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VINT CERF FAZ BALANÇO DO PASSADO E PENSA SOBRE O FUTURO DA INTERNET
Cocriador, ao lado de Robert Kahn, do TCP IP, e reputado como um dos “pais” da internet, Cerf fala da missão atual das empresas, alerta para a segurança e a governança e conta que em breve teremos a internet interplanetária.
Roberta Prescott
Vinton Gray Cerf é mundialmente reputado como um dos “pais” da internet. É cocriador, ao lado de Robert Kahn, do protocolo TCP IP e viu a internet não só nascer, como também florescer e chegar ao que é hoje. Atualmente, Cerf está envolvido no projeto da internet interplanetária, em parceria com a NASA.
Com uma extensa carreira acadêmica, o matemático foi um dos fundadores da Internet Society, em 1992, e também ajudou a fundar a Icann (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), que administra os nomes de domínios da internet.
Em entrevista exclusiva para o Especial Abranet 25 anos, o pioneiro da rede relembrou os principais marcos da criação da internet, falou sobre a urgência de se adotar o IPv6, ressaltou a necessidade da governança e abordou como a internet interplanetária será fundamental para as próximas inovações. Abranet – Quando criou a web, imaginou que ela chegaria ao que vemos hoje? Vint Cerf – Bob Kahn e eu fizemos o design original. Na época, fazíamos isso porque o Departamento de Defesa americano queria encontrar uma maneira de usar computadores para comando e controle. Éramos apenas nós dois, e outros tinham acabado de fazer algo chamado Arpanet, em uma operação para a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa [dos Estados Unidos].
Bob e eu começamos a trabalhar em 1973 com o projeto de internet. Fomos forçados, nas circunstâncias, a lidar com diferentes tipos de pacotes que agora são redes móveis, portanto, redes de rádio móvel, redes baseadas em satélite. Quando começamos a internet, em 1983, vínhamos de um período de desenvolvimento de dez anos, então, já tínhamos bastante experiência. Não quero sugerir que imaginávamos todas as aplicações que vemos hoje, mas muitas delas são bastante familiares.
Em 1988, comecei a me esforçar muito para encontrar maneiras de comercializar a internet a fim de torná-la disponível ao público em geral. Então, seria errado dizer que logo no início vimos o que estava por vir, mas em um período de cerca de dez ou 20 anos tornou-se cada vez mais aparente que seria um grande negócio.
Demi Getschko enfatiza a independência que a infraestrutura da internet deve ter em relação a aplicações. Isso é algo que devemos assegurar para os próximos 25, 50 anos?
É quase impossível para nós olharmos tão à frente. Em 50 anos, muitas coisas aconteceram, especialmente a tecnologia móvel, e preciso contar a vocês uma história. Em 1973, Martin Cooper começou a trabalhar para a Motorola em um telefone portátil, celular, no mesmo ano em que Bob Kahn e eu
começamos a trabalhar na internet. Em 1983, quando a internet foi oficialmente ativada, o sistema de telefonia móvel de Cooper também foi lançado. Portanto, estávamos correndo em paralelo. Em 2007, Steve Jobs, na Apple, apresenta o iPhone e, de repente, essas duas tecnologias se juntam e se tornam mutuamente autossuficientes, porque se reforçam, porque o telefone móvel tornou a internet mais acessível e a internet tornou o telefone móvel mais útil.
Trago tudo isso à tona para enfatizar que o que Demi está dizendo é que existe um sistema em crescimento. A internet é uma infraestrutura global. E no topo disso, literalmente nas camadas de uso de protocolo, pode, de fato, precisar de algum tipo de moderação e regulamentação. O ponto do Demi, com o qual eu concordo, é que devemos manter este estado, tendo um único organismo global de internet.
Estamos no caminho para isso?
