Actividade Econ贸mica
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
J. L. Barros – uma empresa caldense com qua
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cartão de visita J. L. da Barros & Cunhas Gomes, SA ostenta no canto superior a expressão “Desde 1918”. Um sinal de que a empresa se orgulha dos seus 92 anos de existência, apesar das atribula ções da sua estrutura accionista.Tudo começou, pois, oito anos depois de implantada a República e num período extremamente conturbado da vida política portuguesa, quando Joaquim Luís de Barros Júnior abre uma loja na Rua Dr. Júlio Lopes que – tal como quase todos os estabelecimentos comerciais da época numa vila da província – vendia praticamente de tudo.Em 1944 o comerciante dá sociedade ao seu irmão, José Luís de Barros, ao seu contabilista Sebastião Cunha e ao funcionário César Lourenço. O capital social foi de 150 contos (750 euros) e os dois irmãos detinham duas quotas de 50 contos e os dois funcionários entretanto promovidos a patrões 25 contos cada.Alguns anos depois, César Lourenço compra as quotas de José Luís de Barros e de Sebastião Cunha, ficando imediatamente com 75% do capital. Mas como o seu objectivo não era ser sócio maioritário, combina com o outro fundador um aumento do capital social para mil contos (cerca de 5000 euros) divididos em duas quotas de 500 ”Eram duas pessoas que se davam muito bem” contos cada um.”Eram bem”, conta Salette Saraiva, referindo-se ao seu pai, César Lourenço e ao seu sócio Joaquim.Este último tinha casa na Foz do Arelho o que dava azo a dedicar-se à sua paixão pela caça e pela pesca, actividade a que dedicava muito tempo, deixando grande parte da gestão da empresa a César Lourenço, no qual confiava plenamente. “Eram ambos muito sérios um com o outro e deram-se lindamente” mente”, sublinha a actual administradora.Nos finais dos anos setenta há um novo aumento de capital, desta vez para 6000 contos (quase 30 mil euros), entrando um novo sócio – Marcos Moreira de Barros – que fica com uma quota de 500 contos, equivalente a 8,3% por cento da sociedade.Com a morte de Joaquim Luís de Barros Júnior, no início dos anos oitenta, sucede-lhe, por herança, a sua filha Carmen Barros (com quem Gazeta das Caldas não conseguiu contactar para obter o seu depoimento para esta reportagem). A liderança da empresa sofre alguma instabilidade e em 1987 César Lourenço adquire os 8,3% de Marcos Moreira de Barros e fica com a maioria do capital. No ano seguinte compra a quota de Cármen Barros e torna-se o únicoproprietáriodaempresa.Mas,actocontínuo,procedeaumanovarepartiçãodo capital com quotas de 25% para ele próprio, para a sua mulher, Maria Raposo Lourenço, para a filha Salette Saraiva e para o genro Luís Saraiva.César Lourenço, que foi atingido pela doença de Parkinsson, morre em 1998.
O casal Luís e Salette Saraiva são os administradores da J. L. Barros e representam a segunda geração.
então que um dia ali passaria uma auto-estrada e muito menos que ficaria tão ”Quando soubemos, é claro que perto de um nó do que viria a ser a A8.”Quando ficamos contentes porque isso aumentou o valor da empresa. Desde então temos sido pressionados por inúmeras empresas de vários sectores, para vender porque gostariam de transformar isto numa superfície comercial” comercial”. Mas o casal Saraiva não vende e o sócio Cunha Gomes está de acordo.
sora, dá aulas no Magistério nas Caldas e no ensino secundário no Bombarral, até que um dia o pai, consumido pela doença, lhe pede para vir para a J. L Barros. Convite irrecusável.O marido, Luís, que foi também funcionário da empresa, conta como a forma de trabalhar de uma casa comercial evoluiu nas últimas décadas. Os materiais de construção, que dantes eram muito padronizados, passaram a ser mais específicos e tornaram-se mais diversificados e completos. E RECENTRAR O NEGÓCIO depois vieram as normas, as certificações de qualidade, as nomenclaturas complexas. Luís Saraiva diz que A travessia dos anos oitenta tinha sido, porém, já nada é como era e que a actividade muito dolorosa e a empresa enfrenta dificuldaFoi criada em 1918 como uma loja que vendia quase tudo e atravessou o século XX com exige hoje mais conhecimento e mais des. A nova administração resolve abandonar formação.Já a mulher e sócia refere a evovárias mudanças na sua estrutura social. Hoje é uma sociedade anónima parceira do algumas das áreas de negócio – artigos desporlução ao nível da relação com o cliente. maior grupo de materiais de construção do país e chama-se J. L. Barros & Cunha Gomes, tivos, caça e pesca, agricultura, etc. – e centrar“Antes o acto comercial acabava no SA. ”Não podíamos se nos materiais de construção.”Não momento da venda, agora o serviço Facturou no ano passado 5 milhões de euros e a administração não esconde as dificulser um centro comercial e continuar com que prestamos só termina depois do dades de uma empresa que pertence a um dos sectores mais expostos à crise. tanta dispersão” dispersão”, conta Luís Saraiva, também material estar montado e validado, Salette Saraiva, filha de um dos sócios iniciais é hoje uma das administradoras da administrador da empresa. “Chegámos a ter mantendo-se, ainda assim, o acomempresa, perfazendo duas gerações à frente dos seus destinos. 73 funcionários. Hoje temos 36” 36”.À decisão panhamento pós-venda” pós-venda”, conta. Por estratégica de assentar a actividade nos materioutro lado, a própria relação comercial ais de construção, segue-se a entrada do grupo evoluiu e hoje conta muito o aconselhaCunha Gomes, do Porto, que é um gigante neste O ACTO COMERCIAL ACABAVA NO MOMENTO DA VENDA mento e o acompanhamento dos clientes, o que tem a ver com a mercado. Em 1991 a empresa caldense eleva o seu capital para 1 milhão de euros complexidade dos materiais.Desde os anos oitenta que a empresa, e torna-se uma sociedade anónima, com a necessária mudança de nome: J. L. Toda a vida de Salette Saraiva está marcada pela J. L. Barros: “em acompanhando os tempos, se abriu à comunidade. Costuma aceitar Barros & Cunha Gomes, SA.Como o negócio agora não exige uma presença no miúda brincava na empresa e lembro-me de estar ao balcão estágios profissionais de alunos das escolas Bordalo Pinheiro e Téccentro da cidade, a empresa vende a sua sede na Rua Dr. Júlio Lopes, cuja receita a observar aquela actividade toda, lembro-me dos corredo- nica Empresarial do Oeste, recebe visitas de estudo e, por vezes, os vai ajudar a financiar um investimento de 1 milhão de euros em modernas insta- res, que na altura me pareciam enormes, onde se armazena- próprios administradores são convidados a dar uma aula em escolas lações à saída da cidade, na Estrada da Foz. “O terreno já existia e tinha vam as mercadorias, e de andar por lá a ver e a mexer. Era da cidade. sido comprado no tempo do meu sogro, no fim dos anos setenta, por um fascínio. Aos sábados de manhã ia para o escritório do 1100 contos [5487 euros]””, conta Luís Saraiva. São 10 mil metros quadrados, pai e sentava-me na secretária Carlos Cipriano secretária”. metade dos quais tem agora zona de vendas, salão de exposição e escritórios. cc@gazetacaldas.com Não pensava, contudo, vir um dia a administrar os destinos da Nem na altura da compra nem aquando da construção da nova sede, se sonhava firma. Salette Saraiva estuda e licencia-se em Germânicas, é profes-
Imagem da secção Caça e Pesca e da secção de Ferramentas. O armazém da empresa na Estrada da Foz, antes da construção da nova sede.
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ase um século de existência “Não vendemos nada que seja para o Estado”
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que fazer quando se está numa activida de que é das mais fustigadas pela crise?Reduzir custos. A começar pelo pessoal. No ano passado, entre rescisões de contrato e reformados que não foram substituídos, a empresa reduziu o seu quadro de 47 para 36 pessoas. E as poupanças noutras áreas têm sido tantas que “estamos a chegar a uma estrutura de custas igual à de há 10 anos” anos”, conta Luís Saraiva.Em 2004 a empresa facturou um pico de 7,3 milhões de euros, mas desde então tem vindo a descer e fechou 2009 com 5 milhões. As cobranças também estão difíceis e as próprias seguradoras deixaram de segurar as vendas a crédito. Ainda assim, Luís e Salette Saraiva dizem que não vendem nada para o Estado porque este paga tão tarde que não compensa alienar a mercadoria para um cliente assim.A J. L. Barros & Cu-
A sede da empresa na Rua Dr. Júlio Lopes. A carroça à direita era usada para ir buscar mercadorias à CP e aos Capristanos (mais tarde Claras e mais tarde Rodoviária Nacional).
nha Gomes trabalha sobretudo com pequenas e médias empresas ligada à construção, embora o segmento dos particulares não seja displicente. Os resorts, como, por exemplo, o da Serra d’el Rey, são também um
mercado alvo.O futuro é incerto. “Há sinais contraditórios de retoma: há mais confiança, há empresas como a antiga Rol que está a contratar pessoal, o que é bom, mas no nosso sector as em-
presas que ainda tinham obras no ano passado já as acabaram e ninguém está a começar nada. O sector está parado.” C.C.
César Lourenço - mais de 50 anos à frente da empresa
César Lourenço esteve mais de 50 anos à frente dos destinos da empresa
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ésar Lourenço (à direita) com o Presidente da República, Ramalho Eanes, no fim dos anos setenta numa das feiras que então se realizavam no parque. O empresário esteve mais de meio século à frente dos destinos da empresa e ocupou vários cargos nas Caldas da Rainha. Foi vereador
da Câmara Municipal, presidente da Comissão de Turismo e do Grémio Literário caldense (que mais tarde daria origem à associação comercial) e foi dirigente dos bombeiros e da Banda Comércio Indústria. “Ele encarava a empresa quase como um sacerdócio - tinha uma extrema atenção para com os funcionários e tinha sobretudo uma gran-
de abertura de espírito, sempre disposto a aprender” aprender”, conta a filha, Salette Saraiva, que lhe sucedeu. Nascido em Vale de Maceira, César Lourenço esteve empregado numa mercearia em S. Martinho do Porto e veio trabalhar para as Caldas depois de ter sido despedido por uma vez ter chegado atrasado. A família veio a descobrir, após a sua
morte, que nesse dia de 1939, César Lourenço iniciou um diário onde passou a assinalar os acontecimentos mais importantes que o marcaram, não só os pessoais – como a descoberta de que tinha Parkinsson aos 47 anos – como da vida social e política caldense e nacional. C.C.
