REVISTA
EDIÇÃO 04
O QUE É DEMOCRACIA? O BRASIL É UM PAÍS DEMOCRÁTICO?
Wácton Silva
TE DI EX PE EN Orientação: Profa. Dra. Michele Becker e Prof. Dr. Vitor Braga Edição: Clara Dias Direção de Diagramação: Lucas Honorato Projeto Gráfico/Layout: Matheus Brito Capa: John Soares e Matheus Fernando Charge: Guilherme Almeida Reportagens: Allan Jonnes Ananda Boaventura Andrea Chagas Andréia Fontes Angélica Mota Antonio Aragão Antônio Gonçalves Aparecido Santana Camila Oliveira Caroline Matos Clara Dias Cleilson Lima Daniela Pinheiro Dayanne Carvalho Elisa Lemos Emanuel Andrade Ethiene Fonseca Guilherme Almeida
Isabel Costa Isabela Moraes Ivana Oliveira Jabson Souza Juliana Teixeira Leonan Leal Lucas Honorato Lucas Moura Luciana Gois Rafael Amorim Ronaldo Gomes Sara Andrade Tainara Paixão Thiago Farias Thiago Vieira Wirlan Lima Yasmin de Freitas Diagramação:
Adele Vieira Anna Marília Paiva Camila Oliveira Clarissa Martins David Rodrigues Junio Tavares
Labely Rairai Leandro Silva Lucas Moura Marcel Andrade Marcos Henrique Matheus Fernando
Revisão Geral: Cleilson Lima e Luciana Gois
A Revista Mais Contexto é um produto laboratorial desenvolvido nas disciplinas Laboratório em Jornalismo Impresso II e Planejamento Visual em Jornalismo II, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), sob a supervisão dos professores Michele Amorim Becker e Vitor Braga. O conteúdo veiculado é produzido pelos autores dos textos e serve como pré-requisito parcial para conclusão das referidas disciplinas. MAIS CONTEXTO EDITORIA 2
Cacofonia Tautológica Vozes gritam de todos os lados. Umas querem ser ouvidas. Outras precisam. Umas usam megafones para sobrepor-se sobre quantidades. Outras sussurram, sem força. Esse caos sonoro, digital, ideológico-opinativo impede a audição do que se fala, a compreensão do que se grita e a percepção de quem silencia. Numa sociedade que se diz democrática, discutir sobre divergências políticas, desigualdades sociais, desacordos religiosos, ou qualquer diferença que seja, torna-se sinônimo de conflito. Nos últimos anos, com a ascensão da internet e da “horizontalidade” discursiva (contestável) nas redes sociais, junto aos conflitos, estão imersos discursos de ódio que enfraquecem os valores democráticos e a garantia de direitos fundamentais. Quando se pensa em polarizações extremistas, tem-se em mente revoltas do passado - como grandes guerras e ditaduras militares - superado e distante, porém amargo e repetitivo. Mas, enquanto tantas vozes gritam, outras clamam, agora, pelo básico: saúde, educação, transporte e segurança pública que se distanciam da população na medida em que o dinheiro aperta no bolso de quem administra. Em contrapartida, aumenta o número de
manchetes sobre intolerância nos veículos de comunicação. Homem negro, Rafael Braga, é preso por porte de garrafa de pinho sol no Rio de Janeiro. Adolescente é estuprada por quatorze homens, também no Rio, e é vista como culpada. Travesti, Dandara, é apedrejada e morta a tiros à luz do dia no Ceará. Em Aracaju, grupo neonazista mostra articulação funcional em uma universidade particular. Há quem tema o restabelecimento de um passado opressor e violento - física, psicológica e socialmente. Essa violência, contudo, já acontece e começa na voz do outro que não é ouvida. A quarta edição da revista Mais Contexto quer ouvir essas vozes que nem sempre conseguem elevar o tom. Trazendo como tema os Diálogos Democráticos, a revista pretende retratar discussões de base, essenciais para estruturação de melhorias reais, pontes para a conversa igualitária entre divergência de ideais. Vozes que falam juntas e no tempo certo são ouvidas mais alta e claramente. Quem sabe, em meio às pautas, a leitora e o leitor não encontram uma voz parecida com a sua. São das harmonias entre vozes que se apresentam os mais belos corais.
Clara Dias | claralds@gmail.com
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Eric Almeida
Reforma autocrática Guilherme Almeida | guijorn95@gmail.com
Fernando Vasques
Tanto o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff quanto a Operação Lava-Jato serviram para reavivar algumas discussões que nunca morreram de fato entre nós brasileiros: a eficiência de nosso sistema político e a credibilidade de nossos representantes. Desde então, o Congresso discute uma forma de reconquistar – se é que um dia já foi conquistada – a confiança da população tanto nas instituições democráticas quanto nos agentes individuais que as compõem. Entretanto, tudo o que as atuais propostas de reforma política fazem até o momento é tentar contornar as mudanças, vistas por determinada parcela da população como uma das poucas conquistas da reforma de 2015. Um claro exemplo disso está no relatório do deputado Vicente Cândido (PT-SP). Entre as mudanças propostas por seu texto está a do Fundo Especial de Financiamento da Democracia (FFD), que serviria como uma espécie de manobra para contornar a proibição do financiamento de empresas. O financiamento de campanha por empresários foi rejeitado tanto pelo Superior Tribunal Federal (STF) quanto pela então presidente Dilma, que vetou as doações. MAIS CONTEXTO OPINIÃO
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O texto de Vicente Cândido estabelece que 0,5% da receita líquida do período de doze meses anterior ao ano da disputa eleitoral - ou seja, 3,6 bilhões de reais, caso o texto fosse aprovado para as eleições de 2018 - sejam investidos nas campanhas do Executivo e Legislativo. Além do valor ser considerado um absurdo, e membros da Câmara já começam a discutir sua redução para cerca de um bilhão, a mudança viria no momento em que o país enfrenta uma grave crise financeira refletida no PIB que voltou a crescer apenas no primeiro trimestre deste ano, após oito trimestres de quedas consecutivas – e nos 13 milhões de desempregados. Este primeiro ponto já seria suficiente para demonstrar uma aparente falta de preocupação com a situação econômica do país, enquanto cortes são feitos na educação e dívidas de bancos e empresários são negociadas, quando não, perdoadas. Poderíamos também lembrar das incessantes propostas de reajuste dos salários do Legislativo e Judiciário - e vale destacar que reajuste significa redução apenas quando se trata dos salários e benefícios do povo. Mas voltando ao tema que interessa a este artigo, outra questão discutida
e que poderá valer para as próximas eleições, caso aprovada até o dia 7 de outubro deste ano, é a mudança do sistema eleitoral. Consenso entre grande parte da Câmara, principalmente por aqueles investigados pela Lava-Jato, o chamado “distritão” acabaria com o atual sistema proporcional, e os deputados seriam eleitos simplesmente por voto majoritário. Ou seja, cada estado seria considerado um grande distrito, com uma determinada quantidade de cadeiras reservadas para cada um, e os candidatos mais votados em cada estado seriam eleitos. Tal sistema é adotado apenas em quatro países: Afeganistão, Kuait, Emirados Árabes e Vanuatu. Segundo os defensores da proposta, o distritão acabaria com os “puxadores de voto” candidatos que são eleitos pelos votos excedentes que vão para a legenda. Num primeiro momento a proposta parece justa, já que os mais votados ganham e ponto final. Entretanto, algumas questões olhadas mais de perto tornamse furos nessa embarcação. O primeiro furo está no fato de que essa pretensa justiça, apenas mascara
a óbvia constatação de que esse novo sistema favoreceria apenas os candidatos mais conhecidos e com mais verba para investir em suas campanhas. Logo, as chances de renovação no poder Legislativo seriam poucas. O distritão também poderia incentivar candidatos pastelões e sem qualquer vínculo com o programa político-ideológico de seu partido. Uma alternativa para esses problemas viria do voto distrital misto, adotado na Alemanha. Basicamente, seria uma junção entre o atual sistema e o distritão, já que o eleitor elegeria seus candidatos votando tanto em um candidato específico como na legenda. Também discute-se o semipresidencialismo – defendido, inclusive, pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso - que em resumo seria um parlamentarismo em que o presidente seria eleito por voto direto e atuaria com funções semelhantes às de um chefe de Estado, mantendo relações internacionais, nomeando embaixadores, comandantes militares, ministros de tribunais superiores, tomando a iniciativa de algumas leis e nomeando o primeiro ministro. Este seria sabatinado pelo Congresso e caso
A principal questão no entanto, é que permanecendo o sistema proporcional ou sendo escolhido o distritão, distrital misto ou semipresidencialismo, o povo, principal interessado na questão, continua de fora dos debates. conquistasse o apoio político necessário, cuidaria das questões políticas no Parlamento. A principal questão no entanto, é que permanecendo o sistema proporcional ou sendo escolhido o distritão, distrital misto ou semipresidencialismo, o povo, principal interessado na questão, continua de fora dos debates. Elianne Brum, em recente artigo publicado no El País Brasil, definiu essa indiferença de nossos representantes e seus modos de decidirem sobre o futuro da nação sem a menor preocupação de consultar quem os elegeu de “democracia sem povo”. Bem, nada mais contraditório até para um país presidido por alguém que sequer foi eleito, e que se mantém no cargo, a título de governabilidade, mesmo contando com apenas 7% de aprovação. 5 OPINIÃO MAIS CONTEXTO
A rádio sergipana na contramão da democracia Por Leonan Leite Leal | leonan_l3@hotmail.com
- Diretamente do Palácio Serigy, está entrando no ar o programa “Quem é bobo” da rádio difusora de Sergipe E assim nascia, em 1938, a rádio no estado. O primeiro meio de comunicação em massa, capaz de ser ouvido da capital Aracaju até lugares inimagináveis naquela época. A rádio mexia com o dia a dia do sergipano e, certamente, já preocupava setores da política que viam no rádio a possibilidade de propaganda e controle da opinião pública. Não estavam enganados. A rádio, inaugurada pelo então interventor federal Eronildes de Carvalho (PSD), representava um bloco político daquela conjuntura. Não estranhe em perceber que a rádio já nascia dentro dos velhos e febris sentimentos políticos da época e que, por azar, nos tornamos herdeiros desse vício menosprezível, cuja democracia nada tem, em absoluto. Em 1953, o empresário Albino Silva da Fonseca, simpatizante do Partido UDN se propusera a lançar a sua rádio, nada diferente do primeiro que politicamente e estrategicamente impostava seus interesses. Surgia então, a Rádio Liberdade, cujo nome trazia como mensagem, a liberdade do povo na imprensa. Pura demagogia e soberba dos pequenos burgueses que sempre viram na rádio uma ferramenta de controle do povo. Em pouco tempo, a Rádio Liberdade tomara conta da audiência na capital. Muitos são os relatos daqueles que vivenciaram esse momento de paixão com o rádio, se é que essa paixão acabou. A rádio continua sendo a principal paixão nos meios de comunicação do povo sergipano. Nos jogos do campeonato estadual, na capital e no interior, naturalmente encontra-se os ouvintes e apaixonados pelo rádio. Voltando à história, em contrapartida aos surgimentos das rádios e
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na tentativa de manter seu público ativo, a Igreja Católica lança sua emissora com o propósito de ampliar as ondas do rádio e os produtos radiofônicos para os ouvintes sergipanos. Surge assim a Rádio Cultura. A mesma trouxe diversas contribuições para o rádio, entre elas a valorização na transmissão do meio esportivo, em contrapartida ganhou um público fiel aos interesses estratégicos. Logo depois, surgem novas rádios em Aracaju. É importante destacar também o surgimento de estações no interior, como Itabaiana e Lagarto. Nessa primeira, a rádio surgiu em 1978, por um decreto aprovado em 1977, inicialmente oferecido ao grupo dos Teles (poder na época) porém rejeitado, e ficando com uma oposição ao agrupamento no município serrano. O jornalismo sempre foi um dos principais objetivos do rádio, porém desde o início esteve atrelado à política local e regional. Não me parece ser de maneira natural, mas objetivamente de maneira estratégica e tática. É óbvio que ao surgir das mãos de políticos e empresários, deixa a imprensa radiofônica sujeita a controle e direcionamento, fator esse nada imparcial ou democrático. Na minha infância, tive a inocente sensação de que o rádio representava o povo e, como consequência, falava aquilo que o povo queria falar e não somente “ouvir”. Engano meu. O rádio hoje não me parece nada democrático e as vozes que saem dele, são de interesses políticos dos grupos que dominam determinada região. O interesse por política e pelo rádio são coisas comuns na minha cidade. Trazer essa discussão sobre o papel do rádio na democracia me faz reviver situações e levantar problemas, muitas vezes naturalizados por quem acredita saber o que é democracia e o que é jornalismo.
Não quero aqui ser o “juiz” da imprensa ou muito menos trazer somente o lado contaminado e doentio da imprensa sergipana, mas levantar essas questões enquanto estudante e apaixonado pelo jornalismo e pelo rádio, sobre o nosso papel de mediador da sociedade e a obrigação daqueles que encantam pessoas e crianças, isso me interessa. É o que tenho buscado! Durante anos, vejo a esperança e a crença no bom jornalismo e na necessidade de se trazer as vozes das ruas, das comunidades, da periferia e dos menos favorecidos para o centro do debate. A democracia, ou seja, o poder determinado pelo povo, legitimado e assegurado pela imprensa torna-se surreal e utópico dentro das nossas realidades locais, regionais e nacional. Na minha experiência de vida - que não é muita - observo que a rádio teve pouco interesse em se democratizar e tornar plural as vozes da sociedade. Na minha cidade, as rádios caminham de acordo com os seus patrões políticos. Enquanto a rádio A busca problemas na gestão municipal, a rádio B busca problemas na rádio A para saber os problemas da gestão estadual no município. Democracia? Poderia ser, se os problemas fossem apontados em ambas rádios ou se a população ouvisse criticamente ambas emissoras. Ao chegar no jornalismo, criei uma visão mais ampla sobre o papel jornalístico e que me parece nada tem a ver com o trabalho feito pelas rádios em Sergipe. Podem me dizer que há um ou outro que atende às perspectivas de um bom jornalismo, mas sabemos que nada vai além de um trabalho superficial, seletivo e elitista. Tirando do ar aqueles que poderiam ter voz. Os que não possuem vozes ou as ditas “Minorias”, não são minorias
porque nascem minorias. São minorias porque o sistema os condena e os coloca enquanto minorias nas representações e nos “espaços públicos”. A mulher da periferia não é ouvida. Ela ouve. O trabalhador não é escutado. Ele escuta. A comunidade não é atendida e os problemas sociais, reais, passam despercebidos pela sociedade. No lugar disso restam as demandas dos ouvintes: futebol, músicas, agendas políticas e muito entretenimento. A rádio que se torna força do poder político e atende às suas necessidades, pouco se interessa com os direitos dos indivíduos. Em Sergipe, dezenas de rádios pertencem às famílias tradicionais e ricas, compostas por empresários e políticos (isso tem redundância?). Infelizmente, o país inaugurou os meios de comunicação e os manteve nas mãos da política e do empresariado. O que dificulta termos um meio de comunicação interessado com o bem estar social ou com o debate público. Prova disso, é que pouco ou nada se houve de movimentação da sociedade para uma real mobilização democrática. As mobilizações, quando existem, têm um direcionamento específico e parcial. No nosso estado, observa-se um perfil de rádio dependente, desvalorizado, refém dos políticos poderosos. O que coloca em descrédito o trabalho jornalístico e o papel de levantar a importância do debate democrático. No lugar de emissoras, comitês partidários. No lugar de locutores, jagunços dos coronéis. No lugar de ouvintes, correligionários e eleitores ferrenhos. No lugar de coronéis armados, políticos engravatados. Salve-se quem puder, e, se possível, nossa democracia e liberdade de imprensa. Ou desliguemos o rádio e silenciemos quem nos governa.
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Manifestação Créditos: Brasil de Fato
Democratização dos meios de comunicação no Brasil: os novos desafios são os mesmos. Allan Jonnes | allan-jonnes@hotmail.
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Em tempos de necessárias discussões sobre a ruptura dessa forma vigente de Estado, de discussões sobre o esgotamento dos modelos representativos e tendo à frente o grande desafio de reinvenção e reconstrução do funcionamento da sociedade brasileira, a pauta sobre a democratização da comunicação tem por certo um papel protagonista. Segundo o Professor César Bolaño, presidente da União Latina de Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura (ULEPICBRASIL) e coordenador do Observatório de Economia e Comunicação da Universidade Federal de Sergipe (OBSCOM-UFS), “a comunicação é uma estruturante do poder, partícipe dele, não se encerra nela mesmo, em qualquer sociedade, quem controla a
comunicação intervém numa esfera muito importante do poder.” A América Latina é pioneira nas discussões sobre a democratização na mídia em todo o mundo. Bolaño afirma que, em meados dos anos 80, o setores de comunicações passaram por grandes transformações, sobretudo no avanço da lógica do mercado e da desregulamentação. No Brasil, os meios de comunicação estiveram sempre atrelados à iniciativa privada e ao mercado, ou seja, formaram-se principalmente a partir de privatizações, submissos à lógica mercantil. Essa prática, todavia, facilitava os investimentos do capital internacional no mercado, embora, protegesse também o capital já instalado no Brasil, no intuito de acentuar ainda mais o monopólio das comunicações. 9 EDITORIA MAIS CONTEXTO
Mídia e Monopólio De acordo com informações do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), apenas oito grupos detêm os maiores meios de comunicação no Brasil. São eles: Rede Globo, Bandeirantes, SBT, Record, RBS, Abril, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. O grupo Globo, o mais importante, com cinco emissoras próprias e 108 afiliadas, alcança praticamente a totalidade do território e da população do Brasil, obtendo mais de 50% da audiência de TV aberta. E, para além de terem sido contempladas com a concessão pública – e, desse modo, poderem concentrar o privilégio da disseminação de ideias e informação –, essas famílias recebem também vantajosas quantias de dinheiro público sob a forma de verba publicitária. Uma publicação do site Observatório da Imprensa reporta que apenas entre maio e agosto de 2016, por exemplo, as Organizações Globo receberam mais de R$ 15,8 milhões do governo federal, no
mesmo período o Estadão recebeu cerca de R$ 307 mil; a Folha de São Paulo, R$ 303 mil; e o Valor, R$ 347 mil. O texto da constituição brasileira de 1988, em seu §5º, art. 220, orienta que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. No entanto, para além da concentração de poder no mercado e da falta de pluralidade decorrente desse oligopólio, o setor é também caracterizado pela forte presença de forças políticas nacionais. Segundo o FNDC, em 2008, o número de políticos associados aos meios de comunicação chegava a 271, entre senadores, deputados, prefeitos, etc., o que também é desaconselhado pela Carta Magna e obviamente cria um enorme entrave ao desenvolvimento de uma legislação que intente democratizar o acesso à comunicação e a revisão dessas concessões.
Avanços e retrocessos Os diálogos acerca da democratização da comunicação no Brasil, iniciados por volta dos anos 70, reivindicam uma maior pluralidade na gestão dos meios de comunicação, compreendendo-os não como um privilégio – como se demonstra em sua situação atual - mas como um direito. Várias iniciativas e coletivos discutem a problemática do monopólio das mídias no Brasil, dentre elas temos a Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação (ENECOS), o Intervozes ou Coletivo Brasil de Comunicação Social, a ABRAÇO – Associação Brasileira de Rádio Comunitária, a Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (ABEPEC), entre outras. Alguns desses coletivos fazem parte do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que está ativo desde os anos 90 e conta com mais de 500 filiadas, entre associações, sindicatos, movimentos sociais, organizações nãogovernamentais e coletivos. Um ponto importantíssimo ainda que controverso nas discussões pela democratização das comunicações no Brasil foi a I Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM), o evento contou com representantes de diversas entidades e coletivos nacionais para deliberar sobre uma reorganização do MAIS CONTEXTO EDITORIA 10
setor de Telecomunicações no país. De acordo com Ana Carolina Westrup, membro do Observatório de Economia e Comunicação da UFS e estudiosa do assunto, apesar de a conferência ter proporcionado avanços importantes na discussão sobre a democratização “a formatação das políticas de comunicação no Brasil sempre foram o resultado das disputas entre três concepções: a conservadora, a progressista e a liberal. Essas correntes surgiram em momentos históricos e com interesses distintos, mas continuam atuando e influenciando a regulação do setor de radiodifusão até os dias de hoje. Esse contexto não se diferenciou na Conferência. Os conservadores, progressistas e liberais atuaram na aprovação das propostas que fossem reflexos dos seus interesses, com convergências e divergências entre eles, englobando os velhos e novos problemas para o sistema de televisão no Brasil.” Para ela, embora a CONFECOM tenha sido um espaço importante de discussão e deliberação sobre as políticas de comunicação, os interesses de mercado, expressos nos acordos entre as concepções conservadora e liberal, com a forte influência das Organizações Globo, acabaram frustrando os seus desdobramentos.
Mídia e convergência tecnológica Nos últimos anos, o surgimento da internet, a convergência digital, as TICs (tecnologias da informação), têm desfeito paradigmas em vários setores consolidados do mercado, a exemplo da derrocada ou fragmentação de grandes gravadoras a partir do surgimento dos suportes digitais como o MP3 e do compartilhamento indiscriminado de músicas nas redes, etc. De certo modo, o acesso à informação em alguma medida foi democratizado a partir da chegada da internet. Segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia de 2016, a internet é, com 26% das menções, o 2° colocado na preferência dos espectadores que procuram por notícias nos meios de comunicação, perdendo apenas para a TV com 63%. Em artigo publicado para o segundo encontro da ULEPIC – Digitalização e Sociedade, em 2008, o professor e pesquisador adjunto da Universidade Estadual Paulista (UNESP) Murilo César Soares afirma que do ponto de vista social, a Internet é um estímulo ao protagonismo, à pluralidade e diversidade, favorecendo a crítica e disseminando-a. “Os blogs, o jornalismo online, as páginas dos
movimentos sociais são algumas das novas possibilidades comunicativas críticas e alternativas que revelam a Internet como um novíssimo protótipo de comunicação, cujo princípio é o da interatividade”. No entanto, Soares atenta para que “apesar de tudo, a Internet não é a utopia finalmente realizada, pois os grandes fornecedores de informações tradicionais (revistas, jornais e redes de TV) expandiram seus negócios para o chamado ciberespaço, onde dominam como fornecedores de conteúdo e em termos de número de acessos.” Ainda segundo o pesquisador, “num país em que a comunicação sempre foi controlada por poucos grupos, a sociedade foi limitada a assistir a implantação de novos meios de comunicação como resultado de decisões tomadas, quase sempre, em gabinetes acessíveis apenas a empresários. As lutas pela democratização da comunicação mostram que, dada a grande concentração do poder político na sociedade brasileira, contrário a qualquer mudança, lutar para democratizar os meios é lutar para democratizar a sociedade.” 11 EDITORIA MAIS CONTEXTO
REPRESENTATIVIDADE POLĂ?TICA Um novo velho problema do Brasil Ivana Oliveira | oliveiralivy@gmail.com Thiago Farias | farias001.tf@gmail.com
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Com a população decepcionada, analista político acredita que uma das causas do problema é a atuação da mídia em parceria com a classe política
No último mês de agosto, a equipe de reportagem da Revista Contexto entrevistou alguns cidadãos das mais variadas idades para tratar de um tema delicado na realidade brasileira: a política. Ao percorrer o centro da capital sergipana, Aracaju, os entrevistados demonstraram repulsa, revolta e falta de esperança com aqueles eleitos para representar e trabalhar pelo interesse coletivo. Neste contexto, soluções são jogadas ao vento e o espaço para ótimas ou perigosas ideias e personalidades se abre no horizonte do Brasil. “Não me sinto politicamente representada devido à corrupção instalada no país, porque, enquanto eles roubam, nos falta saúde, saneamento e emprego”, diz a auxiliar de dentista, Audineide Farias, de 38 anos. Ela acredita que a solução para os problemas brasileiros desaguam no fim das coligações e na instauração do tripartidarismo. “Do jeito que as coisas estão nada vai mudar. Temos que parar de colocar a culpa no outro e acreditar em uma verdadeira mudança”, afirmou. O sentimento de não representação apresentado por Farias é compartilhado por outros cidadãos, que, cansados da corrupção e do modus operandi dos políticos brasileiros, não veem esperanças para o futuro do país. Tal sentimento pode ser demonstrado na pesquisa de opinião pública divulgada pelo Instituto Datafolha, em que as siglas partidárias mais conhecidas entre a população aparecem com um baixíssimo percentual de preferência, são elas: PT (18%), PSDB (5%), PMDB (5%), PSol (1%), PV (1%) e PDT (1%). Para Wilson de Oliveira, doutor em Antropologia Social e professor de Política na Universidade Federal de Sergipe (UFS), o principal fator para que a população rejeite a política e as agremiações
partidárias é a atuação da imprensa, principalmente, quando veicula pesquisas de opinião como esta publicada pelo Instituto Datafolha. “Nesse momento a gente tem uma série de reportagens veiculadas nos grandes meios de comunicação, que estão vinculados aos interesses políticos. Isso que é interessante, pois os caras fazem as pessoas desacreditarem da política e obtêm uma relação direta de usufruto dela”, argumentou Oliveira. Wilson também acrescentou que, para ele, uma das principais causas da atual crise política é a estreita relação da grande mídia brasileira com a classe política. Em sua argumentação, o doutor diz que a crise vai além dos bastidores do Congresso Nacional, uma vez que, em sua ótica, a população está desacreditada tanto da imprensa, como da política de modo geral. Tal fator abre precedentes para a ascensão de candidatos que se posicionam de forma radical como Jair Bolsonaro (Patriota) e João Dória Jr. (PSDB), personalidades políticas que rejeitam a alcunha de político. “Isso vem de uma concepção de que os políticos estão gerindo mal, e que agora é a vez de um empresário, um gestor. Essa é uma boa maneira de ser político e não ser criminalizado pelos meios de comunicação”, pontuou o professor de política da UFS. Para o integrante do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFS, Matheus Pacheco, os candidatos citados acima representam uma ideologia que sempre existiu no país. “A gente entende que o conservadorismo vem crescendo, mas a gente tem que combater, essa é a nossa única saída”, disse o integrante, que também é militante do Levante Popular da Juventude. As impressões de Pacheco a respeito do 13 EDITORIA MAIS CONTEXTO
pensamento conservador e neoliberal também são compartilhadas por Wilson de Oliveira, que ao analisar o cenário político brasileiro afirma não saber o que há por vir uma vez que a autoridade do Estado Brasileiro está baseada no poder moderador, que usualmente se concentrava na figura do monarca, ou seja, em uma personalidade capaz de, sozinha, conciliar os interesses nacionais. Ao discorrer sobre as figuras personalistas da política brasileira, o professor Wilson de Oliveira cita Getúlio Vargas. “Antes de Getúlio (a política) era um caos, era golpe atrás de golpe. Com Getúlio você tem um pico de estabilização de 1945 a 1964.” O doutor explica que, com o período da ditadura militar, há uma corporação que impõe coesão e, logo após a redemocratização, os presidentes que assumem são dotados de um poder pessoal muito forte. “Posso exemplificar com FHC, Lula, e aí há uma crise institucional porque não é a instituição da presidência que tem força, mas o personagem”, conclui. Se por um lado, a crise política causa um ambiente instável em Brasília, por outro MAIS CONTEXTO EDITORIA 14
afasta a população de todo movimento político, desde a sua base – através dos movimentos estudantis – até as filiações partidárias. Tal medida já é sentida no DCE da UFS, e para Matheus Pacheco isso é resultado dos poucos espaços de participação popular, que historicamente não foi um direito efetivamente consagrado à população. “A gente escolhe nossos representantes de dois em dois anos, e nós entendemos que isso não é suficiente porque tem de haver mais espaços. Por isso, defendemos que haja uma Assembleia Constituinte no Brasil, para que possamos viabilizar esse processo de participação popular na política, reformulando todos os espaços possíveis, para que realmente haja o poder do povo”, defendeu Pacheco. O professor Wilson de Oliveira explica, no caso da participação em manifestações, que não existe um ciclo perene, mas que há picos: momentos de maior participação e declínio, o que ocorre porque o Estado passa a incorporar certas demandas. “Há um alto custo para a participação em movimentos sociais em momentos de ditadura, por exemplo,
devido à repressão e às perseguições. Mas é justamente em episódios como esse que pode haver um pico maior de participação das pessoas no processo de redemocratização”, diz Oliveira. O professor de política atenta para o fato de se pensar, erroneamente, o movimento social separadamente da política institucional. “A dinâmica de eleições, Estado, e a mobilização dos movimentos sociais para conseguir colocar seus grupos no poder está totalmente relacionada. Por isso, temos que pensar as dinâmicas de confronto e é isso que vai dar margem para uma maior participação nas ruas com protestos e manifestações”, acrescenta. Ao ser questionado quanto a uma possível solução, Oliveira afirma não acreditar unicamente na intensificação do ensino de história em salas de aula, mostrando aos alunos detalhes sobre os períodos de repressão no cenário brasileiro. “A formação escolar pode ajudar as pessoas a serem mais vigilantes em relação a manipulação, porque a mudança somente se dará com o fortalecimento das instituições para que estas possam ofertar uma certa estabilidade ao país”, finaliza.
Políticas públicas no Brasil
A participação dos movimentos sociais
Foto: Arquivo pessoal
ENTREVISTA COM
SILVIO SANTOS Ex-titular da Secretaria Nacional de Participação Social no governo Lula
Antonio Gonçalves | goncalvesaa@gmail.com
Atualmente vemos o Congresso Nacional aprovar medidas impopulares, que fizeram despencar a aprovação do governo a níveis jamais vistos. Nas ruas, a volta dos movimentos populares com reivindicações históricas, principalmente contra a retirada de direitos conquistados durante décadas pela sociedade brasileira. A redação da Revista Mais Contexto entrevista o jornalista e presidente da Fundação Municipal de Cultura (FUNCAJU), Silvio Alves dos Santos, popularmente conhecido como Silvio Santos, para falar
sobre a participação popular nas políticas públicas desenvolvidas no Brasil. Ele foi o responsável e titular da Secretaria Nacional de Participação Social no governo Lula (2003-2006), ex vice-prefeito de Aracaju, ex-bancário, com cargos de direção no Sindicato dos Bancários de Sergipe (SEEB) e direção na Confederação Nacional dos Bancários (CNB), dirigente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) local e nacional, ex-secretário de municipal de Participação Popular e Saúde de Aracaju(SE), ex-secretário estadual de Saúde e Casa Civil de Sergipe.
