P A R E C E R
I – INTRODUÇÃO
Em Notícia de Infração Disciplinar suscitada pelo Sport Clube Internacional (SCI), junto ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva, foi apresentada pelo clube suscitante, ora Consulente, uma compilação de e-mails que recebera na caixa
de
e-mails
de
seu
funcionário
Felipe
Dellagrave
Baumann, relativos a troca de mensagens entre o Diretor de Registro da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ou seu subordinado com o responsável por registros do clube Vitória de Salvador, acerca da contratação do jogador Victor Santos. As
mensagens
diziam
respeito
à
necessidade
de
a
transferência ser de natureza internacional e não nacional, recebendo
o
time
baiano,
Vitória,
orientações
de
como
realizar o empréstimo do jogador.
1
Esta compilação foi juntada aos autos pelos advogados do
SCI.
A
Confederação
Brasileira
de
Futebol
arguiu
a
falsidade desta compilação. Foram juntados aos autos laudos periciais. Há dois laudos periciais acerca da origem desta compilação, um de autoria do perito GUILHERME MACEDO, outro da lavra dos peritos OTO HENRIQUE RODRIGUES E JOÃO HENRIQUE RODRIGUEZ. Há também parecer do Professor CLÁUDIO MORENO acerca do conteúdo do constante da compilação em confronto com o existente na Ata Notarial retratando o conteúdo dos originais dos e-mails compilados. Antes de examinar a origem da compilação recebida pelo Sport
Clube
Internacional,
cumpre
analisar
os
dados
elementares do crime do falso documental, a se iniciar pelo conceito de documento, sua relevância e a exigência de relevância da falsidade. Ao depois, se irá analisar a não autoria
da
falsidade
por
parte
do
Consulente
e
seus
prepostos, bem como a inadequação típica do crime de uso de documento falso. Por fim, será estudada a não configuração típica do crime de falsidade em face da irrelevância das alterações havidas, além da circunstância dos documentos terem sido submetidos ao crivo do Tribunal Desportivo e à análise da parte partícipe da elaboração dos e-mails constantes da compilação.
II - DOCUMENTO E RELEVÂNCIA DO FALSO
Há uma obrigatória relação a se estabelecer entre o conceito de documento e o conceito de falso, pois a falsidade
2
para constituir mutação da realidade relevante a configurar delito só poderá dizer respeito a aspecto característico e próprio do documento em sua autenticidade e em seu conteúdo. Assim, deve-se partir do conceito de documento para se determinar o conceito de falso, a fim de conceituar o que vem a ser o falso documental. Poder-se-ia de forma mais sintética dizer que documento consiste na materialização da expressão de um pensamento, mas deve-se ir além. Documento etimologicamente vem do latim, docere, relativa a ensinamento, o que serve a instruir1, não sendo, portanto, apenas uma vacuidade, mas a expressão de uma situação relevante. O monografista MALIVERNI, após elencar cerca de trinta definições
de
documento
extraídas
de
doutrinadores
em
especial italianos e alemães, destaca que em sua maioria prevalentemente destaca-se como característica do documento a sua destinação probatória, a sua eficácia e relevância jurídica dos fatos a provar. MALIVERNI, entre tantas definições, escolhe a dada por MAURACH,
para
quem
documento
vem
a
ser
uma
declaração
compreensível proveniente de determinado autor, destinada a prova juridicamente relevante. Documento, portanto, tem uma compreensão objetiva e funcional2. MALINVERNI destaca, então, que o objeto de proteção mediante a incriminação do falso vem a ser o documento em
1
Em francês, document, similar ao português, vem do latim, documentum, como explicam BLOCH.O e WARTBURG, W.von. Dictionnaire étymologique de la langue française. Paris, Puf, 2.002, p. 200. 2 MALINVERNI, Alessandro. Teoria del falso documentale. Milão, 1.958, p. 17 e seguintes.
3
sua eficácia probatória, sob os ângulos da destinação e da força probante, como requisitos do documento que venham a ser atingidos pela falsidade3. Remetendo-se a diversos penalistas, os quais destacam ser documento um escrito de determinado autor que contenha declaração
de
vontade
idônea
a
sufragar
uma
pretensão
jurídica ou uma declaração destinada, segundo seu conteúdo intelectual,
às
relações
jurídicas,
SOLER,
com
sua
proverbial clareza, conceitua: “Documento es una atestación escrita en palavras mediante las cuales un sujeto expressa algo dotado de significación jurídica4”. Entre nós, NELSON HUNGRIA é preciso: documento, sub specie juris, diz ele, é “todo o escrito especialmente destinado a servir ou eventualmente utilizável como meio de prova para fato juridicamente relevante5”. Mais
recentemente,
caracterizar-se
o
forma
autor
escrita;
bem
documento
especifica
pelos
determinado;
REGIS
seguintes conteúdo;
PRADO
requisitos: relevância
jurídica6.
3
MALINVERNI, Alessandro. Teoria del falso documentale. Milão, cit., p. 249. Em uma compreensão funcional, no direito espanhol, veja-se RODRIGUEZ DEVESA, Jose Maria. Derecho Penal Español – parte especial. 5a. ed. Madrid, 1.973, p. 861, para quem documento é um escrito no qual se dá corpo a um conteúdo de pensamento destinado a entrar no tráfico jurídico. O Código Penal da Espanha em seu art. 26 define documento como o suporte material que expresse ou incorpore dados, fatos ou narrações com eficácia probatória ou qualquer outro tipo de relevância jurídica. MORILLAS CUEVA, L. Compendio de Derecho Penal Español (parte especial) dirigido por Cobo del Rosal, Madrid, Marcial Pons, 2.000, p. 740, destaca dever a falsidade incidir sobre a eficácia probatória do documento ou da relevância jurídica que dele possa derivar. 4 SOLER, Sebastián. Derecho Penal argentino, tomo V. 2a. reimpressão. Buenos Aires, 1.953, p. 354. 5 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. v. IX. 2a. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1.958, p.250. 6 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal brasileiro, v. 4 – parte especial – arts 289 – 359 H. 4a. ed. São Paulo, RT, 2.006, p. 142.
