Raí, por sua vez, já passou pela etapa de iniciação vivida por Miguel. Ele tem 10 anos - há quatro participa assiduamente de aulas de capoeira na sua comunidade - e atribui ao esporte o seu bem-estar. “A capoeira trouxe para mim: saúde, disposição e energia. Estou na primeira graduação”, diz o garoto. Marília está no 5º estágio da graduação. Aos 16 anos, é conhecida como “Sinhazinha”, e é firme em seu discurso: “Pratico há mais de 10 anos, e só me trouxe coisas boas: aumentou minha resistência, melhorou minha atenção, o condicionamento físico e a coordenação motora”, pontua. A jovem é filha do professor de capoeira Ramiro, o “Papa-léguas”, que dá aulas na Escola Novo Tempo e na sua comunidade -zona de expansão de Aracaju. Em idades diferentes, Miguel, Raí e até mesmo a adolescente Marília têm um ponto em comum: o amor que desenvolveram pela capoeira. E este amor, nem sempre é à primeira vista. “O amor pela capoeira vem depois”, é um processo de construção. A afirmação é do “Papa-Léguas”. O capoeirista pratica
“O amor pelo esporte vem depois, quando a criança começa a entender os fundamentos dessa arte, quando vive verdadeiramente a rotina.”
A turminha coordenada por PapaLéguas é mista: meninos e meninas que, em suas primeiras aulas, são apresentados à dança em si. “Procuro mostrar a eles a prática da capoeira, porque a criança que vem participar de uma aula de capoeira quer ver capoeira. Aos poucos vamos introduzindo fundamentos, valores e técnicas. Nas competições, costumo premiar todos os participantes, porque a autossuperação e o desejo pelo aprendizado devem se sobressair”, ressalta. A capoeira exige trabalho em grupo, sintonia, coerência nos movimentos, no ritmo e na forma de tratar o adversário. Tudo isto vai sendo passado gradativamente, e as crianças vão absorvendo ao mesmo tempo em que estão aprendendo a lidar com tantos outros ensinamentos. “Esta interação proposta pela capoeira alimenta a afetividade, o respeito às diferenças, o respeito aos limites do outro. Além disso, reforça a compreensão de que conviver bem é mais importante do que a pura competição”, esclarece o professor, acrescentando algumas dicas aos pais que têm vontade de inscrever seus filhos
capoeira desde 2004 e dá aulas há oito anos. Sua experiência em projetos sociais e escolas diz que, diferente do futebol, por exemplo, a capoeira normalmente não é buscada por ser uma paixão dos pais, muito menos das crianças. “Os pais procuram atividades físicas como uma solução para o mau condicionamento físico, sedentarismo e até para disciplinar seus filhos, e é aí que surge a curiosidade pela capoeira. O amor pelo esporte vem depois, quando a criança começa a entender os fundamentos dessa arte, quando vive verdadeiramente a rotina”, explica o professor. Hoje o público de Papa-léguas é de crianças de três anos em diante. Os benefícios à saúde e ao desenvolvimento cognitivo são importantes e têm “Esta interação um lugar especial nas aulas, mas é proposta pela justamente nesta etapa da vida que as capoeira alimenta crianças estão construindo seus laços de amizade. É nesta fase que o esporte a afetividade, pode ter influência direta no processo o respeito às de construção do conhecimento que diferenças, o a criança tem sobre si mesma e sobre o mundo. Melhor ainda: sobre as respeito aos limites pessoas que estão ao seu redor. Papado outro...” Léguas acredita que esta mensagem chega com sucesso aos seus alunos e, consequentemente, aos adultos em aulas de capoeira. “É importante responsáveis. “Os pais comentam observar a quem exatamente você os aprendizados como conquistas entrega sua criança. Se há conteúdo, de seus filhos: letramento, números, organização e se os fundamentos são história, coordenação motora… Mas passados de forma segura e coerente. compartilham também mudanças A capoeira é uma ferramenta de positivas no comportamento e o aprendizado teórico e prático, que desenvolvimento na parte afetiva das deve transmitir conhecimentos que crianças. Já tive crianças que chegaram a criança levará para a vida”, conclui com mau comportamento e foram o capoeirista. É inclusão. Inclusão de se apaixonando pela capoeira de tal escolhas, de doutrinas e, como estamos forma que foram evoluindo”, destaca o falando de crianças, de sonhos. capoeirista. *Definição publicada na conta da escola no Instagram.
FOTO: ARQUIVO PESSOAL – PAPA-LÉGUAS
Papa-Léguas pratica capoeira desde 2004 e dá aulas há oito anos.
“Só me trouxe coisas boas”, garante Marília, a “Sinhazinha”, filha de Papa-Léguas.
CONHEÇA ALGUMAS DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NA CAPOEIRA INFANTIL: • Brincadeiras que resgatam a origem e a evolução da Capoeira; • Atividades musicais com a construção e utilização de instrumentos musicais, canto e aprendizado de trava-línguas, letras musicais e seus significados; • Atividades corporais que desenvolvem condutas psicomotoras como: relação espaço-temporal, coordenação motora, tempo de reação, ritmo etc; • Movimentos básicos da Capoeira; • Expressão gráfica e artística, entre outras.
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“GERAÇÃO PLAYSTATION” Cada vez mais crianças e adolescentes escolhem times internacionais para torcer Por Carlos Vitor cvitor.torres@hotmail.com CARLOS VITOR
CARLOS VITOR
João Arthur comandando os seus ídolos no vídeo game
O
1- Barcelona – Espanha 2- Palmeiras 3- Manchester City – Inglaterra 4- Flamengo 5- Manchester United – Inglaterra 6- São Paulo 7- Corinthians 8- Bayern – Alemanha 9- Real Madrid – Espanha 10-Chelsea – Inglaterra
surpreende que na resposta não venha um brasileiro: “Messi!” Não faltam dados para demonstrar essa crescente invasão. A última pesquisa publicada pela rede de lojas de produtos esportivos Centauro sobre as camisas infantis mais vendidas no ano da Copa do Mundo no Brasil, em 2014, mostra que apenas quatro brasileiros aparecem na lista dos dez primeiros. Em 2017, outra rede do mesmo segmento, a Netshoes, divulgou uma lista na qual o Barcelona já aparece como décimo lugar entre as camisas mais vendidas em todas as faixas etárias. Fenômeno semelhante aconteceu no país quando, nas décadas de 70 e 80, houve um crescimento visível no número de torcedores de times do Sudeste, principalmente do Rio de Janeiro, nas demais regiões do país. Isto se deu por conta da disseminação dos sinais das rádios de lá, a exemplo da Rádio Nacional. A MANUTENÇÃO DA TRADIÇÃO LOCAL Mesmo com a falta de organização, a qualidade questionável dos jogos e a violência envolvendo grupos de torcidas organizadas, ainda presenciamos os casos que seguem a paixão familiar por times locais, como o da torcedora mirim Maressa Nascimento, que desde
A pequena Maressa em mais um jogo do seu time do coração. ARQUIVO PESSOAL
crescimento do acesso à internet, às transmissões de TV’s por assinatura e às novas tecnologias encabeçadas pelos jogos eletrônicos tem ajudado a criar um novo grupo de torcedores de futebol conhecidos como “geração Playstation”. São crianças e adolescentes que se sentem mais atraídos pelos grandes times europeus do que pelos clubes brasileiros. É cada vez mais comum encontrar crianças vestidas com as camisas dos espanhóis Real Madrid e Barcelona, dos ingleses Manchester United, Chelsea, Manchester City e Liverpool, como também do francês Paris Saint-Germain. A estrutura do futebol do velho continente trata este esporte como um produto muito rentável. Grandes quantias em dinheiro são investidas na organização dos campeonatos, construção de modernas arenas, conservação e adequação de estádios mais antigos, contratação dos melhores jogadores do mundo, divulgação das marcas e comercialização de vários produtos. “Ninguém sabe explorar marca melhor que os europeus, que conseguem usar os nomes dos times para atrair milhões. É um sistema que não tem aqui. Aqui no Brasil, se trabalha muito mal o que envolve o jogo. Aqui o futebol não é formatado como algo que torne o jogo um evento interessante. O futebol não é pensado como produto”, analisa o especialista em gestão esportiva Daniel Figueiredo, em entrevista ao portal O Povo. O garoto João Arthur, hoje com 14 anos, confirma todas essas informações ao revelar o início da admiração pelo seu time, quando tinha apenas sete. “Foi em 2011, depois da final da Liga dos Campeões, quando vi o Barcelona ser campeão.” Dono de sete camisas do clube espanhol, Arthur fala que sempre adorou jogar com os craques do seu time no vídeo game. “Sempre escolhi o Barcelona como primeira opção.” O seu pai, o técnico em mecânica João Elson, conta que até leva o jovem torcedor ao estádio e que ele demonstra certo interesse pelos jogos do Club Sportivo Sergipe, mas na comparação com o futebol nacional, o garoto é taxativo. “O [futebol] europeu é muito melhor e muito mais organizado.” E, perguntado sobre seu ídolo no esporte, não
“O futebol europeu é muito mais organizado.” (João Elson)
Sua coleção de camisas do Barcelona
os três anos de idade já cantava o hino da Associação Desportiva Confiança e acompanhava a família do pai, o professor Mauro Santos. Recentemente, ela teve como tema seu aniversário de sete anos nada mais nada menos do que o Confiança. Fotos, lembrancinhas, bolo e até uma grande bandeira decoraram a festa da garota que torce única e exclusivamente para o time proletário. Os clubes brasileiros, mesmo que timidamente, começam a acordar para
ações que visam atingir as crianças e os adolescentes, tentando manter a sobrevivência do que há de mais forte na relação entre torcedores e seus times: a paixão. E sobre isso, o diretor do Ibope Repucom, José Colagrossi em entrevista ao Jornal Zero é enfático. “O que vai salvar o futebol brasileiro é a paixão, mas também outro calendário, a promoção pelas mídias sociais e o engajamento entre clubes e torcedores, que precisa ser reconhecido pela sua paixão. O clube precisa dar voz a ele”, concluiu.
POLÍTICA
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ADOÇÃO: UM ATO QUE VAI ALÉM DO AMOR O Brasil possui mais de 40.000 famílias na fila da adoção
ILUSTRAÇÃO: LARYSSA INDRID
Por David Rodriguês davidrodrigues584@gmail.com
O
Cadastro Nacional de Adoção (CNA), do Conselho Nacional de Justiça, possui hoje 8.480 crianças e adolescentes cadastrados e desejando a adoção no Brasil, e mais de 40.000 famílias desejando adotar. Os dados revelam que no país há mais possíveis pais e mães interessados do que crianças e adolescentes aguardando um novo lar. De acordo com o artigo 39 da lei 8.069/90, a adoção é uma medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa. E, no final do ano passado, foi aprovada mais uma medida neste sentido. O projeto de lei 8219/14, de autoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), prevê que a adoção de uma criança ou adolescente só será concretizada depois de fracassadas todas as tentativas de reinserção na própria família. O projeto, aprovado na Comissão de Seguridade Social, depende apenas de outra aprovação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado para ir à sanção presidencial. Entretanto, a juíza Rosa Geane, da 16ª Vara Cível de Aracaju, ressalta que essa medida já existe. “O artigo 19 [do Estatuto da Criança e Adolescente] fala que é direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral. Inclusive essa redação foi de 2016. E o artigo 23 diz que a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder de pátrio familiar. Ou seja, a lei de 2009 já trouxe essa conotação que é: todas as tentativas de reinserção da criança ou do adolescente, na família natural ou substituta, acontece dentro do processo de pós acolhimento e no processo de destituição do poder familiar, então vai se tentar ainda essa colocação em família extensa”, explica. Na capital sergipana, a 16ª Vara Cível da Infância e da Juventude é responsável pela adoção e habilitação dos pretendentes. Quando a pessoa
tem o interesse de adotar uma criança ou adolescente, ela deve procurar a 16ª Vara Cível e realizar o seu processo de habilitação. “Eles vão apresentar a documentação que a Vara da Infância da sua região exige. Existe também uma exigência do CNJ [Conselho Nacional de Justiça], com relação à documentação. Depois de apresentar a documentação eles vão submeter a um estudo técnico psicossocial e fazer um curso pela atual lei da adoção. Também houve a exigência da parte jurídica e da parte psicossocial da adoção, eles apresentam a documentação e
tem um perfil de criança que deseja, ela não deseja uma criança específica. A campanha pretendia que as pessoas se abrissem para a adoção, para além desse perfil de 0 a 1 ano, porque esse não é o perfil que nós temos com frequência, então todo mundo concorre com esse perfil, obviamente vai demorar mais”, ressalta Rosa Geane. Atualmente, Sergipe possui 53 crianças e adolescentes no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), mas apenas 25 estão disponíveis para adoção, número bastante inferior aos 482 pretendentes cadastrados na fila
“É a história dela! É o passado dela! Se um dia ela quiser ir atrás vai ter todo o direito de ir, mas nunca vai tirar de mim o fato de que eu criei”, – ERIKA CRISTINA aguardam o curso”, explica a juíza Rosa Geane. Pela lei, o processo de habilitação de adoção tem um prazo de 120 dias, conforme os termos do artigo 163 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). É nesse processo que os pretendentes, independentemente do estado civil, apresentam a documentação. A idade mínima para se habilitar é 18 anos e deve ser respeitada a diferença de 16 anos entre quem deseja adotar e a criança a ser acolhida. A juíza explica que em alguns casos a demora no processo de adoção ocorre porque o perfil da criança pretendido pelos futuros pais não é o existente. No passado, a preferência era maior por crianças de 0 a 1 ano de idade, sendo crianças do sexo feminino, branca e sem doença, mas em 2015, após a implantação da campanha “Adoção: deixa crescer o amor”, lançada no dia nacional da adoção pela 16ª Vara Cível de Aracaju, houve uma ampliação e a preferência passou a ser por crianças de 0 a 3 anos. “Quando a pessoa vem se inscrever, se cadastrar para adoção, ela
de adoção. No estado, há apenas um grupo de apoio à adoção, o Acalanto, que surgiu em 2015 com a união de algumas mães que tinham o interesse em formar um grupo de apoio a todos os interessados em adotar uma criança ou adolescente. O grupo ainda é pequeno, e não possui uma sede física, mas possui encontros mensais chamados ‘Conversando sobre Adoção’, que ocorrem no primeiro sábado de cada mês. O último encontro ocorreu em 03 de fevereiro e trouxe como tema a adoção direta, quando uma mãe está grávida ou obteve o bebê e tem o interesse de entregar o seu filho diretamente a um casal que já tenha seguido todo o processo de habilitação. Foi através da adoção direta que a assistente social Geanea Santana, 44 anos, realizou o sonho de ser mãe. Aos 38 anos, durante a realização de alguns exames de rotina, Geanea descobriu que estava com um tumor no ovário, que havia se rompido. Ela precisou fazer uma cirurgia e logo após iniciou as sessões de quimioterapia, ela estava com câncer no ovário. Devido a doença, não mais
poderia ter filhos pelos métodos naturais. Ao todo foram 18 sessões de quimioterapia e em uma dessas sessões ela conheceu Elisângela, uma amiga que também passava pela mesma situação. Através da amiga, Geanea conheceu uma mãe que estava grávida e tinha o interesse de dar a filha para a adoção. Geanea não pensou duas vezes e adotou a menina pela adoção direta. Ela, que ainda não era cadastrada na fila de adoção, iniciou todo o processo: procurou a 16ª Vara Cível da Infância e da Juventude, em Aracaju, e deu entrada no processo de guarda provisória. Ela conta que passou cerca de um ano para a guarda provisória sair. Ganhou a guarda provisória, a guarda definitiva e agora está no processo de adoção, que para se chegar nessa etapa é necessário passar por todas as etapas anteriores. Hoje, a menina está com 3 anos e Geana revela que tem o interesse de adotar um menino. “Para a gente adotar, tem que realmente querer. Tem que ter não só a vontade, mas o amor para dar. Se a pessoa quer adotar, tendo o amor pode ir em frente que vai conseguir”, explica Geanea Santana. COMO CONTAR SOBRE A ADOÇÃO? Assim como Geanea, Erika Cristina, 39 anos, também realizou o sonho de ser mãe pela adoção direta. A empresária e tesoureira do grupo Acalanto, sempre quis ter dois filhos: um biológico e um adotivo. Como ela e o marido não podiam ter filhos, o filho biológico não veio, então resolveram partir para a adoção, que para ela era supernormal. O casal passou 5 anos na fila de adoção e nunca foram chamados. O perfil deles era: criança de até 3 anos de idade, qualquer cor, qualquer sexo e com doenças tratáveis, mas mesmo assim, não foram chamados. Então, conheceram uma mãe que estava grávida, mas não queria entregar a criança em um abrigo. O casal conheceu a pessoa e receberam a criança com 3 dias de vida, seguindo todos os trâmites legais do processo de adoção. Os familiares sabiam do desejo do casal em adotar uma criança, mas achavam que eles não tinham
coragem, e ficaram abismados quando receberam a notícia. “Eles ficaram surpresos porque eu não avisei que estava em fase de adoção. Quando a criança chegou na minha casa eu liguei e disse: olha sua neta chegou e já está aqui”, comenta sorridente. Hoje, a filha do casal está com 5 anos e já sabe que é adotada. Erika revela que a partir de um ano e meio percebeu que a filha já entendia sobre o nascimento, por observar que a menina brincava de boneca e simulava que uma boneca era filha da outra, então, ela viu que já tinha que começar a inserir uma historinha sempre no tempo da criança. “Não adianta com um ano e meio querer descarregar nela a vinda dela, a origem dela, porque ela não vai entender. E também não adianta eu acelerar esse momento sem ela perguntar, então, eu aproveitava apenas um momento simples que ela estava brincando de bonequinha e dizia: existem bebês que nascem da barriguinha das mamães e existem outros filhinhos que não nasceram da barriga da mamãe, mas que vieram para aquela mamãe porque pediu muito a Deus, porque desejou muito aquela criança”, explica emocionada o modo como contava sobre a adoção. De acordo com a psicóloga Célia Machado, do grupo Acalanto, não há uma idade definida para contar à criança que ela é adotada. Ela explica que isso deve ser dito sempre, porém acompanhando o nível cognitivo do desenvolvimento da criança. “Dentro do que ela compreende tudo deve ser dito. Falar as coisas dentro do que é possível pela maturidade cognitiva e emocional da criança. Não mentir, mas ver a melhor forma de acordo com aquele momento de desenvolvimento da criança que vai auxiliá-la a compreender. Utilizar livrinhos de história de adoção, colocar em contato com pessoas de um grupo de adoção, porque a criança já vai ter contato com outras e vai se identificar, e será muito mais fácil de entender o que aconteceu com ela”, explica a psicóloga. Com o passar do tempo, a filha do casal perguntava cada vez mais e Erika só respondia aquilo que a menina perguntava, para não causar uma confusão na cabeça da criança. Ela explica que a filha apresentou algumas dificuldades sobre a descoberta da adoção, mas após a ajuda da psicóloga essa fase foi superada. “Eu levei ela numa psicóloga que foi onde eu conheci o grupo Acalanto. Quando eu a levei, o Acalanto tinha acabado de surgir, tinha ocorrido uns dois ou três encontros e aí conheci a psicóloga que fundou o Acalanto e me disse para levá-la ao grupo, pois havia outras crianças por adoção, para ela não se sentir diferente das outras crianças da escolinha”, explica. Erika reconhece que a filha tem um passado, e se um dia a criança resolver ir atrás da sua história, terá todo o direito. “É a história dela! É o passado dela! Se um dia ela quiser ir atrás vai ter todo o direito de ir, mas nunca vai tirar de mim o fato de que eu criei. Mas ela tem todo o direito de ir atrás da [mãe] biológica dela, quando chegar nesse momento eu vou estar totalmente preparada, que é isso que o grupo de apoio faz, é preparar os pais psicologicamente para entenderem que toda criança tem uma origem e ela tem o direito de saber de sua origem, como qualquer ser humano.Se eu vou encontrar a biológica? Eu não sei, mas eu vou apoiá-la nessa busca se for preciso!”, finaliza emocionada.
