REVISTA
MAIS CONTEXTO EDIÇÃO 05
FLUXOS MIGRATÓRIOS EM SERGIPE chegadas, partidas e historias
VAI E VEM Somos 207 milhões de pessoas vivendo no Brasil. Pessoas de todas as raças, culturas e estilos e que criaram, moldaram e continuamincorporando aspectos que nos tornam únicos. A hospitalidade do nosso povo e as oportunidades que o nosso país oferece atraem muitas pessoas, de dentro ou de fora do nosso território, a mudarem de vida. Apesar disso, ainda há aqueles que procuram novas experiências e decidem deixar nossa terra para recomeçar em outro lugar.
deixam seus lares possuem famílias e um círculo de pessoas que precisam lidar com a situação e encarar a mudança de realidade. E para quem vai, a necessidade de mudar completamente de vidapode não ser das mais saudáveis, e a experiência acaba, em muitos casos, tornando-se uma decepção. Isso faz com que essas pessoas façam o movimento inverso e voltem para suas terras de origem em busca da vida que tinham anteriormente.
Algumas das características mais fortes em Sergipe são a beleza e o acolhimento. Para quem vem, passar por Aracaju e as cidades do interiorimpressiona com a variedade cultural e a alegria de nossa gente. Para quem sai, levar nossos hábitos e aprendizados para outros lugares é muito importante e ajuda a difundir a tão falada “sergipanidade” ou o nosso jeito de ser. Particularmente, falar sobre migrantes e imigrantes no nosso estado é sempre especial: as amizades formadas com pessoas de outros estados ou países, em sua maioria, foram marcantes. Aprender novas expressões, hábitos e jeitos de viver nos trouxe um enriquecimento ímpar e uma nova forma de enxergar as coisas. No nosso meio universitário, o que não falta é o contato com migrantes de outros estados. A comparação de culturas com a capital é inevitável; a troca de experiências e convivência saudável também.
Por isso, a nova edição da Revista “Mais Contexto” vem para trazer histórias desse mundo que nos une.Os que vêm de outros estados para Sergipe buscar empregos, seja com morada permanente ou em movimento pendular; os migrantes que estudam no nosso estado e buscam oportunidades após a formação, ou aqueles que tiveram sua formação fora de Sergipe e agora voltam; aqueles que ficam em suas cidades enquanto veem familiares deixarem suas casas; atletas de outros estados que vêm treinar por aqui; imigrantes que vêm em projetos de intercâmbio; estrangeiros e sua relação com o futebol no Brasil; influência estrangeira na gastronomia, na arquitetura, nos hábitos e nos direitos; entre muitas outras coisas.
Mas todos sabemos que nem tudo é alegria. Hoje também há uma intolerância inimaginável para os padrões do século XXI. No universo virtual, por exemplo, alguns discursos xenófobos ganharam espaço recentemente. No Brasil real, apesar de isso parecer algo de um universo distante, infelizmente ainda vemos argumentos preconceituosos. Apenas quem já se deparou com isso sabe o que significa e representa. Sergipe, mesmo sendo um estado pequeno, está incluído nessa realidade e não destoa dos demais.Além disso,as pessoas que
MAIS CONTEXTO EDITORIAL 2
Abordar todos esses aspectos, os prós e os contras, é justamente o que a nossa revista quer. É entender, no nosso espectro sergipano, tudo o que o fluxo migratório representa. Como as pessoas lidam com a nova cultura, o que muda em suas vidas e o aprendizado com todas essas experiências por aqui. Sergipe é pequeno, mas também gigante. A inserção de novas pessoas e culturas na sociedade só nos enriquece e, assim como esta revista, ganha mais cor e vida. Boa leitura! Eduardo Costa eduardocostaandrade98@gmail.com
Talisson Souza
EXPEDIENTE 5ª EDIÇÃO
Universidade Federal de Sergipe Campus Professor José Aloísio de Campos Av. Marechal Rondon, s/n, São Cristóvão, SE Orientação Prof. Dra. Michele Becker Prof. Dr. Vitor Belém Prof. Dr. Vitor Braga Projeto Gráfico/Layout Matheus Brito Capa Ana Luísa Andrade Haline Farias Ilustrações Haline Farias Chefe de Reportagem Eduardo Costa Repórteres Ana Clara Abreu Cláudia Carvalho Fernanda Roza Katiane Peixoto Victoria Costa Vinícius Oliveira Rocha Editora de Arte Malu Araújo Diagramadores Ana Luísa Andrade Emerson Esteves Haline Farias Letícia Nery Letícia Sandes Samuel Santos Editor de Fotografia Igor Rocha Fotógrafos Fernanda Santero Talisson Souza Thalia Freitas
A Revista Mais Contexto é um produto laboratorial desenvolvido na disciplina de Laboratório em Jornalismo Integrado I, da Universidade Federal de
Sergipe (UFS). O conteúdo veiculado é produzido pelos alunos e serve como pré-requisito parcial para conclusão da referida disciplina. 3 EXPEDIENTE MAIS CONTEXTO
SU MÁ RIO
6
Fluxo migratório em Sergipe
8
Olhar de fora As histórias de quem saiu de sua terra natal para vir morar em Sergipe a trabalho ou estudo
12 16 22
No meio do caminho uma oportunidade de recomeço
Os gostos de outros cantos
O rio que separa é o mesmo que une
28 32 38
UFS e o cenário internacional de ensino e pesquisa
MAIS CONTEXTO SUMÁRIO 4
Intercâmbio Troca de culturas e mistura de conhecimentos
Êxodo urbano e a busca pela qualidade de vida
42 46
A Copa do Mundo também é deles
A influência espanhola que os sergipanos desconhecem
48 52 54
Cidades históricas trazem elementos da arquitetura europeia
Um pedaço dessa terra
Idas e vindas em oito rodas na estrada
56 58
A vida de quem faz a trajetória diária de ir e vir
O “além” de Izabel...
5 SUMÁRIO MAIS CONTEXTO
MIGRAÇÃO EM SERGIPE: brasileiros de outros estados
Reportagem: Emerson Esteves e Samuel Santos Diagramação: Ana Luísa Andrade, Letícia Nery e Letícia Sandes Edição: Malu Araújo
Dos habitantes residentes em Sergipe, 222.891 possuem origem dos outros 25 estados do Brasil e Distrito Federal, esse número equivale a 10,7 % da população total sergipana.
NORTE
2.410
NORDESTE
173.107
CENTRO-OESTE
4.784
SUL
4.693
FLUXO MIGR
SUDESTE 0
Serg
39.301
50.000 100.000 150.000 200.000 Fonte: IBGE (2010)
Segundo dados do Censo Demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), Sergipe possuía naquele ano uma população estimada em 2.068.017 de habitantes, sendo que 11%
ACRE 120
GOIÁS 631
ALAGOAS 68929
MARANHÃO 1169
PERNAMBUCO 19503
AMAPÁ 213
MATO GROSSO 672
PIAUÍ 1442
AMAZONAS 743
MATO GROSSO DO SUL 674
RIO DE JANEIRO 8823
BAHIA 72273
MINAS GERAIS 3281
RIO GRANDE DO NORTE 1809
CEARÁ 3481
PARÁ 991
RIO GRANDE DO SUL 1346
SANTA CATARINA 398
DISTRITO FEDERAL 1404
PARAÍBA 4500
RONDÔNIA 251
SÃO PAULO 26696
ESPÍRITO SANTO 501
PARANÁ 2949
RORAIMA 6
TOCANTINS 87
MAIS CONTEXTO INFOGRÁFICO 6
ESTRANGEIROS NO ESTADO No ano de 2010, Sergipe abrigava 580 pessoas nascidas em outros países, número que corresponde a menos de 1% da população total. Assim, naquele ano, o estado era o segundo estado brasileiro com menos estrangeiros, ficando abaixo apenas do Piauí. Desses 580 estrangeiros, 347 eram homens, enquanto 233 eram mulheres.
Mulheres Homens 41% 59%
Fonte: IBGE (2010)
RATÓRIO EM
gipe
desses não são naturais do estado. Esse número inclui tanto pessoas de outros estados brasileiros quanto imigrantes de outros países. Conheça melhor o perfil do fluxo migratório no estado de Sergipe.
Além disso, segundo a pesquisa, boa parte dos estrangeiros residentes em Sergipe não era naturalizada em 2010. A cada 30 pessoas vindas de outros países, cerca de três haviam adquirido a nacionalidade brasileira por naturalização, o que totaliza aproximadamente 10% da população estrangeira. Devido a isso, Sergipe é o estado com menos estrangeiros naturalizados no Brasil.
SERGIPE ATRAI IMIGRANTES? O Índice de Eficácia Migratória (IEM) mede a capacidade de atração, evasão ou rotatividade migratória. Esse indicador é relativo, ou seja, permite a comparação entre os estados independemente do volume absoluto de imigração e emigração de cada um. Segundo o IBEG, o IEM de Sergipe era de 0,0157 no ano de 2009, o que significa que aqui chegam mais pessoas que saem. Além disso, o estado era o terceiro do Nordeste a mais receber imigrantes, ficando abaixo apenas da Paraíba e do Rio Grande do Norte.
7 INFOGRÁFICO MAIS CONTEXTO
OLHAR DE FORA As histórias de quem saiu de sua terra natal para vir morar em Sergipe a trabalho ou estudo Vinícius Oliveira Rocha | voliveira96@gmaill.com
Macaxeira, tapioca, tangerina... quem vive em Sergipe já está acostumado a usar esses nomes, mas há aqueles que moram aqui e falam aipim, beiju, mexerica ou bergamota. Gente que fala diferente, não puxa o “t” ou o “d”, carrega na pronúncia do “r” ou do “s”e não cresceu ouvindo um bom “fi do cabrunco”, mas sim outras expressões. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (Pnad) de 2015, vinculada ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 15,3% da população brasileira não vive no estado em que nasceu, e não poderia ser diferente no menor estado do país. Baianos, alagoanos, pernambucanos já são figurinhas repetidas por aqui, mas também mineiros, paulistas, fluminenses, gaúchos, paraenses, amapaenses e tantos outros, cada um com seus costumes, sotaques, gostos, vivendo na dualidade de preservarem a identidade do lugar de onde vieram e de se adaptarem ao jeito de vida sergipano.
Arquivo pessoal da entrevistada
“Aqui é uma cidade que eu gostei bastante” Para estes personagens, as razões são várias para terem saído de suas terras natais e se mudado para um lugar tão diferente e, em alguns casos, tão longe de casa. Aracaju, com seu jeitinho de “capital com ares de interior”, atrai tanto pessoas que querem sair do ritmo de vida de metrópoles muito maiores quanto de outras que encontram aqui oportunidades que jamais teriam nas cidades menores de onde vieram. Para Roseanne da Silva Fonseca e Jacksonito Santos do Castro, o motivo foi a qualidade de vida aqui encontrada. Naturais de Belém-PA, tinham vindo algumas vezes a Aracaju e se encantaram com aw cidade. Mas a rotina de trabalho, como técnicos operacionais da Petrobrás, era extenuante: precisavam passar duas semanas na Província Petrolífera de Urucu, no Amazonas, para folgarem mais três semanas. Jacksonito relembra que se algo acontecesse em casa, era quase inviável retornar a tempo: “a logística era muito complicada. Só de Belém pra Manaus são duas horas de avião. De Manaus para Urucu era mais 1h20m. Sem contar que se fosse à noite o avião não dormia lá, aí você chega em Manaus e precisa pegar um voo comercial, que não tem na hora que você chega.” MAIS CONTEXTO TRABALHO 8
Roseanne e a família vieram de Belém buscando qualidade de vida em Aracaju
Com isso, começaram a articular uma transferência para Sergipe, que enfim se concretizou há três anos. Vieram com os dois filhos, Henrique e Julianne, e os pais de Roseanne. E não se arrependem. “O que mais chamou a atenção da gente e que fez a gente optar por aqui foi esse estilo de vida saudável. A gente vê que
tem mais parques, tem a parte da orla, da praia”, afirma ela, que também enfatiza que a cidade oferece mais opções às famílias, ao contrário de Belém, onde uma lei municipal proíbe a presença de crianças em estabelecimentos após as 22h. Já para Daiane Tarrago Nunes, a vinda
Thalia Freitas
Lana Clarice acredita que conseguiu se adaptar bem à nova cidade, mas considera os sergipanos pouco receptivos
para Aracaju não foi a primeira parada no Nordeste. Gaúcha de Santiago, no interior do estado, ela se formou em Letras-Espanhol e algum tempo depois mudou-se para Salvador, onde não conseguiu se adaptar. Entre a vida calma da cidade natal e o caos da metrópole baiana, Aracaju surgiu como um meio-termo. “No Sul o espanhol é uma coisa muito comum, é muito simples a gente falar espanhol, fazer cursos. Quando cheguei no Nordeste já formada em Espanhol, o pessoal ficava admirado, porque não era comum um curso como esse aqui. Então quando fiz o processo seletivo e meu currículo impressionou, rapidamente eu vim pra cá.” E muitos vieram por conta dos estudos. Danielle Araújo, estudante de Publicidade e Propaganda na UFS e natural de Lauro de Freitas-BA, afirma que veio para Sergipe não sabendo o que esperar. “Já estava matriculada em outra faculdade, e já tinha um primo que morava aqui e sabia que estudava na UFS. Eu queria sair da minha cidade (risos), e minha mãe que me estimulou pra vir”. Já Kaio Aguiar e Sabrina Bonfim, ambos de
Itapetinga-BA, vieram por questão de oportunidade. Seus cursos – Relações Internacionais e Biomedicina, respectivamente – não eram oferecidos na sua região. Sabrina veio para Aracaju em 2000, fazendo seu curso na Unit, e aqui formou família e passou a viver, enquanto Kaio atualmente estuda na UFS. Lana Clarice Miranda, amapaense da capital Macapá, conta que se mudou para viver com a irmã, que já fazia mestrado na UFS, e que conciliou essa questão familiar com os estudos, ingressando na universidade para fazer Engenharia Civil. Ao passo que Débora Izumi Iimori tinha a referência do estado por ter a mãe sergipana, mesmo tendo nascido e crescido em São Paulo. Após morar 14 anos no Japão, viu-se sem parentes na capital paulista, mudando-se para Aracaju onde a família materna ainda residia, e atualmente faz Engenharia de Produção na Unit. Os diferentes ritmos de vida dos lugares de onde vieram influenciaram muito nas suas percepções sobre Aracaju. Kaio enfatiza a diferença de tamanho entre as cidades em que viveu: “Itapetinga é
uma cidade um pouco menor, então a gente não tinha problema em relação a transporte, dava pra fazer tudo com um pouquinho de caminhada, você já conseguia ir pra qualquer lugar da cidade”. Danielle, mesmo morando na região metropolitana de Salvador, considera Lauro de Freitas uma cidade consideravelmente mais tranquila que Aracaju. Já Sabrina, ainda que tenha vindo de uma cidade interioriana, não viu grandes mudanças. “Mesmo sendo uma capital, a vida aqui era bem parecida com a do interior, com pessoas conversando nas calçadas, com feira nos bairros, trânsito tranquilo, andava muito a pé”. Lana Clarice considera a vida noturna em Macapá mais agitada do que a de Aracaju. “Lá a noite começa umas 22h, 23h, aqui já cansei de estar no bar 1:30 da manhã e chegarem pra mim e perguntarem se vou pedir mais alguma coisa porque a cozinha já vai fechar”. Para Daiane, que teve a experiência de vir de uma cidade pequena, mas também de morar numa metrópole como Salvador, o ar interiorano da capital sergipana carrega virtudes e defeitos. “A gente se irrita 9 TRABALHO MAIS CONTEXTO
Arquivo pessoal
porque ficou 15, 20 minutos parado no trânsito, aí quando fala com alguém de Salvador, São Paulo, Porto Alegre, ele para 40 minutos num sinal, a gente não sabe o que é isso”. Já Roseanne, que veio de uma cidade bem maior, não deixa de aproveitar a vida mais “calma” que Aracaju oferece. “Às vezes o pessoal conta algumas coisas que acontecem, mas aqui ainda tá bem menos violento do que de onde a gente veio. A gente gosta muito da nossa terra, todo ano a gente vai de férias, mas chega um momento em que você já sai sobressaltado (...), da primeira vez em que viemos aqui em 2004 mudou muita coisa, mas ainda dá pra conter a violência”.
