Boletim Corte Seco - Primeira edição

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Boletim corte seco edição 1| ano 1

Boletim corte seco Corte Seco - Revista de Audiovisual é um veículo de comunicação para transformar em textos essa pulsação para os diálogos ampliados, encontrando nas possibilidades do fazer audiovisual as ressonâncias necessárias para alimentar nossos desejos e fluxos culturais, o debate ampliado e a produção de conhecimento. O Boletim Corte Seco vem para inaugurar mais um meio de ampliar diálogos, chegando a novos lugares e levando o audiovisual consigo.

expediente EDITORES

Diagramação

Ilustrações

Paulo rossi Julia marques

Júlia marques

Júlia marques

Redação Breno Kallew Cauê Henrique

Revisão Germano Freitas Manoel Cunha

Paulo Rossi

Moonlight histórias de homens pretos e meninos azuis Por Cauê Henrique

G

ILUSTRAÇÃO: JÚLIA MARQUES

arotos pretos parecem azuis sob a luz do luar. E Moonlight nos joga contra o asfalto das periferias estadunidenses para recontar todas as coisas que um garoto preto parece ser. O filme nos deixa espiar pelas frestas de fim de tarde um crescimento que, embora comum, é tão complexo e violento. O que significa, realmente, ser homem? Talvez seja uma questão para quem inventou o homem, ele mesmo. Mas o que significa, então, ser um homem negro? Contado por anos a fio pela escrita do homem branco, que história existe para o corpo de um homem negro? Que desejos e anseios restam a um corpo sem narrativa própria? O ganhador do Oscar nos atravessa pelo crescimento difícil do menino Chiron, entre o caos da violência urbana e os descobrimentos de corpo e desejo. Em uma trajetória silenciosa, com tons pastéis engolindo os desconfortos do senso comum, Chiron revela as nuances de habitar a realidade hostil das periferias étnicas, enquanto cumprindo o papel juvenil de descobrir seu lugar num mundo que não foi feito para ele.

Poderia ser outro filme sobre amadurecimento, crescimento pessoal ou o processo de tornar-se adulto. Poderia, se não estivéssemos falando de um menino preto. Contar a história de Chiron é nos invadir o ventre social e abrir todas as entranhas responsáveis por parir as masculinidades negras. O macho é desfeito, desamarrado de suas definições performativas e desarmado do falo. Resta o corpo negro, nascido do lugar de negação do branco, moldando-se por uma série de não-lugares que lhe sobram para habitar. Afinal, ser preto em uma sociedade racista é estar em constante estado de não-ser. De não ser branco, acima de tudo, e, por isso, não ser coisa alguma. De forma nada sutil, porém extremamente cuidadosa, o filme nos leva a personagens que existem em espectros de gênero pouco pensados pelo público. Quando ainda Little, Chiron é educado por sua mãe. A mulher é mostrada muitas vezes como uma mãe solo esforçada, deixada pelo companheiro para cuidar sozinha do menino e, portanto, sobrecarregada. Embora se dedique ao filho e aparentemente seja sensível ao sofrimento da criança, é com aspereza que ela expressa suas preocupações, confundindo espectros da “feminilidade sensível” com a “masculinidade forte”. Enquanto estamos acostumados a uma ideia do feminino pautada pelo emocional, por uma suposta fragilidade e abertura afetiva, o filme nos arremessa contra a realidade dos espectros de gênero quando tratamos de uma mulher negra inserida em contextos comuns às periferias. A personagem da mãe se torna

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