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COMO SERÁ O SISTEMA FINANCEIRO DO AMANHÃ?
Em entrevista exclusiva para o Especial Abranet 25 anos, o diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do Banco Central do Brasil, João Manoel Pinho de Mello, comenta como a internet mudou a forma como lidamos com o dinheiro e discorre sobre o papel da conectividade, segurança dos dados, PIX, open banking e o Real Digital.
Luís Osvaldo Grossmann
Abranet – Como o sr. enxerga o papel da tecnologia e da internet no sistema financeiro e no modelo de atuação do Banco Central? Banco Central – A internet revolucionou a nossa sociedade, estimulando uma mudança cultural que se reflete na forma que lidamos com o sistema financeiro. A Geração Z, por exemplo, claramente prefere usar smartphones para acessar a internet e incorpora essa característica cultural em seus hábitos financeiros, usando aplicativos financeiros com a mesma facilidade que navega por marketplaces de varejistas online.
Essa tendência é tão significativa que as transações de pagamento realizadas em dispositivos móveis tiveram um aumento de 35% na comparação com 2019, enquanto ocorreu uma redução na quantidade de transações realizadas pela internet pelo segundo ano consecutivo, acumulando uma queda de 14% no período.
Se antes muitas pessoas buscavam ser clientes de instituições que tinham mais agências ou caixas eletrônicos, hoje a facilidade de acesso à informação, o crescente papel das redes sociais no compartilhamento de experiência e na criação de tendências mudou a forma de se consumir produtos financeiros.
E esse movimento é bem-vindo e salutar para promover mudanças que geram valor para o cidadão.
Nesse ambiente, o regulador precisa construir o arcabouço normativo propício para recepcionar novos modelos de negócio, que seja proporcional ao risco e, ao mesmo tempo, promova a transparência e a segurança no uso de dados. Assim, damos liberdade para a implantação de inovações pelo setor, mas criamos os estímulos para que o uso da tecnologia seja para o desenvolvimento de serviços baratos e eficientes, ao alcance de toda a população.
A internet tem papel central no desenvolvimento da economia mundial e brasileira nos últimos 25 anos. Aqui, durante a pandemia, a internet se tornou vital. Como o senhor avalia o sistema financeiro e a internet nos próximos anos?
Eu costumo brincar que não sei como será o mercado financeiro dos próximos anos, mas com certeza será muito diferente do que é hoje. E faço essa brincadeira porque vemos muitas tecnologias emergentes mudarem a maneira que as pessoas lidam com seu dinheiro.
É uma nova abordagem, resultante da união do smartphone, das mídias sociais e dos mercados financeiros, que muitos chamam de economia digital. Tudo ocorre em uma mesma jornada, na qual apli-
cativos e uma comunidade virtual de influenciadores proporcionam fácil acesso aos mercados.
E o sistema financeiro tem obtido sucesso no entendimento dessa nova onda de inovação que modela o sistema financeiro do futuro. Observamos que tanto os incumbentes quanto as novas instituições conseguem perceber essas mudanças e se antecipam na construção de soluções customizadas para seus clientes.
O Banco Central regulamentou em 2013 a moeda eletrônica e as contas digitais. Como o sr. vê o papel desta inovação no sistema financeiro?
O arcabouço regulatório do mercado de pagamentos no Brasil reduziu drasticamente as barreiras à entrada e promoveu melhores condições competitivas entre os agentes.
E esse ecossistema desenvolvido pelo Banco Central – e complemen-
tado recentemente com a centralização do registro de recebíveis de cartões, com o Pix e o com open banking – abre um leque de opções muito grande para o surgimento de soluções inovadoras, com maior uso de tecnologia e menores custos.
Embora os primeiros passos tenham sido mais percebidos no setor de pagamentos, vemos a expansão desse movimento de inovação para todo o sistema financeiro, no qual as empresas exploram a sinergia existente entre inovação, competição e eficiência para ampliar seus serviços.
O BC vem trabalhando no desenvolvimento de uma moeda digital, ou Central Bank Digital Currency. Qual a importância desse novo instrumento? O que o BC entende como papel de uma moeda digital? Quando os brasileiros devem começar a usar uma moeda digital? De que maneira a CBDC se relaciona com a disseminação de smartphones?
De forma geral, entendemos que o uso do Real Digital se dará nas situações em que ele for capaz de trazer maiores eficiência e transparência para as transações, seja sob a ótica do varejo ou do seu uso pelos agentes que compõem a indústria financeira e de pagamentos, que chamamos de atacado. Além disso, podem trazer oportunidades para ampliar a inclusão financeira e para melhorar a experiência e diminuir o custo (e tempo) de pagamentos transfronteiriços.
Por isso, nosso foco principal com a iniciativa do Real Digital é fomentar o desenvolvimento de um novo ecossistema de serviços financeiros, baseado em tecnologias como dinheiro programável, contratos inteligentes, internet das coisas (IoT), melhorando a eficiência e ampliando o acesso de clientes e empresas a esses serviços.
E o smartphone se tornou peça fundamental nos pagamentos, ajudando a cunhar novos termos no cotidiano, como QR Code ou pagamento por aproximação. Nessas condições, em um ambiente no qual a população usa crescentemente os pagamentos digitais – e as tecnologias avançam no provimento de soluções seguras e customizadas temos a oportunidade de debater o Real Digital como ferramenta complementar, para trazer mais eficiência e inclusão.
Sobre o prazo para a adoção dessa tecnologia, sabemos que mesmo o debate internacional sobre CBDC ainda tem um longo caminho pela
frente e não existe um padrão definido ou um modelo a ser seguido. Por isso, não estamos falando de uma implantação imediata no Brasil. Mas o BC lidera o debate dessa iniciativa para construir subsídios que permitam entender o papel que o Real em formato digital poderá desempenhar.
O brasileiro ainda faz muita confusão entre moeda eletrônica, moeda digital e criptomoeda, que segue não sendo regulada pelo Banco Central. Por que a criptomoeda ainda não foi regulada?
A opinião do BCB a respeito de criptoativos permanece a mesma. Criptoativos são ativos especulativos de alta volatilidade, que operam fora do perímetro regulatório do BCB e devem ser usados com cautela pelo público.
Destacando que preferimos usar a terminologia criptoativos (e não criptomoedas) porque eles não têm características de moeda, mas sim de um ativo. Por isso, não devem ser confundidos com o Real Digital, que será lançado pelo BC.
Qual seria o cenário desejável com o progresso da digitalização dos serviços financeiros, especialmente por meio de dispositivos móveis, como os smartphones? É possível imaginar uma relação entre bancarização e conectividade?
Acredito que é totalmente sinérgica a relação entre conectividade e bancarização. Isso porque testemunhamos, notadamente nesses últimos anos, que a junção de conectividade e de redes sociais faz com que o desenvolvimento de modelos de negócio seja ainda mais centrado na oferta de soluções customizadas a todos os tipos de clientes, em resposta à crescente posição de destaque do consumidor.
Essa é a base do Sistema Financeiro do futuro, mais inclusivo com a intensificação da concorrência, da segurança dos dados e do provimento de serviços mais eficientes e baratos, com maior papel para todos os participantes, sejam os incumbentes ou os entrantes.
Nesse cenário, a vantagem competitiva não estará na escala ou no capital, mas na compreensão e na antecipação da demanda do cliente.
Desde que foi lançado, o Pix vem acumulando números que indicam o sucesso dessa nova solução de pagamento. Qual é o maior segredo do Pix como meio de pagamento e qual é o seu impacto na transformação do meio financeiro?
Não existe segredo: a sociedade há muito tempo demandava uma
solução que trouxesse instantaneidade às transações e fosse acessível. E o lançamento dos pagamentos instantâneos, com acesso quase universal e a baixo custo (na verdade, gratuito para pessoa física) veio ao encontro dessa demanda.
Na verdade, a primeira vez que o Banco Central sinalizou para o mercado que desejava que os agentes privados desenvolvessem uma solução de pagamento instantâneo de amplo acesso foi em 2014, no Relatório de Vigilância do Sistema de Pagamentos Brasileiro 2013. O diagnóstico do Banco Central é que faltava coordenação aos agentes privados no desenvolvimento de soluções abertas e universais, como preconiza a legislação aplicada ao setor de pagamentos (Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013).
Esse cenário se configurou, portanto, como uma falha de mercado que demandava a ação do regulador. Por isso, o Banco Central liderou o desenvolvimento da infraestrutura de pagamentos instantâneos, assim como havia liderado a construção do Sistema de Pagamentos, no início dos anos 2000.
Assim, com a adoção do Pix em sinergia com outras ações da Agenda BC# como open banking, foi exigida grande dinamicidade de quem atua no sistema financeiro, em particular no sistema de pagamentos, a fim de acompanhar não só seus competidores, mas também as demandas dos mais diversos clientes que refletem, muitas vezes, mudanças culturais sob a forma de demanda de serviços.
O open banking está chegando e há muitos ajustes sendo feitos. Os bancos tradicionais e as fintechs remodelam as suas atuações e desenham um novo cenário para o sistema financeiro. O Brasil está desenvolvendo um open banking para marcar presença no cenário mundial?
No caso do open banking, podemos dizer que o Banco Central inovou em muitos aspectos porque pudemos observar a experiência de outros países para atender as especificidades do Brasil. Como exemplo, posso citar a estruturação do processo de governança e a definição das 4 fases de implantação.