“Eu sempre sou a turista por causa do sotaque...” Embora todos não escondam a satisfação de terem vindo morar em Aracaju, também não deixam de expor problemas que encontram no dia-a-dia. Para Danielle, uma dificuldade que teve foi na hora de encontrar um lugar para morar na cidade. “Eu acho muito complicado alugar apartamento aqui em Aracaju. Muita gente pede um fiador, alguém que seja daqui, e eu acho estranho, porque a maioria dos estudantes da UFS não são daqui. Aí fica difícil achar [apartamento]”. Para Roseanne, o valor das passagens de avião de Aracaju para Belém é abusivo, impossibilitando que possam viajar mais às vezes à terra natal no decorrer do ano. E junto com o marido detecta uma forte presença do machismo nos ambientes em que circulam, especialmente no trabalho. “Fui técnica de operação (...) em grandes paradas, onde havia 150 homens, mas eles estavam todos trabalhando pra mim. Aqui eles ficam meio receosos, porque aqui não têm a mesma cultura do respeito, de aceitar que uma mulher pode fazer as mesmas coisas que um homem”. Ao que Jacksonito complementa: “nas atividades que ela [Roseanne] faz, as mulheres aqui nunca operaram, trabalhando mais em escritórios, sentam no computador. Não que não importe, mas você vê que isso já tá incutido na cabeça, tanto é que eles estranham quando estamos nos treinamentos e a gente começa a conversar e falar sobre como era lá”. Débora relata problemas na hora de se comunicar. “Eu tava acostumada com uma cultura paulistana, e de repente tive de sair para o Japão, e assimilei a cultura, os costumes, os vícios. Aqui em Aracaju eu não posso perguntar o preço de nada porque de repente ‘fica mais MAIS CONTEXTO TRABALHO 10
Segundo Daiane, Aracaju é o equilíbrio entre a calma de sua cidade natal no Rio Grade do Sul e o caos de Salvador, onde também já viveu
caro’, até um simples alface pra mim fica mais caro por causa do meu sotaque. (...) Eu sempre sou a turista por causa do sotaque, do formato do rosto, do olho, do cabelo.”. Outro problema que relata está relacionado ao pensamento do mercado de trabalho sergipano. “O nível de trabalho aqui em Aracaju é muito escasso, não tem um padrão legal de emprego que não se possa arrumar por ‘QI’, o famoso ‘Quem Indique’. Alguns dizem que porque o currículo é muito bom pro salário que vai ser pago aqui, por ser um estado pequeno. (...) Entre pegar um currículobom e o de alguém inexperiente pra pagar esse salário, eles preferem pegar
o inexperiente pra poder não ter essa diferença entre pessoas”. É um ponto de vista também compartilhado por Daiane, que afirma: “tem o lado negativo desse ‘lugar pequeno’, as pessoas são um pouco preconceituosas, provincianas, do tipo ‘de que família você é? Qual seu sobrenome? Que cargo você tem?’”. Daiane também faz uma crítica grave ao modo como os sergipanos se tratam e tratam as pessoas de fora. “O atendimento aqui é tão ruim, tão negativo, quantas vezes você chega numa loja e é maltratado. As pessoas não têm o costume de dizer ‘oi, tudo bem!’, ‘bom dia’, ‘boa tarde!’, ‘boa noite!”, e é algo cultural daqui. Eles não são acostumados
nem a falar nem a receber simpatia”. Lana Clarice também pontua isso: “eu não acho que as pessoas sergipanas em si sejam tão receptivas. Eu acho que tive sorte porque sou uma pessoa extremamente paciente, mas enxergo que normalmente não é assim, os sergipanos em si não são receptivos, são bairristas, aracajuanos principalmente”. Segundo Sabrina, essa diferença no jeito de ser das pessoas daqui a forçou a adotar algumas mudanças em sua vida. “Os sergipanos são mais fechados, desconfiados e eu era muito tímida e introvertida. Por conta disso, tive que modificar um pouco o meu jeito pra conseguir me aproximar das pessoas daqui”.
“A gente veio pra cá pra morrer mesmo” Apesar dessas dificuldades, nenhum deles se arrependeu da decisão de ter vindo morar aqui, mesmo que alguns não pensem em viver em Aracaju ou
Sergipe para sempre. Para Danielle e Kaio, que vieram a estudos, sair de casa significou uma oportunidade de amadurecimento. “É bem difícil morar longe de casa e dos pais. Quando você está em casa seus pais meio que te fazem companhia, quando você precisa de alguma coisa eles estão lá. Mas quando você está sozinha tem que correr atrás das coisas”, afirma ela. O mesmo vivenciou Sabrina. “Tive que tomar conta da minha vida, administrar o dinheiro que meus pais mandavam (era pouco, mas sempre dei jeito de não pedir mais), fiquei mais responsável por ter que tomar decisões (mas sempre ligava pra casa pra pedir ajuda). E aprendi a não ter tanto medo das situações que apareciam”. Enquanto Danielle considera voltar a Lauro de Freitas apenas por trabalho – e não esconde que gosta mais de Aracaju do que de lá –, Kaio e Lana não têm interesse em voltar para suas cidades natais, embora estejam abertos a saírem de Aracaju após se
formarem. Roseanne revela que os problemas recentes com a Petrobrás acabam deixando ela e a família bastante incertos sobre o futuro, mas que só pretendem voltar a Belém se for muito necessário. Já Débora não quer voltar nem para São Paulo (por conta da violência) nem para o Japão (por conta das diferenças gritantes de costumes). E Sabrina ainda espera voltar para casa, pela saudade que sente da família. Para Daiane a vontade de ser feliz foi o que a fez vir para Aracaju, e por isso ela não se vê indo embora tão cedo. “Essas diferenças são enormes, mas também são maravilhosas, porque coisa boa é tu viver essas diferenças todos os dias (...). Quando se muda de um outro lugar, tu tem que mudar com a cabeça aberta, pra aprender coisas diferentes”. Daiane finaliza dizendo:“As pessoas me perguntam se eu tenho saudades do Rio Grande do Sul, e eu tenho. Mas não volto porque sou feliz aqui, foi o lugar que escolhi pra viver.”
Thalia Freitas
Para Danielle, vir a Aracaju foi uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional 11 TRABALHO MAIS CONTEXTO
NO MEIO DO CAMINHO UMA OPORTUNIDADE DE RECOMEÇO Victoria Costa | vcarvalhosantosdacosta@gmail.com
Em busca de uma vida melhor ou de oportunidades de emprego, todos os anos milhares de brasileiros saem da sua cidade natal com o objetivo de mudar a realidade em que vivem. De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2015, 35,4% da população não reside no município em que nasceu, sendo que cerca de 14,5% reside em outros estados do Brasil. Devido à globalização que acometeu o país nos últimos anos, as capitais e cidades mais desenvolvidas se tornaram o destino preferido daqueles que ambicionam essa mudança de vida.
Desempregados e morando em uma cidade até então desconhecida, muitos desses migrantes acabam conhecendo de perto a situação de morar nas ruas dos grandes centros urbanos. Em Aracaju, as pessoas que passam por essa realidade encontram na Casa de Passagem uma espécie de refúgio para superar a dramática situação.
Talisson Souza
E é nesse cenário que esses migrantes tentam se inserir no mercado de trabalho em outras cidades ou estados. Mas, em busca
da estabilidade financeira, o que é um sonho pode se tornar um pesadelo. Muitas dessas pessoas que partem das suas respectivas cidades acabam por não conseguir atingir seus objetivos e se depararam com a dura realidade do desemprego – especialmente com a crise financeira que acometeu o Brasil nos últimos anos.
Área de descanso da casa de acolhimento do estado de Sergipe MAIS CONTEXTO TRABALHO 12
Talisson Souza
Um dos dormitórios para os abrigados da Casa de Passagem Acolher
Um espaço acolhedor para o migrante Com capacidade para 50 pessoas, a Casa de Passagem, embora seja simples, é um ambiente acolhedor para as pessoas que naquele momento não possuem lugar para morar. Ela é destinada ao acolhimento, por até três meses, de pessoas em situação de rua. A casa oferece ao migrante uma estrutura muito semelhante à de uma residência comum, com
quartos e refeitório. Muito organizada, a Casa de Passagem tem seus quartos e banheiros separados para o sexo feminino e masculino, além de ter quartos separados para as Mães com crianças pequenas e para as gestantes. Durante esse acolhimento temporário são oferecidos acompanhamento psicossocial e feitas ações para reintegrar o migrante ao mercado de trabalho ou reintegra-lo à família, como diz Luzinete de Lima, a atual coordenadora da
Casa. “Durante esses 90 dias a gente vai tentando orientá-los, buscando formas de humanizar, de levá-los a conseguir um trabalho, retornar ao seu vínculo de familiar ou ao estado de origem, além de ajudarmos na questão da documentação. A nossa equipe técnica tenta também reinserir essas pessoas no mercado de trabalho, porque é muito difícil, mas nós estamos tentando isso. Junto com a assistência social nós buscamos as empresas, e até mesmo os outros equipamentos públicos que mandam os usuários 13 TRABALHO MAIS CONTEXTO
Talisson Souza
aqui para que juntos nós possamos ajudá-los”, afirma. A Casa de Passagem tem como principal objetivo fazer com que os acolhidos se sintam bem, relacionando-se com o ambiente como se fosse sua própria casa. A equipe que trabalha na Casa fomenta a liberdade, responsabilidade e solidariedade num ambiente fraterno e solidário. A pretensão da equipe é que ao deixar o local as pessoas atendidas possam trilhar novos caminhos em suas vidas. Antes chamada de Centro de Apoio ao Migrante, a Casa de Passagem é um projeto da Secretaria de Estado da Inclusão, Assistência e do Desenvolvimento Social (Seides) em parceira com o Ministério Público do Estado de Sergipe (MP/SE). Até o ano de 2016, a Casa disponibilizava cerca de 20 vagas. Mas, desde o ano passado, o Governo do Estado garantiu mais vagas, passando a ofertar 50 leitos. Embora o tempo estabelecido para a permanência na casa seja de 90 dias, Luzinete garante que muitas vezes esse prazo é estendido conforme a necessidade de cada um. “Aqui é relativo, não MAIS CONTEXTO TRABALHO 14
Luzinete de Lima, coordenadora da Casa de Passagem Acolher
é uma coisa fixa. É algo temporário de 90 dias, então não tem como a gente afirmar ‘vocês vão ficar e vão conseguir’. Tem casos que eles ficam mais de 90 dias quando precisam - mais 30, 60 dias, mais quatro ou cinco meses. Tem gente que ficou aqui até oito meses esperando a passagem para retornar à sua cidade. A gente não abandona a pessoa quando passa esse período de 90 dias, sempre damos um encaminhamento. A gente trabalha com essa linha de encaminhar a pessoa que chega aqui, temos que dar uma forcinha também”.
Distante da família e das oportunidades Muitos dos migrantes saem da sua terra natal em busca de oportunidades, mas acabam tendo seus planos frustrados. Como é o caso de José Barreto, que trabalhava como cozinheiro em São Paulo e, após perder o emprego veio para Sergipe procurar oportunidades. Mais precisamente, ele foi para Estância, cidade do leste sergipano. Com uma expressão facial séria e um
olhar profundo, José Barreto não escondeu as lágrimas ao contar o que passou antes de encontrar abrigo na Casa de Passagem. “Eu fiquei desempregado, passei uns dias procurando serviço e foi aí que o dinheiro acabou. Eu sou cozinheiro e também trabalho como padeiro e confeiteiro. Aí eu fiquei na rua, foi muito difícil porque eu nunca passei por isso, e achava que nunca iria acontecer comigo. Fui até a assistência social de Estância e perguntaram se eu queria voltar para São Paulo. Falei que sim, mas não tinha dinheiro para voltar. Me disseram que iriam me enviar para Aracaju, e eu ficaria hospedado numa casa de apoio até a passagem sair”, destaca. José Barreto é bastante grato à Casa de Passagem “Eu sequer sabia que eu tinha esse direito. Para mim foi muito bom vir para cá, me ajudou muito porque eu não tenho costume de pedir nada, então foi muito duro ficar na rua e ter que pedir para sobreviver. Mas aqui foi um apoio muito sério, o pessoal é maravilhoso. As pessoas aqui me ajudaram muito a distribuir currículo”, afirma.