EDUCAÇÃO
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BULLYING NO AMBIENTE ESCOLAR
Por Ana Lúcia Andrade analucias.andrade2015@gmail.com
FOTO: ANA LÚCIA ANDRADE
“Todos os dias que chegava na escola e ia se aproximando a hora do recreio me dava uma tristeza muito grande, porque eu sabia que iam mangar de mim. Às vezes nem saía da sala, lanchava ali mesmo e quando dava vontade de ir ao banheiro ficava me escondendo,” conta V.G.N.S de 10 anos vítima de bullying. Jakeline Narciso Santos a mãe de V.G, diz que o filho era uma criança calada, mas muito dedicada aos estudos, e que de repente começou a ter dificuldades para convencer o filho a ir para a escola. Lembra que por muitos dias, tinha que ficar esperando a professora chegar para ir embora. “O V.G me dizia que ficavam apelidando ele de magrelo, seco e outros apelidos e que até davam lanche dizendo que era para ele engordar; meu filho chorava muito para não ir à escola,” conta a mãe. A mãe diz que o filho começou a apresentar alguns comportamentos diferentes, como querer se alimentar muito, mesmo sem estar com fome, e logo depois inventava doenças e também se escondia para não ir à escola. Quando ela percebeu que a situação do filho se agravava, procurou a direção da A professora Paula Andréa, enfatiza que escola e recebeu todo apoio.” Fizeram os educadores precisam se comunicar até reuniões, com os pais e alunos e de maneira firme e realista com os contaram com a presença de psicólogas, pais dos alunos que são vítimas, como professores e assistentes sociais que, também com os dos agressores. por meio de palestras e atividades recreativas, nos ensinou como lidar e agir com essas situações de bullying, isso foi fundamental. Hoje V.G está bem melhor, continua na mesma escola e está sendo acompanhado por uma psicóloga e diz não se importar tanto com que os colegas falam dele”, relembra a mãe de V.G. A escola é o local onde acontecem os mais diversos casos de bullying, as atitudes ou provocações mais
frequentes entre os alunos são apelidar, ironizar, humilhar até chegar a agressão física. A palavra bullying surgiu a partir do inglês bully, expressão que traduzida para o português quer dizer repressor, brigão ou provocador; o bullying está ligado a ações violentas, propositais e sistemáticas físicas ou verbais contra uma pessoa inofensiva e isso pode provocar sérias lesões às vítimas. Para a professora e coordenadora Paula Andréa de Jesus Santos, de 43 anos, que trabalha na educação infantil há mais de 20 anos, o bullying dificulta o desempenho da criança no processo de aprendizado, e ainda prejudica a sua conduta até mesmo longe da escola. “Nós educadores temos que nos comunicar de maneira firme e realista, tanto com os pais dos alunos que são vítimas, como também com os dos agressores. E sempre questionar como está o comportamento da criança em casa, explicando também a conduta dela na escola, pedindo assim ajuda, uma parceria para educá-los como ser humano consciente, solidário, que tenham respeito pelo próximo”. Porém, “quando não temos um retorno satisfatório dos pais, devemos fazer a nossa parte de educador aconselhando a criança agressora e tentando transformá-la em uma pessoa melhor, além de ajudar e acolher a vítima”, comenta a professora. O bullying traz muitas consequências principalmente para as crianças que estão em formação de caráter. De acordo com a psicóloga Alzirina Passos, a criança que é vítima dessa violência, além de ter um baixo desempenho escolar, ela apresenta também mudanças de comportamento. Geralmente se isolam dos demais colegas e em consequência dessas mudanças podem vir a sofrer alguns
tipos de traumas e doenças como insônia, falta de apetite, depressão, problemas gastrointestinais e outros. METAS E PRÁTICAS PARA COMBATER O BULLYING NAS ESCOLAS Segundo a especialista em educação e em direitos da criança e do adolescente, Josevanda Mendonça Franco, a Secretaria de Estado da Educação de Sergipe (Seed) tem tomado medidas para disseminar a cultura da não violência nas escolas como base nas relações humanas, considerando a aplicação de práticas restaurativas. “A proposta da Seed assimila o progresso de uma atividade articulada, baseada na utilização de metodologia do exercício e assim associamos palestras e atividades de grupos com temáticas construtivas.” As atividades são elaboradas pelos técnicos do Núcleo de Prevenção à Violência (NPV) nas escolas, qualificando coordenadores e operadores da unidade educacional para a gestão e assistência dos processos no enfrentamento à intimidação sistemática-bullying. “Ao tomar conhecimento de algum caso, o professor ou a direção da escola precisa interferir rapidamente, o educador deve dar o ensinamento de como tentar solucionar os embates sem violência, promover o companheirismo e a humanidade”, finaliza a especialista. É papel fundamental da escola acolher à vítima e acompanhar a situação do agressor, realizando assim trabalhos de conscientização alertando os alunos, sobre os impactos que suas ações e atitudes podem causar no outro; e também aconselhar os pais a orientá-los no ambiente familiar.
FOTO: ANA LÚCIA ANDRADE
FOTO: ANA LÚCIA ANDRADE
A escola é o local onde acontecem os mais diversos casos de bullying, as atitudes ou provocações mais frequentes entre os alunos são apelidar, ironizar, humilhar, até chegar a agressão física. Escola Fundamental José Carlos Teixeira.
De acordo com a especialista em educação, Josevanda Mendonça ao tomar conhecimento de algum caso de violência o professor e a direção da escola precisam interferir rapidamente.
EDUCAÇÃO
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OS DESAFIOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA NOVA BNCC NOS ENSINOS INFANTIL E FUNDAMENTAL Por Evandro Santos evandrojsmengo@gmail.com
Estruturação do ensino infantil organizada por campos de experiências. etapas de ensino. “A proposta conjunta garantirá ao professor aproveitamento de metodologia de ensino e de planos de aula pelos profissionais que lecionam nas duas redes concomitantemente”, enfatiza Zelice. De acordo com a coordenadora pedagógica do DED, Svetlana Ribeiro, o documento é, portanto, o ponto de partida para a construção de um currículo, ao organizar e articular as habilidades a serem ensinadas ao longo da Educação Básica. “Pretendemos criar um currículo unificado para toda rede pública de ensino em Sergipe, com conteúdos que abrangem as características regionais da sociedade, da cultura, da economia e dos próprios alunos”, explica Svetlana. A professora Regina Araújo relatou que em Sergipe os municípios não possuem um currículo para a educação infantil na perspectiva da BNCC, e que a partir da homologação do documento será cobrado dos municípios a elaboração de um plano curricular para a sua implementação. “Sendo assim, a Base não consiste em um currículo, mas em um documento norteador e uma referência única para que as escolas elaborem os seus Currículos”, esclarece a professora. O Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica do Estado de Sergipe (SINTESE) entende que a terceira versão da BNCC não foi formulada por meio de processo participativo tal qual o realizado durante as primeiras versões do documento e traz uma visão instrumental da educação e concepções restritas de cognição que trarão sérias e danosas implicações para a Educação Infantil e fundamental brasileira. Segundo o vice-presidente do SINTESE, Roberto Silva, o MEC age de forma autoritária, impositiva e sem levar em conta as discussões que já haviam sido feitas em conferências
A diretora diz que discussão para implementação da BNCC foi através de Regime de Colaboração.
FOTO: EVANDRO SANTOS
implementação do documento até 2020. Será oferecido aos professores formação continuada para se familiarizarem com os novos parâmetros, orientações e objetivos de aprendizagem. Em Sergipe as discussões sobre o documento acontecem desde 2016, quando a Secretaria de Estado da Educação (Seed) realizou seminários regionais para levar para os professores o conhecimento do documento, se tornando referência a ser seguida por outros estados. Segundo a diretora do Departamento de Educação (DED/ Seed), Gabriela Zelice, mesmo antes da homologação da Base a secretaria instituiu uma comissão estadual para realização da implementação da BNCC em Sergipe. A comissão reúne neste processo atores da comunidade escolar e da sociedade civil, para discutir as ações nas escolas durante o processo de implementação e para elaborar em Regime de Colaboração com os municípios a Proposta curricular de Sergipe. “Dada à homologação, para este ano, a perspectiva do Grupo de Trabalho instituído pela portaria da Seed é fazer um planejamento detalhado da implementação da Base na rede estadual, com levantamento dos currículos das redes municipais, para revisar e construir os currículos, promover formações para os professores, ajustar os materiais didáticos e alinhar as avaliações locais na perspectiva de que em 2019 a Base Nacional esteja na sala de aula das escolas públicas sergipanas”, conta a diretora. Segundo a diretora, ao implementar a Base em regime de colaboração com as redes públicas municipais, o governo estadual visa garantir, aos alunos, equidade na aprendizagem e menor variação de conteúdos em caso de mudanças de rede de ensino, facilitando também a transição entre
nacionais, nas quais foram traçadas linhas para a educação brasileira que o Ministério tem ignorado. “Para nós, isso não é um debate da educação, já que os empresários têm uma visão utilitarista do tema, voltado para questões práticas das necessidades do mercado de trabalho, não para uma formação social ou humana, a formação global do ser humano. Por conta deste e de outros fatores, temos uma posição crítica sobre essa discussão da Base Nacional Curricular”, destaca o vice-presidente. Roberto Silva relata que esse documento é uma ofensiva do capital na educação, exemplificando a parceria do governo de Sergipe com a fundação Lemann, que segundo ele tem o objetivo de privatizar, ou seja, transformar a educação em um grande negócio para as empresas, “pois passa a vender computador e uma série de coisas, para o projeto educacional e empresarial que querem essas grandes empresas, por isso é nosso papel resistir, criticar e dialogar com os professores e os estudantes, para mostrar a problemática que seria isso para o futuro do nosso país”, conta Araújo. De acordo com o vice-presidente do SINTESE a nova Base sai bem ao gosto dos liberais e conservadores, que terá as habilidades socioemocionais “ensinando” aos estudantes, “que a vida não se resolve no rigor da luta pelos direitos sociais plenos, mas sim com ‘ empreendedorismo, empatia e cordialidade’, ou seja, formarão cordeiros bem adaptados ao sistema social vigente”, fala Silva. Um ponto polêmico é a proposta da Base incluir crianças de 0 a 5 anos, o que envolve as creches e pré-escolas. Vários movimentos da educação infantil tradicionais no Brasil argumentam que a proposta do MEC procura impor certos esforços para as crianças nessa faixa etária, como a pré-alfabetização, o que pode produzir danos ao desenvolvimento infantil, já que nesta fase elas deveriam desenvolver atividades lúdicas. Para os críticos, nessa idade as crianças aprendem brincando e o MEC teria a intenção de forçar um início de alfabetização na educação infantil. Os desafios de implementação são imensos: construção de currículos municipais e estaduais, formação de professores e reformulação de materiais didáticos. Além disso, há pontos que geraram discussões, como a exclusão dos termos “gênero” e “orientação sexual” e a antecipação da plena alfabetização para o 2º ano do Ensino Fundamental, além da continuação do ensino religioso obrigatório.
FOTO: EVANDRO SANTOS
N
o dia 20 de dezembro de 2017 o Governo Federal, por meio do Ministério da Educação (MEC), homologou a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O texto foi modificado diversas vezes e, em abril do ano passado, o Ministério apresentou ao Conselho Nacional de Educação (CNE) a 3ª e definitiva versão da Base. O documento estabelece aquilo que todos os alunos têm o direito de aprender em cada etapa da educação básica. Com a homologação do documento, que foi aprovado pelo CNE, tiveram início as ações para levar os novos parâmetros estabelecidos na BNCC às salas de aula. As redes de ensino municipais e estaduais, as escolas e os professores serão os protagonistas desse processo de implementação. De caráter normativo, o documento define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica. Sua construção foi iniciada em 2014, sendo algo inédito no país. Conforme definido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996), a Base deve nortear os currículos dos sistemas e redes de ensino das Unidades Federativas, como também as propostas pedagógicas de todas as escolas públicas e privadas de Educação Infantil e Ensino Fundamental. Para a representante do Fórum de Educação Infantil de Sergipe,a professora Regina Araújo, o documento propõe unificar as influências e referências de cada instituição de ensino, e surge para solucionar um problema muito comum no Brasil. “Ao analisarmos os currículos escolares espalhados pelo país, é possível encontrar discrepâncias muito grandes. Com a Base, as escolas terão que elaborar seus currículos cumprindo as diretrizes gerais que consagram as etapas de aprendizagem que devem ser seguidas”, explica a professora. A Base estabelece conhecimentos, competências e habilidades que se espera que todos os estudantes desenvolvam ao longo da escolaridade básica. Orientada pelos princípios éticos, políticos e estéticos traçados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, a BNCC somase aos propósitos que direcionam a educação brasileira para a formação humana integral e para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. O texto engloba creche e pré-escola (educação infantil) e estudantes do 1º ao 9º ano (ensino fundamental). De acordo com o MEC, todas as instituições públicas e privadas deverão adaptar e rever os seus currículos em 2018, para iniciar a
Para o vice-presidente do SINTESE a Base é a nova versão da pedagogia empresarial.
