Parecer do Dr. Miguel Reale Junior

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P A R E C E R

I – INTRODUÇÃO

Em Notícia de Infração Disciplinar suscitada pelo Sport Clube Internacional (SCI), junto ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva, foi apresentada pelo clube suscitante, ora Consulente, uma compilação de e-mails que recebera na caixa

de

e-mails

de

seu

funcionário

Felipe

Dellagrave

Baumann, relativos a troca de mensagens entre o Diretor de Registro da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ou seu subordinado com o responsável por registros do clube Vitória de Salvador, acerca da contratação do jogador Victor Santos. As

mensagens

diziam

respeito

à

necessidade

de

a

transferência ser de natureza internacional e não nacional, recebendo

o

time

baiano,

Vitória,

orientações

de

como

realizar o empréstimo do jogador.

1


Esta compilação foi juntada aos autos pelos advogados do

SCI.

A

Confederação

Brasileira

de

Futebol

arguiu

a

falsidade desta compilação. Foram juntados aos autos laudos periciais. Há dois laudos periciais acerca da origem desta compilação, um de autoria do perito GUILHERME MACEDO, outro da lavra dos peritos OTO HENRIQUE RODRIGUES E JOÃO HENRIQUE RODRIGUEZ. Há também parecer do Professor CLÁUDIO MORENO acerca do conteúdo do constante da compilação em confronto com o existente na Ata Notarial retratando o conteúdo dos originais dos e-mails compilados. Antes de examinar a origem da compilação recebida pelo Sport

Clube

Internacional,

cumpre

analisar

os

dados

elementares do crime do falso documental, a se iniciar pelo conceito de documento, sua relevância e a exigência de relevância da falsidade. Ao depois, se irá analisar a não autoria

da

falsidade

por

parte

do

Consulente

e

seus

prepostos, bem como a inadequação típica do crime de uso de documento falso. Por fim, será estudada a não configuração típica do crime de falsidade em face da irrelevância das alterações havidas, além da circunstância dos documentos terem sido submetidos ao crivo do Tribunal Desportivo e à análise da parte partícipe da elaboração dos e-mails constantes da compilação.

II - DOCUMENTO E RELEVÂNCIA DO FALSO

Há uma obrigatória relação a se estabelecer entre o conceito de documento e o conceito de falso, pois a falsidade

2


para constituir mutação da realidade relevante a configurar delito só poderá dizer respeito a aspecto característico e próprio do documento em sua autenticidade e em seu conteúdo. Assim, deve-se partir do conceito de documento para se determinar o conceito de falso, a fim de conceituar o que vem a ser o falso documental. Poder-se-ia de forma mais sintética dizer que documento consiste na materialização da expressão de um pensamento, mas deve-se ir além. Documento etimologicamente vem do latim, docere, relativa a ensinamento, o que serve a instruir1, não sendo, portanto, apenas uma vacuidade, mas a expressão de uma situação relevante. O monografista MALIVERNI, após elencar cerca de trinta definições

de

documento

extraídas

de

doutrinadores

em

especial italianos e alemães, destaca que em sua maioria prevalentemente destaca-se como característica do documento a sua destinação probatória, a sua eficácia e relevância jurídica dos fatos a provar. MALIVERNI, entre tantas definições, escolhe a dada por MAURACH,

para

quem

documento

vem

a

ser

uma

declaração

compreensível proveniente de determinado autor, destinada a prova juridicamente relevante. Documento, portanto, tem uma compreensão objetiva e funcional2. MALINVERNI destaca, então, que o objeto de proteção mediante a incriminação do falso vem a ser o documento em

1

Em francês, document, similar ao português, vem do latim, documentum, como explicam BLOCH.O e WARTBURG, W.von. Dictionnaire étymologique de la langue française. Paris, Puf, 2.002, p. 200. 2 MALINVERNI, Alessandro. Teoria del falso documentale. Milão, 1.958, p. 17 e seguintes.

3


sua eficácia probatória, sob os ângulos da destinação e da força probante, como requisitos do documento que venham a ser atingidos pela falsidade3. Remetendo-se a diversos penalistas, os quais destacam ser documento um escrito de determinado autor que contenha declaração

de

vontade

idônea

a

sufragar

uma

pretensão

jurídica ou uma declaração destinada, segundo seu conteúdo intelectual,

às

relações

jurídicas,

SOLER,

com

sua

proverbial clareza, conceitua: “Documento es una atestación escrita en palavras mediante las cuales un sujeto expressa algo dotado de significación jurídica4”. Entre nós, NELSON HUNGRIA é preciso: documento, sub specie juris, diz ele, é “todo o escrito especialmente destinado a servir ou eventualmente utilizável como meio de prova para fato juridicamente relevante5”. Mais

recentemente,

caracterizar-se

o

forma

autor

escrita;

bem

documento

especifica

pelos

determinado;

REGIS

seguintes conteúdo;

PRADO

requisitos: relevância

jurídica6.