Das experiências internacionais, talvez a mais relevante tenha sido a implantação do open banking pelo Reino Unido. Contudo, o modelo brasileiro pretende ser mais amplo em termos de escopo, chegando ao que chamamos de open finance quando completarmos a 4ª etapa, em maio de 2022. Obviamente, a regulamentação do open banking não provocará uma mudança imediata na prestação dos serviços financeiros, como foi a implantação do Pix. Mas podemos afirmar que ele será o início de um processo, no qual a velocidade da inovação será proporcional à compreensão dos clientes de que poderão escolher novos serviços e novas formas de relacionamento com os agentes do sistema financeiro.
Como o BC enxerga a participação de entidades que hoje não participam do sistema
financeiro: comércios, empresas de telefonia e outros?
Existe um debate que envolve vários reguladores do sistema financeiro mundial acerca da possível entrada de competidores não tradicionais no sistema. Em outras palavras, estamos falando da entrada de empresas com grande poder de mercado, que exigem esforços dos reguladores para garantir que esse movimento não seja acompanhado de práticas predatórias contra concorrentes.
Adicionalmente, como estamos lidando com empresas que atuam em vários segmentos, entrelaçando a economia real com a economia financeira, precisamos garantir que o modelo a ser proposto permita que o BCB exerça seu papel de supervisor e de regulador, buscando o equilíbrio entre regulação prudencial, segurança dos dados e inovação.
Talvez esse seja um dos maiores desafios: mais do que recepcionar inovações no sistema financeiro nacional, o BCB precisa se preocupar em equilibrar a balança do incentivo a novos modelos de negócio de um lado, com a atuação prudencial do regulador de outro.
Há muitos players nos meios de pagamento no Brasil. A concorrência é acirrada. Como adequar uma legislação que abarque todos sem prejudicar a inovação?
O objetivo final é que os cidadãos e as empresas tenham acesso a serviços de pagamentos eficientes e baratos, a crédito com juros mais baixos e a produtos de investimento de rentabilidade mais alta, para potencializar a sua capacidade de poupança e gerar bem-estar e riqueza.
Nesse processo a palavra proporcional é destaque. As ações empreendidas pelo Banco Central não são no sentido de escolher o modelo de negócio que liderará esse processo. Pelo contrário, será o de permitir que todas as instituições tenham condições competitivas equilibradas para ofertarem os melhores serviços para os clientes do Sistema Financeiro. Esse processo permitirá tanto às instituições tradicionais quanto às entrantes aproveitarem as oportunidades que a tecnologia traz, desenvolvendo processos centrados na experiência e no relacionamento com o cliente.
Para que a atuação do BCB seja neutra não devemos, portanto, direcionar as mudanças, mas atuar para corrigir falhas de mercado para promover benefícios de longo prazo. Por isso nós, como reguladores, estamos sempre abertos a ouvir as críticas, as opiniões do mercado, e se for o caso ajustar a regulamentação. •
Eles foram pioneiros e vislumbraram possibilidades que, à época, pareciam restritas a um filme de ficção. Quando a internet ainda engatinhava no Brasil, um grupo de empreendedores entendeu a importância de se reunir em uma associação; afinal, juntos, eles seriam mais fortes.
Assim nasceu a Abranet. Os fundadores foram visionários que entenderam – e defenderam – os princípios básicos que haveriam de nortear a rede.
Em entrevistas em vídeo, nomes relevantes para a criação da principal entidade do setor deram depoimentos sobre como foi fundar a ‘abra-a-net’, comentaram as pautas que marcaram o início das atividades e fizeram um balanço do desenvolvimento tanto da associação quanto da internet.
FUNDAÇÃO DA ABRANET FOI TRABALHO DE MUITAS PESSOAS
Antonio Tavares
ASSISTA À ÍNTEGRA DA ENTREVISTA “A Abranet foi um grande desafio, uma grande vitória e definitivamente colocou os provedores na linha de frente das telecomunicações.” Assim Antonio Tavares, apontado por muitos como a pessoa-chave para a fundação da Associação Brasileira de Internet, começou seu depoimento em vídeo sobre os 25 anos da entidade. Apesar de muitos dos outros entrevistados terem destacado Tavares como a cabeça por trás da criação da Abranet, ele não se coloca assim. “Não quero me dar o direito de ser esse líder que pretendem”, disse.
Há uma justificativa. Segundo o que o próprio Tavares comentou, por ser bastante dinâmico e ativo, ele exerceu sua capacidade de reunir as pessoas e tornar a fundação da Abranet mais fácil. Mas não foi, disse ele, trabalho de uma pessoa só. A seu lado, havia diversas pessoas, como Paulo Cesar Breim e Aleksandar Mandić, executivos que vinham com experiência de BBS, precursor da internet, além de Luiz Carlos Bonilha e Cassio Vecchiatti. A eles, se uniram pessoas oriundas de diversas empresas, inclusive grandes, que estavam interessadas no mercado.
“Fomos evoluindo com as nossas premissas, e havia uma pessoa dinâmica, chamada Jorge Luiz dos Santos, que participava também e, embora não fosse da área, era uma pessoa curiosa, interessada e que frequentava as reuniões. Ele acabou propondo a criação de estatutos etc., acabou fazendo o básico e nós aprovando”, relembrou. Dessa forma, nasceu a Abranet.
A primeira luta dos provedores de internet era conseguir linhas telefônicas, cuja disponibilidade à época era baixa e os custos, altíssimos. Como consequência, a primeira pauta foi negociar a retirada da exclusividade da Embratel para que fossem criadas condições que não permitissem que as operadoras fossem concorrentes. O desafio seguinte foi como chegar ao público. “Estivemos presentes em feiras como a Fenasoft, que já não existe mais, e começamos a fazer a divulgação. Fomos avançando com a internet, divulgando e dando treinamento ao pessoal, vendendo modem, fazendo tudo o que podíamos para crescer.”
Outra discussão era com relação a como cobrar os impostos. “Começou uma discussão intensa e todo mundo praticamente optou pelo ISS. Foi uma luta muito interessante, na qual a Abranet teve um papel muito ativo. Tanto que a Abranet passava a ser reconhecida como a principal ‘atora’ nesse sentido e foi a primeira ascensão dos provedores. Muita gente não se lembra ou não entende o porquê do nome Abranet. Havia a provocação do abra-a-net, sabem?”, ressaltou.
Ao longo dos anos, os desafios foram muitos. Sem crédito específico disponível no mercado, os provedores tinham de investir do próprio bolso. Depois, o modelo de negócios foi desafiado com o acesso gratuito. Os provedores se reinventaram diversas vezes. Para Tavares, nesse processo foi essencial a “cabeça” dos executivos. Ele contou que lá atrás, em 1995, já era possível entender que a internet dominaria tudo. Analisando a internet atual, ressaltou a quantidade de tecnologias de conexão, chegando a mais lugares e à necessidade cada vez maior de segurança. “Hoje, o serviço de segurança é fundamental.” •
ASSOCIAÇÃO NASCEU PARA IMPEDIR A “INTERNET BRÁS”
Jorge Luis dos Santos não era provedor, não era funcionário de provedor e nem de empresa de telecomunicações quando se envolveu na fundação da Abranet. “Eu tinha trabalhado muitos anos na área da informática e fui diretor para a América Latina da Sociedade de Usuários de Informática e Telecomunicações. Fui convidado a participar de um grupo coordenado pelo Cassio Vecchiatti, por um processo em que o ministro Sérgio Motta falou com o presidente da Fiesp, Carlos Eduardo Moreira, que estava surgindo nos bastidores do governo uma ideia de criar a ‘Internet Brás’, que seria uma estatal para controlar a internet no País”, relembrou.
A ideia, contudo, não vingou. “Sérgio Motta era contra as atividades do governo em ações que deveriam ser privadas. Sérgio falou com o Carlos e o Carlos convocou o Cassio para reunir todos os provedores que estavam já atuando no estado de São Paulo para trocar ideias e ver de que forma podiam unir esforços para dar andamento a essa atividade”, detalhou. Santos, então, ficou encarregado de coordenar a elaboração do estatuto. “Eram umas 60 pessoas participando das reuniões”, disse.
Sobre o que esperar do futuro da internet, Santos ressaltou que os provedores de acesso têm de trabalhar o tempo todo na adequação, na profissionalização e na melhora da qualidade tecnológica dos servidores. Para ele, o início da banda larga 5G e o Wi-Fi 6 marcam os próximos dez anos. •
Jorge Luis dos Santos
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ENTIDADE FOI ESSENCIAL PARA A INTERNET NÃO FICAR RESTRITA
Osvaldo Barbosa de Oliveira trabalhava na Microsoft nos EUA e tinha como objetivo desenvolver negócios de internet para a América Latina. Ainda eram os primórdios da rede no Brasil, e Oliveira começou a interagir com os principais atores que levaram a cabo a internet no País. Assistiu à formação do Comitê Gestor de Internet e viu o nascimento dos primeiros provedores. “Voltei para o Brasil em 1996 e tive a oportunidade de presenciar o começo da Abranet”, contou.
Ele apontou que um dos primeiros desafios foi de gestão. “Havia um grande temor de isso cair em um monopólio ou algum controle grande das telcos e, graças à atuação da Abranet, a gente viu os provedores continuando a prestar serviços relevantes e isso [o monopólio] não aconteceu”, ressaltou, acrescentando que o CGI também teve um papel fundamental para a liberdade da internet.