Talisson Souza
José Barreto, um dos acolhidos pela casa de passagem
HISTÓRIAS DE SUPERAÇÃO Muitas pessoas que passam pela Casa conseguem dar a volta por cima. Magna Souza, assistente social do local, está no cargo há um ano e relembra a história de um jovem migrante que foi acolhido. “Essa história eu sempre conto quando faço as atividades. Um rapaz do Rio de Janeiro veio para Aracaju depois que terminou o casamento, e não conhecia ninguém. Ele trabalhava em um restaurante, chegou e a gente fez o currículo dele. Ele bateu em todas as portas, e oito dias depois ele estava trabalhando. Desde que saiu daqui ele sempre liga para avisar que está tudo bem”, recorda. Já Luzinete relembra a história de dois argentinos que passa-
ram pela casa. “Já tivemos aqui dois migrantes argentinos. Um deles voltou para o seu país, e conseguimos um trabalho para o outro. Agora ele trabalha e já fixou residência aqui em Aracaju”, destaca. E a Casa também tem preocupação com aqueles que já saíram. De acordo com Magna a maioria daqueles que conseguem se firmar em Aracaju ou conseguem passagem para o destino desejado, continuam mantendo vínculo com o local: “A gente se preocupa com quem saiu. Sempre mantemos vínculo com aqueles que permitem e deixam o contato, para saber como vão”, finaliza.
15 TRABALHO MAIS CONTEXTO
Fernanda Santero
OS GOSTOS DE OUTROS CANTOS Thalia Freitas (thaliaalmeidafreitas@gmail.com) e Fernanda Santero (fernandasantos_1196@outlook.com)
A gastronomia expressa muito sobre uma cultura, um país. Entender a construção de cada prato pode ser o caminho para compreender vários processos históricos envolvidos no ato de se alimentar. O colorido do prato, a consistência, o azedo, o amargo, o cheiro e o sabor provocam diferentes sensações, que encontram sentido nos hábitos alimentares de diferentes MAIS CONTEXTO GASTRONOMIA 16
povos. Com o fluxo migratório, as tradições culinárias se misturam, criando novas combinações e iguarias que carregam costumes de diferentes lugares. Em Aracaju, a presença de imigrantes e descendentes estrangeiros coloca em ebulição diversos costumes e sabores, que proporcionam experiências de muitos “lugarzinhos do mundo” através do paladar.
Portugal
Caldo Verde Criada pela classe menos favorecida de Portugal há muitos anos atrás, o Caldo verde é uma sopa antiga e tradicional. Hoje nacionalizada, o que marcar este belo prato é o couve galega, a salsa e o azeite que são ingredientes fiéis da culinária portuguesa. Na imagem, a receita será servida dentro louça portuguesa pintada à mão pelos nativos do país.
O bacalhau é um dos pescados mais utilizados na culinária lusitana. Misturando com batata e outros condimentos, rende os famosos “bolinhos de bacalhau”. Receita que o português Abel Oliveira trouxe para Sergipe em 1974, quando inaugurou o Lusitânia Lanches. WA iguaria é considerad a o “carro chefe” do cardápio.
Thalia Freitas
Luzitana Lanchonete Rua Laranjeiras, 102, Centro, Aracaju/SE
Bolinho de Bacalhau
17 GASTRONOMIA MAIS CONTEXTO
Alfajor
Thalia Freitas
Argentina
Ao contrário do que muitos pensam, o Alfajor é um doce de origem árabe (“al-hazu”), que significa recheio. Ao longo da sua história ganhou espaço na Espanha e mais tarde atravessou o Atlântico, tornando-se, em 1896, uma típica sobremesa Argentina. A receita da sobremesa ganha variações de acordo com cada província. A mais famosa recebe o nome de Alfajor Marplatense, da cidade de Mar del Plata, no centro-leste da Argentina. O hermano Juan Caruso trouxe a receita para Aracaju, onde comercializa no food truck “El Carrito”. A iguaria é composta por um biscoito macio de chocolate e mel, com recheio de doce de leite argentino e cobertura de chocolate meio amargo. El Carrito - Food Truck Rua Orlando Magalhães Maia, 1200, Garcia, Aracaju/SE
MAIS CONTEXTO GASTRONOMIA 18
Kebab O Kebab é uma comida tradicional do Oriente Médio, mais especificamente da Turquia. Originalmente o assado é feito com carne de carneiro em um espeto giratório, onde os pedaços são fatiados para montagem do prato. Também conhecido pelos brasileiros como churrasco turco, o prato pode ser servido acompanhado de pão, cebola, alface, molho turco e tomate. O gastrônomo turco Murad Ozbek, do “El Turco Kebaberia”, trouxe um pouco dessa tradição para Aracaju, fazendo algumas adaptações, com carne bovina e molhos peruanos. A mistura, em parte, se deve à união matrimonial com uma peruana. Na foto, a início do preparo da iguaria.
Fernanda Santero
Restaurante El Turko Kebaberia Avenida Santos Dumont, 550, Orla de Atalaia, Aracaju/SE
Turquia
19 GASTRONOMIA MAIS CONTEXTO
Thalia Freitas
Thalia Freitas
México
Nachos Queijo cheddar, molhos, carnes e tortilhas triangulares são alguns dos elementos que compõe o delicioso Nachos. O prato possui dupla origem “Tex-Mex”, ou seja, a influência culinária do Texas (um dos cinquenta estados dos Estados Unidos) e do México. Criado em 1943 por Inácio Anaya (apelidado de nachos) a comida foi saboreada por soldados da segunda guerra mundial, em um restaurante que ficava próxima às bases militares do Texas, logo depois ganhou popularidade. O prato integra o cardápio do restaurante Arriba Mexicano, do chef Luis Serrano, que chegou em Sergipe há dez anos. Restaurante Arriba Mexicano Rua Agenor Costa Vieira, 39, Aeroporto, Aracaju/SE
MAIS CONTEXTO GASTRONOMIA 20
Itália Pizza A pizza é um dos pratos mais tradicionais da Itália e apreciados em todo o mundo. O formato circular foi criado em 1889 para a Rainha Margherita. Posteriormente, em sua homenagem, criaram o famoso recheio margherita. O queijo, manjericão e o tomate, ingredientes que a compõe, simbolizavam com suas cores a bandeira do país. Ao modo de fazer italiano, os tipos de farinha vão diferenciar as massas; a mais utilizada é identificada pelos números “00”. Na imagem, uma pizza saindo da fornalha, preparada pelo italiano Giovanni Mura, que está há quinze anos em Sergipe. Restaurante La Cantina di Giovanni Avenida Santos Dumont, 80, Orla de Atalaia, Aracaju/SE
21 GASTRONOMIA MAIS CONTEXTO
Fernanda Santero
O RIO QUE SEPARA É O MESMO QUE UNE Fernanda Roza | nandaroza13@gmail.com
Separados pelo rio mais conhecido do Nordeste, o “ Velho Chico”, mas, ao mesmo tempo, unidos pelas riquezas naturais que só ele proporciona. Cidades ribeirinhas do estado de Sergipe - como Neópolis, Porto da Folha, Brejo Grande e Propriá - fazem fronteira com Alagoas. E, por uma questão de proximidade territorial, isso viabiliza uma relação de troca com municípios que se encontram na outra margem do rio, em território alagoano. Neópolis, popularmente chamada de a “cidade sergipana do frevo”, tem uma relação muito estreita com Penedo, primeira cidade de Alagoas. As águas do Rio São Francisco, os monumentos históricos, os festejos carnavalescos e o fluxo de turistas dão mais vidas as pessoas que vivem nessa fronteira. O neopolitano MAIS CONTEXTO MOBILIDADE 22
Osterli dos Santos trabalha há dez anos como cobrador de lanchas, fazendo o percurso Neópolis-Penedo. Por isso, embora seja de Sergipe, transita todos os dias no terreno vizinho. Para ele, “essas duas cidades são apenas uma”. Quando necessita de algum tipo de serviço, como saúde ou comércio, Osterli diz que procura sempre aquela que oferece menores preços ou a que for mais cômoda, levando em consideração que ele frequenta diariamente os dois locais. Já Fagna Guedes, natural de Penedo e moradora de Neópolis, conta que só vai a sua cidade natal quando necessita comprar algo específico ou passear pelos prédios históricos. “Lá é uma das principais cidades do baixo São Francisco! É mais desenvolvida e tem mais opções de
lazer”, relata. Para fazer a travessia, ela diz que pega uma lancha (barco), cumprindo o percurso em aproximadamente 15 minutos. Em relação a segurança, Fagna acha que é boa, as lanchas disponibilizam equipamentos de segurança e há sempre fiscalização. Conforme a Agência da Marinha de Penedo, a “fiscalização das lanchas é normalmente efetuada pelos Inspetores Navais lotados nas Capitanias, Delegacias e Agências das Capitanias dos Portos”. Ainda, segundo a instituição, “a fiscalização tem como escopo principal a verificação de documentos relativos aos tripulantes e a embarcação, e das reais condições do material e equipamento, em conformidade com as normas em vigor”.
O presidente da Associação dos Lancheiros de Penedo, José Aderaldo dos Santos, comenta que a fiscalização acontece toda semana, às vezes até antes. Seu Zezinho, como é popularmente conhecido, mora em Santana de São Francisco - cidade vizinha tanto de Penedo como Neópolis - e trabalha como comandante das embarcações há 28 anos, sendo que há 20 é líder dos lancheiros.
embarcações disponibilizam material de sabotagem e segurança, então é super seguro. Também há um bom policiamento”, complementa. Enquanto o marinheiro vai praticamente todos os dias à Neópolis, o penedense José Antônio Nascimento, 49, só veio para terras sergipanas quatro vezes, por questões de trabalho. Como ele vende picolé, aproveitou algumas datas festivas, como a festa do Bom Jesus do Navegantes e o Carnaval para alavancar as vendas. Já Alexsandra Silva, 26, que assim como Fagna Guedes é natural de Penedo e moradora de Neópolis, conhece bem as duas cidades.
Fernanda Santero
Com muitos anos de experiências, ele fala que se sente parte das duas cidades, tem amigos nos dois estados. Além disso, segundo o comandante, “não há nada mais gratificante do que trabalhar no Rio São Francisco”.
O fluxo de pessoas que fazem o percurso Neópolis-Penedo é relativamente grande. São oito embarcações, cada uma delas transporta aproximadamente 60 pessoas por dia. O marinheiro Anderson Rosalvo da Rocha, 26, é uma delas. Ele é natural de Floripe - Al, mas há sete anos mora em Penedo em função do seu trabalho na Marinha. Sua relação com Neópolis deu-se por motivo de estudo. Como em Pendo não havia o curso que ele desejava, veio estudar Serviço Social aqui em Sergipe, onde recentemente começou a estagiar no CRAS da cidade. Geralmente ele sai da faculdade às 23h, e garante que a travessia é segura. “Não acho perigoso. As
“Seu Zezinho”, barqueiro há mais de 20 anos 23 MOBILIDADE MAIS CONTEXTO
Antes, Alexsandra relata que sua relação com Penedo estava ligada apenas ao lazer, pois “a cidade Alagoana tem mais riqueza, opção de lugares para ir. Porém agora, venho todos os dias para trabalhar aqui, que foi onde consegui um emprego”, fala. Mas não são apenas os moradores dessas localidades que têm o “Velho Chico como fronteira. Brejo Grande (SE), que fica bem próxima de Piaçabuçu (AL), também faz divisa com Alagoas.
Wenderson também conta que só frequentava a cidade sergipana quando fazia faculdade à distância, mas depois que trancou o curso, não foi mais. Nesse período, ele precisava pegar um barco para chegar até a universidade. Porém, segundo ele, “o trajeto não era nem um pouco seguro, não tinha fiscalização”. Henrique Santos, 19, morador de Brejo Grande, ao contrário de Wenderson, não vê nenhum problema em relação a fiscalização dos bascos, embora não frequente tanto Piaçabuçu. “Antes eu ia
para visitar alguns amigos, hoje vou mais para as festas”, comenta. Assim como em Brejo Grande, os moradores da Aldeia Indígena Xokó, em Porto da Folha (SE), mantêm uma relação estreita com Alagoas. Ronaldo Gomes, 45, por exemplo, é natural de Pão de AçúcarAl, mas vive na Ilha de São Pedro, Aldeia Indígena Xokó, desde sempre. Ele diz que frequenta as duas cidades. “Frequento Porto da Folha por ser funcionário da DESO e para movimentação bancária, já Pão de Açúcar, às vezes para efetuar algum pagamento e fazer compras”. Ele complementa que antes fazia essa travessia de barco à motor, com duração estimada de 40 minutos. Mas, atualmente, viaja mais de carro ou
Fernanda Santero
Wenderson Aguiar, 25, é de Piaçabuçu-AL e acredita que a relação do seu município com Brejo Grande seja devido ao desenvolvimento da sua cidade. “Brejo Grande tem um atraso político e cultural, e isso faz com que as pessoas busquem serviços
públicos e privados em outra região (no caso, Piaçabuçu), como comércio, saúde e educação. Em Brejo Grande só tem duas escolas e em Piaçabuçu tem mais”, complementa.
