Virgílio Vitelli
Ilha do Marajó e outros poemas Biografia, apresentação e notas de
Dilomeno Márcio Maués Vitelli Marcos Antônio Maués Vitelli
Ilha do Maraj贸 e outros poemas
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Virgílio Vitelli,
Latino Poeta
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Ilha do Marajó e outros poemas Biografia, apresentação e notas de
Dilomeno Márcio Maués Vitelli Marcos Antônio Maués Vitelli
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ILHA DO MARAJÓ E OUTROS POEMAS
Revisão Dilomeno Márcio Maués Vitelli Marcos Antônio Maués Vitelli Projeto Gráfico, editoração eletrônica, capa e revisão Jorge Domingues Lopes Ilustração da capa Terceira Rua de Soure - Desenho de Jorge Domingues Lopes
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (Fundação Biblioteca Nacional, RJ, Brasil) ______________________________________________________ VITELLI, Virgílio, 1890-1956. Ilha do Marajó e outros poemas / Virgílio Vitelli. Soure: 2005. ISBN 978-85-905200-1-6 82p. 1. Literatura brasileira. I. Título.
CDD B869 ______________________________________________________
Todos os direitos reservados para Dilomeno Márcio Maués Vitelli / Marcos Antônio Maués Vitelli
Correspondência 5.a Rua, entre as Trv. 15 e 16, n.o 1069 68870-000 Bairro Centro Soure- Ilha do Marajó - Pará e-mail: marciovitelli@cpoema.org
Fotografia: acervo da FamĂlia Vitelli
VirgĂlio Vitelli e a filha Laura
AGRADECIMENTOS
Aos nossos pais Manuel Pedro e Maria Lúcia Maués Vitelli. Aos demais membros das famílias Maués e Vitelli. À Prelazia do Marajó. Aos senhores David Martins de Paula, Racivaldo Santos, João do Socorro Mendonça dos Santos, Marcus Vinicius Cassiano Figueiredo, Rubens e Felipe Vitelli. In memorian aos senhores Nestor Éleres e Anísio Vitelli. Às senhoras Sandra Cassiano, Roberta Maiorana Xervan, Nazaré Santos, Lucy Rocha, Diva, Odete, Sônia e in memorian a Lélia Vitelli. Ao Gábrio Luigi, Mallena e Estrela Dalva Aos professores Jorge Domingues Lopes e José Lúcio Sarmento Alves Aos amigos, cujos nomes omitiremos para não sermos injustos com nenhum deles. A todos que colaboraram para a realização da presente obra E a Deus, não por ser o último a ser lembrado, mas por ser o último a ser esquecido. Dilomeno Márcio Maués Vitelli Marcos Antônio Maués Vitelli
Aos nossos tios Guilherme Gomes Vitelli, Odete Gomes Vitelli e S么nia Gomes Vitelli.
Sumário Apresentação .......................................................................................... 11 Prefácio . ................................................................................................... 13 Virgílio Vitelli – Latino Poeta, 46 anos de Marajó A vinda para o Brasil e a abolição da escravatura ............................. Matrimônio e Vivência Familiar . ...................................................... O Profissional .................................................................................... O Maçom ........................................................................................... O Carnavalesco . ................................................................................ O Político ........................................................................................... O Impacto da Segunda Guerra Mundial na Família Vitelli ............... O Religioso ........................................................................................ O Poeta................................................................................................ O Falecimento . ..................................................................................
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Poemas reunidos Tristezas ............................................................................................. Carmelo ............................................................................................. Vitória – Viva o Brasil ....................................................................... Bandeira . ........................................................................................... 21 de Agosto ...................................................................................... Ilha do Marajó ................................................................................... Lélia ................................................................................................... Frei Carmelita .................................................................................... Perfil . ................................................................................................. É Ela? . ............................................................................................... Beijo Furtivo . .................................................................................... Idílio Desfeito .................................................................................... A uma Colaboradora em Férias ......................................................... A um Amigo . ..................................................................................... Sr. Zagaia ........................................................................................... Uma História Curta e Certa ............................................................... Ara (Do Altar, Sagrada Pedra) ........................................................... “Muchas Gracias” . ............................................................................
45 46 47 48 49 50 52 53 54 55 56 57 59 60 61 63 65 67
Episódios pitorescos em 46 anos de Marajó ............................................. 69 Posfácio — Virgílio, Latino Poeta ............................................................ 77 Referências . .............................................................................................. 81
Apresentação
I
lha do Marajó e Outros Poemas, de Virgílio Vitelli – Latino Poeta, é, em substância, um resgate histórico, uma herança artística e um tributo post mortem ao patriarca da família Vitelli no Brasil. Principais fundamentos da presente obra. Que também é o resultado de uma modesta e recompensadora pesquisa sobre Virgílio e o Município de Soure. A vinda para o Brasil, sua atuação nos meios, familiar, político, econômico, literário, carnavalesco e religioso sourense; o impacto da Segunda Guerra Mundial sobre os Vitelli, entre outros fatos históricos que os envolveram direta e indiretamente; além dos poemas que nos foi possível compilar, seguidos de relatos sobre ele, serão abordados de maneira condensada nas páginas seguintes. Virgilio Vitelli a exemplo de outros imigrantes, não titubeou em fincar suas raízes na Amazônia e contribuir para o progresso socioeconômico e a valorização dos bens culturais ítalo-brasileiros durante seus quarenta e seis anos de vida na Ilha do Marajó. Dessa forma, registramos aqui nossos sinceros agradecimentos aos familiares e amigos que, com seus depoimentos, documentos e álbuns de família, colaboraram decisivamente para o incremento da presente obra. Concretizar este projeto é motivo de alegria e orgulho, não apenas para nós, seus descendentes, mas também para todos os seus amigos, confrades e apreciadores da arte, no sentido mais amplo da palavra. Boa leitura. Dilomeno Márcio Maués Vitelli Marcos Antônio Maués Vitelli
Prefácio
O
poeta Virgilio Vitelli nos deixou um legado de amor, de tristeza pela guerra, de amor pelo Brasil e, em especial, pelo Marajó. É tão fácil senti-lo quando escreve: “Do monte Carmelo se avista Uma planície bem vasta Para tirá-los da pista Ao nome da guerra deu basta.”
Em alguns poemas, deixa fluir a emoção pelos jovens soldados, que deram a vida lutando por sua pátria: “Os homens chocam-se em fúria Os campos em sangue banhados Tudo ao redor em penúria Ver paes tão desolados.”
No Marajó, se encontrou, deixou suas raízes: “E Soure, tão altaneira, Morena, Linda e faceira, Toda cheia de mangueiras Dançando seu carimbó Nas noites de lua cheia.”
E Virgílio Vitelli deixou também a herança poética que corre nas veias de seus bisnetos: Marcos Antônio e Márcio Vitelli, jovens poetas que preparam esta coletânea, a qual sinto-me honrada em prefaciar. São poemas de uma época difícil, de desesperança, mas o espírito de um poeta latino não se deixou aprisionar. São poemas que valem a pena as novas gerações conhecerem. Eva Maria Daher Abufaiad
46 ANOS DE MARAJÓ
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VirgĂlio e Dante
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w x A vinda para o Brasil
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IRGÍLIO VITELLI nasceu em Roma no dia 05 de outubro de 1890, onde viveu até os 18 anos junto dos pais Januário e Laura Vitelli. Esta data coincide com a elevação da vila de Soure, pois “foi no dia 19 de setembro de 1890, que Soure ganhou a categoria de cidade, através do Decreto nº 194” (Barbosa, 1997, p. 40).
Seu nome foi escolhido por Januário, homem culto e apreciador das obras de Publius Virgilius Moro1. Dessa forma, homenageou o grande poeta latino, autor das obras Eneida, Bucólicas ou Églogas e Geórgicas, emprestando-lhe o nome ao filho, que mais tarde também viria a se tornar poeta. A infância e a juventude de Virgílio, filho único e centro de toda a atenção, amor e investimentos, transcorreu sem atropelos junto dos pais, que não pouparam esforços em lhe possibilitar a melhor criação, entretanto, influenciado pelas boas novas sobre o Brasil, Poeta romano (15/10/70 a.C.-21/9/19 a.C.). Um dos maiores nomes da poesia latina, sua obra serve de modelo para todos os poetas ocidentais até o século XVIII. Publius Vergilius Maro nasce em Andes, atual Pietole, perto de Mântua. De família pobre, é educado em Cremona. Vai depois para Roma, onde estuda filosofia e retórica com grandes mestres e passa a freqüentar os círculos eruditos da cidade. Protegido do ministro Mecenas, é nomeado poeta oficial do imperador Augusto. Em algumas obras, como Bucólicas e Geórgicas, utiliza elementos da cultura helênica. Revela notável habilidade na composição dos versos. Seu estilo é imitado por todos os grandes poetas épicos dos séculos XVI e XVII, como Camões, Tasso e Milton. Escreve a Eneida, atendendo a uma encomenda de Augusto, na qual narra a viagem do troiano Enéias, encarregado pelos deuses de lançar na região do Lácio a pedra fundamental da cidade sagrada de Roma. Leva cerca de dez anos para escrever a Eneida e, antes de considerá-la finalizada, morre em Brundisium, hoje Brindisi. 1
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terra fértil em oportunidades, e desejoso de conhecer uma realidade distinta da sua, fez as malas e seguiu para o Novo Mundo, com o lamentoso aval dos pais, que preferiram zelar pelo seu bem-estar, mesmo que fosse longe deles, já que a Itália passava por uma grave recessão econômica e estava, como outras nações imperialistas, comprometida com os crescentes conflitos armados, pois visava conquistar novos territórios e manter suas colônias de exploração, prenúncios da Primeira Guerra Mundial. Com uma valiosa bagagem cultural que trouxera consigo das experiências adquiridas na terra natal, Virgílio seguiu viagem em uma das muitas ondas migratórias que chegavam em Santos, litoral Paulista (SP), no ano de 1908; as quais foram atraídas pelos vultosos postos de trabalho abertos nas fazendas de café após a proibição do tráfico de escravos da África para o Brasil via Lei Eusébio de Queirós (1850); e, posteriormente, através das Leis: Do Ventre Livre (1871), que declarava liberto todo o escravo nascido a partir daquela data; Dos Sexagenários (1885), que libertava os escravos acima de 65 anos (raros sobreviviam até essa idade); e Áurea (1888), assinada pela Princesa Isabel, que oficializou a abolição da escravatura. Sendo sua principal conseqüência à saída maciça dos negros libertos das lavouras cafeeiras. “Movimentos migratórios sempre fizeram parte da humanidade. Povos de diversas partes do mundo vieram para o Brasil. Alguns voluntariamente, como os europeus que aqui buscavam riquezas ou novas oportunidades de trabalho. Outros foram trazidos à força como os escravos africanos. (...) Os imigrantes italianos (...) estabeleceramse principalmente em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Em São Paulo, trabalharam nas fazendas de café. No Sul, iniciaram o cultivo de uvas e a produção de vinho” (Camargo, 2002, p. 95). “Entre 1900 e 1920, São Paulo chegou a receber cem mil imigrantes por ano, a maioria de italianos. Muitas cidades devem seu crescimento a eles” (Rodrigues, 1992, p. 42).