4
Se
estas
são
as
características
do
documento,
a
falsidade documental apenas se perfaz se incidir sobre uma delas de forma a prejudicar a destinação ou força probante do documento, mesmo porque, como pondera outro reconhecido penalista italiano, ALFREDO DE MARSICO, “non se falsifica per falsificare ma per conseguire un resultato che sta al di là dela falsificazione7”. E conclui DE MARSICO que no crime de falso há a violação da aparência enquanto manifestação de uma situação relevante no âmbito das relações jurídicas8. Deve haver no crime de falso uma alteração da verdade acerca,
portanto,
de
uma
circunstância
relevante
que
interfira na relação jurídica objeto do conteúdo transcrito ou de sua autoria, de modo a se poder vir, em face da modificação havida, dar causa a um prejuízo, a um dano. Por
essas
razões,
NELSON
HUNGRIA9
foi
incisivo
ao
afirmar que o crime de falso não existe sem ao menos a possibilidade de prejuízo a alguém, se não puder vir a afetar interesse juridicamente apreciável ou que “gravite na órbita jurídica”.
Se
o
falso
não
provoca
um
dano
ou
não
tem
7
MARSICO, Alfredo de. Falsità in atti, verbete na Enciclopedia del Diritto, v. XVI. Varese, Giuffrè, 1967, p. 562. No mesmo sentido, GOMES, Mariângela Gama de Magalhães, Direito Penal- Jurisprudência em Debate coord. Miguel Reale Júnior, 2a. ed. São Paulo, Saraiva, 2.016, p. 631 e 638, segundo quem a falsidade documental, além de ofender ou colocar em perigo o precípuo interesse social relativo à crença de todos na genuinidade e eficácia dos documentos legalmente destinados à constatação de direitos e obrigações, também é dirigida contra o patrimônio privado, a firmeza das relações jurídicas, a inteireza dos meios de prova. 8 MARSICO, Alfredo de. Falsità in atti, verbete na Enciclopedia del Diritto, v. XVI. cit., p. 569. 9 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. v. IX., cit., p. 253. Igualmente, SOLER, Sebastian, Derecho Penal argentino, tomo V. cit., p. 399, segundo quem, é exigência comum de todas as formas de falsidade documental a de que dela possa resultar prejuízo.
5
potencialidade
para
tanto,
a
sua
relevância
deve
ser
excluída, como bem assinalam RAMACCI e REGIS PRADO10.
III - O FALSO INÓCUO
O crimen falsi, afirma SILVIO AMARAL, existe quando não apenas
realizado
com
um
mínimo
de
idoneidade
material,
necessário para tornar possível a aceitação do falso por verdadeiro, mas também ao interferir no âmbito de terceiro. Destarte, a seu ver “ a falsificação
inócua, sem qualquer
repercussão na órbita dos direitos ou das obrigações de quem quer que seja, não constitui ilícito penal, embora contenha em si ostensivamente o requisito da alteração da verdade documental11”. O falso inócuo diz respeito a uma modificação que não interfere no conteúdo essencial do documento ou na indicação de sua origem e autoria. Em nada se transforma a realidade do escrito em sua força probante, dado que a alteração ocorrida é de intrínseca irrelevância sobre o elemento de prova a que se refere o texto12. Se
a
alteração
ocorrida
manteve
idêntica
a
força
probante do conteúdo, sendo irrelevante em face das relações referidas,
pois
na
sua
essência
a
mensagem
ou
ideia
transmitida não foi atingida, não houve o dado fundamental
10
RAMACCI, Fabrizzio. Falsità ideologica nel sistema del falso documentale. Nápoles, Eugenio Jovene, 1.966, p. 240; PRADO, Luiz Regis, Curso de Direito Penal brasileiro, v. 4 – parte especial, cit., p. 149, Segundo o qual, no crime de falsidade há de estar presente ao menos o risco de dano. 11 AMARAL, Sylvio do. Falsidade Documental. 4ª ed., Campinas: Millennium, 2000, p. 68. 12 MARSICO, Alfredo de. Falsità in atti, verbete na Enciclopedia del Diritto, v. XVI. cit., p.582.
6
do crime de falso, qual seja a potencialidade de causar prejuízo, de provocar um dano, por via de alguma eventual modificação lateral, sendo, destarte o falso inócuo. Se permanece íntegra a força probante, não há crime de falso13. A possibilidade de dano decorrente da falsidade é dado elementar
do
crime
de
falso,
sem
o
que
a
ofensividade
inexiste, não se corporificando a antijuridicidade material, razão pela qual o tipo penal não se aperfeiçoa.