3

MALINVERNI, Alessandro. Teoria del falso documentale. Milão, cit., p. 249. Em uma compreensão funcional, no direito espanhol, veja-se RODRIGUEZ DEVESA, Jose Maria. Derecho Penal Español – parte especial. 5a. ed. Madrid, 1.973, p. 861, para quem documento é um escrito no qual se dá corpo a um conteúdo de pensamento destinado a entrar no tráfico jurídico. O Código Penal da Espanha em seu art. 26 define documento como o suporte material que expresse ou incorpore dados, fatos ou narrações com eficácia probatória ou qualquer outro tipo de relevância jurídica. MORILLAS CUEVA, L. Compendio de Derecho Penal Español (parte especial) dirigido por Cobo del Rosal, Madrid, Marcial Pons, 2.000, p. 740, destaca dever a falsidade incidir sobre a eficácia probatória do documento ou da relevância jurídica que dele possa derivar. 4 SOLER, Sebastián. Derecho Penal argentino, tomo V. 2a. reimpressão. Buenos Aires, 1.953, p. 354. 5 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. v. IX. 2a. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1.958, p.250. 6 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal brasileiro, v. 4 – parte especial – arts 289 – 359 H. 4a. ed. São Paulo, RT, 2.006, p. 142.

4


Se

estas

são

as

características

do

documento,

a

falsidade documental apenas se perfaz se incidir sobre uma delas de forma a prejudicar a destinação ou força probante do documento, mesmo porque, como pondera outro reconhecido penalista italiano, ALFREDO DE MARSICO, “non se falsifica per falsificare ma per conseguire un resultato che sta al di là dela falsificazione7”. E conclui DE MARSICO que no crime de falso há a violação da aparência enquanto manifestação de uma situação relevante no âmbito das relações jurídicas8. Deve haver no crime de falso uma alteração da verdade acerca,

portanto,

de

uma

circunstância

relevante

que

interfira na relação jurídica objeto do conteúdo transcrito ou de sua autoria, de modo a se poder vir, em face da modificação havida, dar causa a um prejuízo, a um dano. Por

essas

razões,

NELSON

HUNGRIA9

foi

incisivo

ao

afirmar que o crime de falso não existe sem ao menos a possibilidade de prejuízo a alguém, se não puder vir a afetar interesse juridicamente apreciável ou que “gravite na órbita jurídica”.

Se

o

falso

não

provoca

um

dano

ou

não

tem

7

MARSICO, Alfredo de. Falsità in atti, verbete na Enciclopedia del Diritto, v. XVI. Varese, Giuffrè, 1967, p. 562. No mesmo sentido, GOMES, Mariângela Gama de Magalhães, Direito Penal- Jurisprudência em Debate coord. Miguel Reale Júnior, 2a. ed. São Paulo, Saraiva, 2.016, p. 631 e 638, segundo quem a falsidade documental, além de ofender ou colocar em perigo o precípuo interesse social relativo à crença de todos na genuinidade e eficácia dos documentos legalmente destinados à constatação de direitos e obrigações, também é dirigida contra o patrimônio privado, a firmeza das relações jurídicas, a inteireza dos meios de prova. 8 MARSICO, Alfredo de. Falsità in atti, verbete na Enciclopedia del Diritto, v. XVI. cit., p. 569. 9 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. v. IX., cit., p. 253. Igualmente, SOLER, Sebastian, Derecho Penal argentino, tomo V. cit., p. 399, segundo quem, é exigência comum de todas as formas de falsidade documental a de que dela possa resultar prejuízo.

5


potencialidade

para

tanto,

a

sua

relevância

deve

ser

excluída, como bem assinalam RAMACCI e REGIS PRADO10.

III - O FALSO INÓCUO

O crimen falsi, afirma SILVIO AMARAL, existe quando não apenas

realizado

com

um

mínimo

de

idoneidade

material,

necessário para tornar possível a aceitação do falso por verdadeiro, mas também ao interferir no âmbito de terceiro. Destarte, a seu ver “ a falsificação

inócua, sem qualquer

repercussão na órbita dos direitos ou das obrigações de quem quer que seja, não constitui ilícito penal, embora contenha em si ostensivamente o requisito da alteração da verdade documental11”. O falso inócuo diz respeito a uma modificação que não interfere no conteúdo essencial do documento ou na indicação de sua origem e autoria. Em nada se transforma a realidade do escrito em sua força probante, dado que a alteração ocorrida é de intrínseca irrelevância sobre o elemento de prova a que se refere o texto12. Se

a

alteração

ocorrida

manteve

idêntica

a

força

probante do conteúdo, sendo irrelevante em face das relações referidas,

pois

na

sua

essência

a

mensagem

ou

ideia

transmitida não foi atingida, não houve o dado fundamental

10

RAMACCI, Fabrizzio. Falsità ideologica nel sistema del falso documentale. Nápoles, Eugenio Jovene, 1.966, p. 240; PRADO, Luiz Regis, Curso de Direito Penal brasileiro, v. 4 – parte especial, cit., p. 149, Segundo o qual, no crime de falsidade há de estar presente ao menos o risco de dano. 11 AMARAL, Sylvio do. Falsidade Documental. 4ª ed., Campinas: Millennium, 2000, p. 68. 12 MARSICO, Alfredo de. Falsità in atti, verbete na Enciclopedia del Diritto, v. XVI. cit., p.582.

6


do crime de falso, qual seja a potencialidade de causar prejuízo, de provocar um dano, por via de alguma eventual modificação lateral, sendo, destarte o falso inócuo. Se permanece íntegra a força probante, não há crime de falso13. A possibilidade de dano decorrente da falsidade é dado elementar

do

crime

de

falso,

sem

o

que

a

ofensividade

inexiste, não se corporificando a antijuridicidade material, razão pela qual o tipo penal não se aperfeiçoa.