Questionado se imaginava que a rede chegaria a este alcance, Oliveira buscou a resposta no fundador da Microsoft. “Bill Gates falava que a gente superestima o que a internet vai trazer no curto prazo, mas subestima o que ela vai impactar no longo prazo”, assinalou.
Para ele, a internet já é ubíqua como a eletricidade e, à medida que evolui, surgem mais projetos de Internet das Coisas, computação em nuvem e inteligência artificial. •
Osvaldo Barbosa de Oliveira
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SEGURANÇA FOI E CONTINUA SENDO UM GRANDE DESAFIO
Como diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) desde 1992, Cassio Vecchiatti tinha entre seus objetivos melhorar a comunicação entre os empresários. O primeiro trabalho foi providenciar a informatização da entidade, o que se desenrolou até aproximadamente 1995 e incluía usar BBS. “Com a abertura da internet, fui indicado pelo Ministro das Comunicações da época como o primeiro representante no Comitê Gestor de Internet por parte do setor empresarial. Isso veio a facilitar a possibilidade de usarmos a internet”, acrescentou, explicando que, assim, conseguiu acelerar o processo de comunicação, que dependia de provedores, e eles estavam muito dispersos.
Essa foi a razão pela qual, segundo ele, veio a ideia de se criar uma entidade. No início, segundo contou, a Abranet foi “importante para unir os empresários que estavam desbravando a internet, levando adiante pleitos em conjunto, o que dava mais força ao setor.” Nesse caminho, os principais desafios passaram pela distribuição dos acessos à internet e também pelo interesse das empresas de telecomunicações em dominar a internet, o que, comemora Vecchiatti, felizmente, não aconteceu.
Depois, houve a necessidade de educar os usuários. “Eu fiz uma primeira apresentação e, para vocês terem uma ideia, vieram todos os diretores da Fiesp e um deles disse ‘Ah, Cássio, mas isso não vai pegar, isso não vai funcionar’.” Hoje, eles reconhecem e veem que realmente essa dinâmica da internet é imutável e que as pessoas têm de se adaptar a essas condições. E nós vamos ter que nos adaptar muito.”
Questionado se, há 25 anos, ele achava que a internet teria o alcance de hoje, Vecchiatti disse que acreditava e via a possibilidade de comunicação com a internet. “Isso dependeria muito da própria evolução da infraestrutura, mas, com a infraestrutura se desenvolvendo, sem dúvida nenhuma isso iria acontecer.”
Garantir a segurança foi desafiador na evolução da internet. “É importantíssimo que se dê mais atenção à segurança, e ela vem acompanhada da educação. O que acontece hoje, infelizmente, é que o pessoal tem pago preços altos por não se educar. Um dos grandes desafios e um dos grandes problemas, se não for o maior, é a educação para a segurança, além do desenvolvimento de processos de segurança”, destacou.
Para Vecchiatti, prever o futuro, principalmente, em um setor como o da internet, é difícil devido à dinâmica e à velocidade com que novas coisas acontecem. “A dinâmica é tão grande que é muito difícil você dizer quais são as tendências. Mas tende para a internet fazer tudo por si mesma, que é a Internet das Coisas, com você dependendo cada vez mais dela. Nós estamos, cada vez mais, envolvidos com esse processo que a internet é um meio, é um processo de comunicação, é um processo de conhecimento”, disse. Segundo ele, no futuro, tudo estará absolutamente interligado e as pessoas dependerão dessa comunicação. •
Cassio Vecchiatti
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ABRANET SURGIU PARA FAZER DIFERENÇA NA VIDA DOS PROVEDORES
Em 1996, ano em que a Abranet foi criada, Rubens Mau era um dos sócios-proprietários da Dialdata, provedor de internet corporativo na cidade de São Paulo. “Pela liderança do Antonio Tavares, surgiu a ideia de construirmos uma entidade de classe que abrigasse os diversos provedores que estavam surgindo pelo Brasil afora, já que tínhamos todos as mesmas dificuldades, os mesmos problemas e juntos poderíamos fazer diferença e melhorar a vida de todos nós. Então, esse foi o objetivo maior; o Tavares foi o líder do empreendimento e me carregou para isso”, contou.
Para ele, os principais desafios giraram em torno da infraestrutura precária. A privatização só ocorreria dali a dois anos e obter linhas telefônicas para ter acesso à internet, que era discada, configurava-se um empecilho. Havia carência de normas, de regulamentações. “Nós tínhamos problemas na parte de fisco, se era um serviço agregado ou não, se pagava ISS ou ICMS, tivemos discussões enormes em diversos níveis. A legislação estava sendo criada; participamos de discussões no Congresso Nacional”, disse.
Rubens Mau ressaltou o caráter de educador que os provedores tiveram, explicando à população as vantagens de usá-la. “Era cara, mas tinha vantagens enormes e a gente tinha que fazer esse aculturamento.” •
Rubens Mau
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Rui José Arruda Campos
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SEPARAR SERVIÇOS DO PROVIMENTO DE ACESSO FOI UM MARCO
Rui José Arruda Campos esteva envolvido com os primórdios da internet. Ele lecionava em cursos de engenharia e disciplinas de matemática com muita ligação com informática. Isso o levou a se tornar um profissional de TI. Por volta de 1985, Campos encerrou sua carreira acadêmica e passou a empreender na microinformática.
Conheceu Antonio Tavares, que o levou para a Abranet. Para ele, um grande marco da história da internet brasileira foi a separação de serviços do provimento de acesso à internet. “Não que tenha sido melhor ou pior, mas, se fosse feito pelas empresas de telecom, talvez o caminho tivesse sido outro. Quando você aplica um processo de pulverização, você dissemina mais o acesso à tecnologia e coloca uma população maior de mentes para trabalhar no processo”, pontuou.
Nesse caminho, a Abranet foi fundamental na movimentação política. “Houve uma série de embates, portanto, houve uma série de interlocuções com o governo; algumas medidas foram aceitas, outras, não e acabou se tornando esse processo, consolidou e gerou todos esses players de empresas de provedores de internet”, disse.
Campos apontou como o principal problema atual o mau uso da internet, servindo para fraudes e divulgação de inverdades. Outro perigo, segundo ele, está na concentração em grandes empreendimentos. •
IPV6 É FUNDAMENTAL PARA A EVOLUÇÃO DA INTERNET
Considerado o “pai” da internet brasileira, Demi Getschko é personagem fundamental em sua história. Em entrevista para o Especial Abranet 25 anos, o atual presidente do NIC. br relatou que o primeiro “.br” foi registrado em 1989 e, a partir dali, o País passou a ter um sobrenome para usar nas máquinas nacionais, mesmo sem ter ainda a internet.
“Em fevereiro de 1991, os primeiros pacotes de internet começaram a funcionar, e nós passamos então a ter Bitnet, HAPnet e internet”, lembrou, acerca do começo da internet no Brasil. Aquela conexão foi essencial, uma vez que, em 1992, ocorreu no Rio de Janeiro a Eco-92 e os pesquisadores queriam manter contato com as bases.
A internet absorveu outras iniciativas, como os BBS, e, no fim de 1994, depois de longas negociações, a Embratel, então estatal, deu acesso TCP IP aos usuários, criando uma fila de pessoas interessadas em usar o protocolo. “Na época, o ministro Sérgio Motta foi muito importante, uma vez que levou a cabo a norma nº 004/1995, que estabeleceu a separação entre infraestrutura e serviço de valor agregado.” Na sequência, ainda em 1995, foi criado o Comitê Gestor da Internet (CGI), pilar fundamental para a elaboração de normas. A Abranet surge um pouco depois, em 1996.
“Nunca imaginei que nós teríamos a internet que temos hoje”, disse Getschko. “Mas eu diria que a internet brasileira hoje é um ponto em que nós não temos problema nenhum em relação ao resto do mundo; a gente, em geral, é visto como modelo. Não só a legislação brasileira é muito boa. Tem o Marco Civil, que veio de uma longa discussão e que, de alguma forma, implementa o decálogo do CGI e é uma lei que, em vez de punir problemas, define a regra do jogo. E agora a adição da LGPD. Nós temos uma situação legal que, normalmente, é elogiada lá fora”, acrescentou.
Agora, o momento é de discussão da Internet das Coisas, do advento do 5G, de carros autônomos, uma evolução, mas com base na internet e para a qual o IPv6 é fundamental, uma vez que provê um novo esquema de numeração, da mesma forma que a telefonia teve de fazer, com mais números. “A gente defende que a estrutura seja mantida intacta, íntegra, sem rupturas e sem segmentações e, portanto, a internet tem que ser uma só, como são a telefonia e a luz elétrica”, reforçou Demi Getschko.
Com relação ao que esperar nos próximos anos, Getschko disse que faz coro ao que vem sendo apontado por especialistas: a internet teoricamente vai sumir. “Você vai parar de enxergar a internet como, em geral, não se preocupa com a eletricidade, porque todas as tecnologias que se interpenetram na nossa vida, no nosso dia a dia não são mais visíveis. O que são visíveis são as coisas sobre elas”, respondeu.