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CONTEXTO – Quando foi criada a Secretaria Nacional de Participação Social? SS– No primeiro governo do presidente Lula. CONTEXTO – O que existia antes? SS – O governo federal não tinha nenhum diálogo com os movimentos sociais, pelo contrário, o movimento social, de trabalhadores, de cidadania, é...era sempre levado com argumento de que eram chamados de baderneiros, eram considerados pessoas a margem de qualquer diálogo social. CONTEXTO – Em sua opinião, porque foi criada essa Secretaria? SS – Como os governos só tratavam com os setores produtivos, o governo Lula, mantendo compromisso histórico com a classe trabalhadora e com os movimentos sociais, criou essa janela de diálogo.Criou esse espaço para que o movimento social também tivesse protagonismo, que levasse suas reivindicações e dialogasse com o governo, e assim foi feito. CONTEXTO – Qual a sua função na Secretaria Nacional de Participação Social SS – Eu fui convidado para assumir a MAIS CONTEXTO POLÍTICA 16
função de secretário. Acho que por uma experiência anterior, além do meu relacionamento, da minha vivência como dirigente sindical e costume com os movimentos sociais, fui dirigente nacional da CUT eda CNB. Aqui em Aracaju eu tinha exercido a Secretaria de Orçamento Participativo, que era também um diálogo social. Por isso, quando foi criada a Secretaria fui convidado a fazer parte do governo federal e assumia função primordial de dialogar com os movimentos sociais. CONTEXTO – O Sr. pode citar alguns movimentos sociais com os quais dialogou? SS – MST, CUT, UNE e tantos outros. CONTEXTO – Como a imprensa tratou essa mudança de paradigma? SS – A grande imprensa tradicional nacional começou a tentar queimar esses movimentos como adesistas ao governo. CONTEXTO – O que realmente o governo fez para que os movimentos sociais participassem das decisões governamentais? SS – O que houve foi um diálogo franco e aberto. Nós abríamos os dados do governo para esses movimentos identificarem as dificuldades, porque
nem tudo, nem toda pauta que eles levavam, era atendida ipsis litteris. Era sempre negociado aquilo que era possível negociar, não havia uma relação de subordinação dos movimentos sociais ao governo. Havia autonomia. Havia por parte dos movimentos essa liberdade, inclusive de criticar. CONTEXTO – Liberdade de criticar? SS – Se você pegar as notícias da época verá que Luiz Marinho, presidente da CUT, assim como dirigentes da UNE e dirigentes do MST em vários momentos criticando o governo Lula. Seja pela reforma agrária não estar sendo atendida naquilo que o MST pedia, seja porque alguma reivindicação da CUT tinha ficado sem atendimento e assim por diante. O fato, porém, é que essa Secretaria oportunizou pela primeira vez no Brasil que os trabalhadores, aqueles que fazem os movimentos sociais, tivessem também oportunidade de disputarem seus pleitos junto ao governo federal. CONTEXTO – Você disse que antes do Governo Lula não existia nada. É nada mesmo? SS – Nada mesmo. Os governos sempre trataram muito mal os movimentos sociais. Não havia no governo nenhum espaço específico para tratar essas reivindicações. Você tinha vários, inclusive ministérios, dedicados a determinadas
“Nós conseguimos ao longo do primeiro governo Lula, que foi quando eu tive participação, mas é importante analisar os 12 anos dos governos do PT, tornar o Brasil referência internacional de participação social nos governos, desde as conferências municipais, passando pelas conferências estaduais e as conferências nacionais.”
áreas. Por exemplo, o Ministério da Agricultura sempre foi do agronegócio, nunca foi da agricultura familiar. No governo Lula foi criado o ministério para atender esse ramo específico dos pequenos produtores do Brasil. O governo deixou de sempre atender os chamados tubarões da nossa elite econômica: banqueiros, industriais em geral, a Fiesp, a CNI, o agronegócio, para atender os setores pequenos e médios, especialmente aqueles das organizações dos trabalhadores que nunca tiveram voz dentro dos governos desde a época do império. Até a chegada de Lula nunca houve essa preocupação do governo federal. Essa foi a primeira oportunidade (mesmo) de um governo também dar voz a esses setores. CONTEXTO – Quais as dificuldades encontradas para a implantação dessa
Secretaria? SS – Olha, na verdade, como era uma coisa nova, outra cultura também, houve algumas incompreensões. Eu falei das críticas que muitas vezes as pessoas faziam, principalmente as lideranças desses movimentos. Era apenas a abertura de um espaço para o diálogo, para a negociação, mas nem tudo poderia ser atendido. Havia dificuldades e falta de condições para atender as muitas demandas reprimidas, mas havia também a vontade política e a compreensão desse diálogo. No mais, acho que foram mais oportunidades do que problemas. CONTEXTO – O que considera de positivo no período? SS– Nós conseguimos ao longo do primeiro governo Lula, que foi quando eu tive participação, mas é importante
analisar os 12 anos dos governos do PT, tornar o Brasil referência internacional de participação social nos governos, desde as conferências municipais, passando pelas conferências estaduais e as conferências nacionais. Milhões de pessoas passaram a discutir políticas públicas, coisa que não havia, embora estivesse na Constituição. CONTEXTO – Qual a razão? SS – A Constituição de 1988 aprovou a criação dos chamados Conselhos Populares. Isso era exatamente para haver essa participação social, para que as políticas públicas fossem discutidas também pela sociedade. Mas nunca se praticou isso. Algumas áreas tinham conferências por conta da legislação que exigia,a exemplo da saúde, da educação e da assistência social. Por isso, podemos afirmar que somente esses 17 POLÍTICA MAIS CONTEXTO
“O governo deixou de sempre atender os chamados tubarões da nossa elite econômica: banqueiros, industriais em geral, a Fiesp, a CNI, o agronegócio, para atender os setores pequenos e médios, especialmente aqueles das organizações dos trabalhadores que nunca tiveram voz dentro dos governos desde a época do império”
setores possuíam experiências antes desse debate ampliado da sociedade na discussão das políticas públicas, porém era muito deturpado. CONTEXTO – Deturpado em qual sentido? SS – Os conselhos locais eram formados pelos governantes, pelos prefeitos, principalmente os prefeitos dos municípios que colocavam seus parentes e amigos. A ideia que se tinha da sociedade discutindo, era a de que poderia atrapalhar os projetos, e não é assim. Numa democracia de verdade tem que ter a sociedade discutindo. CONTEXTO – E o que mudou? SS – Disseminamos a ideia de que as políticas públicas teriam que ser debatiMAIS CONTEXTO POLÍTICA 18
das com a sociedade em todas as áreas, passando pelas conferências locais, estaduais e nacionais. Milhões de pessoas discutindo essas políticas proporcionou uma nova cultura. Lembro quando participamos do Fórum Social Mundial em Caracas, na Venezuela, em que todas esquerda da América Latina estava presente, o governo Lula foi exaltado pela abertura do diálogo social, por ter no Brasil um mecanismo que possibilitava as pessoas, de forma mais ampla possível, participarem do debate público para construção de políticas para o País. CONTEXTO – Pode citar alguns projetos e resultados desse período? SS – O mais importante foi exatamente essas conferências que levaram milhões de pessoas a discutirem, trazem um legado que certamente a história registrará. Como Lula costumava dizer: “nunca
antes na história do nosso País”, acho que antes na história do mundo, tantas pessoas foram donas de seu próprio destino e tiveram a oportunidade de discutir as políticas que lhes interessavam. Isso gerou naturalmente uma forma nova de enxergar o poder público, descentralizou as decisões governamentais e levou com que questões relacionadas ao orçamento saíssem das mãos de técnicos, de quatro paredes, para que a sociedade pudesse debater livremente. Esse para mim é o maior legado. CONTEXTO – Pode contextualizar algum momento? SS – Nós tivemos outros momentos importantes,a cultura de que o governo era da elite dominante se esfarelou nesse processo, porque da mesma forma que o governo atendia o setor produtivo, também recebia e atendia
as organizações de trabalhadores e de cidadania. Lembro-me de um evento em 2005 ou 2006, no auge da estória do mensalão, no qual os movimentos sociais que faziam muitas críticas ao governo por conta de demandas reprimidas e reivindicações não negociadas, ou em negociação, não se furtou, e naquele momento todo mundo se unificou. Todo mundo se uniu para prestar solidariedade ao governo do presidente Lula. Houve uma reunião histórica no Salão Oval do Palácio do Planalto liderada pela nossa Secretaria com o MST, a UNE, a CUT, ou seja, as centrais sindicais todas numa grande reunião. Isso repercutiu no Congresso Nacional a ponto do então senador Antonio Carlos Magalhães dizerem um discurso que: “enquanto esses movimentos estivessem nas ruas não teria como o Senado falar em impeachment do presidente Lula”. CONTEXTO – Em sua opinião, o que esses movimentos queriam dizer, já que a questão não era de políticas públicas, mas defender um governo? SS – Nesse momento mostravam que havia mobilização social e que essa mobilização social defendia um governo que lhe era caro. Eu acho que esse trabalho de diálogo que nós fizemos com a sociedade civil organizada proporcionou oportunidades para setores que nunca foram ouvidos ou nunca tiveram voz para dizer: “Olha, nós temos um gover-
no que nos recebe, que pontualmente nós fazemos críticas, que pontualmente nós até combatemos, mas é um governo que nos recebe, nos atende e nós vamos lutar por esse governo”. Isso é uma coisa importante. CONTEXTO – Como o senhor analisa a participação dos movimentos sociais no governo Temer? SS – Isso não existe. Esse governo, não podemos nem chamar de governo, atualmente o governo não tem apoio da sociedade, vive do apoio que tem no Congresso a um custo altíssimo. Aliás, a um custo muito caro para a sociedade brasileira, porque está indo embora tudo que foi conquistado, nossos direitos, nossas riquezas, está havendo um verdadeiro desmonte. O estado está se desmoronando com consequências gravíssimas para o futuro, para que Temer se mantenha no governo comprando apoio do Congresso Nacional, de deputados e senadores numa coisa terrível. Com uma pauta terrível a soberania dos interesses nacionais. Então é óbvio que num ambiente desses não cabe nenhum espaço para diálogo social, nenhum diálogo com a sociedade. É um governo que não respeita isso, enfim, um governo que é refém de si mesmo, das suas mazelas, das suas falcatruas e que a duras penas para a Nação tenta manter-se sentado na cadeira.
CONTEXTO – Considerações finais? SS – A minha expectativa é que a sociedade brasileira que desde a redemocratização se organizou e tem um movimento social mais forte, tendo vivido esses momentos de fortalecimento da cidadania nos debates de políticas públicas que ocorreram nos últimos 15 anos, possa novamente levantar a cabeça e ir à luta. Temos que reconquistar o Estado Brasileiro para reassumirmos direitos e conquistas. É com esse sentimento de nação que infelizmente voltamos a sofrer percalços em função de um governo fruto do golpe de 2016, É preciso voltar a lutar para retornar o Brasil a sua soberania epara o povo brasileiro. CONTEXTO – Algo mais que foi esquecido? SS – Não. Apenas reforço a importância que temos de continuarmos a luta. Essa luta não pode parar em momento nenhum. Quanto mais avança,mais a gente precisa consolidar as conquistas do povo. Essas conquistas precisam sempre ser consolidadas, mesmo no hiato que sofremos nesse momento, desde o impeachment da presidenta Dilma perpetrado no golpe político em Brasília. Precisamos superá-lo para que o Brasil volte a ser uma nação respeitada no mundo e os brasileiros contemplados com um país que realmente atenda aos interesses e as reivindicações de toda a sociedade. 19 POLÍTICA MAIS CONTEXTO
O conhecimento não vos libertará Sob o nome de ‘Direito de aprender’, Escola Sem Partido avança rumo a Sergipe em prol de uma educação apática e não reflexiva Isabela Moraes (isabela.moraes@outlook.com)
No mês de agosto, o Projeto de Lei 235/2017, ou ‘Direito de aprender’, de autoria da vereadora Emília Corrêa (PEN), foi apresentado à Câmara de Vereadores de Aracaju. A redação do projeto parte do Movimento Brasil Livre (MBL) em Sergipe, que no mês passado promoveu um corpo a corpo na Casa para conseguir a adesão dos vereadores. O ‘Direito de aprender’ é uma variação do PL 193/2016, de autoria do senador Magno Malta (PR/ES), que prevê a inclusão do ‘Escola sem partido’ na Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional.
de tentar emplacar no âmbito federal, o projeto encontra esteio nos âmbitos municipal e estadual. Foi assim que Alagoas se tornou o primeiro estado brasileiro a aprovar a iniciativa, por meio da Lei 7.800/2016. Em março deste ano, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso suspendeu a iniciativa. Na oportunidade, o ministro sublinhou o quão perniciosa pode ser a proposição do Escola sem partido. “É tão vaga e genérica que pode se prestar à finalidade inversa: a imposição ideológica e a perseguição dos que dela divergem”.
Além de Emília Corrêa (PEN), a proposição encontrou acolhida na Câmara por meio dos vereadores Seu Marcos (PHS) e Cabo Amintas (PTB). Como reação à iniciativa, o vereador Iran Barbosa (PT) organizou uma audiência pública, em 20 de setembro, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Vereadores. Até o momento, o PL segue em pauta, de modo que também será discutido na Assembleia Legislativa de Sergipe.
De acordo com um levantamento feito pela plataforma Educação & Participação, da Fundação Itaú Social, até o ano passado 19 estados brasileiros sinalizaram adesão ao movimento ou a um projeto dele derivado, entre eles Rio de Janeiro, Amazonas, Pernambuco, Paraná e São Paulo.
O projeto é considerado, por seus críticos, antidemocrático, já que o ‘Escola sem partido’ defende que o professor não manifeste opiniões pessoais sobre determinados assuntos para não “cooptar” ou “doutrinar ideologicamente” seus alunos, considerados pelo projeto o elo mais fraco no processo de ensino-aprendizagem. A proposta é que seja exposto na sala de aula e na sala dos professores um cartaz com regras que delimitam a postura do docente. Além
As regras estabelecidas no cartaz proposto pelo ESP impõe ao professor uma postura de neutralidade política, ideológica e religiosa, defendo que o docente atue com pluralismo de ideias. Além disso, a redação do projeto defende o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções, neste caso, desabonando a escola dessa função, para que a responsabilidade recaía apenas sobre o núcleo familiar.
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O projeto
Como efeito, proíbe a discussão sobre ideologia de gênero. As regras dispostas no Escola sem partido deverão ser aplicadas às políticas e planos educacionais e aos conteúdos curriculares, aos materiais didáticos e paradidáticos, às avaliações para o ingresso no ensino superior e bancas para ingresso na carreira docente, e ao contexto das instituições de ensino superior. O projeto incube o Ministério e as Secretarias de Educação de manter um canal de comunicação para recebimento de reclamações, de modo que o denunciante permaneça em anonimato. As denúncias deverão ser encaminhadas ao Ministério Público. Questionado sobre por que em Sergipe o Escola sem partido recebeu outra nomenclatura, mesmo que a redação do “Direito de aprender”seja praticamente a mesma, Flávio Rodrigues, militante do MBL/SE, afirma que partiu da vereadora Emília Corrêa (PEN) a iniciativa. “A sugestão de mudança foi da vereadora Emília por conta da preocupação dela com a constitucionalidade do projeto. Mas, da nossa parte, não temos essa preocupação. Entendemos que o projeto é constitucional e não fere nenhuma legislação federal”. A diferença entre o projeto de autoria do senador Magno Malta (PR/ES) e o de Emília Corrêa (PEN) se dá na amplitude da ação e do efeito, já que o primeiro
tenta abarcar todo o território nacional e penetrar na LDB. Além disso, dispõe sobre a construção do material didático e conteúdo de bancas de seleção pública para ingresso na universidade. O “Direito de aprender” é menos ambicioso, já que versa sobre como se dará a educação no plano municipal, além de se limitar à presença do cartaz na sala de aula sem dispor sobre formas de punição para o docente, como intenta o Escola sem partido. O professor de Sociologia Rodorval Ramalho (UFS), em depoimento veiculado na página oficial do MBL/SE, defendeu o enfrentamento do que chamou de pensamento único, que comprometeria a aprendizagem. “Hoje é um momento muito importante para a educação aqui em Sergipe, porque finalmente alguém tomou uma iniciativa de garantir na sala de aula um mínimo de pluralidade. Hoje, nos livros didáticos, no material escolar, é absolutamente evidente o esforço de amplos segmentos de fazerem da escola e da sala de aula um local de doutrinação”, enfatizou.
Não coma da árvore do conhecimento A maçã era o fruto, e o fruto era conhecimento. Eva ofereceu sabedoria a Adão e, mais sábios, provocaram a ira de Deus. A maçã era o fruto, e o fruto repousa sobre a mesa do professor. O mestre 21 POLÍTICA MAIS CONTEXTO
O Poder Público não se imiscuirá na opção sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer, precipitar ou direcionar o natural amadurecimento e desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação dos postulados da teoria ou ideologia de gênero.
ofereceu sabedoria ao discípulo e, mais sábio, o discípulo provocou a ira dos quadros reacionários do país. A casta refratária do Brasil, na qual se inclui o Escola sem partido, acredita que a liberdade de cátedra é usada para manipular mentes e fazer insurgir uma geração de estudantes, como se a aprendizagem ficasse encerrada entre os muros da escola e os alunos são circulassem pelo Éden – leia-se mundo exterior. A construção do saber ultrapassa o espaço escolar, pois está também nas relações sociais que o indivíduo estabelece. Não à toa, o Escola sem partido soa como um ruído incompreensível, pois luta pela neutralidade, mas, para isso, parte de uma ideologia específica, uma lógica que por excelência é parcial. Os mesmos indivíduos que promovem o movimento são aqueles que fundamentam suas ideias em obras e documentos de personalidades conservadoras. O projeto foi abraçado por personagens controversos que integram partidos de direita, a exemplo do senador Magno Malta (PR/ES) e do deputado Marco Feliciano (PSC/SP) – em Sergipe, o vereador Cabo Amintas (PTB) é conhecido por apresentar um quadro dentro de um programa policial. Entre as leituras indicadas pelo movimento estão Professor não é educador (2012) de Armindo Moreira, que defende que cabe à escola somente a transmissão de conhecimentos e habilidades para a vida MAIS CONTEXTO POLÍTICA 22
prática no mercado de trabalho, quanto à construção moral, cabe ao núcleo familiar. Outra obra recomendada é Guia politicamente incorreto da História do Brasil (2009) do jornalista Leandro Narloch, que faz releituras de acontecimentos históricos e seus personagens centrais, supostamente jogando luz sobre ideias arraigadas na escola. Não é coincidência o fato de que recaem sobre o projeto acusações de ser conservador, autoritário e fundamentalista. Isso fica evidente quando propõe que se subtraia do meio escolar a discussão de gênero, o que ele chama de “opção sexual”. Propor algo dessa natureza é ir na contramão da liberdade de existir e da fomentação dos direitos individuais. Suprimir a discussão de gênero na escola é permitir que uma parcela dos alunos permaneça nas sombras e seja rechaçada por seus pares, além de culminar em evasão escolar. Não é coincidência que, por muito tempo, gays e pessoas trans ocuparam subempregos, já que não conseguiam concluir sua formação por não se sentirem confortáveis no ambiente da escola. Flávio Rodrigues, integrante do MBL/ SE e um dos responsáveis pelo “Direito de aprender”, enfatiza que a discussão de gênero já é proibida pelo governo federal, por isso, sua menção no projeto é se limita a um reforço. “A liberdade dos pais, das famílias, de educarem seus
filhos conforme os valores morais que são convenientes e inerentes à sua culturadeve ser respeitada. Como a ideologia do gênero não é um debate científico, entendemos que ele [sic] não deve fazer parte da grade curricular de qualquer disciplina”, defende. O que o projeto almeja é uma suposta neutralidade do professor ainda que a neutralidade discursiva em si sequer exista. Tudo o que é dito possui carga ideológica, até mesmo a ausência e o silêncio podem comunicar uma ideia. É preocupante um movimento que enxerga o aluno como mero receptáculo, cuja capacidade limita-se a internalizar
informação sem sequer processá-la; ignorando, portanto, o protagonismo que o indivíduo desempenha na própria aprendizagem. Curiosamente, Paulo Freire, teórico marxista, defendeu que o estudante não é uma tábua rasa, e que, portanto, traz consigo conhecimento de mundo anterior ao escolar, podendo reinterpretar as informações adquiridas. Uma educação verdadeiramente edificante aponta caminhos sem fechar as rotas, serve o indivíduo de instrumentos de emancipação crítica e o liberta, em vez de simplesmente ocultar saberes, como outrora fez Deus, que puniu suas criaturas por acessarem a sabedoria que ele havia lhes negado. 23 POLÍTICA MAIS CONTEXTO
A representação da militância luta histórica do movimento L
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aea LGBT
Ronaldo Gomes
Narrativas que se cruzam desde 1969, na revolta de Stonewall, até a decisão da Justiça Federal em tratar psicologicamente questões ligadas a orientações sexuais Por Ronaldo Gomes | ronaldoogomes@outlook.com.br
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Dezoito de setembro de 2017. Esta data entrará para a história como o dia em que a Justiça Federal do Distrito Federal autorizou a psicologia a tratar orientação sexual como patologia. Desde os anos 90 a Organização Mundial da Saúde (OMS) deixou de considerar a homossexualidade como doença, mas bem antes disso o movimento LGBT já lutava suas próprias batalhas contra uma sociedade que os reprimia de maneira incisiva. Exatos quarenta e oito anos antes de Waldemar Cláudio de Carvalho, juiz responsável pela atual decisão, dar esse parecer, lésbicas, gays e outros membros da comunidade LGBT faziam pela primeira vez frente pública à represálias sofridas de policiais nos Estados Unidos. A Revolta de Stonewall, como ficou conhecida, aconteceu em um bar de Nova Iorque e marcou para sempre o percurso de lutas dos movimentos LGBTs mundo afora.
“Nós temos orgulho”
Vinte e oito de junho de 1969. Esta data entrou para a história como o dia em que essa comunidade quis dar um basta na violência gratuita que sofria pelo simples fato de existir. Desde então, todos os anos, milhares de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e quaisquer outras minorias sexuais, se reúnem na data para dizer “Nós temos orgulho”. O orgulho pode ser considerado o símbolo máximo de união da comunidade. Se a decisão do juiz tomada no presente parece um passo para o passado, a de-
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“Sou viado e não acho certo o que estão falando” cisão do enfrentamento da comunidade LGBT no passado pode ser vista com uma perspectiva de futuro. Um futuro que Matheus Coutinho Pacheco, 23, estudante de pedagogia e militante do Levante Popular da Juventude precisa entender olhando para sua história e reconhecimento enquanto gay. “Quando eu comecei a militar, em 2007/2008, estava me descobrindo, não tinha tanta afinidade com pautas relacionadas à questão de sexualidade, mas naquela época eu não via tantos gays em movimentos estudantis e quando via eles não estavam em posições de dirigente desses movimentos”, conta. Matheus tem uma história de militância estudantil que antecede seu papel ativo nas lutas que dizem respeito às pautas LGBTs. Aos quinze anos, ainda no Rio de Janeiro, o estudante se envolveu com o grêmio escolar e sua sede por mudanças sociais concretas o fez percorrer um caminho de descobertas. Uma delas foi sua homossexualidade. “Isso me marca até hoje. No momento em que eu me dei conta: sou viado e não acho certo o que estão falando”. O momento a que se refere foi quando precisou falar publicamente e recebeu o primeiro golpe da homofobia. Junto com ele, a reprodução do machismo. “Quando eu tinha uns 15/16 anos e era do grêmio, tínhamos que fazer falar públicas em alguns lugares e algumas pessoas
diziam para eu não falar com trejeitos senão os estudantes não iam me ouvir e respeitar. A primeira coisa que percebi foi que para eu ser do movimento estudantil eu tinha que ter o perfil de homem, me masculinizar, falar grosso”, relata. Os traços do machismo que vieram no pacote do preconceito sofrido por Matheus são muito mais fortes e evidentes para Rose Bonifácio, 22, estudante de jornalismo. Por ser uma mulher lésbica, espaços de fala lhe foram negados durante toda a vida, até durante seu primeiro envolvimento com movimentos de militância. “Quando participei de movimento estudantil já levantava pautas sobre a comunidade LGBT, mas não eram pautas muito discutidas. Eu
“Eu via que por ser mulher e lésbica não tinha voz dentro desse movimento” via que por ser mulher e lésbica não tinha voz dentro desse movimento; dentro da própria esquerda, que deveria defender as minorias”, afirma. Tanto Matheus quanto Rose representam vertentes do movimento LGBT. Ele, falando como homem gay. Ela, enquanto mulher lésbica. Embora seus discursos sejam de vivências próprias e de uma militância percebida dentro das problemáticas que o movimento enfrenta nos dias de hoje, não se pode negar que seus anseios também são resquícios históricos daquela revolta que aconteceu em 69, no outro lado da América.
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A nomenclatura para designar o movimento organizado passou por transformações históricas ao longo dos anos. De GLS (Gays, Lésbicas e simpatizantes), em desuso por ser excludente e pouco representativa, até a comumente usada LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais). Algumas entidades e organizações ainda adicionam um I para representar pessoas intersex ou um Q para pessoas que se identificam como queer – em resumo, que não seguem padrão de heterossexualidade ou binarismo de gênero. Outras utilizam LGBT+, que engloba todas as outras variações de sexualidade e identidade de gênero não representadas nas letras.
A nomenclatura que coloca as lésbicas como primeira representação do movimento não é uma realidade efetiva na vida de Rose Bonifácio. Segundo ela, sua posição enquanto mulher lésbica dentro do movimento LGBT carrega poucas diferenças da sua participação fora dele. Para exemplificar seu incômodo, Rose cita o programa Amor & Sexo, conhecido por pautar de maneira democrática e elucidativa assuntos ligados a sexualidade e a identidade de gênero, que em uma de suas edições tratou a mulher lésbica como gay.
“Até na nomenclatura nós somos inferiorizadas e caladas porque é um vício da sociedade tentar calar a mulher. É decepcionante e frustrante quando você percebe isso dentro de uma comunidade da
qual faz parte. Você percebe isso dentro de uma situação que deveria favorecer as minorias e não favorece”, diz. Tanto não favorece que todos os anos, desde 2003, mulheres organizam a Marcha de Mulheres Lésbicas e Bissexuais em São Paulo. A marcha acontece um dia antes de um dos maiores eventos promovidos pela comunidade LGBT no mundo, a Parada LGBT de São Paulo, com a justificativa de que as mulheres lésbicas e bissexuais são invisibilizadas ou caladas dentro do movimento. Matheus Pacheco reconhece os privilégios sociais de ser um homem, mesmo que gay, ou seja, incluso em uma minoria. “É muito mais fácil eu chegar em qualquer região e levantar a voz do que qualquer companheira minha porque a gente tem toda uma educação que nos diz que o homem deve se impor e a mulher não”, afirma.
Rose é uma das defensoras dessa militância destinada e feita por mulheres de maneira mais vigorosa, a exemplo da marcha. “Eu acho que o machismo e o patriarcado não devem ser vistos de maneira leve ou reformista. Eles têm que ser abolidos radicalmente”. O fato de ser lésbica torna sua posição de enfrentamento ainda mais forte. “A partir do momento que você se coloca como lésbica, em qualquer lugar, mesmo nos movimentos sociais, está ferindo a masculinidade de muitos homens”.
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Representação e raça
"Diziam que eramos as macacas da turma"
Se são muitos os assuntos pautados dentro da comunidade LGBT, o racial é um dos que mais têm ganhado fôlego nos últimos tempos. Uma voz forte e representativa dentro desse debate é a de Letícia França, 20. A estudante de Ciências Sociais cresceu rindo das piadas que faziam com ela e com mais três colegas de sala. “Eu sou negra e estava inserida em um meio que não era para ser meu: estudava em escola particular, em bairro de classe média e a maioria das minhas amigas eram brancas. Negras eram só eu e mais três dentro da sala e diziam que éramos as macacas da turma”, lembra. Hoje seu sorriso estampa o orgulho da cor e a lembrança do início de sua militância. “Às vezes a gente milita sem saber, mas acho que comecei mesmo quando olhei para minha pele e pensei: que pele linda eu tenho! Fui começando a enxergar as diferenças a partir daí”. Outra diferença seria ‘descoberta’ anos depois. Letícia é bissexual. “Minha
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primeira militância é enquanto mulher negra, mas quando ‘descobri’ que sou bissexual tenho sentido o que isso significa. As pessoas falam que é indecisão e foi a primeira coisa que pensei”, ela conta. Até aceitar sua sexualidade sem questionamentos, Letícia precisou enfrentar as desconfianças dos outros. “Quando me relaciono com mulher é difícil. Tanto no meio bissexual quanto no meio lésbico você entra em panelinhas. Tem, por exemplo, um grupo fechado de mulheres lésbicas que ficam entre si e você quer ficar com elas”. Mesmo não participando de nenhum movimento de militância organizado ela não hesita ao dizer de maneira orgulhosa: “Não participo de nenhum movimento organizado, mas participo de todos ao mesmo tempo”. A fluidez do seu discurso é tão natural quanto a afirmação da sua sexualidade: “Eu não saio dizendo que sou bissexual. Eu sou e pronto”.