IV - DOCUMENTO SUBMETIDO À APRECIAÇÃO DA AUTORIDADE
De outra parte, como já se tem considerado de forma pacífica na Doutrina e na Jurisprudência, não se corporifica a falsidade ideológica quando a Declaração é submetida à análise da autoridade com plena capacidade para ajuizar sobre a veracidade da afirmação, bem como pelas partes que teriam participado da feitura do documento. É o que se pode colher das seguintes decisões do STJ: “Consoante recente orientação jurisprudencial do egrégio Supremo Tribunal Federal14, seguida por esta
Corte,
eventual
declaração
de
pobreza
firmada com o fito de obter o benefício da gratuidade de justiça não se adéqua ao tipo penal previsto no artigo 299 do Código Penal, pois não possui, por si só, força probante, já que sujeita
13
RAMACCI, Fabrizzio. Falsità ideologica nel Sistema del falso documentale. cit., p. 242; 14 Veja-se - HC 85976/MT do Supremo Tribunal Federal – Relator(a): Ministra ELLEN GRACIE.
7
à
posterior
averiguação
pelo
Magistrado,
de
ofício ou a requerimento”15.
Do Tribunal Regional Federal da 3ª Região pode-se também verificar a seguinte orientação:
“Não se pode reconhecer falsidade ideológica em documento sujeito à verificação, principalmente quando submetido a confronto objetivo pelo juiz da causa”16. Não é diferente a posição da Doutrina, como se vê em LUIZ REGIS PRADO: “Não haverá, também, o delito na hipótese em que, embora tenha o agente feito declaração falsa ou diversa da que deveria fazer, ou ainda omitido o
que
deveria
declarar
para
a
confecção
do
documento público, incumbir ao funcionário ou oficial a obrigação de averiguar a fidelidade da atestação”17.
Inexiste falsidade ideológica, o mesmo se aplicando à falsidade material, quando o documento é submetido ao exame da Administração Pública ou da Justiça, por meio de seus órgãos, pois entregue à livre apreciação da autoridade, que 15
HC 110422/DF - HABEAS CORPUS 2008/0148955-8 – Relator(a): Ministra JANE SILVA, SEXTA TURMA; No mesmo sentido RHC 23121/SP - Recurso Ordinário em Habeas Corpus, 2008/0040145-8 – Relator(a): Ministro FELIX FISCHER - QUINTA TURMA. 16 TRF 3.ª Região – HC 910328368-2 – Relator(a) Desembargadora ARICÊ AMARAL – JSTJ e TRF-LEX. 17 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol. 3. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 307.
8
examinará sua forma e seu conteúdo e, no caso da falsidade material, ao exame também do autor do documento, como parte do processo em apreciação pela autoridade judicial. Ora, se a declaração será examinada e verificada pela autoridade pública competente e pelas partes que poderão se manifestar contrária ou favoravelmente ao documento, não há que se cogitar pela ocorrência de falso material objeto de pronta visualização e verificação do partícipe da feitura do documento a ser apreciado e pela autoridade judicante. Trata-se de orientação consolidada tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência brasileiras, de modo pacífico, no que tange à falsidade ideológica, mas plenamente cabível à falsidade material, em especial no presente caso no qual as partes tiveram imediato acesso aos documentos juntados em processo perante a justiça desportiva. No âmbito doutrinário, já Nelson Hungria lecionava não existir
ilícito
penal
de
falsidade
ideológica
se
o
funcionário que recebe o documento está adstrito a averiguar propriis sensibus a fidelidade dessa declaração – mesmo na hipótese de haver falsidade no conteúdo da declaração18. A
jurisprudência,
nesse
sentido,
é
caudalosa19.
O
Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre o tema mais de uma vez:
18 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, vol. IV, Rio, Forense, 1988, p. 280. 19 Para além dos exemplos que serão citados adiante, confiram-se os julgados mencionados por Celso Delmanto et. al.: “Não existe falso ideológico em documento sujeito a verificação (TJSP, RT 779/548, HC 278.762-3/1, Bol. IBCCrim 89/441, RJTJSP 170/297, RT 602/336; TRF da 3ª R., JSTJ e TRF 39/451; TJRS, mv – RJTJRS 165/78; TRF da 1ª R., RT 792/722). A declaração, feita em documento público ou particular, para produzir efeito jurídico com força probante, deve valer por si só; se depender, para tais fins, de comprovação, não é idônea para configurar o crime de falsidade ideológica (TJMS, mv – RT 691/342; TJMG Ap. 166.7013/0, j. 24.2.2000, Bol. IBCCrim 100/524). (DELMANTO, Celso. Código Penal comentado, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 863)
9
“PENAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. DOCUMENTO SUJEITO A POSTERIOR VERIFICAÇÃO, SEM INDAGAÇÃO COMPLEXA. 1. Não há ofensa à fé pública e consequentemente não se perfaz a figura delituosa do art. 299 do Código Penal, simples requerimento de inscrição em concurso público, onde se afirma, sob as penas da lei, ser portador de diploma de Bacharel em Direito, sem que isto corresponda à realidade. É que o requerimento nesta hipótese, sujeito a posterior verificação, sem indagação complexa e futura, não se presta à comprovação da condição habilitadora, ou na dicção do STF, não vale por si mesmo. Assim sendo, no âmbito do crime em tela, só é hábil a ofender a fé pública o documento, que, por si, possua força probante e que não esteja sujeito a conferência, situação diferenciada que justifica
a
existência
de
proteção
do
bem
jurídico na esfera penal, pois, efetivamente, importa em ofensa à fé pública. No
caso
em
tela,
à
evidência,
a
declaração
particular estava sujeita a verificação. Face
ao
exposto,
meu
voto
defere
o
pedido
revisional para, com fundamento no art. 386, III, do Cód., Penal, absolver Juliano Rodrigues da prática do crime previsto no art. 299, caput, do Cód. Penal”.20
20
TJSP, Revisão Criminal nº 0013572-04.2015.8.26.0000, Rel. Des. Nuevo Campos, 5º Grupo de Direito Criminal, j. 05.11.2015. Nesse mesmo sentido: TJSP, Apelação Criminal n. 0010789- 58.2008.8.26.0073, Rel. Des. Nuevo Campos, 10ª Câmara Criminal, j. 28.06.2012; TJSP, Apelação nº 002432506.2012.8.26.0071, Rel. Des. Francisco Bruno, 10ª Câmara Criminal, j. 09.04.2015; TJSP, Apelação nº 0009404-06.2010.8.26.0526, Rel. Des. Paulo Rossi, 12ª Câmara Criminal, j. 15.10.2014; TJSP, Apelação n° 000558396.2006.8.26.0602, Rel. Des. Newton Neves, 16ª Câmara Criminal, j. 12.04.2011; TJSP, Apelação Criminal n° 993.08.036021-9, Rel. Des.