Seis meses depois Virgílio foi para o extremo norte do Brasil, mais precisamente para Manaus, atraído como muitos pelos lucros resultantes do extrativismo da borracha retirada das seringueiras.
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Durante sua estada na Capital do Estado do Amazonas, veio então saber da existência do Marajó, maior ilha fluvio-marínha do planeta e a principal do arquipélago homônimo, situada ao norte do Estado do Pará. Nele se destaca o Município de Soure, graças a uma população crescente e economicamente ativa e ao profícuo desenvolvimento alcançado com a agropecuária, com a pesca artesanal e com o extrativismo. Astuto ele percebeu que o mercado estava propício, dessa forma investiu na sua qualificação profissional de guarda-livros, pois eram poucos os que atuavam no ramo de contabilidade na região marajoara. Mas para chegar a Ilha do Marajó ele precisava passar por Belém, cidade que experimentava um extraordinário desenvolvimento econômico. Saiba a seguir o porque. “Em meados do século XIX, a coleta da borracha vinha se firmando como carro-chefe entre os produtos amazônicos de exportação, mas a elite tradicional rejeitava o novo fenômeno econômico, já que o produto não a beneficiava. Porém, de 1880 em diante, com o enorme aumento do preço da borracha a situação comercial na região cresceu e favoreceu a elite. A economia da borracha proporcionou todo o grandioso desenvolvimento ocorrido em Belém, beneficiando a quase todos, exceto a camada social miserável e o seringueiro. O luxo gerado pela borracha produziu muitos exemplares arquitetônicos admiráveis como o Teatro da Paz. A intenção era igualar Belém as metrópoles européias como Paris e Londres. Seguindo assim, o modelo de ‘cidades civilizadas’ com amplas praças com coretos e mudar os hábitos e costumes populares. A esse período a elite paraense da época denominou a Capital mundial da Borracha de Belle Époque” (Sarges, 1990, p. 104).
Foi com esta surpreendente realidade econômica e sócio-cultural que Virgílio se deparou ao chegar na capital do Estado em 1910, ano do apogeu do mercado gomífero, mas como seu destino final era Soure, ele consultou o jornal Folha Vespertina e lá soube como chegar ao Marajó. “Sendo Soure, um Município de destaque para o Estado. A empresa de navegação que realizava o percurso Belém-Soure-Belém; publicava editais nos principais jornais, marcando dia e hora de saída das embarcações (...). Vapores ‘Gaivota’, ‘Rio Tapajós’ e ‘Tucunaré’ (Cruz, 1999, p. 80).
Em julho de 1910 Virgílio desembarcou do vapor “Gaivota” na cidade de Soure. www.cpoema.org
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C贸pia da certid茫o de casamento de Virg铆lio e Leonila Biblioteca Virtual do CPOEMA
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w x Matrimônio e vivência familiar No ano de 1912, Virgílio conheceu e se enamorou pela jovem Leonila Bezerra Gomes, recém-chegada na cidade com os pais Manoel Pedro e Philomena, originários da Paraíba. Feita a corte e com a devida permissão dos pais, eles noivaram e, em 19 de julho de 1913, subiram ao altar, na matriz da Paróquia do Menino Deus de Soure sob a bênção do pároco Sebastião Augusto de Menezes. Da feliz união nasceram sete homens: Vinícius, Célio Arnaldo, Guilherme, Osvaldo, Anísio e Raimundo; e sete mulheres: Lígia, Lélia, Laura, Violeta, Odete, Célia e Sônia. Mas como no coração materno “sempre cabe mais um”, aliás, uns, Leonila acolheu em seu lar três afilhados (Pezé, Roseira e Sinézio). Além desses, havia a Sra. Irotildes Sobreiro de Mendonça, “Tia Iró” como era conhecida pelos mais íntimos. Empregada há muitos anos da família, foi uma profissional exemplar e pessoa querida por todos.
Álbum de Família: as cinco gerações
Da esquerda para a direita: Leonila (esposa de Virgílio), Lígia (filha), Lindalva (neta), Ioanalva (bisneta) e Luciana (trineta)
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A residência dos Vitelli ainda hoje guarda os padrões arquitetônicos da 2.a metade do século XIX (construção em taipa de pilão, com paredes de barro socadas, que pouco a pouco foram suplantadas pelas de alvenaria). A casa de Virgílio guarda no seu interior uma antiga varanda, passagem obrigatória entre os cômodos que ainda existem mesmo diante dos inovadores materiais e técnicas de construção. Entre outros aposentos bastantes espoçosos, como as salas de jantar e de visita, espaços tradicionalmente usados para as reuniões familiares, políticopartidárias e carnavalescas.
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x O profissional
Como zeloso pai de família, Virgílio desempenhou várias atividades profissionais prestando serviços no Departamento de Estradas e Rodagens. Também compôs o quadro funcional da Prefeitura Municipal de Soure e desempenhou a função de Guarda–Livros, profissional bastante requisitado, responsável pela escrituração e registro do movimento financeiro para o Instituto de Previdência e Pensão dos Comerciários na cidade e circunvizinhanças. Além desta atividade, Virgílio possuía: Carpintaria e ferraria “Vitelli”, onde reformava e construía carroças para um, dois ou mais búfalos, também conhecidas como carroças de parelha além de charretes, veículos usadas nas fazendas e na área urbana, como principal meio de transporte àquela época. Também fazia ferras para o registro de animais, âncoras, argolas, lemes, formões, talhadeiras e outros apetrechos de pesca. Ramo de trabalho seguido pelo filho Vinícius e pelo neto Manoel Pedro Monteiro Vitelli. Saboaria “Tucano”. Lugar onde produzia sabão grosso para o comércio local, para as fazendas e para a capital paraense. Panificadora “Vitelli”, onde exercitava os dotes da culinária italiana fabricando pães, biscoitos, macarronadas, pizzas e talharins. Ofício herdado pelo neto Virgílio Pamplona Vitelli. Chouriçaria “Vitelli”, produzia torresmo, chouriço de porco e de búfalo, costela e toucinho defumados, além de grande quantidade de banha suína enlatada. A chouriçaria ainda existe até hoje sob a responsabilidade do filho Guilherme Vitelli e de seus familiares.
“Na sede municipal, quatro fábricas produzem, em regular escala, banha de porco e em maior quantidade, chouriço, duas dispondo de melhores condições (...) Existem no Município 8 estabelecimentos industriais, quatro fábricas de calçados, uma olaria, uma fábrica de sabão, um curtume e um matadouro para abate de gado” (Ferreira, 1957, p. 476). Biblioteca Virtual do CPOEMA
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Nas citadas atividades, todos os filhos e filhas ajudavam, além de uma dezena de jovens que recebiam, pelos serviços prestados, dinheiro e alimentos. Lembra Sônia Vitelli que ela e demais irmãs tinham a incumbência de estender os talharins em varetas cuidadosamente colocadas no quintal para enxugar a massa ao sol. Os quais eram embalados em pacotes e identificados a punho pelo pai com os dizeres “Talharins Caseiros”. Sempre às sextas-feiras, grande quantidade de talharins, banha suína, torresmo, chouriço entre outros produtos eram levados por Virgílio e pelo filho Célio para Belém e comercializados no Vero-Peso e nos hotéis da capital paraense. Até retornarem às segundasfeiras com farto rancho (sacas de farinha, açúcar, feijão, arroz, etc.). Dessa forma, Virgílio economizava e podia ajudar os quatorze filhos, os três afilhados e suas respectivas famílias. Chamando um por um para repassar a cesta com alimentos da semana.