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Rádio Comunitária Foto: divulgação
A Voz do Povo Antonio Aragão | antonioaragao2011@gmail.com
Isaac Lima uniu sua paixão por música ao trabalho diário MAIS CONTEXTO EDITORIA 30
Quando a televisão surgiu no Brasil, há exatos 50 anos, muitos decretaram o fim dos tempos de ouro do Rádio. Mas isso de fato nunca aconteceu. A cada dia que passa, ouvir o bom e velho rádio ganha mais força e novos adeptos, seja para escutar música, notícias, previsão do tempo ou situação do trânsito. Com a chegada das novas tecnologias até os celulares são usados para esse fim, através da opção do próprio aparelho ou do uso de aplicativos que permitem escolher estações de qualquer parte do mundo. Existe uma enorme diversidade dentro do universo da radiodifusão com relação aos tipos de rádio – am, fm, rádio-web, comercial ou comunitária. A Rádio AM, por exemplo, a partir de um processo de transmissão usando Modulação em Amplitude, pode ser transmitido em várias bandas de frequência. Esta foi por oitenta anos o principal método de transmissão via rádio, caracterizado pelo longo alcance dos sinais, a frequência AM está sujeita a interferências de outras fontes eletromagnéticas. Rádio-web, também conhecido como Rádio via Internet ou Rádio Online é uma radio digital que realiza sua transmissão via internet utilizando a tecnologia (streaming) serviço de transmissão de áudio/ som em tempo real. Por meio de um servidor é possível emitir uma programação ao vivo ou gravada. Muitas estações tradicionais de rádio transmitem a mesma programação da FM ou AM (transmissão analógica por ondas de rádio, mas com alcance limitado de sinal) também pela internet, conseguindo desta forma a possibilidade de alcance global na audiência. Outras estações transmitem somente via internet (WEB RÁDIOS). O Brasil ainda não emplacou totalmente neste formato de rádio, mas é questão de tempo devido o crescimento de usuários da internet atualmente. Rádio FM - é o processo que transmite informações utilizando modulação em frequência. É transmitido em várias bandas de frequência. Iniciada nos Estados Unidos no início do século XX, uma rádio em FM apresentava uma ótima qualidade sonora, mas com limitado alcance, chegando em média a 100 quilômetros de raio de alcance. Em condições esporádicas de propagação, é possível sintonizar emissores a centenas de quilômetros. A potência dos sistemas de emissão pode variar entre poucos watts (rádios locais) até centenas de quilowatts, no caso de retransmissores de grande cobertura. Dentre as emissoras de rádio FM existem as comerciais, as concessionárias e as permissionárias que possuem total liber-
dade para a exploração comercial, não esquecendo é claro, dos limites da lei. Existem também as rádios FM comunitárias, um tipo especial de emissora sonora sem fins lucrativos, com potência limitada a 25 watts criada para proporcionar informação, cultura, entretenimento e lazer a pequenas comunidades. No Brasil, este tipo de emissora de rádio é regulamentada pela lei 9.612 de 1998. Trata-se de uma pequena estação de rádio, que dará condições à comunidade de ter um canal de comunicação inteiramente dedicado a ela, abrindo oportunidade para divulgação de suas ideias, manifestações culturais, tradições e hábitos sociais. Estas emissoras estão ligadas à Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc), no mundo, e, no Brasil, à Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço). Rádio Jubileu fm – 105,9 Em 1996, a Paróquia do Sagrado Coração tinha como Pároco o Cônego Raimundo Cruz e vivia-se uma época que não existia nem Canção Nova ou Rede Vida e a Programação da Rádio Cultura era predominantemente comercial e timidamente evangelizadora. Pensando em uma maneira de levar o Evangelho aos lares dos paroquianos da comunidade do bairro Grageru, o Cônego Raimundo teve como ideia para preencher essa lacuna uma emissora de rádio comunitária. Prontamente, vários paroquianos aderiram a ideia do Cônego Raimundo e se debruçaram na base legal para obter a concessão do Governo Federal para o funcionamento da rádio comunitária. Em 1998 foi eleita a primeira diretoria da Rádio Jubileu e Álvaro de Freitas Garcez Neto foi o escolhido como presidente e a ele coube coordenar os trabalhos para a obtenção da concessão. A Agência Nacional de Comunicações – ANATEL, através do Ato Nº 7.683 autorizou a Associação Comunitária do Grageru a transmitir na radiofrequência de 105,9 Mhz, faltando ainda para seu funcionamento a outorga pelo Congresso Nacional e a licença de funcionamento pelo Ministério das Comunicações. Algumas promoções foram feitas e vários paroquianos convencidos de que esse tipo especial de rádio FM, sem fins lucrativo, de alcance limitado, criada para proporcionar informação, cultura, entretenimento e lazer a pequenas comunidades, responderam positivamente proporcionando o aporte financeiro necessário 31 EDITORIA MAIS CONTEXTO
para a aquisição dos equipamentos. Finalmente, em janeiro de 2009, foi emitida a licença de funcionamento. Ainda neste ano é feita a primeira transmissão da Rádio Jubileu: a Santa Missa, diretamente da Igreja Matriz, na solenidade de início de funcionamento. Assim começou a história desse veículo de comunicação que faz a alegria dos moradores da região, como Maria José, dona
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de casa que ouve a programação diária e se diz a mais fiel ouvinte da 105,9. “Já acordo e ligo meu rádio que está sempre sintonizado na faixa da Jubileu, adoro os programas, as músicas e me sinto parte dessa emissora”. A diversidade da programação é um dos atrativos para manter a audiência, que não é grande mais é apaixonada pela rádio, exigente e que incentiva ao constante crescimento em qualidade.
“Já acordo e ligo meu rádio que está sempre sintonizado na faixa da Jubileu, adoro os programas, as músicas e me sinto parte dessa emissora”.
Programas como
é quem comanda o programa que toca música de qualidade sem intervalos. Um dos poucos contratados da Jubileu, Isaac está na emissora desde o começo e sente-se em casa, conhece todos os apresentadores e muitos dos ouvintes foram se tornando amigos ao longo dos anos. “Tenho a sorte de poder tocar as músicas que gosto de ouvir, sejam novas ou antigas, nacionais ou internacionais aqui não existe a obrigação de tocar determinado artista ou inexiste artista proibido. Isso me permite tocar um som que sempre ouço, meus amigos gostam e acaba que trabalhar aqui na verdade é uma grande diversão para mim”, comenta o radialista. Polêmicas
Agenda 105,9, Apostolado da Oração, A Hora do Rei, Clube da Seresta, Na fé e na Verdade são alguns exemplos que fazem parte do dia a dia da emissora. Locutores voluntários e contratados levam emoções diferentes através das ondas sonoras da 105,9. Música sem Intervalo vai ao ar diariamente de segunda a sexta-feira no horário das 10 às 11 horas e Isaac Lima
No Brasil, a Lei 9.612, de 1998, criou o Serviço de Radiodifusão Comunitária, regulamentado pelo Decreto 2.615, também de 1998. Somente associações comunitárias sem fins lucrativos podem explorar este serviço, legalmente constituídas e registradas, com sede na comunidade em que pretendem prestar o serviço, cujos dirigentes sejam brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, maiores de 18 anos, residentes e domiciliados na comunidade. Somente pessoas e entidades da própria comunidade podem fazer parte da rádio comunitária. Na programação, não é permitido proselitismo político e religioso. No povoado Jenipapo, em Lagarto, o radialista Ademir Henrique criou uma celeuma durante os desfiles em homenagem ao sete de setembro. Ademir falou na rádio comunitária local que o desfile estava parecendo uma “parada gay” e isso irritou por demais aos ouvintes e autoridades responsáveis pela organização do evento, que fizeram chegar a direção da rádio todo o seu descontentamento
com a forma e as palavras usadas pelo locutor que se defendeu dizendo que apenas queria que a tradição do desfile fosse respeitada. Em outras situações sempre aparecem denúncias que políticos usam e abusam das ondas das rádios comunitárias para fazer suas propagandas e defender seus ideais e interesses, contrariando o propósito da Lei 9.612. Com muita força e frequência essas ações acontecem nas pequenas cidades, os líderes da região bancam os custos de manter as rádios no ar e fazem dela seus palanques eletrônicos onde locutores de vozes potentes exaltam feitos e atos de seus comandantes. A programação diária de uma rádio comunitária deve conter informação, lazer, manifestações culturais, artísticas, folclóricas e tudo aquilo que possa contribuir para o desenvolvimento da comunidade, sem discriminação de raça, religião, sexo, convicções político-partidárias e condições sociais. Deve respeitar sempre os valores éticos e sociais da pessoa e da família e dar oportunidade à manifestação das diferentes opiniões sobre o mesmo assunto. É proibido a uma rádio comunitária utilizar a programação de qualquer outra emissora simultaneamente, a não ser quando houver expressa determinação do Governo Federal. Não pode, em hipótese alguma, inserir propaganda comercial, a não ser sob a forma de apoio cultural, de estabelecimentos localizados na sua área de cobertura. Como dizem que sem polêmica um veículo de comunicação não sobrevive, talvez as rádios comunitárias ganhem força assim. O certo é que a cada dia elas estão mais presentes no dia a dia das pessoas e se alinhando ao universo virtual da rede mundial de computadores fazem chegar suas programações aos quatro cantos do mundo. 33 EDITORIA MAIS CONTEXTO
A Internet como pseudoferramenta democrática Ananda Boaventura | ananda.ufs@gmail.com
A internet oferece diversos recursos e plataformas que vêm revolucionando principalmente os campos da comunicação e das relações sociais. A parcela da população conectada é crescente, segundo o Panorama Setorial da Internet, divulgado em 2016 pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic) o número de pessoas no Brasil com acesso à internet subiu 42% no período entre 2005 a 2014. Entretanto, este crescimento ocorreu de forma desigual, limitando o público que tem acesso a esse sistema e, consequentemente, restringindo o potencial que a internet tem de possibilitar ambientes democráticos livres para debates e discussões. A pesquisa publicada no Panorama concluiu que, em 2014, o país possuía 55% de indivíduos com acesso à internet. Nele também foi exposto as razões que excluem a outra parte da população: custo elevado, falta de computador no domicílio, de interesse, de necessidade, falta de habilidade e a ausência de disponibilidade do serviço na área. Dentre as razões expostas, a maioria, 49%, citou alto custo como empecilho e apenas 18% afirmou como um dos MAIS CONTEXTO EDITORIA 34
motivos, a falta de provedores na área em que reside. Contudo, as respostas variam a cada região ou classe social. Na região Norte, por exemplo, 46% das pessoas mencionou o problema da falta de disponibilidade e ausência de provedores de internet. Este dado é um reflexo da desigualdade no acesso, e se torna ainda mais claro quando é identificada a proporção de empresas provedoras de serviços da internet nas regiões brasileiras. Dos 2.138 empreendimentos no país, o Sul detém 31%, enquanto a região Norte possui apenas 9%. Quanto às classes sociais, a disparidade da porcentagem de domicílios conectados é ainda mais alarmante. Dentre as 32,7 milhões de residências “desconectadas”, 82% corresponde às classes D e E, 52% está na classe C, 18% na B e apenas 2% na A. Em paralelo aos dados da pesquisa, outra barreira externa possível de ser identificada é o índice de analfabetismo, que apesar de ter reduzido nos últimos anos, ainda chega a 12,9 milhões de pessoas, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) divulgados em 2016.
Além das barreiras externas já apresentadas, o cenário atual da internet é dominado por monopólios de empresas que criam barreiras internas. O professor de Comunicação Social da Universidade Federal de Sergipe, Carlos Figueiredo, considera que “vivemos sob a ilusão da multiplicidade de oferta na Internet. Facebook, Whatsapp e Instagram pertencem ao Mark Zuckerberg, enquanto Blogger, Youtube, Google+ pertencem ao Google. Fora do alcance desses dois gigantes temos o Twitter e opções menores como o Medium e o Snapchat, mas a tendência é que os menores sejam engolidos e desapareçam”. Segundo ele, as redes sociais mantêm seus monopólios conquistando os usuários para que nunca as abandone, e para reforçar seus argumentos, cita a Lei de Metcalfe abordada na economia da internet. “Para Metcalfe, a cada novo membro mais valiosa essa rede se torna porque há uma série de relações sociais ali que serão desfeitas caso o usuário a abandone.”
Democracia virtual
O conceito de democracia virtual, oriundo do termo e-democracy, consiste na ideia de que a internet serviria como um
meio livre para debates entre a população e seus governantes. Esta concepção tem sido estudada por diversos autores da academia, que tentam chegar a um consenso do potencial da internet e da possibilidade de transformá-la em um espaço democrático. O portal da transparência é um passo importante para que o cidadão acompanhe e fiscalize os gastos e investimentos da gestão pública. A base de dados criada em 2004 se tornou obrigatória e deve conter as informações necessárias que vão desde gastos dos municípios a dados sobre os funcionários públicos. Ainda assim, o professor Carlos Figueiredo se mostra pessimista sobre a relação internet e democracia. “Eu não acredito que realmente exista algo como uma democracia virtual, mas tivemos avanços claros no acesso a dados do governo como atestam matérias jornalísticas recentes sobre altos salários de juízes e gastos com cartões corporativos.” A Lei nº 12.527/2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação, foi um grande avanço nesse sentido. Mas, temos que lembrar que essa lei foi fruto de uma série de negociações que aconteceram
também offline, fora da rede, pelos trâmites legais tradicionais. As barreiras anteriormente expostas também são fatores decisivos que servem de obstáculos na efetivação de uma democracia virtual. A partir do momento em que o acesso à internet é segregado em classes e regiões, e que as empresas controlam o que será consumido tanto em conteúdo quanto em produtos, o indivíduo perde seu poder de livre arbítrio. Um exemplo disso ocorre nos veículos de comunicação, enquanto a internet abre espaço para jornais e mídias alternativas, os algoritmos conduzem o acesso para a mídia tradicional. Carlos Figueiredo afirma não acreditar que a internet funcione como um espaço democrático e justifica “há uma alta concentração das plataformas de redes sociais nas mãos de poucos proprietários. A Mozilla conduziu uma pesquisa publicada em maio [2017] que informa que 55% dos brasileiros consideram que a Internet se limita ao Facebook. Eu considero assustador porque a internet é um meio muito rico em informação, mas é preciso letramento digital, que acredito ser algo diretamente proporcional aos níveis de educação formal.” 35 EDITORIA MAIS CONTEXTO
Vozes do improviso JÚLIA TAVARES
A batalha de resistência das mulheres contra o machismo no rap sergipano
“Nosso rap relata as doideras do dia-a-dia, lógico que a gente fala da nossa vivência enquanto mulher, mas é um rap tão contundente quanto o que um cara faz”, ressalta a rapper Clara de Noronha. Dayanne Carvalho | dessco.jorn@gmail.com
Estar e se posicionar em espaços majoritariamente ocupados e dominados por homens têm sido um ato de resistência contínua para algumas mulheres do rap sergipano. O que poderia ser um lugar democrático e aberto para qualquer pessoa, se mostra, por muitas vezes, um ambiente hostil, invisibilizador e misógino para as mulheres que atuam nas rodas de rima, em Aracaju. Quando a rapper sergipana Clara de Noronha começou a espalhar suas rimas improvisadas, em 2013, não havia muitas mulheres no movimento. O desconforto e a sensação de estar sozi-
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nha envolviam a rapper a cada vez que participava de uma batalha nas rodas. Quando alguma mulher se desafiava na rima, geralmente, era próxima de Clara ou companheira de algum rimador da cena. Com o tempo, a resistência e a segurança foram abrindo espaço para a permanência delas e para a chegada de mais mulheres, mas a cena ainda perpetua o machismo e hostiliza a participação delas. Em Aracaju existem as batalhas de sangue, que são marcadas pela agressividade, e as batalhas do conhecimento, em que os MCs batalham em cima de
um tema escolhido pelo público. As batalhas de sangue não medem palavras e, quando não é mais grave, os rimadores costumam soltar frases como ‘Você está rimando que nem uma menina’ para “ofender” o outro. “Eu ainda sinto que os espaços são muito viciados, os meninos acabam sendo bastante machistas e homofóbicos em suas rimas”, analisa Clara. Em entrevista à Revista Mais Contexto, Clara de Noronha, rapper do grupo Guerrilheiras, fala um pouco sobre a resistência ao machismo e a participação das mulheres na cena do rap sergipano.
REVISTA MAIS CONTEXTO - Como era a cena do rap em Sergipe quando você começou a ter interesse e a participar?
“Pra os caras é muito natural chegarem na batalha e darem o nome pra se inscrever porque eles já estão acostumados e são sempre incentivados a estarem nesses espaços. Pra gente é mais difícil. Arte não era coisa de mulher, ainda mais rap e isso incomoda bastante.” Clara Noronha
CLARA DE NORONHA - Eu comecei a rimar em 2013, que foi quando eu passei a frequentar as rodas de rimas que tinha em espaços públicos. Eu lembro que a primeira roda de rima que começou a ter frequentemente foi na pista de skate da orla, que acontecia toda quarta-feira. Nessa roda, tinha vários amigos meus que faziam rima e eu sempre observava os meninos fazendo, queria muito fazer aquilo, só que eu tinha vergonha. Um dia eu fiquei matutando uma rima na minha cabeça pra poder largar e aí um amigo meu sempre ficava falando: “Se jogue. Independente do que você for falar, só fale”. Daí eu joguei um freestyle [rima de improviso] na roda e comecei a participar com os meninos. Nos espaços, majoritariamente, eram homens que ocupavam. As mulheres, às vezes, até estavam lá, mas era muito difícil você ver uma mulher rimando também. Tanto que eu me sentia muito sozinha naquela época porque só tinha homem e eu era a única mulher na roda e, querendo ou não, era um ambiente hostil. Hoje em dia tá bem mais massa nesse sentido, mais mulheres estão se chegando à cena. CONTEXTO - Como é que o machismo se mostra nesses espaços de batalha? CN - Os meninos costumam usar bastante de argumentos como “tá fazendo o quê aqui? Vai lavar pia, vai lavar roupa”. Isso quando não é pior. Aqui em Aracaju já teve casos de MC que ficou com alguma MC e expôs a menina durante uma batalha. É um momento íntimo que você teve com o cara e acha que está guardado, mas ali naquele momento de batalha, com o ego ferido por alguma mulher ser melhor, ele usa desse artifício que, pra mim, é baixo. Isso acontece muito. Pra os caras é muito natural chegarem na
batalha e darem o nome pra se inscrever porque eles já estão acostumados e são sempre incentivados a estarem nesses espaços. Pra gente é mais difícil. Arte não era coisa de mulher, ainda mais rap e isso incomoda bastante. Quando veem que a menina pode ser boa tanto quanto eles, apelam pra o que a gente costuma chamar de pederastia. Na batalha, ela ganhou outro significado, que é falar coisas escrotas. Eu já ouvi que pela minha buceta já tinha passado um poste e que eu era da altura do pau dele pra conseguir chupar. Rola de usar até doenças sexualmente transmissíveis (“você tem aids”) pra te colocar pra baixo. Dá vontade até de desistir. Isso acaba afastando as mulheres, é um espaço pra todos, mas a gente é três vezes mais cobrada nesses espaços. CONTEXTO - Você falou que às vezes tem vontade de desistir. Como você lidou com esses ataques e o que te fez repensar sua saída? CN- É difícil na hora que a gente escuta. Na verdade, a batalha já é um ambiente tenso porque, querendo ou não, como é freestyle é uma coisa muito de momento, ou seja, o cara ali fez uma rima e você tem que responder na hora. São 35 segundos pra cada um e essas coisas desestabilizam emocionalmente. Uma coisa que eu aprendi é tentar me controlar um pouco nesse sentido, por mais que eu entenda que ele tá errado. Mas tentar chegar lá tranquila e preparada pra escutar isso porque a gente sabe que escuta. Nas primeiras vezes que aconteceu comigo, eu fiquei muito desestabilizada a ponto de não conseguir responder tão bem. O que não me faz desistir é porque eu gosto disso [batalhas de sangue]. Gosto de ouvir os meninos rimando, mas é aquela coisa: a gente cansa de só escutar os caras falando e tem aquilo de a gente não se reconhecer. Hoje em dia tem muito mais meninas se desafiando 37 EDITORIA MAIS CONTEXTO
JÚLIA TAVARES
e se jogando nas batalhas da cidade, e isso é muito foda. O que não me desanima é ver que eu não tô sozinha nessa caminhada, que esse movimento também é pra mim, também é um espaço de direito pras mulheres estarem ocupando. Eu fico pensando: se não for a gente, quem vai falar?A galera fala muito em rap feminino, eu acho que o que a gente faz é rap. Quando a gente fala rap feminino, a gente tá categorizando como se fosse específico. Nosso rap relata as doideras do dia-a-dia, lógico que a gente fala da nossa vivência enquanto mulher, mas é um rap tão contundente quanto o que um cara faz. CONTEXTO - Você já foi barrada ou boicotada em alguma batalha somente por ser mulher? CN - Às vezes, você chega em uma roda de rima e só tem homem, daí a roda gira e cada um vai mandando a sua. GeralMAIS CONTEXTO EDITORIA 38
mente, não acontece de ser na ordem e cada um tem seu tempo e se você não mandar, impor sua voz, você não é ouvida e passa sua vez. Tem que chegar mesmo. Eu nunca fui boicotada, mas os comentários sempre rolam (“ah, vai perder pra uma mulher?”).Alguns guris não se esforçam pra que o ambiente seja menos hostil pra gente. Acontece muito de a gente ir cantar nos lugares e quando tem uma banda dos guris, fica todo mundo lá na frente. Mas quando as gurias entram, esvazia. CONTEXTO - Em algum momento, seu trabalho já foi questionado por você ser mulher? CN - Eu acho que a qualidade do trampo das minas é sempre questionada porque tem esse estereótipo de que rap não é coisa de mulher, então o que a gente tá fazendo nunca vai ser tão bom e quando é bom, a galera olha pra você e fala:
Segundo Clara, a qualidade do trabalho das mulheres é sempre questionada e o resultado costuma ser visto como uma surpresa.
“caralho, vei! Nem imaginava que você ia fazer isso”. É sempre uma surpresa. Nas minhas letras, eu faço questão de falar isso das minas porque é algo que eu vivo. Eu já ouvi de um brother meu: “ah, Clara, sua letra tá massa. Mas você fala muito sobre feminismo, fale menos”. Como que eu vou falar menos? Quando você fala que é feminista, eles já ficam “já vem a mina feminista que vai causar no rolê”. Muitos compreendem a luta, mas a maioria dificulta o diálogo. CONTEXTO - Como você enxerga a presença mais marcante das mulheres no rap sergipano e como esse movimento pode contribuir para uma cena mais igualitária? CN - Nos últimos tempos, a gente teve muita ascensão pra os debates sobre gênero. Nacionalmente, as mulheres deram um salto no rap, principalmente, as meninas que estão inseridas no eixo
Rio-São Paulo. São mulheres que estão divulgando o trampo há mais tempo e são referências pra gente. Eu vejo que aqui em Aracaju tem muitas mulheres fazendo rap, mas eu acho que ainda tem poucas perto da quantidade de caras. Sempre vai ter menos, mas naquela época [2013], a gente devia ter uns três grupos só de mulheres fazendo rap. Hoje a gente vê menina fazendo rap na zona sul, norte, oeste. A gente tem as Bruxas do Cangaço, Flor Marias, Relato Verdadeiro, nós do Gerrilheiras. Eu acho que as mulheres têm que tá. Pra transformar o ambiente do rap sergipano em um ambiente mais igualitário, só com as mulheres juntas ombro-a-ombro. Os caras também têm que abraçar a gente nos espaços porque como que o movimento vai falar sobre nossas pautas se a gente não tá dentro dele? Eu acho que a tendência é essa porque as minas estão cada vez mais “pé na porta”, desafiando a ocupar esses espaços que não fáceis. 39 EDITORIA MAIS CONTEXTO
Discursos de Ódio Tainara Paixão | contatotainarapaixao@gmail.com Thiago Vieira | th91v@outlook.com
A internet se tornou uma ferramenta para a construção de redes sociais, para interesses em comum, permitindo que indivíduos possam discutir com pessoas de opiniões semelhantes. Fóruns profissionais e de hobbies surgiram desta forma, com profissionais buscando soluções para problemas junto a seus pares e com amadores discutindo os aspectos preferidos de seus passatempos. Da mesma forma surgiram as mídias sociais como Orkut e Facebook, que dão suporte à criação de redes sociais virtuais, onde pessoas que nunca se encontraram pessoalmente podem criar “amizades virtuais”, utilizando as diversas funções multimídias proporcionadas por estas mídias sociais. Estes agrupamentos surgem de forma espontânea baseando-se em interesses criados fora da internet, o que leva posteriormente estas pessoas a procurarem seus semelhantes virtuais.
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“Deve-se pensar em como as funcionalidades das redes sociais estão sendo manuseadas e tomar cuidado para que pessoas que propagam discursos de ódio não abusem das linhas tênues que delimitam a liberdade de expressão”
Thiago Vieira
Em julho de 2015, a jornalista e apresentadora da previsão do tempo no Jornal Nacional, Maria Julia Coutinho (Maju), foi vítima de comentários racistas em uma publicação feita na página do Jornal no Facebook que destacava uma foto da jornalista. Em resposta, os apresentadores William Bonner e Renata Vasconcelos publicaram um vídeo com a equipe do jornal exibindo um cartaz e bradando “Somos Todos Maju”. Usuários organizaram uma resposta coletiva no Facebook e Twitter, publicando mensagens de apoio e levando a hashtag #SomosTodosMaju ao topo das mais citadas. O Ministério Público de São Paulo expediu 25 mandados de busca em 08 estados denunciando 04 indivíduos responsáveis por gerenciar comunidades que chegavam a 20 mil membros. Os ataques a Maju se mostraram parte da rotina do grupo, que se dedicava a tirar
“De acordo com o projeto HATEBASE (“base de ódio”, em português), o Brasil ocupa a 5ª colocação no ranking mundial nas citações de ódio nas redes sociais, ficando atrás dos Estados Unidos, Reino Unido, África do Sul e Alemanha”
do ar páginas da rede social por motivos fúteis, como rixas pessoais. O modo de operação do grupo consistia em solicitar a participação nas páginas e comunidades escolhidas e, como participantes delas, publicar imagens e vídeos pornográficos ou ofensivos. Usando outros perfis, os próprios criminosos denunciavam as páginas e comunidades ao Facebook por desobedecer aos termos de uso e como consequência ocorria a exclusão da rede social. Casos semelhantes, porém, menos proeminentes, se acumulam na internet.
Tribalismos digitais Em 2016 o projeto Comunica Mais fez um levantamento de dados sobre “intolerância virtual” no Brasil. O projeto divulgou que nas redes sociais mais populares no Brasil – Instagram, Facebook e Twitter – foram identificadas cerca de 390 menções de palavras-chaves como “política”, “mulher”, “deficiência” e “negros”. O fator preocupante é que, dessa amostra, 84% das menções eram carregadas de ódio, preconceito e discriminação. Para a professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Sergipe e pesquisadora de comunicação digital, Lilian Cristina Monteiro França, o discurso de ódio “é aquele em que o internauta agride com palavras ou imagens a algum grupo ou indivíduo. Deixa de utilizar as regras de civilidade para usar expressões chulas, xingamentos, ironias, sarcasmo, impedindo o diálogo”, explica. As consequências da exposição constante a este tipo de discurso podem causar prejuízo a longo prazo aos envolvidos diretamente e indiretamente. “Na minha opinião podem destruir uma pessoa ou causar sérios danos. Podem inviabilizar o debate, afastar os interlocutores sérios, impedir que a saudável discussão aconteça”, afirma a pesquisadora. Um aspecto que ganhou relevância recente foi o conjunto de ações tomado pelas mídias sociais que deram base para a intensificação deste fenômeno. A
“O conhecimento de que o Facebook tem a capacidade de moldar o conteúdo exibido a seus usuários, a ponto de alterar suas emoções, deixou acadêmicos e políticos em estado de alerta”
divulgação dos grupos de interesses era feita quase que boca-a-boca, às vezes necessitando de convites para participação, mas ultimamente as mídias sociais deixaram de ser um espaço estático onde os usuários eram os agentes principais para tornarem-se também agentes nos interesses de seus usuários.
Mídias sociais inteligentes Algoritmos são conjuntos de instruções que programadores dão a computadores para executarem tarefas, de forma parecida com receitas culinárias. Combinados com os bancos de dados onde são registrados os comportamentos dos usuários, surge a chamada “aprendizagem de máquina”, um tipo rudimentar de inteligência artificial criada para cumprir tarefas bastante específicas. Nos motores de busca e mídias sociais, a combinação de algoritmos e bancos de dados é utilizada para sugerir resultados de busca, 41 EDITORIA MAIS CONTEXTO
amizades, resenhas de estabelecimentos e produtos, comunidades de discussões e publicidade, aliviando os efeitos negativos que a sobrecarga de informações pode trazer, principalmente nas mídias sociais, com destaque para Facebook. O Facebook é uma das redes sociais digitais que mais faz uso de algoritmos de filtragem e recomendação, com um impressionante número de 1,3 bilhão de usuários ativos diariamente – dos quais, 62 milhões são brasileiros. Facebook ajusta constantemente o “feed de notícias”, a página principal onde os usuários têm acesso às publicações de
amizades e páginas institucionais, utilizando algoritmos para tornar a experiência de uso mais personalizada, tentando fidelizar os usuários. Em junho deste ano o feed foi ajustado para exibir links que “as pessoas achem mais informativos e divertidos”, reduzindo conteúdo sensacionalista e enganoso. Os parâmetros que determinam os níveis de informação, divertimento ou sensacionalismo não foram informados. Em maio deste ano outra mudança foi feita para reduzir o aparecimento de conteúdo “caça-cliques”, que apresente manchetes exageradas ou enganosas em relação ao texto de matérias e revistas. Como o Facebook vai determinar qual conteúdo é caça-cliques, também não foi informado. Esta opacidade e intransigência com a qual Facebook muda o funcionamento de seus produtos atingiu dois pontos críticos: ao manipular as emoções de seus usuários e ao gerar polarização política.
Manipulação emocional
“O algoritmo e o usuário coproduzem o feed”, afirma Sandvig. “O computador te observa e aprende com o que você clica. Ao mesmo tempo, você decide como responder ao que ele mostra a você”
Em março de 2014, Adam Krammer, Jamie Guillory e Jeffrey Hancock, cientistas de dados do Facebook, publicaram o artigo acadêmico Experimental evidence of massive-scale emotional contagion through social networks (“Evidência experimental de contágio emocional em grande escala através de redes sociais”, em português), afirmando que encontraram evidências de que emoções se propagam através das postagens dos usuários. Para testar a hipótese os cientistas manipularam os feeds de um grupo de usuários para que um link específico fosse exibido no topo de modo a influenciar seu estado emocional. Apesar de os resultados serem duvidosos (as mudanças emocionais foram pequenas e não se detectou uma relação causal evidente). Em entrevista para a revista MIT Technology Review, Zeynep Tufeki, professor assistente da Universidade da Carolina do Norte, mostrou preocupação com a maneira como o estudo foi realizado. “O que é muito mais preocupante é a falta de transparência sobre as práticas do Facebook em geral. Estou preocupado
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com essas práticas – testar e manipular a experiência do usuário todos os dias. O que mais o Facebook faz todos os dias? Nós não temos ideia”, afirma. O autor-chefe do estudo, Adam Kramer, publicou um pedido de desculpas, mas afirmou que a coleta e manipulação dos dados está de acordo com os termos de serviço de Facebook, com o qual os usuários concordam ao criar uma conta para usar o serviço. “A razão pela qual fizemos esta pesquisa é porque nos preocupamos com o impacto emocional do Facebook e as pessoas que usam o nosso produto”, afirmou Kramer. “Eu posso entender porque algumas pessoas têm preocupações sobre isso, meus co-autores e eu estamos muito tristes pela forma como os jornais descreveram a pesquisa e qualquer ansiedade que causou”.
às já existentes. Esta realimentação de ideias, interesses e opiniões pode, em suas últimas consequências, criar um efeito de “filtro-bolha”, isolando as pessoas de opiniões e experiências diferentes das suas próprias.