João Augusto o trabalhador mais antigo Tinha 11 anos o miúdo que no dia 31 de Outubro de 1955 se apresentou na Rua Dr. Júlio Lopes para iniciar o seu primeiro dia de trabalho na conhecida firma caldense.Viera das Gaeiras a pé e a pé continuaria a deslocar-se entre aquela (então) aldeia e as Caldas da Rainha durante mais quatro anos, até que o seu pai lhe comprou uma bicicleta. Um salto de gigante para a época, que encurtava as distâncias, difíceis de vencer sobretudo nas madrugadas e tardes frias e chuvosas de Inverno.João Augusto fizera a 4ª classe, o que também naquele tempo já era escolaridade quase acima da média, pois no Portugal dos anos cinquenta nem todos tinham instrução primária. O normal seria ir trabalhar para o cam”O meu pai, que era po ou arranjar alguma coisa na cidade.”O funcionário do Faustino Gama, aqui nas Gaeiras, como ia muitas vezes aviar-se ao J. L. Barros, conhecia o senhor César e fez-lhe o pedido” pedido”. Foi aceite. E começou por baixo, como seria de esperar – varrer a casa, fazer recados, levar encomendas a casa dos clientes, ir buscar materiais à estação da CP e aos Capristanos (rodoviária). Mais tarde passou a cortar papel para embrulhos, a fazer massa para pôr nos vidros e, pouco a pouco, saltou para o balcão onde pesava pregos e aviava os fregueses em produtos de menor responsabilidade.O primeiro ordenado do aprendiz foram 60 escudos (30 cêntimos). João Augusto diz que ainda se recorda das três notas de vinte (com a imagem do Sto. António) nas suas mãos. Ordenado, diga-se, apenas obtido ao segundo mês de trabalho porque no primeiro “era à experiência” experiência”.Nessa altura ainda não sabia que iria bater um recorde de longevidade no seio da J. L. Barros. Foram 53 anos de trabalho sempre na mesma empresa, até que se refor”Houve fases da mou em Abril de 2009.Nunca pensou em sair?”Houve minha vida em que me abordaram para mudar de patrão, mas acabava sempre por chegar a entendimento e fui continuando. Na altura era fácil sair e entrar noutra firma porque eu tinha conhecimento de ferragens e havia empregos” empregos”.O horário era de segunda a sábado e já só na idade adulta é que este funcionário passou a ter a “semana inglesa”, ficando livre a partir das 13h00 de sábado. “Mas para isso tivemos ainda de fazer uma greve. Antes do 25 de Abril” Abril”, conta, explicando que foi uma greve de todo os empregados de comércio e que se traduziu no encurtamento da semana de trabalho para as 44 horas.É claro que a vida foi melhorando. João Augusto nunca abandonou as Gaeiras e foi na sua aldeia que casou e continuou a viver (hoje, paredes meios com filha, genro e netas). Mas depois da bicicleta seguiu-se uma motorizada para ir para o emprego, mais tarde o inevitável carro e quando se reformou, o rapazinho que ia a pé para o trabalho, fazia-se transportar num Peugeot 206 (que hoje leva para a fazenda, com as alfaias na parte traseira). Do seu patrão, César Lourenço, guarda a imagem de um homem “muito apegado à casa e mais próximo dos funcionários do que o sócio [Joaquim],, que era assim um bocadinho mais desprendido e dedicava-se mais à caça e à pesca” pesca”.E quanto à actividade em si, também a firma acompanhou a evolução dos tempos. Ao princípio, vendiam ferragens, pulverizadores, charruas, torpilhas, prensas para lagares e muitas miudezas como redes, cimentos, ferro, mais tarde azulejos. Hoje o universo da J. L. Barro é outro, bem mais complexo. Seja como for, o próprio João Augusto, deixaria, às tantas de aviar ao balcão e passou a ter outras responsabilidades. Quando se reformou, já não aviava ao público e trabalhava na secção de compras da empresa. C.C.
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Ferreira & Santos, Lda. – uma só firma com duas áre
Ernesto Ferreira. Se fosse vivo teria 99 anos. Foi ele que fundou a firma que já vai hoje na terceira geração.
Durante 11 anos Ernesto Ferreira de Sousa teve o prazer de trabalhar em conjunto com o seu filho, João Maria e as netas Maria João e Ana Ferreira. Quando morreu, em 2000, com 89 anos, este comerciante caldense deixava assim em boas mãos o negócio da ourivesaria e das duas ópticas (uma delas comprada meses antes) com que fizera nome na cidade. Ernesto Sousa nasceu em 1911 e começou cedo a trabalhar como ourives. Mas não quis ficar empregado toda a vida e em 1941 estabelece-se por conta própria numa loja no Largo Heróis de Naulila, ainda como comerciante em nome individual. Três anos depois monta uma sociedade com Augusto Mendes dos Santos (19031994). Nasce assim a Ferreira & Santos, Lda. que é hoje uma das sociedades por quotas mais antigas das Caldas. Durante a década de cinquenta a firma alarga a sua actividade à óptica, com uma loja na Rua José
Malhoa. João Maria conta que a decisão do seu pai teve em conta o facto de na ourivesaria Mourão (onde ele antes trabalhara) se venderem também óculos e por, à data, haver apenas uma loja desse ramo na cidade. Durante meio século a firma coexiste com os dois negócios, mas as novas tecnologias e o mercado haveriam de ditar um peso maior do ramo mais inovador, aquele que constitui hoje um “pelouro” das suas duas filhas. João Maria prefere a ourivesaria, mas reconhece que é hoje mais um coleccionador do que um ourives. E conta que o seu estabelecimento sempre teve um elemento distinto que é a joalharia antiga. “É a área em que mais gosto de trabalhar, as pratas, as jóias, os objectos de arte com incorporação de joalharia, imagens de marfim com aplicação de pedras preciosas e semi-preciosas... enfim, é esse mais o meu mundo” mundo”, diz. Por isso, a sua loja não é hoje
“Sou mais um coleccionador do que um comerciante”. João Maria Ferreira na sua discreta ourivesaria. Herdou o negócio do seu pai e ainda mantém a firma Ferreira & Santos, Lda, que gere com as filhas, tendo alargado a actividade à óptica
um estabelecimento permanentemente aberto ao público, com um corropio de clientes a entrar e a sair. Pelo contrário, a discreta loja aparece meio escondido em
anos. Também discretas, duas câmaras de vídeo – que zelam pela segurança - são os únicos sinais de modernidade. “Neste momento sou mais
Nem sempre foi assim, claro. Nos anos quarenta e cinquenta as ourivesarias respondiam a uma procura de “ostentação”, sobretudo da burguesia endinheirada
A Ferreira & Santos, Lda. começou por ser uma ourivesaria em 1944, mas alargou os seus negócios ao ramo da óptica. João Maria Ferreira, 77 anos, filho do fundador, reparte hoje com as duas filhas a gestão de uma firma que inclui a ourivesaria e as lojas Novoptica e Óptica Ramiro.
plena Praça da Fruta, mantendo no interior o mobiliário de origem dos anos quarenta. Dir-se-ia que o tempo não passou por ali, mantendo intactas as madeiras e os expositores de vidro onde se guardam peças que poderiam já lá ter estado há 50
O quotidiano caldense de 1947 a desfilar em frente à ourivesaria
um coleccionador do que um comerciante” comerciante”, diz João Maria Ferreira, que se entretém com as suas peças e atende alguns clientes ocasionais. Em linguagem moderna poderia dizer-se que a sua actividade está a ser “descontinuada”.
que gostava de comprar jóias e peças de ouro muito trabalhado. E respondiam também à necessidade de entesouramento por parte das classes mais baixas. “As pessoas não tinham muita apetência para os bancos e para os produtos finan-
ceiros e o aforro era o ouro” ouro”, conta João Maria. Os fios, pulseiras e colares deste metal podiam ser usados no dia a dia, ou nas ocasiões festivas e tinham a vantagem de, a qualquer momento, serem vendidos (ou penhorados), transformando-se em dinheiro. A clientela tradicional das ourivesarias eram “a gente do mar” e “a gente do campo” campo”, que usavam objectos de ouro mais pesados, que valiam pelo seu peso e valor facial, enquanto que os ricos preferiam um ouro mais rebuscado, com incorporação de mão-de-obra, ou seja, - outro termo moderno – com valor acrescentado. Carlos Cipriano cc@gazetacaldas.com
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eas de actividade O negócio das ópticas em expansão Maria João Henriques Pinheiro Ferreira, de 54 anos e a irmã Ana Ferreira Isaac, 41 anos, são, em conjunto com o pai, João Maria Ferreira, os três sócios-gerentes desta sociedade que é composta por uma ourivesaria e duas ópticas. Ainda crianças, as duas irmãs moviam-se entre a tabacaria Ibérica, ali bem perto, onde trabalhavam a mãe e a sua madrinha (mulher de Augusto Mendes dos Santos, sócio do pai). Depois da escola primária e do Externato Ramalho Ortigão, Maria João fez o Magistério Primário (nos Pavilhões do Parque) e chegou ainda a leccionar em Vila Franca Xira e nos Mosteiros (Caldas da Rainha). Mas já nessa altura os professores andavam com a casa às costas e quando se lhe deparou uma colocação demasiado longe das Caldas, Maria João, então com 29 anos e já casada, optou por ficar a trabalhar na ourivesaria do pai. Não por muito tempo porque em breve, em 1994, a firma decide abrir ali mesmo ao lado a Óptica da Praça. A sua mudança para este novo estabelecimento surge naturalmente. “Sempre tive a percepção de que o negócio das antiguidades a que o meu pai se dedicava era muito específico e que ele é que era o especialista da área. Na verdade, não era muito apelativo para mim e por isso decide-me pela óp-
tica” tica”, conta a empresária. A formação foi feita com a experiência adquirida e, mais recentemente, devido à complexidade desta área, com acções promovidas pelos fornecedores e em viagens de trabalho. Hoje em dia uma óptica é muito mais do que uma loja que vende óculos. Existe a óptica médica (cujos artigos só se vendem com receituário médico), e a venda de artigos como óculos de sol, binóculos, termómetros, barómetros e objectos afins. E há também os serviços, como os testes de visão, feitos hoje facilmente na loja, mas que há 20 anos só podiam ser realizados no oftalmologista porque necessitavam de uma tecnologia que ainda não estava massificada. A responsável da Óptica Ramiro refere ainda as especificidades das lentes de contacto. “Dantes só havia as rígidas e as semi-rígidas, mas hoje há lentes descartáveis que se usam durante um mês ou até só por um dia” dia”, conta. Já a irmã, Ana, andou no “liceu”, no Parque, e foi inaugurar o edifício da Raul Proença onde concluiu o secundário. “Assim que acabei o 12º ano tomei logo a decisão de vir trabalhar com o meu pai. Foi uma decisão de momento, não tinha pensado muito nisso antes, mas a verdade é que era importante dar continuidade ao negócio da família” família”. Estava-se em 1986 e Ana tinha então 18 anos. Desde então
não mais largou esta actividade, partilhando a gestão com a irmã e o pai. A CRISE, A CONCORRÊNCIA E O COMÉRCIO TRADICIONAL
As duas ópticas da Ferreira & Santos são praticamente vizinhas: Novoptica e Óptica Ramiro distam escassos 10 metros uma da outra. Não fazem concorrência entre si? As duas irmãs sócias dizem que não. E explicam que - apesar dos clientes actualmente serem muito voláteis e não haver a mesma fidelização que havia antigamente - é possível distinguir um segmento de mercado mais urbano na Óptica Ramiro e outro, de pessoas mais de fora da cidade, na Novóptica. A Ferreira & Sousa é, assim, um pequeno grupo económico que detém uma ourivesaria e duas ópticas. Emprega dez pessoas (incluindo os gerentes) e conta ainda com duas médicas oftalmologistas e uma optometrista que ali dão consultas várias vezes por semana. A sua facturação aproxima-se de 1 milhão de euros. A crise tem-se feito sentir, mas a empresa, não estando pujante, está longe de sofrer dificuldades. “Noto que há quem tenha dificuldade em fazer a consulta e comprar os óculos no mesmo mês. E quem peça para pagar a prestações” prestações”, diz Maria João. Estes são alguns dos sinais
Maria João e Ana Isaac. As duas irmãs e sócias partilham com o pai a gestão da firma.
da crise, mas também há as mudanças de comportamento dos consumidores. Por exemplo, os óculos de sol, que já foram um negócio florescente, estão em baixa porque há-os em todo o tipo de lojas, mais baratos e de menor qualidade. “É mais agradável ter quatro pares de óculos de sol, um de cada cor, do que ter um bom par de óculos de qualidade” qualidade”, ironiza a empresária. Já a entrada em cena do Vivaci, que possui a marca Multiópticas, não teve um impacto relevante. “É claro que ao princípio faz sempre mossa porque os preços deles são muito competitivos e a sua publicidade é muito agressiva, mas
depois do primeiro impacto tudo volta ao normal” normal”. A irmã, Ana Isaac, acrescenta que a óptica ainda funciona como um negócio de proximidade, confiança e de competência, onde as pessoas, sobretudo no caso das lentes, gostam de um acompanhamento mais personalizado e mais familiar do que aquele que existe em algumas marcas dos centros comerciais. Com os três estabelecimentos da firma situadas em pleno centro da cidade, as duas empresárias têm uma visão muito própria do comércio tradicional: “faz sempre falta o comércio de rua, até porque as pessoas se fartam também de estar nos espaços fechados dos cen-
tros comerciais. É agradável andar na rua às compras. Mas temos que oferecer qualidade e produtos distintos para contrariar a massificação dos produtos que estão em todas as grandes superfícies comerciais” comerciais”. As duas irmãs dizem que nunca chegou a haver conflito de gerações na firma: “Deixámos sempre a gestão das coisas mais importantes ao nosso pai e ainda hoje é assim. Pode haver uma ou outra discordância, mas normalmente estamos de acordo” acordo”. C.C.