IV - DOCUMENTO SUBMETIDO À APRECIAÇÃO DA AUTORIDADE

De outra parte, como já se tem considerado de forma pacífica na Doutrina e na Jurisprudência, não se corporifica a falsidade ideológica quando a Declaração é submetida à análise da autoridade com plena capacidade para ajuizar sobre a veracidade da afirmação, bem como pelas partes que teriam participado da feitura do documento. É o que se pode colher das seguintes decisões do STJ: “Consoante recente orientação jurisprudencial do egrégio Supremo Tribunal Federal14, seguida por esta

Corte,

eventual

declaração

de

pobreza

firmada com o fito de obter o benefício da gratuidade de justiça não se adéqua ao tipo penal previsto no artigo 299 do Código Penal, pois não possui, por si só, força probante, já que sujeita

13

RAMACCI, Fabrizzio. Falsità ideologica nel Sistema del falso documentale. cit., p. 242; 14 Veja-se - HC 85976/MT do Supremo Tribunal Federal – Relator(a): Ministra ELLEN GRACIE.

7


à

posterior

averiguação

pelo

Magistrado,

de

ofício ou a requerimento”15.

Do Tribunal Regional Federal da 3ª Região pode-se também verificar a seguinte orientação:

“Não se pode reconhecer falsidade ideológica em documento sujeito à verificação, principalmente quando submetido a confronto objetivo pelo juiz da causa”16. Não é diferente a posição da Doutrina, como se vê em LUIZ REGIS PRADO: “Não haverá, também, o delito na hipótese em que, embora tenha o agente feito declaração falsa ou diversa da que deveria fazer, ou ainda omitido o

que

deveria

declarar

para

a

confecção

do

documento público, incumbir ao funcionário ou oficial a obrigação de averiguar a fidelidade da atestação”17.

Inexiste falsidade ideológica, o mesmo se aplicando à falsidade material, quando o documento é submetido ao exame da Administração Pública ou da Justiça, por meio de seus órgãos, pois entregue à livre apreciação da autoridade, que 15

HC 110422/DF - HABEAS CORPUS 2008/0148955-8 – Relator(a): Ministra JANE SILVA, SEXTA TURMA; No mesmo sentido RHC 23121/SP - Recurso Ordinário em Habeas Corpus, 2008/0040145-8 – Relator(a): Ministro FELIX FISCHER - QUINTA TURMA. 16 TRF 3.ª Região – HC 910328368-2 – Relator(a) Desembargadora ARICÊ AMARAL – JSTJ e TRF-LEX. 17 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol. 3. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 307.

8


examinará sua forma e seu conteúdo e, no caso da falsidade material, ao exame também do autor do documento, como parte do processo em apreciação pela autoridade judicial. Ora, se a declaração será examinada e verificada pela autoridade pública competente e pelas partes que poderão se manifestar contrária ou favoravelmente ao documento, não há que se cogitar pela ocorrência de falso material objeto de pronta visualização e verificação do partícipe da feitura do documento a ser apreciado e pela autoridade judicante. Trata-se de orientação consolidada tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência brasileiras, de modo pacífico, no que tange à falsidade ideológica, mas plenamente cabível à falsidade material, em especial no presente caso no qual as partes tiveram imediato acesso aos documentos juntados em processo perante a justiça desportiva. No âmbito doutrinário, já Nelson Hungria lecionava não existir

ilícito

penal

de

falsidade

ideológica

se

o

funcionário que recebe o documento está adstrito a averiguar propriis sensibus a fidelidade dessa declaração – mesmo na hipótese de haver falsidade no conteúdo da declaração18. A

jurisprudência,

nesse

sentido,

é

caudalosa19.

O

Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre o tema mais de uma vez:

18 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, vol. IV, Rio, Forense, 1988, p. 280. 19 Para além dos exemplos que serão citados adiante, confiram-se os julgados mencionados por Celso Delmanto et. al.: “Não existe falso ideológico em documento sujeito a verificação (TJSP, RT 779/548, HC 278.762-3/1, Bol. IBCCrim 89/441, RJTJSP 170/297, RT 602/336; TRF da 3ª R., JSTJ e TRF 39/451; TJRS, mv – RJTJRS 165/78; TRF da 1ª R., RT 792/722). A declaração, feita em documento público ou particular, para produzir efeito jurídico com força probante, deve valer por si só; se depender, para tais fins, de comprovação, não é idônea para configurar o crime de falsidade ideológica (TJMS, mv – RT 691/342; TJMG Ap. 166.7013/0, j. 24.2.2000, Bol. IBCCrim 100/524). (DELMANTO, Celso. Código Penal comentado, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 863)

9


“PENAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. DOCUMENTO SUJEITO A POSTERIOR VERIFICAÇÃO, SEM INDAGAÇÃO COMPLEXA. 1. Não há ofensa à fé pública e consequentemente não se perfaz a figura delituosa do art. 299 do Código Penal, simples requerimento de inscrição em concurso público, onde se afirma, sob as penas da lei, ser portador de diploma de Bacharel em Direito, sem que isto corresponda à realidade. É que o requerimento nesta hipótese, sujeito a posterior verificação, sem indagação complexa e futura, não se presta à comprovação da condição habilitadora, ou na dicção do STF, não vale por si mesmo. Assim sendo, no âmbito do crime em tela, só é hábil a ofender a fé pública o documento, que, por si, possua força probante e que não esteja sujeito a conferência, situação diferenciada que justifica

a

existência

de

proteção

do

bem

jurídico na esfera penal, pois, efetivamente, importa em ofensa à fé pública. No

caso

em

tela,

à

evidência,

a

declaração

particular estava sujeita a verificação. Face

ao

exposto,

meu

voto

defere

o

pedido

revisional para, com fundamento no art. 386, III, do Cód., Penal, absolver Juliano Rodrigues da prática do crime previsto no art. 299, caput, do Cód. Penal”.20