Wenderson Aguiar, estudante de Ciências biológicas da UFAL MAIS CONTEXTO MOBILIDADE 24
Fernanda Santero
Fernanda Santero
Rotina da população de comunidades ribeirinhas na travessia do Rio São Francisco entre Sergipe e Alagoas
moto, por uma questão de comodismo. A coordenadora pedagógica do Colégio Indígena Estadual Dom José Brandão de Castro, Daniely dos Santos, 29, concorda com Ronaldo e diz que a ligação com a cidade alagoana é grande. “No passado, as pessoas falavam que éramos mais de Pão de Açúcar do que de Porto da Folha (riso)”. Por conta da proximidade, “ o pessoal frequenta muito o hospital do município vizinho, por isso muitas crianças nascem lá”. No caso da educação, Daniely comenta que antes da comunidade ter escola de ensino médio, era lá que índios estudavam. Sobre o ensino superior, mesmo tendo faculdade em Porto da Folha, devido a distância, os
alunos procuram outras cidades, como Pão de Açúcar (AL), Monte Alegre (AL) e Nossa Senhora da Glória (SE)”. Além disso, a coordenadora conta que a feira e compras também são feitas em Pão de Açúcar. Fazemos a travessia de barco, sendo que a viagem dura de 30 minutos a uma hora”, comenta. Outras cidades que ficam próximas e não fazem parte do mesmo estado são Porto Real do Colégio (AL) e Propriá (SE). Thaís Fonseca, 21, é de Porto Real do Colégio, mas diz que a cidade de Propriá está sendo muito importante para ela. “Eu e diversas pessoas de longe nos deslocamos até ela para estudar na faculdade”.
Já Gisely Souza, 22, que mora em Propriá, fala que não tem muito costume de ir até a cidade de Thaís, geralmente só de passagem. Ela acredita que seu município é mais desenvolvido. “Por ser maior, Propriá apresenta um comércio mais ativo. Ela também chama atenção por ter um ensino fundamental e médio de qualidade, o que faz muitos alunos de Porto Real virem estudar no IFS (Instituto Federal de Sergipe) ou cursarem ensino superior no campus da UNIT (Universidade Tiradentes)”, que é caso de Thaís. Essa, por sua vez, concorda que Propriá é bem mais desenvolvida que sua cidade. “O comércio de lá dá o dobro daqui”, finaliza.
25 MOBILIDADE MAIS CONTEXTO
Pequeno veleiro de casco de madeira com dois mastros e dotado de motorização, utilizado principalmente para o turismo na travessia do Rio São Francisco.
Embarcação motorizada movida através de combustivel. Possui o casco de madeira e também pode ser chamada de barco a motor. É encontrada nos tamanhos pequeno e médio na região e utilizada principalmente no transporte de pessoas. Na grande Aracaju é também conhecida como Tototó
Lancha tipo voadeira adaptada para transporte de emergência e resgate, disponibilizada pela Secretaria Especial de Saúde Indígena.
ESCUNA
PIRANHAS LANCHA AMBULANCHA
CANINDÉ DE SÃO FRANCISCO
BAHIA
Em
e s õ n ç a o Ri c r a b o
PÃO DE AÇÚCAR
Sã o
PORTO DA FOLHA
an Fr co cis
O rio São Francisco é o quinto maior rio navegável do Brasil, com aproximadamente 3.180 km de comprimento e 645 mil km² de bacia de drenagem, a qual cobre cerca de 7,6% do território nacional. A navegação nele, no trecho do baixo São Francisco (divisa entre Sergipe e Alagoas), é feita por embarcações de até médio porte, que são utilizadas com diversas finalidades, por exemplo, para fins comerciais - como a travessia de mercadoria; para a realização da atividade pesqueira; para o turismo e, também, como meio de transporte escolar. Mesmo com o avanço tecnológico, boa parte das embarcações ainda são construídas a partir de práticas tradicionais das comunidades ribeirinhas, que desenvolvem técnicas artesanais com a utilização dos recursos naturais encontrados na vegetação em torno do rio. Isso também acaba influenciando na visão cultural e identitária das embarcações, que podem ser caracterizadas de diferentes maneiras nas subdivisões do rio, bem como em outros rios das demais regiões do Brasil.
SERGIPE
NEÓPOLIS
Também conhecida como chata, são embarcações com fundo achatado que navegam em águas com pouca profundidade, ideais para transportar areia, pessoas ou veículos.
Embarcação com dois cascos (também chamados “bananas”), com propulsão a vela ou motor. Se destaca por sua elevada estabilidade e velocidade em relação às embarcações monocasco; destinada ao turismo no Alto e Baixo Rio São Francisco.
ALAGOAS
BALSA
Embarcação com dois cascos (também chamados “bananas”), com propulsão a vela ou motor; se destaca por sua elevada estabilidade e velocidade em relação às embarcações monocasco; destinada ao turismo no Alto e Baixo Rio São Francisco.
CATAMARÃ
CANOA DE TOLDA
PENEDO
PIAÇABUÇU
Os barcos são utilizados para o transporte de cargas e pessoas. Embora existam de diversos tamanhos, no dia a dia, o barco é classificado como uma pequena embarcação usada para lazer, trabalho ou para o transporte de pequenas cargas
BARCO DE RABETA
S
BREJO GRANDE
OCEANO ATLÂNTICO Textos: Emerson Esteves e Samuel Santos Diagramação: Ana Luísa Andrade, Letícia Nery e Letícia Sandes Ilustrações: Haline Farias Edição: Malu Araújo
UFS E O CENÁRIO INTERNACIONAL DE ENSINO E PESQUISA Cláudia Carvalho | claudia.carvalho383@gmail.com
Engana-se quem pensa que intercâmbio é apenas para adolescentes em idade escolar conhecerem novas culturas. Existem também universidades que possuem convênios com outras faculdades e centros de pesquisa internacionais. E a Universidade Federal de Sergipe (UFS) é uma delas. Os alunos, em sua maioria estudantes de pós-graduação, são enviados para diversos países onde realizam pesquisas e estudos em instituições conveniadas.
MAIS CONTEXTO ENTREVISTA 28
Para entender melhor o processo de internacionalização, a Revista Mais Contexto foi conversar com o coordenador de Relações Internacionais da UFS (CORI), professor Charles Estevam. De acordo com o coordenador do CORI, a maioria dos convênios com centros de pesquisa internacionais firmados pela UFS são para alunos em nível de pós-graduação. Ele também ressalta que no momento não existe nenhum programa para estudantes de graduação.
Talisson Souza
Charles Estevam, coordenador de relações internaiconais da UFS desde 2017
Em quais programas de pesquisa a UFS participa? Os programas de pesquisas cientificas são os programas vinculados aos núcleos de pós-graduação, que estão ligados aos mestrados e doutorados, além dos programas de iniciação cientifica e tecnológica. Como funcionam esses programas? Os programas vinculados à pós-graduação são Stricto sensu ou profissional. Nos programas de pós-graduação stricto sensu o aluno que já tem graduação faz uma seleção para o mestrado, e o aluno que já está no mestrado faz uma seleção para o doutorado. Os programas de iniciação científica e tecnologia dão oportunidade aos alunos de graduação se vincularem a grupos de pesquisa, e aos professores de realizarem pesquisas. Começa com o estágio e depois se vinculam a projetos de iniciação cientifica ou tecnológica. Iniciação cientifica é aquele modelo normal de pesquisa, já a iniciação tecnológica está relacionada a produção tecnológica, de patentes ou produtos.
Qualquer aluno pode participar? No de iniciação cientifica e tecnológica, qualquer aluno que tiver interesse independentemente da área. As outras modalidades são para alunos de mestrado e doutorado. No mestrado, por exemplo, um aluno que já passou por uma iniciação cientifica ou tecnológica e viu qual foi a sua aptidão, segue uma linha de pesquisa que tem interesse. O programa de iniciação cientifica e tecnológica oportuniza experiência para qualquer aluno da graduação, basta ter uma média e índice de regularidade na universidade. A partir disso ele pode fazer a iniciação cientifica, levando em consideração as exigências do edital. O que os alunos devem fazer para se inscrever e como funciona o processo de seleção? Para o programa de pós-graduação existem editais, a depender do programa são lançados um ou dois editais ao ano na página da pós-graduação e pesquisa. A parte de iniciação cientifica e tecnológica também tem editais que a universidade
lança, e os alunos montam um projeto junto com o seu orientador e submetem a proposta. A UFS disponibiliza recursos para enviar e manter os pesquisadores no exterior ou em outros estados? Não, os recursos para enviar pesquisadores, professores ou alunos são vinculados ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) ou Conselho de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). No caso de alunos que estão vinculados à iniciação cientifica não existe recurso para essa mobilidade. O aluno pode ter uma parceria com o professor ou com outra instituição, e vai passar um tempo fazendo experimentação. Os editais do CNPQ são principalmente para a modalidade de doutorado (direito ou sanduíche). Em média, quantos alunos a UFS seleciona por semestre para os programas? É um quantitativo que varia bastante, porque depende do processo de seleção. Tem programas que, por exemplo, colo29 ENTREVISTA MAIS CONTEXTO
Talisson Souza
cam vinte vagas na seleção, e só entram dez alunos. Varia bastante esse quantitativo de estudantes. Quais são as instituições de ensino internacionais que possuem parcerias com UFS? As universidades estrangeiras que possuem convênio conosco podem ser encontradas no Portal da UFS (internacional.ufs.br/pagina/7074). Na página da CORI os convênios estão distribuídos por países, e oferecem informações sobre nome do gestor do convênio e o objetivo do mesmo. O aluno pode fazer sua pesquisa pelo país de interesse e verificar quais os convênios e áreas disponíveis. As instituições passam por alguma avaliação para serem parceiras da UFS? Como ocorre essa avaliação? Não é avaliada essa questão de produção. Geralmente o convênio é feito mediante uma tratativa entre um professor brasileiro e um professor estrangeiro. A UFS recebe pesquisadores de outros países? Por quais programas? Sim, vinculados a programas de pós-graduação. Alguns programas de pós-graduação na Universidade, como o de Física e em Ciências da Saúde, estão recebendo sempre professores visitantes para desenvolver um tempo de permanência e pesquisa. Por exemplo, na Física, trazem muitos professores da Itália para fazer pesquisa junto ao programa de pós-graduação, especialmente na física médica. Na área de Ciência e Saúde, trazem professores da Inglaterra e dos Estados Unidos. Inclusive temos professores visitantes no curso de pós-graduação em Ciências da Saúde que hoje tem um MAIS CONTEXTO ENTREVISTA 30
alto índice de internacionalização, já que algumas disciplinas são ministradas em inglês e temos alunos estrangeiros vinculados ao programa. Qual a periodicidade de oferta das bolsas? A periodicidade das bolsas depende dos editais que são lançados via CNPQ e via FAPITEC. Os alunos brasileiros e estrangeiros precisam passar por exame de proficiência para serem aceitos nas instituições de ensino? Os estrangeiros na UFS não. Alguns programas da Organização dos Estados Americanos (OEA) pedem que os alunos em nível de pós-graduação passem por um exame de proficiência em língua portuguesa, que é o CEUP-BRAS. Mas em relação aos outros que vem da França, da Inglaterra, da Espanha, ou até da Itália, não há a exigência de proficiência. O contrário ocorre conosco, quando nosso aluno vai para o exterior ele tem que passar por uma prova de proficiência na língua do país de destino. Existem áreas prioritárias nos programas de pesquisa oferecidos pela UFS? As áreas prioritárias dependem das áreas de concentração. Por exemplo, as Ciências da Saúde vão definir a sua área prioritária, as Humanas e Sociais Aplicadas definem as suas áreas, geralmente são as linhas de pesquisa. As linhas de pesquisa são as áreas prioritárias que vão ser o carro chefe das atividades naquele núcleo. O Programa Institucional de Internacionalização (CAPES-PrInt), exigiu que as universidades definissem de forma clara quais são suas áreas prioritárias. Mas, até então, os programas de pósgraduação têm suas linhas de pesquisa e
cada linha tem sua área desenvolvida nas atividades laboratoriais dos professores. Essas linhas de pesquisa são áreas prioritárias do programa. Atualmente como está o Programa Ciência sem Fronteiras? A UFS possui modalidades de bolsas vinculadas a esse programa? Não, o Ciência sem Fronteiras não existe mais. Hoje, a mobilidade acadêmica ocorre por meio do CAPES-PrInt destinado para a pós-graduação. Mas aquele
Além de convênios internacionais, a UFS disponibiliza editais para alunos em situação de vulnerabilidade social
modelo para a graduação não existe mais. O que nós temos aqui na UFS são editais específicos para alunos em situação de vulnerabilidade social, sendo eles: o Programa de Intercâmbio de Estudantes Brasil-Colômbia (BRACOL) e o Programa de Intercâmbio de Estudantes Brasil-México (BRAMEX). Além disso, têm alguns projetos que foram submetidos pelos próprios professores à CAPES, como por exemplo o Programa BRAFITEC de Intercâmbio (Brasil/França Ingénieur Technologie) onde os alunos
vão para lá fazer um período de estágio de seis meses. O corte de bolsas do Ciências sem fronteiras para a graduação interferiu no desempenho da UFS para o processo de internacionalização? O Ciências sem Fronteiras foi interessante, pois promoveu a difusão de línguas estrangeiras, considerado uma barreira em nosso país. Mas, de modo geral, criou uma lacuna enorme porque oportunizou aos nossos alunos de graduação desen-
volver atividades de pesquisa no exterior durante um período e depois encerrou. Um dos grandes problemas do programa, na minha opinião, é que ele deveria ter investido mais nos alunos de pós-graduação - mestrado e doutorado. Mas, o Ciências sem Fronteiras faz falta porque foi importante para as universidades, principalmente do Nordeste, onde os nossos alunos têm uma dificuldade enorme de fazer atividades fora do país. E eles tiveram essa oportunidade no período do Ciências sem Fronteiras. 31 ENTREVISTA MAIS CONTEXTO
INTERCÂMBIO:
troca de culturas e mistura de conhecimentos Cláudia Carvalho | claudia.carvalho383@gmail.com
Se conhecer uma nova cultura aguça o interesse de várias pessoas, imagina em jovens na faixa etária entre 15 e 18 anos, idade na qual se desperta o interesse de conhecer um mundo de coisas. É durante esse período que alguns jovens descobrem o intercâmbio como o caminho para realização desse desejo. Em Sergipe não é diferente, apesar de pouco conhecidos pela população da capital sergipana, é comum encontrar alunos intercambistas de diferentes nacionalidades nas redes públicas e particulares de ensino. Diferente de outros estados brasileiros onde esses alunos se encontram em sua maioria concentrados na rede pública, Sergipe foge à regra possuindo uma concentração maior desses estudantes nas escolas particulares da capital. Um exemplo disso é o Colégio Master, que além de enviar estudantes sergipanos para fazer intercâmbio em outros países, também acolhe jovens estudantes estrangeiros.