JORNAL CONTEXTO 59
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É PRECISO BRINCAR PARA APRENDER: A EDUCAÇÃO NO TEMPO DA CRIANÇA Por Eric Almeida almeidafotografia@yahoo.com FOTO: ERIC ALMEIDA
Banner disposto na secretaria da EMEI José Calumby Filho - Primeira escola inspirada na pedagogia Waldor do Nordeste. Educação é mercadoria e a expansão do capitalismo nos coloca isso de forma muito clara. As tensões para uma educação voltada para ascensão no mercado de trabalho colocam em jogo o real papel educativo na vida das crianças desde muito cedo. Diante deste cenário encontramos, em todo Brasil, escolas com pedagogias fora do eixo tradicional de aprendizado, como as escolas de ensino Waldorf. A pedagogia Waldorf nasceu na Alemanha e tem como objetivo uma educação livre de pressões e normatividades. Além disso, procura desenvolver crianças livres, integradas entre si, socialmente competentes e moralmente responsáveis, ou seja, uma educação muito mais humanística e com apreço às artes como ferramenta de aprendizagem. Durante esse processo educacional a criança não é forçada a
inspirada na pedagogia Waldorf do Nordeste. “Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas”, a frase de Rubem Alves, grande pedagogo brasileiro, está estampada no muro da EMEI José Calumby Filho, porém a escola não foi feita estruturalmente para atender as necessidades de uma pedagogia mais libertadora. As paredes por toda a escola, que em sua maioria ainda estão brancas, poderiam ser utilizadas como espaço para expressão/estímulo artístico das crianças, enquanto que as cadeiras e mesas coloridas, dentro da sala de aula, não deveriam ter tanta informação, visto que o momento “brincar dentro”, como chama a professora Márcia Soares, deveria ser um espaço de contração de toda a energia despejada nos corredores e nos momentos de expansão.
“É muito importante gostar de aprender e isso é construído lá na escola” Em Aracaju existem algumas instituições que aplicam essa metodologia, como a Escola Micael, localizada no bairro Coroa do Meio, a Escola Jardim Arcanjo Rafael, localizada no Mosqueiro e, em especial, a Escola José Calumby Filho, localizada no conjunto 17 de Março, na periferia da capital - a primeira escola pública inspirada na pedagogia Waldorf do Nordeste. A escola está em funcionamento há pouco mais de um ano no Terra Dura, como também é conhecido o bairro Santa Maria, que faz parte da zona de expansão da cidade. Cenário este composto por alguns conjuntos habitacionais, casas e barracos em terrenos ocupados e visto pelo governo e a polícia como um lugar perigoso onde, frequentemente, são realizadas operações contra o tráfico de drogas. Dentro desse contexto cotidiano a
artístico das crianças, enquanto que as cadeiras e mesas coloridas, dentro da sala de aula, não deveriam ter tanta informação, visto que o momento “brincar dentro”, como chama a professora Márcia Soares, deveria ser um espaço de contração de toda a energia despejada nos corredores e nos momentos de expansão. A escola está em funcionamento há pouco mais de um ano no Terra Dura, como também é conhecido o bairro Santa Maria, que faz parte da zona de expansão da cidade. Cenário este composto por alguns conjuntos habitacionais, casas e barracos em terrenos ocupados e visto pelo governo e a polícia como um lugar perigoso onde, frequentemente, são realizadas operações contra o tráfico de drogas.
Dentro desse contexto cotidiano a professora Mayra Araújo fez a sua colocação: “A pedagogia Waldorf nasceu logo após a Primeira Guerra Mundial. Cê acha que o cenário de violência é muito diferente deste aqui? Eu acho que a escola não poderia estar em um lugar melhor…”. Buscar meios fora dos eixos para educação é um processo de desconstrução. Desconstrução para os professores, que mudam radicalmente seus planos de aulas para atividades lúdicas com o tempo definido pela criança. Desconstrução para os pais, que precisam compreender que ainda não é tempo de levar o caderninho para escola. Aprender a ler e escrever tão cedo não é mérito algum, orgulho é poder brincar de verdade enquanto há tempo!
“Esse é o nosso grande desafio: em uma estrutura tradicional aplicar uma metodologia diferenciada.” FOTO: ERIC ALMEIDA
um processo de alfabetização - estudos de letra e número - e sim estimulada a desenvolver atividades práticas que estimulem seu desenvolvimento e criatividade. “O que eu percebo (na pedagogia Waldorf) é o respeito à criança. Respeito a essa infância alegre, divertida e espontânea.”, colocou a professora Mayra Araújo que trabalha há mais de 4 anos com a pedagogia. O jornalista André Teixeira, é pai e há dois anos tem sua filha matriculada em uma escola Waldorf em Aracaju e afirma: Em Aracaju existem algumas instituições que aplicam essa metodologia, como a Escola Micael, localizada no bairro Coroa do Meio, a Escola Jardim Arcanjo Rafael, localizada no Mosqueiro e, em especial, a Escola José Calumby Filho, localizada no conjunto 17 de Março, na periferia da capital - a primeira escola pública
professora Mayra Araújo fez a sua colocação: “a pedagogia Waldorf nasceu logo após a Primeira Guerra Mundial. Cê acha que o cenário de violência é muito diferente deste aqui? Eu acho que a escola não poderia estar em um lugar melhor…”. Buscar meios fora dos eixos para educação é um processo de desconstrução. Desconstrução para os professores, que mudam radicalmente seus planos de aulas para atividades lúdicas com o tempo definido pela criança. Desconstrução para os pais, que precisam compreender que ainda não é tempo de levar o caderninho para escola. Aprender a ler e escrever tão cedo não é mérito algum, orgulho é poder brincar de verdade enquanto há tempo! “Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas”, a frase de Rubem Alves, grande pedagogo brasileiro, está estampada no muro da EMEI José Calumby Filho, porém a escola não foi feita estruturalmente para atender as necessidades de uma pedagogia mais libertadora. As paredes por toda a escola, que em sua maioria ainda estão brancas, poderiam ser utilizadas como espaço para expressão/estímulo
Márcia e Mayra (da esq. para dir.) têm suas aulas inspiradas pela pedagofia Waldorf na escola municipal José Calumby Filho em Aracaju e posaram para fotografia revelândo a satisfação de se sentir bem em sala de aula.
SAÚDE
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A DEPRESSÃO PODE AFETAR ATÉ MESMO OS BEBÊS E CRIANÇAS EM TENRA IDADE Por Leandro Gomes leandrogomes.ufs@gmail.com Para muitos: o mal do século XXI. A depressão é um problema que se faz presente (e não é possível deixar de falar sobre ela) quando nos referimos à saúde mental. Afeta, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) em seus dados mais recentes, cerca de 322 milhões de pessoas; 4,4% da população mundial e 5,8% dos brasileiros. Por sua vez, a depressão anaclítica é de um tipo pouco conhecido e menos falado de depressão – e por isso mesmo devemos falar sobre ela. Principalmente, porque é possível previnir o quadro com ações simples, mas de vital importância para o bebê, e que trarão um convívio familiar mais afetuoso e feliz. Conversamos sobre depressão anaclítica com a professora Milena Aragão, mestre em Educação pela Universidade de Caxias do Sul, doutora pela Universidade Federal de Sergipe, palestrante e psicóloga clínica e escolar. Além de pesquisadora com interesse na depressão, está promovendo o seu livro “Castigos Escolares: Conversando com Professores”, que saiu em parceria com a Editora Appris. Quando procurada pelo Jornal Contexto, respondeu-nos prontamente: “Essa discussão é de grande valia, pois realmente muitas pessoas nunca ouviram falar de depressão anaclítica e acabam, por causa de relações fragilizadas, onde imperam o abandono afetivo e a negligência, causando no bebê este tipo de depressão que pode matar se não tratada a tempo”, e complementou: “O interessante em abordar este tema é que tocamos num assunto fundamental: a importância do afeto como um dos “alimentos” que o bebê e a criança precisam para seu desenvolvimento psíquico, motor e cognitivo. Muitas pessoas ainda colocam as relações afetivas em segundo plano, mas sem elas o nosso corpo adoece e a depressão anaclítica é um efeito disso.” CONTEXTO: Doutora, o que é de fato a depressão anaclítica e qual faixa etária ela atinge? MILENA ARAGÃO: A depressão anaclítica é um tipo de depressão que acomete bebês, iniciando-se nos primeiros meses de vida, geralmente aos oito meses, fase na qual o bebê reconhece que existem pessoas externas a ele. Assim, na falta de um cuidador que construa vínculos afetivos, ele sente-se só, desamparado, levado a um processo depressivo. Foi inicialmente estudada por René Spitz (1887-1974), médico e psicanalista austríaco. Esta ocorre devido a uma privação de contato afetivo com pessoas significativas do seu meio externo (mãe e/ou cuidadores), seja em situação de um abandono ou em longo período de hospitalização sem a presença de um responsável que provenha o contato afetivo, por exemplo. É importante frisar que o contato afetivo é fundamental para o desenvolvimento do bebê. Assim como precisamos de alimento físico, também precisamos de alimento emocional. Isto é, carinho, abraços, colo, amamen-
tação, cama compartilhada, massagem, beijos e interação com brincadeiras que utilizem o corpo, pois são de suma importância para um desenvolvimento sadio. O contato afetivo estimula os hormônios de crescimento, melhora o desenvolvimento intelectual e motor; acalma, diminui o choro e auxilia na melhora do sono.
FOTO: TODOR ATANASOV
FOTO: ARQUVO DO BLOG DA ENTREVISTADA
A depressão anaclítica se manifesta nos primeiros meses de vida, e se não tratada, pode levar ao óbito. A falta de comunicação verbal deve ser compensada de outras formas. Discorremos à seguir, sobre o que você precisa saber para não passar por isso, com a nossa entrevistada, a psicóloga e escritora Dra. Milena Aragão.
CONTEXTO: Então ela pode ocorrer devido a falta de outras pessoas próximas que não a mãe? E no caso da depressão pós-parto, pode influenciar? MILENA ARAGÃO: Ocorre pela falta de uma pessoa que construa com ela um vínculo afetivo. Quando falamos de mãe, não precisa ser necessariamente “a mãe”, mas uma figura que faça a maternagem, que estabeleça um contato afetivo forte e duradouro. A depressão materna pode influenciar uma possível depressão anaclítica, porque a mãe vivencia, dentre diversos sintomas, a dificuldade de desenvolver uma ligação amorosa com o bebê. Isto é, a dificuldade de vincular com o bebê, sendo que o vínculo é de fundamental importância para o desenvolvimento saudável. É importante ressaltar que as primeiras vivências emocionais do bebê ajudam a formar suas redes sinápticas. Assim, se as vivências são positivas, com bom vínculo, em um ambiente afetivo, com toque, contato, afago, etc., o cérebro do bebê irá se desenvolver de maneira mais funcional. A psiquiatra infantil Joan Luby, da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington, comprovou em seus estudos, que o amor materno influencia fortemente a formação do cérebro: de acordo com a autora, o hipocampo, área cerebral que está associada com a aprendizagem e a emoção, bem como na formação de novas memórias, cresce duas vezes mais rápido em crianças cujas mães demonstram afeto e apoio emocional, quando comparado com as que não suprem essa necessidade, demonstrando que o vínculo, o contato, o abraço, a interação positiva e um ambiente saudável, são ainda mais importantes nos primeiros anos de vida. Em suma, o cuidado e as interações com os pais e cuidadores no início da vida são capazes de moldar a forma como as redes sinápticas se formarão. Ou seja: o afeto é fundamental para um cérebro saudável. É importante frisar, diante de tudo, que depressão pós-parto é algo muito sério! Depressão não é fraqueza, não é falta do que fazer, não é falta de Deus, não é falta de amor ao filho(a); é uma doença. Uma mãe com depressão pós parto precisa de ajuda e não de julgamentos. Quanto mais rápido a mãe buscar ajuda profissional, melhor será para ela e para o bebê. CONTEXTO: Como identificamos que a criança tem esse transtorno? MILENA ARAGÃO: Seus sintomas
são progressivos. Primeiramente, o bebê apresenta um comportamento choroso e grande apego ao cuidador, não conseguindo ficar sozinho e exigindo colo com frequência. Após cerca de um mês com falta ou restrição de contato afetivo passa a apresentar perda de peso e deficiência no desenvolvimento. A partir do terceiro mês, vivenciando a falta/restrição de contato afetivo, o bebê já recusa colo, permanecendo a maior parte do tempo no berço, de bruços, com o rosto escondido; também começa a ter insônia e intensificação da perda de peso. Há grande probabilidade de adoecimento físico e atraso no desenvolvimento motor, além de pouca expressão facial [face imóvel e olhar perdido] e grande letargia. Seu desenvolvimento cognitivo e motor reduzem ainda mais. CONTEXTO: Há semelhanças com o autismo nessas características? MILENA ARAGÃO: O autismo no bebê causa problemas no desenvolvimento da linguagem, nos processos de comunicação, na interação e comportamento social. O autismo no bebê se manifesta de diferentes formas, mas há alguns pontos em comum, como: precariedade na interação (contato visual, sorrir, brincar), dificuldades em seguir objetos visualmente, ignorar quando tentam chamar-lhe a atenção e não responder pelo nome a partir dos dez meses. Tais sintomas aparecem desde cedo no autista, antes dos oito meses já é possível percebê-los, ao contrário da depressão anaclítica. CONTEXTO: Mas há tratamento? MILENA ARAGÃO: Primeiramente, faz-se o diagnóstico (obtido através de observações sistemáticas), o qual ocorre a partir da correlação entre os sintomas do bebê e a avaliação da dinâmica familiar. Caso seja percebida, na avaliação da família, alguma privação do contato afetivo (abandono, negligência emocional) com relação ao bebê e caracterizada a depressão anaclítica, procede-se para o tratamento, o qual deve abranger todos os membros. Desta forma, é fundamental que os pais/ responsáveis passem por um processo psicoterápico para reorganização fami-
liar e individual. No caso do bebê, é necessário eleger um parente ou responsável para realizar o processo de maternagem, isto é, um adulto que proverá o bebê do contato afetivo que lhe faltou. Exemplo: Quando fiz a maternagem de um bebê que foi abandonado no hospital, foi necessário que eu passasse bastante tempo com ele no colo, acariciando-o, cantando para ele, deixando-o sentir o calor do meu corpo, meus batimentos cardíacos, minha voz, minha respiração. Foi uma dose extrema de afeto. [tratamento medicamentoso é necessário quando o caso mostra-se muito grave]. CONTEXTO: E quais as consequências da depressão anaclítica nas demais fases do desenvolvimento – principalmente na idade escolar e fase adulta? O que se pode observar sobre a formação da personalidade de pessoas que passaram por essa depressão? MILENA ARAGÃO: Bebês que passaram por depressão e não foram cuidadosamente tratados, tendem, na fase escolar, a ter dificuldades no desenvolvimento cognitivo e emocional, podem apresentar dificuldades na aprendizagem, transtornos de ansiedade, transtornos alimentares, comportamentos agressivos ou apáticos, dificuldades de vínculo, problemas de sono, episódios de fobia, baixa auto estima, entre outros sintomas. Na fase adulta, podem continuar a apresentar sintomas de depressão e transtornos de ansiedade e/ ou alimentares, além de baixa auto-estima. CONTEXTO: A depressão anaclítica ocorre apenas quando há o rompimento emocional? Quais são os principais fatores que podem fragilizar ou causar esse rompimento? MILENA ARAGÃO: Basicamente a depressão anaclítica ocorre por abandono ou negligência emocional, isto é, vivenciar uma extrema falta de atenção às suas necessidades emocionais. No momento em que a criança sofre abandono emocional, o que ela experimenta é uma sensação de desamparo que, algumas vezes, é suprida com bens materiais. Muitas pessoas
acreditam que o bebê só precisa estar alimentado e higienizado. Não entendem que o choro, por exemplo, pode ser por falta de contato físico, de carinho e não necessariamente por falta de alimento. Deixar a criança chorando até dormir, não pegar no colo, deixar longos períodos no carrinho ou no berço, ter contato apenas em momentos de amamentação e banho, não interagir ou interagir precariamente com o bebê, pode causá-la. É vital para o bebê o carinho, o contato pele-pele, o estabelecimento de vínculo com um adulto, a atenção individualizada, a interação, o aconchego, o colo, o abraço, a conversa, a cama compartilhada, o “sling” (suporte canguru para bebês), etc.. Para que ele cresça saudávelvel, seguro e feliz. CONTEXTO: Li que para crianças “emocionalmente mais frágeis” assimilarem rupturas naturais com a mãe como o desmame e a necessidade de internação nos primeiros meses, assim como eventuais problemas mentais (psicopatologias) da mãe é mais difícil. MILENA ARAGÃO: É preciso um olhar para a mãe ou cuidador e para o bebê, amparando ambos, pois se há a depressão anaclítica, então há, também um problema com o adulto cuidador. É importante que pensemos na criança dentro de um contexto familiar. Não é adequado cuidar da criança sem cuidar da família. CONTEXTO: Quais as suas considerações finais? MILENA ARAGÃO: Infelizmente, é justo na primeira infância que as crianças vivenciam o maior número de violência doméstica, sofrem castigos físicos e humilhantes, tão prejudiciais para um desenvolvimento cognitivo e emocional saudáveis. Penso que essa matéria é fundamental para chamar a atenção dos adultos, no que tange aos cuidados com as crianças, mostrando a importância da afetividade. Finalizo com a indicação do filme “O Começo da Vida”, o qual diz que “o afeto é a fita isolante das ligações entre neurônios”. Sim, o afeto faz um bem enorme ao cérebro!