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x O maçom
A primeira loja maçônica foi introduzida na Ilha do Marajó, mais precisamente no Município de Soure, em 25 de junho de 1923, por ocasião da edificação da Loja “Firmeza e Fraternidade Sourense”, a qual é a quinta mais antiga no Estado do Pará. Virgílio Vitelli ingressou na loja “Firmeza e Fraternidade Sourense” no dia 29 de abril de 1953, sob o cadastrado nº 847. “A Maçonaria é um tipo de organização de ajuda mútua. Cada maçom deve ajudar outro. Segundo a tradição, ela se originou da antiga Ordem dos Templários, que passou a existir em 12 de junho de 1118, quando nove cavaleiros liderados por Hugo de Payens fundaram esta famosa ordem na cripta dos Castelo de Arginy. Os templários se denominavam os pobres cavaleiros de Cristo (...). Todo templário passava por uma iniciação onde sua coragem era testada, colocando-o defronte ao seu pior medo. Esses testes eram feitos usando os quatro elementos naturais: fogo, água, ar e terra” (Lopes, 2003, p. 5). “Os primeiros maçons foram liderados por Hiran, arquiteto de Hirão, rei de Tiro. Hiran teria recebido o material de construção de seu rei e erguido um templo sem ídolos para Salomão. Assim, os maçons-pedreiros também construíram outros templos na Idade Média. Dessa forma, a Maçonaria remonta ao século XII, quando pedreiros ingleses que buscavam manter em segredo detalhes das construções góticas, então em voga na Europa, criaram um sistema de códigos e sinais que permitiam a identificação dos membros daquela confraria. Após experimentar um período de abrandamento, a maçonaria voltou a se manifestar com mais vigor novamente na Inglaterra, (Londres) com o propósito de praticar a filantropia e de difundir os preceitos de fraternidade e de enriquecimento espiritual. Ela reunia burgueses e nobres esclarecidos. Quando adotou ideais iluministas. Alguns maçons eram contra o absolutismo e a igreja, por isso a maçonaria foi perseguida pela Inquisição e forçada a se tornar uma sociedade secreta. Só os maçons podiam saber quem era maçom” (Schimidt, 1999, p. 101). “A influência da Maçonaria na história humana pode ser analisada por alguns irmãos famosos, como os Imperadores D. Pedro I e Napoleão Bonaparte, o Padre Diogo Antônio Feijó, o Conde de Irajá, Giuseppe Garibaldi, o ator Clark Gable, o escritor Rui Barbosa, o 1º Ministro alemão Sir Winston Chuchill, o Presidente Jânio Quadros” (Época, 2002, p. 72) 1
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Muito antes, porém, já simpatizava com os ideais maçônicos, por estarem ligados ao processo político que levou a Independência do Brasil e a Proclamação da República por meio dos principais articuladores e dos primeiros presidentes da república. Os principais motivos que fizeram Virgílio se tornar maçom estão no fato dele ter sido um comerciante e amigo de outros empresários locais que já eram maçons, os quais o convidaram há muito tempo a entrar na Loja “Firmeza e Fraternidade Sourense”. Outro motivo está ligado ao contentamento de Virgílio com o fim da escravidão em nosso país, o que pesou na sua decisão em tornar-se um maçom, pois seus irmãos contribuíram decisivamente para a abolição da escravatura no Brasil. Durante sua permanência na maçonaria, veio saber que o prédiosede de uma loja deve obedecer a proporções pré-definidas, entre altura e largura, distribuição de compartimentos, posições de portas e janelas, tudo obedece a rigorosas determinações (...) A “iniciação maçônica” visa transformar o estado profano do homem, considerado uma “Pedra Bruta”, ao estado de “Pedra Cúbica”. Só então, o noviço estava capacitado, como “tijolo divino” a ser inserido na construção do “Templo Ideal”. O “Machete”, o “Conzel”, a “Perpendicular” (ou fio-de-prumo), o “Nível”, a “Alavanca”, a “Régua” e a “Toalha”, são instrumentos indispensáveis para lapidar a “Pedra Bruta”. Enquanto o “Esquadro”, que simboliza o domínio do homem sobre a matéria e a capacidade de organizar o caos. É também o instrumento que define o imperativo ajustamento para que as pedras possam encaixar-se. O “Compasso” é outro instrumento fundamental, simbolizando suas hastes os dois principais princípios: o masculino e o feminino, nascidos de um único ponto.
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x O carnavalesco
Homem de uma expressiva carga cultural européia nasceu no berço do carnaval, onde os alegres e contagiantes bailes de máscaras até hoje são comemorados, com destaque no milenar e rico folclore italiano. Por isso Virgílio não sentiu dificuldades em estreitar laços de carinho com a cultura brasileira, tanto que não mediu esforços em criar a primeira escola de samba do Marajó, em reverência à comunidade negra e à luta contra o preconceito, daí intitulá-la de “Pretos do Mocambo”. Esta última palavra guarda dentro de si duplo significado, pois designa tanto quilombo (ajuntamento de choupanas na floresta onde se refugiavam os escravos para escaparem de seus senhores), quanto o mato teimoso onde o búfalo se esconde do sol e do vaqueiro marajoara. “Na campanha pelo fim da escravidão, alguns intelectuais se destacaram, entre eles Castro Alves, que afirmava ser a escravidão uma mancha na honra nacional a ser lavada sem perda de tempo.” (Vicentino, 1995, p.161) Navio Negreiro (...) 5ª “Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura se é verdade Tanto horror perante os céus... Ó mar! por que não apagas Co’a esponja de tuas vagas De teu manto este borrão? Astros! noite! tempestades! Rolai das imensidades! Varei os mares, tufão! (...) São os filhos do deserto Onde voa em campo aberto A tribo dos nus Biblioteca Virtual do CPOEMA
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São os guerreiros ousados Combatem na solidão... Homens simples, fortes, bravos... Hoje míseros escravos Sem ar, sem luz, sem razão...” Castro Alves São Paulo, 18 de abril de 1868
Apreciador das obras do “Poeta dos Escravos” e inconformado com a situação de abandono e miséria em que os negros recém-libertados e suas famílias se encontravam, Virgílio expressou através das letras de samba enredo, sua postura diante daquela triste realidade e suas aspirações sociais, como podemos perceber em um fragmento do samba “Salve a Princesa Isabel”, (abaixo) escrito por ele e Adalberto, pai do Cantor Lindiberto Alves. Salve a princesa Isabel Que deu a liberdade a cor Foi no dia 13 de maio Que preto deixou de ser lacaio Preto agora é senhor No dia que a princesa assinou Não teve mais sofredor Hoje preto pode ser doutor Deputado, Senador, Viva o fim do preconceito de cor
Outro samba de enredo da agremiação carnavalesca “Pretos do Mocambo”, merecedor de destaque, é o “100 anos de abolição”. Sobre a temática “Negro, um século de liberdade”, composição carnavalesca elaborada pelo bisneto de Virgílio, João Clovis Cassiano Figueiredo (Tio Cóia), Milton, Gil e Varley Argolo. Como intérpretes: Cléo Cassiano e Roberto Carlos Angelim Santos (Beto), Arranjo: Marcus Vinicius (Cohen). O samba, descrito abaixo, foi apresentado em 1988, sob a presidência do Médico Ari Jorge Rodrigues Dias e da carnavalesca Lindava Vitelli Cassiano. Na senzala... Negro cantava sua dor No corpo escravo ele trazia As marcas do chicote do senhor... www.cpoema.org
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Negro sofria e nem podia Nem ao menos reclamar, Porém, sonhava que um dia, Pudesse a liberdade alcançar... E com a quebra das correntes, Viver um sonho que sonhou. Hoje, negro é livre como o vento Não tem sinhá e nem senhor. Ô, ô, ô, Cativeiro se acabou, O grito de Liberdade No Brasil ecoou. Ô, ô, ô, Cativeiro se acabou, O sol da Liberdade No Brasil raiou... E hoje, temos negros ilustres Esquecendo o Cativeiro E são orgulho do povo brasileiro, A Lei Áurea assinada com amor... (bis) Mas existe preconceito de cor.
Observe que os instrumentos de percussão utilizados eram feitos de madeira e couro curtido de animal, como carneiro, cobra e camaleão. Para extrair um melhor som das cuícas, tambores e barricas, os integrantes da bateria da “Pretos do Mocambo”, afinavam seus instrumentos no calor de uma fogueira, mas com o devido cuidado para não queimá-los ou rasgá-los, caso fossem esticados demais. Biblioteca Virtual do CPOEMA
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Ponto interessante e singular do carnaval sourense daquela época era o duelo entre duas escolas nas largas e arborizadas ruas. Quando os foliões, armados de muita alegria e samba no pé, confrontavam suas baterias, lançando sons e sambas contagiantes, a guerra acontecia somente durante o reinado de Momo, e aquela que destoasse e fugisse do ritmo, seria a perdedora. Com o tempo, a Administração Pública Municipal assumiu a organização dos desfiles, atraindo muitos visitantes, “pierrôs e cherubinas”. Até criar o “Sambódromo Sourense Lindalva Vitelli Cassiano”, saudosa educadora, folclorista e carnavalesca das mais dedicadas. “O Carnaval, festa popular brasileira, também é comemorado havendo desfiles de ranchos carnavalescos, batalhas de confete, patrocinadas pela Prefeitura em colaboração com o comércio local e bailes nas sedes dos clubes locais.” (Ferreira, 1957, p. 477). “O carnaval é a grande atração do mês de fevereiro em Soure (...). Cujo desfile é assistido em uma das avenidas da cidade, destacandose as escolas de samba ‘Pretos do Mocambo’ (Família Vitelli), ‘É Bossa Nova’ (Tia Odete) e ‘Mangueira’ (Família Lopes)” (Cruz, 1999, p. 345).
Além dessas escolas, desfilam ainda em Soure os blocos “100% Soure”, “Periquitas Desasadas”, “Ferozes do Ovo”, “Acadêmicos da Ilha”, “Botet Lete”, “Crocodilo”, “Siri na Chapa”, “Agita Soure”, “Fura Lata”, “Unidos do Bom Futuro”, “Búfalo Elétrico”, “Xô Satanás”, “Bangu”, entre outros. A respeito de “Tia Linda”, apelido carinhoso de Lindalva, e sua ativa participação no carnaval marajoara, João do Socorro Mendonça dos Santos homenageou-a postumamente em seu Trabalho de Conclusão do Curso de Pedagogia (UFPA), intitulado “Lindalva, uma mulher de valor da Cultura Marajoara”. “As pessoas que entrevistei dizem que a professora Lindalva Vitelli Cassiano herdou o seu amor pela cultura, devido suas raízes do avô paterno, porque o Sr. Virgílio Vitelli tinha uma dedicação muito grande à arte plástica e à poesia. Este cidadão identificava-se como poeta latino e com a natureza do Marajó. É importante frisar que a família Vitelli foi a pioneira do carnaval de rua em Soure, (ele) amava a cultura negra, por isso criou a escola de samba Pretos do Mocambo” (Santos, 1998, p. 7). www.cpoema.org
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“Em 1945, o italiano Virgílio Vitelli funda a Escola de Samba Pretos do Mocambo, homenageando o negro africano. Esta escola de samba continua até a presente data, prestigiando o carnaval sourense por ocasião do desfile oficial, organizado pela Prefeitura de Soure” (Cassiano, 198?, p. 5).