Colégio Master
O coordenador do Ensino Médio do Colégio Master, Anderson Alves Peixoto, explica que “os jovens vem ao Brasil em busca de um intercâmbio cultural”. Ele conta ainda que é papel da escola inserir esses jovens num processo de adaptação do dia a dia de um estudante brasileiro. Para que isso ocorra, no início da estadia os intercambistas estudam com uma carga horaria diferente dos demais alunos. Nos horários em que não estão em aula eles frequentam turmas sobre o folclore brasileiro e português, que fazem com que eles se adaptem a língua portuguesa no período de 30 a 45 dias. O coordenador da escola explica que essa adequação na carga horaria ocorre “para que os alunos tenham mais acesso à disciplinas como português, história, geografia e literatura. Para, da melhor maneira possível, adequar esses alunos a carga horaria oferecida pela escola”.
MAIS CONTEXTO EDUCAÇÃO 32
Outra escola sergipana que também possui alunos em intercâmbio é o Colégio Estadual Silvio Romero, situado em Lagarto, no interior do estado. O intercâmbio ocorre graças a uma parceria do colégio com a Americam Fied Service (AFS), que é uma organização internacional de voluntários, não governamental e sem fins lucrativos que funciona com intuito de promover oportunidades de conhecimento de novas culturas através de programas de intercâmbio. A coordenadora de ensino, Maria Tamires Ribeiro dos Santos, conta que a escola não passou por nenhuma adaptação para receber esses alunos, mas que mesmo assim os alunos são muito bem recebidos e acolhidos pelos colegas de turma e pelos professores que ajudam muito
na adaptação. Segundo ela “os professores de língua estrangeira, especialmente de inglês, realizam as lições em conjunto com os intercambistas e os demais alunos da classe”. Diferente do Colégio Master que disponibiliza horários para que os estrangeiros estudem a língua portuguesa, o Colégio Estadual Silvio Romero não possui projetos que auxiliem os estudantes nessa área, mas a escola abre suas portas para que a AFS realize aulas de português para os alunos estrangeiros, o que auxilia na adaptação dos alunos. A coordenadora da escola destaca ainda que as experiências de vida dos estudantes de outras nacionalidades são utilizadas em sala de aula “através de exemplos comparativos”. Esses exemplos tem como intuito promover o conhecimento de uma nova cultura também para os estudantes brasileiros.
Mistura de Sotaques em Sergipe Quando os intercambistas chegam em Sergipe, encontram dificuldades com uma cultura diferente da que estão acostumados, mas essa dificuldade logo é esquecida quando entram em contato com os seus novos colegas de turma. A proximidade da idade é um ponto positivo para que a relação entre eles seja a melhor possível, pois é ela que torna o intercâmbio mais divertido. Pelo menos é isso que comentam os jovens Jasmine Marleer Vandierendoncik da Bélgica e Omar García Tavar López do México, ambos de 18 anos e alunos do Colégio Master.
A boa relação fica visível na alegria com que os estudantes são acolhidos pelos colegas nos corredores da escola. Rodrigo Fontes, 16, que é colega de sala de Omar, destaca que eles possuem uma relação muito boa e que aprende muitas coisas com o amigo. “Ele me ensina muitas coisas novas, muitas comidas, palavras”. Já a jovem Rachel Machado, 16, colega de sala de Jasmine declara gostar muito da amiga e da troca de cultura ocasionada pelo intercâmbio. “Eu aprendo coisas sobre o país dela. Ela já me ensinou muitas coisas sobre a cultura dela”. Apesar da diferença de países entre os dois intercambistas, ambos mencionam que foram muito bem recebidos em Sergipe, e que gostam muito dos colegas de turma. Omar comenta: “Meus amigos falam que eu sou brasileiro, porque eu faço piada com
tudo”. Segundo ele, isso ocorre devido à proximidade de línguas e de culturas entre Brasil e México. Já Jasmine conta que “ama muito os colegas daqui”, devido ao fato de eles sempre a chamam para ir ao cinema, para fazer trabalhos da escola, e outras tantas coisas que adolescentes na idade deles fazem. Jasmine está há três meses em Sergipe. Antes disso a jovem estava fazendo intercâmbio em Vitória da Conquista, Bahia. Ela afirma que decidiu vim para Aracaju por considerar ser uma nova aventura, já que estava a um tempo na cidade baiana. A jovem conta ainda que a adaptação aqui em Sergipe é a melhor possível, como ela mesma disse “gosto muito de Sergipe porque aqui aprendo uma nova cultura”. Já Omar está há nove meses e meio em Sergipe. Ele conta que a escolha pelo nosso estado foi por acaso, uma vez que no momento em que decidem fazer intercambio os alunos escolhem apenas o país em que desejam ficar. O jovem diz que deram a ele muitas opções de países “Na organização (Rotary Club Internacional), eles dão cinco opções de países para escolher. No meu caso tinha Coréia, Vietnam, outros países e Brasil. E eu escolhi o Brasil”. Ele destaca ainda que essa escolha foi motivada por um amigo mexicano que também fez intercambio no Brasil, só que em São Paulo. Com relação ao visto de estudante, os dois possuem opiniões diferentes. Enquanto para Jasmine essa tarefa foi muito tranquila tanto que a mesma só arrumou a sua mala na véspera da sua viajem, pensando quais as roupas traria. Omar, destaca que a conquista do visto foi muito complicada devido a quantidade de documentos que são exigidos pelo Consulado brasileiro. Ele frisou ainda que as vésperas da viagem, quando entrou em contato com a família brasileira que iria recebe-lo, descobriu que ainda faltavam documentos para que seu visto fosse aceito.
mar e Rachel, O ente Jasmine, v specti am re , o g ri d Ro
33 EDUCAÇÃO MAIS CONTEXTO
Já Chonlasit Suansompark e Amita Ngamsinjamrus, ambas tailandesas de 17 anos, e Eleonora Mosetti, italiana de 17 anos, alunas do Colégio Estadual Silvio Romero, contam que a recepção na escola foi muito tranquila. Elas destacam ainda que a concessão do visto foi muito tranquila, pois as três vieram para o Brasil pela organização AFS, que providenciou todos os documentos para que elas conseguissem o visto. Assim como os alunos do Colégio Master, as alunas irão passar apenas um período de 6 meses há 1 ano aqui no Brasil. No que se refere ao ensino oferecido pela escola brasileira ambos destacam que a única dificuldade que encontraram foi a língua, mas que após o período de adaptação o ensino se tornou algo muito mais fácil de se compreender. Para Omar “no começo do intercâmbio tive dificuldades de compreender o português, porque as pessoas falam muito rápido. Mas após a adaptação da língua estou conseguindo compreender”. Jasmine já compreende e fala muito bem o português, mas
ainda encontra algumas dificuldades: “as pessoas às vezes falam muito rápido, e perguntam se eu entendi, e eu respondo que não, porque não consegui prestar atenção”. As tailandesas Cholasit e Amita são as que estão a menos tempo em Sergipe. Elas estão estudando em Lagarto há apenas três meses. Ambas contam que a dificuldade inicial foi o idioma, mas agora que já estão mais adaptadas e isso não é mais problema. Inclusive na relação com os colegas, Cholasit conta que eles são muito legais, enquanto que Amita afirma que gosta muito dos colegas de turma e que “é muito feliz o tempo que está com eles”. Já Eleonora, está no Brasil há nove meses, sendo quatro deles em Sergipe. Assim como as outras duas estudantes, conta que a adaptação está sendo muito tranquila, e que assim como as colegas o único problema foi relacionado ao idioma. Hoje, compreendendo o português,
ela afirma que só possui dificuldades na disciplina de química, pois segundo ela “há muitos detalhes para lembrar em português”. Passadas as adversidades iniciais, ela avalia que a relação com os colegas é muito boa, pois ela possui uma “galera” de amigos, e que “gosta de frequentar com eles os eventos culturais que acontecem na cidade, como por exemplo sarau e o Som na Praça”. A boa relação das adolescentes com os colegas de escola é comprovada por Jeonária de Jesus Santos, 17, também aluna Colégio Estadual Silvio Romero. Para a jovens, a amizade elas elas é tão próxima que parce que já se conhecem a tempos. “Elas são muito legais e engraçadas”. Já Gleisiane de Souza Santos, 16, comenta que aprende muitas coisas com as colegas de outra nacionalidade, “especialmente sobre a cultura delas”. Enquanto que Crislaine de Jesus Rocha, 17, conta que possui uma ótima relação com as colegas e que “é um pouco complicado entender o idioma delas, porém faço o possível para compreender”.
Assessoria SEED
Eleonora Mosetti , à esquerda, e Amita Ngamsinjamrus, à direita
MAIS CONTEXTO EDUCAÇÃO 34
A maioria das pessoas imagina que o intercâmbio só é realizado por alunos em idade escolar. Mas existem outros projetos que decidiram abrir suas portas para estudantes estrangeiros, como é o caso do Instituto de Pesquisa em Tecnologia da Inovação (IPTI), em Sergipe. O instituto não governamental, desenvolve projetos na área de economia criativa, saúde e educação básica, como por exemplo, português e matemática e projetos ligados ao cinema, ao som e ao design gráfico, possuindo como foco principal pesquisas na área de educação. O coordenador de Audiovisual do IPTI, Marcel Andrade Magalhães, explica que o instituto não oferece matérias do currículo regular das escolas, mas outro tipo de ensino. “O IPTI não é uma escola, é um instituto no qual existe alguns projetos e cursos específicos”. Ele também é o coordenador do PLOC, um projeto que ensina crianças e adolescentes entre 12 e 15 a produzir, gravar e criar sons. Magalhães destaca que “eles passam em média um ano inteiro gravando sons do mangue, da maré, do rio, das coisas ao redor. Depois eles juntam isso em músicas, ou em um áudio para filme, ou materiais experimentais”. O projeto Arte com Ciência, que era muito parecido com o PLOC, consistia em ensinar noções básicas audiovisual, fotografia, vídeo e sons para turmas do ensino médio de escolas estaduais. Eles ensinavam os alunos a produzirem objetos educacionais ligados ao que eles estudam em aula. Foi esse projeto que despertou o interesse de uma organização não-governamental francesa para realização do intercâmbio. Conforme explica Marcel, “teve um pessoal da França que se interessou e resolveu fazer um intercâmbio com alunos franceses, vindo para Santa Luzia do Itanhy que é
basicamente onde a gente trabalha esses projetos, para que os alunos produzissem objetos educacionais e de aprendizado junto com os estudantes brasileiros”. Hoje em dia, os intercambistas vêm para Sergipe para participarem do PLOC. O processo para escolha dos alunos que vem para o Brasil é todo realizado pela organização francesa, cabendo ao IPTI apenas acolher os estudantes selecionados. Para participar do processo de seleção em Educação e Cinema, os estudantes devem estar matriculados em escolas públicas francesas. Os aprovados, cerca de 15 a 20 alunos, recebem uma verba para arcar com as despesas de passagem e hospedagem no Brasil. Diferente do intercâmbio estudantil em que os estudantes ficam em casas de famílias brasileira, os estudantes franceses recebem parte da verba para ficarem em hotéis e pousadas da cidade. Outra diferença do intercâmbio tradicional é que os estudantes recebidos pelo IPTI passam um tempo estudando português antes de vim para o Brasil, o que ajuda na adaptação. O coordenador conta que no início, os estudantes franceses vinham para ficar cerca de 20 dias no Brasil produzindo junto com os brasileiros. No entanto, com o passar dos anos, o tempo do curso aumentou. Agora os estudantes ficam um mês em Sergipe, tempo que dura as férias deles na França. Ele conta ainda que os franceses são recebidos com festa na cidade e que a relação com os colegas é muito boa. “Os alunos organizam passeios com toda a turma, inclusive com os intercambistas para que tenham essa interação”. Essa mistura de culturas é muito favorável para todos que passam a carregar uma bagagem cultural muito positiva.
Fernanda Santeiro
Outros tipos de intercâmbio
Marcel Andrade Magalhães, coordenador de Audiovisual do IPTI
35 EDUCAÇÃO MAIS CONTEXTO
Existem diversas modalidades de intercâmbio como, por exemplo, para trabalho voluntário, para graduação, para aperfeiçoamento do idiomas e o intercâmbio estudantil tradicional, que busca a vivência local.
Como fazer ? o i b m â c r e int
Em Sergipe além da AFS, existe outras organizações que oferecem intercâmbio estudantil a jovens de 15 a 18 anos como uma forma de conhecimento de novas culturas. Como é o caso do Lions Club e do Rotary Club Internacional, que trouxe o estudante Omar. Todas elas são organizações internacionais que atuam no Brasil e no mundo. Além dessas organizações, Sergipe possui ainda algumas agências de intercâmbio que proporcionam a preparação
10 países mais
procurados pelo
1. Canadá 2. Estados Un idos
3. Austrália 4. Irlanda 5. Reino Unid
o
6. Nova Zelâ
ndia
7. Malta 8. África do 9. França 10. Espanha
MAIS CONTEXTO EDUCAÇÃO 36
Sul
dessa modalidade de ensino para jovens sergipanos. Em todos os casos os valores cobrados pelo o intercâmbio, só são disponibilizados no momento de fechamento dos pacotes, pois os valores podem variar a depender do país e da cidade de escola escolhida. Nos últimos anos, os alunos brasileiros estão procurando fazer intercâmbio em países de língua inglesa, mas os países de língua francesa e espanhola também tem ganhado espaço. Em pesquisa realizada anualmente pela Associação das Agências de Intercâmbio Belta, esse dado fica visível ao observar a última pesquisa realizada no ano de 2017 que listou o ranking dos dez países mais procurados pelos estudantes brasileiros.
s estudantes bra
sileiros:
Documentação necessária para o intercâmbio: PASSAPORTE
TE OR P SA
Primeiramente, é necessário que o passaporte esteja em dia, o documento deve estar dentro da validade, além de possuir validade de seis messe após o fim do intercâmbio. Caso não possua o documento, o estudante deve preencher o formulário disponível no site da Policia Federal, e agendar data e horário para solicitação do documento.