Está claro que o debate está acontecendo agora. Os governos, por exemplo, estão reagindo a duas coisas sobre a internet: eles apoiam as atividades incrivelmente construtivas e produtivas, mas também apoiam comportamentos prejudiciais. E, então, como proteger os cidadãos? Estamos vendo alguma fragmentação, porque os estadosnação estão adotando práticas muito diferentes de um lugar para outro para proteger seus cidadãos, embora, em alguns casos, o governo esteja realmente tentando proteger o governo.
Se você pensar por um momento sobre a internet, apenas a parte de rede, percebe que existem literalmente centenas de milhares de organizações que estão colaborando de fato para criá-la. Essa colaboração gigantesca é o que produz a supervisão do dia, mas é cooperação e não é centralizada, não é uma única autoridade.
O que a gente quer é um acordo comum sobre os passos que cada um dos colaboradores precisa dar para tornar a internet um lugar mais seguro para todos. Também é muito importante reconhecer que existe uma responsabilidade compartilhada para alcançar esse objetivo. Não é apenas o governo. É o setor privado e, francamente, somos você e eu.
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Qual foi o principal marco da internet ou o de maior impacto?
Cada indivíduo terá diferentes marcos de que se lembra. Grossei-
ramente falando, o artigo de 1974 que Bob e eu publicamos no IEEE Transactions on Communications, descrevendo o que a internet era; e o que demonstramos a internet de três redes, em novembro de 1977, que mostrou que os protocolos TCP IP realmente funcionavam em três tipos diferentes de fatores, com taxas de erro variáveis, velocidades variáveis e tamanhos de pacotes variáveis e assim por diante, e tudo funcionou. [Outro marco foi a] introdução do projeto de rede da National Science Foundation.
A comunidade acadêmica via a chegada, em 1984, da Cisco Systems, uma das primeiras produtoras de equipamentos para construir rapidamente a própria rede usando roteadores. O surgimento de equipamentos comerciais foi importante. Em 1989, foi a comercialização da internet por provedores de serviços dos Estados Unidos.
Em 1991, foi o lançamento da World Wide Web, mas não muitas pessoas perceberam até surgir o [browser] Mosaico, criado, em 1993, por Marc Andreessen. Nesse curso, o mundo passa pela tempestade na forma da Netscape Communications, que faz IPO em 1995, e vemos o mundo do capital de risco jogando bilhões de dólares em qualquer coisa que pareça ter algo a ver com isso. Quando muitas empresas ficaram sem capital – e com mais ou menos frequência isso aconteceu –, então, em 2007, veio a chegada do iPhone, que fez a repentina conexão entre a internet e a tecnologia móvel.
Isso nos leva à chegada da pandemia da Covid-19, que enfatiza a utilidade da internet para, pelo menos, uma fração significativa da população mundial, que pôde trabalhar em casa, por exemplo. E agora vemos as Nações Unidas perseguindo seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e olhando para 2030 na esperança de colocar todos online, porque querem que a chegada do sistema de satélite de órbita terrestre baixa tenha começado. Olhando para 2030, certamente, teremos disponibilidade global da internet, sendo ela acessível. Esse é um grande problema que precisamos solucionar, reduzindo custos e colocando subsídios para o fornecimento de internet.
A última coisa que eu diria neste resumo muito compactado é que, nessa época, certamente teremos lançado oficialmente o backbone interplanetário da internet. Já estamos bem encaminhados; temos nosso software rodando na Estação Espacial Internacional e protótipos estão rodando desde 2004 em Marte. Certamente, até 2030, veremos redes interplanetárias em operação.
Como a internet interplanetária irá nos beneficiar?
Primeiro veremos a comercialização do espaço, e temos de descobrir como governar os interesses comerciais. A comercialização do espaço é real, vai acontecer, ainda que leve algumas décadas para florescer. Os protocolos também têm utilidade terrestre. Se você está em um ambiente de comunicação interrompido, os protocolos interplanetários são mais resilientes em uma faixa mais ampla de espaço paramétrico do que os protocolos TCP IP, então, eles podem acabar sendo uma iluminação terrestre benéfica, bem como no espaço profundo.
Qual é o seu conselho para as empresas?
Em primeiro lugar, devem implementar o IPv6.