Durante os festejos em comemoração ao aniversário do Município de Soure, Lindalva declamou o poema “Ilha do Marajó”, de autoria de seu avô Virgílio, e acrescentou a seguinte estrofe: E Soure, tão altaneira Morena, linda e faceira, Toda cheia de mangueiras, Dançando seu carimbó Nas noites de lua cheia. E o Paracauary caudaloso, Gigante, fértil, barrento, Banhando a bela morena, Risonha, alegre e serena, Capital do Marajó.
Além de promover o carnaval de rua em Soure e de presidir a Pretos do Mocambo, Virgílio escreveu um poema a uma amiga colaboradora do Jornal “A Folha de Soure”, que passava as férias de início de ano na Ilha do Marajó. A UMA COLABORADORA EM FÉRIAS “O Latino Poeta emudeceu. No ditado comum, comeu abio. Como palhaço que também sorriu Por Colombina que tanto estremeceu. “Também sorriu co’a tristeza n’alma, Procurando em vão sua Colombina, Que no rastro lhe ficou serena e calma, Distanciando-se de Pierrô e Cherubina.” Soure, 5 de julho de 1936. Publicado no Jornal “A Folha de Soure”.
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“Foram marcantes os bailes dançantes nas tradicionais sedes sociais de clubes do Município, como Reação e Marajó Esporte Clube” (Cruz, 1999, p. 386).
O “Reação Esporte Clube” fica situado na 1ª Rua, entre as Travessas 14 e 15, bairro Centro de Soure e, por longas datas, foi dirigido por David Martins Paulo, amigo pessoal de Virgílio, sócio-fundador desta destacada entidade futebolística conhecida também como “Leão Azul do Marajó”, criada em 7 de setembro de 1925.
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x O político
No campo político, Virgílio teve dinâmica atuação. Compôs a diretoria do Partido Social Progressista – PSP, e militou ao lado de Abel Nunes de Figueiredo, Pedro Paulo Abdallah, Elchides Branco Nunes, Cícero de Oliveira França, Quintino Francisco Ferreira, Alberto Fadul, Carlos Biá, Raimundo Ramos, Joaquim da Silva Ramos, Pedro Aguiar Nunes, David Martins Paulo, Dário Pamplona e Otávio Pamplona. Sobre o conturbado contexto político vivido por Virgílio nas décadas de 30 e 40 do século XX, encontramos na biografia do saudoso e destacado político Abel Figueiredo o seguinte: “No Pará as expressões voto de cabresto e currais eleitorais cabiam, na medida, na política marajoara, dominada pelos fazendeiros (...). Contra isto rebelaram-se os comerciantes e o pessoal da cidade mais esclarecidos e que nenhuma vantagem para o Município conseguiam nas sucessivas eleições, seja para Prefeito ou Legislativo Estadual (...). Assim o pessoal da cidade procurou convencer o Dr. Abel Figueiredo a assumir a direção da oposição local (....). Faziam parte desse grupo Virgílio Vitelli, Joaquim da Silva Ramos, Pedro Aguiar Nunes entre outros.” (Figueiredo, 1996, p. 19).
Em 14 de março de 1948, depois de muita luta por dias melhores, Virgílio e o povo sourense vivenciaram um dos grandes momentos da política marajoara, quando o Senhor Pedro Paulo Nunes Bezerra e demais vereadores da Câmara Municipal de Soure empossaram o primeiro prefeito eleito do Município, Sr. Raimundo Pantoja de Miranda, o qual convidou Virgílio para integrar o Governo Municipal, ocupando cargo correspondente ao que hoje em dia conhecemos por Secretário Geral de Administração. Também foi partidário da primeira vereadora de Soure, Sra. Antonieta da Cunha e Silva, filha do grande educador Gasparino Ba-
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Virgílio Vitelli
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tista da Silva e de Julia da Cunha e Silva. Antonieta era uma destacada líder a serviço da Coligação Democrática e também cerrava fileiras no Partido Social Progressista – PSP. Em entrevista divulgada no dia 13/01/1950 pelo “Folha Vespertina” de Belém do Pará, Ano LIV – Nº 22.171, a parlamentar Antonieta Silva expôs o seguinte na Coluna “Mulher na Política Estadual”: “Por muitos motivos foi consagrada à vitória da Coligação Democrática representada pelo PSP. Tivemos todo o amparo popular e vencemos as oligarquias dominantes. Éramos uma esperança de administração melhor, mais honesta e sincera. Corresponderemos ao nosso eleitorado efetuando um programa de realizações” (Cruz, 1999, p. 100).
O tino político de Virgílio influenciou as novas gerações, como os netos Raimundo Carlos Vitelli Cassiano (Capitão), Prefeito Municipal de Soure entre os anos de 1983 a 1988. Lindalva Vitelli Cassiano Figueiredo (Tia Linda), Vereadora Presidente da Câmara Municipal de Soure de 1983 a 1986 e o bisneto Marcus Vinicius Cassiano Figueiredo (Coen), Vereador de 1996 a 2000, Vereador Presidente de 2001 a 2004 e Vice-Prefeito de 2005 a 2008 na Administração de Carlos Augusto Nunes Gouveia (Tonga).
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w x O impacto da Segunda Guerra Mundial na Família Vitelli Se, na Ilha do Marajó e mais precisamente em Soure, o cotidiano de Virgilio e de sua família transcorria normalmente, do outro lado do Atlântico, várias nações européias, inclusive a sua terra natal voltava a amargar graves problemas econômicos gerados pela crise de 1929 e pela desorganização do comércio internacional, o que fez o Governo Fascista de Mussolini reivindicar maiores mercados e fontes de matérias-primas. Nem que a conquista viesse através da força ou da guerra. E ela chegou, unindo Alemanha, Japão e Itália numa grande aliança militar, resultando em ofensivas que levaram a pique navios norte-americanos, ingleses e brasileiros. Assim, em nome da unidade das Américas, o Brasil também rompeu todas as relações comerciais, políticas, militares e diplomáticas com a Itália e demais países do Eixo até aderir à guerra no final de agosto de 1942 através da Força Expedicionária Brasileira – FEB. “O Brasil cedeu bases militares aos aliados e enviou tropas à Itália. Em julho de 1944, as primeiras unidades da FEB desembarcaram em Nápoles. Ali os pracinhas combateram de outubro a abril de 1945” (Nova Escola, 1999, p. 35).
Enquanto isso, sob ocupação nazista, Roma era declarada “cidade aberta” para evitar bombardeios aéreos. Nas ruas os comunistas e católicos deixavam suas diferenças de lado para combater os alemães e as tropas fascistas. “A Segunda Guerra Mundial durou seis longos anos e causou o óbito de 55 milhões de pessoas. Em 1945 tropas de dezenas de nações, inclusive a do Brasil, venceram os exércitos alemães e italianos. Regimes totalitários conhecidos como nazi-fascistas e o império expansionista japonês. Foi uma vitória da democracia, apesar de nosso país ainda passar por um regime ditatorial-aristocrático com o Estado Novo: (Nova Escola, 1999: 34). Biblioteca Virtual do CPOEMA
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Naquela conjuntura política, era natural que o povo paraense estivesse apreensivo, pois Plínio Salgado, líder da “Quinta Colunista” foi assassinado, entretanto, sua morte motivou as lideranças já criadas e fez surgir outras, também de extrema direita em vários municípios do interior contra o seu adversário político, o presidente Getúlio Vargas. Em Soure esse movimento era mais uma revolta anti-jetulista do que necessariamente adesão à Ação Integralista. Além do mais, corriam rumores de que os alemães haviam feito uma base de espionagem na contra-costa da Ilha do Marajó. Fatos que repercutiam na Capital do Estado do Pará. Quando de lá foi enviando o delegado da Ordem Política e Social Dr. Célio Lobato, para averiguar a questão (...) Chegando à cidade de Soure, foram encontrados na sede do Reação Clube e ali apreendidos, panfletos e retratos de vários membros da referida filial da Ação Integralista Brasileira (...). Neste mesmo local também aconteciam reuniões secretas que eram realizadas para tomarem ações, nada mais representavam que uma forma de luta em prol da liberdade e não colocavam em risco a democracia do Brasil, já que praticamente a democracia não existia.” (Cruz, 199, p. 101).
Parada cívica dos alunos do Grupo Escolar de Soure, atual Escola Estadual de Ensino Fundamental “Professor Gasparino Batista da Silva”, na Praça da Independência, na 1ª Rua de Soure. O jovem à frente é Clovis Cassiano, genro de Virgílio, esposo de Lígia Vitelli e ao fundo o caudaloso Paracauri, rio fronteiriço dos Municípios de Soure e Salvaterra na Ilha do Marajó.
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Inserido naquele conturbado momento político local, Virgílio Vitelli, pai de 14 filhos, completou 35 anos residindo em Soure. Um europeu naturalizado brasileiro que, como muitos outros de origem italiana, alemã ou japonesa, sofria junto com sua família eventuais perseguições. Vez por outra, era acusado injustamente de espionagem por pessoas que maliciosamente aproveitavam aquela situação para tentar “tirar de circulação” os inimigos pessoais e adversários políticos. Outro motivo que levava à perseguição aos estrangeiros era a sede de vingança de alguns brasileiros indignados com as baixas sofridas na Guerra. Os desafetos se tornaram constantes e perturbavam cada vez mais a família Vitelli, fosse na escola, na rua ou na intimidade do lar. Outros estrangeiros residentes em Soure também foram ameaçados de linchamento. Felizmente o ultimato não foi concretizado, mas os imigrantes foram convidados a demonstrar publicamente o respeito pela nação que os acolheu. Participando de paradas cívicas, cantando o Hino Nacional e fazendo juramento à bandeira brasileira.