Isolacionismo Social O termo “filtro-bolha” foi criado pelo sociólogo Eli Pariser no livro O Filtro Invisível, para descrever como tecnologias baseadas na internet expõem os usuários a uma diversidade menor de conteúdo, utilizando algoritmos de aprendizagem para fornecer resultados que sejam parecidos com anteriores iniciando um ciclo
Facebook afirma que seus algoritmos de filtragem ajudam seus usuários a aproveitarem melhor o que é publicado no site. “O volume de conteúdo criado e compartilhado é proporcional ao número de usuários. Assim, o algoritmo é uma forma de permitir que cada pessoa tenha acesso ao que julga mais importante”, afirmou a empresa, em seu blog oficial. Mas especialistas desconfiam desta benevolência sem compromissos. Em entrevista para O Estado de São Paulo, Christian Sandvig, especialista em algoritmos aplicados a mídias sociais, afirma que a aplicação de algoritmos para filtragem de informação não vem de maneira gratuita. “As empresas que promovem o uso de algoritmos nos dizem que é uma solução para ‘sobrecarga de informação’ que existe nas redes. Isso pode ser verdade, mas eles geralmente não descrevem que o uso de um feed com informações filtradas é uma estratégia para intercalar com mais cuidado publicidade no conteúdo ‘orgânico’ - ou seja, colocar propaganda camuflada”, afirma.
“Todo mundo atinge um limite, geralmente entre três e cinco meses. Você só pensa, ‘que droga, o que eu estou fazendo do meu dia? Isso é horrível”, afirmou um ex-funcionário, encarregado de moderar comentários no site de vídeos YouTube”
Frequentes em grande parte das mídias sociais, estes sistemas de recomendação funcionam buscando conexões pessoais já existentes e comportamentos anteriores para sugerir novas conexões pessoais, comunidades e interesses semelhantes 43 EDITORIA MAIS CONTEXTO
Ilustração: Thiago Vieira
de realimentação que leva o usuário a se isolar de outros círculos. Para embasar sua tese Pariser encoraja seus leitores a fazer um simples experimento: utilizar dois dispositivos para realizar uma mesma busca, usando um mesmo motor de busca, como Google. Durante a busca, parâmetros gerais que vão desde o modelo do aparelho, sistema operacional, data, horário, localização geográfica e outros, são comparados com parâmetros particulares do usuário, como idade, sexo e histórico de buscas anterior. O resultado final é que pessoas diferentes nunca vão encontrar um mesmo conjunto de resultados, com diferenças aparecendo já nas primeiras respostas e se intensificando conforme se avança nas páginas. “A maioria dos usuários não está ciente de que um algoritmo está agindo em seu feed porque as empresas não mencionam isso. É fato que informações distribuídas por algoritmos não são populares entre usuários. As pessoas que usam essas redes muitas vezes não querem que as empresas decidam quais postagens de seus amigos ou familiares devem ficar fora do feed”, afirma Christian Sandvig.
“Portanto, em meio a todas as dificuldades técnicas para desenvolver tecnologias que facilitem as diferentes formas de interação propiciadas pela internet, o próximo grande desafio das empresas de mídias sociais será encontrar o equilíbrio para a coexistência entre todos os agentes citados até agora e ao mesmo tempo que asseguram modelos de rentabilidade para a continuidade de suas operações”
Este efeito é apontado como um dos grandes responsáveis pelo aumento percebido na polarização política na internet, evidenciado pelos debates políticos durante a campanha eleitoral para presidente nos Estados Unidos, em 2016.
Efeito Trump Durante e após a campanha que culminou com a eleição do candidato conservador Donald Trump como chefe do poder executivo, população, imprensa e especialistas discutiram intensamente as ações semelhantes às dos grupos que assediaram a jornalista Maria Julia Coutinho. Manipulando as regras de funcionamento explícitas de mídias sociais como Reddit, Twitter e Facebook, grupos que notadamente apoiavam o então candidato Trump pautaram a agenda de discussões da imprensa e da academia, levando a opinião pública a focar em narrativas que MAIS CONTEXTO EDITORIA 44
favoreciam seu candidato em detrimento da rival democrata Hillary Clinton. Em junho de 2016, os usuários da comunidade The Donald, no Reditt, manipularam o sistema de votação fazendo com que a página inicial do site apresentasse apenas links para notícias favoráveis a Donald Trump e denegrindo Hillary Clinton. Quando Reditt anunciou publicamente alterações em seu algoritmo de votação, fez questão de mencionar este evento. “Temos visto muitas comunidades como
r/the_donald ao longo dos anos que tentam dominar a conversa no Reddit à custa de todos os outros. Isto mina o Reddit e não vamos permiti-los”, afirmou o diretor executivo Steve Huffman, em um comunicado oficial. Em novembro de 2016, a redação especializada em notícias de BuzzFeed publicou uma série de matérias detalhando como jovens na República da Macedônia estavam lucrando milhares de dólares publicando artigos noticiosos falsos. Muitas destes artigos, que eram compartilhados sem leitura prévia, angariavam
altos índices de engajamento, muitas vezes atingindo dezenas de milhares de compartilhamentos. “Os jovens macedônios que gerenciam esses sites dizem que não se preocupam com Donald Trump”, afirmam os repórteres Craig Silverman e Lawrence Alexander no artigo How Teens In The Balkans Are Duping Trump Supporters With Fake News (“Como Adolescentes nos Balcãs Estão Enganando Apoiadores de Trump com Notícias Falsas”, em português). “Vários adolescentes e jovens que gerenciam esses sites disseram a BuzzFeed que aprenderam que a melhor maneira de gerar tráfego para seus artigos é espalhar seus artigos de política no Facebook – e a melhor maneira de gerar compartilhamentos no Facebook é publicar sensacionalismos e conteúdo muitas vezes falso que agrada aos adeptos de Trump”. Um jovem de 17 anos que operava um site junto com quatro amigos corroborou os repórteres: “Eu lancei o site como uma maneira fácil de ganhar dinheiro. Na Macedónia a economia é muito fraca e os adolescentes não são permitidos a trabalhar, assim nós precisamos encontrar maneiras criativas de fazer algum dinheiro. Eu sou músico, mas não posso comprar equipamento de música. Aqui na Macedônia a receita de um pequeno site é suficiente para pagar muitas coisas”, afirmou o jovem que preferiu ter sua identidade omitida. As escalas de operação dos grupos que atacaram a jornalista brasileira e que influenciaram na eleição americana são super-humanas, tornando praticamente impossível que grupos de profissionais sobrevivam à tentativa de resolver estes problemas.
Carne contra silício Profissionais encarregados por empresas de tecnologia como Facebook e Google para lidar com conteúdo abusivo muitas vezes precisam de atendimento psicológico, em virtude do grau de choque que precisam lidar diariamente, removendo imagens e vídeos que muitas vezes tem natureza pornográfica, escatológica, extremamente violenta e várias barbari-
dades. Em dezembro de 2016, a Microsoft se viu diante de um processo trabalhista, onde dois ex-funcionários responsáveis por moderar conteúdo em comunidades, removendo e encaminhando para autoridades competentes o tipo de conteúdo chocante descrito no parágrafo anterior. Henry Soto e Greg Blauert afirmam ter desenvolvido estresse pós-traumático, causado pela natureza de suas atividades, mesmo participando de programas de saúde mental patrocinados pela empresa. O caso de Soto e Blauert não é isolado, grande parte da mão de obra empregada neste tipo de moderação de conteúdo está localizada em países subdesenvolvidos do leste asiático, onde funcionários dificilmente contam com programas de saúde psicológica. Como documentado na reportagem The Laborers Who Keep Dick Pics and Beheadings Out of Your Facebook Feed (“Os Trabalhadores que Mantêm Fotos de Pintos e Decapitações Fora de Seu Feed do Facebook”, em português), muitos destes profissionais terminam por largar seus contratos de trabalho antes do prazo estabelecido e nunca retornam para a indústria. Para minimizar os traumas sofridos por funcionários (e os custos decorrentes destes), mídias sociais e outras empresas de tecnologia estão automatizando seus sistemas de moderação. Desde 2008, o Google criou uma base de imagens e vídeos de pedofilia, previamente selecionados por humanos, para ser aplicada a seu serviço de e-mail: todas as imagens anexadas em mensagens no Gmail são comparadas com as da base citada, para descobrir contatos que possam revelar redes de pedofilia, esta técnica foi utilizada para dar cabo de vários grupos criminosos. Tecnologias semelhantes estão levando à criação de sistemas que possam ser aplicados a discurso de ódio. A iniciativa ConversationAI, lançada pela empresa-mãe da Google, Alphabet, tem um conjunto de tecnologias que visa automatizar o combate ao discurso de ódio. Perspective é um projeto que usa estudos de discurso para detectar abuso
e assédio em redes sociais, indicando a moderadores humanos comentários a serem avaliados. No site do projeto, usuários podem utilizar uma ferramenta e escrever comentários, que são avaliados em tempo real numa escala de “toxicidade”. De acordo com Hendrick Macedo, professor do Departamento de Ciências da Computação da Universidade Federal de Sergipe, serviços para mapeamento do discurso de ódio nas redes sociais feitos por meio da inteligência artificial podem ser uma das alternativas para a identificação desses casos, mas ainda não é suficiente para inibir o problema. “Não é na atividade de classificação inteligente em si onde reside o grande desafio da tarefa. A dificuldade maior reside na identificação adequada de características do texto que irão alimentar a base de treinamento do classificador, ou seja, o que de fato é relevante se extrair da mensagem escrita? Todos os termos? Alguns deles? Algo mais? Exatamente por boa parte das ofensas estarem camufladas, essa atividade de extração é bem difícil”, aponta Hendrick.
Grandes poderes, grandes responsabilidades Ao deixar de ser espaço passivo, com a possibilidade de manipular a exposição de conteúdo a seus usuários, as mídias sociais precisam arcar com as responsabilidades associadas. O crescimento dos discursos de ódio esbarra com preceitos fundamentais das democracias ocidentais, como direito à informação e liberdade de expressão. Para a professora Lilian França as empresas de mídias sociais devem se responsabilizar por suas capacidades de suporte e interferência. “Os administradores deveriam retirar do ar todo tipo de comentário que ultrapasse o limite do diálogo civilizado. Existe uma ideia equivocada de que em nome da livre expressão vale tudo, mas as coisas, para mim, não são assim”.
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Os desafios de se assumir LGBT em cidades interioranas Somente em 2016, 343 pessoas foram mortas por homofobia em todo o país
Izabel Costa | zabel2014jornalismo@gmail.com Wirlan Lima | wirlanlima@gmail.com
Ser LGBT num país preconceituoso como o Brasil não é fácil, sobretudo, para aqueles que moram nas cidades do interior. Nesses locais mais longínquos, o preconceito e a homofobia imperam. As pessoas são mais conservadoras, ligadas às tradições e costumes, e, por este motivo, na maioria das vezes, não buscam compreender a diferença entre orientação sexual e gênero. Somente em 2016, segundo dados do relatório divulgado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), 343 pessoas LGBTs foram mortas por homofobia em todo o país. Isso significa que uma pessoa é morta a cada 25 horas em função da sua orientação sexual ou gênero. São números alarmantes que colocam o Brasil no topo dos países que mais praticam homofobia. Nos últimos anos, a comunidade LGBT, por meio de muita luta, conquistou direitos fundamentais como a união e o casamento civil entre homossexuais, o direito a utilizar nome social, principalmente, entre transexuais e travestis e a redesignação sexual, mais conhecido como mudança de sexo. Apesar dessas conquistas, há muito a se fazer para combater a LGBTfobia e se possa criar uma sociedade dotada de liberdades, principalmente em relação às orientações sexuais. MAIS CONTEXTO GÊNERO 46
Por que as pessoas, principalmente do interior, têm dificuldades de se assumirem?
“Eu sou lésbica. Acredito que a primeira dificuldade é assumir para si a sua própria identidade. Levei um bom tempo para entender isso até que pudesse pensar sobre como os outros me olham”
O preconceito ainda é o principal fator para as pessoas com orientações sexuais não se assumirem diante da sociedade. O medo da reação da família, dos amigos e da sociedade, principalmente em cidades do interior, onde quase todas as pessoas se conhecem, motivam essas pessoas a viverem suas vidas sexuais no anonimato. João Paulo (nome fictício), 47, desde os quatorze anos já se via como homossexual. No entanto, temendo o preconceito da sociedade e da família, nunca se assumiu. Mesmo no anonimato e sempre buscando discrição, manteve sua vida homoafetiva ativa. Para ele, um dos principais motivos para não se assumir foi os comentários negativos sobre ele que, de certa forma, o intimidava. “Um dos grandes problemas que sinto até hoje é manter a discrição dos atos para que não virem motivos de fofocas na cidade, já que todos me conhecem”, relata. Na época em que se identificou como gay, quando tinha quatorze anos, não se assumiu porque o assunto era um tabu e não havia aceitação na pequena cidade onde vive. “Se hoje, na sociedade “evoluída” que vivemos, eu fosse jovem, com certeza iria assumir, mesmo com todas as dificuldades que, infelizmente, ainda há”, relata JP. Para M. Henrique, o fato de ter nascido em uma família religiosa pesou muito para ter consciência de sua orientação sexual e conseguir se assumir como gay para as pessoas mais próximas. Foi um processo lento, pois não queria causar constrangimento aos familiares. A primeira pessoa com quem conseguiu se abrir foi seu irmão e, a partir disso, se sentiu mais confortável, pois se viu aceito como é. M. Henrique relata que foi mais complicado falar com a mãe: “é complicado porque ela não iria ver seu filho namorar uma menina e sim um outro menino. Além disso, tem a questão da violência que os LGBTQ sofrem em consequência do preconceito e da homofobia”.
Uma situação bastante chata pela qual passou foi por causa de sua voz. Por ser mais fina, desde criança ouvia críticas, pois diziam que ele falava igual “menininha”. Outra crítica vinha do fato dele sentar com as pernas cruzadas e isso o constrangeu durante toda sua infância e adolescência. Para conseguir viver de uma forma mais aberta, M. Henrique pensou em sair de sua cidade, no interior da Bahia, e nesse momento foi aprovado em um curso da Universidade Federal de Sergipe, no Campus de Itabaiana. A partir disso, concluiu que seria melhor mudar para Itabaiana/SE com o intuito de se conhecer mais e se aceitar como gay sem ver os julgamentos de pessoas próximas ou correr o risco de causar algum tipo de constrangimento aos familiares. Esse momento foi muito significativo em sua vida, porque começou do zero a ser quem realmente é e a se posicionar mais. Além disso, fez outras amizades e iniciou um novo ciclo em sua vida. “Eu sou lésbica. Acredito que a primeira dificuldade é assumir para si a sua própria identidade. Levei um bom tempo para entender isso até que pudesse pensar sobre como os outros me olham”, afirma Andréa Mendonça Cunha. A partir desse momento, começou a pensar nos pais e familiares e em como iriam reagir ao saber de sua orientação sexual. A mãe descobriu porque ela estava namorando uma menina e frequentemente se encontrava com ela. Neste momento não foi fácil explicar para a família e fazer com que entendessem. Isso gerou vários conflitos até que aceitassem. No momento, às vezes passa por situações constrangedoras como, por exemplo, a namorada ter uma aparência mais masculina e muitos pensarem que é namorado, ou seja, a ver como homem, o que fica desconfortável. Para Marli, mãe de Andréa Mendonça, foi um choque saber que a filha é lésbica. Ela ficou muito preocupada com a reação do marido e das pessoas. Porém, atualmente a relação com a filha e familiares é saudável e convivem bem. 47 GÊNERO MAIS CONTEXTO
Ilustração: Helena Zelic
LADEIRA ACIMA, ABAIXO O PRECONCEITO Na subida à aceitação do corpo, mulheres precisam de representatividade e autoestima fortalecida para lutar contra a gordofobia - gravada na pele, estampada nas revistas e costurada em suas roupas
Clara Dias | claralds@gmail.com
“É ter uma bandeira sempre levantada. É se manifestar sem precisar abrir a boca”, afirma Carolina Lira, 19, ao se referir sobre seu corpo como instrumento de resistência política. Estudante de Publicidade e Propaganda, Carolina se uniu com uma amiga – Ana Carolina Dantas – para produzir um documentário que aborda um obstáculo atroz na vida das duas jovens: a gordofobia, impositiva de limites desde a infância. Intitulado “Minha autoestima é gorda”, o documentário aborda histórias de 10 pessoas, sendo seis mulheres, e suas dificuldades de inserção numa sociedade onde o corpo gordo é visto como doença e absurdo. Da sala de aula a consultórios médicos, a gordofobia, preconceito ou intolerância contra pessoas gordas, está submersa em um emaranhado de comentários, vezes sutis e disfarçados de preocupação ou elogio, que cercam a vida de quem convive com ela. “Vou ao dentista e o dentista olha para mim: ‘Ah, vai ser até bom você colocar aparelho para parar de comer um pouco’”, esboça Carolina, explicando que, em sua apuração para o documentário, encontrou pesquisas indicando que a obesidade não é uma MAIS CONTEXTO SOCIEDADE 48
indicação certa de saúde frágil e não é resultado de negligência aos cuidados com o corpo. Um estudo feito em 2013 pela Icahn School of Medicine, nos Estados Unidos, comprova que nove em cada 10 pessoas acima do peso estão gordas por genética. Já a revista científica britânica Nature publicou, recentemente, um levantamento que comprova que o gene FTO não permite a obesidade. Testes feitos com ratos mostraram que, apesar de comerem muito e exercitarem-se pouco, os animais com esse gene não ganhavam peso extra. Além disso, fatores como falta de sono, condições socioeconômicas, saúde mental, desequilíbrio hormonal e uso de medicamentos também são indicadores de ganho de peso. Mesmo com dados contra a maré de negatividade, o preconceito é crescente: ainda que discussões e trabalhos de conscientização comecem a levantar reflexões sobre o assunto, estudos indicam que atitudes preconceituosas explícitas contra gordos aumentaram, consideravelmente, entre 2001 e 2010. E, apesar de existirem esses esforços, o debate sobre gordofobia continua discreto.
“Hoje em dia, eu não me policio em colocar um cropped, colocar um short, e ir para rua. Isso faz com que eu passe por certos lugares e faça com que algumas pessoas olhem para mim e pensem ‘Ah, aquela menina não tem vergonha de mostrar a banhinha no meio da barriga’”, afirma Carolina.
“Começamos a perceber que não tínhamos visibilidade em relação a isso [gordofobia]. Víamos várias pessoas fazendo projetos em relação à mulher, aos LGBT, ao racismo, e entendemos que nós também poderíamos ser uma pauta”, relata Carolina Lira. “Eu e minha amiga passamos por um processo de aceitação há muito pouco tempo e pensamos que seria bacana falar sobre isso”. Carolina conheceu a discussão sobre gordofobia no movimento feminista e acredita que o fato de ser mulher complica o preconceito que sofre: “Na nossa sociedade, há muito essa visão sexualizada da mulher. Primeiro, ela ‘precisa’ ter alguém, precisa ser magra e bonita, para atingir o objetivo de vida que a sociedade machista coloca para nós”. Trabalhar como atriz é um dos sonhos de Carolina, que participa da Academia de Teatro MusicAll. Contudo, mesmo no meio sensível e criativo do teatro, ela já precisou vestir o preconceito na pele. “Uma vez eu fui escolhida para um teste, e, quando cheguei lá, me disseram ‘Ah, mas é um papel de princesa. Por que escolheram você? ’”. Conquistar a visibilidade é, para Carol, a melhor forma de combater essas questões, objetivo de seu trabalho documental. “Só de ter pessoas que se preocupam com isso, de fazer com que mais pessoas se preocupem com isso, já é aquele passinho a mais que a gente dá. De pouquinho em pouquinho...”, anima-se. 49 SOCIEDADE MAIS CONTEXTO
“Deixa de gordice” Elisângela Valença, jornalista de 39 anos, corre, faz dança do ventre e pole dance. Hoje, sua relação com o corpo é felicidade e paz, mas nem sempre foi assim. “Cresci ouvindo que se eu continuasse gorda, não ia ser nada na vida, não ia ter nada na vida. Acho que não emagreci por pura ousadia: ‘Vou ser nada, não? Vamos ver...’”, conta.
“Quando entrei na faculdade, com 17 anos, foi quando fui aprender a ter autoestima. Aí, as coisas mudaram de figura. Fui aprendendo a me reconhecer e a me aceitar e a ajustar o que eu não gostava”, relata Elisângela Valença.
A repressão estética e estereotipação do corpo gordo também invadem outras esferas, como a da sexualidad A repressão estética e estereotipação do corpo gordo também invadem outras esferas, como a da sexualidade. Como a mulher já tem seu corpo hostilmente sexualizado todos os dias por uma sociedade culturalmente misógina, é ainda mais difícil quando seu corpo não atende aos padrões impostos, e isso se transfigura em invisibilidade. “Se você é paquerada por um cara que não te despertou interesse e recusa, ouve logo ‘amiga, você não está em condição de escolher’. Gorda nem pode gostar de sexo, porque todo mundo acha que gorda transa pouco e aí topa tudo para valer à pena o tempo ‘de seca’ que passa”, retrata a jornalista. Um exemplo disso foi o caso de ciberbullying que ocorreu, no dia 22 de setembro, com a modelo plus size Lesego Legobane. Um usuário do Twitter, Leyton Mokgerepi, postou uma montagem
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em que se referia à imagem da modelo Joëlle Kayembe como a “a menina que eu gosto”, por ter um corpo magro e simbolizar a “perfeição” estética cobrada, e à Legobane como “a menina que gosta de mim”, numa tentativa frustrada de conquistar risadas. Em resposta, a modelo plus size publicou “eu não gosto de você”, num protesto a postagens preconceituosas e gordofóbicas, encontradas aos montes nas redes sociais. É no caminho de encontro a essa repressão que mulheres como Lesego e Elisângela se deparam com a liberdade. “Na corrida, eu corro de top e short/legging por conta do calor”, conta Elisângela. “A camisa fica pouco tempo, às vezes já começo a corrida sem camisa. Depois da primeira vez que corri sem camisa, recebi críticas (claro! ‘Como essa gorda sem noção está sem camisa?’), mas recebi muitos elogios e até agradecimentos. ‘Elis, obrigada! Hoje me sinto livre’”.
A existência enquanto mulher e gorda invoca uma gama de estereótipos que se materializam em pedras no meio do caminho às tentativas de se buscar a vida cotidiana almejada por essas mulheres. Entre o apagamento da sexualidade e a expectativa por comportamentos específicos - como ser engraçada ou preguiçosa (por não conseguir se ‘mover o suficiente’ para emagrecer) -, a gorda precisa justificar cada decisão que, para qualquer outra pessoa, seria corriqueira. Elisângela questiona que “todo mundo acha que todo gordo é feliz e engraçado. Então, você não pode ficar mal humorado ou chateado. ‘Como assim? Você não está feliz? Faz uma piada aí!’. Gordo meio que se vê na obrigação de ser engraçado porque já não atrai pela aparência”.
Ladeira acima Íngreme, a ladeira da autoestima é difícil de subir e tem a pista escorregadia. O empoderamento feminino, no entanto, chega mais cedo a cada dia e facilita a subida de mulheres que, juntas, crescem mais fortes. Açucena Dantas, estudante de Direito de 22 anos, faz questão de aproveitar as oportunidades para falar sobre gordofobia, por acreditar que, apesar de cruel, é algo que a sociedade finge não existir. “Tento deixar uma marca positiva e uma nova perspectiva sobre a gordofobia. Me sinto muito orgulhosa hoje por me sentir segura para defender meu ponto de vista e também o direito de ser quem sou”, afirma Açucena. Lutando por espaço, ela continua a “bater o pé e derrubar o argumento falso e hipócrita ‘mas sua saúde’, porque a saúde gorda realmente não interessa. Interessa que a aparência incomoda, interessa que parece inadmissível alguém se amar assim, quando mulheres magras estão se torturando e se depreciando todos os dias para estarem em um padrão impossível”.
“Acredito que, depois que aceitamos nosso corpo, podemos nos usar como exemplo para empoderar outras pessoas parecidas”, afirma Rafaela Lopes.
O olhar de outras e para outras mulheres é uma ferramenta importante a dar suporte para a aceitação e o amor próprio do corpo feminino. “O meu maior passo foi fazer um ensaio fotográfico aos 18/19 anos (aos 15, fugi do book) e, através do olhar da fotógrafa, algo mudou em mim”, conta Açucena.
Para a estudante de jornalismo Rafaela Fontes, 21, o processo de aceitação foi iniciado através da observação da beleza em outras pessoas parecidas com ela. “Percebi que não tinha porque não gostar de mim mesma. Além disso, comecei a enxergar que havia muitas coisas em mim para serem admiradas além de um padrão corporal”, relata. Mulher, gorda e negra, Rafaela também se deparou com estereótipos e preconceitos: “Os mais comuns são os de que mulheres negras são ‘bravas’, e mulheres gordas são engraçadas ou existem para cumprir um papel cômico”. Todavia, personagens midiáticas que ainda reproduziam, mesmo que parcialmente, esses estereótipos, fizeram com que Rafaela percebesse e abraçasse a importância da representatividade em seus anos mais jovens. “Lembro que, quando assistia As visões da Raven, me achava parecida com a personagem, mas nem eu mesma sabia o porquê”, afirma.
“Os obstáculos proporcionados pela gordofobia] Nunca foram obstáculos criados por outras pessoas, mas um conjunto de bloqueios e inseguranças por muito tempo me impediram de me relacionar saudavelmente com as pessoas, e eu acabei desenvolvendo ansiedade”, conta Açucena.
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“Comecei a questionar o papel da representatividade quando eu tinha uns 14 anos, que foi quando comecei a assistir Glee e fiquei encantada com a personagem Mercedes. Ela se encaixa em alguns estereótipos como a da negra raivosa, mas, ao mesmo tempo, é cheia de autoestima, brilho e talento, e isso me fez ver que mais programas deveriam ter personagens como ela”. Como espaço de resistência, o corpo, rotulado por tantas regras que supostamente devem ser seguida à risca, pode, também, permitir que mulheres se vejam umas nas outras e gerem empatia. A mulher, dessa maneira, não só deixa de lutar contra a natureza de seu corpo, mas ajuda a outras mulheres a fazerem
as pazes com sua autoestima. “Acredito que, depois que aceitamos nosso corpo, podemos nos usar como exemplo para empoderar outras pessoas parecidas”, assegura Rafaela. O compartilhamento de histórias similares auxilia a essas mulheres a entenderem as suas próprias, amadurecerem e retribuírem o autoconhecimento ajudando à próxima. Após passar por esse processo, Açucena reflete: “A relação com meu corpo hoje é de aprendizado. Todos os dias, percebo e aprendo a me orgulhar de detalhes que antes causavam insegurança e tristeza (cicatrizes e estrias) e que hoje são só a materialização do meu amadurecimento como mulher”.
Meio de falar mais alto Carolina Lira pontuou, durante a sua entrevista, que um dos fatores que abriu espaço para a discussão sobre gordofobia foi o crescimento da comunicação pela internet. On-line, muitas mulheres puderam compartilhar as próprias experiências e dialogar diretamente umas com as outras, sem a necessidade de uma curadoria de pautas comercialmente interessantes, como se faz na televisão ou na mídia impressa. Em um ambiente horizontal, essas mulheres encontraram representatividade em outras parecidas, e, a partir daí, foi possível observar o aumento, ainda que lento, dessa representatividade na mídia hegemônica. Dentro desse espaço virtual, um das melhores plataformas de conexão e engajamento com o público é o YouTube. Através de canais em que combatem a gordofobia e conversam sobre empoderamento feminino, mulheres alastram, através de milhares de inscrições e visualizações no canal, a mensagem de que podem amar seu corpo.
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Alexandra Gurgel é a criadora do canal ‘Alexandrismos’, em que desmistifica de forma ácida e descontraída alguns questionamentos sobre ser gorda, como inseguranças, relacionamentos e preconceitos. O canal já conta com mais de 66 mil inscritos.
No canal Tá Querida, Luiza Junqueira fala sobre gordofobia e autoaceitação para mais de 143 mil inscritos, e também dá dicas sobre cabelo, culinária e outros assuntos.
Jéssica Tauane, também fundadora do Canal das Bee (voltado para o público LGBT), criou o canal Gorda de Boa, como uma referência à expressão “magra de ruim”, em que combate a gordofobia e fala sobre como se alimentar de forma saudável sem pensar em emagrecer. Juliana Romano lidera um canal homônimo, no qual fala sobre moda, beleza e empoderamento feminino. Além disso, discute sobre preconceitos na série de vídeos A Gorda e o Gay, do canal MdeMulher. Ela foi uma das primeiras blogueiras de moda plus size brasileiras a fazer sucesso e conta com mais de 70 mil inscritos em seu canal.
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Fernanda Lima em exercício pela FSF
O PAPEL DA MULHER NO FUTEBOL SERGIPANO Andreia Fontes | andreia.fontes@hotmail.com
O ano de 2017 deu uma sacudida no futebol brasileiro. Pela primeira vez na história do Batistão, principal estádio de Sergipe, uma árbitra comandou o jogo entre Confiança e Frei Paulistano. O nome dessa sergipana é Thayslane de Melo Costa, hoje árbitra da FIFA. Neste mesmo ano, Sergipe mostrou sua vanguarda ao inscrever mais de 180 atletas no Campeonato Sergipano de Futebol Feminino. E se não bastassem esses dados, também neste ano, com o lema “Resistência e Empoderamento”, aconteceu o 1° Encontro Nacional de Mulheres de Arquibancada, no Museu do Futebol, em São Paulo, reunindo 350 mulheres representantes de 50 torcidas organizadas de 11 estados brasileiros.
Se a realidade brasileira insiste na predominância masculina dentro das quatro linhas do campo; o sexo feminino, por outro lado, tem confirmado que no futebol lugar de mulher é onde ela quiser: na arquibancada, na diretoria ou como profissionais do esporte. O que importa, no final, é a paixão pelo futebol. Do apito às bandeirinhas: agora é que são elas Assumir a condução de uma partida de futebol não é uma tarefa simples. Entre murmúrios, xingamentos, reclamações e raríssimos elogios, a missão é ainda mais complicada quando uma mulher assume o comando. “Sempre existem alguns 53 GÊNERO MAIS CONTEXTO
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que não concordam ou aceitam. Mas a aceitação vem numa crescente. Temos todos os tipos de tratamento, pessoas que reconhecem nosso trabalho, outras não”, comenta Fernanda Franciellen Lima, árbitra assistente da Federação Sergipana de Futebol (FSF). Para alcançar o sonho de se tornar profissional, algumas tarefas se tornam hábitos regulares. “Treinos constantes, estudos conciliando com o dia a dia fora da arbitragem, trabalho, faculdade, entre outras atividades”, lembra Fernanda. Para a assistente, a participação feminina no futebol de Sergipe ainda é fraca. No meio profissional, embora haja um quadro de árbitras com muito talento, faltam oportunidades.