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BRASIL DEVE TER 12 500 MIL NOVOS CASOS DE CÂNCER INFANTIL EM 2018
Inca divulgou a previsão sobre a incidência de câncer infantil e os tipos mais prevalentes nesses casos Por Aline Wilma alinewilma@hotmail.com
FONTE: RCBP ARACAJU
ele, e a partir daí a gente tem chance de fazer mais rápido os exames e adiantar os procedimentos necessários. Quando há sinal de suspeita de câncer o atendimento e a triagem são realizados na mesma hora no Huse”. Atualmente, o Centro de Oncologia Dr. Oswaldo Leite (COOL), localizado no Huse, conta com uma equipe de oito oncologistas pediátricos, além de enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais. Os sinais e sintomas para identificar o câncer infantil também estão relacionadas a outras doenças benignas mais comuns na infância, como febre prolongada, vômitos, emagrecimento, sangramentos, adenomegalias generalizada (gânglioslinfáticos inchados), dor óssea generalizada, palidez, cefaleias, alterações da visão, dores abdominais e dores osteoarticulares. Esses sintomas gerais, em muitos casos, dificultam a suspeita e o diagnóstico do câncer nas crianças e nos adolescentes. Portanto, os cuidadores (pais ou responsáveis) devem estar atentos ao surgimento de algum sinal de anormalidade e levar a criança ou o adolescente ao pediatra para que seja feita a avaliação necessária. É fundamental que os profissionais de saúde estejam capacitados para contextualizar os achados clínicos com a idade, sexo, associação de sintomas, tempo de evolução e outros dados, para
TRATAMENTO O tratamento para combater o câncer é aplicado de forma ponderada e individualizado para cada tumor específico, de acordo com a idade do paciente e o estado ou o grau de disseminação da doença. A finalidade do tratamento é eliminar as células que estão se dividindo rapidamente, entretanto, podem provocar efeitos colaterais como náuseas e vômitos, queda de cabelo, aftas, lesões na mucosa da boca e alterações no sangue. O acolhimento deve ser realizado por uma equipe multiprofissional de vários especialistas (oncologistas pediatras, cirurgiões pediatras, radioterapeutas, patologistas, radiologistas, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas, farmacêuticos) para que o resultado do tratamento seja um sucesso. De acordo com a Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (Sobope), existem quatro formas de tratar a doença: a Quimioterapia, a Cirurgia, a Radioterapia e o Transplante de Medula Óssea. José Jairo Santana Carvalho, 27 anos, de Paripiranga, na Bahia, gerente de uma loja de material de construção, foi diagnosticado com linfoma na virilha aos 10 anos de idade. Seu tratamento durou dois anos, com sessões de quimioterapia e de radioterapia. Ele conta que sua jornada teve início quando a sua avó materna encontrou um pequeno caroço ao lhe dar banho. Na época, ele foi diagnosticado erroneamente pelo hospital de sua cidade, o que resultou no adiamento do tratamento adequado. “Com o tempo o caroço começou a crescer e eu tive muita febre e dores nas pernas, e fui encaminhado para Aracaju. Quando cheguei, eu lembro que fui para a emergência e fiz vários exames, e logo foi marcado a primeira cirurgia com a Dr. Margarete Menezes, que depois de fazer a biopsia, me encaminhou para a oncologia do Hospital João Alves Filho para começar o tratamento com o Dr. Ancelmo Mariano”. Porém, a cura não se baseia somente na recuperação biológica, também são necessários outros aspectos para beneficiar o bem-estar e a qualidade de vida do paciente, como o apoio da família, dos amigos e de voluntários.
Jairo relata que a descoberta da doença abalou a estrutura emocional da sua família. “Na época eu era pequeno e não tinha muita noção do que estava acontecendo, mas lembro que minha família ficou bastante abatida. Também tinha um pouco de preconceito porque as pessoas não sabiam direito o que era a doença, aqui na região acho que fui um dos primeiros casos que apareceu, então eu sofri um pouco com isso”, recorda. Para ele, o apoio da mãe e dos voluntários foi essencial para que não perdesse a vontade de lutar contra o câncer. Atualmente, Jairo tem dois filhos e diz desfrutar da vida com energia e esperança renovada. CASAS DE APOIO As casas de apoio são organizações sem fins lucrativos, legalmente constituídos sem qualquer vínculo com empresas privadas prestadoras de serviços à saúde, que realizam serviços de José Jairo Santana Carvalho venceu a cunho social. Essas instituições abriluta contra o cancêr e atualmente desgam pacientes carentes, o que facilita o fruta da vida com energia e esperança atendimento e a continuidade do tratarenovada. mento do acolhido. Também recebem doações de alimentos, ajuda de custo com transporte, medicamentos, rou- radores em diversas áreas de atuação e pas, brinquedos, cestas básicas e toda 100 voluntários, capacitados para atuar uma ajuda psicológica, pedagógica, nos projetos. espiritual e promovem várias atividaPara Fred Gomes, supervisor de codes desempenhadas por profissionais municação social do GACC, o trabalho e voluntários incansáveis. Em Sergipe, voluntário prestado pela instituição é as Casas de Apoio Associação dos Vo- essencial para assegurar um tratamenluntários a Serviço da Oncologia em to digno durante a luta contra o câncer. Sergipe (Avosos) e o Grupo de Apoio à “É a importância da humanização, que Criança com Câncer de Sergipe (GACC/ traz um tratamento de qualidade, de SE) auxiliam as crianças e adolescentes amor, tendo a garantia de que o tratacom câncer e aos seus familiares. mento não será interrompido por falta O GACC promove várias ações e de exames, medicamentos e consultas”, projetos de assistência e pedagogia garante. de forma lúdica, presta assistência em exames, consultas, medicamentos, ajuda de custo, além de proporcionar entretenimento e cursos para os acolhidos e seus familiares. Atualmente, a organização atende 52 crianças e adolescentes e conta apoio de 49 colabo-
FOTO: GACC/SE
fantil, que pode surgir entre as idades de zero aos 19 anos, corresponde a um grupo de várias doenças que têm em comum a proliferação descontrolada de células anormais (neoplasias) e que pode ocorrer em qualquer local do organismo. Os tipos de tumores mais frequentes nessa faixa etária são as leucemias, os do sistema nervoso central e linfomas. Esses tipos de tumores podem ser subdivididos em dois grandes grupos: tumores hematológicos, como as leucemias e os linfomas; e tumores sólidos, como os do sistema nervoso central, tumores abdominais (neuroblastomas, hepatoblastomas, nefroblastomas), tumores ósseos e os tumores de partes moles (rabdomiossarcomas, sarcomas sinoviais, fibrossarcomas), entre outros. As crianças portadoras de malformações e síndromes clínicas demandam mais atenção, pois estão associadas a um maior risco de desenvolvimento de neoplasias. Também é preciso destacar que o câncer infantil apresenta origem histológica (formação de tecidos biológicos) e comportamento clínico diferentes do câncer em adultos. Sua origem é predominantemente de células embrionárias, tem um menor período de latência, e geralmente possui um crescimento rápido. Por essas razões, é que se faz necessário uma confirmação precoce das sus-
que se possa fazer uma suspeita correta e conduzir o caso de maneira rápida e eficaz. Assim, esses profissionais qualificados evitam que os pacientes a recorrerem à assistência médica várias vezes no decorrer das semanas, meses, sempre com a mesma queixa ou com o agravamento da situação que os levou a procurar a primeira vez um serviço de saúde. Além disso, os pais têm de estar atentos para exigir dos profissionais de saúde um encaminhamento médico, protocolo essencial para realização de consultas com especialistas e exames laboratoriais.
FOTO: ARUIVO PESSOAL
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Instituto Nacional do Câncer peitas diagnósticas, e assim, agilizar o José Alencar Gomes da Silva encaminhamento para o início do tra(Inca) especula que ocorrerão tamento. cerca de 12.500 novos casos de câncer infantil em 2018. No Brasil, o câncer é a DIAGNÓSTICO doença que mais mata crianças e adoO oncologista pediátrico Venâncio lescentes e a segunda causa de óbito Gumes Lopes, que atua no Hospital de neste grupo etário, superada somente Urgências de Sergipe Governador João pelos acidentes e mortes violentas. Em Alves Filho (Huse), esclarece que não 2014, o câncer infanto-juvenil causou existe um sintoma específico que irá 2.724 mortes no país. Mas, atualmente, alertar sobre o câncer. “Às vezes, alguns em torno de 80% das crianças e ado- sinais são inespecíficos. Não existe um lescentes acometidos de câncer podem sinal de câncer, é um conjunto de fatoser curados, se diagnosticados precoce- res. Por isso, que a avaliação é bem immente e tratados em centros especiali- portante”. zados. Ele revela que cerca de 50% dos caO Registro de Câncer de Base Popu- sos de câncer infantil que chegam ao lacional (RCBP), o coletor de dados de Huse, tiveram um diagnóstico tardio. todos os pacientes com diagnóstico de “Nós temos que ter um pediatra com câncer residentes em uma área geográ- um olhar mais atento, pois a partir do fica delimitada, apurou que no período momento que esse sinal suspeito surge, de 2009 até 2013 existiam 146 casos de ele encaminha logo para o especialiscâncer infantiL, na cidade de Aracaju. ta. Porque se for câncer fica logo com a De acordo com o Inca, o câncer in- gente, senão nós devolvemos o caso a
o Grupo de Apoio à Criança com Câncer de Sergipe (GACC/SE) acolhe 52 crianças e adolescentes e conta com o apoio de 49 colaboradores em diversas áreas de atuação e 100 voluntários..
SAÚDE
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Em agosto de 2017 foi lançada na Netflix a primeira temporada da série Atypical, a qual retrata a vida de Sam, um garoto de 18 anos portador do transtorno de espectro autista, que mesmo diante do preconceito e dos impasses sociais, resolveu levar uma vida normal de adolescente a partir das terapias e do incentivo de sua psicóloga. Também em 2017, outra série lançada na Netflix que aborda temas psicológicos foi thirteen reasons why. A série narra a história de Hannah Baker, uma adolescente que se suicida a partir de várias situações conflituosas que ocorreram em sua vida
MEDICALIZAÇÃO IRRESPONSÁVEL DE REMÉDIOS TARJA PRETA NA INFÂNCIA Por Luara Pereira luara_p@yahoo.com.br
tos. Para a psicóloga Roselane Cristina, uma criança pode apresentar sintomas de hiperatividade ou falta de concentração e mesmo assim não possuir nenhum transtorno de causa biológica. O ambiente familiar desestruturado é um dos principais motivos sociais que causam sintomas semelhantes ao transtorno de défict de atenção, o que faz com que muitas vezes esse fator social seja confundido por um fator patológico. “Uma criança que é criada num ambiente familiar autoritário tem muitas chances de desenvolver transtornos, que podem ser facilmente tratados a partir de terapia, sem a intervenção de remédios”, apontou ela. De acordo com dados de 2012, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de 8% a 12% das crianças no mundo foram diagnosticadas com TDAH. Os dados revelaram também que o principal motivo que as levam aos médicos é a suspeita cotidiana dos pais de que os filhos possuam o transtorno. Além do ambiente familiar, outro local em que os sintomas do TDAH são também bastante apontados é na escola. No âmbito educacional, a presença do profissional de psicopedagogia é de extrema importância, visto que, são eles que analisam os problemas de aprendizagem em sala de aula e seus possíveis fatores. Segundo Vera Lúcia Batista da Silva, presidenta do núcleo aracajuano da Associação Brasileira de Psicopedagogos, “um dos principais papéis dos psicopedagogos institucionais é observar as crianças que são extremamente quietas, que não prestam atenção em sala de aula ou que estão sempre em conflito com os colegas. Os profissionais em atuação podem procurar a coordenação da escolar, fazer um relatório, além de ter autonomia em solicitar que a criança analisada seja encaminhada a um psicólogo para que eles também possam fazer os acompanhamentos”, declarou a psicopedagoga. A análise de comportamento das crianças é a base da função dos psicopedagogos, entretanto, é pertinente questionar até que ponto comportamentos como desatenção e hiperatividade podem ser considerados uma doença. Ao analisar os modos contemporâneos de comportamentoS sociais, percebe-se que a maioria das crianças crescem imersas dentro de ambientes extremamente interativos e tecnológicos, cercadas por TV’s Video Games, Smarthphones, o que podem ser considerados fatores sociais que contribuem para o surgimento de sintomas como desatenção, hiperatividade, entre outros, não sendo necessariamente uma desordem biológica. De acordo com a psicóloga Roselane, há diferenças visíveis que podem distinguir uma criança que possui biologicamente um trans-
torno de outra que não possui, sendo o principal aspecto o modo exagerado de um comportamento natural de uma criança. “A criança hiperativa é diferente de uma criança danada. A criança hiperativa é mais agitada, ela tem um sono ruim, ela acorda toda hora, mexe com os colegas em sala de aula. A partir desses comportamentos exacerbados que a gente pode apontar algum sintoma”. É de grande importância possuir um diagnóstico correto, pois o uso de medicamentos tarja preta de forma irresponsável podem gerar vários efeitos colaterais. Segundo o pediatra, psiquiatra e psicanalista Wagner Ranña, em entrevista a Revista Carta Capital, além de causar dependência, a Ritalina provoca muitos outros efeitos colaterais: as crianças emagrecem, têm insônia, podem ter dor de cabeça e até incontinência urinária. Dessa forma, para evitar resultados imprecisos, algumas das ferramentas usadas pelos profissionais envolvidos no diagnóstico de transtornos mentais são os manuais. Um deles é o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais, que foi criado pela Associação Americana de Psiquiatria e apresenta critérios para que as pessoas que possuem determinados sintomas possam se enquadrar e ter um resulta-
“uma criança pode apresentar sintomas de hiperatividade ou falta de concentração e mesmo assim não possuir nenhum transtorno de causa biológica”
do preciso. Outro manual também importante e bastante utilizado é o manual da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID 10), organizada pela Organização Mundial da saúde (OMS). Para a psicóloga Roselane Cristina, os manuais são de extrema importância para auxiliar os profissionais com as investigações de diagnósticos. As alternativas de tratamento para além da medicação são várias e, para alguns profissionais, são até mais eficazes que os tratamentos a base de medicamentos. Para a psicopedagoga Vera Lúcia, o uso de remédios tem que ser o último caso. “Existem técnicas bem melhores do que remédio, porque a medicação muitas vezes dopa a criança, deixando ela sonolenta, fazendo com que ela não renda o que podia render. É só o profissional saber aplicar adequadamente as atividades de acordo com os sintomas que a criança apresenta, inclusive dentro da sala de aula”, declarou. Para a psicóloga Rose Cristina, também há alternativas de tratamento sem intervenção de remédios, “dentro da psicologia há várias alternativas, como a terapia, a cura pela fala, o trabalho com jogos de concentração, jogos de memória e de socialização”, apontou ela. IMAGEM DE VIVIAN OLIVEIRA