Mas como chegar a essa internet onipresente, ubíqua, de uma maneira que a própria infraestrutura atenda a esse crescimento exponencial? “A tal da Lei de Moore, que foi feita há 50 anos, continua mais ou menos valendo, ou seja, a cada ano e meio a gente tem o dobro da capacidade com o mesmo custo que tinha um ano e meio atrás”, respondeu, dando como exemplo a fibra ótica. •
Demi Getschko
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Caio Túlio Costa
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DE INCÓGNITA A OPORTUNIDADES INFINITAS, A TRAJETÓRIA DOS NEGÓCIOS
Havia necessidade de uma associação, “de um representante corporativo com força suficiente para ajudar na legislação, na defesa dos interesses do consumidor e das empresas que estavam provendo acesso à internet”, lembrou Caio Túlio Costa. À época, o jornalista era diretor-geral do UOL, lançado um pouco antes.
“A gente abraçou a associação de imediato, porque via a importância desse tipo de instituição ao lado dos provedores de acesso à internet.” Para ele, a Abranet foi fundamental na questão do acesso gratuito, quando o então presidente, Roque Abdo, foi até o Congresso defender os provedores.
Em 1996, o maior desafio era ganhar escala, possibilitando que a maior quantidade possível de brasileiros pudesse ter acesso a um preço justo. “Nós sabíamos o quanto [a internet] era maravilhosa; éramos até um pouco ingênuos ao achar que era um grande meio democratizante, sem prever toda a questão do ódio que passaria a abrigar muito tempo depois”, disse Costa.
Quanto aos próximos anos, Caio Túlio Costa acredita que as oportunidades são infinitas. “Se antes, no passado, a internet era uma incógnita, no presente ela é uma realidade fulgurante e o futuro dela é melhor ainda. Do ponto de vista das plataformas, da internet das coisas, do que virá e do que a oportunidade de trabalhar em rede possibilitará”, finalizou. •
DESIGN, PROGRAMAÇÃO E INFORMAÇÃO: OS PILARES DA REDE
Presente no quadro de fundadores da Abranet, Indio Brasileiro Guerra Neto fazia parte do projeto de colocar a Folha de São Paulo na internet. Para ele, foi um enorme aprendizado não apenas criar o modelo para web, como também fazer com que as pessoas acessassem o conteúdo. O projeto ganhou o nome de Universo Online (UOL) e o desafio seguinte, contou Guerra, foi difundir o browser. Uma tarefa nada fácil. “Eram 37 disquetes para você ter o browser do UOL na época”, lembrou, acrescentando a dificuldade de conexão, ainda em linha discada, como outro empecilho.
Para Guerra, no fim dos anos 1990, não dava para imaginar a proporcionalidade que a internet teria. “Quando você imaginou que as pessoas teriam mais celulares do que computadores em casa? Quando você imaginou que a internet migraria para um celular? Quem falar que imaginava, é mentira”, disse. “No começo, a gente só queria uma coisa: que funcionasse. Vocês não sabem o que é ser um provedor de acesso, eu nunca vou esquecer, você ia para Santo Amaro, na Telesp, você tinha que mandar o help desk lá para habilitar os modems”, assinalou.
A grande virada, segundo ele, foi sair de “uma telinha preta com letrinha verde” para o HTML. “Foram três pilares: design, programação e informação”, ressaltou. •
Indio Brasileiro Guerra Neto
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A SEMENTE DA INTERNET FRUTIFICOU
Dorian Lacerda Guimarães tem o privilégio de ter lançado o primeiro provedor registrado no Brasil. Foi em 1995. Logo depois, ele se uniu à Abranet e, desde então, participa das atividades da associação. “Há 25 anos, a história da internet tomou um novo curso e, nesse curso, a Abranet buscou ser a líder e a protagonista de um movimento muito maior do que apenas ser um provedor de internet”, disse.
Guimarães ressaltou a importância de entender o legado que pavimentou o caminho nesses 25 anos, do acesso discado à banda larga. “Essas verdadeiras transformações, esse legado que nos trouxe até o presente, permitem dizer que a gente antes estava caminhando por uma estrada e hoje a gente está voando sobre a estrada”, ressaltou.
Ele comentou como as big techs estão ditando a internet e influenciando a vida das pessoas e refletiu sobre o impacto disso na sociedade. Também avaliou que, hoje, o grande desafio é a inclusão de todos para terem um bom acesso à internet e fazerem um bom uso da internet. Falou ainda sobre o importante papel da Abranet na discussão sobre o Marco Civil da Internet.
Ao fazer um balanço do passado e olhar para o futuro, Guimarães usou a analogia da natureza. “Em 1996, talvez, a gente fosse apenas um pequeno grão, uma pequena semente. Hoje, essa semente já se tornou um pomar; ela já germinou, se multiplicou e alimentou muito mais gente com seus frutos. No futuro, eu acredito que essa semente vai fazer parte da vida de muito mais pessoas.” •
Dorian Lacerda Guimarães
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ABRANET FOI RELEVANTE PARA O MARCO REGULATÓRIO
Antonio Limongi França esteve entre os fundadores da Abranet, em 1996. Mas sua história com computadores remonta a anos antes, na década de 1970, quando estava em meio ao ambiente de mainframes. No surgimento da internet, estava no Grupo Cimcorp, que criou a subsidiária Telnet para atuar no segmento. “Naquela ocasião, a gente não tinha muita ideia sobre o que vinha a ser um provedor de internet, então, nós vendíamos pacotes para os ISPs. Ajudamos a criar mais de 50 provedores de internet que, depois, foram comprados pelo Terra e pelo UOL”, contou.
Quando a internet chegou, não havia um conjunto claro de regras sobre quem fazia o quê e nem tecnicamente quais eram as possibilidades, quem cuidava da infraestrutura, dos aplicativos, da última milha. Era, segundo ele, uma guerra de paradigmas. “A Abranet foi fundamental, porque foi um dos fatores relevantes para o marco regulatório que tivemos.” Para ele, a Abranet uniu pessoas em torno de um tema, definiu caminhos e, mais à frente, abriu sua atuação para um rol maior de empresas de internet.
França destacou que a rede tem de ser justa e precisa atender não só as grandes corporações, não só os bairros mais nobres das grandes cidades, mas tem de ser democrática, chegando à periferia e às zonas rurais com boa qualidade. •
Antonio Limongi França
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Ao longo de seus 25 anos, a Abranet tem reunido empreendedores interessados em defender questões ligadas à internet e seus negócios. Manter uma associação com empresas de perfis diversos durante essas duas décadas e meia exigiu diálogo, consenso e muita vontade de fazer algo relevante para todos os associados.
Para esta edição especial, a Revista Abranet entrevistou, em vídeo, executivos ligados à gestão da Abranet, como presidentes, vice-presidentes e diretores. Esses convidados contam como a Abranet escreveu e escreve essa história e como olha o futuro como entidade não apenas dos provedores, mas de todos os que empreendem nesse ambiente.
Se a internet hoje é tão essencial como o são água e energia, esses personagens viveram as transformações. Primeiro, para defender que a internet não ficasse unicamente nas mãos das operadoras de telecomunicações e agora para enfrentar os desafios de sucessivas tecnologias, da regulamentação, da segurança e da governança.
Eduardo Parajo não estava na Abranet em sua fundação, em 1996. Ele se uniu à entidade no ano 2000 e, desde então, ocupou posições importantes como presidente e vice-presidente, além de compor o Comitê Gestor da Internet (CGI.br) como um dos representantes do setor empresarial. Apesar de não fazer parte do quadro fundador da associação, ele já atuava no ramo de informática.
Teve contato com a internet em 1995, quando começou a analisar esse mercado, na época, ainda ligado ao BBS. “Comecei a me interessar pelo processo como um todo e depois vendo a questão, principalmente fora do Brasil, dos serviços online. A internet estava nascendo ali”, contou.
Para ele, o grande desafio para a maioria dos provedores no início era ter linhas telefônicas para receber as ligações dos modems. Ainda no monopólio estatal, as linhas custavam “preço de ouro”. Depois da privatização, o cenário começou a melhorar um pouco. “De 1998 em diante, começaram a ter algumas coisas que a gente vê espalhadas hoje, em 2021, com bastante sucesso. Por exemplo, em 1998, já tinha a iniciativa dos primeiros Internet Exchange aqui no Brasil; eram na Fapesp. Em 2000, a Abranet tentou criar um ponto de troca de tráfego de internet dela e dos associados, uma iniciativa na época junto com o iG. Aquilo me chamou a atenção e eu me interessei em me associar, em participar, justamente para tentar fazer parte deste ponto de troca de tráfego”, detalhou.
De lá para cá, os provedores de internet tiveram de se reinventar e novos desafios apareceram. “Nesse período todo, se tem um segmento que se transformou por várias vezes e se readaptou às novas situações de forma bastante competitiva foi, realmente, o de internet e dos provedores”, ressaltou.
Parajo destacou a veia empreendedora dos donos de empresas de internet, que buscam maneiras de contornar os problemas e os desafios para continuar crescendo e evoluindo. Muito do crescimento e amadurecimento dos provedores de internet passou pela atuação da entidade. “A Abranet teve um papel fundamental no processo, de parcimônia, de ponderação, de tranquilidade em diversos momentos bastante tumultuados e bastante complicados do mercado. Isso fazendo interlocução com os players, seja com os seus associados, seja com fornecedores, agência reguladora, no Congresso, na questão de regulação.”