O IPv6 é um tópico há muitos anos...
É tão frustrante. Em 1996, pensei que todos iriam simplesmente aderir, porque era óbvio que seria útil. O problema é que 1996 foi literalmente no início, o período do boom das ‘pontocom’, em que todos estavam focados em construir aplicativos web em todo o mundo e em expandir a internet; e eles disseram: ‘não usamos o espaço de endereço IPv4, qual é a pressa?’. Então, simplesmente não prestaram atenção nisso. O Departamento de Defesa dos Estados Unidos anun-
ciou que deseja que todos tenham, pelo menos, condições de executar o IPv6 até 2025.
A segunda coisa é que a Internet das Coisas está claramente entre nós. Há um número crescente de dispositivos que são programáveis e têm capacidade de internet. Devemos nos preocupar com a segurança e proteção.
Também precisamos prestar atenção ao conteúdo na rede para que seja útil e nos idiomas que se fala. E o último ponto é olhar para o futuro, precisamos resolver o problema a que Demi aludiu, que é a governança da rede para torná-la mais segura e um ambiente onde as pessoas possam ser produtivas.
A Abranet é uma associação que reúne vários tipos de empresas da internet no Brasil, de provedores de conectividade a e-commerce, conteúdo, e-learning, novos meios de pagamento…
Pense sobre a Abranet como um pequeno modelo da diversidade da internet, como um exemplo de uma organização com várias partes interessadas, com muitas perspectivas diferentes, e isso é poderoso, porque com essas perspectivas você pode especular sobre quais tipos de políticas funcionariam bem e quais teriam componentes negativos. Então, ter grupos como a Abranet é pensar e expressar ideias sobre maneiras como podemos tornar a internet mais segura e mais produtiva. Precisamos deste tipo de diversidade para entender o potencial da internet nos mais diversos negócios.
Há pouco mais de dez anos, a revista Wired publicou uma capa estampando que a web estaria morta, enquanto a internet teria vida longa. Passados 11 anos, a web está realmente viva. O que pensa sobre isso?
A revista Wired, como qualquer outra publicação, precisa fazer afirmações ousadas. A World Wide Web convencional, que foi inicialmente lançada, era uma coisa relativamente estática. Você via todos os tipos de texto que podia ver, imagens, posteriormente, som, mas era uma espécie de material coordenado. Já a chamada Web 2.0 permite mais interação.
Acho que o que estamos vendo é um aumento realmente interessante da movimentação de software no ambiente da web. Os navegadores baixam uma fonte e interpretam o que está no arquivo, e o que está no arquivo não são mais apenas informações de formatação, agora é código executável. Portanto, há uma variedade de outros potenciais, de acordo com o que estamos consumindo no navegador, de forma que o navegador se torna um sistema operacional.
Bob Kahn e eu trabalhamos no final dos anos 1980 no que chamamos de robôs do conhecimento e imaginamos que eles trabalhariam para nós: ‘por favor, vá para a rede, encontre essas coisas e junte isso. E então me diga como funcionou’. Nós estamos chegando ao ponto em que a infraestrutura, especialmente a infraestrutura baseada em navegador, não está lá, exceto que agora há apenas um pedaço de software, como em um hotel, esperando pelo robô do conhecimento aparecer e o concierge está dizendo: ‘Olá, como posso ajudar você?’. O mesmo para computação em nuvem, onde um pedaço de software aparece na nuvem, é executado e serve a um monte de pessoas e, em seguida, é encerrado. Então, podemos imaginar que o departamento de computação em nuvem seja redistribuído na forma de hotéis de robôs de conhecimento.
O que você recomenda às pessoas com relação à próxima geração da internet?
Temos de encontrar ferramentas para preservar o conteúdo digital por longos períodos de tempo. Sabemos que livros impressos em pergaminho duraram mais de mil anos. Não há mídia que eu conheça ou site digital que tenha durado mais de dez ou 20 anos. Precisamos preservar nossa capacidade de ler software antigo e sistemas operacionais antigos. •