PAS
AP
VISTO
Ao chegar no país do intercâmbio, o estudante passará pela imigração que fará a solicitação de documento como: CARTA DE ACEITAÇÃO ESCOLAR É um documento timbrado pela instituição de ensino onde o estudante fará o intercâmbio. Nele deve consta detalhes sobre o curso que o estudante irá fazer.
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O
CÓPIA DA PASSAGEM IDA E VOLTA É um documento timbrado pela instituição de ensino onde o estudante fará o intercâmbio. Nele deve consta detalhes sobre o curso que o estudante irá fazer. B56 13:10
COMPROVANTE DE ACOMODAÇÃO É necessário também comprovar o local onde o estudante irá permanecer. Como por exemplo a reserva do hotel, ou alguma comprovação de que o estudante ficará na casa de uma família (Homestay).
Para concessão do visto é necessário se atentar a documentação solicitada por cada país para concessão a depender do período. Pois existe variação de documentação a depender do tempo que a pessoa ficará no país. Depois de aprovado o visto deve ser anexado a uma página do passaporte.
M7
EXTRATO BANCÁRIO É preciso também apresentar juto com a documentação um extrato bancário, par verificação do “Travel Money” (dinheiro de viagem), que é um cartão de débito carregado com a moeda do país. Esse procedimento serve para comprovar que o aluno possui a condição financeira necessária para o intercâmbio.
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SEGURO SAÚDE É a garantia assistência médica caso o estudante necessite, nesse caso é preciso verificar com antecedência se o seguro cobre todo o território do país. Também é importante levar a carteirinha e a apólice que comprovam a contratação do seguro.
VACINAS Para alguns países é necessário que antes da viagem o estudante tome algumas vacinas de exigência do país, como por exemplo a da febre amarela, entre outras a depender do país.
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37 EDUCAÇÃO MAIS CONTEXTO
ÊXODO URBANO E A BUSCA PELA QUALIDADE DE VIDA Ana Clara Abreu I anaabreu.1316@gmail.com
Na década 30, no período do governo Vargas, o Brasil começou a passar por um processo de intensa industrialização nos centros urbanos, principalmente na região sudeste. Esse fator propiciou o deslocamento de pessoas que vivem em zonas rurais para os centros industrializados, em busca de emprego e de uma vida melhor. No entanto, a grande densidade populacional nos polos industrializados, sem o devido planejamento urbano, ocasionou uma série de problemas sociais, dentre eles: a violência, a falta de moradia, o difícil acesso à saúde e educação públicas e de qualidade, a desestabilidade econômica, o desemprego, além dos fortes impactos ambientais. Devido a onda crescente dos problemas relatados, cada dia mais pessoas têm se deslocado dos centros urbanos para as zonas rurais, na incessante busca pela tão sonhada qualidade de vida. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados no Censo demográfico de 2010, o êxodo rural tem desacelerado nos dias atuais. Em comparação com o censo demográfico de 2000, na qual a taxa de migração do campo para a cidade era de 1,31%, o último censo teve uma queda de 0,65%. Os avanços tecnológicos nas zonas rurais, o acesso à energia, água, MAIS CONTEXTO COMPORTAMENTO 38
Arquivo pessoal
O movimento de migração que marcou o século XX, conhecido como êxodo rural, hoje tem se apresentado como um processo inverso. Trânsito, violência, poluição, transporte coletivo precário, desemprego, alto custo de moradia e de alimentos… Todos esses fatores têm motivado cada vez mais o deslocamento de pessoas das grandes cidades para as zonas rurais. O motivo é unânime: a busca por uma vida melhor! Mas o que realmente é qualidade de vida?
Tereza Fernandes pratica Ioga semanalmente em Aracaju internet, educação e saúde, também tem contribuído para a intensificação desse processo migratório.
O movimento do vai e vem A falta de emprego no interior de Sergipe e a preocupação com o bem-estar dos seus dois filhos, levou Tereza Fernandes, natural da cidade de Lagarto, aos 32 anos de idade para a cidade do Rio de Janeiro. Deixando familiares e amigos,
Tereza resolveu arriscar, pois via migração a oportunidade de realizar o seu sonho, abrir o seu próprio negócio. A vida no centro urbano, longe da mãe e dos irmãos, fez com que ela passasse por várias dificuldades, sobretudo a falta de carinho e de afeto. No entanto, a força para superar e seguir na busca do seu sonho vinha de seus filhos. Para abrir o seu negócio, trabalhou duro durante oito anos como faxineira, feirante, vendedora e atendente de lanchonete. Experiente em vendas,
Thalia Freitas
Engarramento na cidade está associado a uma má qualidade de vida para a população
após esse período, conseguiu realizar o seu sonho de ter a sua própria loja. O Brechó da Tê, administrado por ela e sua filha Dalila, é um pequeno empreendimento que tem feito sucesso. Além da vida agitada, característica dos centros urbanos, com o seu próprio empreendimento em funcionamento, Tereza viu sua vida atingir um ritmo ainda mais acelerado. Sem tempo para se alimentar bem e sem descanso e lazer adequados, Tereza começou a apresentar problemas de saúde como, alto nível de stress, ansiedade, insônia, dores de coluna. Esses problemas foram se intensificando cada vez mais até o momento em que Tereza resolveu fugir, relaxar, viajar. Os problemas de saúde, a saudade da família e dos amigos fez com que Tereza retornasse para Sergipe. Hoje, satisfeita com a vida que leva, considerada por ela ideal, relata: “lá [no Rio de Janeiro] eu tinha tudo, carro, casa, mas não tinha alegria, eu sentia um vazio”. Ela continua: “aqui eu sou mais alegre, mais feliz”. Há dez meses Tereza luta por sua saúde. Ela procura realizar uma alimen-
tação regular e saudável, por meio do consumo de produtos orgânicos, além de fazer caminhadas diárias com amigos e familiares. Além disso, Tereza também se preocupa com a saúde das outras pessoas e por isso decidiu abrir uma academia de Pilates, em Nossa Senhora das Graças. Segundo Tereza o empreendimento tem feito sucesso.
Paz de espírito O verde da natureza, o ar puro e o silêncio, característicos de lugares afastados dos centros urbanos, sempre chamaram à atenção do casal Eleny Casara e Paulo Valiat. Nascidos e criados na cidade de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, atualmente moram no povoado São Bento de Baixo, localizado há aproximadamente 7 Km da cidade de Salgado, Sergipe. Eleny conta que aos nove anos de casados deu à luz a estrela da vida do casal, João Inácio. A criança nasceu com problemas respiratórios e devido ao clima frio e úmido, característico da serra gaúcha, o problema foi se agravando. Por meio de
orientação médica, eles encontraram a solução para a problema do filho: morar em um lugar que possuísse um clima quente. Assim, a família começou a sua busca por cidades litorâneas do Nordeste. Num primeiro momento foram escolhidas quatro cidades, embora a decisão final dependesse da disponibilidade de vagas em agências do Banco do Brasil. Há cerca de 38 anos a família Valiat vive Sergipe. Durante este período, residiram por 27 anos capital sergipana, e logo após Paulo Valiat se aposentar, o casal foi morar num sítio do povoado São Bento. Ao se referir a vida na capital, Eleny relata: “ali [Aracaju] para nós era uma prisão, aqui foi a liberdade. A diferença maior para mim foi essa”. A casa do sítio, local característico por conter uma grande área verde, fez com que o casal retomasse o contato direto com a natureza em busca de uma tranquilidade espiritual.
Fluxos migratórios Além das causas que tem influenciado esse movimento inverso de deslocamen39 COMPORTAMENTO MAIS CONTEXTO
tos de pessoas das zonas urbanas para as zonas rurais é preciso observar outros fatores que estão relacionados aos fluxos migratórios. Em pesquisa realizada pelo professor de Sociologia Rural, do Departamento de Engenharia Agronômica da Universidade Federal de Sergipe, Marcos Queirol, observou-se que as pessoas que participam do movimento de êxodo urbano são, em sua maioria, integrantes de uma classe média, com bom nível de escolaridade e qualificação profissional. Diferentemente daqueles que participam do êxodo rural que, em sua maioria, pertencem a classes sociais menos favorecidas e estão em busca de emprego. Isso ocorre porque além de
MAIS CONTEXTO COMPORTAMENTO 40
não possuírem emprego em seus locais de origem, também não dispõem de políticas públicas satisfatórias para o bem- estar de suas famílias. Para o professor Queirol, o êxodo urbano é uma oportunidade de viver o meio rural e de revitalizar o campo. Inclusive, alguns teóricos veem esse movimento como uma solução para as cidades. Para Queirol, no entanto, é preciso maiores investimentos nesses locais, tanto em educação quanto em saúde. Esses investimento precisam também se estender para as cidades vizinhas formando uma grande rede de relações pessoais e de serviços que contribuirão com o fluxo migratório de pessoas de maneira bidirecional.
Thalia Freitas
Calçadão da 13 de julho, no início da noite: local é adequado para atividades físicas
O que e qualidade de vida? Qualidade de vida é um método usado para medir as condições de vida do ser humano, assim como as condições que contribuem para o seu estado físico, psicológico, além do seu relacionamento social, segundo definição usada no Wikipédia. A Organização Mundial de Saúde (OMS) criou um questionário para identificar a qualidade de vida através de seis domínio: físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, de meio ambiente e religioso, a qualidade de vida da sociedade. Outra forma de analisar a qualidade de vida da sociedade é por meio do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), realizado anualmente. Na sociedade, o termo qualidade de vida tem se tornado cada vez mais amplo ao ponto de se tornar sinônimo de vida saudável, meio ambiente equilibrado, vida financeira estável, acesso à bens materiais e tecnologia, entre outros. Para Tereza Fernandes, qualidade de vida é o que ela está vivendo hoje na zona rural, próximo de parentes e amigos. Contudo, ela ainda sente muita falta de lugares característicos de capi-
tal, como salão de dança, casas de show, academias especializadas. Alimentação saudável é um ponto em comum tanto para Tereza quanto para o casal Valiat que definem o termo como uma forma de estar em paz, na busca pela tranquilidade e com o contato com a natureza. No entanto, morar na zona rural não é sinônimo de possuir uma qualidade de vida. A qualidade de vida pode ser encontrada de várias maneiras, depende do ser humano. Para a psicóloga Marciaria Almeida, não existe um lugar ideal para obter a qualidade vida, pois o ser humano é imprevisível. É preciso analisar uma série de fatores no perfil de cada indivíduo para, então, identificar e orientar qual o local mais adequado para este indivíduo encontrar a sua qualidade de vida ideal. Em outras palavras, a definição de qualidade de vida está no indivíduo. “Olhar para si mesmo, evitar que o stress faça morada, investir em si próprio, valorizar o lazer, evitar os maus hábitos”, são algumas orientações sugeridas pela psicóloga. 41 COMPORTAMENTO MAIS CONTEXTO
Trivela
A COPA DO MUNDO TAMBÉM É DELES Eduardo Costa Andrade | eduardocostaandrade98@gmail.com
MAIS CONTEXTO ESPORTE 42
Estrangeiros que moram em Aracaju criaram uma relação com o futebol e mostraram afinidade com o nosso povo, mas avisam: na Copa do Mundo, vão torcer para seus países natais mais do que para o Brasil
De quatro em quatro anos, o esporte mais popular do mundo também tem a função especial de unir os povos. A Copa do Mundo atrai bilhões de espectadores, milhões de turistas e marca as memórias de muitos torcedores. Mas nem todos eles estão em seus países para sentir o clima local e comemorar com os mais próximos. Muitas pessoas, pelos mais variados motivos, estão fora de seus países durante o Mundial e precisam se adaptar a outros costumes. No Brasil não poderia ser diferente. Muitos estrangeiros que vêm ou moram no nosso país acabam sendo envolvidos pelo clima de muita expectativa e pelos costumes que nos cercam na Copa do Mundo, e acabam acompanhando os jogos da mesma forma que nós. Na Copa de 2014, realizada no aqui Brasil, por exemplo, segundo o Governo Federal, mais de 1 milhão de pessoas vieram de outros países para acompanhar o Mundial – com casos daqueles que nem voltaram para suas terras natais e já ficaram no nosso país. Por isso, é comum ver vários estrangeiros não só no clima da competição, mas
também torcendo para o Brasil (além, é claro, dos seus países). Por ser uma capital brasileira, Aracaju também sofre desse processo. E por isso, a reportagem decidiu conversar com estrangeiros que vivem ou viveram na capital sergipana, para saber não só sobre suas vidas na cidade, mas também como eles estão esperando pela Copa e para quem pretendem torcer.