20

TJSP, Revisão Criminal nº 0013572-04.2015.8.26.0000, Rel. Des. Nuevo Campos, 5º Grupo de Direito Criminal, j. 05.11.2015. Nesse mesmo sentido: TJSP, Apelação Criminal n. 0010789- 58.2008.8.26.0073, Rel. Des. Nuevo Campos, 10ª Câmara Criminal, j. 28.06.2012; TJSP, Apelação nº 002432506.2012.8.26.0071, Rel. Des. Francisco Bruno, 10ª Câmara Criminal, j. 09.04.2015; TJSP, Apelação nº 0009404-06.2010.8.26.0526, Rel. Des. Paulo Rossi, 12ª Câmara Criminal, j. 15.10.2014; TJSP, Apelação n° 000558396.2006.8.26.0602, Rel. Des. Newton Neves, 16ª Câmara Criminal, j. 12.04.2011; TJSP, Apelação Criminal n° 993.08.036021-9, Rel. Des.

10


V - USO DE DOCUMENTO FALSO

Para que se configure o crime de uso de documento falso, previsto no art. 304 do Código Penal, é mister que quem o usa saiba ser o mesmo falso. Assim, conforme ressalta a Jurisprudência, para se corporificar o crime de uso de documento falso é necessário ter o usuário ciência de ser o documento falso. Decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo21 consagram: “O crime de uso de documento falso é doloso. Admitido o elemento normativo, claro está que a boa-fé exclui o dolo, pois ela é a crença sincera e honesta de agir no sentido lícito permitido”. “Para que se configure o delito do art.304 do CP é indispensável o dolo, que consiste na vontade livre

e

consciente

de

fazer

uso

falso,

conhecendo a sua falsidade”. “O requisito fundamental subjetivo, assim, para a caracterização do delito em espécie, é o dolo genérico, que compreende obviamente, a ciência da falsidade do documento, pois se a dúvida não exclui o dolo, a ignorância o exclui”.

Lofrano Filho, 9ª Câmara Criminal, j. 25.08.2008, dentre vários outros julgados. 21 Revista dos Tribunais, 512, p. 365, Relator CUNHA BUENO; Revista dos Tribunais, 513, p. 367, Relator, CAMARGO SAMPAIO; Revista dos Tribunais, 454, p.333, Relator, MENDES FRANÇA.

11


Na Doutrina, encontra-se clara imposição da exigência do elemento subjetivo consistente na ciência e consciência da falsidade do documento, pois é evidente, diz LOMBARDI, que se alguém ignora que o documento é falso não pode de modo algum haver dolo22. A vontade de usar o documento deve vir revestida da consciência da falsidade, pois a ignorância da falsidade exclui o uso doloso23. Examinados

os

elementos

configuradores

do

crime

de

falso e do uso de documento falso, pode-se adentrar na análise do fato, para analisar se há adequação do ocorrido no

presente

caso

em

estudo

com

as

figuras

penais

da

falsidade. Primeiramente, contudo, há uma questão relevante a ser destacada, qual seja a de que os documentos apodados de falso, se falsidade houve, não teria a mesma sido produzida pelo Consulente, ou por qualquer representante seu, que apenas se limitou a repassar a compilação de e-mails que recebera,

sendo

imediatamente

idênticas

as

retransmitidas

mensagens ao

recebidas

Tribunal

de

e

as

Justiça

Desportiva. Trata-se,

portanto,

de

questão

fundamental,

de

comprovação de não autoria de eventual falsidade ocorrida na compilação de e-mails recebida e retransmitida.

22

LOMBARDI, Giovanni. Trattato di Diritto Penale – v.VII – dei delitti contro la fede pubblica. 2a.ed. Milão, Casa Editrice Vallardi, 1.923, p.230. 23 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. v. IX., cit.p. 299; BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal – parte especial 4. 5a. ed. São Paulo, Saraiva, 2.011, p. 473.

12


VI - NÃO AUTORIA E AUSÊNCIA DE DOLO

Como foi explicitado na Consulta, em 7 de dezembro, o Sport Club Internacional (SCI) recebeu, por meio de e-mail, uma compilação de mensagens eletrônicas havidas entre o Diretor de Registro e Transferência da CBF, Reynaldo Buzzoni, e representantes do E.C. Vitória, em formato de “pdf”. No mesmo dia, por intermédio do advogado Rogério Pastl, o SCI juntou, por petição eletrônica, a compilação recebida, nos autos da Notícia de Infração Disciplinar Autônoma que tramitava no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). A compilação dos e-mails – que somava seis e-mails foi enviada, conforme atesta o perito GUILHERME MACEDO, em minucioso

estudo,

a

amr@trsadvogados.com.br,

partir

pertencente

do ao

endereço

advogado

André

Ribeiro. O e-mail também foi enviado como cópia para outro endereço brn@trsadvogados.com.br. Importante

notar

que

neste

e-mail

foi

possível

verificar a existência de um arquivo anexo denominado “Email MTY.pdf” sendo que ao se abrir este arquivo visualizou-se “a mesma

compilação

de

e-mails

juntada

pelo

Sport

Club

Internacional perante a Justiça Desportiva24”. (grifei) Em uma busca realizada nos e-mails do advogado André Ribeiro, identificou o perito um e-mail intitulado “Fwd: RV: RESPUESTA A SU CORREO DE FECHA 17 DE JUNIO 1.06, ASSUNTO PRESUNTA FALTA DE REGISTRO DE TRANSACCION EN TMS”, pelo

Sr.