CRONOLOGIA 1941 – Ernesto Ferreira de Sousa estabelece-se como comerciante em nome individual numa ourivesaria no Largo Heróis de Naulila 1944 – Forma sociedade com Augusto Mendes dos Santos e criam a Ferreira & Santos, Lda. na Praça da República 1954 – A sociedade abre uma óptica no Largo Heróis de Naulila 1974 – Abre a Novóptica, na Rua José Malhoa 1994 - Abre a Óptica da Praça, na Praça da República, ao lado da ourivesaria. E fecha o estabelecimento no Largo Heróis de Naulila. 1999 – A firma compra a Óptica Ramiro, na Rua José Malhoa Augusto Santos (1903-1994) foi sócio de João Maria Ferreira. Na foto, datada de 13/05/1960, está com a mulher, Amélia Santos, no quintal da ourivesaria.
João Maria Ferreira e o pai, Ernesto Ferreira, na ourivesaria em 1993
2007 – Encerramento da Óptica da Praça
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Maratona – o café dos anos sessenta que é hoje um “Foi sem nada que ele foi para África e foi sem nada que ele voltou de África” África”. É assim que José Elói, 36 anos, resume uma boa parte da vida do seu pai, Eloy Vale (1934-2005), que criou uma importante empresa comercial em Moçambique, perdida durante a descolonização. Em 1975, ao regressar à exmetrópole, o empresário não teve outro remédio a não ser começar do nada e iniciar em S. Martinho uma fábrica que não teve êxito, acabando por vir para as Caldas iniciar-se no negócio da restauração. Mas comecemos pelo princípio. Eloy Nunes Varela Ramos do Vale nasceu em Molelos (Tondela), em 1934, filho de gente pobre. Escapa à labuta do campo e parte para Moçambique “em busca do sonho africano” africano”, como conta o seu filho, José Elói. “Começou do nada, mas lá deixou um pequeno império de lojas, fábricas e armazéns que comercializavam, desde um alfinete até toneladas de cereais, exportando mesmo para a Europa e América do Sul” Sul”. O 25 de Abril de 1974 e a consequente independência de Moçambique e a guerra civil naquele país, obriga-o a um regresso forçado, deixando para trás tudo o que possuía. Acompanha-o a mulher, Antónia Filomena Velho Ramos do Vale (1945-2004), e José Elói, então um bebé, nascido dois anos antes em Quelimane. A família regressa às origens, a Molelos, enquanto não decide que rumo dar à nova vida. Mas Eloy Ramos do Vale tem espírito empreendedor e pouco depois está em S. Martinho do Porto a investir numa fábrica de placas de cimento que, contudo, não teve sucesso e fecha em 1979. O empresário vem para as Caldas da Rainha onde, em 1978, toma de trespasse o Café Claras
José Eloi, 36 anos, prossegue o negocio da família num Maratona renovado
(na Rodoviária) e em 1980 o Café Maratona. Durante 12 anos explorará os dois estabelecimentos, até que, em 1992, devido à doença da mulher, renuncia ao
e que não foi fácil o relacionamento familiar durante a juventude. Saiu do “métier” que aprendera, mas regressou mais tarde quando viu que a saúde dos pais
este seria o meu futuro. Só em 2001 é que assumi o projecto uma forma clara, o que levou o meu pai a pôr o negócio no meu nome” nome”.
Eloy Vale e Filomena Vale foram durante mais de 20 anos o rosto do Maratona
Em 2009 fecha quatro meses para obras e reabre depois com um Maratona irreconhecível. Prescinde da sala de jogos, um espaço demasiado grande no
Quem visita hoje o Maratona não dirá que este é um dos cafés mais antigos das Caldas. Data dos anos sessenta, mas a decoração é actual e o estabelecimento tem sido notícia devido a iniciativas inéditas e vanguardistas. A história de um café, hoje também restaurante, que transitou dos pais para o filho e a quem este soube dar continuidade. Claras. “Ele optou por ficar com o Maratona porque o tipo de espaço era mais vantajoso e podia ser trespassado para qualquer actividade, ao contrário do Claras que teria de ser sempre um café” café”, conta o filho, que nessa altura já ajudava os pais nos dois estabelecimentos. “Comecei a aprender a profissão com 12 anos” anos”, diz. Mas nessa altura não contava seguir as pisadas dos pais. José Elói confessa que era um pouco rebelde
não lhes permitia continuarem sozinhos com o negócio. A mãe morreria em 2004 e o pai, a quem tinha sido diagnosticada uma doença grave alguns anos antes, estava cada vez mais debilitado. Pouco a pouco o jovem foi assumindo de forma cada vez mais séria a actividade dos pais. E foi-se tornando um empresário. “Ao princípio não tinha as coisas definidas. Vim para o café para responder a uma necessidade, para desenrascar. Não pensava então que
Jovens caldenses dos anos sessenta. Da esquerda para a direita, Ana Belo Nascimento, Helena Magalhães e Francisco Vieira Lino
José Elói passou assim a ser o único detentor da firma Vale & Costa, Lda. Tinha 27 anos. Durante algum tempo não fez muitas alterações ao funcionamento do Maratona que, recorde-se, era composto por uma sala de jogos e por um café. “O meu pai era um empresário à antiga, que fazia muitas contas e não avançava de imediato” imediato”, conta. Por isso o filho também demorou algum tempo até se decidir por uma autêntica revolução no estabelecimento.
centro da cidade para estar tão desaproveitado, e transformao num restaurante com bar à noite. E o café reaparece com outra decoração e um serviço completamente diferente. Uma assumida ruptura com o passado. “Esta obra foi feita porque achei que o conceito tinha de ser alterado, mas teve q ue que ser primeiro pensado e trabalhado. Não basta a obra física, era preciso ir mais longe para haver retorno” retorno”. A aposta foi ganha e hoje o
O café pouco antes de ser remodelado
Maratona é uma referência na cidade em termos de qualidade de serviço. Nele trabalham 12 pessoas a tempo inteiro e sete em part-time, sobretudo estudantes que ali fazem umas horas. “É um negócio muito dependente dos recursos humanos para a pouca rentabilidade que tem” tem”, diz José Elói. Só na cozinha estão sete pessoas, “uma estrutura muito pesada e que é a menos visível” visível”, mas decisiva para manter o patamar de qualidade que impôs. À noite o conceito muda e o Maratona transforma-se num bar. E vai surpreendendo com iniciativas arrojadas como a dos jantares com menus feitos com recurso a técnicas de esferificação, liofilização e gelificação. “Hoje o meu pai teria orgulho no Maratona” Maratona”, diz. Carlos Cipriano cc@gazetacaldas.com
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símbolo de modernidade das Caldas Tudo começou com uma pista de corridas O Maratona terá sido inaugurado no Outono de 1966, de acordo com José Elói, que recupera agora a memória deste emblemático café. Certo mesmo é que o alvará data de 15/02/1967 e que a primeira sociedade que explorava aquele espaço se chamava Maratona Centro Ideal de Diversões, Lda. O nome não era inocente. Os seus sócios, onde se incluíam alguns dos mais destacados cidadãos caldenses da época (Abílio Flores, Eng. Arroz, Bento Monteiro, Hergildo Velhinho (autor do mural ainda hoje existente na entrada do restaurante) eram apaixonados na época por um desporto emergente que eram as corridas de carros eléctricos telecomandados. O Maratona tinha, por isso, como principal objectivo criar um espaço onde existisse uma pista de corridas. Ao que consta esta terá sido uma das melhores do país. O café surge como um complemento à pista de carros, e sendo este um desporto um pouco elitista na altura, o estabelecimento transforma-se logo desde o seu início num dos mais finos da cidade, imagem que manteve durante longos anos. Mas as modas passam e a dos carros de corrida também passou. Por outro lado, as sociedades com muitas pessoas envolvidas tornam-se difíceis de gerir e o Maratona fecha em fins de 1970 para reabrir pouco depois com uma nova firma, datada de 4/02/1971 e intitulada Sociedade de Empreendimentos Turísticos Primavera Caldense Lda, constituída por Manuel Santos, José Vardasca, António Silvestre e António Vazquez. Terá sido esta sociedade que viria a dar inicio ao Salão de Jogos Maratona, retirando a pista de carros e colocando cinco bilhares e um snooker grande. Com estes proprietários o estabelecimento durou uma década pois em finais de 1979, inícios de 1980, o Maratona volta a fechar portas, numa situação de
Uma café que marcou uma época “Aquela pista era um espectáculo”
O meu pai não foi sócio fundador da Maratona, mas esteve ligado ao projecto desde o início pois foram os Móveis Serrano que fizeram o mobiliário do café, na altura muito moderno para a época e para a cidade. Lembro-me perfeitamente de lá estar antes da inauguração e depois na pista dos carrinhos, que eu adorava ver, mas como era muito pequeno e não tinha dinheiro para um dos super bólides, andava por vezes com os carros da casa, que se podiam alugar, ou algum amigo me emprestava um para dar umas voltas. Aquela pista era um espectáculo e quando foi retirada vi-a mais tarde desmontada num armazém na quinta do meu tio Henrique Sales Henriques. Depois da pista vieram os bilhares e uma mesa de snuker, ao fundo, onde joguei muitas vezes com os meus amigos, especialmente quando não tínhamos aulas na Escola Comercial e Industrial, e mais tarde quando vínhamos de Lisboa de férias. Nessa altura o Maratona era um ponto de encontro para a rapaziada das Caldas. Carlos Gouveia O campeão de Fórmula 1
total falência com muitos dos seus bens penhorados pelas Finanças. Em 24 de Junho de 1980 é criada a empresa Vale e Costa Lda. constituída por Eloy Ramos do Vale e Antónia Filomena Costa Velho Ramos do Vale, pais de José Elói. O alvará de licença data de 11/12/1980, mas o estabelecimento apenas virá a reabrir portas em 4/03/1982, com a introdução na sala de jogos de umas inovações absolutamente fantásticas para a época - máquinas de vídeo e flippers! O café manteve sempre a sua actividade regular, sendo reconhecido pela sua qualidade e bom gosto. Na sala de jogos foi-se trocando alguns bilhares por snookers, surgindo em 1984 o grande boom das máquinas de poker, situação que durou até ao governo de então voltar a proibir a exploração dos referidos jogos a di-
nheiro (algures em finais de 1985). Nos anos oitenta as Caldas da Rainha estão inundadas de cafés, não pertencendo mais o Maratona à meia dúzia de estabelecimentos desse tipo que tinham marcado os últimos vintes anos na cidade. Mas o casal Eloy e Filomena Vale aguenta-se no negócio. Afinal havia uma história, um nome feito e uma localização central na cidade. Em 30/09/2000 Filomena Vale cessa funções como sócia gerente, devido a doença, sendo substituída três meses depois por José Elói do Vale, seu filho. “Nos anos seguintes e de uma forma natural o meu pai foi-se afastando por motivos de doença, vindo a falecer a minha mãe a em Abril de 2004, com 59 anos, e o meu pai em Maio do ano seguinte com 70 anos. Fui introduzindo gradu-
almente novos conceitos de cafetaria e refeições ligeiras que culminaram em 2009 com as obras de remodelação e alteração da antiga sala de jogos em Restaurante Lounge Bar. Fechei em 13 de Fevereiro desse ano e reabri com a terceira geração Maratona em 10 de Maio” Maio”, conta José Elói. Na remodelação houve o cuidado de recrear elementos do projecto original, manter outros do intermédio, e ao mesmo tempo criar uma estética moderna e actual, com o propósito de manter viva a história do espaço. O rosto dessa “terceira geração Maratona” diz agora que se sente “totalmente compensado pelo resultado final dessa remodelação, ao qual ninguém fica indiferente” indiferente”.