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x O religioso
Nascido em Roma - centro das decisões da Igreja Católica Apostólica Romana, Virgílio certamente não deixaria de receber a devida formação cristã. Tanto que deixou claro em alguns de seus poemas sua veneração a Jesus Cristo e devoção a São José e Santa Maria. Católico praticante desde tenra idade e com experiência em dramaturgia, ele foi convidado por Dom Gregório Alonso, (1º Bispo Prelado da Prelazia do Marajó), para dirigir peças teatrais de cunho humanístico-religioso. Convite que aceitou sem pestanejar. Entre as peças mais conhecidas registramos “Deus lhe Pague” e “Vida e Paixão de Cristo”, as quais ficaram em cartaz por vários anos durante na Semana Santa.
Fotografia: Acervo da Prelazia do Marajó
Na “Vida e Paixão de Cristo”, Virgílio chegou a atuar como Jesus e a pintar com a ajuda de Dário Pamplona os cenários dos eventos teatrais. Além de Pamplona, integravam o elenco Carlos Lima, Fernando Gonçalves e Raimundo Ramos. O citado espetáculo ainda hoje é apresentado, porém, nas vias públicas de Soure sob a direção de José Lúcio Sarmento Alves, idealizador do Grupo de Teatro Marajoara – GRUTEMA.
Igreja Matriz, em fase de construção na década de 30 do séc. XX
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O local de apresentação era o Teatro e Cinema Brasil, situado na 3ª Rua de Soure, Praça Matriz, domínio particular do Senhor Albano Augusto Gouvêa. Entretanto, este não foi o primeiro dono, pois:
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“Em 1930, o Meritíssimo Juiz de Direito Dr. Raul Braga, proprietário de cinemas em diversas cidades, construiu o 1º cinema em Soure, precisamente na Terceira Avenida, entre as Travessas 15 e 16. Com a designação do magistrado para outra localidade, em 1935 o cinema foi adquirido pelo Senhor Augusto Gouvêa e em seguida arrendou para o Senhor Armando Monteiro. Em virtude da falta de recursos financeiros deste proprietário, foi obrigado a fechar aquela casa de diversão” (Cruz, 1999, p. 96).
Os Vitelli também freqüentavam o Cinema Brasil (19/30/1961), tempo do cinema mudo e que, por isso, era animado pela banda de música conhecida por “Jazz do Biá” pertencente à família Gonçalves.
Fotografia: Acervo da Biblioteca Pública Municipal de Soure
A família Vitelli comumente participava das missas dominicais e de passeios pela praça, quando nos coretos o grupo musical “Jazzes do Tubarde” alegravam a população que se aglomerava nas manhãs de domingo no largo da igreja matriz de Soure.
Sourenses dançam carimbó de raiz durante os festejos da 1.a Exposição da Feira Regional de Pecuária de Soure em 1952. O grupo musical é o “Jazz do Tubard”, com instrumentos tradicionais, como o banjo, cheque-cheque, bumbo, entre outros.
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Virgílio Vitelli
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x O poeta
Amigo das letras e poeta por excelência, Virgílio registrava suas inspirações e aspirações em um diário (de bordo). Pois quando recolhido na intimidade de seu aposento, alargava seus horizontes singrando mares e mundos, que criava com o vigor de seu imaginário artístico. Assim, capitaneando a naupoética trazia à tona, a bordo, uma rica diversidade de planos, imagens e temas. Seu saudosismo pela terra natal o fez expressar seus valores culturais nas lembranças revividas sob a luz dos poemas “Tristezas” e “Carmelo”. Mas também versejou com profícua exaltação seu amor ao nosso país em “Vitória – Viva o Brasil”, “Bandeira”, “Ilha do Marajó” e “21 de Agosto”, este último feito a pedido da sobrinha Maria Vitelli Cassiano por ocasião do aniversário do Grupo Escolar de Soure. Também homenageou “A filha Lélia” e “Frei Carmelita”. Confidenciou ao seu diário, paixões e desejos em “Perfil”, “É Ela?”, “Beijo Furtivo”, “Idyllio Desfeito” e “A uma Colaboradora em Férias”, em que fica patente seu apego pelo carnaval. Passa ainda a tecer sátira de teor metalingüístico em “A um Amigo”, “Sr. Zagaia” e “Uma História Curta e Certa” e termina por trocar correspondência com a poetisa “Ara do Brasil”. Virgílio Vitelli, sob o pseudônimo de Latino Poeta, deixou sua contribuição literária e cultural ao Estado do Pará, a exemplo de outros virtuosos italianos naturalizados brasileiros e descendentes, que aqui vivem através das suas obras literárias, arquitetônicas entre outros empreendimentos artísticos e comerciais, como Giovanne Gallo, historiador, idealizador e fundador do Museu do Marajó em Cachoeira do Arari na Ilha do Marajó; Antônio Landi, destacado arquiteto do cenário paraense; Paolo Ricci, nascido às margens do Rio Canaticu, Ilha do Marajó, no apogeu da borracha. Hoje artista plástico, contista e um de nossos mais ilustres imortais da Academia Paraense de Letras, entre outros exemplos. www.cpoema.org
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Os poemas constantes nessa obra fazem parte de um volumoso acervo produzido por Virgílio, mas que, apesar de nossos esforços em garimpá-los, até o presente momento a maioria não foi encontrada. Os que serão expostos a seguir foram descobertos por acaso no ano de 1987, pelos organizadores da presente obra. Por não dispormos das fontes primárias; optamos pela atualização da ortografia dos textos poéticos a seguir.
O falecimento Em 1955 Virgilio passou por alguns problemas financeiros e de saúde causado pelo tabagismo. No ano seguinte, estando com 66 anos, foi acometido de enfarte e veio a falecer de Angina, às 22 horas do dia 21 de maio de 1956, na sua residência situada na 5ª Rua, nº 1.524, entre as Travessas 15 e 16, Centro da Cidade, apesar dos esforços de Danda Brito, médico-dentista e amigo da família. Seus restos mortais repousam no jazigo dos Vitelli, no Cemitério “São Nicolau”.
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e outros poemas
ILHA DO MARAJÓ
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Virgílio Vitelli LATINO POETA
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Virgílio Vitelli
Tristeza
Dizia a um amigo, certa vez, D’antiga Roma, poeta bem latino, Colhido do infortúnio da viuvez: Sossega irmão, não sejas qual menino, De que serve soltares mundo afora Os teus ais, teus lamentos acridolentes, Quando este mundo muito embora Resmungue duas palavras entre dentes? “Alma sofredora” cheia de tristeza, Esconde este veneno que te pune, Que perto já vem, dou-te a certeza, O lenitivo que tu julgas muito longe. Jovem, velho, homem ou mulher, Deste mundo não perca a esperança; Que a todos reservada está a colher. Do doce mel a vida de criança.
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Carmelo
Do Monte Carmelo se avista Uma planície bem vasta Para tirá-los da pista, Ao nome de guerra deu basta. Do pé ao cume não é longe, Miniatura d’igreja aparece, Uma graça peço ao monge Que da falda mal se conhece. Por trilhados tortuosos, Ao cume do monte, cheguei; E dos monges virtuosos, Do Carmelo graça eu alcancei. Quase me perco na pista, Desta Pedra do Brasil, Por não perdê-la de vista, Dei ao Carmelo graça mil. Quem está bem não se muda, Quem se muda faz mal, Ouça bem não s’iluda, Se meu conselho é banal.
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Virgílio Vitelli
Vitória ‑ Viva o Brasil Escrito em 08/05/1945, final da Segunda Guerra Mundial.
Neste momento crucial, Que o mundo ainda convulso, Não comporta riso banal, E sim um forte impulso. Os homens chocam-se em fúria, Os campos em sangue banhados, Tudo em redor em penúria Ver pais tão desolados. São José dos artistas padroeiro, Esposo de Maria, pai de Jesus, Trazei ao lar do obreiro, A paz e o pão a que faz jus Já se ouve ao longe o tropel Já se escuta distante o clarim Já se vê que anjo monta o corcel, Com a vitória gloriosa vem ao fim.
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Bandeira
O pintor que te pintou, Bandeira, Não só era pintor! Era músico e poeta. Pintou-te em vivas cores a alma brasileira, E no centro ainda este planeta. Do azul do céu e branco neve enriquecida, Do auriverde e d’estrelas adornada. Dos brasileiros, sempre estrelecida, Dos estrangeiros, sempre respeitada. No topo do mastro, galharda tu flamulas Impondo a todos reverência. Por ti paira a salda a quem estimulas, Disciplinado, respeitoso em continência. Os alunos passam, o professor aponta: — Esta bandeira é a Bandeira Brasileira. — Símbolo da Pátria, pendes em conta! — Rapazes, sentido, erguei a fronte altaneira. — Esta é a bandeira! — A Bandeira Brasileira!
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Virgílio Vitelli
21 de Agosto Feito para a neta Maria Vitelli Cassiano, por ocasião do aniversário do Grupo Escolar de Soure, em 21/08/1949.
21 de agosto, faz-me falar, Porque hoje faz anos a mama, Em festa está o nosso lar Alegre está vovó, os manos, o papa. Mera coincidência! Não foi isto que vim dizer, Não obstante a ocorrência, Sinto-me cheia de prazer. Sou aluna exemplar, Diz minha professora, Até me quer premiar, A nossa diretora. Estudo, escrevo e leio, Com toda a aplicação, De garatujas trago cheio, O caderno da lição. Ao que mais me dedico, É a História do Brasil, E orgulhosa de ter nascido fico Debaixo desse céu anil.