Decio

Berman,

pelo

endereço

de

enviado e-mail

24

P. 7 do Laudo.

13


dberman@uol.com.br ao Sr. André, no dia 6 de dezembro de 2.016. O

perito

incialmente

verificou, enviado

também, por

que

Antonio

antonio.gutierrez@rayados.com

este

e-mail

foi

Gutierrez

para

o

e-mail

dberman@uol.com.br , brn@trsadvogados.com.br, Luis Salvador –

lmsalvador@rayados.com

e

Luis

Treviño

luis.trevino@femsa.com.mx, em 6 de dezembro de 2.016 às 17:30 horas. Constatou, também, que no e-mail há diversos anexos incluindo o arquivo denominado “4 MENSAJES CBF REYNALDO BUZZONI.pdf.”, sendo que ao abrir o arquivo encontra-se a mesma compilação de e-mails trocados entre a CBF e o Vitória. Como já antes se destacou, o conteúdo do arquivo “4 MENSAJES CBF REYNALDO BUZZONI.pdf” e o conteúdo do arquivo “Email – MTY.pdf” possuem a mesma compilação de e-mails O e-mail com o título “RESPUESTA A SU CORREO DE FECHA 17

JUNIO

2016,

ASUNTO

PRESUNTA

FALTA

DE

REGISTRO

DE

TRANSACION EN TMS” foi enviado pelo sr. Antonio Gutierrez a Décio Berman – dberman@uol.com.br , que o enviou a André Ribeiro. Constata o perito que este e-mail, bem como a compilação de mensagens entre a CBF e o Vitória “foram enviados a partir de um e-mail de um usuário vinculado ao Clube Monterrey25”. O Laudo, portanto, conclui que o arquivo “Email MTY.pdf” contém a mesma compilação da troca de e-mails entre o diretor de registros da CBF e o Vitória sobre a inscrição do jogador 25

P. 31 do laudo.

14


Victor Ramos, constante do arquivo “4 Mensajes CBF REYNALDO BUZZONI.pdf”, originalmente enviado por Antonio Gutierrez pelo

e-mail

antonio.gutierrez@rayados.com

ao

Clube

de

Futebol Monterrey. A conclusão final é patente: “o conteúdo da compilação da troca de e-mails não foi alterado pelo Sr. Felipe ou pelo Sport Club Internacional26”. (grifei) No mesmo sentido o parecer dos peritos OTO HENRIQUE RODRIGUES E JOÃO HENRIQUE RODRIGUEZ, segundo os quais:

“esse arquivo .PDF não foi criado pelo Sport Clube Internacional, mas sim recebido como anexo em

e-mail

oriundo

de

fora

da

Instituição

e

repassado exatamente como recebido ao STJD. É possível afirmar categoricamente que o arquivo .PDF

e

seus

respectivos-mails

não

foram

”mexidos” pelo Internacional, em face de ter sido feito o rastreamento do .PDF e de suas propriedades

intrínsecas

por

especialista

em

informática, que constatou perfeita concordância do código HASH, fato que não ocorreria caso tivesse arquivo

sido

alterado

recebido

qualquer

detalhe

originalmente

do pelo

Internacional”.

A compilação de e-mails de datas anteriores pode ter sofrido alguma pequena alteração irrelevante na sua junção, o que se imagina como mera hipótese, mas o conteúdo essencial que era e é grave manteve-se íntegro. Os advogados e o dirigentes

imediatamente

retransmitiram

a

compilação

26

P. 33 do laudo.

15


incólume à Justiça Desportiva, à qual competiria avaliar seu valor probante. Era impossível saber minimamente a eventual supressão ou qualquer alteração dos e-mails recebidos, pois havia identificação

de

sua

autoria

e

destinatário,

bem

como

coerência e sentido certo e preciso no teor das mensagens transmitidas. A

imediata,

pronta,

retransmissão

da

compilação

recebida mostra a boa fé do SCI e dos seus advogados, que submeteram ao elevado juízo do Tribunal a apreciação dos documentos, bem como à apreciação da própria CBF, partícipe das mensagens trocadas, para se manifestar como o fez. O teor e a origem das mensagens trocadas indicavam a fidedignidade das mensagens, cujo conteúdo é extremamente grave para a entidade máxima do nosso futebol, que pretende impugnar os documentos por meras filigranas e não em sua essência, como adiante se examinará. Remetida mexicano,

a

nada

compilação se

por

desconfiava

pessoa de

ligada

sua

ao

eventual

time não

autenticidade. O envio desta compilação para exame pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva não vem a configurar o crime de Uso de Documento Falso, pois mesmo que se admita, “ad argumentandum”, que haja falsidade – o que não existe – a conduta carece manifestamente de dolo. Desconhecia-se,

ignorava-se,

inteiramente,

qualquer

alteração nas mensagens, inscientes de alguma modificação, introduzida nos e-mails compilados, agindo-se, portanto sem conhecimento e consciência de se estar a utilizar documento

16


submetido a alguma alteração. Não se tipifica, portanto, o crime de uso de documento falso. Mas nem de falsidade pode-se falar, no presente caso, como se passa a examinar.