Como desafios para a Abranet, Eduardo Parajo apontou manter a interlocução no Congresso, com o governo e a Anatel, mostrando caminhos factíveis para o setor. A questão tributária, ressaltou Parajo, está sempre na pauta. “É uma eterna briga, mas é uma briga que eu vejo que começa a ter alguns resultados. A gente segue a cartilha que está em lei hoje da separação dos serviços de telecomunicações da questão da internet. E aí acaba caindo em uma discussão muito mais com os estados, porque eles querem considerar tudo o que a gente faz como serviço de telecomunicações, mas a gente está tendo bons resultados após longas discussões, com o Judiciário reconhecendo essa separação.” •
Eduardo Parajo
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INTERNET BRASILEIRA AINDA ESTÁ AQUÉM DA EXISTENTE NOS EUA
Um dos pioneiros da internet no Brasil e fundador da Abranet, Luiz Molento, antes de empreender no segmento, havia trabalhado como gestor de TI na empresa CBPO, circulando por 12 países. “Eu tinha contato com todo nível de tecnologia, de infraestrutura, conhecia muito bem o que existia no Brasil e, quando a Embratel lançou o seu primeiro canal de internet, em 95, eu falei: ‘nossa, isso é o futuro!’”, contou.
Molento montou a Itanet e firmou parceria com a NetCom, que era o maior provedor de internet dos EUA para clientes residenciais. Depois, foi contratado pelo UOL para montar a AcessoNet. “Foi durante 1996 que tudo aconteceu, que eu conheci pessoas que estavam ligadas ao meio da internet, como o Dr. Antônio Tavares, o Demi e outras”, lembrou. Daquelas conversas surgiu a ideia de montar uma associação.
Para Molento, a privatização das telecomunicações no Brasil foi um momento fundamental, porque a partir dali a competição e a oferta aumentaram. Ainda que a internet tenha se desenvolvido no Brasil, Molento afirmou que acredita que o país mantém uma defasagem de aproximadamente cinco anos em relação ao mercado dos EUA. “A internet no Brasil se desenvolveu bastante, nós saímos da questão do acesso, passamos para a área de serviços e concentração de dados, os datacenters, as interconexões de redes, mas ainda não temos a capacidade instalada que os Estados Unidos, por exemplo, têm.” •
Luiz Molento
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SEM A ABRANET, HAVERIA MONOPÓLIO DAS OPERADORAS DE TELECOM
João Tranchesi Jr. já acompanhava a internet antes mesmo do boom da rede mundial no Brasil, em sua atuação como advogado para uma grande empresa de TI. “Assim que começaram as discussões quanto a tirar o acesso à internet dos órgãos públicos ou das empresas estatais, essa companhia se interessou pelo assunto e nós, profissionalmente, acompanhamos toda a regulamentação da matéria, o que culminou com essa empresa montando um provedor de acesso. Daí o nosso envolvimento com os primórdios e o início das discussões sobre a fundação de uma associação”, relatou.
Naquele momento, o Brasil estava diante da privatização das teles brasileiras e do início da instalação e do compartilhamento dos backbones, que foram a espinha dorsal da internet no País. Tranchesi Jr. ressaltou o papel da associação. “Sem a Abranet ou sem o esforço da Abranet, nós teríamos, de certa forma, um monopólio das empresas de telecomunicações”, apontou, acrescentando que as empresas prestadoras de serviços agregados à internet, que, no início, se ocuparam muito do acesso, ajudaram a democratizar o acesso a essa rede.
Segundo Tranchesi Jr., o grande desafio é manter a neutralidade da rede, caso contrário, poderá haver um agravamento na desigualdade de uso e de disponibilidade de recursos pela e para a população. •
João Tranchesi Junior
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Roque Abdo
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ENTIDADE CONSOLIDA A POSIÇÃO DOS PROVEDORES DE INTERNET
Ao longo de sua história, a Associação Brasileira de Internet teve vários presidentes. Um deles foi Roque Abdo, há quase 20 anos. “A associação consolidou a nossa posição como provedores de internet. Essa é uma história que se confunde com uma grande luta contra as operadoras de telefonia, que eram três e julgavam que deveriam ser as empresas que iriam oferecer internet no Brasil. Só que havia um ministro, que nós chamávamos de Serjão [o então Ministro das Comunicações, Sérgio Motta], e ele decidiu que iriam ser empresas particulares que iriam fazer, e não as operadoras”, relembrou.
A Abranet era, então, o porto seguro, o lugar onde os provedores de internet se reuniam e juntavam forças para mudar o cenário. “Conseguimos fazer com que essa luta ganhasse volume, ganhasse poder, porque é diferente você falar em nome de sua empresa e em nome de uma associação de empresas; e essa associação foi realmente quem fez com que a iniciativa privada tivesse e produzisse a internet que nós temos hoje”, destacou.
A união dos provedores em torno da Abranet foi fundamental para estabelecer essa dinâmica de mercado. Mais que isso: ajudavam uns aos outros. “Nós conversávamos muito, tivemos deputados federais que nos auxiliaram, íamos a Brasília; eu fui a Brasília incontáveis vezes em dois, três anos da minha missão como presidente. Era uma missão intensa; eu praticamente não cuidava da minha empresa – meu filho, que era meu sócio, que cuidava”, disse.
À época, os próprios provedores de internet começaram a tomar rumos diversos. Abdo relatou que havia grupos de provedores pensando não na internet do e-mail e da hospedagem de sites, mas em levar o sinal por meio de rádio a mais pessoas e em áreas remotas. “Mas havia uma resistência, por parte de muitos provedores, a essa atividade. A minha empresa, por exemplo, não aderiu. Mas essa foi a atividade que trouxe a internet e os provedores à posição atual”, disse.
Para o futuro, Abdo aponta que os desafios estão diretamente voltados àquilo que a empresa vai fornecer ao cliente, porque a questão da entrega da conectividade está resolvida, com amplo acesso à internet. “Claro que irão surgir métodos diferentes de acesso. Hoje, são sinais de antena, de rádio, satélite, fio, cabo, fibra óptica, mas o que está acontecendo com os provedores, que eu tenho observado, é que eles estão todos buscando complementar esta atividade com um conjunto de outras atividades importantes.”
Entre as questões principais, a segurança da conectividade desponta como muito relevante. É, segundo ele, sem dúvida nenhuma, o principal fato. “Existem provedores antigos que hoje só se dedicam à segurança e não à entrega da conexão, por causa da competição”, enfatizou. •
ASSOCIAÇÃO ABRE ESPAÇO PARA EMPRESAS DE TODOS OS PORTES
O primeiro contato de Fredric Michael Litto com o que viria a se tornar a internet se deu na década de 1960, quando cursava pós-graduação na Universidade de Indiana. Ele relembrou parte da história do nascimento dos precursores da internet, com a chegada do videotexto.
Além do videotexto, outro sistema de informação, o BBS (Bulletin Board Service), estava começando no fim da década de 1970. “As pessoas poderiam, das suas casas, com um terminal muito simples, postar mensagens para a comunidade, mas era muito sem jeito, era muito limitado. Depois a internet veio, e o público só teria acesso a isso na década de 1990”, disse.
Segundo ele, a Abranet repetiu a experiência da Associação Nacional de Videotexto ao colocar startups na mesma associação de grandes empresas. “Era muito democrática a coexistência de provedores grandes, provedores de tecnologia, de conteúdo, de serviços e assim em diante”, frisou.
Ao correlacionar a Abranet e a internet, Litto se baseou na entropia. “É a segunda Lei de Newton que, de um centro organizado, o mundo está fragmentando em todas as direções. A fragmentação, essa atomização vai continuar, essa especialização, porque tem sido feito assim nas últimas décadas. Então, vamos ver entropia de um lado e fusão de outro lado”, concluiu. •
Fredric Michael Litto
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Lorenzo Madrid
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Na década de 1990, a escassez de linhas telefônicas era um desafio e promovia disparidade entre os grandes e os pequenos empresários de internet. “Ficou claro, logo de início, que sem a existência de uma entidade representativa do interesse de classe, principalmente dos pequenos provedores, a gente não ia conseguir ter sucesso”, pontuou Lorenzo Madrid.
Com o processo de privatização da telefonia, o cenário foi melhorando. Quanto às lacunas ainda a serem preenchidas, Madrid ressaltou que há uma necessidade de expansão muito grande, não só em termos de extensão da malha, mas também na qualidade e na capacidade.
As novas tecnologias, como o iminente 5G e o futurístico 6G, as conexões por redes privadas, as tecnologias Mesh, vão dar uma nova dimensão, disse. Para ele, os atuais desafios vão além da infraestrutura, incluindo regulamentação, discussões sobre a neutralidade de rede, governança de redes privadas dentro da própria internet, serviços diferenciados a preços diferenciados em função de qualidade, além de segurança, de privacidade, de estabilidade e confiabilidade de um serviço.
Madrid considera que nos próximos cinco, dez anos, realmente a internet estará em qualquer lugar do planeta, a qualquer instante e com alta qualidade. •
É PRECISO MANTER OS PRINCÍPIOS DE UMA REDE ABERTA, NEUTRA
“Os princípios da internet sempre permanecem”, destacou Carol Elizabeth Conway, em sua entrevista para a Abranet, com a qual começou a interagir em 2007, quando se uniu ao corpo diretivo do UOL. Desde então, vem atuando em questões jurídicas e regulatórias, mais recentemente no que tange aos novos meios de pagamento.
Ela ressaltou o papel da Abranet em trazer assuntos relevantes à discussão, mesmo antes de eles virarem pauta nacional, como a neutralidade de rede. “A Abranet colaborou muito com os reguladores para não haver desvio, discriminação de tráfego, mesmo antes de se falar em Marco Civil da Internet e neutralidade de rede, sem contar todo o seu envolvimento desde o começo”, disse.