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Tamires Prata durante partida de futebol
O cotidiano agitado é rotina comum para essas profissionais do esporte. É o caso de Tamires Prata, árbitra assistente da FSF. “No nosso dia a dia, vivemos uma vida regrada e disciplinada, onde é necessário estar sempre em treinamento, como também na busca por uma alimentação saudável”, explica. Quanto à discriminação, a assistente comenta que ainda é perceptível um olhar diferenciado e desconfiado contra a mulher, o que torna este público ainda retraído devido ao constrangimento. Porém, a promoção de campeonatos pela federação tem fomentado alguns clubes, ainda que de maneira tímida, a pensar na mulher dentro do contexto futebolístico. Mesmo com todas as dificuldades, Tamires encoraja quem deseja um futuro na profissão. “Primeiro a pessoa tem que gostar do que faz, se identificar, e aí partir atrás dos seus objetivos”, conclui. Segundo a Associação de Árbitros Profissionais de Futebol do Estado de Sergipe (AAPF/SE), no menor estado da Federação existem 12 árbitras. Dessas, duas são aspirantes FIFA, ou seja, possuem grandes chances de ocupar postos na arbitragem internacional. São elas: VaneiMAIS CONTEXTO GÊNERO 54
Luana Correa na preparação para mais um jogo do Sergipe
“Dentro dos estádios há uma união, a maioria que está ali, no lado das arquibancadas, acredita que o futebol é para todos. Homens e mulheres torcendo juntos sem nenhum rótulo. Eu amo ir aos estádios, é um lugar sensacional. Fiz muitos amigos, espero continuar indo e ver mais mulheres. Eu vou e antes de acabar o jogo eu já quero que comece outro. É uma energia muito boa. Várias pessoas compartilhando a mesma paixão, é lindo de se ver”
de Vieira de Gois e Fernanda Franciellen Lima da Silva, além de Thayslane de Melo Costa, que recentemente foi aprovada no curso FIFA Futuro III, em São Paulo.
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Segundo Ivaney Lima, presidente da AAPF/SE, o treinamento é igual ao dos homens, não existe diferença alguma. “Para a mulher atuar nas competições
masculinas, elas têm que atingir o índice masculino. Então, elas se preparam no mesmo padrão de todo mundo. Não há diferenças de treinamento porque as mulheres trabalham nas competições de nosso campeonato na série A1 e na série A1 do Brasileiro, que é a vitrine”, pontua.
Sobre diferenças na remuneração, Ivaney alega não haver distinção salarial. Segundo ele, tanto o homem quanto a mulher recebem em percentual e os assistentes recebem 60% do salário dos árbitros. Há apenas uma estipulação de taxa entre árbitros e árbitros assistentes. O presidente vê a situação atual com bons olhos, tanto em relação aos clubes, que têm incentivado, como em relação à federação. “Nós tivemos agora o encerramento do campeonato feminino, em que o estado de Sergipe foi o que mais colocou equipes femininas, nove no total. A final foi entre Canindé e Boca Junior de Estância, onde o Canindé consagrou-se campeão e vai representar o estado em competição nacional. Os clubes estão atendendo às solicitações da federação e da própria CBF, que é incentivar o campeonato feminino e, em cima disso, Sergipe saiu na frente”, destaca. Sobre o preconceito enfrentado pelas mulheres, o presidente afirma ter melhorado bastante. Apesar de o futebol ainda ter a predominância de homens, a mulher vem tendo uma aceitação, a exemplo da frequência nos estádios. A presença feminina tem sido efetiva, inclusive em clubes tradicionais, como Confiança e Sergipe. As mulheres têm torcidas organizadas e fazem eventos sociais para ajudar o time. As mulheres nas arquibancadas No início do século XX, o futebol chega ao Brasil e se torna um acontecimento social, elemento totalmente vinculado à ideia de identidade nacional, configurando-se como um misto de esperança, agonia, ódio, nervoso, euforia.
Iris Karolaine Feitosa dribla o preconceito e acompanha os jogos do Confiança
A torcida representa uma união comum, o exato momento em que diferenças de classe, raça, religião e gênero entram em segundo plano. Consequência disso é uma carga de motivação sem precedentes para os atletas, algo que influencia diretamente no desempenho dentro das 55 GÊNERO MAIS CONTEXTO
“No futebol sergipano é pouco notável a presença de mulheres em funções específicas dos clubes. No Itabaiana, clube que disputa a primeira divisão do campeonato sergipano, existem apenas duas mulheres na função de nutricionistas. Essas duas nutricionistas são estagiárias sem remuneração, trabalham voluntariamente até por serem torcedoras do clube”
quatro linhas. No estado de Sergipe, semelhante ao caso brasileiro, as mulheres lutam por espaço nas arquibancadas e enxergam a realidade tal qual ela é. Luana Correa, estudante, torcedora do Sergipe e frequentadora de jogos de futebol, é enfática quanto à situação da mulher no futebol sergipano. “Em todos os clubes que conheço são homens que ocupam os cargos na diretoria. O máximo de mulher que aparece são as esposas, mas para acompanhar o marido. É muito raro ver uma mulher ocupando esses lugares, ainda mais no ambiente como o do futebol, infelizmente ainda há pouca evolução no que diz respeito a esse tema”, cita. A colorada reconhece que embora o clube realize encontros femininos, possua páginas dedicadas às mulheres e site com homenagens, ainda é muito pouco para melhorar a situação das mulheres dentro e fora de campo. “Nas relações de trabalho, é difícil ver uma mulher, mas na torcida estão indo bem. Estão dando um show de empoderamento. Hoje eu vejo muitas mulheres em estádios, muitas delas organizam as torcidas, ficam à frente das músicas ou dos instrumentos de percussão, choram com a derrota ou a vitória, gritam, sentem a adrenalina e quão bom é o futebol”, completa. Mas, o futebol nem sempre é composto por emoções positivas. A jovem relata que a sociedade é um tanto preconceituosa e que a discriminação não parte diretamente dos torcedores, mas das pessoas de fora, principalmente as que não se sentem atraídas pelo futebol. Os desafios das mulheres ainda envolvem o consumo de produtos do clube, pois para elas, tudo é ofertado em pouca quantidade e variedade. “A minha camisa é masculina porque não achei feminina e muitas mulheres usam a masculina também”, diz Luana. “Dentro dos estádios há uma união, a MAIS CONTEXTO GÊNERO 56
maioria que está ali, no lado das arquibancadas, acredita que o futebol é para todos. Homens e mulheres torcendo juntos sem nenhum rótulo. Eu amo ir aos estádios, é um lugar sensacional. Fiz muitos amigos, espero continuar indo e ver mais mulheres. Eu vou e antes de acabar o jogo eu já quero que comece outro. É uma energia muito boa. Várias pessoas compartilhando a mesma paixão, é lindo de se ver”, pondera. Iris Karolaine Feitosa, vendedora e torcedora do Confiança, ressalta que a participação feminina vem aumentando. Cada vez mais, árbitras consolidam-se no futebol sergipano, além da torcida organizada regida por mulheres, a exemplo da torcida feminina “Proletárias”, que tem uma mulher na presidência. Para ela, o Dragão do Bairro Industrial adotou promoções de ingressos para esse público, uma bilheteria especial, incentivando não somente as mulheres, mas também a ida das famílias ao estádio. Azulina de coração, Iris consome os produtos tanto do clube quanto da torcida organizada e lamenta alguns atos preconceituosos em meio aos jogos. “Com certeza o preconceito existe, como aquelas perguntas bestas: ‘sabe o que é impedimento?’, ‘futebol é coisa de homem’”, explica. O Itabaiana tem estimulado sua torcida feminina através de entradas grátis ou a preços mais baixos. “É uma maneira de incentivar para quebrar o tabu que futebol é só coisa de homem”, afirma Taís Cristina, jornalista, torcedora apaixonada pelo Tremendão da Serra. Para a jovem, a participação feminina está longe de ser unanimidade e ainda deixa muito a desejar, até por ser, de certa forma, uma coisa nova em Sergipe. “Até certo tempo era muito difícil ir ao
estádio e ver mulher na arquibancada”, pontua. Na arquibancada o preconceito é visível, especialmente pelo fato de parte considerável do público masculino achar que mulher não entende de futebol e insistir na ideia de que o esporte não é coisa para esse público. Em meio aos desafios enfrentados pelas amantes do futebol, a recompensa é sentida na emoção de apoiar o clube amado. “Assistir a uma partida de futebol é algo empolgante, principalmente quando a disputa envolve times locais. Além disso, ir a um estádio nos possibilita conhecer um mundo, que é a paixão por um clube, torcer, gritar, chorar”, finaliza. A mulher dentro do campo Dentro das quatro linhas, a Federação Sergipana de Futebol (FSF), responsável pela realização do Campeonato Sergipano de Futebol Feminino, dá ao campeão uma vaga na seletiva do campeonato brasileiro da série B, além de uma premiação de R$ 2.000 para o campeão e R$ 1.000 para o vice-campeão. Os membros da direção dos clubes realizam a divulgação e montam suas equipes, fazem os treinamentos, inscrevem as atletas na federação e, consequentemente, na Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Assim, os clubes estão aptos para disputar a competição. Embora o campeonato sergipano de 2017 tenha contado com a participação de nove equipes e mais de 180 atletas, a situação de profissionalização é desanimadora. “No futebol feminino não há remuneração, até porque os contratos de atletas não exigem contratos profissionais. Pode ser de vínculo não profissional, ou seja, não há obrigatoriedade de pagamento de salário nem ajuda de
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Segundo Adailton, o Tricolor Serrano incentiva a presença feminina a partir de promoções, entrada gratuita em alguns jogos ou meia-entrada em outros. Porém, frisa a importância da presença feminina nas diretorias. “Pelo dom que a mulher tem de ser organizada e sua capacidade intelectual, apesar de ser raro aqui em Sergipe”, opina. Matheus Tavares, outro membro da direção do Itabaiana, lembra que, embora não exista presença feminina na parte executiva, existe uma mulher membro do conselho de administração do clube. “No Itabaiana é vedada por estatuto a remuneração de membros da diretoria executiva ou conselho”, diz. Taís Cristina acompanha os jogos do Itabaiana frequentemente custo”, afirma Diogo, diretor de competições da FSF. Por isso, muitas mulheres optam por abandonar o esporte em troca de trabalho remunerado. Segundo Diogo, apesar da busca das mulheres por mais espaço no futebol, seja nos gramados, na arbitragem, nas diretorias ou nas arquibancadas, ainda é evidente a existência de preconceito. “Parte mais dos torcedores, que costumam hostilizar, às vezes por uma marcação contra a equipe que ele torce, então usa do momento para poder denegrir a figura da mulher, que mulher tem que estar na cozinha, que não entende de futebol”, complementa. A FSF defende que são casos esporádicos de torcedores e que a entidade não compactua com esse tipo de discriminação. Além disso, aponta a existência de cinco mulheres no quadro funcional, além da presença feminina na arbitragem, através de uma árbitra central e algumas árbitras assistentes. O diretor afirma ainda que mesmo com os desafios que enfrentam rotineira-
mente, as mulheres têm frequentado os estádios, comprado camisas, ingressos. “A presença feminina aumenta a paz, diminui o índice de violência por inibir esse tipo de comportamento e cria um novo modo de perfil de torcedor” conclui. Mulheres nas diretorias: um longo caminho a ser trilhado Realidade comum à sociedade brasileira, é raro presenciar mulheres ocupando cargos de chefia ou de maior representação, fato semelhante ao que se observa nas diretorias dos clubes do estado de Sergipe. “No futebol sergipano é pouco notável a presença de mulheres em funções específicas dos clubes. No Itabaiana, clube que disputa a primeira divisão do campeonato sergipano, existem apenas duas mulheres na função de nutricionistas. Essas duas nutricionistas são estagiárias sem remuneração, trabalham voluntariamente até por serem torcedoras do clube”, afirma Adailton Resende, diretor de desportos do clube.
O diretor citou que as temporadas de 2016 e 2017 foram importantes na relação com as torcedoras, especialmente pela facilitação na entrada deste público nas partidas. “Em diversas oportunidades as mulheres tiveram entrada gratuita ou com preço simbólico de R$ 5,00 ou R$ 10,00”, pondera. Nas últimas duas temporadas do Itabaiana, com o incentivo da direção e as promoções feitas, tiveram jogos com quase duas mil mulheres. Segundo Matheus, a presença feminina nas arquibancadas também aumentou consideravelmente a compra de produtos do clube. Em outro tradicional time do estado, o Club Sportivo Sergipe (CSS), a situação é semelhante. Gleyson Prado, gerente administrativo, afirma que não existe mulher exercendo função na diretoria. Nas ações realizadas pelo clube, as promoções nos preços dos ingressos trouxeram uma maior participação das mulheres nos estádios e na compra de materiais esportivos do clube. Em relação à arbitragem, o gerente argumentou que o estado dispõe de boas representantes no quadro. “Não vejo preconceito, pelo contrário, vejo mais respeito dos atletas quando a arbitragem é feminina”, finaliza. 57 GÊNERO MAIS CONTEXTO
Por Elisa Lemos | eliisalemos@hotmail.com
Conto da resistĂŞncia:
a cultura que chegou a navio negreiro, um festival para parar com o trĂĄfico.
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O som forte do tambor anuncia o nascimento de um corpo que fala calado. Em seguida, os pés que se movem lentamente têm ligação direta com o tronco que contorna o vento. Os braços que abraçam o nada conseguem segurar toda a adoração aos deuses de uma religião, talvez, miscigenada. Todo esse conjunto é uma coreografia histórica que nasceu no aperto úmido de um navio e que se desenvolveu no solo fértil do Brasil. Esse foi o ritmo do IV Festival de Dança Afro “Vale que Dança” que aconteceu entre os dias 01 e 10 de setembro de 2017, no Vale do Capão, Palmeiras – Chapada Diamantina. Seguindo o som marcado do batuque, os pés negros, agora pretos também na sola, batiam no chão de forma não só incisiva como quem afirmava seu espaço, mas também com toda a métrica e energia herdada de um povo que dançou a dança do contorcionismo a cada chibatada sangrenta recebida nas costas. 59 EDITORIA MAIS CONTEXTO
Performance do Grupo Origem no Vale que Dança | Créditos: Eric Almeida
Vale porque tem dança A dança é considerada uma das maiores representações culturais de uma população. Essa é a derivação da cultura que consegue abrigar técnica, movimento, história e ritmo em um único segmento e que explica, por si só, a trajetória do seu povo por ser moldada com o passar do tempo. O desenvolvimento da dança afro no Brasil se deu com a chegada dos negros no período escravocrata na região. Inicialmente, a dança nascia de composições religiosas de matriz africana e foi se fortalecendo por volta do século XIX, numa mistura cultural entre diferentes tribos da África e os índios brasileiros. Foi assim que nasceu o candomblé e outros segmentos regionais que originaram as danças afro-brasileiras e
outros aspectos dessa cultura africana no Brasil. Dentro desse contexto de desenvolvimento cultural e fortalecimento da cultura da terra é que surge o Festival de Dança Afro do Capão. A proposta do evento é oferecer à população oficinas, workshops e apresentações de dança afro vindas de todo e qualquer lugar. “O Vale que Dança é um festival que a gente pensa num coletivo, acomodando e trazendo todos os grupos e dançarinos profissionais e não profissionais, para que a gente possa comungar e compartilhar dessa coisa, dessa batalha e dessa vivência que se chama dança.” disse Toni Silva – professor, coreógrafo e idealizador de todo o evento, desde a sua primeira edição.
Performance “Soizub Odar no Vale que Dança, por To Silva e Negra Créditos: Wal
Performance “Terra Vermelha” no Vale que Dança, por Iana Schramm | Créditos: Eric Almeida MAIS CONTEXTO EDITORIA 60
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oni a Jhô | lly Lima
Geografia X Coreografia: o espaço além do físico O Vale do Capão é uma formação situada entre duas grandes serras: a Serra do Camdobá e a Serra da Larguinha. Quase como uma concha, essa região comporta formações naturais que dominam o espaço físico da localidade, proporcionando uma sensação libertadora de estar imerso na natureza. Essa liberdade unida à dança provoca sensações transformadoras nos dançarinos e nos espectadores, como em Maria de Almeida, moradora do Capão que afirma: “Esse evento trouxe vários profissionais, trouxe um novo espaço pra se colocar, pra fazer a dança. Dá pra ver o quanto a arte é transformadora, tem grande papel na sociedade e, nossa, ela mexe com o emocional e faz a gente abrir os olhos para outra realidade!”. Ao todo foram mais de dezoito apresentações de dança além das oficinas, mesas de debate e workshops. “É
um evento preocupado não só com a dança, como também com a educação dessa dança. A preocupação existe em melhorar a qualidade das pessoas e dar acesso a quem não tem acesso a essa vertente da cultura.” diz Fátima Soarês, diretora da Escola Contemporânea de Dança. No fim, a geografia auxiliou o caminhar da coreografia. O espaço limitado por formações rochosas concentra todo o evento na Vila do Capão e nas escolas das imediações. A esperança é que um dia o evento pare de caber nesses limites das Serras e transborde por toda a extensão do país. “Aqui, no Brasil, nós temos vários festivais de dança, mas poucos contemplam a cultura negra [...] geralmente esse cultura não tem espaço, fica à margem, à esquerda ou abaixo. Aqui não, aqui o negro está
em pé de igualdade.” afirma Edileuza Santos, facilitadora do workshop sobre força de expressão negra. É por conta de movimentos desse tipo que o negro tem conseguido, cada vez mais, ocupar o espaço que é seu por direito na sociedade. A disseminação da história da dança, como está sendo feita nesse festival, por exemplo, nutre a população com formação histórica sobre algo que eles consomem, mas que muitas vezes, não sabe de onde veio. O processo de conhecimento é essencial para a descoberta de medidas de intervenção para lidar com os problemas. E o genocídio do povo negro é um deles. Causas, pra serem combatidas, precisam ser discutidas e é por isso que espaços que tratem da cultura afro-brasileira deveriam existir em todos os estados do Brasil. 61 EDITORIA MAIS CONTEXTO
Ilustração: Helena Zelic
A ARTE RESPIRA NAS BRECHAS
Rafael Amorim rafaelamorimc@gmail.com
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‘A’, Not ‘I’, de Cibelle Cavalli Bastos
Em 2010, a National Portrait Gallery, em Washington, abrigou pela primeira vez uma exposição sobre a temática queer. Recentemente, foi inaugurado em Londres o Queer British Art, um relevante acervo de exposições históricas sobre o universo queer. Em agosto de 2017, chegou ao Brasil o Queermuseu. A exposição não completou sequer um mês de exibição. A repercussão dela, entretanto, trouxe o debate sobre a relação entre a arte e a política aos holofotes e é esse o principal tema desta reportagem.
De origem inglesa, a palavra é utilizada para definir aqueles que não seguem o padrão da heterossexualidade ou de qualquer gênero definido: os gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, ou, como pejorativamente eram e são chamados, os “viadinhos, sapatões, mariconas”. Essa mesma palavra foi título da exposição “Queermuseu: Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”, promovida pelo Santander Cultural e encerrada antes mesmo de completar um mês devido às fortes pressões contrárias do Movimento Brasil Livre (MBL) e de outros grupos religiosos, de cunho conservador. Diante das críticas, o Santander lançou uma nota cancelando a exposição e afirmando: “Pedimos sinceras desculpas a todos os que se sentiram ofendidos por alguma obra que fazia parte da mostra. (...) Ouvimos as manifestações e entendemos que algumas das obras da exposição Queermuseu desrespeitavam símbolos, crenças e pessoas, o que não está em linha com a nossa visão de mundo. Quando a arte não é capaz de gerar inclusão e reflexão positiva, perde seu propósito maior, que é elevar a condição humana”. A nota, publicada sem que até mesmo o curador Gaudêncio Fidelis soubesse, suscitou uma forte discussão sobre as decisões políticas no cenário artístico. Entender a conflituosa relação entre a arte e a política é o objetivo da linha de pesquisa em Teoria e História da Arte de
“Criança Viada”, de Bia Leite
Em 1891, o renomado escritor Oscar Wilde se apaixonou. Quatro anos depois, foi preso pelo amor recém-conquistado. O motivo: Wilde estava amando outro homem, Lord Alfred “Bosie” Douglas, terceiro filho do Marquês de Queensberry – crime inafiançável na época. O dramaturgo negou veementemente, mas foi inútil. Nas cartas encontradas, Oscar descrevia uma Londres vazia: “aqui é um lugar adorável, mas falta você”. As palavras se tornaram uma prova incontestável do romance e foi a primeira vez que o termo “queer” foi atribuído a alguém ilustre.
Uriel Bezerra, estudante vinculado ao Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Universidade Federal da Bahia, tendo como objeto de estudo a primeira edição da Bienal da Bahia, cuja a segunda foi suspensa pela censura do regime militar. Para ele, a censura ou, como define o caso do Queermuseu, a “autocensura”, não é inédita. “O Estado não está definindo incisivamente o que deve ser exibido ou não em público, mas as regras do jogo se definem de acordo com os novos interesses e estratégias do capitalismo financeiro. O MBL, Movimento Brasil Livre, de cunho extremamente conservador, criou um engodo na exposição constrangendo visitantes, funcionários do espaço e produzindo mídia a partir disso. A forma como se produz essa mídia gera contaminação subjetiva e é muito mais potente e popular que a própria exposição”, explica Uriel. Para ele, ações como essa podem se repetir com mais frequência e criar uma situação muito violenta. Foi o que aconteceu, por exemplo, em Mato Grosso do Sul, com a obra da artista plástica Alessandra Cunha. Uma de suas telas, expostas no Museu de Arte Contemporânea, localizado em Campo Grande, foi confiscada pela Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA) sob acusação de incentivo à pedofilia. A obra, no entanto, denunciava a suscitada prática, sendo acompanhada pela frase: “o machismo mata, violenta e humilha”, escrita de trás para frente.
Ninguém é uma tábula rasa. Existem experiências de vida, particularidades que cada um carrega e que possibilitam reações diversas à arte.
Uriel Bezerra | Foto: Arquivo Pessoal
Tanto a ação do MLB como a decisão de confisco da obra pelo DEPCA traz reações contrárias às experiências particulares que cada um estabelece com a arte, como explica Uriel: “Ninguém é uma tábula rasa. Existem experiências de vida, particularidades que cada um carrega e que possibilitam reações diversas à arte. O que assistimos recentemente foi um grupo canalizar, ou enviesar essa experiência por meio das redes sociais, das quais muitos dos usuários sequer estiveram na exposição”. 63 SOCIEDADE MAIS CONTEXTO
“Cruzando Jesus Cristo Deusa Schiva”, de Fernando Baril
Nunca ouvi de alguém que determinada obra de arte o induziu a um determinado comportamento diferente do seu natural.
Uma das pessoas que não chegou a visitar a exposição foi o artista visual sergipano Alan Adi que, atualmente, tem seu trabalho “Cortejo para um novo dois de julho” exposto no Museu de Arte da Bahia. “É possível defender qualquer causa distante geograficamente dela, no entanto, se tratando de arte contemporânea, as questões de um trabalho passam por um contato mediado, uma leitura sobre a obra e, muitas vezes uma experiência sensorial que se dá em presença. A riqueza de um trabalho artístico também está aí: no poder que o mesmo tem de se conectar. É algo que passa por poética, escolhas de formalizações, matéria, formato, suporte, expografia; e é claro que não foi isso que interrompeu a mostra”, afirma. Para Alan, outro problema determinante, além da mobilização dos movimentos conservadores, foi a falta de diálogo na busca por soluções mais efetivas que respeitassem as obras e os artistas do Queermuseu. “Pressões é algo comum em um cenário que, para funcionar, sobrevive por dialogar com várias posturas e achar soluções pacíficas que muitas vezes passam por medidas simples de compensação. E no caso do lugar expositivo, essa agilidade foi o que faltou”, pontua.
Alan Adi | Foto: Rafael Amorim
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Como solução, ele acredita que medidas como a classificação indicativa seria uma forma legítima de defender a arte nesse processo de constantes ataques. “Se pensassem (inclusive mesmo depois dos tumultos) em uma sala dedicada aos trabalhos que pretendem discutir questões através do uso de determinadas imagens, seguindo uma classificação indicativa e mediação nas visitas, acredito que a mostra seguiria ainda com mais força dialogando com todo o entorno, de forma a balizar a importância da reunião daqueles trabalhos, naquele espaço, nos tempos atuais”, sugere.
A interrupção da exposição e a falta de diálogo é algo recorrente no atual cenário político da arte, como explica Uriel: “Há um ciclo vicioso nos sistemas de financiamento e eles obedecem a interesses privados. O que potencializa ainda mais as chances de se fechar uma exposição pelos motivos mais banais. Se essa exposição de financiamento público fosse realizada em espaço público, talvez tivéssemos um impedimento maior a uma censura, até porque isso recordaria crimes de Estado da ditadura militar”. Períodos como a própria ditadura têm sido citados constantemente pela classe artística – seja pela censura ou pela imposição. Do outro lado, os movimentos e grupos conservadores acreditam que a arte política ameaça um bem-estar social. Para Alan, as ameaças são outras. “Creio que um trabalho artístico bem elaborado é profundamente importante e tem valor inestimável, mas nunca ouvi de alguém que determinada obra de arte o induziu a um determinado comportamento diferente do seu natural. No entanto, já ouvi muito que a desigualdade social, a fome, a seca e os preconceitos (só para citar alguns motivos) já mudaram a vida de muita gente em todo o mundo”, conclui. Um mundo longe dos preconceitos e admitindo as singularidades ainda resiste nas brechas de realidade, nas construções de um imaginário possível, como afirma Uriel: “Acredito que a arte precisa nos possibilitar imaginar outros mundos possíveis. Não quero reafirmar discursos românticos acerca da imaginação, como se fosse algo apartado do campo das práticas, do que normalmente chamamos de realidade. Pelo contrário, é necessário imaginar para possibilitar o surgimento de novas práticas artísticas”. Enquanto isso, nessas mesmas brechas de realidade, a arte respira – em alguns dias com mais interrupções que outros.
O cinema é um espaço democrático? Valor dos ingressos tem sido um dos principais motivos para afastar o público
Pixabay
Cleilson Lima | cleilsonlimajorns@gmail.com Luciana Gois | lucianasantosdegois@hotmail.com
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A grande tela: local de sonhos para muitos
A grande tela das salas dos cinemas é o ponto de referência quando nos referimos às produções audiovisuais. Afinal, quando criança, quem nunca sonhou em assistir seus contos de fadas, filmes de ação, seus super-heróis favoritos em telas de mais de 200 polegadas? Mas apesar de ser uma fonte importante para disseminação de cultura e conhecimento, nem todo mundo tem acesso. O preço alto, cinemas centralizados, falta de pluralidade, são alguns dos pontos que distanciam os cinemas de Aracaju de serem espaços democráticos. Ele desperta curiosidade, imaginação, críticas, debates. O cinema vai além do lazer, ele é um catalisador das mentes humanas. E de acordo com Suyenne Correia, professora de audiovisual e crítica de cinema, um filme só cumpre seu sentido quando o telespectador sai da sala modificado. Para isso, é claro, o público precisa ter um catálogo diversificado e não fechado ao padrão blockbuster. Para o estudante de jornalismo, Matheus Britto, é preciso diminuir as distâncias e barreiras que afastam a “sétima arte” do público. “O cinema mais democrático é aquele que está nas ruas, junto das pessoas. Não aquele que está preso à lógica dos shoppings. Quanto mais para a rua, melhor. Assim, a gente inclui mais as pessoas, principalmente aquelas que não têm tanto acesso aos bens culturais. Minha família, por exemplo, nunca criou o hábito de ir ao cinema regularmente porque nunca foi uma prioridade dos meus pais. O cinema ainda não é visto como uma forma de educação e socialização, já que eles se concentram nas zonas privilegiadas da cidade”. Terezinha Francisca tem 50 anos e mora no bairro Santo Antônio, zona norte de Aracaju, ela conta que não frequenta o cinema porque tem que gastar seu dinheiro com coisas indispensáveis, como a alimentação da sua casa. “Ninguém me leva, então não vou gastar esse dinheiro MAIS CONTEXTO EDITORIA 66
para assistir, já que preciso comprar a comida aqui em casa”. Ela faz parte de um grupo de pessoas que nunca foram ao cinema ou foram pouquíssimas vezes. O alto valor de um ingresso é uma das causas que mais impacta nessa situação. Hoje para uma pessoa assistir a um filme terá que desembolsar em média 20 reais, dependendo do cinema, sem levar em conta outros gastos, como o transporte. Assim, muitas vezes, o cinema não é prioridade ou até não se tem a possibilidade de ir, como no caso de Dona Terezinha. “Eu fui uma vez quando era criança naqueles cinemas que tinham nas praças, era de graça, outra vez foi quando minha filha me levou, mas não tenho como ir e nem tenho dinheiro pra isso”. O estudante universitário, Airton Bruno Nascimento, lembra que existe a meia entrada para estudantes e algumas classes, como os professores, nos cinemas da capital, mas para a população mais carente isso ainda não resolve as questões. O trabalhador tem dificuldades de pagar a entrada no cinema e esse espaço ainda oferece outras atrações, tais como, pipocas, refrigerantes, chocolates, que aumentam o custo desse “programa”, principalmente se pensarmos na ida de uma família inteira para a sessão. Outro fator é a localização. Em Aracaju os cinemas mais frequentados e conhecidos são os que estão nos shoppings, ou seja, ficam concentrados na zona sul da cidade. A centralização, os valores, a pouca oferta de produtos diferentes, dentre outros fatores, explicam o esvaziamento das grandes salas, como esclarece Suyenne, “Eu passei uma tarde de domingo em um dos shoppings e a bilheteria estava completamente vazia, foi impressionante”. O fato impressiona, tendo em vista que o cinema é um dos atrativos, principalmente para os jovens, no final de semana. Já foi um programa que fazia parte da rotina dos aracajuanos e um dos poucos espaços cobertos onde as pessoas têm acesso a produtos culturais.