VII - ALTERAÇÃO IRRELEVANTE

Os

laudos

trazidos

ao

processo

indicam

que

as

divergências entre os originais e os e-mails constantes da compilação são detalhes que não comprometem a essência do conteúdo. Era sabido que haveria acesso aos originais e a análise pela autoridade a mostrar a não configuração da falsidade, como já se assinalou e como adiante será melhor estudado. Cumpre, neste passo, examinar, então, os termos que teriam sido alterados. Por se tratar de uma compilação, é bem possível que o compilador tenha ao fazer a junção tenha provocado alguma alteração, ainda mais sendo em pdf27, mas a matéria de fundo, ou seja, a indicação de que o a transferência do jogador Vitor Ramos deveria ser de natureza internacional e não de natureza nacional. No primeiro e-mail, consta Vitória em vez do endereço de edsonvilasboas@ig.com.br, mas o texto é exatamente o mesmo e indicativo claramente de ser o time Vitória que está É esta a hipótese muito certamente levantada pelos peritos OTO HENRIQUE RODRIGUES e JOÃO HENRIQUE RODRIGUEZ

27

17


contratando

o

atleta

Victor

Ramos

Ferreira,

oriundo

do

Monterrey do México, indagando-se se, como estava emprestado ao Palmeiras, fora devolvido à Federação mexicana ou se está no Brasil. No segundo e-mail, de resposta do REYNALDO BUZZONI, mostra ser ele o destinatário do e-mail anterior, aliás, evidente como diretor de registro da CBF, que responde: que, se for fazer novo empréstimo, o clube mexicano tem que pedir o retorno, mas tem que ver se a janela deles está aberta. Na

continuidade,

novo

e-mail,

cuja

identidade

de

remetente e destinatário são óbvias, e nada alteradas, pois se afirma que vinham do Vitória e dirigia-se ao diretor REYNALDO. O original apresentado diz a mesma coisa!!! O teor é exatamente o mesmo: “Como o ITC está aqui no Brasil eles não podem autorizar o empréstimo para nós já que não precisa da CTI? O quarto e-mail de Reynaldo Buzzoni para Edson Vilas Boas consta o seguinte texto: “Não eles teram (sic) que fazer um pedido do retorno do empréstimo e ai entrar na Fifa pedindo a liberação deste empréstimo” No original havia uma frase que na compilação fora suprimida: “estou copiando o Bernardo que pode lhe explicar o processo”. Havia também um endereço abaixo com timbre que não aparece na compilação.

18


No quinto e-mail, a frase inicial sobre a necessidade de

o

Palmeiras

e

o

clube

mexicano

deverem

resolver

o

empréstimo permanece. Há uma parte de uma frase que foi cortada, excluindo-se a hipótese de o jogador não ter mais vínculo com o clube mexicano, hipótese esta, aliás, irreal, pois

o

vínculo

permanecia.

Portanto,

a

frase

era

despicienda28. Ficou, então, constando: ”após isso será necessário o retorno do empréstimo para o México e um novo pedido para o Vitória. Mesmo para outro clube do mesmo país, é necessário o retorno ITC para o México para depois gerar um novo empréstimo para o clube brasileiro”. No sexto e-mail juntado pelo Consulente, SCI, a essência da mensagem restou íntegra: “o clube mexicano deve entrar em contato imediatamente com o Helpdesk da Fifa para buscar orientações. Esse caso vai cair em validation exception e vai

demoarar

(sic)

para

ser

aprovado,

mas

no

fim

será

aprovado pela Fifa”. Foi

suprimida

a

frase

que

vinha

logo

a

seguir

de

orientações: “Tudo deve partir dele e de seu interesse em emprestar o jogador”. O e-mail fora enviado por Bernardo Zalan, funcionário do setor de registro da CBF, tendo por

destinatário o

28

Bem explica em seu parecer o Professor Cláudio Moreno: “apesar de extensa, a passagem apenas descrevia uma hipótese que logo em seguida perdeu o sentido, quando se comprovou, na realidade, que o vínculo do atleta com o time mexicano persistia. A CBF estava, aqui, sugerindo ao Vitória uma possibilidade que não se verificou; quem modificou o texto apresentado pelo Internacional introduziu apenas um atalho para o que realmente ocorreu, eliminando as subordinadas condicionais e reduzindo a frase à oração principal da versão original”.

19


responsável por registro do Vitória, Edson Vilas Boas e sendo copiado o diretor da CBF Reynaldo Buzzoni. Ora, a questão essencial, a questão de relevo jurídico trazida à baila pelos e-mails diz respeito ao conhecimento que possuía o diretor de registro da CBF da situação do jogador Victor Ramos, cujo vínculo com o time mexicano Monterrey, exigia que a transferência fosse de natureza internacional,

sendo

necessário

seu

retorno

à

equipe

mexicana e novo empréstimo ao time brasileiro, Vitória, sendo irregular a transferência meramente nacional. Este fato essencial, os originais deixam ainda mais patente do que a compilação recebida pelo Consulente, SCI, e as alterações ocorridas nos textos em nada modificaram o núcleo do conteúdo, apenas tocaram em dados laterais, com certeza por obra da junção realizada de forma imperita pelo dirigente do clube Monterrey. As alterações são inócuas29. São indiferentes à situação jurídica, em nada prejudicam, pelo contrário, o diretor da CBF. A responsabilidade deste, por se revelar pelos e-mails sua ciência da necessidade da transferência internacional do jogador Victor Ramos, brota dos textos que identicamente estão presentes nos originais e nos e-mails da compilação juntada

pelo

Consulente.