Ao falar dos desafios atuais, Carol Conway frisou que, do ponto de vista de meios de pagamento, está acontecendo uma revolução. “Associados à Abranet foram pioneiros em usar as moedas eletrônicas no País”, lembrou.
“A principal meta é quanto aos princípios, que estão bem consolidados e têm de ser mantidos: uma rede aberta, neutra, além da proteção de dados. Quando se fala em inteligência artificial e Internet das Coisas, há algumas barreiras para além do Direito, como as questões envolvendo ética”, finalizou. •
Carol Conway
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NORMA 004/95 FOI ESSENCIAL PARA O DESENVOLVIMENTO
A época da fundação da Abranet foi também o período em que as grandes prestadoras de serviço de telecomunicações, do Sistema Telebrás, começavam a descobrir algo chamado comunicação de dados, ressaltou Edmundo Matarazzo, ao recordar o ano de 1995 para o Especial Abranet 25 anos.
“Havia uma disputa muito grande entre a Embratel e as empresas estaduais para ver quem seria o monopolista desse serviço. Foi nessa discussão que o Ministro das Comunicações da época, Sérgio Motta, interferiu: ‘Calma lá, vocês estão falando de alguma coisa que não é serviço de telecomunicações, vocês não estão falando só de comunicação de dados, vocês estão falando do que está começando a surgir aí, uma tal internet. E a internet não vai ser monopólio, não vai ficar controlada por empresas de telecomunicações’. Foi uma decisão que ele tinha muito clara”, relatou.
Nesse contexto, o ministro Sérgio Motta produziu a norma 004/95, vinculada a um decreto-lei. A Abranet defende essa resolução desde a sua criação, e a própria norma 4 vem sendo um alicerce para as empresas de internet.
Ao longo dos anos, todos os serviços que nasceram em cima da internet impuseram discussões relevantes sobre seu uso e o papel dos provedores, exigindo, muitas vezes, que eles próprios mudassem. “Foram várias as tentativas de impedir ou complicar muito o crescimento dos prove dores”, disse Matarazzo. • -
Edmundo Matarazzo
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GRANDES QUESTÕES FORAM RESOLVIDAS NA ASSOCIAÇÃO
Herlon Oliveira participou da primeira diretoria da Abranet, junto com Antonio Tavares, logo após a fundação da entidade. Em 1996, ele estava começando a empreender em algo que era extremamente novo para a época: montar um provedor de internet. “Lembro que como meio de pesquisa, para saber como montar um provedor de internet, eu usava uma revista. Isso foi em 1996. Em 1997, eu montei; meu ID no Comitê Gestor é de março de 1997”, recordou.
Para ele, o papel da Abranet foi fundamental para dialogar com o governo e defender interesses de todo um setor. “O mercado estava começando, havia muitas incertezas sobre que caminho a gente tomaria, do ponto de vista do setor privado, e acho que aí foi crucial a criação da Abranet e os assuntos que foram debatidos desde lá. As grandes questões de internet, do mercado foram resolvidas dentro da Abranet.”
Para ele, “é muito importante ter uma associação como a Abranet, que não é uma associação específica, de internet discada, de fibra, de rádio, de internet das coisas, de conteúdo. Todos esses assuntos estão contidos dentro do ambiente da Abranet e por isso que ela foi tão relevante nesses 25 anos”, disse.
Sobre os próximos 25 anos, Oliveira foi preciso: “eu diria que vai ser um mundo de muito conteúdo, de muito serviço, tudo muito online, muita inteligência artificial rodando e tomando decisões – para melhor, eu espero.” •
Herlon Oliveira
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José Luiz Schiavoni
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ABRANET AJUDOU A DEFINIR O PADRÃO DA INTERNET BRASILEIRA
“A Abranet surgiu para unir os provedores que estavam começando. Era realmente abrir uma estrada. Imagine você em uma floresta com um facão e tentando abrir uma estrada. Era tudo novo, eram pioneiros, eram pessoas que trabalhavam diuturnamente, uma indústria que estava nascendo com as características de muito empreendedorismo, tecnologia muito pouca, banda larga pequena e dificuldade com equipamentos”, pontuou José Luiz Schiavoni, em entrevista para o Especial Abranet 25 anos.
Schiavoni era o CEO de uma agência de comunicação que tinha muitos clientes na área de tecnologia. “O [Antonio] Tavares me pediu, junto com outros colegas, e a gente montou a associação, ocupamos uma sala da Fiesp e fizemos o lançamento da Abranet.”
Para ele, a Abranet foi importante porque ajudou a definir o padrão de como se queria a internet no Brasil. “Havia o Comitê Gestor de Internet, havia o NIC, mas a Abranet sempre deu uma pegada mais profissional às questões da internet no Brasil”, ressaltou.
Do ponto de vista da comunicação, divulgar o que era a internet foi complexo. “Era como se a gente estivesse falando de ficção científica, um pouco, para a população”, disse. Schiavoni avalia que um desafio é que a internet permaneça democrática, livre, com a regulação mínima que ela tem hoje. •
ENTIDADE DEU UM NORTE AOS PROVEDORES
Olmes Berriel era dono de um pequeno provedor – que até hoje é dele – na época da criação da Abranet. Era BBS e seguiu evoluindo conforme novas tecnologias surgiram. Em 1996, a Abranet nasceu, um pouco depois da internet comercial no Brasil, e Berriel se associou à entidade. “Eu participava como associado até que acabei sendo diretor. Até hoje, estou ligado à diretoria de uma forma ou de outra, como em conselho”, contou.
Para ele, a fundação da Abranet foi muito importante para dar um norte aos provedores, um direcionamento para seguirem. Olmes Berriel afirmou que, no início, os provedores de internet já tinham uma ideia de que, em um futuro breve, todos teriam computadores interligados. “Porém, houve uma evolução muito grande em algumas áreas que nem todos nós podíamos vislumbrar”, disse.
Para ele, a evolução está na direção da expansão da IA, que, aliada à internet, deve causar transformações. “Existe uma oportunidade muito grande de crescimento nessas áreas onde se possa associar a inteligência artificial”, apontou, citando ainda que o IPv6 vai permitir a Internet das Coisas.
Com relação aos provedores de internet, Berriel foi na linha de ofertar outros serviços e não conexão, desenvolvendo a parte de cloud servers, servidores virtuais, rede privada virtual, segurança de dados. Falando em segurança, esta é, para ele, um pontochave da internet. “Eu entendo a segurança como uma questão muito importante e que deve evoluir muito.”, assinalou. •
Olmes Berriel
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Eduardo Neger
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PAPEL DA ABRANET É CONTRIBUIR PARA A REGULAMENTAÇÃO RESPONSÁVEL
A internet discada é a referência da internet comercial no Brasil – e também no mundo. Mas, antes disso, ela já estava, ainda que de modo embrionário, no meio acadêmico. No Brasil, quem fazia a gestão da internet, logo no começo, era a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que gerenciava a rede para as três grandes universidades paulistas: a Unicamp, a USP e a Unesp. “Eu tive a felicidade de acompanhar um pouco essa internet no começo, a internet acadêmica”, relatou Eduardo Neger, atual presidente da Associação Brasileira de Internet.
Depois de instituída, a internet teve um impacto avassalador. Ela transformou diversos setores, desde a relação com as correspondências, o consumo de notícias, a maneira de interagir com amigos e o comércio. Naquele contexto surgia a Abranet, que, segundo frisou seu atual presidente, se propõe a ser uma entidade que congrega a cadeia de valor da internet do Brasil, com empresas provedoras de conectividade, de conteúdo, de hospedagem, de comércio e todo o ecossistema.
Hoje, a entidade tem uma atuação muito importante quanto às empresas de meios de pagamento, que surgiram com a viabilização do comércio eletrônico e, atualmente, estão praticamente rivalizan do com bancos. • -
Ainda que não ligadas diretamente à entidade, muitas pessoas testemunharam a jornada de duas décadas e meia da Associação Brasileira de Internet. Esta edição Especial Abranet 25 anos ouviu essas personalidades, que contaram um pouco do cenário àquela época.
O mercado podia não conhecer a dimensão da internet, mas sabia a relevância de ter uma associação que representasse seus interesses, relatou o fundador do UOL, Gil Torquato. Vanda Scartezini foi taxativa ao dizer que a internet no Brasil só avançou porque se garantiu independência das operadoras de telecomunicações.
O professor Silvio Meira lembrou que o mercado aberto foi crucial para a construção de um novo ambiente econômico, determinante para o estabelecimento de milhares de empresas de internet no País. Um dos políticos mais atuantes na origem da Abranet, Júlio Semeghini ressaltou que os ISPs trouxeram à tona a vocação empreendedora. O jornalista Ethevaldo Siqueira, que acompanha a evolução do setor nas últimas décadas, destacou que é vital preservar a liberdade e a ausência de controles políticos da internet no Brasil.
ASSOCIAÇÃO PREPARA O FUTURO SEM TRAIR O PASSADO
Uma das alavancas para a internet ganhar força e atrair público foi a produção de conteúdo, e o UOL exerceu papel preponderante. Quem contou essa história foi Gil Torquato que, em 1996, era diretor do Grupo UOL. Torquato ressaltou que o UOL, desde o início, apoiou a criação da Abranet. “Sabíamos a importância de ter uma associação forte que representasse esse novo mundo que estava se abrindo”, frisou.