Simpatia pelo Brasil, mas torcida pelo país natal O tempo de convivência desses estrangeiros no Brasil pode criar uma torcida pelo nosso país nos jogos. E na maioria dos casos, há uma simpatia e um desejo de sucesso à seleção canarinho. Mas em se tratando de realmente torcer no Mundial, a paixão pelo país natal sempre fala mais alto. Andrés Villafuerte, 56, está no Brasil desde 1977 e morou em Aracaju nos últimos seis anos. O peruano, que hoje mora no Mato Grosso e adora futebol, diz que divide a torcida pelo Peru e pelo Brasil. Mas e caso os dois se enfrentem? “Torço para o Peru enquanto tiver chan-
ces no jogo. Caso contrário terei que me conformar com o resultado (risos)”, afirma. A empolgação de Andrés com sua seleção é justificável: o Peru irá disputar em 2018 a sua primeira Copa do Mundo em 36 anos (a última havia sido em 1982). Andrés Campo, 17, é colombiano e mora no Brasil desde 2011. E apesar de gostar de Aracaju e do Brasil, diz com ênfase para quem vai torcer: “Colômbia, claro!”. Curiosamente, na primeira Copa que Andrés acompanhou quando morava no Brasil, em 2014, as duas seleções se enfrentaram nas quartas de final. Deu Brasil por 2x1, para tristeza dele e da família. “Todos são colombianos, todos torcem para a nossa seleção”, destaca. Monika Norris, 19, é inglesa, mas mora desde pequena na Eslováquia e passou um ano em Aracaju, entre 2015 e 2016. Apaixonada por esportes, ela se encantou tanto pelo nosso país que até passou a dividir a torcida com a Inglaterra. “Eu torço para Inglaterra e Brasil, gosto muito dos dois. Se um dos dois times enfrentasse a Eslováquia, também torceria para eles. São muito melhores”, afirma. 43 ESPORTE MAIS CONTEXTO
Arquivo pessoal
Dos estrangeiros que moram hoje em Aracaju, um dos mais conhecidos certamente é Carlos Esteban Frontini. O argentino de 36 anos, conhecido apenas como Frontini, é atacante do Confiança – um dos principais clubes de futebol do estado – desde 2017 e foi artilheiro do último Campeonato Sergipano de Futebol. Frontini, que já teve outra passagem pela cidade em 2016 ao jogar pelo Sergipe, mesmo vindo para cá com cinco anos de idade e morando no Brasil há três décadas, não larga a torcida pelos nossos rivais. “Eu torço sempre para a Argentina. Não sei porque sempre tive essa vontade, mas torço para a Argentina. Quando ela não está jogando, torço para o Brasil. Caso as duas se enfrentem, torço mais para a Argentina. Mas quando o Brasil ganha, também não fico muito chateado não. Na família, a maioria torce para o Brasil. Eu e meu pai somos argentinos, então torcemos para a Argentina. Mas nada com muita rivalidade, tudo numa boa. Até porque para nós não muda nada”, pontua. O colombiano Andrés Campo em seu país natal; ele adora o Brasil, mas ainda quer voltar à Colômbia
Relação do brasileiro com o futebol
Igor Matias
Apesar de não viver mais na cidade, Monika lembra bem da relação que os brasileiros tinham com o nosso principal esporte, que é muito diferente em relação ao país onde mora atualmente, a Eslováquia: “Minha família não assiste esportes. Só meu avô costuma acompanhar hóquei e ciclismo. A relação aqui não costuma ser tão forte. Mas eu realmente amo e fico impressionada em como os brasileiros se importam com esportes – especialmente futebol – e a maneira que torcem. Acho isso muito legal”. O argentino Frontini relata que desde que chegou ao Brasil ouviu várias brincadeiras nos clubes onde passou, por conta da enorme rivalidade que existe entre Brasil e Argentina (bastante reforçada pelo futebol), mas que no geral há muito respeito.
Frontini passou por Sergipe e Confiança e desde 2017 mora permanentemente em Aracaju MAIS CONTEXTO ESPORTE 44
“Não vejo muitas diferenças entre os dois, a América do Sul tem costumes muito parecidos como um todo. O que muda mais é o clima. Meus amigos no Brasil às vezes ficam com brincadeiras típicas da rivalidade com o futebol especialmente porque o Brasil ganhou mais coisas recentemente, apesar de a gente quase ter ganho a Copa no Brasil em 2014. Mas eu nunca liguei muito, é tranquilo, nem acompanho tanto assim os jogos”, afirma. Mesmo com o estrangeiro vindo de fora e trazendo suas culturas, descenden-
Arquivo pessoal
Monika voltou para a Eslováquia em 2016, mas sente saudades do Brasil
tes brasileiros do mesmo sentem uma ligação pela seleção do Brasil que podem até gerar uma divisão de torcida entre familiares. Andrés Villafuerte, por exemplo, torce para o Peru, mas não influenciou todas as partes da família. “Acredito que na minha família há uma divisão sim: tem aqueles que nasceram no Peru e os descendentes brasileiros, que obviamente gostam muito e vão torcer pelo Brasil”, cita.
Futuro em Aracaju
Por serem estrangeiros, obviamente há um questionamento sobre os seus futuros: como vêem o Brasil, especialmente a cidade onde vivem, e se pretendem se manter por aqui para o futuro. E a maioria deles vê essa possibilidade com bons olhos. No meio do futebol, transferências de atletas ocorrem sempre, o que muda drasticamente a vida do jogador. Frontini lembra como foi o começo dele em Aracaju ao chegar no Confiança, mas destaca que hoje já está habituado à cidade e pretende continuar na capital sergipana: “A cidade é bem tranquila. Esse ano eu trouxe minha família, então as coisas ficaram melhores. No ano passado foi um contrato curto, então eu estava sozinho
em um hotel. Depois dos treinos cada um ia para casa ficar com suas famílias e eu ficava meio isolado. Mas esse ano está mais tranquilo, os meninos estão na escola, e eu tenho uma rotina mais simples, casa-treinos-restaurantes”. Andrés Villafuerte, que até o começo de 2018 ainda morava em Aracaju e hoje está no Mato Grosso, destaca que apesar de gostar da cidade e das oportunidades oferecidas e não ver um futuro melhor no Peru, sentiu que o nível de vida aqui apresentou uma queda com o passar dos anos. “Os meus primeiros três anos lá (em Aracaju) foram tranquilos, depois a qualidade de vida da cidade caiu muito (aumento significativo da violência urbana, criminalidade, engarrafamentos constantes, abandono da cidade por parte das autoridades competentes). Mas tenho quase certeza que não voltaria para o Peru. A despeito da crise política e econômica, o Brasil oferece muitas oportunidades”, lembra. Monika é mais saudosista. Ela deixou o Brasil e voltou à Eslováquia em julho de 2016, mas não esconde que tem um desejo de voltar à Aracaju. “Eu amei o país e a cidade, fiquei muito triste quando voltei. Não sei se seria melhor, mas definitivamente estaria feliz. Amei muito Aracaju. Mes-
mo com o Brasil em uma situação difícil, ainda amaria voltar a viver lá”, destaca. Já Andrés Campo é o único que não enxerga o futuro no Brasil. Apesar do carinho e da facilidade em fazer amigos aqui, não pensa duas vezes em escolher voltar à Colômbia. “Você chama mais atenção porque é de outro país, consequentemente consegue fazer amigos mais rápido. No começo era difícil se acostumar a cultura brasileira, com relação ao idioma. Não sei (se a vida seria melhor na Colômbia), mas sem dúvidas voltaria”, afirma com ênfase. Apesar de tudo, as passagens por Aracaju e os contatos desses estrangeiros com nosso povo são claramente marcantes. E a relação com o futebol certamente está incluída nisso, sendo uma influenciadora direta nessa convivência. Definitivamente, depois de 2018, ver ou estar em uma Copa do Mundo para essas pessoas jamais será a mesma coisa. Monika encerra descrevendo bem essa relação: “A vida em Aracaju foi incrível. As pessoas foram incrivelmente hospitaleiras e amigas. Não estava acostumada a um povo tão amigável. E o futebol ajudou também a me aproximar de algumas pessoas. O tempo passou, eu me acostumei com isso e amei”. 45 ESPORTE MAIS CONTEXTO
A INFLUÊNCIA ESPANHOLA QUE OS SERGIPANOS DESCONHECEM Livro “Os Espanhóis em Sergipe Del Rey”, de Robervan Barbosa de Santana, dedica-se a falar do papel espanhol na colonização e história do estado
Vinícius Oliveira Rocha | voliveira96@gmail.com
MAIS CONTEXTO RESENHA 46
A história da colonização brasileira é rica, complexa e repleta de pormenores que ainda não receberam sua devida atenção. De quando em quando surge um autor que lança um novo olhar dentro do assunto, trazendo à luz uma parte da nossa história que, até então, não tinha sido devidamente investigada e observada. É o que Robervan Barbosa de Santana, geógrafo pela Universidade Federal de Sergipe e hispanista, faz em sua obra Os Espanhóis em Sergipe Del Rey. De imediato Robervan já chama a atenção do leitor ao destacar expressões que já são intrínsecas ao modo de falar sergipano ou nordestino. Quem nunca foi ao interior e viu alguém se referir a “oito” como “oitcho”? Ou falar “em cima” como “em riba”, dizer “pregunta”, chamar uma pessoa loira de “galego” ou “galega”? Exclamar um belo “oxente”? Através de questionamentos referentes a expressões tão normalizadas no linguajar do estado, ele atrai seu leitor para a tese que busca defender: a de que o período da colonização espanhola (em especial entre 1580 e 1640, em que Espanha e Portugal foram um só reino) deixaram profundas marcas na cultura e modo de viver dos sergipanos. O melhor é que Robervan traduz sua tese em uma obra concisa, simples e bastante acessível. De fato, sua intenção não é formular uma resposta pronta; a todo instante somos lembrados de que o livro levanta hipóteses para serem discutidas por acadêmicos em obras posteriores. Uma dessas hipóteses é a de Luís de Câmara Cascudo, que afirmava que a fala
sergipana deriva em particular das influências da língua castelhana e do galego-português. No decorrer das pouco mais de 100 páginas do livro, Robervan traça um percurso histórico que se inicia na Península Ibérica, com a formação e consolidação dos estados nacionais português e espanhol, destacando as similaridades e diferenças entre os dois. Dessa forma, ele evidencia a relação quase simbiótica produzida por portugueses e espanhóis (estes, categorizados em uma pluralidade de etnias e povos) que mais tarde será vital para trazer à tona o papel espanhol na inserção de elementos culturais, religiosos e linguísticos que até hoje perduram em Sergipe e outros estados. Esse percurso histórico se estende até a chegada dos espanhóis (em especial os galegos, provenientes da região da Galícia) a Sergipe, incluindo aí registros biográficos e genealógicos. É curioso ver como tantos sobrenomes que são naturalizados em Sergipe e no Brasil (Assunção, Calazans, Costa, Cruz, d’Ávila, Nunes, Xavier) têm na verdade estas raízes hispânicas. Robervan se vale de um extenso arcabouço teórico, seja de produção sergipana quanto nacional, para comprovar sua tese. Porém, como dito antes, ele sempre frisa que alguns pontos da pesquisa ainda são obscuros e passíveis de mais investigação, para assim se delimitar o que realmente foi fruto da presença espanhola no país e o que está mais atrelado à influência “ibérica” (nesse caso levando-se em conta o que provém de bases similarmente portuguesa e espanhola). O tra-
balho também se propõe um aspecto crítico, no sentido de questionar a supervalorização da influência portuguesa em nossa cultura em detrimento do papel de outros povos na construção da identidade brasileira. Uma vez feito esse percurso histórico, Robervan passa a trabalhar a comprovação de sua tese com base nos aspectos religiosos, folclóricos e linguísticos da cultura e oralidade sergipana. O aspecto linguístico é o que apresenta talvez a linguagem mais complexa, até pela base teórica utilizada; porém é um dos mais interessantes, justamente pelo fascínio que a fala nos causa, em entender seus meandros e as origens de expressões tão batidas por nós. Talvez o único ponto negativo real do livro é que faltou um cuidado maior com a revisão do livro. Em alguns momentos faltam vírgulas e em outros elas aparecem em excesso; bem como algumas palavras não apresentam a devida concordância. Mas são detalhes menores que não comprometem a leitura geral do livro, bastante fluída e ao mesmo tempo extremamente enriquecedora. Não há dúvidas de que uma obra como Os Espanhóis em Sergipe Del Rey se configura como uma experiência marcante para quem a ler, mesmo se a pessoa não for sergipana. É certamente um lado da história do estado que poucos sergipanos conhecem. Logo, mais do que um livro envolvente, é uma obra necessária para a compreensão da própria história de Sergipe.
Obra: Os espanhóis em Sergipe Del Rey Autor: Robervan Barbosa de Santana Páginas: 117 Editora: Info Graphics Ano: 2008
47 RESENHA MAIS CONTEXTO
CIDADES HISTÓRICAS TRAZEM ELEMENTOS DA ARQUITETURA EUROPEIA Talisson Souza
Talisson Souza (talissonsouza23@gmail.com) e Igor Rocha (imatias96@gmail.com)
Colunas do Quarteirão dos Trapiches, construído no século XIX, período do Brasil Imperial. O local serviu para armazenagem e comercialização da produção de açúcar. MAIS CONTEXTO CULTURA 48
Talisson Souza Talisson Souza
Sobrado na cidade de Laranjeiras com tijolos e pedras à mostra, materiais típicos do período Colonial do Brasil. A estrutura e os materiais utilizados remetem ao Cais das Amarras de Salvador que tem como referência arquitetônica os padrões da construção civil da Lisboa Pombalina.
Laranjeiras
Portas da Escola Estadual Professora Zizinha Guimarães com estilo arquitetônico também inspirado na Lisboa Pombalina do século XIX. 49 CULTURA MAIS CONTEXTO
Igor Rocha
Igor Rocha
Construído com a ajuda financeira da população, O Convento e igreja Santa Cruz (convento e Igreja São Francisco), começou a ser edificado em 1693 e possui elementos característicos do estilo Barroco, movimento que se surgiu na Itália e se difundiu por países católicos da Europa e América. Construído com a ajuda financeira da população, O Convento e igreja Santa Cruz (convento e Igreja São Francisco), começou a ser edificado em 1693 e possui elementos característicos do estilo Barroco, movimento que se surgiu na Itália e se difundiu por países católicos da Europa e América.
São Cristóvão Detalhe posicionado acima da porta principal da Capela da Ordem Terceira de São Francisco (Museu de Arte Sacra) traz elementos políticos e religiosos do período colonial: Brasão da Ordem Franciscana (braços cruzados em meio a cruz) junto ao símbolo do Império de Dom Pedro I (ramos de fumo a esquerda, café a direita e coroa). MAIS CONTEXTO CULTURA 50
Igor Rocha
Comum a conjuntos franciscanos, o cruzeiro (cruz em pedestal) localizado na Praça São Francisco é todo construído em pedra calcário, material que conferia maior resistência a fortificações, igrejas monumentais e construções oficiais do período colonial. No centro do Cruzeiro é possível notar o símbolo da Ordem Franciscana.