10
V - USO DE DOCUMENTO FALSO
Para que se configure o crime de uso de documento falso, previsto no art. 304 do Código Penal, é mister que quem o usa saiba ser o mesmo falso. Assim, conforme ressalta a Jurisprudência, para se corporificar o crime de uso de documento falso é necessário ter o usuário ciência de ser o documento falso. Decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo21 consagram: “O crime de uso de documento falso é doloso. Admitido o elemento normativo, claro está que a boa-fé exclui o dolo, pois ela é a crença sincera e honesta de agir no sentido lícito permitido”. “Para que se configure o delito do art.304 do CP é indispensável o dolo, que consiste na vontade livre
e
consciente
de
fazer
uso
falso,
conhecendo a sua falsidade”. “O requisito fundamental subjetivo, assim, para a caracterização do delito em espécie, é o dolo genérico, que compreende obviamente, a ciência da falsidade do documento, pois se a dúvida não exclui o dolo, a ignorância o exclui”.
Lofrano Filho, 9ª Câmara Criminal, j. 25.08.2008, dentre vários outros julgados. 21 Revista dos Tribunais, 512, p. 365, Relator CUNHA BUENO; Revista dos Tribunais, 513, p. 367, Relator, CAMARGO SAMPAIO; Revista dos Tribunais, 454, p.333, Relator, MENDES FRANÇA.
11
Na Doutrina, encontra-se clara imposição da exigência do elemento subjetivo consistente na ciência e consciência da falsidade do documento, pois é evidente, diz LOMBARDI, que se alguém ignora que o documento é falso não pode de modo algum haver dolo22. A vontade de usar o documento deve vir revestida da consciência da falsidade, pois a ignorância da falsidade exclui o uso doloso23. Examinados
os
elementos
configuradores
do
crime
de
falso e do uso de documento falso, pode-se adentrar na análise do fato, para analisar se há adequação do ocorrido no
presente
caso
em
estudo
com
as
figuras
penais
da
falsidade. Primeiramente, contudo, há uma questão relevante a ser destacada, qual seja a de que os documentos apodados de falso, se falsidade houve, não teria a mesma sido produzida pelo Consulente, ou por qualquer representante seu, que apenas se limitou a repassar a compilação de e-mails que recebera,
sendo
imediatamente
idênticas
as
retransmitidas
mensagens ao
recebidas
Tribunal
de
e
as
Justiça
Desportiva. Trata-se,
portanto,
de
questão
fundamental,
de
comprovação de não autoria de eventual falsidade ocorrida na compilação de e-mails recebida e retransmitida.
22
LOMBARDI, Giovanni. Trattato di Diritto Penale – v.VII – dei delitti contro la fede pubblica. 2a.ed. Milão, Casa Editrice Vallardi, 1.923, p.230. 23 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. v. IX., cit.p. 299; BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal – parte especial 4. 5a. ed. São Paulo, Saraiva, 2.011, p. 473.
12
VI - NÃO AUTORIA E AUSÊNCIA DE DOLO
Como foi explicitado na Consulta, em 7 de dezembro, o Sport Club Internacional (SCI) recebeu, por meio de e-mail, uma compilação de mensagens eletrônicas havidas entre o Diretor de Registro e Transferência da CBF, Reynaldo Buzzoni, e representantes do E.C. Vitória, em formato de “pdf”. No mesmo dia, por intermédio do advogado Rogério Pastl, o SCI juntou, por petição eletrônica, a compilação recebida, nos autos da Notícia de Infração Disciplinar Autônoma que tramitava no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). A compilação dos e-mails – que somava seis e-mails foi enviada, conforme atesta o perito GUILHERME MACEDO, em minucioso
estudo,
a
amr@trsadvogados.com.br,
partir
pertencente
do ao
endereço
advogado
André
Ribeiro. O e-mail também foi enviado como cópia para outro endereço brn@trsadvogados.com.br. Importante
notar
que
neste
foi
possível
verificar a existência de um arquivo anexo denominado “Email MTY.pdf” sendo que ao se abrir este arquivo visualizou-se “a mesma
compilação
de
e-mails
juntada
pelo
Sport
Club
Internacional perante a Justiça Desportiva24”. (grifei) Em uma busca realizada nos e-mails do advogado André Ribeiro, identificou o perito um e-mail intitulado “Fwd: RV: RESPUESTA A SU CORREO DE FECHA 17 DE JUNIO 1.06, ASSUNTO PRESUNTA FALTA DE REGISTRO DE TRANSACCION EN TMS”, pelo
Sr.