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Ilha do Marajó I
Como nau ancorada Nas águas do rio – mar. Como um gigante de pedra Onde as ondas vão quebrar, Como tronco levantado, O sonho de Faraó. Do Pará grande gigante, Descortina o viajante A Ilha do Marajó.
II
As praias como são belas! Os horizontes infindos, Numa superfície soberba, Os campos como são lindos! O povo? Que gente forte, Parece o Leão do Norte, O povo do Marajó. Sempre altivo, sobranceiro, Heróico, forte e altaneiro, Pode viver por si só.
III
Nos campos belas fazendas Se deslizam por além, Onde rebanhos imensos De búfalos pastando têm. Entrecortando as campinas, Biblioteca Virtual do CPOEMA
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Virgílio Vitelli
Vão correntes cristalinas A Ilha fertilizar. E como serpente indolente As águas vão docemente Em busca do rio – mar.
IV
Torrão onde se divisam Todas as madeiras reais Que riquezas portentosas Se encontram nos seringais E vêem-se pelas campinas As aves mais peregrinas (as rosas de Jericó). o mundo, todas as ilhas, Não encerram as maravilhas Da Ilha do Marajó
V
E Soure, tão altaneira Morena, linda e faceira, Toda cheia de mangueiras, Dançando seu carimbó Nas noites de lua cheia. E o Paracauary caudaloso, Gigante, fértil, barrento, Banhando a bela morena, Risonha, alegre e serena, Capital do Marajó.
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Lélia Em homenagem ao 20º aniversário da filha Lélia Vitelli, Domingo, 12/07/1936.
Filha minha e mui amorosa, Hoje completas vinte primaveras, Tua vida tem sido cor de rosa, Cheia de sonhos e quimeras. Teus pais que se julgam bem felizes, Por te ver passar mais um natal. Junto a teus irmãos, todos felizes, Debaixo deste teto paternal. Desejam sempre, sempre ardentemente, Teu bem e tua felicidade, Por seres filha boa e obediente, Deus afaste de ti toda maldade. À Maria, que é nossa mãe bondosa, Faça uma prece toda fervorosa; Pede-lhe que te cubra com seu manto, Aqueles que te querem tanto, tanto.
Teu Pai.
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VirgĂlio Vitelli
Frei Carmelita
Fau branco engomadinho, Sapato da mesma cor, Colarinho bem tesinho, Carmelita, frei do amor. Este frade sem burel, Se parece Frade Fausto...!? De doutor tem o anel, Reza prece holocausto. Se o olharmos de perfil, Com seu porte espigado, O andar bem senhoril, Caminhar sempre apressado... Vemos logo de repente, Que em tempo atrasado, Este frade renitente, Com Caim esteve brigado. Mas, si acaso m’enganei, Apresentando este perfil, Mil desculpas pedirei, Pedirei desculpas mil.
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Perfil Jubim, 31/05/1936.
Uma flor de Joanes, abalada, Para uma festa no Jubim, alegremente, De cândido vestida bem trajada, Surgiu no largo prazerosamente. Do colo acetinado, Verde colar pendia; Dum céu constelado, Uma estrela parecia. Mediana sua estatura, Cinturinha bem delgada, Compleição e formatura, Miniatura delicada. Olhinhos a luzir, Beicinhos de coral, Um sorriso a trair, Princesinha medieval. Não sou pintor afamado, (O David dirá claramente), De não vos ter burilado, Este perfil certamente.
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Virgílio Vitelli
É ela?
Figurinha grácil e arrogante, Ondulação do corpo a provocar, Deixando uma áurea marcante, Desejos d’uma alma a vacilar. Pálido olhar esmaecido e triste, Cheio de volúpia sensual, Roga, implora, insiste, Um mórbido beijo passional. Será que esse vulcão aparente, Em chamas queira incendiar, Um coração que tão somente, O amor queira apagar?
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Beijo furtivo
Beijo furtivo, apaixonado, ardente, Aquele que tu destes, amorosa... Deixando-me at么nito, imprudente... Acho que ainda sinto a impronta calorosa. Se pudesse teu olhar escrutinar, Conceber o que nele se encerra, Poderia certamente vislumbrar, Um p谩lido amor distante como a serra. Parti de ti me separando, Um solu莽o reprimi, quando te fiz adeus, E com a alma lacrimando, Te vi desaparecer aos olhos meus...
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Idílio desfeito
Da sombra do quintal, Uma poesia assistia; Uma visão genial, Um amor em extasia. Era uma linda flor, Que borboleta afável, Toda cheia de amor, A soluçar incansável. Palavra d’amor murmurava, A flor acabrunhada, Que silenciosa, esperava, De Cupido a punhalada. Dizia com voz sutil, A borboleta à flor: “Quanto te acho gentil. És meu primeiro amor.” Qual Julieta e Romeu, A borboleta e a flor. Aquecidos por Prometeu, Juravam eterno amor.
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Céus! O que vejo, é verdade? Um besouro negro chegava, E sem pena nem piedade, A linda flor desfolhava. E a borboleta medrosa, Duas lágrimas soltava, A afastando-se chorosa, O espaço azul procurava.
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Virgílio Vitelli
A uma colaboradora em férias Jornal “A Folha de Soure”, publicado em 05/07/1936.
O Latino Poeta emudeceu. No ditado comum, comeu abio, Como palhaço que também sorriu, Por Colombina que tanto estremeceu. Também sorriu co’a tristeza n’alma, Procurando em vão sua Colombina, Que no rastro lhe ficou serena e calma, Se distanciando de Pierrô e Querubina, Em breve voltará, tenho certeza; Desperta do letargo em que viveu Tragando olores daquela natureza. Que Salvaterra esparge, e que sorveu. Felicidade a “Folha” o seu volver, Espera novamente o seu labor Não obstante a faina do dever, Prosas, versos, tudo de valor.
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A um amigo Jornal “A Folha de Soure”, publicado em 04/05/1936
Quando Deus fez o mundo desigual, Na’obstante ser rotundo – Original, Fez o céu, fez a terra – o animal, E do barro fez o homem racional. Fez o homem sapiente, E também audacioso, S’insinuando à gente, De sabido pretensioso. Diz um leitor piamente: “Este poeta latino, Ao meu ver francamente, É poeta bem cretino. “Não sei como se aceita, Num jornal conceituado, Poesia tão mal feita D’um pobre diabo coitado!” Barros, Lones, Manoel, Que de tudo, tudo sabe, Diga-me: desse aranzel, A carapuça a quem cabe?
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Virgílio Vitelli
Sr. Zagaia
Se eu andasse na gandaia, Certamente saberia, Quem é este Zagaia, Que mete pau na bicharia, Apanha gato, cachorro apanha, Cachorro late e gato mia. Quando Zagaia todo se assanha, Zagaia todos a revelia. Este Zagaia bem esperto Com certeza é bandoleiro, Que a todos vê de perto, Pra soltar o marmeleiro. Apanhar não é garapa, Que o Danda vende a granel, São pancadas de socapa, Rabiscadas no papel. Um amigo, certo dia, Me disse todo zangado: “Que até pena não valia O Zagaia lhe ter dado. “Não mereço do que diz;
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Tenho certeza do que digo, Lembro bem que nada fiz, Não mereço tal castigo”. Seu Zagaia impertinente, Que com tudo s’incomoda, Salve o lombo da gente, Dar nos outros não é moda!!
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Virgílio Vitelli
Uma história curta e certa Era uma vez um pobre Que não tinha garantia, Procurava juntar cobre P’ra pagar certa quantia. Certo dia um Coronel, Que daí era Prefeito, Teve pena do painel, Entendeu dar um jeito. Acertaram as corujas, O Coronel deu o dinheiro, Reclamou certas lambujas, Afinal foi cavalheiro. Reclamando a hipoteca, De seu pobre pardieiro, O Coronel disse co’a breca: “Quem garante meu dinheiro?”. Mas se ficasse nisso, Estaria tudo bem, Meteu-se depois disso A política também. O pobre que até agora, Não juntou a tal quantia, De casa para fora, Quer botá-lo... que mania! www.cpoema.org
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Será que não tem alma, E que a política o segue? Que não veja bem com calma, Que este pobre ele persegue? Depois que três pontinhos, Corresponde a certa idade, Caldeados nos caldinhos, Celebraram irmandade, Não posso acreditar Que este rico desalmado Queira deixar sem o lar O pobrezinho, coitado! Deus que tudo vê, D’inocentes tem piedade, Fará de modo que Se não pratique essa maldade. Quem faz mal a pobre Em geral não acaba bem, Tudo Deus descobre, Pagando como convém. Se p’ro pobre é humilhação, Para o rico não é glória; No conceito, na opinião, De quem leu esta história.
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Virgílio Vitelli
ARA (Do Altar, Sagrada Pedra)
Ara, pedra, quando preciosa, Em rico metal, encastoada, De pálida cor maravilhosa, Mas preciosa é se coroada, De brilhantes mil e multicores, Se em dedos de leigos e doutores. Quando humana é a Pedra Ara, De grácil silhueta e gen’o ardente, De modesto saber e de modéstia rara: Combinação deveras surpreendente! Valor intrínseco é o dessa pedra, Difundido saber que sempre medra. Algum dia eu gostei da pintura, De poeta já fiz a minha estréia, Filho sou do berço da escultura; Este perfil apresento à platéia, Pedindo perdão da incompetência, Por ninguém pedir ess’incumbência.