Em agosto de 2017 foi lançada na Netflix a primeira temporada da série Atypical, a qual retrata a vida de Sam, um garoto de 18 anos portador do transtorno de espectro autista, que mesmo diante do preconceito e dos impasses sociais, resolveu levar uma vida normal de adolescente a partir das terapias e do incentivo de sua psicóloga. Também em 2017, outra série lançada na Netflix que aborda temas psicológicos foi Thirteen reasons why. A série narra a história de Hannah Baker, uma adolescente que se suicida a partir de várias situações conflituosas que ocorreram em sua vida Nota-se que a atenção dada na mídia sobre temas psicológicos na infância e adolescência vem crescendo e juntamente a isso, alguns dados apontam que o uso de medicamentos tarja preta consumidos no tratamento de tais transtornos também aumentaram. Um desses exemplos é mostrado pelo Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos, o qual revelou que em 2015, o Brasil ocupava segundo lugar no ranking mundial dos consumidores do Metilfenidato, popularmente conhecido como Ritalina, perdendo apenas para os EUA. A ritalina é uma droga tarja preta usada no tratamento do Transtorno do Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade (TDAH), distúrbio que atinge em sua maioria crianças e adolescentes e que incluem sintomas como, por exemplo, dificuldade de concentração, inquietação, dificuldade de aprendizagem, entre outros sinais. O processo de medicação em crianças com Transtorno do Déficit de Atenção, por exemplo, é complexo, pois não há um exame laboratorial específico para diagnosticar a presença desse distúrbio, o que demanda uma delicada investigação médica, neuropsicológica, educacional e social para obter um diagnóstico correto. Para Roselane Cristina de Sandes, psicóloga especializada em transtornos psicológicos na infância, não se fecha um diagnóstico a partir de um profissional só, mas a partir de um trabalho em conjunto. “Não se diagnostica uma criança com TDAH, por exemplo, a partir de um profissional sozinho. É um trabalho multidisciplinar, que precisa de um profissional da fonoaudiologia, da terapia ocupacional, da psicologia, até o ponto que realmente se precisa de um neuropediatra para trabalhar a medicação”, afirmou Rose. Entretanto, essa investigação em conjunto, tão necessária para um diagnóstico certeiro, nem sempre acontece. Fatores sociais, como o ambiente em que a criança convive, e o seu contexto histórico muitas vezes é deixado de lado em detrimento de um diagnóstico rápido e fácil que inclui, na maioria das vezes, a intervenção de medicamen-
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MAMÃE, EU QUERO ALFACE
A decisão que parte dos pais e tem diversas consequências, como é a vida de crianças que não comem carne
Por Clarissa Martins e Lourdes Morante clarissamartins@hotmail.com / moranteluli@gmail.com O vegetarianismo e o veganismo são escolhas de vida que ultrapassam o âmbito da alimentação e condizem com princípios políticos, éticos, morais e até mesmo questões de saúde. Ao percebê-los enquanto escolha, é sugestiva a associação com adultos, mas existem crianças vegetarianas e veganas, seja por decisão dos pais, seja por escolha própria ao crescer. A vida de Bernardo Oliveira enquanto criança vegana tem influências de fatos muito anteriores ao seu nascimento. Sua mãe, Beatrize Oliveira, passou por inúmeras tentativas falhas de mudar seus hábitos alimentares e tornar-se vegana, mas assume que é difícil abandonar um costume que já é cômodo e por vezes falta a força de vontade para tal mudança. A ausência de apoio alimentar dentro da própria casa foi um dos fatores que provocou suas desistências. Ao saber da sua gravidez Beatrize estabeleceu como meta não proporcionar o consumo de carne a criança que estava gerando, uma forma de produzir através do filho forças para concluir suas próprias mudanças. “As crianças aprendem bastante por imitação, se ele me visse comendo, iria querer comer também.”,comenta. Quando Bernardo completou seis
meses de vida, idade em que os bebês são introduzidos alimentarmente e suas refeições expandem para além do leite materno, sua mãe procurou por pediatras ou nutricionistas que fossem veganas para facilitar o processo. Encontrou apenas uma nutricionista vegetariana, que tinha como ponto positivo a elucidação de suas dúvidas básicas, mas o ponto negativo era o preço da consulta, pois a nutricionista não atendia pelo plano de saúde de Beatrize. Atualmente Bernando possui um ano e um mês, sua mãe mantém sua alimentação vegana e a amamentação. Ela explica que segue uma tabela de cardápio para montar os pratos do filho, de maneira que não falte nenhum nutriente ou vitamina. “Ele toma suplementação de ferro e vitamina D, e agora que fez um ano vai começar a tomar vitamina B12.”, complementa. Existem períodos da alimentação mais complicados, em que Bernardo rejeita determinados alimentos, mas que são fases comuns a qualquer criança e não implicam em grandes problemas para Beatrize. As maiores dificuldades para Beatrize são a falta de profissionais especializados, ou ao menos preparados para lidar com formas de alimentação que fogem do “tradicional”. Além do problema que já lhe atingia antes de ter Bernardo, a falta de apoio familiar, pois todos os moradores restantes da casa comem carne nas refeições. Eles respeitam a decisão, não oferecem alimentos provenientes de animais para Bernardo, mas ao mesmo tempo questionam o propósito da mãe. Sobre o futuro Beatrize pensa na procura de escolas que respeitem a sua escolha sobre a alimentação do filho. Para ela o item primordial é o direito de escolha de Bernardo, a partir do momento que ele tiver entendimento su-
ficiente e capacidade de decisão. Suas afirmações baseiam-se em explicar que o veganismo na vida do seu filho não é uma questão ditatorial, porém que não iria partir dela a inserção do consumo de alimentos que não condizem com seus princípios. Seu objetivo é educá-lo com conhecimento e informações necessárias para que depois ele possa fazer suas próprias escolhas de forma consciente. O relógio marca meio dia e o almoço está na mesa. O prato de Felipe é de dar orgulho a qualquer mãe. Nele estão dispostos legumes, vegetais, grãos e nada, mais nada de origem animal. Filho de ovolactovegetariano e mãe vegetariana, Felipe nunca comeu nada proveniente de animais, o garoto é ovolactovegetariano há dez anos e nunca pensou em alterar ou desistir do estilo de vida que leva. Orgulhoso, segundo o pai, diz não ter vergonha ou receio de dizer que não consome animais. Com filho vegetariano desde o berço, Gilcélio Almeida, pai de Felipe não nega que escolher ser e ter um filho ovolactovegetariano foi tarefa fácil e que a decisão de criar um filho que não consome animais é muito mais um ato político, do que algo meramente estético. “Quando chegam no meu consultório dizendo que querem ter um filho vegetariano porque acham ‘bonitinho’ peço para repensarem a decisão. Ser vegetariano não é ‘bonitinho’, é uma escolha séria, é um ato político’’, argumenta. Gilcélio explica que embora o número de crianças vegetarianas seja notoriamente menor do que crianças onívoras - o que constantemente gera polêmicas quando se discute a decisão de criar uma criança vegetariana em um mundo majoritariamente consumidor de animais - as interações sociais de Felipe com seus amigos e familiares próximos nunca foram um problema. Além disso, relata que a aceitação de Felipe enquanto ovolactovegetariano foi extremamente natural desde o começo, o que resultou em uma boa ad-
VERDADES
MITOS
1. A falta de proteínas da carne pode afetar a formação estrutural/ cognitiva da criança. 2. Crianças veganas são menos saudáveis devido a falta de absorção da vitamina B12, presente apenas em alimentos de origem animal. 3. Crianças que não comem carne são anêmicas. 4. Crianças veganas serão carentes de cálcio. 5. Crianças que não comem carne serão excluídas socialmente devido a escolha dos seus hábitos alimentares.
1. A falta de proteínas no geral afeta o desenvolvimento da criança, podendo causar até desnutrição. A formação estrutural/cognitiva da criança que não come carne não será afetada, desde que ela tenha uma dieta baseada em alimentos de origem vegetal ricos em proteínas, como lentilha, castanha e feijão. 2. É verdade que a vitamina B12 só pode ser encontrada em produtos de origem animal, no entanto o nutricionista Gilcélio Almeida explica que a necessidade de obtenção de forma externa dessa vitamina não é constante, ela se recicla no organismo de forma natural. Para uma criança ter carência dessa vitamina é necessário que ela desenvolva alguma insuficiência decorrente de outros fatores para além do veganismo, além disso só é levado em consideração o veganismo como maximizador de insuficiência da B12 após a criança passar mais de oitos anos sem contato com produtos de origem animal. 3. A anemia em crianças veganas não é regra e não acontece mais do que em crianças onívoras. Segundo o nutricionista Gilcélio Almeida, pais de crianças veganas tendem a se
missão e interações saudáveis. Surpreendentemente, Felipe mede aos dez anos o mesmo que se espera de uma criança de quatorze. Tem um peso dentro da média em relação ao seu tamanho e é visivelmente saudável. Sua saúde tem relação direta com os hábitos alimentares que carrega. Não possui apetite por coisas extremamente doces, nem salgadas e iogurtes, brigadeiros, pipocas com manteiga jamais entraram no cardápio de Felipe. Seu paladar o tornou exemplo para as demais crianças que o rodeiam, seu primo mais novo, Guilherme, que era um verdadeiro odiador de legumes, depois de ver como Felipe apreciava os que tinham em seu prato, começou a incluir aos poucos os “monstros verdes” que assombravam suas refeições. Encontrar crianças com paladares viciados em açúcares e sal é cada vez mais comum. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 80% dos alimentos consumidos atualmente tem açúcar e sal excessivo em sua composição. Diante disso, crianças ovolactovegetarianas como Felipe são exemplos quando se trata de contrariar o denominado “paladar infantil”, ou vício em cardápios poucos variados e não saudáveis. A decisão direcionada pelos pais e, posteriormente feita por ele, é majoritariamente ética e moral, mas também está atrelada à saúde. Diferente de pais onívoros, que geralmente não são questionados sobre a decisão de incluir carne na alimentação dos filhos, os pais de crianças vegetarianas e veganas passam por interrogações e precisam de um maior esforço para seguir com seus princípios. Entre piadas nos churrascos de domingo, uma dieta livre de sofrimento animal e uma família que o apoia, Felipe segue levando uma vida normal de uma criança de dez anos. A única diferença entre ele e os demais da sua idade é que para seu prato do almoço ficar completo nenhum animal foi sacrificado.
preocupar mais com os alimentos que seus filhos consomem devido ao perigo de conter algo de origem animal, dessa forma, a dieta dessas crianças resulta ser muito mais balanceada e rica em nutrientes, livre de produtos excessivamente açucarados e gordurosos evitando assim, uma possível anemia. 4. A quantidade necessária de cálcio para uma boa saúde não advém somente do leite e pode ser obtida pelo consumo vegetal. O nutricionista Gilcélio Almeida afirma que a absorção do cálcio disponível em um copo de suco de couve é maior que um copo de leite de vaca. Além disso, o organismo humano não é preparado para receber a quantidade excessiva de cálcio que há no leite animal, o que dificulta a absorção de outros nutrientes como o ferro e provoca intolerâncias. 5. A socialização para crianças veganas e vegetarianas em ambientes escolares, familiares e círculos de amizades próximos pode ser hostil - assim como também é para crianças onívoras - devido ao possível preconceito de terceiros. A participação familiar no processo de formação da identidade da criança é fundamental e indispensável, se a criança tem apoio familiar em suas decisões não gerará problemas maiores e será igualmente aceita nos diferentes grupos que está inserida.
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TRABALHO NÃO É BRINCADEIRA DE CRIANÇA A complexidade da “meia infância”: cerca de 2,7 milhões de crianças e adolescentes ainda estão em situação de trabalho infantojuvenil no Brasil Por Labely Rairai labelyrai@gmail.com
FOTO: LABELY RAIRAI
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entados com uma caixinha de isopor sob forte sol das três da tarde, os irmãos José (10) e Natanael (13) exercem com “seriedade de criança”, uma atividade aparentemente simples e inofensiva, entretanto, imprópria e problemática: vender os geladinhos feitos por uma vizinha. Segundo as crianças, as vendas bem sucedidas garantem no fim do dia um “lucro” que varia entre R$5 e R$8, utilizado na compra de doces – especialmente bolos e pudins –, e para complementar a renda da mãe, ajudante de cozinha que sozinha, precisa garantir o sustento de nove filhos, desde que o marido, que a auxiliava com uma pensão no valor de R$10, “sumiu”. Matriculados no turno da manhã em uma escola da rede pública e trabalhando pela tarde, as visões das crianças com relação ao trabalho que realizam diferem quando perguntadas sobre suas preferências. “Prefiro vender porque depois o dinheiro compensa. Trabalho, vou para casa, depois brinco na praça”, explica Natanael. José, no entanto, se queixa, afirmando que “preferia ganhar dinheiro sem trabalhar”. Segundo ele, permanecer sob o sol durante toda a tarde lhe causa dores de cabeça. José e Natanael são personagens reais. Eles representam uma parcela das milhares de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, um dos mais graves problemas sociais do país. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), estima-se que o número de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantojuvenil no Brasil equivale a 2% do número no mundo, 168 milhões de meninos e meninas. Nos centros comerciais, faróis das grandes cidades, feiras livres, indústrias e lixões, em ambientes públicos e privados, as crianças e adolescentes em atividades como comerciantes ambulantes, engraxates e flanelinhas comumente se misturam à paisagem urbana, protagonistas de uma problemática social naturalizada e diariamente invisibilizada, nutrida principalmente pela falta de informação e aceitação social, defendida por argumentos historicamente construídos. Não obstante, a exploração de menores também se concretiza de forma sigilosa, sendo essa a mais comum e preocupante. O trabalho doméstico, bem como o aliciamento pelo tráfico e exploração sexual são os maiores exemplos de formas de trabalho infantil aos quais crianças e adolescentes são submetidos, na maioria das vezes, dentro da própria casa e ambiente familiar, configurando casos
Na foto, José e Natanael contam o dinheiro que arrecadaram com a venda de geladinhos. ainda muito mais difíceis de serem detectados. Comumente presente em minerações, carvoarias e atividades agrícolas, a mão de obra infantil está não só em centros urbanos, mas principalmente em áreas rurais. O QUE É O TRABALHO INFANTIL? De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei que determina condições de garantia integral dos direitos infantojuvenis, tais como acesso à educação, saúde, esporte e lazer, bem como cuidados de um responsável, definidos no artigo 227 da Constituição Federal, o trabalho infantojuvenil é expressamente proibido para menores a 14 anos, havendo ressalvas apenas para
aqueles que a partir dessa faixa etária, trabalharem em condição de aprendiz. A partir de 16 até os 18 anos incompletos, os jovens podem trabalhar em condições que não venham a comprometer seu desenvolvimento físico e mental, bem como a atividade escolar, estando proibidas “atividades noturnas, insalubres, perigosas e penosas”. Trabalho infantil é toda e qualquer forma de atividade exercida por crianças e adolescente com idades inferiores à permitida legalmente, sendo proibido no Brasil e constituindo, acima de tudo, crime. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2015, foram registradas cerca de 2,7 milhões de crianças e adolescentes
“o trabalho dignifica o homem ” “é melhor trabalhar do que roubar”
de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil no Brasil, muitas delas em atividades irregulares. De acordo com a pesquisa, quase 80 mil crianças de 5 a 9 anos estavam trabalhando, número que tem apresentado crescimento desde 2013. Os resultados também apontam que os registros de trabalhadores precoces correspondem a 5% da população. As regiões Sudeste e Nordeste do país apresentaram os maiores índices de proporção de crianças e adolescentes submetidos a algum tipo de trabalho infantojuvenil, sinal alarmante para o trabalho de erradicação, principalmente pela grande concentração de desigualdade social na região Nordeste.