Decio
Berman,
pelo
endereço
de
enviado e-mail
24
P. 7 do Laudo.
13
dberman@uol.com.br ao Sr. André, no dia 6 de dezembro de 2.016. O
perito
incialmente
verificou, enviado
também, por
que
Antonio
antonio.gutierrez@rayados.com
este
foi
Gutierrez
–
para
o
dberman@uol.com.br , brn@trsadvogados.com.br, Luis Salvador –
lmsalvador@rayados.com
e
Luis
Treviño
–
luis.trevino@femsa.com.mx, em 6 de dezembro de 2.016 às 17:30 horas. Constatou, também, que no e-mail há diversos anexos incluindo o arquivo denominado “4 MENSAJES CBF REYNALDO BUZZONI.pdf.”, sendo que ao abrir o arquivo encontra-se a mesma compilação de e-mails trocados entre a CBF e o Vitória. Como já antes se destacou, o conteúdo do arquivo “4 MENSAJES CBF REYNALDO BUZZONI.pdf” e o conteúdo do arquivo “Email – MTY.pdf” possuem a mesma compilação de e-mails O e-mail com o título “RESPUESTA A SU CORREO DE FECHA 17
JUNIO
2016,
ASUNTO
PRESUNTA
FALTA
DE
REGISTRO
DE
TRANSACION EN TMS” foi enviado pelo sr. Antonio Gutierrez a Décio Berman – dberman@uol.com.br , que o enviou a André Ribeiro. Constata o perito que este e-mail, bem como a compilação de mensagens entre a CBF e o Vitória “foram enviados a partir de um e-mail de um usuário vinculado ao Clube Monterrey25”. O Laudo, portanto, conclui que o arquivo “Email MTY.pdf” contém a mesma compilação da troca de e-mails entre o diretor de registros da CBF e o Vitória sobre a inscrição do jogador 25
P. 31 do laudo.
14
Victor Ramos, constante do arquivo “4 Mensajes CBF REYNALDO BUZZONI.pdf”, originalmente enviado por Antonio Gutierrez pelo
antonio.gutierrez@rayados.com
ao
Clube
de
Futebol Monterrey. A conclusão final é patente: “o conteúdo da compilação da troca de e-mails não foi alterado pelo Sr. Felipe ou pelo Sport Club Internacional26”. (grifei) No mesmo sentido o parecer dos peritos OTO HENRIQUE RODRIGUES E JOÃO HENRIQUE RODRIGUEZ, segundo os quais:
“esse arquivo .PDF não foi criado pelo Sport Clube Internacional, mas sim recebido como anexo em
oriundo
de
fora
da
Instituição
e
repassado exatamente como recebido ao STJD. É possível afirmar categoricamente que o arquivo .PDF
e
seus
respectivos-mails
não
foram
”mexidos” pelo Internacional, em face de ter sido feito o rastreamento do .PDF e de suas propriedades
intrínsecas
por
especialista
em
informática, que constatou perfeita concordância do código HASH, fato que não ocorreria caso tivesse arquivo
sido
alterado
recebido
qualquer
detalhe
originalmente
do pelo
Internacional”.
A compilação de e-mails de datas anteriores pode ter sofrido alguma pequena alteração irrelevante na sua junção, o que se imagina como mera hipótese, mas o conteúdo essencial que era e é grave manteve-se íntegro. Os advogados e o dirigentes
imediatamente
retransmitiram
a
compilação
26
P. 33 do laudo.
15
incólume à Justiça Desportiva, à qual competiria avaliar seu valor probante. Era impossível saber minimamente a eventual supressão ou qualquer alteração dos e-mails recebidos, pois havia identificação
de
sua
autoria
e
destinatário,
bem
como
coerência e sentido certo e preciso no teor das mensagens transmitidas. A
imediata,
pronta,
retransmissão
da
compilação
recebida mostra a boa fé do SCI e dos seus advogados, que submeteram ao elevado juízo do Tribunal a apreciação dos documentos, bem como à apreciação da própria CBF, partícipe das mensagens trocadas, para se manifestar como o fez. O teor e a origem das mensagens trocadas indicavam a fidedignidade das mensagens, cujo conteúdo é extremamente grave para a entidade máxima do nosso futebol, que pretende impugnar os documentos por meras filigranas e não em sua essência, como adiante se examinará. Remetida mexicano,
a
nada
compilação se
por
desconfiava
pessoa de
ligada
sua
ao
eventual
time não
autenticidade. O envio desta compilação para exame pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva não vem a configurar o crime de Uso de Documento Falso, pois mesmo que se admita, “ad argumentandum”, que haja falsidade – o que não existe – a conduta carece manifestamente de dolo. Desconhecia-se,
ignorava-se,
inteiramente,
qualquer
alteração nas mensagens, inscientes de alguma modificação, introduzida nos e-mails compilados, agindo-se, portanto sem conhecimento e consciência de se estar a utilizar documento
16
submetido a alguma alteração. Não se tipifica, portanto, o crime de uso de documento falso. Mas nem de falsidade pode-se falar, no presente caso, como se passa a examinar.