C.C.
Quando tinha 18 anos, João Paneiro foi várias vezes medalhado e ganhou taças por ter conseguido cortar a meta à frente dos adversários nas corridas de carros que fazia no Maratona. Apesar de se tratarem de miniaturas, nem por isso se poderia prescindir de uma boa dose de destreza, reflexos rápidos e até uma dose de coragem para arriscar fazer curvas em grande velocidade sem arriscar um despiste que desse cabo de uma daqueles caríssimos modelos. Era assim no Maratona dos anos sessenta. Nas Caldas da Rainha havia um grupo de gente crescida que era fã das corridas de automóveis e o café era o ponto de encontro onde se assistia às provas, se discutia a tecnologia e os componentes do vários modelos e, naturalmente, se disputavam torneios. “Havia um senhor chamado Fernando da Ponte e Sousa, proprietário da Secla, então já com mais de 60 anos, que tinha muitos e bons carros e pouca habilidade. Por isso emprestava a alguns jovens da sua confiança para os conduzir. Eu era um desses felizes contemplados e de repetente passei a ter uma panóplia de carros high tec à minha disposição. Lembro-me de um super fórmula 1 com tracção às quatro rodas que utilizei” utilizei”. João Paneiro conta que aquelas corridas lhe davam “um gozo enorme” e que são muito gratas as recordações que guarda daquele período. A febre do modelismo ainda durou alguns anos, mas entretanto a cursar engenharia para Lisboa e só aos fins-de-semana vinha às Caldas, muitos deles ocupados a estudar. As velozes corridas de automóveis acabou por ser apenas uma recordação. Mas hoje, com 63 anos e reformado, ainda guarda alguns dos galardões que recebeu na altura. C.C.
Imagens dos anos oitenta. Mais do que um simples café, o Maratona esteve sempre associado ao recreio, primeiro com uma pista de automóveis e depois com as máquinas de jogos e bilhares
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Túnica – A primeira loja especializada em produtos d “Fomos a primeira casa especializada em artigos para bebé nas Caldas e na região região”, conta Fernanda Tomás, explicando que o seu marido, depois de ter passado pela Casa Tomás ainda laborou para a firma de Serafim Moreira - onde é hoje a Açoteia - e passou por uma loja–atelier na Marinha Grande. Depois de fazer a tropa, e já casado, Carlos Tomás iniciava o seu Arrendámos em próprio negócio. “Arrendámos 1970 um espaço na Rua das Montras numa época em que não havia muitas lojas disponíveis e o aluguer era caríssimo mo”, disse a empresária, que hoje toma um papel de relações públicas deixando a gestão aos dois filhos. A Túnica arrancou com a venda de tecidos a metro, atoalhados e lingerie, tirando partido da sua experiência nas casas onde já trabalhara. “Daquela geração, fomos dos primeiros a arrancar sozinhos nhos”, disse Fernanda Tomás, recordando que antes de ser Túnica, a loja arrendada era a Pastelaria do Sr. Martins, da qual “ainda tenho alguns móveis dessa altura o trespasse ra”. Para a época, “o era razoável, mas muito caro era o valor do arrendamento arrendamento”. Para encetar um novo negócio Carlos Tomás teve de sair da casa comercial onde laborava enquanto Fernanda Tomás - então funcionária da Contabilidade no Hospital – nunca teve intenção de deixar o seu emprego. No início era o seu salário que garantia o pagamento da renda. Tomaram a decisão de arrendar a loja aproveitando o facto de Fernanda ter então sido aumentada de2350$00(11,72euros)para2450$00 Sobravam-nos (12,22 euros). “Sobravam-nos apenas 50$00 [25 cêntimos] pois a renda era 2400$00 [12 euros],, muito dinheiro naquela época época”, recordou, acrescentando que o marido, quando saiu da última casa comercial,jáganhava3300$00(16,46 euros). Nos anos 70 não era normal nas Caldas que as esposas dos comerciantes trabalhassem. “Desde que se abrisse uma loja, as senhoras adquiriam o estatuto de não
Fernanda e Carlos Tomás, o casal fundador da Túnica no início dos anos setenta
Fernanda e os filhos, Alexandre e Dulce. A segunda geração gere a Túnica com os mesmos valores dos pais
trabalhar trabalhar”, lembrou a fundadora. Devido a este facto, o seu lugar na Contabilidade no Hospital Distrital começou a ser cobiçado. Quando o meu chefe, o sr. “Quando Manuel Valente Sanches me veio informar que havia três ou quatro pequenas que já lhe ti-
nunca tinha trabalhado com peças de roupa tão pequenas, mas de um dia para o outro acabaram com os tecidos e inovaram o comércio local apresentando uma casa comercial totalmente dedicada ao bebé. O carrinho do primeiro filho, Alexandre, “já foi
contar com pais e sogros “mas, precisámos”, felizmente, nunca precisámos” disse. “Oh Fernanda, traz-me roupinhas de bebé de Lisboa”
Corria o primeiro ano da abertu-
recebimento das horas extraordinárias, preferindo ser compensada em tempo livre para poder acompanhar o marido aos fornecedores a fim de conhecer as novas colecções. Às vezes saíamos às qua“Às tro da manhã para estar às
Carlos Tomás (1942-2005) foi marçano da casa comercial do seu tio, na Casa Tomás, situada na Praça da Fruta e começou a trabalhar novo, aos 13 anos. Mal sabia então que com 28 anos e com a ajuda da sua esposa, então com 24, iria começar o seu próprio negócio na principal rua comercial das Caldas. “Não foi nada fácil…” fácil…”, recorda a viúva Fernanda Tomás, mulher de força e coragem, que sempre apoiou o seu marido e o ajudou a tomar decisões. Juntos construíram as bases do grupo Túnica - hoje com três espaços comerciais nas Caldas exclusivamente dedicados aos produtos para bebé e criança – e no qual já participam na gestão os filhos do casal, Alexandre e Dulce. As três lojas facturaram 734 mil euros em 2008. nham pedido para ficar com o meu lugar, tive que lhe explicar que este não estava à disposição” e que dependiam daquele salário para assegurar o negócio. A sua mãe também era funcionária pública e Fernanda Tomás fez o curso geral do Comércio na Escola Comercial e Industrial. “Para grande desgosto do meu pai não quis estudar mais, já namorava o meu marido e queríamos casar... casar...”. Segundo a viúva, Carlos Tomás tinha alergia aos estudos “mas era um autodidacta maravilhoso maravilhoso”. Quando abriram portas, a 15 de Junho de 1970 sabiam que podiam
ra da Túnica e Fernanda Tomás ia com muita frequência a Lisboa a reuniões no Ministério da Saúde. Era habitual as suas colegas pedirem-lhe para trazer roupas de bebé, cuja oferta quase não existia nas Caldas. Nós também estávamos “Nós ansiosos pelo primeiro filho e eu passei a comprar roupa e a chamar a atenção do meu marido para esta necessidade de mercado mercado”, recordou Fernanda Tomás que diz que a vontade do casal de ter um filho acabou por determinar a mudança de negócio de têxtil lar para produtos de bebé. Carlos Tomás dizia à esposa que
comprado a um dos nossos fornecedores fornecedores”, contou a fundadora. O casal Carlos e Fernanda Tomás acabava por servir de exemplo e incentivar outros comerciantes a tomar em mãos os seus nejuntávagócios. Ao fim do dia “juntávamo-nos aqui a conversar, à porta da loja loja”, recordou, dizendo ainda que havia então interajuda e aconselhamento sobre o que fazer em relação aos negócios. A empresária sempre fez e continua a fazer a escrita das suas lojas e recorda que já mesmo quando estava no Hospital, abdicava do
oito na porta do Pimenta Machado em Guimarães Guimarães”, recorda. Hoje parece incrível a Fernanda Tomás como cabia tudo na loja da Chegámos a Rua das Montras. “Chegámos ter expostas 10 camas de bebé e várias banheiras, não me pergunte como, mas tínhamos mos”. Passados alguns anos, começaram a investir na especialização dentro da mesma área e criaram mais dois espaços comerciais na cidade. Ao fim do dia ou do mês, o “Ao dinheiro que entra na caixa não é nosso. Nunca em 40 anos tivemos um atraso de pagamen-
A loja da Rua das Montras em 1971 quando ainda não se dedicava a produtos para bebé, o que viria a acontecer pouco tempo depois
to de uma factura factura”, contou a fundadora que não gosta de trabalhar a crédito e aproveita sempre todas as oportunidades de pronto pagamento. “Não se dava o passo maior que a perna perna”, conta a matriarca, explicando que esse espírito foi passado aos filhos. Creio que houve sempre “Creio uma grande dedicação e muito trabalho trabalho”, reforçou. A loja até poderia fechar às sete da tarde, mas era frequente saírem do estabelecimento à uma e tal da manhã pois era àquela hora que ficavam pronQuando saíatas as montras. “Quando mos era frequente encontrarmos o casal da Zélu que também saía muito tarde da sua loja loja”. São os próprios proprietários que fazem a decoração das lojas e das montras e mantêm como símbolo a mesma máquina registadora que já tinha vindo com o trespassedapastelaria.Omáximoquedava era 9.999 escudos e havia compras relacionadascomoenxovaldosbaptizados e que ultrapassavam os 10 contos, logo tinha que se colocar a diferença num outro registo. Agora, com os euros, “já está tudo bem outra vez pois não vendo a ninguém 9.999 euros em roupa para criança criança”, disse Fernanda Tomás. Natacha Narciso nnarciso@gazetacaldas.com
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de bebé celebra o 40º aniversário “Nos anos setenta Caldas tinha uma grande capacidade de atracção que hoje não tem” “Naquela época as Caldas da Rainha tinha uma capacidade de atracção comercial muito maior, não tem comparação com o que há hoje hoje”, disseram Alexandre Tomás, de 38 anos e Dulce Tomás, de 37, recordando que então não existia autoestrada, internet, jornais nem revistas da sociedade que ajudam a promover a estimular o consumo. Este era incentivado pela forma como os produtos eram apresentados pelas lojas e consoante a notoriedade dos estabelecimentos e da cidade. “Há algo que ninguém nos tira - estamos cá há 40 anos anos”, dizem os responsáveis, que continuam o negócio com mesmo empenho dos seus pais. “Logo nos anos 70 acreditámos que o caminho para o sucesso era a especialização dentro da nossa área área”, contam, explicando que a determinada altura foi necessário especializar mais e criar novos espaços comerciais. Na família, a empresa Túnica sempre foi a quinta pessoa “sempre na mesa ao jantar jantar”, contam os irmãos, referindo que nem sempre foi fácil, quando eram crianças, tirar apenas mini-férias de dois a três dias, ou ficar a ajudar a marcar babygrows enquanto os amigos brincavam. Hoje o comércio está como “Hoje os casamentos: hoje casa-se e “descasa-se” enquanto que nos anos 70 era para toda a vida vida”, disseram, fazendo um paralelismo com o comércio actual em que se abrem e fecham lojas que duram apenas meses. Em 1992, a loja da Rua das Montras começou a tornar-se pequena e por ideia de Alexandre Tomás a família decide a abertura do segundo estabelecimento no Barro Azul, dedicado à puericultura, mobiliário e brinquedos. Hoje aquele espaço tem 700
metros quadrados de exposição Nas distribuídos por dois pisos. “Nas Caldas não existia este conceito, aplicámos um modelo que havia noutros países, que é o da especialização das grande cadeias” cadeias”, contaram. Esta loja acabou por ter o mesmo impacto que o estabelecimento da Rua das Montras quando se especializou em produtos de bebé, em 1972. O problema é que 20 anos depois a realidade comercial era diferente. Havia agora uma nova forma de concorrência da grande distribuição: abriam os hipermerConvém lembrar que cados. “Convém havia excursões para ir aos primeiros hipermercados à Amadora e mais tarde a Leiria Leiria”, disseram, recordando que esta forma de comercialização acabou por contribuir para a que apanhou o comércio tradicional desprevenido e foram muitas as lojas em diversas localidades que tiveram que encerrar. Hoje, para combater as grandes superfícies, “temos que aplicar fórmulas e adoptar estratégias de competitividade aguerridas que mantemos até hoje hoje”. Quando abriram a Super Túnica, já existia no Bairro Azul o Centro Comercial Barão, o que ajudou a dinamizar aquela zona. “Aqui não há a menina do shopping”