Em

nada

diminuem

sua

29

As conclusões do Professor Cláudio Moreno casam-se perfeitamente com nosso ponto de vista ao considerar na resposta ao 1o. quesito: houve alguma mudança no texto original das mensagens que alterasse o seu teor? — “a resposta é negativa. As recomendações da CBF estão claríssimas, assim como as hesitações dos dirigentes do Vitória. Se em algumas mensagens foram omitidas algumas informações (remetente, destinatário, horário de postagem, etc.), a CBF se encarregou de complementá-las ao requerer tão oportunamente a Ata Notarial com a transcrição das mensagens que trocou com o time baiano”. Foram estas pequenas alterações que se prenderam os peritos autores dos laudos juntados ao processo que concluem ter havido falsificação. Alteração do irrelevante.

20


responsabilidade

os

textos

suprimidos.

A

origem

e

o

destinatário de cada e-mail são evidentes e claros. Nada se falseou para causar prejuízo, e, se modificações houve, já visto de nenhuma responsabilidade e conhecimento do Sport Clube Internacional, deve ter sido por imperícia de quem organizou a compilação, mas sem prejudicar a essência do conteúdo, cujo teor nuclear manteve-se íntegro. Em face das alterações constatadas não houve qualquer repercussão na órbita dos direitos ou das obrigações de terceiro, pois em nada se transformou a realidade do escrito em sua força probante, dada a intrínseca irrelevância dos elementos modificados em face da prova a que se referem os textos. Foram a estes dados irrelevantes que se prenderam os laudos juntados que concluem por ter havido falsificação. Não qualificam o objeto da Falsificação. Apenas registram a alteração de dados inócuos. Conteúdo,

autoria

e

destinatário

das

mensagens

não

destoam do que foi informado pela compilação. Pelo contrário, os e-mails originais apresentados confirmam que as autorias e destinatários são os mesmos que surgem como decorrentes do conjunto dos e-mails formadores da compilação. Não se alterou conteúdo ou autoria e destinatário. O núcleo da matéria contida nos e-mails é o mesmo tanto na compilação como nos originais fornecidos pela CBF e comprometem a entidade e seu diretor. A força probante restou sempre exata. Não se perfez, portanto, crime de falso, pois em nada se atingiu dado de relevância jurídica com as laterais modificações ocorridas por quem operou a compilação recebida pela Consulente.

21


VIII - SUBMISSÃO AO CRIVO DO TRIBUNAL

Já se examinou acima a não tipificação do falso, seja ideológico como material, quando o documento estará sujeito ao crivo da autoridade que irá avalia-lo. Se

os

documentos

serão

verificados

pela

autoridade

pública, no caso o Superior Tribunal de Justiça Desportiva, e pelas partes que poderão se manifestar sobre os mesmos, não há que se cogitar pela ocorrência de falso material objeto de pronta visualização e verificação, pois no caso presente a própria CBF, partícipe da elaboração dos e-mails, estará a apreciá-los, como de fato esteve. Seria ingênuo em demasia

apresentar

ao

autor

do

documento

uma

versão

falsificada no processo de que é parte!!!! Não se atinge o bem jurídico quando o documento eivado de falsidade será submetido a crivo da autoridade judicial, ainda

mais,

como

no

presente

caso,

alimentada

pelo

contraditório formado exatamente pelo autor do documento apresentado, que aliás o sonegava ao tribunal. A CBF veio a apresentar os e-mails para fundamentar a arguição de falsidade, mesmo com o ônus de comprometer a ação incorreta na condução da transferência do jogador Victor Santos, cujo trâmite de natureza internacional estava ciente de que deveria ser seguido e não o foi. Destarte, a lesividade do falso não está presente na conduta em exame, afastada, portanto, a configuração típica, como consagrado na Jurisprudência e na Doutrina.

22


IX – CONCLUSÃO E RESPOSTA AOS QUESITOS

Das considerações acima despendidas pode-se concluir que a compilação de e-mails foi enviada pelo Sr. Antonio Gutierrez a Décio Berman – dberman@uol.com.br , que o enviou a André Ribeiro, que, por sua vez, a retransmitiu ao Sport Clube

Internacional,

que

por

meio

de

seus

advogados

a

apresentou imediatamente ao Tribunal Desportivo. Assim, a compilação tal como recebida, foi reenviada. As eventuais alterações são de somenos, irrelevantes e constituem modificações inócuas que em nada alteram a essência da questão objeto das mensagens trocadas. Esta compilação, apresentada ao Tribunal Desportivo, passou a estar sob a análise da autoridade judicante e da própria parte partícipe da elaboração dos documentos apresentados, sujeita a verificação, portanto, a exame prévio incapaz de vir

a

causar

qualquer

prejuízo

ao

tráfico

jurídico.

A

ausência de adequação típica destes fatos aos crimes de falsidade e de uso de documento falso resta patente, cabendo apenas a responder pontualmente aos quesitos propostos:

1) Há

elementos

que

apontem

a

autoria

dos

crimes

de

falsidade ou de uso de documento falso por pessoa vinculada

ao

S.C.

Internacional

ou

por

algum

dos

advogados que o representou? RESPOSTA: Como já salientado, a compilação de e-mails foi

recebida

pelo

SCI,

na

pessoa

do

Sr.

Felipe

Dallegrave Baumann em e-mail que lhe foi enviado por André Ribeiro, que o recebera de Antônio Gutierrez. Essa compilação de e-mails foi por sua vez passada aos

23


advogados do SCI, que por petição eletrônica a juntaram ao processo em tramitação no STJD. Como destacado no parecer, os peritos destacaram que a compilação tal como recebida pelo SCI foi retransmitida ao

Tribunal.