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GRÁFICO: REDE PETECA/ FONTE: PNAD 2015
“QUANTAS VIDAS A GENTE TEM?” José sofreu dois acidentes aos oito anos, quando ainda vendia geladinhos para a irmã mais velha. O primeiro aconteceu enquanto tentava atravessar uma rodovia movimentada e não percebeu o carro que vinha em sua direção. Vítima de atropelamento, José teve um dos pés engessado durante um longo período. O segundo acidente, também envolvendo um veículo automobilístico, durante as vendas em uma feira livre do bairro vizinho ao que mora, não deixou sequelas físicas, mas fortes marcas psicológicas e emocionais que se escondem na sua inocência de criança. Em conversa, ele questiona: “Quantas vidas a gente tem? Mais de uma, né?! Que eu não morri”, brinca. Além de violar os direitos das crianças e adolescentes, o trabalho infantojuvenil pode acarretar impactos permanentes e irreversíveis, não só consequências graves ao desenvolvimento e formação física e psicológica, como também, e principalmente, dificuldades no desenvolvimento educacional e intelectual, o que reflete diretamente no processo de socialização das crianças e adolescentes, grupo que tem prioritariamente direito à proteção absoluta integral, garantida pela interação dos diversos setores da sociedade, como a família, comunidade, judiciário e Estado, níveis representantes das gerações adultas, todos em conjunto, segundo o ECA. O trabalho infantojuvenil não oferece qualquer condição adequada para o desenvolvimento das crianças e adolescentes, substituindo o tempo que deveria ser reservado somente para atividades extremamente necessárias ao seu desenvolvimento, como convivência familiar, brincadeiras, aprendizado e estudo, por responsabilidades que representam uma inversão de papéis e rotinas que as expõem constantemente a perigos e riscos de traumas. É também responsável por dificuldades no desempenho e abandono escolar, e consequentemente, o despreparo para o mercado de trabalho e ocupação de subempregos, por falta de qualificação profissional na idade adequada, bem como discriminação e marginalização. De acordo com o Ministério da Saúde, no Brasil, desde 2007, quase 40 mil crianças e adolescentes em situa-
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ção de trabalho infantojuvenil foram vítimas de algum tipo de acidente enquanto trabalhavam. Dessas, mais de 50% do registro de ocorrências, em casos mais graves, incluíam amputação de membros superiores e mortes. O Conselho Tutelar, junto com a política de atendimento e assistência a crianças e adolescentes, sob requisição do serviço público, é o órgão responsável por aplicar medidas protetivas aos jovens em situação de trabalho infantojuvenil, bem como encaminhá-los à assistência necessária, de acordo com suas vulnerabilidades. “Quando a criança ou adolescente está trabalhando na feira livre, por exemplo, nós aplicamos as medidas adequadas à condição em que o jovem se encontra, porque, na maioria das vezes, eles já estão em conflito com os pais, em situação de evasão escolar e abandono intelectual. São crianças com 14 anos de idade cursando o 2° ano do ensino fundamental. Nós os encaminhamos de acordo
com as condições e necessidades de acompanhamento, geralmente psicológico, centros e casas de reabilitação. Na verdade, o Conselho Tutelar é a comunidade ajudando a comunidade”, explica Iolanda Santos, conselheira coordenadora do 1° distrito de Aracaju, Sergipe. DA DESCONSTRUÇÃO DE IDEIAS AO TRABALHO COMBATIVO, ERRADICAR É DEVER DE TODOS Sob uma concepção normalizada e culturalmente consagrada no Brasil, o trabalho infantil é visto não como um problema estruturalmente social baseado e reprodutor de desigualdades, mas uma alternativa às famílias socialmente desfavorecidas, tanto para garantir o aumento da renda familiar, quanto para fazer com que as crianças e adolescentes criem responsabilidades, afastando-os das drogas e evitando o contato com a violência. A desconstrução de ideias como a de que “é melhor trabalhar do que roubar”, é o for-
talecimento da luta pelo rompimento da cultura do trabalho infantojuvenil. Além de constituir uma das mais violentas formas de violação de direitos, impedindo que crianças e adolescentes tenham um desenvolvimento físico, psicológico e social adequados, negando-lhes, muitas vezes, um futuro digno, a constância do trabalho infantil reflete significativa e negativamente como um retrocesso da sociedade, bem como torna um dever conjunto de todas as instâncias sociais, o engajamento no combate à violação de direitos e proteção das crianças e adolescentes. Segundo Lucimeire Amorim, coordenadora de Programas Assistenciais da Secretaria da Assistência Social e Cidadania de Aracaju, um dos órgão da rede de proteção dos direitos das crianças e adolescentes, a ação de erradicação do trabalho infantojuvenil é feita através da sensibilização e comprometimento de toda esfera social. “A gente trabalha muito nesta perspectiva de que erradi-
car o trabalho infantil não é responsabilidade só do município. Ela é da família, da sociedade e também do ente público, pela questão social e por várias outras, pois precisamos da intervenção do Estado. E é isso que tentamos mostrar, que mudar essa realidade é uma responsabilidade de todos. Há crianças que trabalham para se sustentar, sustentar a família, por questão de extrema pobreza. Um dos maiores obstáculos do trabalho de combate é a questão cultural, por muitos acharem que “o trabalho dignifica o homem” desde a infância, tendo a concepção de que quem trabalha vai ser um cidadão melhor, e a gente sabe que cientificamente não é assim. Crianças que trabalham mais cedo perpetuam o ciclo da pobreza e podem ser futuros cidadãos com trabalho precarizado, porque tiveram menos qualificação e processo educacional na infância. Então, é nessa linha que a gente trabalha. Sensibilizar e mobilizar é falar sobre o assunto. Nós dialogamos com a população, essa é nossa forma de intervenção, explica. Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), não há possibilidade de desenvolvimento justo se não alcançarmos a erradicação do trabalho infantil e escravo no país. Deste modo, é necessário que sejam desenvolvidas ações intersetoriais, sendo impossível o combate de maneira isolada. Um trabalho de combate à pobreza, serviços de orientação, assistência e das mais diferentes formas de desigualdade tão presentes no Brasil, é imprescindível nas ações de combate ao trabalho infantil. Existem algumas políticas públicas e ações desenvolvidas neste sentido, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e as práticas do Ministério Público do Trabalho, que juntos realizam uma intensa ação combativa. O Brasil não cumpriu a meta de eliminar todas as piores formas de trabalho infantil até 2016, acordo firmado junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT). De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a meta de eliminar as piores formas foi reagendada para 2020, sendo seguida pela erradicação de todas as formas de trabalho infantil, firmada para 2025.
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RECANTO DOS INOCENTES
Abrigo Girassol: lar de crianças e adolescentes que tiveram seus direitos violados Por Matheus Fernando mathewsfernando007@gmail.com
FOTO: MATHEUS FERNANDO
FOTO: MATHEUS FERNANDO
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á é a segunda vez que Eloisa (nome fictício) é abrigada. Na primeira foi vítima de violência física pela mãe biológica. Após passar um tempo no abrigo foi adotada, mas acabou não se adaptando a nova família e teve que retornar. Atualmente está em processo de reinserção familiar, no qual tentará voltar para casa. Os laços afetivos de Eloisa nunca foram quebrados, mesmo sendo vítima de violência, ela ainda nutre sentimentos pela mãe. Quando direitos referentes à vida, saúde, alimentação, educação e uma boa convivência familiar No abrigo as crianças participam de são negligenciados, a criança ou o atividades lúdicas diariamente . adolescente pode ser encaminhado para uma unidade de acolhimento institucional, conhecidos como “abrigo”, onde irá tentar junto com psicólogos, pedagogos, assistentes sociais, entre outros profissionais, restaurar os vínculos e, se possível, ter uma reinserção familiar. Só que nem sempre acontece isso, em vários casos, os pais não mudam, a situação permanece a mesma, e isso impede que aja a reinserção.
FOTO: MATHEUS FERNANDO
A esquerda a psicóloga Juliana, já a direita a assistente social Márcia Goes.
A pedagoga Aglaé Menezes é atual coordenadora do abrigo Girassol.
ABRIGO GIRASSOL O Abrigo Girassol é um espaço ligado à Secretaria Municipal do Desenvolvimento Social e do Trabalho (SEDEST) da cidade de Lagarto, coordenado pela pedagoga Aglaé do Nascimento Menezes. A capacidade atual do abrigo é para 20 pessoas e hoje na casa existem seis, sendo duas crianças, Miguel (1) e Elizabeth (2), e quatro adolescentes, Antônio Carlos (16), Antônio Paulo (14), Carlos Antônio (13) e Elenalda (17). Alguns deles estão lá há seis anos, como é o caso dos três irmãos adolescentes, já outros como Miguel estão há poucos meses. A equipe do abrigo é composta por coordenadores, psicóloga, assistente social, cuidadores, educadores sociais, cozinheiros, profissional de serviços gerais, vigilante e técnico em enfermagem. Esses profissionais fazem com que a rotina e tarefas sejam realizadas da melhor maneira. As crianças têm todos os momentos do seu dia pensados e coordenados por eles. Quando menor, a criança necessita de maior atenção, como conta Rafaela Poliana, cuidadora do abrigo. “Quando
é pequenininho a gente dá banho, um posicionamento através das suspeito estava nas duas localidades. comida, seguindo a rotina direitinho. orientações que irão receber, ou vão “Desses dois casos o que mais me Em relação aos maiores, a gente perder a guarda definitiva e a criança chamou atenção foi o da criança de nove orienta nas atividades escolares e vai para adoção”. anos. No atendimento percebemos o nas atividades do dia a dia como a Esta situação a qual a criança quanto ela se entristecia quanto ao organização.” e o adolescente são expostos causa ocorrido e por saber que o agressor Os trabalhos da psicóloga Juliana danos, que podem ser reparados com ainda aparecia nas proximidades do Goes, e da assistente social Márcia reinserção familiar ou não. A psicóloga seu domicílio. Além da violação quanto Goes são semelhantes. Juntas fazem o Poliana Goes conta que sempre irá ao abuso sexual, a família apresentava acompanhamento tanto dos abrigados, ter uma consequência, e quando expressivamente vulnerabilidade quanto de suas famílias. Elas têm acolhimento dura muito tempo acaba socioeconômica, a criança exibia como objetivo o fortalecimento causando o rompimento do vínculo. dificuldade no seu desenvolvimento dos vínculos sociais das crianças, “Não tem como você passar por uma escolar, demonstrava-se afetuosa para possivelmente tentarem uma tragédia da sua vida e não trazer um no falar mas, ao mesmo tempo, se reinserção familiar, porém existem impacto”, desabafa. misturava com tristeza”, revelou. casos em que o vínculo não consegue A psicóloga Juliana Goes conta que ser restaurado de forma alguma. Ambas durante o período de um ano e meio que ACOMPANHAMENTO FAMILIAR fazem atendimentos, o que muda é O Centro de Referência trabalha no abrigo, a história que mais o olhar de cada profissional para as Especializado de Assistência Social a chocou foi de um bebê recém nascido diversas situações. O abrigo oferece (Creas) é uma unidade pública da que sofreu agressão física e chegou oficinas, além de ser responsável pelo política de Assistência Social onde são com marcas roxas de espancamento. acompanhamento escolar e cuidado atendidas famílias e pessoas que estão A psicóloga se questionou quais os com a saúde das crianças. em situação de risco social ou tiveram motivos que aquela criança deu para seus direitos violados. A assistente que justificasse tal ato. “ O que faz uma DIREITOS NEGLIGENCIADOS social Amanda Gabriela do Carmo fala criança, um bebê para com o adulto Segundo a coordenadora Aglaé que o trabalho junto ao Abrigo Girassol para com que ele faça aquilo de volta”, Menezes, o abrigamento é a última é de acompanhamento das famílias desabafou.. instância, quando todos os direitos são tanto no momento em que as crianças violados, e não tendo família extensa e adolescentes estão abrigados quanto O QUE A LEI GARANTE que possa e queira cuidar da criança, desabrigadas. O Estatuto da Criança e Adolescente é acionado então o conselho tutelar, O trabalho desenvolvido pela (ECA) é amparado pela lei nº 8.069, de seja por denúncia de vizinhos ou pela equipe técnica do Creas Araceli, do 13 de julho de 1990. e prevê que tanto própria família. município de Lagarto, conta com crianças como adolescentes devem Mas o que seria essa última assistentes sociais e psicólogos. “O gozar de todos os direitos fundamentais instância? A também pedagoga intuito do trabalho desenvolvido é e inerentes à pessoa humana, sem Aglaé Menezes nos explica com um viabilizar o acesso aos direitos sociais, prejuízo da proteção integral de que exemplo bem didático. “Vamos supor buscar a construção de ferramentas trata esta Lei, assegurando-lhes, todas que Joãozinho está em situação de que promovam o fortalecimento e a as oportunidades e facilidades, a fim de risco. O Conselho Tutelar foi acionado potencialidade individual e familiar lhes facultar o desenvolvimento físico, e vai tirar a criança da situação de risco. desse usuário, a preservação do vínculo mental, moral, espiritual e social, em Porém Joãozinho tem uma mãe que é familiar”, conta Amanda. condições de liberdade e de dignidade. negligente, não cuida, a vizinhança diz Por mês o Creas recebe em média É dever da família, da comunidade, que ela sai, vai passear ou trabalhar e a de 20 a 25 casos, contudo desde 2017 da sociedade em geral e do poder criança fica só. A mãe vai ser notificada existem prontuários abertos para público assegurar, com absoluta pelo conselho, para consertar aquela acompanhamento de cerca de 100 prioridade, a efetivação dos direitos situação da criança, mas há diversas famílias, e pode-se dizer que dentro referentes à vida, à saúde, à notificações e nada se resolveu. Será delas aproximadamente de um a nove alimentação, à educação, ao esporte, ao que Joãozinho não tem uma tia que casos são de crianças e adolescentes. lazer, à profissionalização, à cultura, à seria a família extensa, que poderia dignidade, ao respeito, à liberdade e à estar assumindo o papel dos pais? Se TRISTEZA POR TRÁS DA convivência familiar e comunitária. Joãozinho tiver essa tia ele não precisa REALIDADE vir para o abrigo, pois, alguém vai Uma das histórias que mais COMO DENUNCIAR garantir os direitos do menino. Mas ele impressionou a assistente social Para denunciar algum caso de não tem, a tia não quer, o tio não quer, Amanda Gabriela foi a de uma criança negligência basta ligar para o número ninguém quer, essa é a última instância. vítima de abuso sexual, moradora de 100, da Central de Atendimento, que E agora Joãozinho vai para onde? Se o um povoado do município de Lagarto, encaminhará o caso para o Conselho lugar que ele se encontra não é seguro? onde já havia acontecido uma suspeita Tutelar. A partir daí o Conselho verifica Então ele vem para o abrigo, e vai ficar com o mesmo agressor. Ao realizar a a situação da criança ou adolescente e, aguardando ou que seus pais tomem visita na casa das crianças, o mesmo se necessário, o conduz para um abrigo.