Já em 1996 decidem abrir a terceira loja, esta na antiga Rua do Jardim, para o segmento de roupa dos oito aos 16 anos. Logo após a abertura da loja no Bairro Azul, o pai Carlos Tomás, aos 54 anos, foi vítima de um AVC, “o que me obrigou a assumir mais responsabilidades e a crescer rapidamente naqueles meses meses”, conta Alexandre Tomás que, na altura, tinha 24 anos. O pai recuperaria deste susto, mas em 2001 viria a sofrer um segundo ataque que o
A velha caixa registadora já passou dos escudos para os euros e mantém-se operacional
O estabelecimento na Rua do Jardim é a terceira loja da família Tomás
deixou incapacitado. Falecia quatro anos depois. Nesses anos dramáticos para a família, Fernanda passa a dedicarse mais ao marido, remetendo o negócio da família para os filhos. Alexandre tinha frequentado o curso de Direito e Dulce terminara já umalicenciaturaemEconomiaetrabalhava num banco. Estes herdaram os valores dos pais e é com orgulho que dizem que “nunca incumprimos uma factura” tura”. Se o negócio tem um segrea integridado, dizem, este será “a de, o ser sério e não enganar” enganar”. A empresa labora com cinco empregadas, além dos responsáveis, desde há muitos anos, não sendo politica da casa a rotatividade do pessoal. “Aqui não há a menina do shopping” shopping”, contam Alexandre e Dulce Tomás explicando que valorizam a experiência. Contamos com profissionais “Contamos competentes e empenhadas que vestem a camisola camisola”, disseram, acrescentando que afinal “todos dependemos do sucesso das lojas e todos sentem a Túnica como delas” delas”. Na Túnica já se vendeu um carrinho de bebé que seguiu para Timor e um par de sapatos que seguiu para o Japão. Mais usual são os envios de produtos para clientes no Brasil e em Angola, cada vez mais habituais. “Temos uma cliente em França que compra tudo por telefone à Elizabete Elizabete”, contam os responsáveis, que apostam forte no serviço pós-venda, outros das linhas de trabalho que mantém desde o início. Também enviaram carrinhos de bebé para a Suíça e vendiam muita roupa para os emigrantes. Se houvesse algum problema com os tamanhos, deixavam que as pessoas trocassem as peças quando regressem nunca savam nas férias, “sem voltar com a palavra atrás, tal como ainda hoje fazemos fazemos”. Alexandre Tomás recorda também com foi estranho para os cli-
entes quando surgiram os “ovos” de transporte, com os pais a dizer que nunca iriam transportar os finuma coisa torta lhos “numa torta”. Hoje toda agentepossuiaquelesuporte,adaptável até ao automóvel, provando “que tudo muda em tão pouco tempo tempo”, remataram. Caldas deveria ter um plano comercial como tem uma loja
“A cidade das Caldas devia ter um planeamento estratégico e uma perspectiva comercial como tem uma loja loja”. É o que defende Alexandre Tomás, sugerindoeventosprogramadoscomum saber que mês de antecedência e “saber produtos vender, como se desenvolve a sua imagem, com que preço e para que target se dirigem” dirigem”. Alexandre Tomás está preocupado com o futuro da sua cidade e está abandodo seu centro, que “está nado e é crescente a falta de gente a passear nas principiais artérias artérias”. Preocupa-se com as áreas do Bairro Azul e da Rua do Jardim, onde pois são somtem as duas lojas “pois bras daquilo que já foram” foram”. Diz que a principal cruzeta - formada pela Rua Heróis da Grande Guerra, Rua das Montras e Miguel Bombarda - ainda consegue algum dinamismo, mas a preocupação deste empresário é grande. E isto porque vê o sucesso comercial como algo colectivo e não gosta que abram lojas para encerrar passadas algumas semanas. Há uma década as Caldas “Há estava comercialmente a par com Leiria Leiria”, disse o empresário, que considera que actualmente está muito próxima de Torres “está Vedras e de Alcobaça, quando antes era muito superior. Estamos a perder terreno a olhos vistos vistos”, rematou. Natacha Narciso nnarciso@gazetacaldas.com
“A nossa Natália tem umas mãos de ouro” Trabalho nesta casa há 37 anos. Entrei para aqui era “Trabalho avó”. Palavras de uma rapariga de 16 anos e hoje já sou avó Maria Natália Jesus, que entrou no início da empresa e conta como, em conjunto com Carlos e Fernanda Tomás, concretizaram muitas peças para bebé que então era muito difíceis de encontrar. “Fizemos muitas forras para colchões, saias, vestidos e até cobertas para vender, além das forras para os cestos de verga para colocar a cosmética dos bebés” bebés”, lembrou a funcionária. Os clientes da Túnica continuam a vir de Peniche, Nazaré, Temos mantido a Torres Vedras, Alcobaça, ou Rio Maior. “Temos mesma clientela, mesmo que agora não tenha a mesma disponibilidade financeira financeira”. Conta também que as senhoras que vinham à Túnica comprar para os seus filhos vêm agora buscar roupa para os netos. “A nossa Natália tem umas mãos de ouro ouro”, disse Fernanda Tomás, recordando como compravam espuma própria para fazer os colchões de bebé, forrados à mão. Também por causa do jeito para a costura, ajudou Alexandre Tomás a concretizar uma ideia original de decoração para a terceira loja da cadeia. Compraram vários tecidos e esferovite e forraram todo o tecto da loja da Rua do Jardim de forma original. Maria Natália Jesus passou da loja da Rua das Montras para a da Rua do Jardim e conta que alguns dos seus clientes, com idades entre os oito e os 15 anos, já vêm sozinhos escolher as peças e depois regressam com pais ou avós para adquirir o que mais gostam. Quando veio para a loja, Dulce teria seis ou sete meses e Eles são os meus patrões, mas na Alexandre mais um ano. “Eles verdade é como se fossem da família pois andei com eles ao colo colo”, rematou a empregada. N.N.
Maria Natália Jesus trabalha na Túnica há 37 anos
CRONOLOGIA 1970 – Abre a Túnica na Rua das Montras para têxtil-lar 1972 – Passa a dedicar-se em exclusivo a produtos para bebé 1992 – Abre a segunda loja no Bairro Azul dedicada à puericultura, mobiliário e brinquedos 1996 – Abertura da terceira loja na Rua do Jardim dedicada à confecção para crianças dos oito aos 16 anos 1998 – Alargamento da segunda loja para o dobro da área 2004 –Abertura do primeiro andar com showroom na loja do Bairro Azul 2005 – Morte do fundador, Carlos Tomás 2008 - Parque de estacionamento para clientes na loja do Bairro Azul
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Casa Antero – A cultura de beber vinho a copo desde
O casal Olímpia e Antero Feliciano, os filhos Paulo e Anabela e a neta Filipa. Três gerações que contam a história da Casa Antero
Corria o ano de 1957. Da estação dos comboios até ao “hospital dos banhos” existiam 58 tabernas nas Caldas, mas o número não assustou Antero Feliciano, na altura com 27 anos e a tropa feita, que procurava dar um rumo diferente à sua vida que não o trabalho do campo que conhecia desde criança. Era o seu tio Manuel Calisto quem explorava a taberna “Coradinho” no Beco do Forno, e que o convidou para trabalhar com ele. “Tinha um balcão de pouco mais de um metro e uns bancos corridos corridos”, lembra Antero Feliciano, sentado agora num banco de madeira e apoiado numa mesa de tampo de pedra, que mantém fiel a rusticidade da que tem sido a sua casa nos últimos 53 anos. Antero Feliciano lembra, orgulhoso, que começou a trabalhar por sua conta no dia 1 de Agosto de 1957, altura em que comprou o espaço ao tio por 10 contos (50 euros). Como não tinha dinheiro para efectuar a compra, foi pagando a prestações com o resultado do trabalho diário. Como clientes tinha sobretudo o pessoal da Fábrica de Móveis Serrano (que na altura dava emprego a 80 pessoas e se localizava onde é actualmente o Centro Comercial da Rua das Montras), os cobradores e motoristas dos Capristanos (rodoviária), os vendedores da Praça da Fruta
e também os banhistas que frequentavam as termas. A qualidade do vinho era o “chamariz” das pessoas. Esse foi sempre uma aposta e o garante da freguesia, muita dela fiel ao espaço até aos dias de hoje. “Nessa altura trabalhavase com o lápis na mão todos os dias” dias”, a apontar o fiado, que era pago, normalmente, ao sábado. Era também usual que a despesa não fosse totalmente
da hoje se mantêm. No resto da semana havia também peixe e os tradicionais petiscos que são uma das imagens de marca deste estabelecimento. “Naquele tempo houve dias em que cozinhámos uma centena de pargos que, na altura, custavam a 20 escudos [10 cêntimos] o quilo, ao passo que a carne do talho custava 28 escudos [14 cêntimos]”” , recorda Antero
A taverna continua a ser o ex-libris da empresa
era a esposa do Almirante Leonel Cardoso, que, indiferente à sua posição social, gostava de frequentar o estabelecimento e até de ajudar a sua esposa na cozinha, chegando muitas vezes a almoçar com eles. A taberna do Beco do Forno era ponto de encontro dos homens que, entre copos, jogavam às cartas e ao dominó. Foi também no ambiente familiar, entre os proprietários e
também conhece bem os cantos da casa onde nasceu. Sempre ajudou os pais, mesmo quando andava na escola. Contudo, e antes de vir dar continuidade ao negócio de família, ainda tomou conta de crianças, numa sala do mesmo prédio que alberga a Casa Antero e que pertence aos Feliciano. Vinho de marca e regional vendido a copo
A Casa Antero comemora no dia 1 de Agosto 53 anos de actividade. O negócio que começou com uma taverna do Beco do Forno em finais da década de 50, alargou-se a uma empresa hoteleira que integra também o restaurante Pachá e a padaria Pão Nosso de Todos os Dias. Paulo e Anabela Feliciano dão continuidade ao negócio iniciado pelos seus pais, Antero e Olímpia Feliciano, modernizando a adaptando aos tempos actuais um local que continua a ser de convívio e ponto de encontro obrigatório de muitos clientes. O vinho a copo, a par dos petiscos, continua a ser a referência deste espaço que, periodicamente, recebe exposições, tertúlias e jantares temáticos. saldada e, no seu livro de assentos, ficam registados alguns “calotes”. Em Setembro de 1958 Antero Feliciano casou com Olímpia Simão e levou-a para trabalhar na Casa Antero, começando a vender também comida. A segunda-feira era o dia de maior movimento pois era quando afluía à cidade grande parte da população das freguesias rurais. Nesse dia tinham três pratos disponíveis – dobrada, frango assado no forno e vitela de jardineira – alguns deles que ain-
Feliciano. Também nessa altura a sua casa era muito procurada pelos mais de 30 funcionários dos Correios, assim como de outras empresas e serviços que funcionavam no centro da cidade. “Era um corrupio de manhã à noite” noite”, lembra Antero Feliciano, assim como das multas que apanhou por também ali vender comida, quando apenas lhe era permitido vender bebidas. Nos primeiros anos os seus clientes eram maioritariamente homens. Uma das excepções
clientes, que foram criados os dois filhos do casal, Paulo e Anabela Feliciano, que actualmente tomam conta do negócio, que inclui a Casa Antero, o restaurante Pachá e a padaria Pão Nosso Todos os Dias. Paulo, actualmente com 44 anos, sempre ajudou os pais na taberna. “Quando não conseguia fugir... para ir viver a vida” vida”, recorda dos tempos de juventude. Mas, mas “mais a sério” começou a trabalhar quando deixou a tropa. Anabela Feliciano, de 51 anos,
Imagens antigas que mostram o convívio e camaradagem, característica desta casa comercial