Cabe

relembrar

a

conclusão

do

perito

GUILHERME MACEDO: “o conteúdo da compilação da troca de e-mails não foi alterado pelo Sr. Filipe ou pelo Sport Club Internacional. Igualmente, os peritos OTO HENRIQUE RODRIGUES E JOÃO HENRIQUE RODRIGUEZ, afirmam que “esse arquivo .PDF não foi criado pelo Sport Clube Internacional, mas sim recebido

como

anexo

em

e-mail

oriundo

de

fora

da

Instituição e repassado exatamente como recebido ao STJD. É possível afirmar categoricamente que o arquivo .PDF e seus respectivos-mails não foram ”mexidos” pelo Internacional. Assim, não houve a prática de qualquer modificação material na compilação por parte de quem quer que seja do SCI, seja diretor, funcionário ou advogado, pois a compilação

de

e-mails

tal

como

recebida

foi

retransmitida ao Tribunal Desportivo.

2) É exigível dolo para adequação ao tipo penal do uso de documento falso? Agiu com dolo qualquer pessoa ligada ao S.C. Internacional ou os advogados que representaram o Clube? RESPOSTA: a

Tão logo recebida, de imediato foi reenviada

compilação

de

e-mails

ao

crivo

do

Tribunal.

A

autenticidade da compilação era de se presumir, pois o

24


conjunto de mensagens claramente revelava ser as mesmas fidedignas, tinham um discurso coerente, começo, meio e fim. E de fato correspondiam ao real, como depois se revelou,

na

sua

essência,

no

confronto

com

os

originais. Não

havia,

por

parte

do

Internacional

ou

de

seus

advogados qualquer conhecimento e consciência de serem eivadas de algum vício as mensagens compiladas, aliás apresentadas

para exame do

Tribunal, onde

qualquer

eventual vício poderia ser arguido. O crime de uso de documento falso, como acima analisado, exige que o agente tenha firme ciência da falsidade do documento e apesar de dono deste saber o utilize. Não é o caso dos advogados e diretores ou funcionários do Internacional, que agindo com boa fé, deram seguimento imediato à compilação recebida, submetendo-a ao crivo do

Tribunal,

sem

ter

nela

“mexido”.

Não

manifestamente dolo e logo não se tipifica o crime de uso de documento falso.

3) Há necessidade, para configuração típica do crime de falso,

que

eventual

alteração

tenha

relevância

jurídica? É possível afirmar que a própria Ata Notarial juntada pela CBF comprova que eventuais alterações não têm relevância jurídica, porquanto demonstrado que o sentido das mensagens não fora alterado? RESPOSTA:

se

realçou

Documento

expressa

uma

relevante,

expressa

algo

jurídica,

Bem

nas

palavras

ao

longo

do

situação dotado de

de

SOLER,

parecer

que

juridicamente significación portanto,

em

25


contrapartida, o falso apenas tem realce se disser respeito, por sua vez, a alteração ocorrida em uma circunstância jurídica

relevante

objeto

do

que

conteúdo

interfira

na

relação

transcrito

ou

de

sua

autoria, de modo a se poder vir, em face da modificação havida, dar causa a um prejuízo, a um dano. Segundo

se

analisado

examinou, pelo

modificações

e

foi,

também,

Professor

havidas

na

CLÁUDIO

compilação,

com

precisão

MORENO,

as

em

do

face

constante da Ata Notarial constituem dados inócuos, SEM RELEVO, destituídos de qualquer potencialidade para intervir na órbita dos direitos e relações jurídicas que são objeto da matéria essencialmente tratada nas mensagens, cujo núcleo remanesce íntegro. Os

emitentes

e

destinatários

são

identificáveis.

O

sentido das mensagens está preciso e preservado. Em nada

a

supressão

das

frases

suprimidas,

como

bem

analisou o Professor CLÁUDIO MORENO, prejudicou direito de alguém ou da CBF. Não se perfez, portanto, crime de falso, pois em nada se atingiu dado de relevância jurídica com as laterais modificações ocorridas por quem operou a compilação recebida pela Consulente.

4) A

submissão

Desportivo,

da bem

compilação como

à

de

e-mails

própria

CBF,

ao

Tribunal

partícipe

da

elaboração das mensagens e do processo no Tribunal, conforme

a

Jurisprudência

e

a

Doutrina,

desfigura

eventual falsidade típica, pois sujeita ao crivo da autoridade?

26


RESPOSTA: Conforme analisado, a sujeição do documento à apreciação de autoridade avaliadora da fidedignidade do documento, faz com que este, antes de atuar sobre a realidade das relações acerca das quais versa, seja objeto de apreciação.

Por isso, a Jurisprudência e a Doutrina, entendem que a falsidade, e aplica-se tal entendimento à falsidade ideológica ou material, não se perfaz se é submetida ao crivo da autoridade, pois inocorre por via deste exame prévio a ofensa ao bem jurídico.

No presente caso, os documentos, a compilação de emails

foi

entregue

ao

Tribunal

Desportivo

e

imediatamente a parte, CBF, arguiu um incidente de falsidade, lavrando uma Ata Notarial apresentando os originais, que aliás confirmam, em sua essência, no seu núcleo, o teor exato do constante da compilação.

Assim, não ocorreu pela ação controladora do Tribunal e da parte qualquer possível atingimento da fé pública ou de qualquer outro direito, dada a ausência de força probante por si própria de documento submetido ao crivo de exame da autoridade e ao controle do próprio autor do documento.

27


Repita-se, a lesividade do falso não está presente na conduta em exame, afastada, portanto, a configuração típica,

como

consagrado

na

Jurisprudência

e

na

Doutrina.

É esse o meu parecer Canela, 2 de abril de 2.017

MIGUEL REALE JÚNIOR

28


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