51 CULTURA MAIS CONTEXTO
Arquivo Pessoal
“Nunca me senti estranho ou tratado de maneira diferente pelo fato de ser estrangeiro. Considero que devido a grande multiculturalidade do Brasil, o brasileiro está melhor preparado para lidar com o diferente e ser muito receptivo“
MAIS CONTEXTO OPINIÃO
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UM PEDAÇO DESTA TERRA
M
e chamo Daniel, e gostaria de relatar algumas situações na minha condição de migrante no Brasil, especificamente na cidade de Aracaju, Sergipe. Sou natural de Lima, no Peru, e moro no Brasil há mais de 10 anos. Escolhi o Brasil como destino porque naquele momento (2008) era um país com grande crescimento econômico e muitas oportunidades. Por outro lado, as coisas no Peru não eram as melhores: desemprego, pobreza e falta de oportunidades me fizeram procurar novos horizontes fora de meu país. A entrada no Brasil foi simples e os agentes da Polícia Federal foram muito amáveis. Cheguei em Aracaju no ano de 2010. Naquele momento eu não tinha muitos recursos e não conhecia ninguém aqui. Com um título acadêmico no bolso, falando três WWidiomas e com muita vontade, imaginei que iria conseguir algo no mercado laboral rapidamente. Triste engano, pois percebi logo em seguida que meu título não teria nenhuma chance se não fosse revalidado, e por não ter nenhum tipo de documentação brasileira, tinha poucas chances de me encaixar em algum tipo de atividade. Assim, comecei trabalhando de maneira informal, dando aulas de violão em uma paróquia, aulas particulares de inglês ou espanhol, e fazendo algumas traduções ou trabalhos acadêmicos. O maior empecilho – e imagino que para muitos estrangeiros também – foi a parte da documentação. Diferentemente de outros países da região, o Brasil apresenta vários documentos e procedimentos que dificultaram o acesso ao mundo laboral e educativo. Um exemplo disso já foi mencionado: o diploma. Este não serviria de nada se não tivesse a revalida-
ção. Em linhas gerais não conheço casos de estrangeiros com falta de emprego, porém as chances de encontrar uma vaga são mais reduzidas. Por outro lado nunca me senti estranho ou tratado diferentemente pelo fato de ser estrangeiro. Considero que devido a grande multiculturalidade do Brasil, o brasileiro está melhor preparado para lidar com o diferente e ser muito receptivo. O intercâmbio intercultural, neste sentido, nunca ocorreu de maneira difícil ou trágica. Aprendi novas formas de viver e ver a vida, realizei sonhos que não consegui no Peru (como o fato de fazer a faculdade de música) e cresci pessoal e profissionalmente. Fiz novas amizades e abri novos horizontes e desafios. Com o tempo as coisas melhoraram e comecei a estudar como aluno de Serviço Social (em paralelo tentei revalidar meu diploma, porém concluí primeiro a graduação e assim abandonei o processo). A parte burocrática disso tudo é angustiante e existem casos em que não é possível revalidar. Tive oportunidade de fazer dois estágios de maneira remunerada e atualmente trabalho com carteira assinada em uma associação de futebolistas, além de lecionar espanhol e inglês. Finalmente, considero que ao morar em Aracaju eu sinto que estou em casa. Aliás, cada vez que viajo de volta ao Peru, sinto que sou mais estrangeiro na minha própria terra. Aracaju tem uma mágica que encanta, atrai e te faz sentir parte deste lugar. Com certeza passei por algumas dificuldades ao chegar aqui, mas nada que tire a sensação de me sentir parte desta bela terra. Uma chance que se transformou para mim como um segundo lar.
Daniel Arce Santos Imigrante peruano em Aracaju Estudante de Música na Universidade Federal de Sergipe (UFS)
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Idas e vindas em oito rodas pela estrada Victoria Costa | vcarvalhosantosdacosta@gmail.com Ilustrações: Haline Farias | halinefarias@gmail.com
MAIS CONTEXTO CRÔNICA 54
Antônio Cândido, um dos maiores críticos literários de que me recordo, diz que a crônica ajuda a estabelecer - ou restabelecer - a dimensão das coisas e também das pessoas. Para ele a crônica não oferece histórias exuberantes sobre coisas extraordinárias, muito pelo contrário: ela pega o miúdo e mostra que dentro dele existe uma grandeza, uma beleza ou uma singularidade jamais imaginada. Se existe um profissional que traz consigo as características de uma crônica, seria o caminhoneiro. Ele representa toda essa simplicidade. O que seria mais despretensioso do que relatar a história de um caminhoneiro? Aqui eu gostaria de chamar o caminhoneiro de um eterno migrante. Eterno migrante por viver nesse ciclo de idas e vindas, que retornam sempre para o mesmo lugar: a sua casa, a sua família, que permanecem do mesmo jeito a cada partida. Ah... quantas histórias os caminhoneiros têm para contar. Mas todas elas acontecem na estrada e nas paradas. Eles conhecem tantos lugares, tantas pessoas... Quem já conversou com um caminhoneiro sabe quantas boas aventuras eles têm para contar. E essas histórias dariam boas crônicas. Mas e as histórias da sua principal parada, da parada mais aconchegante, e que talvez seja a que eles passem
menos tempo: as histórias da sua casa? Essas quase ninguém conta e poucos sabem, sequer param para pensar. Mas respondendo à pergunta que fiz acima e voltando para a simplicidade da crônica, acredito que nada seja mais singelo do que retratar o que poucos contam. Ora, se a crônica simboliza retratar uma particularidade no que ninguém contou – ou sequer notou – acredito que não existe algo mais inusitado do que trazer à tona o olhar daquela que na maioria das vezes (e por que não dizer sempre) é uma mera coadjuvante das belas histórias dos seus cônjuges: as esposas dos caminhoneiros. Quando acorda, Silvia já procura seu celular. Ela sabe que sempre que está nas estradas, ele liga todas as manhãs. Na verdade ele não liga apenas pela manhã, mas sempre que tem um tempinho livre, seja pela tarde ou principalmente pela noite. É o horário em que ele conta tudo o que aconteceu durante o seu movimentado dia. E quando Tanisson (ou Sinho para os mais íntimos) não liga, ela fica aflita. Aflita seria um eufemismo: na verdade, ela fica desesperada. E isso já aconteceu. Uma vez ela acordou e não tinha ligações, esperou durante todo o dia e ele não ligou. Preocupada, ela buscou todos os postos fiscais
e empresas até encontrá-lo. E estava tudo bem, ele só havia esquecido mesmo. Mas tanta preocupação tem lá seus motivos. Da última vez que Sinho não deu notícias, foi por um motivo triste. Silvia ligou para todos os postos fiscais, onde ela o encontrou em um hospital localizado em um interiorzinho, após ter passado mal no Estado do Maranhão. Silvia é só mais uma de milhares de mulheres de caminhoneiros, que vivem a espera de cada retorno do marido. E cada partida é diferente, mas as incertezas... essas são sempre as mesmas. Apesar de tantas incertezas e de tanta apreensão, ela o apoia incondicionalmente porque ele faz o que gosta. Ela sabe o quanto é importante seguir profissionalmente o que realmente ama fazer. E viajar por essas estradas é muito gostoso. É... ser esposa de caminhoneiro não é fácil. Mas Silvia, que é assistente social e lida com tantas histórias difíceis diariamente, sabe reconhecer o lado positivo nessa rotina familiar tão diferente. Toda essa distância, que perdura por dias e dias, tem um lado positivo: a saudade. Sim! A saudade é um ponto positivo porque só quem a sente pode matá-la. E o gostinho de matar uma saudade é inconfundível.
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Ana Clara Abreu I anaabreu.1316@gmail.com Ilustração: Haline Farias I halinefarias@gmail.com
E A distância média percorrida por alguns funcionários é de aproximadamente 50 km (isso do local de trabalho até as suas cidades). Mas eles não enfrentam apenas esse trajeto. Como a maioria reside em povoados, muitos utilizam o transporte particular para se locomover do ponto final do ônibus até as suas residências. O movimento pendular também é realizado por pessoas das zonas rurais que moram em povoados e trabalham na cidade. Para realizar o deslocamento,
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uma empresa como essa, que necessita de um grande número de colaboradores com baixa qualificação profissional, é mais vantajoso contratar trabalhadores de cidades do interior ou de zonas rurais.
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Os trabalhadores de grandes empresas do estado, situadas em áreas afastadas dos centros urbanos, realizam seu trajeto por meio de transporte disponibilizado por elas, o que facilita a locomoção de seus funcionários. Uma grande empresa alimentícia de Sergipe, por exemplo, possui mais de sete ônibus próprio. Para
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Pessoas de diferentes lugares de Sergipe realizam o movimento pendular (ação de ir e voltar constantemente de um lugar para outro). Seja por trabalho ou estudo, elas enfrentam diariamente uma rotina difícil, enfrentando longas distâncias até o seu destino final. Saber disso nos desperta ao questionamento: como esses indivíduos se deslocam?
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muitos se utilizam das empresas de transporte intermunicipal de Sergipe. Contudo, elas não oferecem nenhum tipo de apoio a estes passageiros, como descontos nas passagens por fidelidade. Já o deslocamento diário para Aracaju, capital do estado, é realizado principalmente por estudantes, em especial os universitários. Isso acontece porque a maior parte das instituições de ensino superior está localizada na “grande Aracaju”. Depois de concluir o ensino médio, o sonho da maioria dos adolescentes é ingressar no ensino superior. Mas, para os jovens das cidades do interior sergipano fazer uma graduação não é tão fácil assim. Para a
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para aqueles que moram em localidades mais distantes. Esse é o caso dos estudantes da cidade de Tobias Barreto, que percorrem cerca de 260 km (ida e volta) diariamente.
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realização desse sonho é preciso obter transporte para o seu deslocamento diário e isso, por vezes. Torna-se uma limitação. Diante do grande número de estudantes interessados pelo ensino superior da capital, alguns grupos formados por alunos começaram a lutar e garantir o direito de transporte. Para isso, foram criadas várias associações estudantis em cidades interioranas, com o objetivo de ofertar serviço de transporte para os universitários.
algumas delas possuem mais de 1.000 sócios. A Associação dos Estudantes Universitários de Lagarto (ASEUL), por exemplo, contempla cerca de 1500 pessoas. O valor pago pelos associados varia de acordo com a contribuição que essas associações recebem por parte da prefeitura municipal de sua cidade. No caso da Associação Itabaianense de Universitários (AIU), a prefeitura de Itabaiana dá um apoio financeiro de 30% dos custos.
Cada indivíduo, independente da forma como se desloca ou dos seus objetivos, põe a sua vida em risco todos os dias devido às péssimas condições das rodovias do estado. Uma maneira de garantir que todos esses trabalhadores e estudantes sejam transportados com maior segurança se dá por meio de investimentos do governo eWm infra-estrutura que proporcionem rodovias com melhores condições de tráfego.
O valor da mensalidade esbarra na realização do sonho de alguns estudantes que não têm condições financeiras de pagá-lo. Outra dificuldade enfrentada é o perigo nas rodovias, devido às más condições das estradas, principalmente
Essas associações estão presentes em cidades como Lagarto, Itabaiana, Tobias Barreto, Estância, entre outras. Com o passar do tempo, a quantidade de sócios nessas entidades aumentou, sendo que
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O alem de Izabel... Fernanda Roza I nandaroza13@gmail.com Ilustração: Haline Farias I halinefarias@gmail.com
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onheci ela por aí, no meu cotidiano. Lembro-me que a última vez que a vi foi no mês passado, em um dos curtos corredores da universidade. Ela parecia estar contente, tinha uma alegria que chamava-me atenção, um sorriso que comprava a paz da alma - talvez porque já estava próxima do fim na academia e do começo da sua vida profissional. Somos amigas? Não! Na verdade, nunca conversamos, provavelmente trocamos algum “oi”. E isso foi o suficiente para eu descobrí-la. Izabel é uma força que grita, anima o que já não sabe vencer. É mais do que um ser vivente, fez do mundo um quebra cabeça só para montá-lo ao seu modo. Ela é o concreto, o que pertence e se pertence,
o que deseja e faz. Por ser preenchida de sonhos, nunca gostou muito de lá, seu lugar inaugural, onde sua mãe ensinoulhe as primeiras palavras. Queria conhecer o “além”, o que não cabia nela. Por isso, tornou-se o meu caso, a vida de muitos “nós” que não se dão com o que é quase, aquilo que não pede aventuras, o gosto da vontade de ser mais do que um nascimento qualquer.
A moça está em uma fase floral, seu futuro trabalho a alegra. Se sente confiante, quer fotografar o mundo, o que está depois dos olhos. Ela vê a beleza das coisas, a oportunidade de dias melhores. Não quer ser escrava de ninguém, nem dona de si. O que vale no seu “jogo de viver” é o que ainda não valeu, a liberdade.
Desde pequena sempre lia e estudava temas que não faziam parte da sua realidade ou rotina escolar. Antes de entrar na faculdade, fez um cursinho de Inglês porque queria fazer intercâmbio. E assim que entrou na universidade deu-se conta que sim, podia conseguir o que desejava. Viajou para alguns lugares, saiu do seu estado (literalmente). Diferente do cantor Belchior, ela não tem medo, conheceu o Rio de Janeiro, Goiânia, Fortaleza…
Izabel tornou-se independente, borboleta recém graduada em voos. Sem medos, ela percorre o melhor do seu interior, o que sua mente e coração pede para alcançar. Quando pousar, já não será a mesma, porque a cada revoada foi um sonho alcançado. Assim que se der conta, já estará sorrindo, imaginando os próximos capítulos, ou melhor, o seu novo quebra cabeça. Será sua própria voz e verdade, deixando ao mundo a função de ser o sujeito neutro, imparcial e objetivo.
Hoje, graças a um esforço diário de estudo, é o que deseja, mesmo que isso não seja o que muitos queriam… Mas quem liga para opinião alheia quando já se tem uma própria? Pois é, Izabel nunca ligou para o que os outros pensam, porque o que ela pensa já é o suficiente para viver o bom do universo.
Izabel não é uma personagem de Clarice Lispector. Não é ruiva, nunca conheceu Ulisses, nem é tão ignorante quanto a Macabéa. Mas como todos eles, foi entregue a poesia. Porém, não se enganem: ela é mais real do que aquilo que a nossa insensibilidade pode enxergar. Ela é a minha ou a sua história. 59 CRÔNICA MAIS CONTEXTO
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