Ainda hoje é a Casa Antero que continua a ser o cerne do negócio. Os actuais proprietários tentaram manter as características que tinha para continuar a agradar aos clientes mais antigos e cativar os mais novos. Continuam a vender vinho a copo, mas com a novidade de agora também comercializarem vinhos de marca de várias regiões. Ao todo têm 10 vinhos de marca a copo e mais três vinhos regionais. “Marca a diferença e tem tido uma boa receptividade” tividade”, refere Paulo Feliciano, embora hoje as quantidades consumidas fiquem aquém das de antigamente. O pai, Antero Feliciano, recorda que “enquanto eu vendia um barril de 180 litros por dia, havia casas em que um barril de 50 litros dava para uma semana” semana”. E houve mesmo um dia em que chegou a vender 200 litros de vinho ... a copo! A segunda-feira era o dia de maior movimento e, “houve um dia em que contei o pão e passou de mil sandes de car-
ne assada, presunto, fiambre e ovo” ovo”. Agora a segunda-feira está completamente descaracterizada, constata o octagenário, que recorda o tempo em que as pessoas escolhiam o início da semana para vir à cidade e faziam-no de transporte público. Chegavam de manhã e só regressavam às suas terras à tarde, passando grande parte do tempo a conviver nestas casas. Durante décadas Antero Feliciano caminhou diariamente para a Praça da Fruta, onde comprava os produtos para confeccionar no estabelecimento que manteve durante 23 anos sem fechar um único dia. “Não havia festa da terra, não havia nada...” nada...”, conta, recordando que nem quando fizeram as obras de melhoramento para o restaurante fecharam a porta. Fátima Ferreira fferreira@gazetacaldas.com
Glossário do vinho a copo Copo de dois - copo mais pequeno cheio de vinho Copo de três – copo grande cheio de vinho Ciganinha - garrafa de cerveja (3dl) cheia de vinho tinto tirado do barril Traçado - vinho tinto com gasosa Penalti – copo de 0,25 de vinho Traçadinho de ginja – copo de aguardente e ginja Catembe – copo de coca-cola com vinho tinto
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e 1957
Tertúlias e eventos culturais têm lugar cativo no restaurante Pachá
Serviço e produtos de qualidade aliados a preços “simpáticos” Em 1972 Antero Feliciano comprou o prédio onde continua o estabelecimento e, em 1987, abriram o restaurante Pachá. Foi nesse mesmo ano que Paulo e a irmã, Anabela, tomaram as rédeas do negócio. A decisão de o passar aos filhos foi tomada numa viagem que o casal Feliciano fez a Espanha, mas o patriarca ainda esteve mais dois anos a comandar o barco. “Têm feito um bom trabalho” trabalho”, diz, satisfeito, Antero Feliciano. Com capacidade para 45 lugares sentados, o restaurante acabou por ser o desenvolvimento da taberna que, na altura, já não tinha a capacidade para acolher os muitos clientes que ali se dirigiam. O nome surgiu de umas férias em Benidorm (Espanha) onde existia uma cadeia hoteleira apelidada de Pachá, mas que ia mudar. “Aproveitei, pois fazia lembrarme esse tempo de férias” férias”, brinca. Inovadores no conceito de prato do dia, os empresários garantem também um serviço e produtos de qualidade, aliados a preços “simpáticos” para toda a gente. Os petiscos, de onde se destaca a salada de povo, de orelha, rins, moela, ovas, mexilhão de escabeche, ovos mexidos ou alheira, continuam a ser o ex-libris da casa e têm tido uma grande aceitação por toda a região. Têm clientes que vêm um pouco de todo o país para os provar. A sandes de ovo mexido com chouriço, uma especialidade que conta já com mais de três décadas, continua a ser muito procurada. Começou por ser vendida a 12$50 (6 cêntimos) e agora, na era do euro, custa 1,30 euros a unidade. As paredes do Pachá convertem-se periodicamente em galeria de arte e a sala é muitas vezes anfitriã de eventos culturais, desde tertúlias, lançamentos de livros e jantares temáticos com animação musical. O objectivo é simples: mudar para que o cliente quando voltar sinta que há sempre algo de novo, revela Paulo Feliciano, que gosta de preservar um elo de ligação com quem frequenta a sua casa. Uma característica que herdou do seu pai que revela que “coisa que ainda me deixa muito satisfeito é antigos clientes virem à minha procura” procura”. Padaria é a aposta mais recente
O conhecimento do fabrico do pão e a existência de espaço físico disponível levou os empresários a apostar numa nova área. Em Fevereiro de 2009 inauguravam a padaria Pão Nosso Todos os Dias, defronte da Casa Antero, no Beco do Forno. O cheiro que emana não deixa esconder as iguarias que diariamente ali são preparadas, como o pão com azeitona, com manjericão, com tomilho, com torresmos, leitão, bacalhau, ou o pão de diversos cereais. As tranças de salmão são das mais procuradas e a última novidade ao dispor dos clientes é o pão com
queijo da ilha. A inovação e a criatividade são palavras de ordem porque estão conscientes que as pessoas gostam de variar e a concorrência é cada vez mais feroz. Filipa Feliciano Rosário, de 25 anos, neta de Antero e filha de Anabela Feliciano continua o negócio da família. Tirou o curso de Contabilidade e como não conseguia arranjar trabalho decidiu fazer o estágio profissional no Pachá, a tratar principalmente da “papelada”. Um ano depois de fazer o estágio abriram a padaria e Filipa ficou responsável pelo negócio. A jovem, que mesmo antes de ali trabalhar, já ajudava a família, pretende continuar com a actividade que herda do avô. Tem muito pouco tempo livre, mas gosta do que faz. “É um ambiente familiar” familiar”, diz. Actualmente trabalham 12 pessoas nos três estabelecimentos da família Antero (quatro na cozinha, duas na padaria e mais três ao balcão). Nos últimos anos o Pachá teve uma facturação anual em torno dos 290 mil euros. No próximo Verão o número de funcionários vai aumentar com a vinda de um estagiário do curso de turismo da Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro. As parcerias estendem-se a outros estabelecimentos, como com o turismo rural Casal da Eira Branca (Salir de Matos). Paulo Feliciano reconhece que os tempos são difíceis. “Tenta-se sobreviver a esta crise com dificuldade, tem que se fazer uma grande ginástica” ginástica”, conta o empresário, que se socorre da sua larga experiência no ramo para ter as coisas sempre mais ou menos preparadas para o caso de conseguir responder se houver uma enchente de clientes, mas “não estarmos a inventar muito” muito”. Cada dia é uma incógnita e se antes a quinta-feira era o dia mais fraco, agora já não se consegue definir. Paulo Feliciano continua a ver as Caldas como uma cidade com grandes características comerciais, mas que tem vindo a perder muitas das valências que criaram o pólo de outros tempos. Como projectos para o futuro, fixa o tentar manter o negócio, “sem falhar nem baixar a qualidade e manter os eventos” eventos”. A família, essa continua unida e a trabalhar na casa à qual dedicaram a sua vida. A D. Olímpia continua a ajudar no estabelecimento e o sr. Antero vai todos os dias de manhã às compras à Praça da Fruta.... Fátima Ferreira fferreira@gazetacaldas.com
A padaria Pão Nosso Todos os Dias é a mais recente aposta desta sociedade hoteleira
“Foi sempre um local de encontro e convívio, que ainda hoje se mantém” Guilherme Santos, hoje com 60 anos, começou a frequentar a Casa Antero aos 13. Tinha começado a trabalhar num escritório na Rua do Jardim e ali ia buscar sandes de manhã e à tarde. “Era o melhor que havia aqui na zona”, diz, lembrando as sandes com dois pastéis de bacalhau e um bocadinho de manteiga. “Uma maravilha!” maravilha!”, exclama. Aos sábados era dia de jogo de dominó com os amigos. “Foi sempre um local de encontro e convívio, que ainda hoje se mantém” mantém”, conta Guilherme Santos, que continua a ali ir quase todos os dias. “É o santuário aqui da zona” zona”, adianta, especificando que a sua família já sabe que quando ele não está em casa, só pode estar no Antero. O local é o mesmo de antes, mas foi modernizado, revela o cliente que, daquela altura, lembra-se de ver a D. Olímpia a sair da cozinha, pela porta que ainda hoje se mantém. “As mesas eram diferentes, os bancos são outros, mas fazem lembrar os de antigamente” mente”, diz, lembrando que a Casa Antero faz parte da vida de centenas de pessoas. Guilherme Santos não se lembra de assistir a uma zaragata naquela casa, realçando o espírito de amizade que reitera entre os donos e os clientes do espaço. Realça que esta é, provavelmente, a casa de restauração dentro da cidade que “mais emprega e mais cli-
entes tem. “E tal é o ambiente que aqui se vive que os empregados se mantêm, não se renovam semanalmente, nem de seis em seis meses” meses”, disse. O antigo cliente diz que os filhos de Antero conseguiram dinamizar e modernizar a parte de restauração, que Os cunhados Francisco Ribeiro e tem actualmente uma clientela muito eclética. Não per- Guilherme Santos são clientes assíduos há de um jantar temático e considera que “o Paulo está para futuro e o que ele [Antero Feliciano] me fez” fez”, disse segue as pisadas do pai, mantendo Francisco Ribeiro, lembrando que trazia de muita amizade com os clientes” clientes”. casa, da Serra d’el Rei, duas ou três batatas “Coziam-me as batatas com bacalhau que trazia de casa”
Sentado na antiga taverna a acompanhar Guilherme Santos num prato de Bacalhau à Brás, estava o seu cunhado, Francisco Ribeiro, 74 anos, também ele cheio de histórias. Frequenta a Casa Antero desde 1959, do tempo em que o chão era de cimento, a mesa em madeira com tampo de zinco, os bancos eram corridos e o espaço era iluminado à noite com dois candeeiros a petróleo. Acompanhou a vida dos responsáveis e conhece os filhos desde que eram pequenos. “Foi uma grande família que aqui adquiri e que nunca mais deixei” deixei”, conta, acrescentando que lhes deve favores que nunca conseguirá pagar. “Ninguém me fazia
com uma postinha de bacalhau e eles coziamnas para o seu almoço. “Bebíamos na altura uma “ciganinha”, que era uma garrafa de cerveja ([2,5dl] cheia de vinho tinto tirado do barril e era apenas essa a despesa que eu fazia” fazia”, recorda o cliente, que tinha na altura 23 anos e estava a estagiar no Tribunal Judicial das Caldas. Depois de estagiar foi colocado no Tribunal de Tomar onde esteve durante três anos, altura em que vinha aos fins-de-semana às Caldas visitar a namorada e também a Casa Antero. Em 1963 casa e vem trabalhar para o Tribunal do Trabalho das Caldas (onde esteve até se reformar) e continua a ir aquele estabelecimento duas a três vezes por semana. “É uma casa do melhor” melhor”, remata Francisco Ribeiro, que não se consegue decidir sobre qual dos petiscos prefere.
“O peixe saltava da camioneta e era levado para o fogareiro do Sr. Antero” Natural da Vermelha, Herculano Ferreira, 77 anos, trabalhou durante bastantes anos como cobrador e, mais tarde, motorista da empresa Claras (que sucedeu aos Capristanos e precedeu a Rodoviária Nacional). Começou a frequentar a Casa Antero há cerca de 50 anos durante a hora de almoço. “Se trazíamos almoço, a D. Olímpia aquecia-o e comíamos, senão íamos à praça e as peixeiras normalmente davam-nos peixe, que aqui grelhávamos e comíamos” comíamos”, conta, acrescentando que o prato era sempre acompanhado de uma “ciganinha”. Naquele tempo o peixe era transpor-
tado para as Caldas em cima das camionetas da carreira, tanto de Peniche como da Nazaré. “E às vezes quando aparecia um peixe jeitoso, vinha “muito vivo” e saltava das caixas para fora, e era levado para assar no fogareiro do Sr. AnO casal Ferreira ainda hoje vem da tero” tero”, recorda o funcionáVermelha matar saudades à Casa Antero rio dos Claras que guarda bastantes lembranças do convívio com o ca- trabalha nas Finanças, é cliente habitual. sal Feliciano. F.F. A esposa também frequenta a casa esporadicamente, quando vai às Caldas, e o filho, que
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Ferreira Mobílias - uma das mais antigas lojas de móve
Pai e filho. Manuel Ferreira fundou em 1955 a Ferreira Mobílias, numa pequena loja alugada na Praça da Fruta. O seu filho, António Ferreira (1935-2000) acabaria por expandir o negócio, que é hoje mantido pelas suas filhas, Teresa e Manuela Ferreira, que garantem a continuidade de uma empresa com 55 anos.