O principal desafio na época era conseguir linhas telefônicas, recordou Torquato, contando que o UOL fez uma grande peregrinação no Brasil inteiro, em todas as 27 telcos, para obtê-las. “Criamos através do UOL o maior backbone da internet da América Latina”, disse.
Era o fim da década de 1990 e começo dos anos 2000 quando o acesso gratuito apareceu como uma ameaça. “Foi, na verdade, uma estratégia das operadoras, das telcos, em preservar o tráfego dentro das suas próprias redes. Não era um objetivo maior no sentido de propagar a internet ou de criar serviços novos na internet; era basicamente para proteger as suas redes de telecomunicações.”
Em 25 anos, as empresas se reinventaram e a própria Abranet se transformou. “Mudamos o branding para Associação Brasileira de Internet, porque estávamos percebendo que o mundo estava se abrindo e não poderíamos continuar com o nome ‘provedor de internet’. Ampliamos o escopo”, destacou Torquato. •
Gil Torquato
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Silvio Meira
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ABRANET FOI FUNDAMENTAL PARA O DESENVOLVIMENTO DA REDE
Silvio Meira é uma referência em assuntos de tecnologia no Brasil. Em 1996, ano da fundação da Abranet, ele coordenava o ProTeM - Programa Temático Multi-institucional em Ciência da Computação. Na época, ele e muitas pessoas saíram em caravana pelo Brasil reunindo gente em auditórios para falar do que viria a ser a internet e da grande oportunidade de negócios que havia para o provedor de acesso.
Meira também participou da criação do CGI e nele atuou em dois mandatos de dois anos como representante dos usuários, fazendo parte do grupo que criou as primeiras regras, a governança que, por exemplo, levou ao estabelecimento do domínio ‘.com.br’ como de nacionalidade e língua portuguesa brasileiras.
Para ele, a associação teve o papel, no período inicial, de agregar as pessoas para entenderem o negócio de provedor de internet. “A Abranet foi fundamental para ajudar a estabelecer as regras, para convencer as pessoas de que existia um ambiente econômico para elas investirem nisso”, apontou.
“É fundamental continuar a ver a internet como uma rede de muitas redes, que tem que funcionar de forma articulada, com políticas comuns de troca de informação, de comunicação, com um entendimento básico de que não adianta vir alguém e dizer ‘é assim que vai ser feito’”, assinalou. •
A INDEPENDÊNCIA EM RELAÇÃO ÀS OPERADORAS ERA CRUCIAL
Vanda Scartezini fazia parte da esfera governamental quando a internet começou a se desenvolver no Brasil. “Lá atrás, em 1981, começou uma discussão entre o CPqD, na Telebrás, e a Embratel sobre o modelo OSI de interconexão aberta. O Brasil, por motivos políticos, não aderiu ao TCP IP. Foi somente na Eco-92, no Rio de Janeiro, que a Rede Nacional de Pesquisa passou a integrar a rede mundial da internet e àquela altura o backbone interno no Brasil ia de Belém a Porto Alegre, com Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Brasília, Rio, São Paulo, Curitiba e Florianópolis. Então, a gente com aquela rede entrou efetivamente no backbone mundial”, contou.
Scartezini passou a se envolver mais com a internet quando foi nomeada secretária de tecnologia do MDIC [Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio] no início de 1995, com Ivan Moura Campos como secretário da Sepin pelo MCTI.
Em 1999, Scartezini tornou-se secretária da Sepin (hoje Sempi) e se aproximou mais das associações relacionadas ao setor. De acordo com ela, pelo resto do mundo eram as grandes operadoras de telecomunicações que proviam internet. “Mas a gente enxergava o Brasil como diferentes ambientes, onde em alguns lugares podia até ser tranquilo ter as operadoras, mas nos rincões deste País não haveria, provavelmente, interesse das privadas em levar internet”, pontuou.
“Então, começamos a batalhar com o ministro Sérgio Motta, a discutir essas questões. E, em 1995 mesmo, Sérgio Motta publicou a norma número 4, que definiu que o acesso à internet era um serviço de valor agregado e não podia ser do monopólio, obrigando a Embratel a parar de fornecer essa conexão direta de internet ao usuário final e não permitindo que ela cobrasse pela conexão”, relembrou.
A norma 4 foi decisiva para o mercado de provedores de internet, ao se vislumbrar que seriam pequenas empresas que levariam o acesso à internet à população de locais remotos. Se, de um lado, o mercado se desenvolveu como esperado com milhares de provedores, de outro, a troca de tráfego era um ponto a ser melhorado, segundo apontou Vanda Scartezini. Ela lembrou a criação, por parte da Abranet, em 2001, de um ponto de tráfego, o NAP Abranet, cujo foco era oferecer alternativa de banda e de preço para os ISPs.
Scartezini enfatizou que a pandemia nos obrigou a usar ainda mais a internet. Ela acredita que a expansão da fibra ótica, combinada com a disseminação de tecnologias e modelos como Open RAN, ditará os próximos anos. “O futuro vai exigir baixa latência e uma absoluta segurança. Para termos novas aplicações de baixa latência, vamos ter de repensar o modelo de globalização”, sinalizou, explicando que os conteúdos terão de ficar mais perto dos usuários. Ela ressaltou também a importância da governança para que não se perca o modelo global. Com relação ao futuro da Abranet, Scartezini foi enfática: “A Abranet já se reinventou no passado e vai ter de continuar se reinventando no futuro.” •
Vanda Scartezini
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Julio Semeghini
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Julio Semeghini esteve à frente dos debates sobre o marco regulatório: como deputado, era o presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara. “As pessoas foram aprendendo a se conectar, com serviços públicos e privados; não havia ainda essa rede toda que tem hoje. Foi uma discussão grande para construir um marco”, relatou.
Semeghini falou sobre o papel da privatização e a transformação que partiu dela, colocando debates importantes no Congresso Nacional. “Graças ao Brasil e à oportunidade de articulação, do espírito de liderança, nasceu a Abranet.
Ele aproveitou a entrevista para parabenizar todos aqueles que passaram por esses 25 anos na liderança da Abranet. Destacou também o papel dos provedores de internet e o espírito empreendedor do brasileiro, de levar a rede a uma enorme cobertura, com os pequenos ISPs levando internet aonde os grandes não chegavam.
Para Semeghini, ainda é preciso expandir a infraestrutura para a internet chegar a mais regiões do País. “Tem alguns projetos importantíssimos; um deles está nesse edital do 5G, que vai permitir que algumas dezenas de bilhões de reais, em vez de pagos como imposto, possam chegar como uma maior infraestrutura não só a cidades pequenas, mas também a pequenos povoados.” •
“A internet é fruto das tecnologias das comunicações. No momento em que você teve a telefonia com fio, depois telefonia sem fio, rádio, a internet é uma decorrência. Ela se tornou um benefício mundial, porque, pela primeira vez, você consegue colocar em contato qualquer pessoa que disponha desse meio”, disse o jornalista Ethevaldo Siqueira.
Siqueira, que acompanha o setor de telecomunicações há décadas, ressaltou que, quando a internet comercial foi lançada, não era possível projetar que fosse abranger um percentual tão grande da humanidade. O multissetorialismo da internet foi relevante para seu fortalecimento. No Brasil, a criação do Comitê Gestor foi muito importante, assim como o papel que a Associação Brasileira de Internet desempenhou ao longo desses anos.
“A Abranet fez o papel de levar [a internet] a um número muito grande de usuários, de empresas, criando uma consciência da importância desse meio de comunicação e também da necessidade de preservarmos um ambiente político regulatório que impedisse que a internet caísse em monopólio, seja privado, seja governamental”, disse. Para Ethevaldo Siqueira, a preservação da liberdade e a ausência de controles políticos e ideológicos resumem a essência da internet. •
Ethevaldo Siqueira
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As empresas de internet, em especial, os provedores de conectividade, foram a essência da fundação da Abranet e, ainda que a entidade tenha se aberto para novas modalidades de atuação, os ISPs mantêm sua enorme importância. Ao longo dos anos, assim como a própria Abranet, eles se modificaram, tanto expandindo quanto mudando seus modelos de negócio.
O Especial Abranet 25 anos ouviu duas empresas que exemplificam bem o atual momento dos provedores de internet.
Enquanto a Desktop abriu capital na B3 e vem fazendo uma série de aquisições, a Life expandiu sua atuação, indo além do provimento de acesso. Com isso, ambas as empresas estão pavimentando o caminho para a amplitude que o futuro da internet trará.
DESKTOP: UM LONGO TRAJETO ATÉ O IPO
Em julho de 2021, a Desktop deu um passo importante: começou a operar na B3, depois de fazer uma oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês). Além do IPO, a empresa vem realizando uma série de aquisições. À frente de um processo de consolidação de mercado, a Desktop tem uma longa história.
Em 1996, Denio Alves Lindo trabalhava na IBM com internet, prestando serviços, quando pensou em montar a empresa. “O conceito de provedor não era uma coisa que existia no Brasil, estava começando, era muito incipiente ainda. A gente começou trabalhando com BBS, em 1996, e, em 1997, na Desktop.”
No mesmo período, Alves Lindo conheceu a atuação da Abranet e começou a interagir com outros provedores. “[A Abranet] tem sido um parceiro muito importante nessa história.”