Foto/Reprodução
Entrada do Cinema Vitória, que fica na Rua do Turista, centro de Aracaju
Apesar de ficar localizado no centro de Aracaju, nem todo mundo conhece o Cine Vitória. Ele conta com apenas uma sala, mas em seu catálogo referências de produtos que não se encontra no cinema dos shoppings. Airton já assistiu um documentário no local e diz achar interessante a maneira como há esse outro leque de possibilidades de filme. Para ele essa programação que não visa só o lucro, que traz filmes nacionais que não são passados nas telas dos cinemas mais “comerciais”, tornam o cinema mais interessante. “Muitas vezes, no Brasil, só chega os filmes de Hollywood e acabamos esquecendo outros tipos de cinema, outros tipos de abordagens”. O funcionário público, Eduardo Rodrigues, diz desconhecer e frequenta o cinema no shopping por ter outras opções de lazer enquanto espera o horário do filme. “Não conheço o Cine Vitória, só vou ao shopping e é até melhor porque é mais movimentado, tenho outras opções de passatempo para a espera da sessão”. Airton Bruno lembra ainda que além de uma maior variedade de filmes nacionais, o cinema Vitória trabalha com a exibição de filmes de outros países que fogem da lógica norte-americana de produção. Com isso temos acesso à outras escolas e podemos conhecer a cultura desses outros lugares, tendo em vista que as produções audiovisuais carregam as raízes culturais no seu modo
de produzir e exibir as histórias.
O novo cinema: na tela do computador Há quem afirme que as grandes telas e as salas escuras sejam prioritárias no despertar de sensações únicas. Mas, atualmente, novas plataformas aumentam as possibilidades de se obter filmes de formas mais rápida e barata. Por exemplo, a Netflix é uma provedora de filmes que possibilita o acesso por meio de um cadastro e um custo de 30 reais mensais que pode ser dividido com mais três pessoas, tornando os filmes mais acessíveis ao público consumidor, que pode escolher o lugar e a hora que irá assistir determinado filme sem precisar sair pela cidade ou se locomover até um espaço físico. Apesar dessa maior “facilidade” para acessar os filmes não significa dizer que o mesmo tenha se tornado um espaço mais democrático. Suyenne não é assinante desse provedor, mas tem conhecimento da existência e de como funciona a oferta dos filmes e adverte que ele “não nos dá a possibilidade de assistir aos filmes mais antigos” e para ela não ter acesso à essas produções é um problema, sabendo-se que o cinema tem uma história e temos que ter o conhecimento da evolução das formas narrativas e modelos anteriores.
filme em casa, na tela do seu computador ou smartphone. Na sala de cinema, o olhar do outro, a expressão do outro, pode despertar sensações em quem está ao redor e, assim, pontos que não haviam sido vistos ou entendidos podem ser compartilhados. Ele lembra ainda que as salas de cinema são locais de refúgios para muitas pessoas que se sentem sozinhas.
Premiações das produções
Se o sonho de toda criança é ver seu desenho favorito na tela de um cinema, o sonho da maioria dos produtores é ter seu filme premiado com um Oscar- o mais prestigioso prêmio do cinema mundial. No Brasil a principal premiação é a do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e tem ainda o “Kikito” que é outra premiação entregue no Festival de Cinema de Gramado. A principal questão que vem com esses prêmios é que muitas produções acabam se “moldando” para se encaixar nos padrões e com isso perde-se a oportunidade de diversificar mais as produções, porque um cinema só pode ser um espaço democrático a partir do momento que as produções também são feitas dessa maneira. E para Suyenne os espaços que estão se abrindo na parte de produção são fundamentais para uma maior pluralidade de vozes nos produtos finais.
Airton recorda ainda que “o cinema é algo coletivo” e as sensações provocadas lá não são semelhantes a você assistir um 67 EDITORIA MAIS CONTEXTO
A escola é espaço de con crítica da participação p
“Somos seres políticos e
Lucas Honorato
Lucas Honorato (lucashonoratodasilvasantos@gmail.com) Sara Andrade (andradesara41@gmail.com)
A escola participa da construção da visão crítica sobre Cidadania e Democracia As ocupações das escolas em 2016 foi capa de revista, compôs matérias em diferentes veículos de comunicação e repercutiu internacionalmente. A pauta era simples e bem definida: direito à escola. As ocupações, que iniciaram em São Paulo, é um exemplo de como a participação política dos jovens é crescente dentro de alguns contextos sociais. Em Sergipe, os alunos de algumas escolas também aderiram ao movimento. Para o professor Marcelo Ennes, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe (UFS), a democracia representativa morre nas eleições, mas a democracia participativa é perpetuada por meio da participação cidadã e manifestada nos movimentos sociais. “Quando você assume o protagonismo daquilo que lhe atinge diretamente é uma forma de expressão de MAIS CONTEXTO EDITORIA 68
ação política, as ocupações foram uma sinalização de que a juventude não está alheia ao que acontece. Até a omissão é uma forma de participação política”, explica. É preciso rever o que está sendo entendido como cidadania e de que forma o tema é trabalhado nas escolas. Compreender teoricamente sobre o tema, mas também em dimensões práticas por intermédio de ações sociais. “A cidadania é uma forma de participação política qualificada que está presente apenas em democracias, pois está associada à ideia de pertencimento, tem a ver com a figura de indivíduos e grupos proativos”, conclui. A escola deve assumir seu papel na construção de direitos e deveres em prol da formação para cidadania, mas o que deve ser levado em conta são as estratégias que a sociedade escolar pode
desenvolver para despertar o interesse cidadão pelos assuntos sociais. Alessandro Conceição, 16, é aluno da 1ª série do Ensino Médio e entende a democracia e cidadania como conceitos que caminham juntos, “Democracia e cidadania precisam estar unidas. Democracia é o poder de dar cargos às pessoas para que nos representem e a cidadania são os direitos das pessoas representadas. A escola contribui para nossa formação profissional e também nos ensina a viver em sociedade”, cita. José Neto, 15, aluno da 2ª série do Ensino Médio apresentou muito interesse sobre os temas sociais de participação política e cidadã, mas entende as limitações da escola diante do atual cenário econômico do país. “Apesar de
nstrução da consciência política e social
em tudo que fazemos”
Sara Andrade
obter recursos precários e com péssima infraestrutura, os professores tentam fazer o máximo que podem para formar melhores cidadãos”, pondera. A democracia é construída com base no direito e nas leis, a cidadania é mais do que se pode identificar dentro desse plano, tem a ver com a participação da sociedade. É a relação ativa do cidadão para com a sua cidade, seu bairro, o próximo e com a sua nação. É tornar-se, de forma política, social e cultural, protagonista das suas ações coletivas ou individuais. Para a professora Tâmara Oliveira, também do Departamento de Ciências Sociais da UFS, a cidadania é um dos princípios fundantes da educação moderna e nasce com o propósito de integrar os indivíduos na divisão de trabalho diferenciado e também integrá-los aos valores da sociedade democrática moderna. Historicamente, a ideia que se tinha sobre cidadania até os anos 80, de igualdade, liberdade e fraternidade, foi transformada pela implementação do sistema capitalista na qual a liberdade e competição foram tomados como princípios de regulação social. Um dos problemas apontados pela professora Tâmara, que atualmente realiza pesquisas com jovens nas escolas, é que a sociedade não investe nos princípios de cidadania tradicional, mas exige que a escola o faça, “A escola fica ultrapassada por um lado e absorve por outro as exigências da sociedade de criar pessoas competentes para o mercado cada vez mais competitivo e acelerado. A escola pressiona as novas gerações a serem fortes e excelentes, mas não a serem cidadãos”, afirma. “Somos seres políticos em tudo que fazemos” disse Tâmara ao falar sobre política e direito no ensino médio. A professora apontou uma forte necessidade de
O debate entre os estudantes contribui para uma sociedade mais engajada rever a quantidade de disciplinas que é passado para os jovens, sob a justificativa da possibilidade de acabar criando jovens deprimidos, fracassados ou neuróticos. Os assuntos sobre conhecimento jurídico, ainda de acordo com a pesquisadora, podem entrar em disciplinas como sociologia e filosofia, mas existe a preocupação de manter a pluralidade dessa construção de discursos em sala de aula.
Percepção da Cidadania e Democracia nas escolas A construção do conhecimento sobre os temas que envolvem os mecanismos de
funcionamento da sociedade, perpassa pelas salas de aula, envolvendo o corpo docente e pedagógico e os discentes, com o aspecto principal da inter-relação entre vivências e visões de mundo diferenciadas. Além disso, a escola também é um exemplo claro quando o assunto é a relação direta entre direitos e deveres. A educação é um direito previsto na constituição do país, a qual o próprio Estado oferta, através das esferas municipais, estaduais ou federais, com a construção de escolas e oferta de vagas. Por outro lado, além do papel de fornecer, há o 69 EDITORIA MAIS CONTEXTO
de manutenção. Nesse aspecto, entra as relações sociais do direito e do dever. O processo de conservação e manutenção também depende da comunidade, direta ou indiretamente envolvida. No tocante aos aspectos dos direitos e deveres, em um levantamento feito pela Revista Mais Contexto, no Colégio Estadual Barão de Mauá, localizado no Conjunto Orlando Dantas, na Zona Sul da capital sergipana, que atende alunos de diferentes localidades próximas, como os bairros São Conrado e Santa Maria, e contextos sociais diversificados, revelou que os alunos concordam que a escola tem papel fundamental para a formação da consciência crítica sobre sociedade, cidadania e também do ser cidadão. A enquete teve a participação de 92 alunos distribuídos pelas três séries do Ensino Médio. Os estudantes demonstraram possuir grande interesse tanto pelos direitos e deveres dos membros de uma sociedade, assim como dos problemas que enfrentam nos locais onde residem. Considerando, respectivamente, as turmas do 1º, 2º e 3º anos, o percentual daqueles que afirmaram ter muito interesse nos benefícios e obrigações do cidadão equivale a 70,27%; 84,61% e 96,55% dos alunos, respectivamente. Sem a divisão por turmas, 82,60% dos entrevistados. Já a quantidade dos que declararam estar muito preocupados com as necessidades dos bairros em que moram contabiliza 67,56%; 80,76% e 68,96% dos participantes. Na perspectiva geral, 71,73% do total dos participantes do levantamento. No entanto, quando se avalia a relevância da Democracia na mesma enquete, os índices obtidos demonstram que ainda há pouco interesse no processo democrático, que compreende os processo de votação, eleição e participação social; e tem inter-relação com os direitos e deveres do cidadão. Levando em consideração a mesma sequência das séries, os alunos que declararam ter muito interesse pelo tema correspondem a 29,72%; 50% e 34,48% do total dos entrevistados. Já os que responderam que possuem pouco interesse pelo assunto representam 43,24%; 46,15% e 41,37% dos estudantes, também na mesma ordem. Desconsiderando a divisão por turmas, os percentuais 36,95% e 43,47%, respectivamente, equivalem as respostas dos alunos participantes do levantamento. MAIS CONTEXTO EDITORIA 70
Luís Blanco
Sociedade, Democracia e Cidadania
A cidadania é um dos preceitos fundamentais para o funcionamento do sistema democrático. Em uma sociedade complexa como a brasileira, a diversidade de classes e grupos sociais perpassa por diversos níveis de entendimento. Um dos mais importantes locais de construção do conhecimento e pensamento crítico sobre o sentimento de pertencimento ao corpo social que constitui o país é a escola. Os conceitos de Cidadania e Democracia convivem dentro do mesmo contexto social. A primeira está relacionada ao conjunto de direitos e deveres que possuem ou devem exercer aqueles que pertencem a uma determinada sociedade, os cidadãos, assim como envereda para o campo da nacionalidade. Por conseguinte, a segunda é interpretada como o direito desses de apresentarem suas propostas, candidatarem-se ou elegerem quem consideram possuir maior conhecimento das necessidades do grupo para lhes representar diante de si mesmos ou de uma esfera maior, como a sociedade do país. A Constituição Brasileira dispõe já no Artigo 1º, que o país constitui-se de um Estado Democrático de Direito e tendo como um dos principais fundamentos o da Cidadania. No decorrer do texto constitucional estão presentes diversas passagens, as quais mencionam que todos aqueles integrantes da nação, são considerados cidadãos e possuem direitos, que em termos gerais, contemplam a igualdade social e de gênero, assim como do acesso as necessidades básicas para a própria sobrevivência, perpassando
pelo livre direito de ir e vir, bem como o amparo legal do Estado diante de conflitos ou situações que ameacem a integridade da pessoa. Mas, também, o cidadão dentro da Democracia possui deveres a cumprir. O principal de todos, que perpassa a esfera do direito e do dever, é o do voto. Se na sociedade brasileira ele é tido como obrigatório, em paralelo é considerado o meio de participação nas decisões do país, no tocante a eleições e plebiscitos. Entre os deveres do cidadão, também encontram-se o cumprimento das normas fundamentadas na constituição do país, bem como o zelo ao patrimônio público. Os direitos e deveres dos membros de uma sociedade se entrelaçam nas implicações de cada um. O direito a ter as necessidades atendidas, perpassa pelo dever de conservar e manter o que é fornecido à comunidade, ou em âmbito mais geral, à sociedade. O pressuposto da igualdade entre todos os cidadãos recai sobre o reconhecimento advindo não só da administração pública, mas também dos outros membros do mesmo corpo social, de forma mútua. Um grupo que busca seus direitos, não pode renegar os membros de outro. A escola, contida no direito à educação, é parte integrante e fundamental na construção do conhecimento crítico e na percepção da sociedade, considerando os direitos e deveres de cada cidadão, a partir do contato com o outro e a diversidade de experiências que cada grupo possui. 71 EDITORIA MAIS CONTEXTO
Inclusão da terceira idade no ensino superior: o encontro entre gerações e a discussão a respeito do espaço por eles ocupado O projeto “Universidade Aberta à Terceira Idade” tem estreitado os laços entre duas gerações e contribuído para o fortalecimento dos diálogos democráticos
Yasmin de Freitas | yasminfreitas.ufs@gmail.com
O envelhecimento populacional é considerado um fenômeno universal. Tanto em países desenvolvidos, como naqueles que ainda estão em processo de desenvolvimento, o número de pessoas com 60 anos ou mais teve um crescimento maior do que o de qualquer outra faixa etária. Segundo as projeções do relatório do Fundo de População das Nações Unidas - UNFPA, em 2050, haverá mais pessoas deste grupo do que crianças menores de 15 anos. No Brasil, por exemplo, vemos uma alteração no perfil demográfico, marcado pela diminuição da população jovem e aumento do número de idosos - em 2010, correspondia a 10,8% da população. Tal fato tem despertado uma maior atenção para as políticas públicas, principalmente aquelas que buscam dar condições para que estas pessoas vivam por mais anos e para as que priorizam a qualidade de vida destes indivíduos. Assim, vemos não só uma mudança no trato aos idosos - do assistencialismo, para a valorização do grupo -, mas também um estímulo ao cuidado e a prática de atividades, sejam elas físicas ou ocupacionais. As universidades abertas à terceira idade (ou universidades da terceira idade) começaram a surgir em 1990 e, nas últimas décadas, tem se percebido sua expansão em todo o país, demonstrando como o envelhecimento tem ganhado visibilidade. Na Universidade Federal de Sergipe (UFS), o projeto Universidade Aberta à Terceira Idade, surgiu em 2002, como estratégia para a inclusão e permanência de pessoas da terceira idade no espaço MAIS CONTEXTO EDUCAÇÃO 72
universitário, além de, é claro, se tratar de uma espécie de política pública. Este projeto, no entanto, tem um benefício que vai muito além da possibilidade de tirar estes senhores e senhoras da solidão, melhorar sua qualidade de vida e/ou preencher o tempo ocioso com atividades prazerosas. O contato destes idosos com a população universitária - que, em sua maioria, é composta por jovens adultos - tem proporcionado, na maior parte dos casos, a criação de laços entre estas duas gerações e um debate democrático a respeito do espaço ocupado pelos mais velhos em nossa sociedade e dos seus direitos. Cabelos grisalhos, um rosto com marcas de todos os seus anos de experiência e um olhar que transmite um carinho familiar, quase de avó. Maria Zuckma Cruz Burmann é uma entre os vários idosos que estão transitando pelos corredores da universidade, participando das atividades nas salas de aula e que vieram para mostrar que o meio acadêmico não é somente para jovens. A sergipana, que morou durante 26 anos no Espírito Santo e voltou para o estado há 3 anos, possui duas graduações: Pedagogia e Letras. Mãe de três filhos e avó, enfrentou uma forte depressão quando perdeu o seu marido, aos 53 anos, em um trágico acidente de carro. Ela narra como o pior momento de sua vida. A preocupação vinda do atraso incomum de seu esposo, a demora para contarem do acidente e a forma como entregaram o corpo de seu marido são situações que nunca esquecerá. Tudo
o que viveu naquele dia foi tão forte que a deixou muito abatida e doente, tendo que dar início a um tratamento e ser afastada do trabalho. Seu médico, inclusive, acreditou que ela não retornaria a suas atividades. Mas ela gostava da sua profissão e dizia para o doutor: “se eu ficar em casa, eu vou enlouquecer, eu quero trabalhar”. Então retornou ao seu trabalho, onde tinha contato com uma grande quantidade de crianças e, durante a noite, cursava a sua segunda graduação. “Eu fui tomando remédio para depressão, trabalhando, estudando. E fui aprendendo a conviver”, conta. Durante seu trabalho na área da educação, se deparou com a triste situação das pessoas menos favorecidas, que tinham uma enorme dificuldade de acesso a médicos como fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo, além de serviços como a advocacia. Ela destaca o trabalho de profissionais, como é o caso dos defensores públicos, que conseguiam ajudar essa parcela da sociedade em serviços que, normalmente, são muito caros. E também deixa bem claro o quanto gostaria de ser o tipo de profissional que atua para ajudar aqueles que necessitam, mas não podem arcar com os custos destes tratamentos. Este fator, somado com a depressão pela qual ela passou e a síndrome do pânico, com a qual ainda lida; fizeram com que ela despertasse uma paixão pela Psicologia. Maria encontrou nessa área uma forma de não focar em suas dores e o que mais a encantou: poder ajudar essas pessoas, tratando-as, para que suas enfermidades mentais não cheguem a pontos extremos.
Yasmin de Freitas
Maria Zuckma, estudante de psicologia através do projeto Universidade Aberta à Terceira Idade
Por este motivo, quando soube da oportunidade de poder voltar à universidade, foi até lá, buscou se informar e hoje participa do projeto do Núcleo de Pesquisa e Ações da Terceira Idade (NUPATI). Todos os dias ela se dirige até a Universidade Federal de Sergipe para frequentar as aulas das disciplinas do curso que anseia ser sua terceira graduação. E mais: em sua fala, deixa bem claro que se envolve com a universidade por completo. Não se limita a apenas frequentar as aulas, mas também lê as propostas entregues pelos líderes das chapas para poder participar, de forma informada e consciente, da eleição do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Porém, o sonho do diploma de Psicolo-
gia e de poder ajudar os outros através dela, parece encontrar uma barreira. Ao ingressar na UFS, através do projeto “Universidade Aberta à Terceira Idade”, percebeu que o modo de funcionamento era diferente daquele que tinha em mente. Como já teve outras duas experiências universitárias, Maria, ao contrário de muitas senhoras e senhores do projeto, sente o peso das falhas que existem na tentativa de inclusão feita pelo núcleo. Mas o que mais lhe incomoda é o tratamento. Aos 70 anos, ela se vê sendo tratada de forma diferenciada, em um espaço que acreditava ser mais receptivo. Em sua carteira estudantil, invés do nome do curso, há a expressão aluno especial.
“Eu não tenho problema nenhum. Aluno especial, que eu sei, é um aluno quando ele tem um problema congênito, alguma deficiência, um aluno que precisa de um acompanhamento de um especialista”, desabafa. E, como se não fosse o suficiente, também há um tratamento diferenciado no momento da matrícula. Esta é feita após o período dado aos alunos que não são do projeto e, aos idosos, restam as disciplinas em que sobram vagas. Assim, não há uma garantia de que em todos os períodos ela terá, em sua grade, disciplinas do curso que está fazendo. Maria, inclusive, ressalta que se um dia só tiver disciplinas que não são do seu interesse como algumas da área de educação física - ela prefere não solicitar. 73 EDUCAÇÃO MAIS CONTEXTO
Aqueles que estão na universidade graças ao projeto, mesmo após cursarem todas as disciplinas da grade curricular, não possuem o direito de colar grau como os demais alunos. Assim, para ela, essa abertura da universidade para a terceira idade, assim como a maioria das inclusões em nosso país, são entre aspas
Entristecida, Maria desabafa e se emociona ao falar sobre outro problema: aqueles que estão na universidade graças ao projeto, mesmo após cursarem todas as disciplinas da grade curricular, não possuem o direito de colar grau como os demais alunos. Assim, para ela, essa abertura da universidade para a terceira idade, assim como a maioria das inclusões em nosso país, são entre aspas. Pois, se ela fosse verdadeiramente incluída, poderia se formar após cursar todas as disciplinas do curso escolhido. Para descrever como se sente em relação a isso, utiliza uma metáfora, “é o mesmo que caminhar com você e no final te dar um tapa e você cair”. E aponta outra preocupação: como ela pode exercer a profissão e provar a todos que fez um curso de psicologia, se não há nenhum documento que comprove isso? Por isso, guarda todos os comprovantes de matrícula, entre outros documentos, pois, ao seu ver, essa é a melhor maneira de registrar a sua passagem por lá. Porém, apesar destes transtornos, Maria MAIS CONTEXTO EDUCAÇÃO 74
consegue encontrar aspectos positivos. As amizades que fez são importantes para ela e basta observá-la por alguns minutos nos corredores para saber o quanto é querida por uma parte dos seus colegas de turma. Isto é muito importante para a senhora, pois assim como muitas pessoas de sua faixa etária, ela sofre com a solidão, a falta de carinho e apoio dos familiares. Conta com tristeza que voltou para Sergipe por causa de sua família, mas que “foi a maior burrada” que fez, pois às vezes, os amigos revelam-se mais atenciosos e carinhosos do que os familiares. E foi por este motivo que ela se afastou da família e preferiu morar sozinha. Seus filhos, que vivem em outros estados (dois deles continuam no Espírito Santo e uma mora na capital de Alagoas), não apoiam o seu desejo de frequentar o ensino superior mais uma vez. O argumento utilizado por eles é que ela deveria “deixar isso pra lá, que já deu o que tinha que dar”. Porém ela não dá ouvidos a opinião deles. Pelo contrário, busca cada dia mais atingir o seu
objetivo. Também destaca que o conhecimento adquirido nesta graduação vai muito além das noções básicas de adquiridas anteriormente, no curso de Pedagogia e que essa vivência na faculdade a faz muito bem. Entretanto, o que mais chama atenção nessa universitária é a sua paixão pela psicologia e o seu desejo de ajudar ao próximo. É nítido o brilho de seu olhar ao contar sobre seu sonho: “eu não sei se eu vou conseguir concluir, mas se eu concluir, eu quero muito ajudar os outros”.
De bem com a educação Andréa Chagas (andrea.schagas2@hotmail.com) Ana Angelica Mota (angerca31@hotmail.com)
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Passou o tempo em que a escola era apenas para os alunos e professores. Hoje, além de fazer parte da vida destes ela ainda conseguiu um espaço com a comunidade local e aos poucos foi ganhando reconhecimento. Antes as crianças iam para a escola e faziam deveres, brincavam e depois retornavam às suas casas. Mas, com o tempo esse conceito foi ficando para trás. Era necessário que a mesma acompanhasse a evolução do mundo e aquele modelo escolar já não fazia sentido. A escola precisava ser um espaço com mais qualidade, mais dedicação, novos conteúdos, novo modo de ensinar, capacitação, integração. Reformas foram feitas, ideias foram pensadas e desenvolvidas e um conceito novo de escola está sendo aprimorado. Exemplos disso são os programas e projetos realizados nas escolas públicas que, além de valorizar interdisciplinaridade, proporcionam uma aproximação entre a comunidade escolar e a comunidade local.
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No Colégio Estadual Barão de Mauá estudam alunos do 8º ano do Ensino Fundamental até o 3º ano do Ensino Médio. Há quem diga que é complicado lidar com tantos adolescentes juntos e pode até ser, mas no Barão de Mauá as coisas são diferentes. Claro que um probleminha aqui ou ali sempre acontece, porém nada que ofusque o brilho da diversidade e da integração que ocorre nesse colégio. Lá é desenvolvido um projeto de sustentabilidade que fortalece a integração entre os alunos e a comunidade local.
Todo o trabalho é feito com a organização dos fiscais ambientais, ou seja, dos alunos. “Fiscais do meio ambiente são alunos que passam por um curso de formação para entender a função de fiscalizar. Eles ajudam a equipe de professores e a equipe gestora com ideias para que a escola continue sendo preservada. Eles têm um suporte interdisciplinar, estudando além da questão ambiental temas específicos sobre horta orgânica e resíduos sólidos para uma futura coleta seletiva”, explica. A base desse projeto é o resíduo sólido e os fiscais do meio ambiente promovem uma ferramenta didática indo para o circuito educativo, passando de sala em sala explicando essa filosofia para os demais alunos, com o objetivo de sensibilizar os alunos e os professores para cuidarem da escola.
“Convidamos as turmas a irem para a área verde chamada de quintal ecológico. Lá explicamos para eles, de forma interdisciplinar, o cuidado com a manutenção da horta orgânica, mostramos para eles onde está a matemática, a física, a química e as outras disciplinas. Isso não só na forma de um diálogo criativo entre professores e eles, mas através de um planejamento”, ressalta. A comunidade entra também em cena no circuito educativo, onde ela é convidada a assistir o que os alunos têm feito, eles expõem toda a vivência. E é aberto tanto para a comunidade local quanto para as parcerias como a Universidade Federal de Sergipe (UFS) e Universidade Tiradentes (UNIT). A Unit desenvolve um trabalho de paródia sobre sustentabilidade ambiental trabalhando o lado humano, cultural e social e a UFS promoveu, recentemente, uma oficina sobre lixo marinho onde os alunos foram à praia e fizeram uma coleta de resíduos sólidos e depois demonstra-
Créditos: Alexandre Jose
De acordo com o idealizador e coordenador do projeto de Sustentabilidade Ambiental, Social e Cultural, o professor de Matemática, Sérgio Andrade, o projeto já está em vigor há cinco anos e tem como filosofia o cuidado com a escola baseada no patrimônio ambiental. Nesse projeto foi desenvolvida uma horta orgânica, onde os alunos, com a orientação e suporte de um técnico agrícola, cuidam e cultivam uma visão dinâmica e mais sustentável no ambiente escolar que ter-
mina refletindo em suas vidas pessoais. Os produtos orgânicos são desenvolvidos com base em três processos: minhocultura, compostagem e aquaponia.
Iniciativas fazem toda diferença 77 EDITORIA MAIS CONTEXTO
ram para a comunidade escolar o que tinha sido realizado nessa oficina. Já na Escola Estadual Prof. Joaquim Vieira Sobral estudam alunos do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio, sendo que a escola ainda abrange duas modalidades da Educação de Jovens e Adultos (EJA) que inclui o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio. Iniciado em agosto de 2017, o Projeto ‘Ressignificando a Praça Chico Mendes a partir da interdisciplinaridade: a práxis escola e comunidade’, visa o relacionamento e a participação da comunidade no ambiente escolar, pois, antes, a relação entre escola e comunidades só ocorria por meio de reuniões escolares ou no ato da matrícula.
Créditos: Alexandre Jose
Inicialmente, os profissionais envolvidos no projeto são os professores de Geografia e Biologia, além da direção da escola e da participação do grupo de ambientalistas Jabotiana Viva que têm como integrantes pessoas do bairro. Como o
projeto está em formação, não tem dia e nem horário definido, mas há planejamentos e discussões para que o projeto seja concretizado em horas de aulas regulares e turno contrário de ensino. A proposta começou a interessar os moradores depois que as aulas de Geografia e Ciências passaram a ser ministradas na Praça Chico Mendes como atividade extraclasse. Foi nesse momento que escola e comunidade ficaram lado a lado. Além da circulação e participação no espaço, o projeto deu visibilidade à escola, prazer para os moradores, bem como os estudantes passaram a enxergar as questões socioambientais. A população recebeu com carinho o projeto a partir do momento em que a comunidade escolar começou a frequentar a praça, pois anteriormente estava em total abandono pelo poder público, assim como pelos próprios moradores que não tinha certa preocupação pelas questões ambientais e que utilizava o espaço para descartar resíduos sólidos.
O projeto tem como objetivo a aproximação dos moradores do bairro à vida escolar, pois havia distanciamento de ambas as partes. E o processo de comunicação é importante para que haja uma participação coletiva. O programa consiste em ressignificar o local que outrora estava abandonado ao lado da escola. Depois da iniciativa da direção da escola, em parceria com os professores, esse espaço passou a ser utilizado para ministrar as aulas. O plano causou motivo de admiração junto aos moradores porque a comunidade tinha o hábito de descartar lixo no local. A partir de conversas com os docentes e a direção da escola é que eles começaram a se educar e a ficaram mais próximos de seus interesses como, também, da escola.