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DEZ MANEIRAS DE DESTRUIR A IMAGINAÇÃO DO SEU FILHO
Por Júnio Tavares tavaresjest19@gmail.com
“Dez maneiras de destruir a imaginação do seu filho” é um livro escrito pelo professor Anthony Esolen. Nele, o autor apresenta a defesa de que o sistema educacional contemporâneo é nocivo às faculdades mentais da criança e, por conseguinte, inadequado para o desenvolvimento de adultos responsáveis. Para Esolen, educação é mais do que salas de aula e professores, é, na verdade, a própria criação dos infantes. O livro é estruturado de modo que cada capítulo corresponda a um dos métodos. Dez ao todo; mais a introdução, que por sua vez, é dividida em duas partes. Vale lembrar que o livro é um tutorial, ou seja, com ele aprenderá os métodos – cabe a você decidir para que fim vai usá-los. Na introdução, entre referências à poesia medieval, à mitologia e à filosofia grega, além de autores como C. S. Lewis, J.R.R. Tolkien e T. S. Eliot, Esolen dá os motivos, em tom irônico, para a aplicação destes métodos. Nas palavras de Esolen, “Se conseguirmos debilitar a imaginação, então conseguiremos sossegar a criança e transformá-la em um sólido, previsível e estável ocupador de espaço na escola e, mais tarde, em um bloco da enorme pirâmide estatal.” “Se amássemos crianças, teríamos algumas. Se as tivéssemos, quereríamos que fossem crianças, e amaríamos o deslumbramento com que olham para o mundo, e esperaríamos que algo desse deslumbramento nos abrisse um pouco os olhos”. “É somente reprimindo a imaginação que muitos de nós conseguimos suportar nosso trabalho”. “Um imenso empreendimento como o McDonald’s só pode funcionar porque há mecanismos para garantir que nenhum empregado, em parte alguma, faça algo inusitado – poderíamos dizer “infantil” – ao cozinhar”. “Uma vez que é preciso ter filhos, devemos garantir que eles sejam submetidos às técnicas mais eficazes e humanizadas de ajustá-los ao mundo em que irão viver – um mundo de shopping centers iguais por toda parte, comida industrializada igual por toda parte, burocracia igual por toda parte, entretenimento de massa igual por toda parte, política igual por toda parte”. Ainda na Introdução, o autor diagnostica que pela primeira vez na história as pessoas estão “fazendo coisas que jamais interessariam a uma criança”. E, por isso, para que as crianças não questionem – e sirvam ao Estado e a sociedade de massa –, a imaginação destas deve ser tolhida o quanto antes. Preparando o caminho para os dez métodos, o autor conclui que não seria possível atingi-los sem a relativização do conceito de beleza e do menosprezo à memorização – ou do apelo a uma tal “criatividade” que curiosamente nega a fantasia. Diz o autor: “Um de meus professores, o medievalista George Kane, uma vez contou-me sobre um fazendeiro que recitava Paraíso Perdido enquanto arava o campo. Imagine o perigo que um homem destes representa. (…) Possuir esse tesouro de poesia na memória – um tesouro de conhecimentos sobre o homem, arranjado em música – é estar armado contra os anunciantes e os controladores sociais. É ter a chance de pensamento independente, e a independência é, por natureza, imprevisível.” E para alcançar este fim, os controladores sociais devem incentivar um ensino aleatório e desorganiza-
do. Um ensino que não construa uma estrutura lógica e trate os fatos como isolados. Um ensino que reduza o aprendizado a mera assimilação de um conjunto de regras necessárias para ser aprovado numa prova – ou no vestibular. Ele discorre: “Não ensine história ou geografia, porque essas matérias requerem uma estrutura mais abrangente na qual os fatos tenham sentido. Ensine ‘unidades’, gastando um mês no Egito, outro no Japão, como quiser. (…) Transforme ciência em biologia, biologia em ecologia e ecologia em coisinhas fofas. (…) Se a imaginação tem asas, podemos impedi-las de voar, atrofiando-lhes todos os músculos e ossos.” SEGUEM-SE OS MÉTODOS 1. Mantenha seus filhos em ambientes fechados o máximo possível Superproteja a criança, mantenha-a longe da natureza e não permita que ela brinque ou corra livremente. Limite as suas experiências ao imediatismo do mundo material. Incentive que seu filho seja totalmente livre na frente do computador. Não é desejável que a criança desenvolva um senso de independência, já que isso refletirá na idade adulta. Diz ele: “Por fim, brincar ao ar livre é perigoso pois você corre o risco de encontrar uma criatura mais nociva à sua presunção do que qualquer lobo, urso ou pantera. Você pode se encontrar a si mesmo. E por uma razão: no mundo exterior você só pode contar com seus próprios recursos. (…) Aquilo de que nós mais precisamos é carência: homens e mulheres carentes, com dinheiro para gastar, e grandes estruturas econômicas, governamentais e culturais para nutrir sua dependência.” 2. Nunca deixe as crianças por sua própria conta Crie imensas escolas que favoreçam o anonimato e dificulte a criação de laços. Fragmente as aulas em blocos de 40 minutos, assim você garantirá que a criança perca – ou não desenvolva – interesse pelo conteúdo. Prive as crianças de experiências competitivas – nunca permita que seu filho enfrente uma derrota. Elabore um cronograma que contemple todas as atividades diárias do seu filho – espontaneidade? Não, obrigado! 3. Mantenha as crianças longe de máquinas e de pessoas que saibam operá-las Não permita que o seu filho tenha hobbies, manuseie ferramentas ou aprenda como os objetos funcionam. Que perigo para a criança seria observar um trator em funcionamento! – ela aprenderia a lidar com a força e a importância de ser gentil. Não exponha o seu filho a brinquedos que envolvam desafios, mapas e diagramas – incentivar o raciocínio? Não, obrigado! 4. Substitua o conto de fadas por fetiches e clichês políticos Prive o seu filho de estórias com padrões bem definidos, onde as leis são claras. Remova o “mal” e nivele todos os personagens. Alias, reduza a complexidade psicológica a clichês. Exponha a criança ao efêmero. Subjugue a literatura – e por extensão, todos os aspectos da vida – à política. “Se você não quer que uma criança
“Se amássemos crianças, teríamos algumas. Se as tivéssemos, quereríamos que fossem crianças, e amaríamos o deslumbramento com que olham para o mundo, e esperaríamos que algo desse deslumbramento nos abrisse um pouco os olhos”
pinte, tire dela sua paleta. Se você não quer que ela use sua imaginação para conhecer histórias arquetípicas, tire dela sua paleta narrativa. Tire, corrompa ou subverta todos os seus tipos. Fará isso com mais eficiência se privá-la do contato com as lendas populares.” 5. Difame o que é heroico e o patriótico Prive o seu filho de modelos – inclusive, e principalmente, do seu. Como o Ministério da Verdade, de Orwell, instrumentalize a História. Ao ensiná-lo, dê ênfase aos erros do passado. Estimule na criança um sentimento de superioridade moral. 6. Menospreze todos os heróis Crie caricaturas de personagens históricos. Democratize a excelência, faça-o crer que todos são bons em tudo – dizer o contrário é uma ofensa à autoestima dos outros. Evite perguntas como: qual seria a nossa visão sobre Hitler caso ele tivesse ganhado a Segunda Guerra Mundial? Assim poderá demonizar todas as guerras. Deboche das virtudes – afinal, somos todos canalhas. Senso de proporções? Não, obrigado!
Anthony Esolen é escritor, comentarista social, tradutor e professor de Renascença Inglesa e Literatura Clássica no Thomas More College Of Liberal Arts. Anteriormente, ensinou na Universidade de Providence, em Rhode Island, durante duas décadas. Obteve a sua graduação summa cum laude (com a maior das honras) pela Universidade de Princeton em 1981, e o Ph.D em Literatura Renascentista pela Universidade da Carolina do Norte. Esolen traduziu para a língua inglesa a Divina Comédia, de Dante Alighieri; Sobre a Natureza das Coisas, de Lucrécio e Jerusalém, de Torquato Tasso. Entre 1988 e 1990, ensinou na Universidade de Furman. Publicou, entre outros livros, “Dez maneiras de destruir a imaginação do seu filho”, que foi traduzido e lançado no Brasil em 2017 pela Vide Editorial. Atualmente, colabora com diversos sites e periódicos online.
7. Reduza o amor a sexo e narcisismo Reduza o amor à mecânica do sexo. Incentive a mera autossatisfação. Substitua os primeiros sinais de curiosidade pelo outro por um conjunto de imagens distorcidas do que seja o amor. Ponha fim ao mistério do descobrimento da sexualidade. 8. Nivele as diferenças entre homens e mulheres Este método reúne algumas táticas aplicadas em outros. Primeiramente, escarneça dos antigos hábitos. Depois, destrua o fascínio gerado pelo descobrimento do outro. Não permita que as distinções entre meninos e meninas sejam fonte de curiosidade. Elimine qualquer vestígio dos ritos de iniciação. 9. Distraia as crianças com ilusões e superficialidades Prive a criança do silêncio e do sossego. Faça com que o seu filho repudie o “ar livre”, um céu estrelado. É de fundamental importância que veja no computador, no videogame, no celular, o seu mundo. E, por último, mas não menos importante, que viva isolado – Conhece o seu vizinho? O que é um vizinho?
10. Negue o transcendente É fundamental que o seu filho seja materialista, então reduza tudo ao aqui e agora. Conceitos? Beleza? Bem? Mal? Amor? – obviamente, este é só um ferramental para a reprodução. Deixe claro que tudo é mera opinião. E, caso considere o sentido religioso, infantilize a fé, banalize o mistério – quando seu filho crescer, rejeitará estas bobagens. Em síntese, são abordados temas contemporâneos e polêmicos. É fundamental a compreensão de que o autor estimula o debate e, recorrendo a uma ironia fina, o que para alguns pode parecer provocativo, defende os seus pontos de vista. Independentemente de diferenças ideológicas - e é importante que o leitor saiba que o professor Esolen defende uma visão de mundo conservadora -, ao concluir a leitura é possível, com as reservas que comentários desta estirpe exigem, concluir que temos o mesmo objetivo: “[...] quereríamos que (as crianças) fossem crianças, e amaríamos o deslumbramento com que olham para o mundo”.
CINEMA
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ANIMAÇÕES EM LONGA-METRAGEM PRODUZIDOS PELOS ESTÚDIOS DISNEY: TENDÊNCIAS TEMÁTICAS E HEGEMONIA INDUSTRIAL
Por Wesley Pereira de Castro flmcstr@ufs.br
FOTO: ARQUIVO PESSOAL
Thaís Souza, em sua festa temática de aniversário, baseada em personagens do filme “Frozen - Uma Aventura Congelante” (2003)” sua vida pessoal, já que ela é mãe de graças aos bem-sucedidos “Up – Altas duas meninas. Aventuras” (2009) e “Toy Story 3” (2010). Na esteira deste sucesso, a Dentre os lançamentos recentes, empresa produtora vem investindo em um dos mais lucrativos lançamentos campanhas publicitárias que enfoca a foi, sem dúvida, “Frozen – Uma união entre “as princesas da Disney”, Aventura Congelante” (2013), dirigido no afã pela apropriação mercadológica e produzido por Chris Buck e Jennifer dos clamores por representatividade, Lee. Além de receber o Oscar de Melhor visto que estereótipos de diversas Canção Original, este filme recebeu raças [a negra norte-americana em diversos outros prêmios em categorias “A Princesa e o Sapo” (2009), a jovem musicais, tornou-se a bilheteria mais havaiana em “Moana – Um Mar de rentável dos estúdios Disney, relançou Aventuras” (2016)] são utilizados nesta a moda das estórias tradicionais de estratégia de marketing bem-sucedida. princesas e fez com que o ‘hit’ “Let it Entretanto, em paralelo a este Go” - dublado no Brasil como “Livre investimento nobiliárquico nas moças Estou” - se tornasse uma das canções de bom coração, parte considerável preferidas das crianças. As empresas do sucesso exorbitante das produções especializadas em decoração de festas Disney recentes deve-se à colaboração infantis, por exemplo, foram obrigadas com a empresa pioneira de animação a utilizar os personagens De Elsa e gráfica Pixar, que recebeu prêmios por Olaf como ofertas obrigatórias de “Procurando Nemo” (2003), “Os Incríveis” seus catálogos de serviços, conforme (2004), “Ratatouille” (2007) e “Divertida comenta a operadora de telemarketing Mente” (2015), para citar apenas alguns. Viviane Souza, que improvisou uma Neste ano de 2018, o grande festa com esse tema para a sua filha favorito ao Oscar de Melhor Animação Thaís. é a nova colaboração entre os estúdios Quando perguntada sobre o porquê Disney e a Pixar, “Viva – a Vida é uma da escolha deste tema para a festa de Festa” (2017), dirigida por Lee Unkrich sua primogênita, Viviane destacou que e Adrian Molina. Sumamente elogiado o filme estava em evidência na época, pela crítica este filme se destaca pela mas considera positiva a influência do audácia e leveza com que aborda o filme sobre as crianças. Nas palavras tema da morte para o público infantil, dela, a Disney “influencia a criatividade além de inserir em seu enredo das crianças, o senso de humor e de situações que fazem ecoar problemas responsabilidade. Claro que sempre políticos caros à rejeição atual de mostra o lado das meninas nessa parte medidas tomadas pelo presidente de responsabilidade, mas educação Donald Trump, sobretudo no que diz é com os pais. A Disney ensina a respeito às políticas de imigração. sonhar”. Segundo ela, outro elemento No filme, um garotinho apaixonado que contribuiu para a escolha do filme por música, mas proveniente de uma como elemento festivo foi o fato de, no família com um trauma profundo, que enredo haver duas irmãs “passando por o impede de ter acesso a instrumentos aventuras para descobrir o que pode musicais, acidentalmente entra em salvá-las e o amor que sentem uma contato com o mundo dos mortos, pela outra”, situação esta que ecoa em onde encontra um parente distante
que luta para não ser esquecido pelas pessoas que amou em vida. Em meio às aventuras típicas deste gênero, o garoto redefine as relações afetuosas em sua família – em cenas de amplitude emocional indicadas não somente ao público infantil – e entoa canções maravilhosas, sendo que, como não poderia deixar de ser, uma delas, “Remember Me”, é a favorita para receber o Oscar de Melhor Canção Original neste ano, cuja cerimônia está agendada para o dia 04 de março de 2018. Os demais indicados os Oscar de Melhor Filme de Animação em 2018 indicam uma diversidade de temas e estúdios, demonstrando um novo fôlego que este gênero vem tomando em meio à alegada crise narrativa de Hollywood – entulhada de filmes protagonizados por super-heróis – e à competição ferrenha dos filmes exibidos em salas de cinema com aqueles lançados diretamente em ferramentas de ‘streaming’, como a gigante Netflix. Os concorrentes mais populares de “Viva – a Vida é uma Festa”, no Oscar, são “O Poderoso Chefinho” (2017), comédia de costumes da Dreamworks, e “O Touro Ferdinando” (2017) adaptação de uma estória célebre já filmada e premiada como curta-metragem pelos próprios estúdios Disney, em 1938. A co-direção de “O Touro Ferdinando” está a cargo do brasileiro Carlos Saldanha, consagrado por franquias de sucesso como “A Era do Gelo” (2002) e “Rio” (2011). Recentemente, inclusive, outro animador brasileiro conseguiu se consagrar internacionalmente, Alê Abreu, diretor do elogiadíssimo “O Menino e o Mundo” (2013), que fora indicado ao Oscar de Melhor Filme de Animação em 2016. Além dos filmes supracitados, foram indicados ao Oscar 2018: o longametragem coproduzido entre Polônia e Reino Unido “Com Amor, Van Gogh” (2017), voltado para um público mais adulto, já que é uma deslumbrante reconstituição policial da investigação sobre o suicídio do pintor holandês Vincent Van Gogh (1853-1890); e a produção irlandesa “The Breadwinner” (2017), com um viés poético, sob o drama de uma garotinha afegã que precisa se disfarçar de menino para conseguir trabalhar e ajudar a sua família. O estúdio responsável por este filme, inclusive já fora indicado em duas oportunidades anteriores: em 2010, por “O Segredo de Kells/ Uma Viagem ao Mundo das Fábulas” (2009) e em 2015,
por “A Canção do Oceano” (2014). Não obstante ser uma premiação estadunidense e destinada a celebrar sobretudo o cinema de seu País, o Oscar eventualmente celebra produções de outras nacionalidades, quando estas conseguem superar a barreira da dominação ideológica estabelecida por Hollywood. Um bom exemplo de enfrentamento qualitativo está sob o comando dos Estúdios Ghibli, cujos animadores mais famosos são os japoneses Isao Takahata [indicado ao Oscar por “O Conto da Princesa Kaguya” (2013)] e Hayao Miyazaki, que venceu o Oscar de Melhor Animação graças ao antológico “A Viagem de Chihiro” (2001), foi indicado por “O Castelo Animado” (2004) e “Vidas ao Vento” (2013), e recebeu um Oscar honorário em 2015, pelo conjunto de sua obra, consagrada por revistas conceituadas, como, por exemplo, a Cahiers du Cinéma. Diante deste panorama sobre o reconhecimento industrial dos longasmetragens voltados para as crianças (mas não apenas!) e da constatação de um mercado amplo e internacional de animações, aproveita-se o ensejo para, mais uma vez elogiar o favorito deste ano: “Viva – A Vida é uma Festa”, não apenas um dos melhores filmes realizados em 2017 como uma produção com um roteiro minuciosamente trabalhado e com um requinte animado que faz jus a todos os prêmios que vem acumulando em Hollywood. Além de inserir menções a Frida Kahlo e criticar o segregacionismo contra mexicanos, através da poderosa metáfora da fronteira entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, este filme surpreende pela inserção quantitativa de expressões em espanhol nos diálogos – o que é bastante audacioso, já que, nos Estados Unidos, há uma franca rejeição a filmes legendados, o que explica o sobejo de regravações de sucessos estrangeiros em Hollywood. Na última publicização, a bilheteria de “Viva – A Vida é uma Festa” estava numa arrecadação bruta que superava os setecentos milhões de dólares, além de arrebatar elogios vigorosos de alguns críticos mais respeitados do mundo. A vindoura celebração no Oscar será apenas o corolário de uma carreira bem-sucedida, não apenas em termos técnicos e formais, mas principalmente pela audácia emotiva e pela pungente mensagem de respeito ao próximo e em defesa da memória de quem se ama. As crianças só tem a ganhar perante esta conjunção benfazeja de méritos! FOTO DIVULGAÇÃO