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Virgílio Vitelli
“Muchas gracias”
Ao Latino Poeta
Dos poetas latinos, o mais caro, De finas obras, méritos e louros, Lucidez e sentimento raro, Valendo mais que todos os tesouros, É sinceramente este bem oculto, Na própria sombra do seu áureo nome, Fazendo jus à glória de seu vulto, E sem querer que por bondade tome. Um dia, lendo então nos lindos versos seus, Perfil de Ara, Carmelo, conselhos para mim, Agradeço, pois nos pobres versos meus, E peço permissão para dizer assim: A vida é uma passagem repleta de ilusão, Um dia, então ferida, à Virgem implorei, Uma graça tão linda, em férvida oração, Por ser a protetora daquele que eu amei! Bem digo, pois a minha inspiração, Por isso, do Carmelo, ainda não sairei, Agradeço o conselho de todo o coração, E Ara do Brasil sempre serei. Ara do Brasil.
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em 46 anos de Marajó
PITORESCOS EPISÓDIOS
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Da vida de
Virgílio Vitelli LATINO POETA
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PITORESCOS EPISÓDIOS EM 46 ANOS NO MARAJÓ Dilomeno Márcio Maués Vitelli Marcos Antônio Maués Vitelli
São inúmeras as situações curiosas protagonizadas por Virgílio Vitelli durante os 46 de vida em Soure. Episódios que se perpetuam através das saudosas lembranças dos que o conheceram, como veremos a seguir.
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ão se sabe bem o motivo, se era por falta de televisão e de controle de natalidade, ou por obediência às escrituras que dizem: “Crescei e multiplicai”, de nossos antepassados terem comumente de 10 a 20 filhos. Dona Leonila e Virgílio mantiveram a média: 14 herdeiros, um por ano. Sobre isso Tia Iró, empregada doméstica por duas décadas, relata que, durante a Semana Santa, era costume dos antigos não punirem as crianças malcriadas até que se passassem às três horas da agonia, mesmo diante das piores travessuras. Numa dessas, o velho Virgílio tentava em vão pegar os ariscos Célio e Raimundo (Muné) para lhes aplicar um bom corretivo. No calor da perseguição a dupla se embrenhou no quintal da casa. Nisso Dona Leonila, da porta da cozinha, chamou os filhos para junto de si, alegando protegê-los. Os inocentes traquinas foram surrados duplamente pelos pais. xw Virgílio também se divertia muito nos “assustados”; prática popularizada entre os sourenses durante o primeiro semestre de cada ano, quando se planejava às escondidas uma visita surpresa com lamparinas sobre as cabeças, para evitar que o vento as apagasse. Eles as usavam afim de compensar a pouca iluminação, que era a base de
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lampiões nutridos por carbureto, colocados defronte das casas das 18 as 21 horas. Assim, diante da inesperada visita, a família decidia se abria ou não as portas. Caso positivo, as crianças eram acordadas e a mobília apressadamente afastada para melhor recepcionar o grupo que chegava trazendo além das lamparinas, o possante candeeiro do seu Teófilo e todos “comes” e “bebes”, indispensáveis ao bom folguedo, inclusive a música ao vivo com a animada banda “Os Corumbás” do maestro e percussionista Anselmo Corimbá e os familiares Leandro (clarinete) e Maria Mariana (croners). A banda também se chamava “Jazzes do Tubarde” e era a responsável pelo cordão de pássaros “Javali”. xw Jogador de baralho dos mais compulsivos, Virgilio vitimouse quando, numa madrugada infeliz, a razão deu lugar à obsessão e, numa perda de sentidos, empenhorou a própria casa, até perdê-la. Sem recursos financeiros suficientes e sendo pressionado a ter que entregar sua própria morada, passou maus bocados, até um amigo socorrê-lo, emprestando o valor devido. Pouco tempo depois o benevolente avalista recebeu o dinheiro parceladamente, e Virgilio pagou o insistente cobrador e adversário político como convinha: alfinetando-o com um poema estilo “Boca do Inferno”, que titulou de “Uma história curta e certa”, verdadeiro az que guardara na manga e que naquela oportunidade publicou o poema no “Folha de Soure”. Sabe-se que após este incidente ele se afastou da jogatina. xw Viajando todos os finais de semana à capital paraense com o filho Célio para negociar os produtos da Chouriçaria e Panificadora Vitelli e da Saboaria Tucano. Virgílio aproveitou para arriscar a sorte na loteria belenense a pedido de Leonila. Mas como o dinheiro gasto se tornou cada vez maior, Virgílio não permitiu que a mulher continuasse jogando, alertando-a sobre os males que o vício da jogatina acarretava. O conselho de nada adiantou. Ela continuou jogando, mas desta vez repassando às escondidas para o filho a numeração das apostas e o dinheiro, Biblioteca Virtual do CPOEMA
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orientando-o a justificar ao pai, caso fosse interpelado, que o que levava era receita para a compra de medicamentos. “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Leonila foi premiada com uma vultosa soma de rés na loteria e Virgílio a perdoou pela recaída. Com uma parte do dinheiro o casal comprou uma fazendola em Soure e investiu na criação de búfalos e cavalos. Com a outra, presenteou o filho Célio, que adquiriu uma casa onde alojou a mulher Cremilda e os filhos. xw Conta, entre risos e lágrimas de saudade, Sônia Vitelli que sua mãe D. Leonila gostava muito de criar animais, principalmente papagaio, ao que Virgílio fazia sérias restrições, já que o animal sempre era flagrado causando sérios prejuízos, ora aos parapeitos das janelas, ora às cadeiras, mesas e tudo mais que estivesse ao alcance do seu bico. D. Leonila cismou em adquirir mais um “louro”, pois achava o seu tristonho, sozinho, sem uma companheira com quem pudesse compartilhar palavras, bicadas e, quem sabe, um poleiro e uma família. Numa tarde de domingo, Virgílio foi à feira e lá encontrou a companheira que a esposa tanto procurava para o papagaio, mas não a comprou, embora o vendedor insistisse em negociar por saber da predileção de D. Leonila pela tagarela ave. Na segunda-feira bem cedinho, o astuto feirante a visitou e, sem esforço, fechou o negócio para a infelicidade de Virgilio e das janelas e móveis da casa. xw Durante o tempo em que foi guarda-livros, Virgílio precisou ir várias vezes a Salvaterra, Joanes e Jubim – à época vilas de Soure – situadas na margem oposta do Paracauari, rio caudaloso e de fortes correntes advindas da Baía do Marajó. Barreira natural que era vencida graças à montaria a remo do Velho Centenário, alcunha daquele alentado marajoara de pavio curto, poucas palavras e profundo conhecedor da arte náutica, o que lhe possibilitava carregar no colo os passageiros da terra-firme à embarcação e vice-versa, evitando assim que se molhassem e enfiassem os pés na lama, fossem eles adultos, www.cpoema.org
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crianças, mulheres ou homens. Aconteceu que numa dessas idas e vindas, Virgílio quis confabular com o velho barqueiro. Sem retorno, insistiu com graçolas, até que Centenário retrucou entre dentes: “Deus fez dois ouvidos e uma boca pra gente ouvir mais e falar menos”. Encurtando o fio da prosa, Virgílio teve que desembarcar sem o colo do lacônico capitão. Dias depois, ambos acertassem as corujas, com um sincero pedido de desculpas do pivô do incidente. xw O depoimento é da filha Lélia. Ela nos faz recuar seis décadas, recordando um episódio ocorrido em 1945. Nesse ano alguns sourenses, revoltados com as baixas sofridas na II Guerra, deixaram-se dominar pelo revanchismo contra os imigrantes advindos de países membros da Tríplice Intente. Sendo Virgílio italiano, também foi perseguido, agredido moralmente e coagido a deixar o Marajó. Lélia lembra que neste fatídico dia seu pai subiu no peitoral da janela de sua casa, e reagiu aos desafetos. Em tom conciliador e ordeiro, discursou aos revoltosos até contornar a delicada situação, lamentando a insensatez e absurdos da guerra e demonstrando seu amor e respeito pelo Brasil ao arrematar sua fala, declamando “Vitória: Viva o Brasil!”. Poema divulgado em conjunto com “Bandeira” no jornal “Folha de Soure”, durante a semana da pátria daquele mesmo ano. xw Como linotipista e colunista sócio-cultural do “A Folha de Soure”, tablóide pertencente a Pedro Paulo Abdallah, Virgílio e os amigos Cícero Freitas, diretor, e João Marques dos Santos, redator, publicavam, vez por outra, artigos, reportagens e poemas que tiravam o sono de influentes políticos/latifundiários da época, gente que se revezava à frente da intendência municipal. Com o aumento do número de leitores o periódico “abriu as asas da liberdade de imprensa” à população. Até que em 1937, dois anos depois de criado, o “Folha de Soure” fechou as portas quando, na calada da noite, o prédio onde se localizava foi arrombado e o maquinário misteriosamente destruído pelas chamas. Biblioteca Virtual do CPOEMA
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xw Possuindo fartas orelhas e adunco nariz, Virgílio logo transformou-se no alvo predileto das chacotas dos amigos mais íntimos. Mas sendo ele italiano de espírito irreverente e brincalhão, não se amofinou, pelo contrário, procurou com muito bom humor revidar as constantes gozações. Denominando seu novo empreendimento comercial de “Chouriçaria Tucano”. xw Hoje o ex-vereador David de Martins Paulo recorda com visível saudosismo de uma inusitada situação da política local. O cenário foi à Câmara Municipal; nela Virgílio comemorava com demais amigos a conquista da presidência daquele Poder, por meio do edil Pedro Paulo Nunes Bezerra. Mas a festa durou pouco, pois o derrotado candidato à reeleição negou-se a empossar seu sucessor e demais membros da nova mesa diretora. O que, obviamente, gerou um tumulto entre os grupos políticos rivais. Nisso, Virgílio saiu do ambiente sem ser notado e, em minutos, retornou botando ordem na casa com um “38” em punho e não deixando ninguém sair; pois mandara fechar portas e janelas. Era o incentivo que faltava para o novo presidente ser empossado. Com a contenda resolvida e diante da insistência da “turma-do-deixa-disso”, Virgílio entregou a arma. Ele, velhaco, explicou que o revolver era de brinquedo e pertencia a um dos seus filhos. A gargalhada foi unânime entre os grupos rivais.