Os alunos felizes por mais uma atividade extraclasse MAIS CONTEXTO EDITORIA 78
Créditos: Alexandre Jose Créditos: Alexandre Jose
Os alunos felizes por mais uma atividade extraclasse
Projeto Ressignificando a Praça Chico Mendes 79 EDITORIA MAIS CONTEXTO
Educação Sergipana fracassa na adoção da gestão democrática Poucas escolas da rede pública adotaram a meta 19, do Plano Nacional de Educação Aparecido Santana - aparecidoradioetv@gmail.com Camila Oliveira - oliveiracamilaj@gmail.com
O Plano Nacional de Educação (PNE) completou três anos de sua implantação, e após esse período poucas escolas da rede pública de ensino no estado de Sergipe atingiram a meta 19, que concerne sobre a implantação da gestão democrática. O plano foi lançado em todo o Brasil pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2014, com o objetivo de estabelecer estratégicas das políticas de educação durante o intervalo de 10 anos. A gestão democrática, pressupõe a participação efetiva dos vários segmentos da comunidade escolar – pais, professores, estudantes e funcionários – em todos os aspectos da organização da escola, a exemplo do planejamento, implementação, avaliação, além da construção do projeto e processos pedagógicos. No estado de Sergipe, o processo eleitoral organizado pela Secretaria de Estado da Educação, ocorreu no dia 16 de dezembro de 2013, para a escolha de diretores para as escolas que integram a Diretoria de Educação de Aracaju (DEA), bem como as diretorias regionais de educação 4, 5 e 8. Mas para a presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica da Rede Oficial do Estado de Sergipe (SINTESE), Ivone Cruz, a eleição nada teve de democrática, uma vez que desconsiderou a legislação no que diz respeito à implantação da Gestão Democrática, estabelecida no Plano de Carreira do Magistério Público. O SINTESE apresentou através da deputada estadual Ana Lúcia, emendas aditivas ao projeto de lei nº 003/2013, que regulamenta a implantação dos Conselhos Escolares nas unidades de ensino da rede estadual. As emendas da deputada Ana MAIS CONTEXTO EDUCAÇÃO 80
Lúcia visavam resgatar o poder da Assembleia Escolar na tomada de decisões para assegurar uma escola democrática e participativa, que seguisse as políticas pedagógicas estabelecidas por todos aqueles que compõem a comunidade escolar. No entanto, todas as emedas apresentadas por Ana Lúcia foram rejeitadas pelos deputados que fazem parte da comissão de Educação. O SINTESE alega ainda que o Plano de Carreira prevê a regulamentação da Gestão Democrática através de lei complementar. No entanto, ao invés de enviar lei para ser aprovada pela Assembleia Legislativa de Sergipe, o governo do Estado preferiu publicar um decreto e uma portaria convocando o processo eleitoral, tornando o processo ilegal, e ainda dentro deste processo eles contestam que o decreto e a portaria estabeleceram a eleição apenas para diretor. De acordo com Ivonete Cruz, a gestão democrática não pode ocorrer apenas nas escolas, mas em todo o sistema de ensino, com ampla participação de todos, em debates feitos na comunidade através de fóruns e congressos municipais e estaduais. “A gestão democrática não se restringe ao processo eleitoral, mas na formação, avaliação e eleição”, enfatiza. Na Diretoria Regional de Educação (DRE05), com sede em Nossa Senhora das Dores, a escola Coronel Joaquim Barbosa, em Siriri, é a única que permanece com gestão democrática, já que as demais tiveram os diretores afastados, seja por aposentadoria ou por outras motivações. O professor Adelmo Araújo Silva da Escola Estadual Coronel Joaquim, comenta
“Eu tenho certeza que se fosse de interesse da classe poderosa o projeto já estava difundido nas escolas. O grande problema aqui é que interessa mais a classe trabalhadora, então a possibilidade de ganhar visibilidade é bem menor” Beatriz Lima
APARECIDO SANTANA
sobre a experiência vivenciada como diretor eleito por voto. Ele assumiu a gestão em janeiro de 2014, por um mandato de 03 anos.
Ivonete Cruz Presidenta do SINTESE
Adelmo comenta que, o processo eleitoral passa por diversas fases, que começa pela a inscrição ao cargo de diretor, seguido de formação durante 08 horas, e uma prova com média exigida à cima de 6,0, onde é necessário a apresentação de um plano de ação por todos os candidatos. “O processo final é a eleição, no meu caso fui candidato único, sendo eleito por 80% dos votos válidos”, comenta. “Eu já estava como diretor da escola desde julho de 2013, e também já havia trabalhado como coordenador. Acredito que essa forma é a mais correta ao invés de indicação política”, opina. Adelmo comenta que pouca pessoas querem atualmente ser diretor de escola, porque o vencimento é menor que está em sala de aula. O estudante Mateus Siqueira, do Colégio Estadual Nestor Carvalho Lima, acredita que a grande problemática é o pouco interesse da comunidade escolar em sair do comodismo. Nesse sentido ele inclui alunos, pais, direção e professores. “O comodismo é o grande problema. Hoje temos a oportunidade de efetivar diversas mudanças no cenário da escola e não fazemos. As pessoas tem medo que a mudança tenha algum ponto negativo, que venha a ser pior do que o antigo sistema, mas o que eu acho é que mudanças são necessárias para o desenvolvimento da nação. Hoje o mundo evoluiu em vários sentidos e a escola deve acompanhar o ritmo” afirma o estudante. Para a estudante Beatriz Lima, do Colégio Estadual João XXIII, a Gestão Democrática precisa chegar aos ouvidos dos alunos e da comunidade. Ela só teve contato com o projeto através da ocupação contra a PEC 241 que participou no final de 2016, onde alguns universitários trouxeram a discussão. “Eu participei da ocupação em 2016 e por isso sei do projeto, mas minha mãe e as pessoas da minha escola não sabem, por exemplo. Como falar em democracia sem falar em participação?” Indaga a Jovem.
Ainda para Beatriz, o projeto talvez não tenha ganhado tanta visibilidade porque muitos ‘ditos poderosos’ não querem que aconteça. “Eu tenho certeza que se fosse de interesse da classe poderosa o projeto já estava difundido nas escolas. O grande problema aqui é que interessa mais a classe trabalhadora, então a possibilidade de ganhar visibilidade é bem menor” finaliza a Estudante. Gestão democrárica da rede municipal O Plano Nacional de Educação se estende a rede municipal de ensino. As diretrizes da gestão democrática precisam ser enviadas às Câmaras de Vereadores, para serem apreciadas e votadas pelos parlamentares. Na cidade de Poço Verde, a gestão democrática está presente em toda a rede municipal de ensino desde o ano de 2009, com exceção das escolas com número inferior a 60 alunos. A eleição é realizada a cada 02 anos e passa por três comissões formadas por 12 integrantes cada. De acordo com o secretario Municipal de Educação, Eliel Santana, é algo louvável. “É democrático, os diretores chegam ao cargo sem imposição, sendo eleitos por alunos, pais de alunos e funcionários”, destaca. Apesar de enaltecer a implantação do
plano, Eliel diz que há alguns pontos negativos, a exemplo do comodismo por alguns, a falta de formação, além de serem utilizados como representante de interesses de grupos políticos partidários. Em Aracaju, a meta foi destruída pela Lei 121/2013, editada pelo então prefeito João Alves Filho, e para ser reinstituída é necessário ser enviada para a Câmara de Vereadores. Os estudos para o retorno da Gestão Democrática nas escolas da rede pública municipal de ensino já foram iniciados nesta gestão. A primeira reunião da comissão especial aconteceu no dia 27 de maio e contou com a presença do presidente do Sindicato dos Profissionais do Ensino do Município de Aracaju (SINDIPEMA), Adelmo Meneses Santos, e da professora Fabiana Araújo Silva dos Santos, ambos com participação permanente na comissão representando a categoria do Magistério. Na pauta da reunião ficou definido, a formação de comissão, a metodologia de trabalho e o cronograma das reuniões da comissão; além de discutir a eleição dos conselhos escolares para o mandato 2017/2019. O sindicato também fez análise comparativa entre as leis que tratam do assunto, a nº 3.075 de 2002 (colocada em vigor pelo então prefeito Marcelo Deda) e a Lei Complementar nº 121 de 2013 (colocada em vigor pelo ex-prefeito João Alves Filho). 81 EDUCAÇÃO MAIS CONTEXTO
O exercicio das identidades nas redes sociais Um espaço para a expressão das individualidades Ethiene Fonseca |fonseca.ethiene@gmail.com
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Fonte: arquivo pessoal
Ao ingressar no curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UNEF), em 2013, Renan Torres passou a conhecer mais sobre a questão indígena, tema sobre o qual ele nutria interesse desde a infância, época de sua vida em que ele ouvia histórias sobre a sua bisavó paterna, pertencente à etnia Puri. Diante das poucas informações que encontrou sobre a sua etnia, decidiu criar, no Facebook, a página Índios do Brasil – Cultura Nacional, que atualmente se chama Povos Indígenas do Brasil. “O objetivo principal da página é levar informações acerca das etnias brasileiras no sentido de valorização dessa cultura e despertar no cidadão brasileiro o sentimento de pertencimento em relação a essas populações e também de valorização e do exercício da cidadania no sentido de preservar a cultura indígena”, comenta Renan, que é natural de Bom Jesus da Itabapoana, interior do Rio de Janeiro. Atualmente, o jovem também mantém um site e um perfil no Instagram sobre a temática indígena. Desde o ano passado, a página de Renan apresentou um crescimento significativo no número de seguidores. Atualmente, Povos Indígenas do Brasil conta com cerca de 40 mil pessoas inscritas. “Há dois meses, um amigo me ajuda com as publicações, pois são muitas mensagens de pessoas pedindo informação, pessoas querendo identificar a etnia a que pertencem ou professores que pedem material para usar em sala de aula. Chegou a um ponto que eu sozinho não daria conta”, explica o jovem fluminense. Iniciativas como a do estudante de Ciências Sociais são comuns na web: as redes sociais se tornaram um espaço para pessoas comuns explorarem aspectos de suas identidades. Atualmente, existem páginas, perfis e comunidades no Facebook e no Instagram sobre os mais diversos assuntos, que vão desde discussões sobre feminismo até a promoção de estilo de vida fitness. Essas iniciativas, que muitas vezes se iniciam como relatos de experiências pessoais, ganham corpo com o tempo, agrupando milhares de pessoas interessadas nas temáticas abordadas. Esse é o caso de Monique Gonçalo
Renan Torres, administrador da página Povos Indígenas do Brasil, encontrou, nas redes sociais, uma forma de resgatar as suas raízes étnicas
Zuma. Em setembro do ano passado, a bacharel em direito decidiu se tornar vegana e, para se manter motivada, criou o perfil Veganismo por amor no Instagram. A jovem, que reside na cidade do Rio de Janeiro, começou postando conteúdos sobre receitas veganas e hoje, um ano após a criação da página, ela já conta com mais de 16 mil seguidores. “Eu me tornei vegana principalmente pelos animais. Quando descobri a forma cruel que a indústria da carne e do leite explora esses seres, me senti mal e comecei a transição. Vi alguns vídeos e documentários que me ajudaram a esclarecer as coisas e a perceber que, além de poupar vidas, eu estaria poupando o meio ambiente de uma forma geral me tornando vegana”, relata Monique. Desde então, a jovem não faz uso de produtos que sejam provenientes da exploração de animais, o que não se limita ao consumo de alimentos, abarcando também o vestuário - como roupas ou calçados de couro, por exemplo - e cosméticos que sejam testados em animais. “Acho importante enfatizar que veganismo não
é apenas uma dieta, mas uma filosofia de vida. A gente muda a nossa forma de consumo em todos os setores”, complementa. Por intermédio da página, Monique tem recebido vários pedidos de ajuda, principalmente de pessoas que estão se iniciando no veganismo e não têm muito conhecimento sobre o assunto. “Eu ajudo no que posso, indico marcas, cuidados com alimentação, etc. Mas muita gente vem me perguntar coisas que eu não posso responder, então eu me abstenho e indico procurar um médico ou nutricionista”, relata a carioca. Assim como Monique, os criadores da página Gêneros Sexualidades Identidades, no Facebook, também são do Rio de Janeiro. A iniciativa partiu de um grupo de amigos que, após várias conversas sobre a temática de gênero, decidiu ampliar o debate, compartilhando seus pontos de vistas com outras pessoas por meio das redes sociais. “A página surgiu efetivamente em abril desse ano, mas certamente ela já existia há tempos nas nossas conversas, que
foram muitas e durante muito tempo. O conteúdo que promovemos na página já eram pautas que achávamos relevantes, mas a gente sentia falta de opiniões diferentes das que tínhamos, para gerar um debate saudável”, comenta a equipe de administradores. Para o grupo, iniciativas como a página Gêneros Sexualidades Identidades são importantes, pois permitem estabelecer diálogos junto à sociedade. A partir do momento que se abre espaço para as pessoas falarem de suas experiências, gera-se reflexão e aprendizado junto àquelas que não têm esse tipo de vivência. “É impossível opinar sobre algo quando não se tem as opiniões das pessoas que vivenciam tal problema. É aí que o debate se faz fundamental. É bem mais simples ser contra algo que não se conhece e a ignorância muitas vezes é a causa da intolerância e do preconceito. Achamos que ter acesso à informação é o maior ganho que qualquer sociedade pode ter”, complementa o grupo. Com o objetivo de proporcionar um espaço em que membros da comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) pudessem se sentir livres e inclusos para expor suas opiniões e buscar ajuda em relação à autoaceitação, o estudante Josiel Souza, de Manaus (AM), decidiu criar a página Comunidade LGBT Oficial, no Instagram. A ideia surgiu em novembro de 2015, período em que ele se assumiu
enquanto LGBT. Com novas postagens sendo realizadas diariamente, Josiel busca variar os temas, disponibilizando publicações de humor, sobre militância ou informações a respeito de assuntos pertinentes à comunidade LGBT+. O jovem afirma que, em quase dois anos de atividade da página, ele pode auxiliar algumas pessoas, em sua maioria jovens, que tinham dificuldades em se aceitar. “Teve um rapaz, há mais ou menos um ano, que mandou mensagem dizendo que havia sido expulso pelos pais por ter se assumido gay e estava desempregado. Tentei falar com um centro de acolhimento LGBT da cidade dele e eles se disponibilizaram em ajudá-lo. Um tempo depois, entrei em contato com ele e ele já tinha conseguido emprego e não estava mais morando no alojamento”, relata o administrador da página. Mas, engana-se quem pensa que as redes sociais só servem para debater questões modernas, como identidades de gênero ou veganismo. Marley Luiz, estudante de direito da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, viu, nas redes sociais, uma oportunidade para falar sobre religião, tema de cunho tradicional. No final de 2015, o rapaz criou, no Facebook, a página Lendas dos Orixás com o intuito de divulgar as religiões de matriz africana.
africano e de seus descendentes, que foram obrigados a vir ao Brasil. Mostrar como se desenvolveu sua sobrevivência e a resistência da sua religião após a diáspora. E esses fatores são explicados nas lendas, chamadas itans, que trazem objetiva ou subjetivamente aprendizado, história e lições de moral e ética”, explica o estudante, que é Babalorixá de Almas de Angola, em Santa Catarina. De acordo com Marley, a receptividade acerca dos conteúdos publicados na página, que já conta com mais de 21 mil seguidores, tem sido positiva. Mas os comentários e as mensagens têm diminuído, pois o Facebook costuma cercear o alcance do conteúdo de páginas que atingem crescimento repentino como forma de levar os administradores a investirem em anúncios pagos. Apesar disso, o alcance do conteúdo de Lendas dos Orixás não parece ter sido abalado. Por meio da página, cineastas franceses entraram em contato com o trabalho de Marley, que os auxiliou na realização de gravações em terreiros da Grande Florianópolis. “Também recebi o pedido de uma professora para ajudar a montar um plano de ensino com o contexto da história africana para alunos das séries iniciais. Esse pedido, especialmente, me deu muito orgulho”, relata o jovem.
“A minha maior motivação é promover o conhecimento e a história do povo
Diálogos sem fronteiras Uma das características dos diálogos estabelecidos nas redes sociais é a mobilidade. Mesmo que os administradores das páginas citadas nessa matéria sejam de diferentes regiões do país, as discussões levantadas por elas conseguem chegar a pessoas de diversos lugares, como a artesã Ana Clara Ramalho, que mora em Aracaju. Há três anos, ela começou a se interessar pelo veganismo e encontrou, nas redes sociais, um espaço para se informar sobre o tema. “Com as redes sociais, principalmente o Instagram, eu fui conhecendo melhor sobre esse estilo de vida e também fui conhecendo um pouco mais sobre a indústria alimentícia. Foi uma mudança gradativa. Há um ano, me tornei totalmente vegetariana. Ainda não sou ve-
gana, mas sei que essa é minha provável tendência”, explica a artesã. Além de ser um meio para obter informações sobre veganismo, Ana clara comenta que vê, nas redes sociais, uma oportunidade em participar de um espaço de discussão e debates com pessoas que possuem interesses similares ao dela. “Especialmente porque os participantes têm prazer em compartilhar suas experiências, novidades e conquistas”, relata a artesã. Com o tempo, Ana Clara se deu conta de que não estava sozinha: além de descobrir, por meio das páginas da internet, restaurantes e estabelecimentos comerciais que trabalhavam com alimentação vegana em Aracaju, passou a conhecer
outras pessoas que também se interessavam por veganismo na capital sergipana. “Mantenho contato com elas pelas redes mesmo. Nenhuma foi graduada a amiga do dia a dia”, complementa. Adepta a um estilo de vida fitness, a jornalista Grecy Andrade, que participa de corridas há cerca de quatro anos, começou a se interessar pelo assunto por incentivo de amigos que já corriam. Para se manter motivada, a jornalista passou a seguir diversos perfis no Instagram de pessoas que postavam suas rotinas diárias de exercícios e alimentação. “Lembro que, quando a dieta Dunkan estava na moda, eu tirava cópia das receitas, mas nunca fazia nenhuma. Lembro também de seguir o blog da Drika, 83 EDITORIA MAIS CONTEXTO
uma moça obesa que perdeu vários quilos e posta sua rotina diária nas redes. Era legal, mas eu não seguia nada do que esses e outros blogueiros faziam”, relata a jornalista. Após ingressar no curso de nutrição, Grecy passou a ter um olhar mais crítico sobre as informações disponibilizadas na mídia, seja na TV ou nas redes sociais. Na opinião da jornalista, o exercício físico ou rotina alimentar que uma pessoa segue não pode servir de parâmetro para todas as outras pessoas, pois cada um tem as suas individualidades.
Atualmente, a jornalista utiliza as redes sociais como uma forma de se manter em contato com pessoas que compartilham o mesmo interesse por corridas que ela. Mas, mesmo reconhecendo a importância das interações promovidas pelas redes, Grecy comenta que as pessoas que ela conheceu por meio da internet não passaram a fazer parte do seu convívio social. “Participo de um grupo de corrida de jornalistas. Sempre marcamos corridas e informamos sobre eventos de corrida também pelo Whatsapp. Nesse grupo, tem donos de empresas que organizam corridas e eles vão informando para a gente os próximos eventos. Pelas redes conheci outras pessoas, mas trocamos mensagens somente no grupo mesmo, nada muito pessoal”, finaliza. Para o Ivanilson Martins dos Santos, natural do município de Porto da Folha (SE), quando se fala em identidade, um dos principais ganhos das páginas e grupos de Facebook ou Instagram refere-se à visibilidade que as causas ganham por meio da internet. O estudante de História pela Universidade Federal de Alagoas é indígena da etnia Xokó. “Uma das grandes vantagens desses perfis em redes sociais é justamente a questão do fortalecimento da identidade, da divulgação da cultura e da questão da luta indígena, também como forma de denúncia, entre outras coisas. Existe muito preconceito em alguns comentários, MAIS CONTEXTO EDITORIA 84
Fonte: arquivo pessoal
“Percebo que é mais fácil uma pessoa acreditar no que vê na televisão ou no que vê a blogueira usando, por causa do corpo fitness dela. Mas, é preciso levar em conta as individualidades. Ali é só um mundo virtual de uma pessoa que só mostra o que quer. Por isso, acho, de certo modo, um pouco perigoso o conteúdo postado nessas redes”, enfatiza Grecy.
A artesã sergipana Ana Clara Ramalho utiliza as redes sociais para se informar sobre o estilo de vida vegano mas isso, hoje, só nos fortalece”, expõe Ivanilson. Para ele, a questão da identidade indígena sempre fez parte da sua vida. “Isso foi construído através de nossos pais, de nossos avós, de geração em geração”, complementa. Mas, ainda assim, o estudante relata que essa questão nunca está acabada, pois ele acredita que a identidade é algo que está em um constante processo de construção. Entusiasta das redes sociais, Ivanilson acredita que as discussões propostas por páginas e perfis ajudam a desmistificar preconceitos. Ainda que existem muitas pessoas preconceituosas na internet, o estudante pondera que também existem muitas pessoas esclarecidas, o que enriquece o debate. “Uma boa discussão, com fundamentos, não vai gerar uma imagem ruim sobre a questão indígena, mas quebrar esses estereótipos”, argumenta. Apesar de o primeiro contato com o feminismo ter ocorrido apenas quando ingressou no curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe (UFS),
a publicitária Samara Batista sempre se interessou pelos direitos das mulheres. Com as redes sociais, ela acredita que o tema ganhou mais espaço, sendo possível encontrar desde relatos pessoais de mulheres sobre o cotidiano até a exposição de questões mais teóricas. “Antes disso, mesmo que as questões sobre feminismo, gênero, minorias, racismo e afins, fossem colocadas em debate, na maioria das vezes, era algo restrito aos grupos mais interessados e a exposição na mídia era feita apenas de forma conveniente, não que não seja mais assim”, afirma a publicitária. Mas nem tudo é perfeito no mundo virtual. Samara acredita que individualismos, modismos e discursos de ódio têm se integrado às causas sociais, o que prejudica a possibilidade de diálogo. “Não acredito ainda que estejam ocorrendo debates reais e abrangentes, percebo uma formação de novos grupos de discussão voltados apenas para pessoas interessadas no assunto”, critica. Outra questão levantada por Samara se refere à popularização do termo “em-
poderamento” na internet. Para ela, a palavra é usada como uma espécie de receita para a solução de qualquer problema relacionado às mulheres. Esse modo generalizado de se abordar questões referentes ao feminino acaba simplificando o debate, pois cada mulher tem uma vivência diferente e é preciso respeitar essas particularidades. “O tempo de cada um é diferente, assim como a percepção sobre si mesmo. Por mais bonita que seja a história de alguém que conseguiu se empoderar, não significa que expor a sua vida como exemplo irá provocar no outro mudanças benéficas. Ainda assim, considera essas páginas fundamentais para que o assunto ganhe forças, mas são apenas uma peça do quebra-cabeças”, opina a publicitária.
“Tem muita coisa que acontece e que você não fica sabendo. Então, essas páginas são importantes para eu me informar. Tem coisa que a gente nunca ia conseguir saber se não existissem esses grupos. Acho que as páginas, as séries, os filmes e até mesmos artistas, como a Beyoncé, que enfatizam muito sobre a questão do racismo, são importantes para a discussão”, pondera a cineasta. Além de servir de meio para conhecer os relatos e as vivências de outras pessoas, Fernanda acredita que a participação em páginas de discussão gerou maior aproximação entre as mulheres negras da Grande Aracaju. E, ao contrário dos outros relatos presentes nessa matéria, as interações não ficaram apenas no âmbito virtual. “Eu percebi que, após essas páginas, a gente se uniu mais, houve mais interação, mais eventos voltados para a gente, para o que a gente quer. Você pode se reunir e encontrar com essas pessoas nos eventos. Acho que, nesse sentido, são mais aspectos positivos do que negativos”, relata a cineasta.
Fonte: arquivo pessoal
Em 2009, ao dar início à transição capilar, a cineasta Fernanda Almeida começou a despertar para questões raciais, mais especificamente para a questão da pessoa negra. Desde então, a jovem, que mora em Nossa Senhora do Socorro (SE), tem buscado se informar sobre o assunto por meio de livros, documentários, palestras e grupos de discussão nas redes sociais. A publicitária Samara Batista acredita que os diálogos sobre feminismo na internet ainda estão em estágio inicial
Para Danillo Pereira, professor do Departamento de Letras Vernáculas da UFS, as redes sociais têm o potencial de promover a democratização dos espaços e das vozes que estão presentes nesses espaços. Algo que se torna mais relevante quando se trata de militâncias políticas em favor de grupos não-hegemônicos. “A possibilidade de me conectar com pessoas em prol de uma mesma pauta social e multiplicar informações, conteúdos, campanhas, possibilidades de articulação para ações também fora do espaço digital, é, sem sombra de dúvidas, uma maneira real de ação política, talvez uma das mais próprias dos tempos atuais”, comenta o pesquisador que, em sua dissertação de mestrado, abordou a violência linguística no ciberespaço. Pela própria natureza da comunicação que acontece nas redes sociais, marcada pela velocidade e constante atualização, Danillo pondera que não se pode esperar que os diálogos estabelecidos na internet tenham as mesmas características que encontramos em formas de comunicação não virtuais, como uma aula ou um debate, por exemplo. Essa diferença entre as possibilidades dos encontros reais e virtuais não diminui os avanços que se tem conseguido nas discussões online, complementa o pesquisador.
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O discurso de mestiçagem disfarça a realidade racista e desigual do Brasil País registra mais de 60% da população carcerária sendo negro, enquanto a mesma etnia não representa menos de 40% dos alunos do ensino superior
O Brasil é conhecido mundialmente pela sua cultura, o samba, o futebol, a Amazônia, as paisagens paradisíacas que formam o nosso país de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Outra característica fortemente brasileira é a mestiçagem do seu povo. O Brasil é formado predominantemente por índios, brancos e negros, criando uma bela mistura de cores, costumes e crenças. Porém, este cenário de hibridização de etnias não impede que o Brasil seja um país racista e desigual, mesmo com tantos anos após o fim da escravidão. Para entender melhor como este panorama racista no Brasil foi formado é preciso voltar no tempo, mais precisamente em 1500, quando o nosso país foi colonizado pelos portugueses. A gigantesca ilha, que depois ganhou o nome de Brasil, era habitada por índios, mas com o início da colonização portuguesa recebeu os negros, que vieram como escravos para trabalhar na nova terra e os portugueses, brancos, que vieram à terra para explorá-la. A partir dessa nova realidade do país, aos longos dos séculos, o Brasil se tornou uma colônia, expandiu-se, ficou independente com a formação da República e todos os povos que habitavam esta terra miscigenaram-se. Desta maneira, tantos anos depois, é até difícil definir quem é branco, negro, índio ou se todos são mestiços. Porém, a complexidade do tema não anula a fácil constatação de que o Brasil apresenta uma forte desigualdade entre brancos e negros. De acordo com informações do Censo Demográfico de 2014, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os autodeclarados negros (conjunto que inclui pretos e pardos) constituem 53,6% da população brasileira, ou seja, mais da metade da nossa população. Porém, MAIS CONTEXTO SOCIEDADE 86
Emanuel Andrade
Emanuel Andrade | Email: slash_andrade@hotmail.com
Professor defende cotas racias, mas destaca que política pública ainda é paleativa ainda de acordo com os dados do IBGE, os negros representavam apenas 17,4% da parcela mais rica do país. A desigualdade racial fica ainda mais evidente quando é observada a população mais carente financeiramente no Brasil. O IBGE aponta que na população que forma o grupo 10% mais pobre, com renda média de R$ 130 por pessoa na família, os negros continuam sendo maioria. Para o professor de Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Paulo Neves, 54, que coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Exclusão, Cidadania e Direitos Humanos (GEPEC)
e o Núcleo de Estudos Afrobrasileiros (NEAB), um dos fatores para a profunda desigualdade no país é a educação. “As cotas, sem dúvida nenhuma, colaboraram para a inserção dos negros no ensino superior, porém ainda não é suficiente para diminuir de fato a desigualdade racial por uma série de razões. No ensino básico, poucos negros terminam o ensino fundamental e médio. Esse é um problema que atinge a população mais carente, consequentemente a população negra sofre mais com essa carência”, afirma. Ainda de acordo com o professor, o Brasil apresenta um cenário de racismo institucionalizado, pois órgãos do Estado
Davi Cavalcante
“A carne mais barata do mercado permanece sendo a carne negra”
carregam comportamentos racistas. “O suspeito no Brasil é jovem, negro e de origem popular. As estatísticas mostram como os negros são os que mais morrem na criminalidade, tanto em confronto entre os criminosos, quanto na mão da polícia. Existe um viés racial que passa pelo preconceito histórico no país neste processo”, enfatiza. Esta definição citada acima, não é exclusividade da opinião do mestre, mas também de um estudo desenvolvido pela Organização das Nações Unidas (ONU), que em 2015 afirmou haver no Brasil um mito de uma democracia racial e boa
“O Estado está agindo quando deixam os negros à margem, ele está agindo quando enclausura uma quantidade de negros absurda com a chamada “guerra às drogas” e faz a sociedade achar que o sistema penal é a solução”
parte dos brasileiros negam a existência do racismo. O estudo foi concluído após dois anos, quando em 2013 peritos da entidade visitaram o país por dez dias e constataram a desigualdade racial no Brasil, a partir de informações que indicavam que os negros morriam mais cedo, tinham menor média salarial e menos acesso à saúde.
Perfil do sistema carcerário brasileiro O Brasil possui a quarta maior população carcerária de todo o mundo, ficando atrás dos Estados Unidos, China e Rússia, respectivamente. O número de presos chegou no ano de 2016 a marca de 622.202 detentos. Os dados foram contabilizados pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) e divulgado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça. Desses mais de 600 mil presos no Brasil, negros e pardos representam 61,6% da população carcerária. O estudo aponta ainda que de maneira geral, os negros que estão presos no país são jovens, entre 18 e 29 anos, e possuem baixa renda salarial e escolaridade. Para Renata Cruz, 22, estudante de Direito, ativista do movimento negro
e participante do coletivo fotográfico negro intitulado “Câmera Escura Sergipenegros”, que usa a fotografia como instrumento de militância, os dados reforçam um Estado que encarcera em massa de negros e pobres, a partir de uma postura racista que vem da própria sociedade. “Algumas pessoas costumam dizer que o Estado permanece na inércia quando se trata de políticas voltadas à população negra, eu prefiro dizer que o Estado não está na inércia, ele age e cumpre com o seu papel de defender a burguesia e os interesses da elite branca brasileira. Isso tudo reflete na sociedade como um todo, e assim seguimos sendo postos à margem. O Estado está agindo quando deixam os negros à margem, ele está agindo quando enclausura uma quantidade de negros absurda com a chamada “guerra às drogas” e faz a sociedade achar que o sistema penal é a solução, ele está agindo quando mata jovens negros a cada 23 minutos no país. A questão é “a quem serve o Estado?”, questiona. No ano passado, o Senado promoveu a CPI do assassinato de jovens e constatou que em 2016, 77% dos jovens mortos no país eram negros. Foram 23.100 mortos entre 15 e 29 anos, equivalendo a 63 mortes por dia.. O relatório apontou a violência policial como um dos fatores 87 SOCIEDADE MAIS CONTEXTO
para o alto número de morte de negros no Brasil. Renata Cruz afirma que a Polícia Militar no país persegue negros, principalmente pobres. “A Polícia Militar, diferente do que muitos pensam, não fora criada na ditadura militar, fora criada com a chegada de Dom João VI no Brasil e desde a sua criação o objetivo era o de proteger a classe dominante contra qualquer possível revolta que pudesse surgir contra a nobreza, colocando assim seus privilégios em jogo, e é assim até hoje.” argumenta. A militante segue afirmando que a Polícia Militar age a partir de interesses das classes mais ricas do país e, consequentemente, os negros lideram o número de mortos pela instituição. “A PM é um instrumento da burguesia, feito para conter a massa que se opuser a ela, e para isso a mesma não mede esforços, logo, mata e tem o aval do Estado para tal, com o que chamam de ‘autos de resistências’, que nada mais é que matar alguém e depois alegar legítima defesa ou resistência à prisão. As testemunhas são os próprios policiais que participaram da ação e assim o crime quase nunca é investigado, com isso o extermínio da população negra continua, o Estado segue matando Cláudias, Amarildos e Luanas, a lista é enorme, mas parece não comover e a carne mais barata do mercado permanece sendo a carne negra”.