VII - ALTERAÇÃO IRRELEVANTE
Os
laudos
trazidos
ao
processo
indicam
que
as
divergências entre os originais e os e-mails constantes da compilação são detalhes que não comprometem a essência do conteúdo. Era sabido que haveria acesso aos originais e a análise pela autoridade a mostrar a não configuração da falsidade, como já se assinalou e como adiante será melhor estudado. Cumpre, neste passo, examinar, então, os termos que teriam sido alterados. Por se tratar de uma compilação, é bem possível que o compilador tenha ao fazer a junção tenha provocado alguma alteração, ainda mais sendo em pdf27, mas a matéria de fundo, ou seja, a indicação de que o a transferência do jogador Vitor Ramos deveria ser de natureza internacional e não de natureza nacional. No primeiro e-mail, consta Vitória em vez do endereço de edsonvilasboas@ig.com.br, mas o texto é exatamente o mesmo e indicativo claramente de ser o time Vitória que está É esta a hipótese muito certamente levantada pelos peritos OTO HENRIQUE RODRIGUES e JOÃO HENRIQUE RODRIGUEZ
27
17
contratando
o
atleta
Victor
Ramos
Ferreira,
oriundo
do
Monterrey do México, indagando-se se, como estava emprestado ao Palmeiras, fora devolvido à Federação mexicana ou se está no Brasil. No segundo e-mail, de resposta do REYNALDO BUZZONI, mostra ser ele o destinatário do e-mail anterior, aliás, evidente como diretor de registro da CBF, que responde: que, se for fazer novo empréstimo, o clube mexicano tem que pedir o retorno, mas tem que ver se a janela deles está aberta. Na
continuidade,
novo
e-mail,
cuja
identidade
de
remetente e destinatário são óbvias, e nada alteradas, pois se afirma que vinham do Vitória e dirigia-se ao diretor REYNALDO. O original apresentado diz a mesma coisa!!! O teor é exatamente o mesmo: “Como o ITC está aqui no Brasil eles não podem autorizar o empréstimo para nós já que não precisa da CTI? O quarto e-mail de Reynaldo Buzzoni para Edson Vilas Boas consta o seguinte texto: “Não eles teram (sic) que fazer um pedido do retorno do empréstimo e ai entrar na Fifa pedindo a liberação deste empréstimo” No original havia uma frase que na compilação fora suprimida: “estou copiando o Bernardo que pode lhe explicar o processo”. Havia também um endereço abaixo com timbre que não aparece na compilação.
18
No quinto e-mail, a frase inicial sobre a necessidade de
o
Palmeiras
e
o
clube
mexicano
deverem
resolver
o
empréstimo permanece. Há uma parte de uma frase que foi cortada, excluindo-se a hipótese de o jogador não ter mais vínculo com o clube mexicano, hipótese esta, aliás, irreal, pois
o
vínculo
permanecia.
Portanto,
a
frase
era
despicienda28. Ficou, então, constando: ”após isso será necessário o retorno do empréstimo para o México e um novo pedido para o Vitória. Mesmo para outro clube do mesmo país, é necessário o retorno ITC para o México para depois gerar um novo empréstimo para o clube brasileiro”. No sexto e-mail juntado pelo Consulente, SCI, a essência da mensagem restou íntegra: “o clube mexicano deve entrar em contato imediatamente com o Helpdesk da Fifa para buscar orientações. Esse caso vai cair em validation exception e vai
demoarar
(sic)
para
ser
aprovado,
mas
no
fim
será
aprovado pela Fifa”. Foi
suprimida
a
frase
que
vinha
logo
a
seguir
de
orientações: “Tudo deve partir dele e de seu interesse em emprestar o jogador”. O e-mail fora enviado por Bernardo Zalan, funcionário do setor de registro da CBF, tendo por
destinatário o
28
Bem explica em seu parecer o Professor Cláudio Moreno: “apesar de extensa, a passagem apenas descrevia uma hipótese que logo em seguida perdeu o sentido, quando se comprovou, na realidade, que o vínculo do atleta com o time mexicano persistia. A CBF estava, aqui, sugerindo ao Vitória uma possibilidade que não se verificou; quem modificou o texto apresentado pelo Internacional introduziu apenas um atalho para o que realmente ocorreu, eliminando as subordinadas condicionais e reduzindo a frase à oração principal da versão original”.
19
responsável por registro do Vitória, Edson Vilas Boas e sendo copiado o diretor da CBF Reynaldo Buzzoni. Ora, a questão essencial, a questão de relevo jurídico trazida à baila pelos e-mails diz respeito ao conhecimento que possuía o diretor de registro da CBF da situação do jogador Victor Ramos, cujo vínculo com o time mexicano Monterrey, exigia que a transferência fosse de natureza internacional,
sendo
necessário
seu
retorno
à
equipe
mexicana e novo empréstimo ao time brasileiro, Vitória, sendo irregular a transferência meramente nacional. Este fato essencial, os originais deixam ainda mais patente do que a compilação recebida pelo Consulente, SCI, e as alterações ocorridas nos textos em nada modificaram o núcleo do conteúdo, apenas tocaram em dados laterais, com certeza por obra da junção realizada de forma imperita pelo dirigente do clube Monterrey. As alterações são inócuas29. São indiferentes à situação jurídica, em nada prejudicam, pelo contrário, o diretor da CBF. A responsabilidade deste, por se revelar pelos e-mails sua ciência da necessidade da transferência internacional do jogador Victor Ramos, brota dos textos que identicamente estão presentes nos originais e nos e-mails da compilação juntada
pelo
Consulente.