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Posfácio VIRGÍLIO, LATINO POETA Jorge Domingues Lopes*
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irgílio, Latino Poeta, de origem italiana, chegou ao Brasil no início do século XX e radicou-se na Ilha do Marajó, onde se tornou próspero comerciante e figura eminente na sociedade do município de Soure. Colaborador efetivo dos jornais da região e grande incentivador da cultura local, Virgílio também alimentou esta cultura ao produzir poemas e divulgá-los entre amigos e familiares e ao publicá-los esporadicamente nos jornais do município. De toda a sua produção literária somente chegaram até nós os 18 poemas reunidos (pela 1.a vez) neste livro por Dilomeno Márcio e Marcos Antônio Vitelli, bisnetos do poeta. Escritos totalmente em português durante o longo período em que viveu na Ilha, as composições de Virgílio revelam um poeta afeito às coisas da terra que escolhera como nova pátria e sensível aos fatos de sua época. O amor, a guerra, a pátria e o cotidiano local e familiar são os temas preferidos do Latino Poeta, cuja poética, ainda não influenciada pelos ventos do Modernismo, seguiu uma tendência visivelmente Romântica, que pode ser constatada se compararmos, por exemplo, seus poemas com os de Castro Alves (1847-1871): Perfil
Latino Poeta
Uma flor de Joanes, abalada Para uma festa no Jubim, alegremente De cândido vestida bem trajada, Surgiu no largo prazerosamente
Adormecida
Castro Alves
Uma noite, eu me lembro... Ela dormia Numa rede encostada molemente... Quase aberto o roupão... solto o cabelo E o pé descalço do tapete rente.
* Professor de Língua Portuguesa da Faculdade Integrada Brasil Amazônia e Mestre
em Estudos Literários pela UFPA, Jorge Domingues Lopes já ministrou cursos de Português, Francês e Latim na UFPA e na UEPA. Também é membro da Associação dos Professores de Francês do Pará e do Clube do Poeta e do Escritor Marajoara.
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Quanto ao estilo, Virgílio foi bastante eclético, aproveitando na composição de seus poemas as mais diversas formas e métricas. Preocupado com as rimas, buscava sempre uma certa simetria, por isso o uso freqüente de rimas intercaladas, o que conferia ao poema um ritmo simples, adequado para a manifestação de uma poesia de traços bastante figurativos. Não posso acreditar que este rico desalmado Queria deixar sem lar O pobrezinho, coitado!
A B
Ora, essa figurativização nos poemas permite ao poeta aproximar a sua produção ao seu cotidiano e, conseqüentemente, às pessoas de seu convívio, dando-lhes oportunidade de apreender a realidade por meio da poesia. Por isso, Virgílio, em seus poemas: a) descreve;
b) narra;
c) instrui;
d) critica;
Nos campos belas fazendas Se deslizam por além, Onde rebanhos imensos De búfalos pastando têm. (Ilha do Marajó) Era um vez um pobre Que não tinha garantia Procurava juntar cobre P’ra pagar certa quantia. (Uma história curta e certa) Sossega, irmão, não sejas qual menino, De que serve soltares mundo afora Os teus ais, teus lamentos acridolentes (Tristezas) Seu Zagaia impertinente Que com tudo s’incomoda Salve o lombo da gente Dar nos outros não é moda!! (Sr. Zagaia) Biblioteca Virtual do CPOEMA
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e) louva;
f) elogia;
Já se ouve ao longe o tropel Já se escuta distante o clarim Já se vê que anjo monta o corcel, Com a vitória gloriosa vem ao fim. (Vitória - Viva o Brasil) Felicidade a “Folha” o seu valor Espera novamente o seu labor Não obstante a Faina do dever Prosas, versos, tudo de valor. (A uma colaboradora em férias)
g) defende-se.
Diz um leitor piamente: “Este poeta latino, Ao meu ver francamente, É poeta bem cretino”. (...) Barros, Lones, Manoel, Que de tudo, tudo sabe, Diga-me: esse aranzel, A carapuça a quem cabe? (A um amigo)
Tão bem adaptado ficou ao Brasil que Virgílio assumiu para si uma identidade brasileira, sem contudo esquecer-se de sua condição de estrangeiro. O pintor que te pintou, Bandeira, Não só era pintor! Era músico e poeta. Pintou-te em vivas cores a alma brasileira, e no centro ainda este planeta. Do azul do céu e branco neve enriquecida, Do auriverde e d’estrelas adornada. Dos brasileiros, sempre estrelecida, Dos estrangeiros, sempre respeitada. (Bandeira)
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Além disso, há de se observar que, ao adotar para si o pseudônimo de “Latino Poeta”, ele cria uma ambigüidade que traduz perfeitamente a sua condição: é latino porque provém do Lácio, região italiana berço da civilização romana, mas também pode referir-se à aceitação de sua condição de brasileiro, devido a seus laços com o Brasil, caracterizando-se assim como latino-americano. Dupla nacionalidade em uma identidade ambígua, síntese adequada para um Poeta. Dos poetas latinos, o mais caro, de finas obras, méritos e louros, Lucidez e sentimentos raros, Valendo mais que todos os tesouros, É sinceramente este bem oculto, Na própria sombra do seu áureo nome (do poema Muchas gracias)
Deste modo, a publicação de seus poemas em livro, além de ser um tributo à memória de Virgílio, que partiu há quase 5 décadas, representa, sem dúvida, a possibilidade de (re)conhecimento, tanto por parte do público leitor quanto da crítica literária especializada, da escritura de um homem do povo, misto de europeu e caboclo marajoara, que contribuiu indubitável e decisivamente para a recente história política e cultural do município de Soure.
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Referências ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998. ALVES, Castro. Poesia. Org. Eugênio Gomes. 7. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1989. ARQUIVOS da Prelazia do Marajó, Paróquia Menino Deus de Soure – Pará. BARBOSA, Maria de Nazaré. Soure, Pedaço de Marajó. Belém: publicação independente. 1997 CAMARGO, Nelson José. Sistema integrado de ensino. São Paulo: Didática Paulista, 2002. CASSIANO, Lindalva V. Folclore marajoara. Soure, 198(?). Não publicado CRUZ, Miguel Evangelista Miranda da. Soure: Pérola do Arquipélago do Marajó. Belém: Empresa Jornalística e Editora Gráfica M.M. Lima, 1999. FERREIRA, Jurandir Pires. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros – Soure. Rio de janeiro: Oficinas do Serviço Gráfico do I.B.G.E., 1957. V. 6. FIGUEIREDO, Abel Nunes de. Um homem exemplar (1896-1996) Homenagem pelo transcurso do centenário de seu nascimento. Belém: publicação independente, 1996. LOPES, Gabriel César Dias. A Ordem dos Templários. AMORC Cultural. Informativo do Centro Cultural AMORC, nº 18,. 2º Trimestre de 2003. REVISTA NOVA ESCOLA. Ano XIV, n: 119, fev. 1999. REVISTA ÉPOCA, n: 238, 30 de dez. 2002. RODRIGUES, Rosicler Martins. Cidades Brasileiras, o passado e o presente. São Paulo: Moderna, 1992. SANTOS, João do Socorro Mendonça dos. Lindalva, uma mulher de valor da cultura marajoara. Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia – UFPA, 1998. SARGES, Maria de Nazaré. Riquezas produzindo a Belle Époque: Belém do Pará (1890/1910). Recife, 1990. Tese de Mestrado UFPA. SCHIMIDT, Mario Furley. Nova História Crítica . São Paulo: Nova Geração, 1999. VICENTINO, Cláudio. História Integrada: os séculos XVIII e XIX: Brasil Geral. São Paulo: Scipione, 1995. www.cpoema.org
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Organizadores Dilomeno Márcio Maués Vitelli nasceu na cidade de Soure-PA, em 16 de março de 1974, é consorte de Maria Estrela Dalva, pai de Gábrio Luigi e Mallena Thais. Pedagogo, radialista, funcionário público e poeta, colaborou na criação do Clube do Poeta e do Escritor Marajoara (CPOEMA), do qual é presidente desde sua fundação em junho de 2002. Foi premiado em alguns certames literários da região e tem promovido nos últimos anos eventos do gênero. Marcos Antônio Maués Vitelli (16 de junho de 1979) é licenciado pleno em Letras pela Universidade Federal do Pará, professor, desenhista e poeta. Também contribuiu para a criação do CPOEMA, primeiro grêmio literário da Ilha do Marajó, onde atua como diretor administrativo. Já obteve destacadas colocações em concursos de poesia, como o 3.o lugar no concurso promovido pela UFPA, Campus de Soure, e menção honrosa no XI Concurso Nacional de Poesia “Menotti Del Picchia” Edição Cruz e Sousa, promovido pelo Clube Brasileiro de Escritores e Poetas Profissionais e Amadores (CBE).
Fonte VITELLI, Dilomeno Márcio Maués; VITELLI, Marcos Antônio Maués (org.). Ilha do Marajó e outros poemas. Soure: Edição do Autor, 2005. Texto proveniente da Biblioteca Virtual do Clube do Poeta e do Escritor Marajoara <http://www.cpoema.org> Atenção Permite-se a redistribuição livre deste material, desde que ele não seja alterado e as informações acima sejam mantidas. Recomenda-se o uso deste livro e de seu conteúdo apenas para fins educacionais e culturais. Colabore Para colaborar conosco neste projeto de publicação, envie uma mensagem para <info@cpoema.org>
Dos poetas latinos, o mais caro, De finas obras, méritos e louros, Lucidez e sentimento raro, Valendo mais que todos os tesouros,
É sinceramente este bem oculto, Na própria sombra do seu áureo nome, Fazendo jus à glória de seu vulto, E sem querer que por bondade tome.
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