A Desktop é um exemplo do momento atual dos provedores, mas chegar até aí não foi fácil. “No transcorrer desses anos, centenas, milhares de empresas deixaram de existir. Tem de estar sempre se adaptando, não só do ponto de vista tecnológico, mas também do ponto de vista de mercado, do entendimento das demandas dos assinantes”, disse.
Segundo Alves Lindo, “a Abranet é a associação das mais representativas de internet no Brasil. Um diferencial bastante importante é que ela engloba desde pequenos aos grandes provedores, operadoras de telecom, operadoras de conteúdo, um leque variado, muito amplo.” •
Denio Alves Lindo
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Alair Fragoso
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LINK: COMEÇO COM ACESSO DISCADO
Formado em Física, Alair Fragoso tinha um posto de gasolina em meados da década de 1990, quando a internet comercial começava no Brasil. “Lembro perfeitamente que vi um anúncio no jornal da Embratel disponibilizando o serviço de internet para os brasileiros, lá em 1995. Fiz o meu cadastro na BBS e achei aquilo interessante”, contou.
Demorou ainda um par de anos para Fragoso ingressar no mercado de provedores de internet. Sua empresa foi lançada no início de 1998 com dez linhas telefônicas, em acesso discado e um link de 64 K analógico da cidade de Pompéia para Marília, ambas no interior de São Paulo. “Era muito interessante, porque eu ia oferecer internet para as pessoas e elas falavam assim: ‘Mas para que serve isso? O que eu vou fazer com isso?’”, lembra. O seu papel – como o de diversos outros empresários do ramo – também era de educar a população.
Fragoso se aproximou da Abranet no começo dos anos 2000. “A Abranet tem um grande papel, porque a gente precisa ter um representante das empresas, dos empresários, para levar as informações até o governo, até os nossos deputados, até os órgãos regulamentadores.”
A Life expandiu a atuação entrando, por exemplo, no serviço de monitoramento de imagens de câmeras, portarias remotas em condomínio, controles de acesso para empresas, datacenter. Daqui para frente, o foco do provedor é, segundo Fragoso, se tornar um prestador de servi ços de valor adicionado. • -
Uma jornada de 25 anos também fica marcada pelas saudades de amigos que ajudaram a escrever a história da Abranet e da internet no Brasil. Na memória da associação, estão Aleksandar Mandić, Álvaro Marques, Luis Carlos Bonilha e Sérgio Sá. O empreendedorismo, visão e apoio dessas pessoas permitiram consolidar a Abranet como uma entidade na luta pelos direitos das empresas de internet.
A trajetória da internet brasileira contou ainda com dois protagonistas na área do governo. Um deles foi Sérgio Motta, ministro das Comunicações da gestão Fernando Henrique Cardoso e responsável por ter assinado a norma 4, que em 1995 transformou a internet em serviço de valor adicionado e fora da tutela das estatais de telecomunicações. O outro foi Renato Guerreiro, primeiro presidente da Agência Nacional de Telecomunicações, que sempre dialogou para um bom entendimento entre o poder público e a iniciativa privada.
O legado de Mandić, Marques, Bonilha, Sá, Motta e Guerreiro impulsiona a associação a continuar escrevendo capítulos importantes na história das empresas de internet no Brasil. A todos esses personagens, o agradecimento da Abranet.
MUITOS AJUDARAM A CONSTRUIR A INTERNET BRASILEIRA E A ABRANET. UM OBRIGADO AOS QUE PARTIRAM
A história da internet no Brasil não estaria completa sem pessoas que hoje não estão mais entre nós. O Especial Abranet 25 anos resgata a participação de quem também ajudou a palmilhar o caminho que levou à consolidação da entidade e do próprio mercado da internet.
Renato Guerreiro
Ana Paula Lobo
No dia 23 de outubro de 2011, partia Luis Bonilha, um dos fundadores da Abranet e com atuação decisiva na entidade, além de ter sido um dos executivos que estruturaram a internet comercial no País. Com seu temperamento sereno, Bonilha testemunhou momentos decisivos da Anatel. Como empresário do setor, entendia as dificuldades de cada um dos associados e do próprio segmento de internet naquele início. Havia muitas dúvidas sobre como seria o mundo da internet, e empreender nos anos 90 nessa área era vocação de poucos, e entre esses poucos estava Bonilha.
Alegre e bom camarada, Sérgio Sá faleceu em 6 de novembro de 2015. Sua inteligência e bom humor foram fundamentais para fazer valer as suas propostas e reflexões sobre o mercado. Sá morreu atuando como diretor de serviços da entidade.
Executivo como poucos, Sérgio Sá construiu uma sólida carreira na área comercial, no planejamento estratégico e no desenvolvimento de novos negócios para pequenos e médios empreendedores. Para ele, todos tinham espaço no mercado. Sua escolha sempre foi sentar-se à mesa e dialogar porque só assim seria possível construir um consenso.
Em maio de 2020, morreu Álvaro Marques. Um dos fundadores da Abranet, foi também o primeiro presidente da TelComp, entidade criada para representar as chamadas operadoras competitivas, surgidas para estimular a concorrência com as teles tradicionais e levar serviços a quem não tinha acesso.
Firme nas suas proposições, Marques buscava sempre conciliar os interesses das diferentes empresas de internet e de telecomunicações. Orgulhava-se de sua participação na fundação da Abranet e nas brigas por tantas questões regulatórias.
Neste ano, uma referência da internet brasileira nos deixava. No dia 6 de maio de 2021, morria Aleksandar Mandić. Em 1996, quando a internet comercial engati-
nhava, Mandić transformava o seu BBS em Mandić Internet. O BBS, lançado em 1990, foi o primeiro do Brasil e funcionava com conexão discada e velocidade máxima de 9,6 Kbps. Ainda assim, era uma novidade e um feito.
Ciente de que a internet não pararia mais, em 1990, Mandić se tornou sócio-fundador do iG, em associação com a GP Investimentos e uma empresa argentina. Em entrevista à Abranet, disse: “A internet pegou todo mundo desprevenido. Ninguém imaginava o boom que ia ser.”
O iG oferecia internet grátis e sua entrada no mercado obrigou os provedores de acesso a se reinventarem. “Quando lançamos o iG, em 9 de janeiro de 2000, tivemos 30 mil cadastramentos em um só dia e chegamos ao fim do mês com 800 mil usuários. Com 800 mil usuários, você consegue ganhar dinheiro. Então, o iG foi pensado para ser grande, porque pequeno não funcionaria”, relatou. Com inovação na veia, Mandić logo se interessou por novos projetos e mirou o retorno da Mandić Internet, agora, com um olhar corporativo. Afinal, a internet não era mais ‘brincadeira de usuário final’, mas um meio de fazer negócios. Nessa jornada, começou com o e-mail e evoluiu até a oferta de serviços de computação em nuvem. Em 2012, vendeu a empresa para o fundo de investimentos Riverwood Capital, por R$ 100 milhões. Mas Mandić não parou por aí. Em 2013, foi a vez de investir em Wi-Fi gratuito. Criou um aplicativo de repositório de senhas de Wi-Fi de locais públicos. E seguiu sua vida dividindo-se entre Brasil e Portugal.
INTERNET. POLÍTICA. E O SONHO DO SERVIÇO PARA TODOS
A internet comercial se tornou realidade no Brasil em 1995, com a publicação da norma 4 pelo então Ministro das Comunicações, Sérgio Motta. Ele enfrentou as operadoras estatais e decidiu que a internet, uma novidade que ninguém sabia exatamente onde iria parar, seria “livre e teria competição”. Foram momentos de tensão e de muita conversa. Quem sempre esteve ao lado de Motta, para garantir vida à internet e às telecomunicações privatizadas, foi o paraense Renato Guerreiro.
Falar de Sérgio Motta, que morreu no dia 19 de abril de 1996, aos 57 anos, é narrar a história da internet no Brasil. Foi na sua gestão à frente do Ministério das Comunicações que a internet brasileira ficou fora do controle das operadoras estatais, mais precisamente, da Embratel, de atuação nacional.
Parece que foi simples e fácil. Mas não foi. Houve uma guerra surda nos bastidores até a edição da norma 4, que transformou a internet em serviço de valor adicionado. Junto com a norma 4, veio o Comitê Gestor da Internet do Brasil, em um modelo multissetorial.
Motta deixou sua marca. Dois anos depois, foi feita a privatização do setor de telecomunicações. O ex-ministro, polêmico devido às suas opiniões, ouviu a academia, ouviu quem queria investir no País e liberou a internet para quem quisesse construí-la. Hoje ela segue sem amarras estatais e sem controle de serviços.
Quem também deixou seu legado foi Renato Navarro Guerreiro, primeiro presidente da Agência Nacional de Telecomunicações, criada em 1997. Foi um dos artífices da privatização do setor, ocorrida em julho de 1998 e um projeto deixado por Sérgio Motta. Guerreiro ficou à frente da Anatel até 2002. Conciliador, mas firme em suas posições, enfrentou dificuldades no objetivo a que se propôs e que foi alcançado.
Sua meta era consolidar a privatização e evitar a volta do monopólio. Ao sair da agência, em 2002, Guerreiro advertia que a flexibilidade do setor de telecomunicações teria de ser uma premissa da regulamentação do modelo brasileiro. Defendia que a qualidade do serviço precisava ser percebida pelo consumidor e que, se não fosse assim, o esforço não teria valido a pena. O que ele dizia continua válido: ainda há muito por fazer porque ainda há muitos brasileiros sem acesso à internet e aos serviços de telecomunicações. •