Cotas como opção para diminuição da desigualdade racial As cotas para universidades públicas no país foram iniciadas no Rio de Janeiro e, primeiramente, apenas para alunos da rede pública, sendo destinadas 45% das vagas para estes estudantes. Já a partir de 2012, o sistema de cotas raciais foi adotado pelas instituições federais. Três critérios são levados em conta para participar do sistema: média salarial da família, rede de ensino e cor da pele. Juliana Santana, de 20 anos, ex-aluna MAIS CONTEXTO SOCIEDADE 88
Thayane Rocha
Estudante defende que cotas raciais beneficia toda a sociedade
do curso de geologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde estudou por dois anos e entrou no ensino superior público através da cotas, pretende ingressar novamente na UFS, agora no curso de medicina. De acordo com dados do IBGE no ano de 2015, o número de acesso de pardos e negros ao ensino superior cresceu de 16,7% em 2004, antes das cotas raciais. Mas dez anos depois teve um salto para 45,5%. Porém, na média nacional a maioria dos universitários ainda são brancos, não condizendo com a proporção da população brasileira. A estudante que é militante do grupo Levante Popular da Juventude (LPJ), ressalta a necessidade das cotas raciais
como uma forma de reparar a desigualdade racial no país “As cotas raciais tem um grande papel de tentar minimizar as diferenças sociais entre as raças, principalmente no que se refere as diferenças entre negros e brancos. Contudo, as cotas são apenas precursoras para a democratização racial da educação superior. Ainda é preciso muitas outras ferramentas para equiparar os povos. A vestibulanda destaca que com as cotas raciais a sociedade como um tudo sai ganhando. “Pode-se citar alguns benefícios, como a maior inserção de diferentes raças nas universidades e a diminuição da população carcerária, que é primordialmente negra”, finaliza.
O lugar da democracia na mobilidade urbana Diálogo. substantivo masculino. Conversa; fala interativa entre duas ou mais pessoas. Troca de ideias; discussão que busca um acordo entre duas partes Juliana Teixeira
Há dois anos, o Senado aprovou a PEC que tornava o transporte público um direito social. Ao lado de setores como saúde, educação, moradia e trabalho, reconhecia-se ali a necessidade de políticas públicas garantidas pelo Estado para que a população tivesse acesso à cidade. Hoje, perguntada se o transporte público é o seu principal meio de locomoção, a estudante Dayanne Nascimento, 20, responde com outra pergunta: “não é público se a pessoa tem que pagar, né?”. As políticas públicas de transporte têm sido pouco eficientes quando se trata dos ajustes na tarifa, conforme reconhece o Ministério das Cidades. Este ano, a passagem chegou a custar R$3,50 em Aracaju, com o reajuste estabelecido em agosto. A decisão foi tomada pela Prefeitura depois da aprovação do Projeto de Emenda à Lei nº1/2017, que transferiu a responsabilidade que era da Câmara de Vereadores. Para Demétrio Varjão, representante do Movimento Não Pago, as duas ações foram pouco democráticas. “A Prefeitura se omitiu do debate, fingiu que o aumento não estava em discussão e jogou o aumento na cara da gente no segundo semestre”, comenta. Ele explica que mobilizar as pessoas agora é ainda mais difícil, uma vez que a Câmara de Vereadores fica localizada numa região central, enquanto o deslocamento para a prefeitura é maior. A Prefeitura que afirma ter feito o reajuste no segundo semestre para cumprir uma promessa de campanha, disse que o aumento está abaixo do esperado pelas empresas do setor, que fizeram uma
estimativa de R$4,06, e da própria SMTT, que pleiteou o valor de R$3,54. O preço foi pensado levando em consideração as despesas com a mão-de-obra - o gasto principal do transporte público, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) - e o aumento significativo da gasolina. Moradora do bairro Santa Maria, Dayanne pega ônibus de quatro a seis vezes por dia e sentiu falta de diálogo com os usuários do transporte. “A tarifa aumenta, mas o salário não aumenta da mesma forma. Mas se está bom pra eles, né? Não precisa consultar a população. O ônibus é precário, não tem qualidade e ainda ficamos vulneráveis à assalto,
assédio, estupro. Eu entrego na mão de Deus”, lamenta. Cleidivânia Pereira, 21, conta que passa o dia inteiro na rua para evitar pagar mais passagens. Na hora de sair de casa, calcula bem o que vai levar na bolsa nada de valor, para o caso de ser assaltada. É a mesma bolsa que aprendeu a colocar atrás dela para evitar que os homens se esfreguem no caminho. “Eles [a prefeitura] nunca querem saber se está bom pra gente. Acho que faltou uma votação igual aquela que teve para arquivar o processo de Temer”, diz. Josicleide Conceição, 40, trabalha com serviços gerais e soube do reajuste pela
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televisão. Moradora do Povoado Aloque, ela explica que continua indo ao trabalho porque recebe vale transporte, mas nos fins de semana fica em casa. “Nem lazer tem como ter. Fico em casa mesmo, lá onde eu moro não tem nem uma praça”, conta. A realidade de Josicleide ainda está distante de muitas trabalhadoras e trabalhadores. Embora o vale-transporte seja um benefício regulamentado por lei, grande parcela da população não tem a garantia deste recebimento por estar no mercado informal ou desempregada. Neste ano, o Brasil registrou o recorde de 14,2 milhões de pessoas desempregadas segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já o total de postos de trabalho formais no setor privado encolheu 3,5%, com um aumento de 4,7% de empregos sem carteira assinada. A pesquisa do Ipea sobre os efeitos da variação da tarifa e da renda da população sobre a demanda do transporte público no Brasil aponta que mais de 400.000 pessoas podem ser obrigadas a deixar de usar o serviço. A lógica de mercado torna a dinâmica um ciclo vicioso: o aumento da tarifa gera perda de demanda que, por sua vez, gera novo aumento, comprometendo a qualidade dos serviços e o acesso da população de baixa renda. O servidor público Cleverton Santos, aos poucos, está deixando de usar o ônibus. Nos fins de semana e nos trajetos além do trabalho, ele utiliza carro próprio. “A tarifa é injusta porque não vejo conforto. As janelas são duras e a gente mal consegue fechar quando está chovendo; o ônibus é sujo, barulhento. Quando chega aqui [terminal de ônibus] também está sujo, escuro, com água empoçada, além da falta de segurança”, explica. Com a precariedade do sistema, a segurança também é prejudicada. O cobrador Daniel Santos, 23, conta que eles recebem horário e o carro da empresa e rezam para que seja um bom dia. Desde a morte do cobrador David, em
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julho de 2016, o ambiente de trabalho tem sido diferente para ele. “A gente tem que obedecer o que a empresa fala e o que assaltante fala. Se não a gente morre”, conclui. Tanto o Movimento Não Pago em Aracaju quanto O Movimento Passe Livre, famoso pelas jornadas de julho de 2013, defendem o modelo de tarifa zero. Na
proposta, os custos com o transporte seriam subsidiados pelo Estado, sem que a população tivesse que pagar diretamente por eles. Essa realidade é concreta em treze cidades brasileiras. Em Agudos, no interior de São Paulo, a mudança causou um aumento de mais de 60% no uso do transporte coletivo. Em Aracaju, ao que parece, está realidade ainda está longe de acontecer.
Wácton Silva
Anualmente, no dia nove de setembro, a bandeira de reconquista das terras é hasteada no centro da aldeia. Em 2017, foram comemorados 38 anos
Povo Xokó: 38 anos da conquista territorial e a persistente luta pelo espaço nas discussões político-sociais Por Lucas Moura | mouralucas@live.com
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Os índios passaram por séculos de exploração, genocídio e etnocídio. Uma parte da nossa história que marca a desumanidade do processo de miscigenação que sofreu a formação da sociedade como é hoje. Os prejuízos causados aos povos indígenas do Brasil são incalculáveis e irreparáveis.
“como políticos, eleitores, o povo Xokó é um zero à esquerda”.
Desde o final do século XX, especialmente nas décadas de 1970, 1980 e 1990, os índios remanescentes iniciaram um processo de luta pela reconquista de antigas terras. Disputas territoriais sangrentas, algumas vencidas e muitas perdidas. Só mais recentemente, nos anos 2000, o povo indígena começou a ser respeitado como etnia legítima. Em Sergipe, o povo Xokó tornou-se referência para a luta indígena. Há 38 anos reconquistaram a Ilha de São Pedro, localizada no município de Porto da Folha/ SE. De lá para cá, estão desenvolvendo um processo de recuperação cultural e tentando fortalecer o núcleo étnico no estado. Apesar das recentes conquistas, o diálogo dos indígenas Xokós nos ambientes de discussões político-sociais ainda não acontece como deveria. Mesmo sendo reconhecidamente uma célula social, pouco interferem nas decisões ou ações públicas de Sergipe e do Brasil. “Há 38 anos atrás, em um dia de domingo, nós chegamos nessa ilha. O que temos hoje, não é o que encontramos quando chegamos aqui, as coisas mudaram muito”, ilustra Apolônio Xokó, primeiro cacique da aldeia, eleito aos 17 anos, em 28 de julho de 1980, na primeira eleição do conselho tribal. Apolônio foi o primeiro apresentador do programa A Voz do Índio, da Rádio Aperipê AM. O semanal teve início em 2013 e vai ao ar todos aos sábados entre às 13h e 14h. O primeiro cacique da tribo já não apresenta mais o programa por questões de saúde, mas o espaço segue na programação da Aperipê. MAIS CONTEXTO SOCIEDADE 92
O envolvimento dos indígenas na tradição da comunidade é impressionante. Eles ficam emocionados com as memórias das lutas passadas
Quando os Xokós retomaram a ilha, eram apenas 22 famílias, 129 pessoas, aproximadamente. Hoje, já possuem cerca de 500 pessoas. No entanto, mesmo com o crescimento populacional, segundo Apolônio, “como políticos, eleitores, o povo Xokó é um zero à esquerda”. Apolônio é enfático em suas palavras: “O índio nem tem voz fora da aldeia e nem há um diálogo democrático. O povo Xokó cresceu no direito de ir e vir, mas politicamente, cada vez mais, estamos nos aprofundando no processo de retrocesso. A cada dois anos, nos temos eleição. A cada dois anos, é uma pernada que recebemos
Wácton Silva
Quando a esquadra de Pedro Álvares Cabral saiu de Portugal, tinha como endereço as Índias, mas por acidente, ou não, chegou ao Brasil. O dia 22 de abril de 1500 marcou o início de um áureo período para a coroa portuguesa e de derrocada para os povos indígenas do território brasileiro.
Na aldeia Xokó, desde cedo as crianças são introduzidas aos costumes da comunidade, o que mantém viva a tradição
dos políticos e não aprendemos”. Ainda diante da exposição do precursor, mesmo as instituições voltadas aos povos indígenas, servem a outros interesses. “A Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai) foi criada em 2010, quando nós solicitamos da presidenta Dilma, em um grande evento. Eu estava lá e nós solicitamos que fosse uma secretaria do índio, mas não é. 99% dos funcionários não são índios, são pessoas que nunca tiveram um diálogo franco e aberto com a comunidade. O dinheiro que vem para a saúde, está indo para as mãos de quem não está precisando e o índio está morrendo às minguas”.
“Aqui é o ponto de referência, todo mundo que vem a aldeia, visita a escola. Isso é constante, todos os dias. Aqui eles são formados como cidadãos, com a manutenção da cultura”.
Quando se trata da soberania de seu povo, Apolônio Xokó é bem enfático. “Nós não consideramos o sete de 93 SOCIEDADE MAIS CONTEXTO
Wácton Silva setembro como uma independência. Se quisermos acreditar na real história, sete de setembro não é uma independência. Aqui na aldeia nós temos independência, porque o juiz daqui é o Xokó, o governador é o Xokó, o prefeito é o Xokó, o vereador é Xokó, o deputado estadual é Xokó, o deputado federal é Xokó, o senador é Xokó, não tem presidente. Aqui quem manda é o povo Xokó”.
Educação formal indígena A Escola Estadual Indígena Dom José Brandão de Castro, localizada na aldeia, cumpre um papel importantíssimo na MAIS CONTEXTO SOCIEDADE 94
formação político-social de seus alunos. A instituição é responsável pelos ensinos fundamental e médio – a educação infantil fica a cargo do município. Atualmente com 64 alunos, a escola possui apenas quatro professores Xokós. Os alunos que foram aprovados na Universidade Federal de Sergipe (UFS) são motivos de muito orgulho para a comunidade. Apesar de todos os pontos positivos, o colégio ainda não possui nenhuma disciplina especialmente voltada para o ensino da cultura indígena, o que está em fase de documentação e logo poderá ser implantado. “Aqui é o ponto de referência, todo
mundo que vem a aldeia, visita a escola. Isso é constante, todos os dias. Aqui eles são formados como cidadãos, com a manutenção da cultura”. É o que afirma a pedagoga Nadja Naira Alves da Silva Rodrigues, descendente Xokó que foi diretora da escola por 22 anos. Segundo ela, desde cedo, os adolescentes já demonstram o apego à cultura. “Eles adoram dançar, usam os colares deles, eles se pintam... Dessa forma, a espiritualidade da aldeia se mantém. A espiritualidade é tudo. A comunidade está de pé hoje graças a espiritualidade de nosso cacique”. Nadja acrescenta que o índio é reconhecido como povo, mas ainda precisa avan-
A dança do Toré é uma das representações mais emblemáticas da cultura indígena, sempre utilizada em momento importantes, como rituais ou comemorações
“Nós somos conhecidos pela nossa cultura e se ela morrer, perderemos nossa identidade. A reconquista das terras foi uma vitória muito grande para o nosso povo”.
Lindomar Xokó, membro do Conselho Nacional de Políticas Indígenas (CNPI), vê o espaço social que conquistaram como resultado da organização da comunidade. “Nós temos um bom respeito, até porque somos um grupo muito bem organizado, tem um trabalho muito bem feito junto ao cacique. Nós buscamos os nossos direitos lá fora, os direitos que são garantidos na constituição, a gente busca. A política brasileira precisa melhorar, me refiro a ela como um todo, precisamos escolher melhor os nossos representantes”, enfatiza. çar no diálogo democrático com a sociedade. “Somos respeitados. Para qualquer evento importante, somos convidados. Lula veio para Itabaiana, por exemplo, e os Xokós estavam lá. Nós sabemos que há exceções, afinal, sistema é sistema, precisamos melhorar muito, mas o índio Xokó é respeitado como povo”. Nascida na aldeia, Sasha Nogueira dos Santos, 19, reconhece a importância da luta de seus ancestrais e a importância da manutenção de seus costumes. “Nós somos conhecidos pela nossa cultura e se ela morrer, perderemos nossa identidade. A reconquista das terras foi uma vitória muito grande para o nosso povo”.
Para Josinaldo Ribeiro da Silva, coordenador técnico da Funai na Comunidade Indígena Xokó, o Ministério Público Federal (MPF) tem sido um dos maiores defensores da causa indígena. “Hoje, o nosso braço forte é o Ministério Público Federal. O MPF tem sido um parceiro incondicional. Mas é preciso investir mais no social, em qualificação para os jovens, por exemplo. O indígena veio para fazer história, mas não apenas nos livros, eles precisam ocupar os espaços públicos no estado”. Depois da constituição de 1988, a população indígena brasileira pode posicionar-se melhor como participante dos processos político-sociais do país. Com o passar do tempo, alguns avanços foram notados.
Mas muito ainda precisa ser feito no que diz respeito à educação indígena. Edinéia Tavares Lopes é professora doutora da Universidade Federal de Sergipe e especialista em educação escolar indígena. A docente trabalha há mais de 10 anos com o povo Xokó e acredita que muitas ações ainda podem ser efetivadas para a melhoria da condição da comunidade. “Uma primeira demanda é a instituição da carreira do professor indígena. Essa é uma questão fundamental para ser ter uma escola indígena que funcione como os povos indígenas almejam. Com isso, que se tenha concurso específico para professores indígenas, para que na escola indígena estejam professores indígenas, da etnia, dando aula”, enfatiza Edinéia. Para a professora, não apenas todos os professores precisam ser indígenas, mas terem uma formação específica para a atividade. “A segunda questão é que os professores tenham uma formação específica. Uma formação que nós denominamos de licenciatura intercultural”, acrescenta. A educação indígena “tem que dar conta desses conhecimentos dito universais, que são esses sistematizados, e também tem que dar conta dos saberes tradicionais, da cultura e identidade indígena”. 95 SOCIEDADE MAIS CONTEXTO
Antes da reconquista do território, o povo Xokó passou por um longo período de luta pela terra, marca que ainda permanece na aldeia
Quando questionada acerca da participação dos Xokós dentro do ambiente de discussões político-sociais, Edinéia levanta uma reflexão: “eu percebo que quando os Xokós estão presentes, até há um espaço para fala. Mas eu não sei até que ponto essa fala reverbera depois em ação ou não. Me parece que depois da retomada eles estão mais silenciados, como se estivesse tudo bem e resolvido”. Conflitos territoriais ainda existentes Mesmo com a conquista legal do território, os indígenas da aldeia Xokó ainda passam por conflitos na defesa de seus limites. Caçadores e madeireiros sempre, em determinada época do ano, visitam ilegalmente a área territorial indígena, abatem animais e fazem a retirada ilegal de madeira. “Hoje o principal problema é a caça por causa do confronto. No ano passado teve até incêndio na nossa terra. Os caçadores invadiram e nós nos organizamos enquanto povo, colocamos os homens na mata, e expulsamos eles. Eles não se deram por satisfeitos e tocaram fogo na mata. Foi MAIS CONTEXTO SOCIEDADE 96
uma semana de incêndio”, explica o Cacique Bá, atual líder da comunidade. O membro e ex-cacique Xokó, Heleno Lima, sente medo de que uma fatalidade possa acontecer. “Durante a noite, nós já fizemos o que chamamos de ‘corra’, que é correr a terra durante a noite para evitar a entrada de invasores. Geralmente quem faz isso são os jovens, mas eu sempre venho orientando com medo de um confronto. Afinal, quem entra em nossas terras para caçar ou tirar madeira, geralmente está armado e nós temos medo do que pode acontecer”, lastimou. As invasões não apenas prejudicam o meio ambiente, mas podem interferir nas tradições culturais da comunidade. “Uma vez estávamos no ritual e eles chegaram lá com cachorros e tudo, mas nós conseguimos expulsá-los. Eles dizem que a terra não é nossa, que é da união”, acrescentou Lima. Aldeia Xokó A aldeia Xokó é a única comunidade indígena de Sergipe legalmente reco-
nhecida. Desde 9 de setembro de 1979, os indígenas voltaram a ocupar a Ilha de São Pedro, território do qual haviam sido expulsos por fazendeiros da região no final do século 19. Apenas nos anos de 1990, a Funai homologou a Caiçara, território que eles também reivindicavam, como parte das terras indígenas de etnia Xokó. A aldeia abriga cerca de 500 índios em um território de aproximadamente 4.500 hectares. Desde 2003, o Cacique Bá é o responsável pelos assuntos materiais, administrativos e sociais da comunidade. Além disso, o cacique ainda está acumulando a função de pajé, pois desde que o Pajé Raimundo faleceu um novo ainda não foi escolhido. No primeiro sábado de cada mês, os Xokó refugiam-se por três dias na mata para a realização de sua cerimônia tradicional – o ritual do Ouricurí. A aldeia conta com duas instituições de ensino básico, polo de saúde, estação de tratamento d’água, energia elétrica e Centro de Referência da Assistência Social (Cras), mas ainda necessitam de muito recursos.
Wácton Silva
Festa de retomada Na manhã do sábado, 9 de setembro, os Xokós realizaram mais uma edição da festa que registra a conquista da Ilha de São Pedro, localizada no município de Porto da Folha/SE. Os indígenas apresentaram-se dançando o Toré no centro da aldeia e depois participaram da missa realizada na igreja da própria comunidade. O evento, que comemorou 38 anos da retomada das terras Xokós, contou com a presença de estudantes, professores, pesquisadores, curiosos e autoridades de diversas partes do Brasil. “Isso aqui representa a liberdade do povo Xokó, a vida desse povo. O nosso povo vivia submisso aos fazendeiros, não tinham onde morar, não tinha liberdade e hoje temos liberdade de cultura, esse resgate dessa cultura. Hoje vivemos em um país liberto que é a nossa comunidade Xokó”, afirma Lindomar Xokó. Josinaldo Ribeiro da Silva, coordenador técnico da Funai na Comunidade Indígena Xokó, ressaltou que, além do apelo histórico-cultural, o evento também possui um valor político. “Esse evento é importantíssimo porque ele tanto retrata o fortalecimento cultural, como também trazem as autoridades aqui presentes para um outro olhar. Aqui é um território federal,
dentro do estado de Sergipe, que precisa ter um olhar melhor das autoridades. Afinal, a comunidade indígena Xokó é a única no estado de Sergipe e que eleva a cultura desse povo”. Alguns dos visitantes estavam na aldeia pela primeira vez, outros visitam a festa anualmente. De um modo geral, todos ficaram encantados com a riqueza e beleza das apresentações. “Todos os anos eu venho. Eu acho a tradição deles muito bonita. Eles são muito unidos, isso aqui não deveria acabar nunca”, valorizou Maria Gorete Ferreira, assentada da comunidade vizinha às terras Xokó. Janaina Elizabete Silva é aluna de Dança na Universidade Federal de Sergipe e ficou contagiada. “Eu moro em Sergipe há muito tempo e não sabia que existia essa festa. Para mim, é muito gratificante estar aqui prestigiando essa festa maravilhosa. Eles são de uma energia que nos contagia”. A professora de Janaina, Bianca Bazzo Rodrigue, assegurou que o aprendizado vai além da dança. “É tudo muito encantador. Não só em questão de dança, mas enquanto discussões étnicas e raciais, o aprendizado é muito grande. São questões que hoje estão vindo com mais força em questão de luta”.
Os indígenas Xokós foram expulsos da 97 ilha de São Pedro pelos jesuítas. SOCIEDADE MAIS CONTEXTO É interessante observar que, mesmo depois desse passado sombrio, na festa que comemora a reconquista das terras, é celebrada uma missa
FEIRAS AGROECOLÓGICAS Atividade incentiva a interdependência dos agricultores familiares e garante a segurança alimentar dos consumidores Daniela Pinheiro | danynhapv@gmail.com
Diferente das feiras tradicionais que acontecem em todo o Brasil, as feiras agroecológicas possuem um papel essencial na qualidade alimentar das pessoas, pois todos os produtos vendidos nessas feiras procedem de uma gerência manual do agricultor, tudo é preparado e cultivado sem nenhum tipo de adubo químico prejudicial à saúde. Desde de 2010, as feira agroecológicas estão tentando conquistar espaço em Sergipe. O consumidor aposentado, Ivan Tavares, 65, comenta que gostaria de ver essas feiras com mais frequência, para as pessoas poderem ter mais opções de lugares para comprar. “Tem que ter várias, para que a gente possa ter mais espaços para escolher”. Perguntado sobre a relação direta que existe entre o produtor e o consumidor, o aposentado afirma: “eles fazem a demonstração do produto, explicam como produzem, e isso é muito importante para estabelecer a nossa confianMAIS CONTEXTO MEIO AMBIENTE 98
ça com eles”. Para a feirante Rosivalda dos Santos, 42, da cidade de Japaratuba é muito importante orientar as pessoas sobre os produtos, para que assim esses possam ser valorizados. “Dou orientação, porque as pessoas pensam que o orgânico é mais caro que o convencional. Se eles forem olhar os preços irão perceber que são parecidos, e ainda tem mais, aqui é saúde”, comenta. A estudante de Educação Física Jéssica Carvalho, 25, discorda quanto aos preços. Para ela os produtos orgânicos são mais caros que os convencionais e isso, talvez, pode influenciar no momento da compra das pessoas, sobretudo com poder aquisitivo menor. “Uma coisa que deve ser analisada são os preços, que normalmente são superiores, dificultando assim que esse consumo de alimentos orgânicos torne-se massificado”. Ela acredita que a popularização seria
uma solução viável. “Seria ideal que essas feiras fossem popularizadas assim facilitaria o acesso a toda população, visto que a necessidade em cuidar da saúde e alimentação é importante para todos”. O feirante Jailton Bispo, 50, da cidade de Nossa Senhora do Socorro, explica um pouco o processo de produção na sua unidade rural. “Esses produtos são desenvolvidos na minha propriedade, na minha unidade familiar. Todo nosso produto é a base de orgânico. E a gente produz a própria semente ou compra nas feiras agropecuárias. Então a gente tem essa preocupação de desenvolver a própria semente. Ela é uma semente livre e adaptada às situações climáticas da minha propriedade”. Em sua propriedade, o feirante produz batata doce, quiabo, limão, coentro, alface, rúcula, abobrinha, macaxeira, pimentão, berinjela, pepino, manjericão, hortelã, mamão, entre outros. Qualidade de vida, geração de renda, re-
lação direta entre consumidor e agricultor, produção e gerência familiar, fatores que contribuem essencialmente para definir a importância que as feiras agroecológicas possuem no cenário da segurança alimentar da população, desenvolvimento sustentável e ecológico. Dialogando com essa ideia, as feiras da agricultura familiar contribuem substancialmente com essa prática. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) e o Ministério da Agricultura (MDA), a agricultura familiar tem a gestão da propriedade compartilhada pela família, e a atividade produtiva agropecuária é a principal fonte de economia. A lei nº 11.326 de 24 de julho de 2006, estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos rurais desse sentido. Para o agricultor poder trabalhar como vendedor de produtos orgânicos, é necessário fazer um cadastramento junto
APOIO E FISCALIZAÇÃO O projeto das Feiras Agroecológicas em Sergipe surgiu em 2010, através da Secretaria de Estado da Mulher, da Inclusão e Assistência Social, do Trabalho e dos Direitos Humanos (Seidh), em Parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Segundo a Seidh, o objetivo dessas feiras é fortalecer a agricultura familiar, criando frentes de comercialização para o escoamento da produção dos agricultores familiares e, eliminar a figura do atravessador. Para tentar manter medidas de proteção e controle ambiental das feiras, o Governo do Estado conta com a ajuda de entidades que desenvolvem ações de apoio junto ao órgão estadual,
como: o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), a Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (EMDAGRO), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), as prefeituras municipais, entre outros. Nos municípios do Estado, os órgãos que têm o papel de fiscalizar essas feiras são as prefeituras e secretarias responsáveis, já em Aracaju esse cuidado fica por parte da Seidh, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e da Comissão de Produção Orgânica (Cporg).
99 MEIO AMBIENTE MAIS CONTEXTO
CALENDÁRIO UNIFICADO DAS FEIRAS DA AGRICULTURA FAMILIAR Nº
MUNICÍPIO
PERIODICIDADE
DIA
HORÁRIO
LOCAL
01
ARACAJU
QUINZENAL MENSAL MENSAL QUINZENAL
QUINTA SEXTA SEXTA QUINTA
06:00 06:00 06:00 16:00
Pátio da SEIDH Pátio da SEED Pátio da SEMARH Parque da Sementeira
02
CRISTINÁPOLIS
MENSAL 2ª Mês
QUARTA
15:00
PRAÇA DA BANDEIRA
03
ESTÂNCIA
SEMANAL
QUARTA
10:00
Praça da Igreja
04
GARARU
QUINZENAL 1ª e 3ª
TERÇA
16:00
Ao lado do Mercado
05
INDIAROBA
SEMANAL
QUINTA
15:00
Centro cultural
06
ITABAIANINHA
SEMANAL
QUARTA
06:00
Praça do Mercado da Farinha
07
ITAPORANGA D’AJUDA
SEMANAL
SEXTA
08:00
Em frente ao Ginásio
08
LAGARTO
SEMANAL
SÁBADO
05:30
Praça Filomeno Hora
09
MOITA BONITA
SEMANAL
SEXTA
06:00
Praça Santa Terezinha (lateral da igreja)
10
NOSSA Srª. Da GLÓRIA
SEMANAL
QUARTA
06:00
Praça dos 3 Quiosques
11
PROPRIÁ
SEMANAL
SEXTA
15:00
Praça da Catedral
12
RIBEIRÓPOLIS
SEMANAL
QUINTA
05:00
Em frente a Sec.de Agricultura
13
TOMAR DO GERU
SEMANAL
QUARTA
07:00
Praça do Quiosque, ao lado da prefeitura
14
UMBAÚBA
SEMANAL
QUINTA
08:00
Ao lado do mercado
15
POÇO REDONDO
SEMANAL
SEXTA
07:00
Praça da Igreja
16
SANTA LUZIA
SEMANAL
QUARTA
06:00
Praça da Prefeitura
ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), na qual, através de uma certificação com o selo da Organização de Controle Social (OCS), o agricultor começa a comercializar seus produtos. Em Sergipe, são cadastrados 426 agricultores, segundo dados do Departamento de Segurança Alimentar e Nutricional (DSAN).
As feiras Em Aracaju, as feiras acontecem na Secretaria de Estado da Educação (Seed), na Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh), na Secretaria de Estado da Mulher, da Inclusão e Assistência Social, do Trabalho e dos Direitos Humanos (Seidh), no Parque da Sementeira (inaugurada em 24
de agosto/2017) e mensalmente no pátio da Prefeitura de Aracaju. No Estado, as feiras acontecem nas cidades de Cristinápolis, Estância, Gararu, Indiaroba, Itabaianinha, Itaporanga d’Ajuda, Lagarto, Moita Bonita, Nossa Senhora da Glória, Propriá, Tomar do Geru, Umbaúba, Poço Redondo e Santa Luzia.
SUSTENTO FAMILIAR A renda obtida nas feiras é fonte principal de sustento da maioria dos agricultores que buscam nos seus produtos um caminho para uma vida melhor. “Eu trabalho com meu pai desde muito cedo, e isso já era o sustento da família. Hoje sou casado e tenho minha família, com certeza que esse trabalho aqui é o sustento principal da nossa família”, disse o feirante, Calos Nascimento, 43, de Estância/SE.
MAIS CONTEXTO MEIO AMBIENTE 100
Para os feirantes de produtos orgânicos é muito importante não ter a intermediação do atravessador que é a pessoa que compra e revende os produtos dos agricultores. “A gente vendia para o atravessador, quer dizer ele chegava lá e dava quanto queria na mercadoria da gente e, agora não, a gente vende diretamente paro o consumidor, ou seja, o lucro que ficaria para o atravessador agora fica conos-
co”, ponderou. Jailton Bispo trabalha com orgânicos há 15 anos, ele costumava produzir fumo e vender. Atualmente, ele produz alimentos e vende nas feiras da agricultura familiar, dessa forma, seu trabalho já se tornou parte essencial para o sustento familiar. Este trabalho está mudando minha vida e pelo que vejo vai mudar cada vez mais, faz parte d sustento de casa”, afirmou.