Manuela, Teresa, Paula e Verónica cresceram a brincar entre móveis. Camas, roupeiros, cómodas e colchões em tamanho real, não daqueles que as meninas tanto gostam de pôr e dispor nas suas casinhas de bonecas. As quatro irmãs partilham o apelido Ferreira, que dá nome a uma das mais antigas casas de móveis das Caldas da Rainha, e foi lá que passaram grande parte da sua infância e juventude, ao final dos dias de escola, nos fins-de-semana, nas férias. Hoje, feitas mulheres, assumem as rédeas do legado que lhes foi deixado pelo pai, que também já o tinha herdado do seu pai. São a terceira geração à frente da Ferreira Mobílias. Há que recuar mais de meio século para contar a história desta empresa. Uma história feita de muitos sucessos, mas também de muitos momentos penosos, e que hoje apenas pode ser contada pelas irmãs.GuiadospelasmemóriasdeManuela e Teresa, viajemos até 1955. Manuel Ferreira vê numa pequena loja junto à Praça da Fruta a oportunidade de criar o seu próprio negócio e quem sabe fazer fortuna. NascidoemLisboa,masradicadonas Caldas, não deixa passar a oportunidadeedecidealugaroespaço,propriedade do Sr. Ramalho. Foi ali que abriu a primeira loja da Ferreira Mobílias, que se manteve a funcionar até ao início deste ano. Um pequeno estabelecimento, longe do grande prédio que ali existe actualmente. Onegóciodepressavingouepouco tempo depois da abertura da loja, um dos filhos de Manuel Ferreira, o António, foi trabalhar para lá. Rapaz dos seus 20 anos, ainda solteiro, António Ferreira não precisou de muitotempoparaganhargostopelo negócio das mobílias. E ainda bem, porquequandoem1960morreoseu pai, Manuel Ferreira, é o jovem que fica encarregue do negócio, a par com o irmão, Fernando Lopes Fer-
reira. MasdezanosdepoisAntónioFerreira voltaria a ficar sozinho, quando o irmão morre inesperadamente.JácasadocomMariaTeresa,conta com o seu apoio, que, segundo as filhas se revela “fundamental” para o sucesso da empresa. É nesta altura que a Ferreira Mobílias começa a crescer e aos poucos a loja na Praça da Fruta ganha
UMA AZÁFAMA CONSTANTE
A principal recordação que as irmãsguardamdessaalturaéomovimento constante na loja do pai. “Comparado com o de hoje era uma azáfama completa. Uma série de carros a carregarem, outra série a descarregar” descarregar”. O que também se lembram bem
prar” prar”. As pessoas vinham não só da região, mas de vários pontos do país à procura de mobílias que primavam pela qualidade. “Há uma coisa que me marcou imenso, que foi uma mobília, caríssima para a altura, estar a acabar de ser descarregada, sem costas, sem estar montada, e eu vender essa mobília ainda no corredor” corredor”, re-
sentar a mobília já acabada aos clientes, que a podiam ver assim que chegavam à loja” loja”, lembram as irmãs. Esta visão empreendedora leva também António Ferreira a procurar uma segunda loja na cidade, na Rua Raul Proença. Um espaço que já há cerca de três décadas foi pensado para expor mobília de linhas mais moder-
A história da Ferreira Mobílias faz-se das memórias das netas do seu fundador, Manuel Ferreira (falecido em1960), que já não está cá para as contar. António (1935-2000) e Fernando (1937-1970), os filhos que tomaram as rédeas à empresa a partir de 1960, também já partiram. Hoje é a Manuela e a Teresa Ferreira que cabe a gestão de uma empresa com 55 anos. Dos seus antecessores, as duas irmãs herdaram a aposta na novidade e na qualidade, mas principalmente o “querer servir bem quem entra” entra”. Com a loja da Praça da Fruta encerrada há poucos meses, a Ferreira Mobílias conserva o estabelecimento na Rua Raul Proença. Mas as responsáveis pela empresa garantem que a diversidade dos produtos que sempre caracterizou a loja se mantém. novos espaços, para exposição de mobíliaeparaoficinas.Primeirouma taberna que havia ali ao lado. Depois a cocheira, onde eram guardados os burros dos vendedores da Praça da Fruta. “Ainda me lembro das senhoras entrarem com os burros numa porta que ali havia e prenderem os animais numas argolinhas que havia pela parede” parede”, recorda Manuela. Pouco tempodepois,odonodoprédioonde ficavaaloja,comalgunsapartamentos por cima, quis vender o edifício, e António comprou. Com mais espaço, a Ferreira Mobílias aumentou a sua oferta. Às mobílias de quarto ou de sala e aos colchões – feitos ali mesmo por um dostrabalhadoresdaempresaecom forras cosidas pela mulher de António Ferreira – juntam-se então os armários de cozinha, as tapeçarias e os electrodomésticos, de fogões a frigoríficos e até televisões. “Era tudo para a casa, menos cortinados” nados”, recorda Manuela. “Mas chegou a vender varões” varões”, acrescenta a rir a irmã, Teresa.
é da forma como a mobília era exposta na loja, bem diferente da exposição cuidada dos dias de hoje. “Quase que se procurava o buraco que havia ainda para ocupar. Na altura era o espelho e as mesas-de-cabeceira dentro do roupeiro, a cómoda ficava por cima do roupeiro e a cama ficava encostada” encostada”. E por mais caótica que seja a imagem que a descrição suscita, o certo é que “isso era o suficiente para o cliente com-
corda Teresa. Entre o vaivém de carros com móveis e de clientes, António Ferreira torna a sua loja num estabelecimento inovador. É que naqueles tempos as mobílias chegavam às lojas “em branco” branco”, sem estarem polidas ou envernizadas. “Era necessário aca bá-los aqui. Haacabá-los via um polidor, havia quem metesse as ferragens, quem desse cor. O nosso pai foi o primeiro nas Caldas a apre-
nas, uma novidade numa loja de dimensões fora do habitual para a cidade, e do qual a esposa “tomou conta durante muitos anos” anos”. Do edifício onde se instalou a primeira loja restam apenas memórias fotográficas. Cerca de dez anos depois de ter comprado o segundo estabelecimento, António Ferreira volta a aumentar o seu património e deita abaixo as instalações que foi adquirindo na Praça da Fruta nos primei-
ros anos da sua actividade. No seu lugar fez nascer os dois prédios que se podem ver hoje e que durante muitos anos albergaram a loja mais voltada para o mobiliário clássico, a oficina da fábrica, alguns escritórios alugados a terceiros e muito espaço de armazém. “Primeiro o prédio de trás, porque não o deixavam construir para a parte da frente, por ser a zona histórica da cidade. Só quando teve autorização conseguiu construir o prédio voltado para a praça” praça”, contam as filhas. Manuela e Teresa não estranham o sucesso que a empresa do seu pai teve. “Dantes era tudo muito mais fácil e também n ão não havia muita oferta, agora é que temos lojas por todo o lado” lado”. Mas as actuais responsáveis pela Ferreira Mobílias não deixam passar em vão a importância que os valores tinham nessa altura. “O nosso pai e as pessoas das Caldas e todos os nos sos clientes bem o sanossos bem, sempre foi uma pessoa séria e correcta em termos profissionais. As pessoas confiavam na casa e ainda confiam. Ele empenhava-se, sempre se empenhou, no ramo dele, e viveu praticamente para isso” isso”. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
Imagens do prédio onde Manuel Ferreira começou a empresa de móveis e que o filho demoliu para nele construir dois prédios que foram durante décadas o ex libris da empresa.
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eis da cidade mantém oferta do clássico ao moderno “Tenho orgulho em pertencer a esta casa”
Sempre a par de tudo o que se passava na e m p r e s a , Mari a Tere sa foi u ma “peça fundamental” para o sucesso do negócio
A empresa cinge-se hoje à loja de dois pisos na Rua Raul Proença
Terceira geração mantém aposta na qualidade A Ferreira Mobílias encaixa na perfeição na designação ‘Empresa Familiar’. Mesmo sem ter estado continuamente nas lojas do marido, a mãe de Manuela e Teresa nunca esteve afastada do negócio das mobílias. “Em casa sempre se falaram de assuntos da loja, e o meu pai discutia com ela todos os assuntos, tudo o que se passava, todas as decisões que ele foi tomando” tomando”, contam as irmãs Ferreira, recordando que foi assim até à morte da mãe. Já as quatro irmãs também nunca passavam muito tempo sem estarem nas loHoje, é a Teresa e Manuela que cabe jas, “mesmo pequenininhas, toa gestão da Ferreira Mobílias das nós temos recordações dessa altura” altura”. E se no início as crianças ocupavam o seu tempo a brincar umas com as outras, não foi preciso muito tempo para que as filhas ajudassem os pais, a acartar almofadas ou os cabides de roupa. “Era um trabalho entre aspas. Éramos arrastadas, mas acabávamos por nos divertir na mesma” mesma”, lembram as irmãs. Manuela, Teresa, Paula e Verónica entraram para a sociedade da António Ferreira, Lda. em 1993, sete anos antes de o pai falecer. Entre 1960 e 2000, foi sempre o pai “a tomar as decisões, pelo menos as mais importantes” importantes”. Após a morte de António Ferreira as irmãs empenharam-se em manter o legado dos seus ascendentes, tanto ao nível da gestão da empresa, como da relação com os clientes e da aposta na qualidade dos artigos que comercializam. “Hoje as coisas estão diferentes, há muitas grandes superfícies, que não são uma grande ameaça para nós, porque não temos o mesmo artigo. Nós temos artigo de muita qualidade e não estou a dizer que o artigo de casas como estas não tem qualidade, mas é outro tipo de artigo, para outro tipo de clientes” clientes”, diz Manuela Ferreira. Ao longo de 55 anos, a Ferreira Mobílias fidelizou muita clientela. “Muitos são da altura do nosso pai e muitos deles já trouxeram os filhos” filhos”, garantem. O que os cativa, acreditam, é a oferta diversificada que ali podem encontrar. Acompanhando a evolução dos tempos e dos gostos, as duas irmãs não descuram as novidades e as tendências mais recentes. Mas também nunca abandonaram o estilo clássico. “Aqui nas Caldas praticamente não há lojas que vendam este tipo de clássico, como o estilo inglês por exemplo exemplo,, que é uma linha antiga, mas que as pessoas continuam a gostar e que procuram” procuram”. Outra coisa que se mantém é a qualidade do mobiliário que ali se pode encontrar, produtos na sua esmagadora maioria de origem portuguesa. “O artigo nacional a nível de mobiliário é bastante melhor que o espanhol ou que qualquer outro, sem dúvida nenhuma” nenhuma”, garantem as responsáveis, que têm fornecedores de vários pontos do país. Alguns destes são empresas que vendem para a loja desde o seu início e que entretanto também já são administradas pelos filhos
ou netos dos fundadores. “Vai-se criando uma ligação e acaba por haver uma confiança mútua que é muito importante. Há mais sinceridade e trabalha-se de maneira diferente e eles também se vão actualizando” actualizando”. De vários pontos do país chegam também os clientes, que têm os artigos entregues e montados nas suas casas sem qualquer custo adicional, sendo o transporte assegurado pelos funcionários da empresa, em veículos próprios. “É um miminho para os clientes que nós tentamos manter” manter”, afirma Manuela Ferreira, salientando que os tempos difíceis que correm levam muitas empresas a cobrarem montagem e deslocação. Mas os móveis da loja caldense estão também já noutros países, como França e Holanda, procurados não tanto por emigrantes, mas sobretudo por estrangeiros que têm uma segunda habitação na região e que gostaram da mobília. No início deste ano as duas irmãs mais novas, Paula e Verónica, decidiram sair da sociedade e neste momento a Ferreira Mobílias está apenas a funcionar na loja da Rua Raul Proença. “Como ficámos só as duas, entendemos que não precisávamos de duas lojas, que bastava uma” uma”, conta Teresa, explicando que dois pisos da loja da Praça da Fruta foram alugados. “Apareceu uma boa proposta, uma boa oportunidade de negócio sem ninguém esperar” esperar”, acrescenta Manuela, salientando que o funcionamento logístico daquele espaço era dificultado pelo facto das camionetas grandes que transportam as mobílias não poderem ir ao centro da cidade. No edifício da Praça da Fruta mantém-se algum espaço de armazenamento e a oficina da empresa. Alguns dos artigos da loja com quatro pisos estão disponíveis no estabelecimento que se mantém. Para escoar o restante está a decorrer uma exposição com descontos que podem ir até aos 80%, à qual se pode aceder pela Travessa do Parque. A loja da Rua Raul Proença tem 1.200 metros quadrados de exposição e, garantem as irmãs, a mesma oferta diversificada que sempre caracterizou a empresa. “Temos o clássico, temos o contemporâneo e na cave temos a secção económica, com quartos e sofás baratíssimos, um económico que nos deixa à vontade porque tem qualidade” qualidade”. Sem medo da concorrência das grandes superfícies, Manuela e Teresa acreditam nas vantagens do comércio tradicional. “Aqui o cliente está connosco, podem estar uma hora, duas horas, as pessoas conversam e têm tempo. É sem dúvida algo único do comércio tradicional, não se encontra este tipo de relacionamento nas grandes superfícies” superfícies”. Além disso, “as pessoas sabem que quando vão à Ferreira Mobílias compram artigo bom” bom”. Longe dos tempos de azáfama em que o reboliço nas lojas era uma constante, a Ferreira Mobílias “continua a ter a mesma variedade, a apostar nas novidades e a querer servir bem quem entra” entra”. Para isso contribuem também os trabalhadores da empresa – Santos, Gilberto e Idália, que ali trabalham há várias décadas. Pessoas cujos anos de experiência lhes permite “fazerem um bocadinho de tudo” tudo”. Quando perguntamos a Manuela e Teresa se alguma vez pensaram deixar o negócio a resposta é imediata. “Não! Gostamos do que fazemos. Gostamos mesmo! O que quer dizer que as vezes que estivemos cá em pequeninas não foi castigo castigo”. J.F.