Em
nada
diminuem
sua
29
As conclusões do Professor Cláudio Moreno casam-se perfeitamente com nosso ponto de vista ao considerar na resposta ao 1o. quesito: houve alguma mudança no texto original das mensagens que alterasse o seu teor? — “a resposta é negativa. As recomendações da CBF estão claríssimas, assim como as hesitações dos dirigentes do Vitória. Se em algumas mensagens foram omitidas algumas informações (remetente, destinatário, horário de postagem, etc.), a CBF se encarregou de complementá-las ao requerer tão oportunamente a Ata Notarial com a transcrição das mensagens que trocou com o time baiano”. Foram estas pequenas alterações que se prenderam os peritos autores dos laudos juntados ao processo que concluem ter havido falsificação. Alteração do irrelevante.
20
responsabilidade
os
textos
suprimidos.
A
origem
e
o
destinatário de cada e-mail são evidentes e claros. Nada se falseou para causar prejuízo, e, se modificações houve, já visto de nenhuma responsabilidade e conhecimento do Sport Clube Internacional, deve ter sido por imperícia de quem organizou a compilação, mas sem prejudicar a essência do conteúdo, cujo teor nuclear manteve-se íntegro. Em face das alterações constatadas não houve qualquer repercussão na órbita dos direitos ou das obrigações de terceiro, pois em nada se transformou a realidade do escrito em sua força probante, dada a intrínseca irrelevância dos elementos modificados em face da prova a que se referem os textos. Foram a estes dados irrelevantes que se prenderam os laudos juntados que concluem por ter havido falsificação. Não qualificam o objeto da Falsificação. Apenas registram a alteração de dados inócuos. Conteúdo,
autoria
e
destinatário
das
mensagens
não
destoam do que foi informado pela compilação. Pelo contrário, os e-mails originais apresentados confirmam que as autorias e destinatários são os mesmos que surgem como decorrentes do conjunto dos e-mails formadores da compilação. Não se alterou conteúdo ou autoria e destinatário. O núcleo da matéria contida nos e-mails é o mesmo tanto na compilação como nos originais fornecidos pela CBF e comprometem a entidade e seu diretor. A força probante restou sempre exata. Não se perfez, portanto, crime de falso, pois em nada se atingiu dado de relevância jurídica com as laterais modificações ocorridas por quem operou a compilação recebida pela Consulente.
21
VIII - SUBMISSÃO AO CRIVO DO TRIBUNAL
Já se examinou acima a não tipificação do falso, seja ideológico como material, quando o documento estará sujeito ao crivo da autoridade que irá avalia-lo. Se
os
documentos
serão
verificados
pela
autoridade
pública, no caso o Superior Tribunal de Justiça Desportiva, e pelas partes que poderão se manifestar sobre os mesmos, não há que se cogitar pela ocorrência de falso material objeto de pronta visualização e verificação, pois no caso presente a própria CBF, partícipe da elaboração dos e-mails, estará a apreciá-los, como de fato esteve. Seria ingênuo em demasia
apresentar
ao
autor
do
documento
uma
versão
falsificada no processo de que é parte!!!! Não se atinge o bem jurídico quando o documento eivado de falsidade será submetido a crivo da autoridade judicial, ainda
mais,
como
no
presente
caso,
alimentada
pelo
contraditório formado exatamente pelo autor do documento apresentado, que aliás o sonegava ao tribunal. A CBF veio a apresentar os e-mails para fundamentar a arguição de falsidade, mesmo com o ônus de comprometer a ação incorreta na condução da transferência do jogador Victor Santos, cujo trâmite de natureza internacional estava ciente de que deveria ser seguido e não o foi. Destarte, a lesividade do falso não está presente na conduta em exame, afastada, portanto, a configuração típica, como consagrado na Jurisprudência e na Doutrina.
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IX – CONCLUSÃO E RESPOSTA AOS QUESITOS
Das considerações acima despendidas pode-se concluir que a compilação de e-mails foi enviada pelo Sr. Antonio Gutierrez a Décio Berman – dberman@uol.com.br , que o enviou a André Ribeiro, que, por sua vez, a retransmitiu ao Sport Clube
Internacional,
que
por
meio
de
seus
advogados
a
apresentou imediatamente ao Tribunal Desportivo. Assim, a compilação tal como recebida, foi reenviada. As eventuais alterações são de somenos, irrelevantes e constituem modificações inócuas que em nada alteram a essência da questão objeto das mensagens trocadas. Esta compilação, apresentada ao Tribunal Desportivo, passou a estar sob a análise da autoridade judicante e da própria parte partícipe da elaboração dos documentos apresentados, sujeita a verificação, portanto, a exame prévio incapaz de vir
a
causar
qualquer
prejuízo
ao
tráfico
jurídico.
A
ausência de adequação típica destes fatos aos crimes de falsidade e de uso de documento falso resta patente, cabendo apenas a responder pontualmente aos quesitos propostos:
1) Há
elementos
que
apontem
a
autoria
dos
crimes
de
falsidade ou de uso de documento falso por pessoa vinculada
ao
S.C.
Internacional
ou
por
algum
dos
advogados que o representou? RESPOSTA: Como já salientado, a compilação de e-mails foi
recebida
pelo
SCI,
na
pessoa
do
Sr.
Felipe
Dallegrave Baumann em e-mail que lhe foi enviado por André Ribeiro, que o recebera de Antônio Gutierrez. Essa compilação de e-mails foi por sua vez passada aos
23
advogados do SCI, que por petição eletrônica a juntaram ao processo em tramitação no STJD. Como destacado no parecer, os peritos destacaram que a compilação tal como recebida pelo SCI foi retransmitida ao
Tribunal.