Não obstante as estórias infantis serem ancestrais, de modo que os primeiros contos de fada destacamse sobretudo pela transmissão oral, foi com a assimilação dessas estórias pelos Estúdios Disney que a sua disseminação entre o público infantil tornou-se mais efetiva. O primeiro longa-metragem produzido por esta empresa foi lançado em 1937, e tratavase do clássico “Branca de Neve e os Sete Anões”, supervisionado por David Hand. Obviamente, desencadeou um enorme sucesso de público e crítica e consolidou a empresa como uma grande produtora de histórias voltadas para o público infantil. Nos anos seguintes, inúmeras tramas consagradas foram adaptadas pelos estúdios, como “Pinóquio” (1940) e “Cinderela” (1950), e surgiram clássicos absolutos como “Dumbo” (1941), “Bambi” (1942) e “Alice no País da Maravilhas” (1951). Além das bilheterias vultuosas e do reconhecimento imediato por parte dos especialistas, os longas-metragens da Disney tornaram-se famosos pelo bom desempenho no Oscar, celebração máxima dos méritos industriais do cinema hollywoodiano. Entre as décadas de 1940 e 1950, estes longasmetragens animados tornaram-se os favoritos em categorias técnicas e musicais, tendo diminuído o seu impacto nas décadas subsequentes, quando a produção se tornou mais rarefeita. Até que, em 1991, aconteceu um marco: a adaptação de “A Bela e a Fera”, dirigida por Gary Trousdale e Kirk Wise, conseguiu ser indicada para o prêmio principal o Oscar de Melhor Filme. Recebeu os prêmios de Melhor Trilha Musical e Melhor Canção Original, além de se destacar em categorias semelhantes no Globo de Ouro e no Grammy do ano em que esteve concorrendo. Antes da consagração de “A Bela e a Fera”, deve-se mencionar que “A Pequena Sereia” (1989) já conseguira se destacar também nas categorias musicais, recebendo láureas nas mesmas categorias e nas mesmas premiações. Reiniciara-se, assim, uma era de glória para os estúdios Disney, que açambarcara imensas audiências, consolidara o modelo das princesas destemidas como modelo comportamental para as garotinhas da platéia e conseguira emplacar inúmeros sucessos advindos destes filmes, conforme se refletiria também nos prêmios para as composições de “Aladdin” (1992), “O Rei Leão” (1994) e “Pocahontas – O Encontro de Dois Mundos” (1995), entre outros. Graças ao incremento de qualidade destes longas-metragens animados, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pelo Oscar, resolveu criar uma categoria específica para premiar este gênero bastante rentável de filmes e, desde a cerimônia de 2002, existe o prêmio de Melhor Filme de Animação. O primeiro vencedor desta categoria foi “Shrek” (2001), dirigido por Andrew Adamson e Vicky Jenson para os estúdios Dreamworks, mas não tardaria para que a Disney logo estabelecesse o seu favoritismo, o que vem se destacando principalmente nos últimos anos, em que a produtora costuma receber este prêmio, tendo conseguido, inclusive, a proeza de ser indicada simultaneamente na categoria de Melhor Filme em duas oportunidades,
SEGURANÇA
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A BOLA DA VEZ: REDE DE PEDÓFILOS EM JOGOS ONLINE
Por Williany Bezerra williany.ufs@gmail.com
Aqui os chamaremos de Ele e Luana. Ele esperou que todos fossem embora para ficarem só os dois. Isso depois de meses de conversa. Ele dizia ter 18 anos, e ela? Luana tinha quase 11, e acabara de descobrir o quão divertido era o universo virtual e todas essas possibilidades de fazer amigos. Era. Naquele ano deixou de ser. 2010 foi se apagando aos poucos e transformandose no tempo das desconexões, sobretudo de si mesma. Era como aqueles filmes do Chaplin em preto e branco. Contrário ao que acontecia para a maior parcela das pessoas que tinham acesso à internet, Luana conta que o conheceu no que chamam de redes sociais, e como não tinha amigos achava tudo aquilo o máximo. “Tinha uma comunidade no Orkut que era de coisas de trocas, sabe? Tinham muitas pessoas e foi coisa de eu ficar muito tempo e tal, e aí eu comecei a pegar amizade com muita gente, e esse cara era um dos mais confiáveis, Ele era amigo de todo mundo, conversava com todo mundo”. O cara amigável foi se tornando amargo. “Um dia em uma conversa de Skype, tava em grupo todo mundo na câmera. Aí todo mundo foi saindo e ele ficou conversando comigo, e eu não vi mal nenhum, né? Aí ele começou a mostrar as partes dele e eu nem sei porque eu não tive reação. O que deu a entender é que eu tava ‘vendo’, sabe? Aí ele começou a me ameaçar com isso (porque tirou fotos), e isso virou uma verdadeira bola de neve”, desabafa Luana depois de esconder tudo, até dela mesma, por mais de sete anos. A partir disso, ela passou a checar o Orkut e Facebook antes de ir à escola, todos os dias – maquinalmente, para ver se não havia nenhuma mensagem dele, pois tinha medo de não respondêlo e acabar sendo exposta na internet, como tantas meninas são. Naquela época as redes de apoio eram quase desconhecidas, e ela temia que as pessoas descobrissem e a julgassem, mesmo sendo uma criança e devendo
“Eu tinha tanto medo e vergonha que só quis fazer parecer que não era o que era” ter a infância protegida, como prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “Eu tinha tanto medo e vergonha que só quis fazer parecer que não era o que era”, desabafa. Na tentativa de esquecer tudo o que vinha passando, a menina começou a jogar online, mas sem usar o nome ou falar com outros jogadores. Ainda assim, Ele a encontrou e como forma de intimidar passou a acompanhá-la nas partidas. Conversar com um adulto ou qualquer outra pessoa sobre o que vinha acontecendo continuava impensável. Por mais que se desconectasse ou se camuflasse, Ele a achava e monitorava. Luana o descreve como manipulador, afinal Ele havia adicionado todos de sua família, desde sua mãe até suas tias, em todas as redes sociais. “Ele começou a conversar com um dos meus irmãos
durante um tempo e me mandava fotos da conversa como quem dizia ‘olha, a qualquer momento eu posso ferrar você’”. Ela era obrigada a se fotografar para Ele sob a ameaça de contar a todos de sua família o que havia acontecido. Luana tinha 13 anos quando não sabia mais o que fazer e tomou vários remédios, vencidos, de seu pai e deitou. “Eu não queria acordar mais, sabe? Aí fiz isso sem pensar muito, porque nesse mesmo dia, pela manhã, Ele disse que não tinha mais jeito, que iria cumprir com todas as ameaças. Lembro vagamente do dia seguinte. Só sei que acordei e tinha que ir pra aula, ia ter Educação Física, mas não conseguia nem me mexer de tão grogue que tava, aí não fiquei na aula. Só voltei pra casa e dormi até o outro dia”. O caso de Luana não é atípico. Estamos inseguros em qualquer lugar, essa é uma das “graças” adquiridas pelos avanços da tecnologia. Os crimes mudam como acontecem, mas permanecem, e as vítimas? São cada vez as pessoas mais vulneráveis. “Criar, conectar e compartilhar o respeito: uma internet melhor começa com você” foi o lema do Dia da Internet Mais Segura (Safer Internet Day, em inglês) neste ano. O evento, que ocorre em
mais de 100 países simultaneamente, aconteceu no dia 6 de fevereiro na cidade de São Paulo, e alertou sobre os riscos do uso da rede por crianças. Mas pouco se viu na televisão, ou se leu nos jornais. É ano eleitoral e a atenção está quase toda voltada para isso. Depois de tantos escândalos é mais interessante saber quem governará pelos próximos quatro anos, do que evitar que o que chamam de futuro da nação tenha a sua saúde física e mental fuzilada, esta é a palavra. Celulares inteligentes? Computadores para jogos online? Diversas plataformas para sermos narcisistas sem culpa? Era impossível pensar antes da década de 90 como estariam as interações hoje. As ruas foram substituídas quase por completo pelos jogos eletrônicos. Cansamos de brincar com máquinas programadas para serem melhores que nós. Nintendo e Playstation? A moda agora é outra: jogos online, aqueles que são jogados pela internet e conectam vários jogadores ao mesmo tempo. Uma boa estratégia para a interação e novas formas de brincar, a questão é que esses avanços não são tão positivos assim. O problema, que mais parece invisível, é exatamente quem tem usado essas ferramentas e quais os
métodos de controle são aplicados. Que ninguém gosta de ser monitorado isso é fato, mas qual a idade certa para tal “liberdade” é o ponto onde órgãos e pesquisadores querem chegar. É um alerta vermelho para os pais de plantão: uma atitude errada nas redes pode causar grandes estragos. Os riscos aos quais as crianças estão vulneráveis enquanto navegam pela internet são diversos. Sexting (a propaganda de conteúdos eróticos através de jogos nos celulares), o acesso a conteúdos para maiores de 18 anos, o cyberbullying (sim, o bullying através da internet) ou até mesmo o uso inadequado de informações pessoais, são alguns dos perigos que existem. Esses jogos que permitem maiores interações sociais são portas e janelas abertas para redes de pedofilia. Se você entrar agora em algum deles, como o Counter-Strike Online (o famoso CSGO), por exemplo, não será preciso mais que duas partidas para perceber que crianças (meninas e meninos) das mais diversas idades jogam com adultos. Parece normal apenas do ponto de vista das interações sociais, mas não quando percebemos o quanto essas meninas e meninos estão suscetíveis. A regra não é que deixará de acontecer algo de ruim com elas, essa é a exceção.
MÍDIA
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HIPERSEXUALIZAÇÃO INFANTIL NA MÍDIA A curiosidade é comum na infância, quando as crianças pesquisam o mundo que as rodeia desde a mais tenra idade; entretanto, diante da TV, elas podem se tornar apáticas. Ontem, como hoje, a sexualidade é um ingrediente excitante de sua programação, como também a violência (ROCHEL, 2008) Por Rose Bonifácio rose.bonifacio1995@gmail.com
Séries, filmes, novelas e outras narrativas midiáticas são criadas com a finalidade de reproduzir uma ilusão da realidade. Dessa forma, o público acaba se reconhecendo em personagens com características fortes, estereótipos bem definidos e padrões, buscando neles algo de si ou absorvendo sem filtro o que está sendo transmitido. No universo infantil, isto se repete e ganha proporção. Desde Lolita, um clássico que ganhou várias releituras cinematográficas tendo como eixo da história o relacionamento de um professor de inglês com uma menina de somente 12 anos, até a atriz Emma Watson que se tornou conhecida por ter atuado no fim da infância e boa parte da adolescência na saga Harry Potter. Assim como estes exemplos acompanhamos muitos outros casos de meninas que foram “adultizadas” e sexualizadas precocemente para obedecerem a algum estereótipo naturalizado pelos meios de comunicação. Até que ponto isso é nocivo? Para a psicóloga Lagartense Roselane Cristina de Sandes, especialista em transtornos psicológicos na infância e terapia cognitiva comportamental, o ato de aflorar a sexualidade precocemente é muito ruim para a criança em todos os aspectos porque suprime uma fase muito importante para a formação do indivíduo que é a infância. Além de “queimar etapas”, a sexualização precoce restringe as crianças de ritos fundamentais da infância como, por exemplo, o ato de brincar. A infância é uma parte fundamental para o desenvolvimento das atividades cognitivas, então quando a mesma é exposta aos padrões da vida adulta e a erotização dos corpos acaba por ter perdas significativas para a formação de uma personalidade saudável na fase adulta, afirmou a psicóloga. Segundo o “Manual de Atenção à Saúde do Adolescente”, feito pela Coordenação de Desenvolvimento de Programas e Políticas de Saúde de São Paulo: “Os jovens têm recebido um alto conteúdo sexual nas programações e propagandas veiculadas pela TV, através de mensagens que valorizam o sensacionalismo, a erotização, as relações casuais […]. Nas novelas e seriados, a maioria dos atores são jovens e belos mudam constantemente de parceiros, não usam métodos contraceptivos nem de proteção contra DST e, mesmo assim, não se contaminam, não engravidam e os finais são sempre felizes”. Um ponto a ser ressaltado nesse processo de sexualização é justamente esta irresponsabilidade em tratar o tema sexo. As relações sexuais que acontecem dentro do universo midiático não é uma reprodução fiel da atividade sexual adulta da vida real, pelo contrário, é a idealização do ato, um retrato da realidade com retoques “glamourizados”. Seguindo essa lógica são criadas propagandas, modelos e estereótipos estéticos que oferecem grandes riscos às crianças. A mídia historicamente é um agente formador de opinião. Para alguns teóricos ela tem o poder de alterar a percepção social e sua construção, além de influenciar de forma decisiva
Arte autoral ilustrativa.
as relações sociais e a maneira que o indivíduo se estabelece perante a sociedade. Estes pontos são de suma importância quando falamos de hipersexualização de crianças, pois se tornam perigosos à realidade infantil. De acordo com o Instituto Alana, responsável pelo desenvolvimento de ações e pesquisas de conscientização sobre as condições de vida das crianças, as conseqüências relacionadas à adultização e hipersexualização infantil são a erotização, a naturalização de violências, transtornos psicológicos como depressão, crises de pânico e ansiedade e distúrbios alimentares. Recentemente a aparição da atriz de Strangers Things, Millie Bobby Brown (13), no tapete vermelho reacendeu este debate. Após um ano de sucesso no seriado, a atriz foi capa de revistas e compareceu ao Oscar com um visual mais adulto e sexualizado diferente dos outros atores que estão na mesma faixa etária de Millie e visualmente mantinham a postura de apenas garotos. Nos dias seguintes muitos jornais discutiam as mudanças estéticas na atriz e as motivações por trás delas. Nesse mesmo período a revista norte americana W mostrou o nome de Millie Bobby Brown abaixo da frase: “porque a TV está mais sexy do que nunca”. Apesar da revista não estar sexualizando Millie de uma forma direta, por exemplo, com imagens sensuais, eles dizem que ela é um dos motivos pelo qual a televisão está mais sexy atualmente. Isso, junto aos outros nomes na lista de pessoas consideradas sexys – como Nicole Kidman e James Franco – e a capa com a atriz Charlize Theron, associa uma menina de apenas 13 anos ao status de sex symbol. Segundo Tatiana Aneas, professora da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e doutora em Comunicação e Cultura Contemporânea, Brown é mais um
ta, além de alimentar o consumismo e reforçar a idéia de padronização dos corpos. Para Tatiana Aneas, a mídia deveria ter um papel consciente e cidadã na propagação de um discurso que contrariasse essa hipersexualização infantil a fim de torná-la um assunto a ser debatido com cunho social e não somente mercadológico. No entanto, não é o que se observa. De acordo com o documento publicado pela Associação Americana de Psicologia (APA) em 2007, a tendência “adultizante” das crianças pela mídia é uma crescente. O estudo ainda mostra que meninas desde os quatro anos são cercadas por repetições de padrões e modelos de “sucesso” que se destacam por suas características e vantagens físicas. Um dos agentes que mais impulsiona essa hipersexualização e erotização é justamente a sociedade patriarcal e misógina que enquadra desde a infância o sexo feminino como um acessório sexual e de consumo. Como resultado de tamanha violência vemos muitas meninas crescerem inseguras com a aparência e se contorcerem para caber nos padrões que vem do mercado, da mídia e do sexo masculino.
“A parte lúdica é fundamental para a inteligência, interação social e desenvolvimento da criança. Criança precisa brincar!”
caso entre tantos. Existe um padrão valorativo na sociedade atual que preconiza o sucesso independente do mérito, exalta a aparência, o consumismo e o materialismo. Ela ainda afirma que: “As empresas de mídia colaboram na medida em que permitem esse tipo de tratamento nos seus produtos e, mais do que isso, obtêm vantagens comerciais com este tipo de conteúdo.” A função prioritária de uma agência publicitária é estimular o consumo do produto vendido, a conseqüência disto é a criação da necessidade de compra principalmente em crianças. Segundo a doutora Cristhiane Ferreguett, do Departamento de Letras da PUC-RS, a adultização é construída através da imagem padrão de um adulto, isto estimula na criança o desejo de optar por certas formas de se maquiar, se comportar ou se vestir. Isto acaba acarretando na transformação da infância em uma mini reprodução da fase adul-
Capa da revista Interview com a atriz Millie Bobby Brown.