Cabe
relembrar
a
conclusão
do
perito
GUILHERME MACEDO: “o conteúdo da compilação da troca de e-mails não foi alterado pelo Sr. Filipe ou pelo Sport Club Internacional. Igualmente, os peritos OTO HENRIQUE RODRIGUES E JOÃO HENRIQUE RODRIGUEZ, afirmam que “esse arquivo .PDF não foi criado pelo Sport Clube Internacional, mas sim recebido
como
anexo
em
oriundo
de
fora
da
Instituição e repassado exatamente como recebido ao STJD. É possível afirmar categoricamente que o arquivo .PDF e seus respectivos-mails não foram ”mexidos” pelo Internacional. Assim, não houve a prática de qualquer modificação material na compilação por parte de quem quer que seja do SCI, seja diretor, funcionário ou advogado, pois a compilação
de
e-mails
tal
como
recebida
foi
retransmitida ao Tribunal Desportivo.
2) É exigível dolo para adequação ao tipo penal do uso de documento falso? Agiu com dolo qualquer pessoa ligada ao S.C. Internacional ou os advogados que representaram o Clube? RESPOSTA: a
Tão logo recebida, de imediato foi reenviada
compilação
de
e-mails
ao
crivo
do
Tribunal.
A
autenticidade da compilação era de se presumir, pois o
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conjunto de mensagens claramente revelava ser as mesmas fidedignas, tinham um discurso coerente, começo, meio e fim. E de fato correspondiam ao real, como depois se revelou,
na
sua
essência,
no
confronto
com
os
originais. Não
havia,
por
parte
do
Internacional
ou
de
seus
advogados qualquer conhecimento e consciência de serem eivadas de algum vício as mensagens compiladas, aliás apresentadas
para exame do
Tribunal, onde
qualquer
eventual vício poderia ser arguido. O crime de uso de documento falso, como acima analisado, exige que o agente tenha firme ciência da falsidade do documento e apesar de dono deste saber o utilize. Não é o caso dos advogados e diretores ou funcionários do Internacional, que agindo com boa fé, deram seguimento imediato à compilação recebida, submetendo-a ao crivo do
Tribunal,
sem
ter
nela
“mexido”.
Não
há
manifestamente dolo e logo não se tipifica o crime de uso de documento falso.
3) Há necessidade, para configuração típica do crime de falso,
que
eventual
alteração
tenha
relevância
jurídica? É possível afirmar que a própria Ata Notarial juntada pela CBF comprova que eventuais alterações não têm relevância jurídica, porquanto demonstrado que o sentido das mensagens não fora alterado? RESPOSTA:
se
realçou
Documento
expressa
uma
relevante,
expressa
algo
jurídica,
Bem
nas
palavras
ao
longo
do
situação dotado de
de
SOLER,
parecer
que
juridicamente significación portanto,
em
25
contrapartida, o falso apenas tem realce se disser respeito, por sua vez, a alteração ocorrida em uma circunstância jurídica
relevante
objeto
do
que
conteúdo
interfira
na
relação
transcrito
ou
de
sua
autoria, de modo a se poder vir, em face da modificação havida, dar causa a um prejuízo, a um dano. Segundo
se
analisado
examinou, pelo
modificações
e
foi,
também,
Professor
havidas
na
CLÁUDIO
compilação,
com
precisão
MORENO,
as
em
do
face
constante da Ata Notarial constituem dados inócuos, SEM RELEVO, destituídos de qualquer potencialidade para intervir na órbita dos direitos e relações jurídicas que são objeto da matéria essencialmente tratada nas mensagens, cujo núcleo remanesce íntegro. Os
emitentes
e
destinatários
são
identificáveis.
O
sentido das mensagens está preciso e preservado. Em nada
a
supressão
das
frases
suprimidas,
como
bem
analisou o Professor CLÁUDIO MORENO, prejudicou direito de alguém ou da CBF. Não se perfez, portanto, crime de falso, pois em nada se atingiu dado de relevância jurídica com as laterais modificações ocorridas por quem operou a compilação recebida pela Consulente.
4) A
submissão
Desportivo,
da bem
compilação como
à
de
e-mails
própria
CBF,
ao
Tribunal
partícipe
da
elaboração das mensagens e do processo no Tribunal, conforme
a
Jurisprudência
e
a
Doutrina,
desfigura
eventual falsidade típica, pois sujeita ao crivo da autoridade?
26
RESPOSTA: Conforme analisado, a sujeição do documento à apreciação de autoridade avaliadora da fidedignidade do documento, faz com que este, antes de atuar sobre a realidade das relações acerca das quais versa, seja objeto de apreciação.
Por isso, a Jurisprudência e a Doutrina, entendem que a falsidade, e aplica-se tal entendimento à falsidade ideológica ou material, não se perfaz se é submetida ao crivo da autoridade, pois inocorre por via deste exame prévio a ofensa ao bem jurídico.
No presente caso, os documentos, a compilação de emails
foi
entregue
ao
Tribunal
Desportivo
e
imediatamente a parte, CBF, arguiu um incidente de falsidade, lavrando uma Ata Notarial apresentando os originais, que aliás confirmam, em sua essência, no seu núcleo, o teor exato do constante da compilação.
Assim, não ocorreu pela ação controladora do Tribunal e da parte qualquer possível atingimento da fé pública ou de qualquer outro direito, dada a ausência de força probante por si própria de documento submetido ao crivo de exame da autoridade e ao controle do próprio autor do documento.
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Repita-se, a lesividade do falso não está presente na conduta em exame, afastada, portanto, a configuração típica,
como
consagrado
na
Jurisprudência
e
na
Doutrina.
É esse o meu parecer Canela, 2 de abril de 2.017
MIGUEL REALE JÚNIOR
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