Fez no passado dia 1 de Junho 31 anos que Gilberto José Monteiro começou a trabalhar na Ferreira Mobílias. Nascido na Lourinhã, veio viver para as CalGilberto Monteiro das com oito anos. Aos 13 estava mais interessado em jogar à bola e em ganhar o seu dinheiro, do que em “perder tempo” com os livros. Foi por isso que mentiu aos pais e lhes disse que tinha chumbado na escola, quando na verdade tinha passado de ano. Foi assim que conseguiu ir trabalhar para a loja de móveis durante três meses. Quando a verdade se soube, a mãe repreendeu-o. “Queria que eu estudasse” estudasse”, conta. Mas da cabeça de Gilberto não saíam as palavras de António Ferreira. “Disse-me: quando quiseres voltar, tens a porta aberta” aberta”. E Gilberto voltou, assim que em 1979 concluiu o 9º ano de escolaridade. Deixou a escola, “apesar de nunca ter reprovado” reprovado”, para trabalhar nos móveis, e hoje diz que não se arrepende. “É uma escola de vida, aprende-se muito” muito”. Dos primeiros anos guarda muitas e boas recordações. Lembra-se das actuais patroas, de idades próximas da sua, andarem na escola. Lembra-se sobretudo da imagem do patrão, um homem que “foi como um pai” e que recorda muitas vezes. “Era um homem que hoje fazia muita falta na nossa sociedade, um empresário de sucesso, bastante honesto e empreendedor, que me deixou uma boa recordação” recordação”, afiança. O que Gilberto também se lembra bem é da azáfama de outros tempos, que obrigava os trabalhadores da empresa a fazerem muitas noitadas até à meianoite. “Quase sempre, o meu patrão esperava por nós e pagava-nos o jantar no antigo restaurante Convívio que havia na Praça da Fruta, outras vezes no Camaroeiro” Camaroeiro”. Hoje as coisas são muito diferentes. “Somos só dois, mas na altura chegámos a ser 14 empregados. Hoje há máquinas para tudo, antigamente não, e o cliente antes comprava muito mais. Lembro-me que os imigrantes entravam aqui e compravam um carrão de mobília, uma camioneta cheia” cheia”, conta, desfilando as suas memórias, o trabalhador que tem bem presentes os tempos em que as cadeiras eram estofadas, os móveis envernizados e as ferragens colocadas na oficina da Ferreira Mobílias. Na loja e na oficina, Gilberto Monteiro dá uma mão em tudo o que pode. “Faço tudo o que é preciso, tenho prazer no que faço” faço”, garante. E ao contrário do que tanta gente se queixa, Gilberto congratulase por ter um trabalho que “não tem nada de stressante” e que o faz correr o país a distribuir móveis. Confessadamente “dedicado à família” família”, Gilberto afirma que os Ferreira são a sua segunda família. Lamentando ver a loja da Praça da Fruta de portas fechadas, Gilberto Monteiro diz que “tinha pena se um dia isto acabasse. Ando nisto desde miúdo, era difícil fazer outra coisa” coisa”. E com alguma timidez acrescenta: “sinto orgulho em pertencer a esta casa. Como um indivíduo que joga futebol e está num clube, apesar de ser profissional, tenho amor à camisola” camisola”. J.F.
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25 | Junho | 2010
UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Ramiro Pronto a Vestir aposta agora nos fatos feitos
O fundador Ramiro Figueiredo dos Santos foi marçano e criou o seu próprio negócio tendo-se especializado no pronto a vestir. Nesta foto, nos anos noventa, atende um cliente.
Luís Ramiro deu continuidade ao negócio da família e procura agora novos nichos de mercado para uma actividade sob forte concorrência
“O meu pai abriu a sua loja há 58 anos, precisamente no ano em que eu nasci nasci”, conta Luís Ramiro, o herdeiro e responsável pelo Ramiro Pronto a Vestir. Quando o pai, Ramiro Figueiredo dos Santos (1924-1998) se estabeleceu, “esta era uma loja estreitinha e mais funda funda”. Aos poucos, e à medida que ia crescendo, Ramiro dos Santos adquiriu a mercearia do lado para ampliar o estabelecimento comercial, vindo depois a alugar uma outra loja ao lado (a antiga Casa Caetanos, que vendia loiças e panelas). Esse aluguer ainda hoje se mantém e é a totalidade destes espaços que dá a configuração actual à Ramiro Pronto a Vestir. Ramiro Figueiredo dos Santos tem hoje uma rua com o seu nome na cidade. Foi marçano nas Caldas na firma José do Rosário Duarte que tinha o seu estabelecimento de fazendas na Praça da Os marçanos eram traFruta. “Os tados abaixo de cão, faziam o que era preciso e iam à estação buscar fardos de coisas, sujavam-se imenso e andavam quase sempre mal comidos comidos”. Mas a vida foi melhorando e de marçano, Ramiro dos Santos passa a caixeiro daquele estabelecimento. Posteriormente viria ainda a trabalhar durante algum tempo numa loja no Cadaval. Mais tarde este caldense estabeleceu-se numa sociedade com Fernando Alves Campos - na Praça da Fruta - onde hoje é uma loja dos 300, próximo da Perfumaria Central. Esta durou vários anos – dedicava-se ao mesmo ramo dos tecidos e têxtil lar - e só depois, e sempre com muitas dificuldades, e com a lá foi subinajuda de familiares “lá do e finalmente conseguiu reunir as condições para se estabelecer no seu próprio negócio”. Para Luís Ramiro, o seu pai “era um vendedor nato, muito trabalhador e poupado poupado”. Segundo
Outra das áreas de grande destaque desta loja era a venda de tecidos a metro. Cada senhora tinha a sua modista que acompanhava sempre a cliente na compra Hoje de dos tecidos e miudezas. “Hoje tarde venho acompanhar a sra. dona Marquinhas de Avelar a comprar o tecido”, recorda Luís Ramiro explicando que era assim
recorda, a sua despesa extra diária resumia-se a um café após o almoço e o jantar. Lia o jornal nos cafés só depois de que frequentava e “só ter completado 40 anos é que adquiriu o seu primeiro carro” carro”, acrescentou. Quando abriu a sua Casa Ramiro, em 1952, vendia tecidos a metro, malhas e miudezas.
tabelece, havia muita gente da região que partia para a pesca do Havia na altura muibacalhau. ”Havia tas pessoas, sobretudo do Nadadouro, que ficavam no mar temporadas de seis meses” meses”. As pessoas viviam com grandes dificuldades” e vinham aqui ao meu pai comprar o enxoval para levar var”. Deste faziam parte coberto-
Exceptuando as meias de senhora e os peúgos para homem, não existia praticamente nenhuma confecção até aos anos 70 do século passado. Luís Ramiro recorda que tinham uma máquina para apanhar as malhas das meias de vidro. Já na retrosaria era também as rendas que saiam muito bem, para aplicar nos lençóis.
A casa Ramiro Pronto a Vestir existe há 58 anos e foi fundada por Ramiro Figueiredo dos Santos. Hoje improvável a loja é da responsabilidade do filho, Luís Ramiro, que acha “improvável improvável” que os seus filhos – um advogado e uma assistente social - continuem o negócio de venda de roupa. Um negócio que já não é como antes, com um estabelecimento aberto ao público sem muita concorrência. Hoje, este comerciante caldense aposta nos fatos feitos por medida, que vende no local de trabalho dos seus clientes em Lisboa. Depois de ter encerrado a Casa Silva há alguns anos, Luís Ramiro ficou com os contactos dos forneo chapeleiro oficial das Caldas cedores daquele estabelecimento e hoje considera-se “o Caldas”. Naquela altura uma rapariga quando casava tinha que levar o dote e por isso tinha que se comprar uma peça de pano com vários metros de tecido para efectuar toNas aldos os jogos de lençóis. “Nas deias da região toda a gente comprava a sua peça de pano e sabia o que queria em termos de qualidade... se era linho, meio linho, era tudo muito esmiuçado” miuçado”. A casa abre com um funcionário, que era da Foz do Arelho, e que mais tarde emigrou para os EUA. Por norma, “tínhamos sempre à volta de cinco empregados empregados”, recordou Luís Ramiro. A esposa de Ramiro dos Santos, Elza Figueiredo (1929-2001) estava ligada à loja apenas num aspecto: como não havia pronto-a-vestir, as montras tinham manequins decorados com tecidos a minha mãe tinha muito jeie “a to para os vir armar, como se de um vestido se tratasse”, explicou Luís Ramiro.
res, meias grossas - que vinham de Aveiro - e camisolas que eram feitas manualmente na Póvoa do Varzim e que por isso se designavam de poveiras. Só quando regressavam das viagens é que vinham então pagar os que tinham levado Era no tempo seis meses antes. “Era em que as pessoas eram sérias e tinham palavra” palavra”, disse Luís Ramiro, acrescentando que, por exemplo, o homem que o ajudou a encher a placa da sua casa fê-lo em nome da gratidão e da aju“em da que o meu pai lhe deu naquela época” época”, disse.
que as modistas avisavam os lojistas da vinda das senhoras. Eram pois as costureiras que davam “os bons dias” e que determinavam se a senhora iria ou não gostar dos tecidos que lhes eram mostrados. “Fazíamos então umas patifarias e embrulhávamos uma série de peças de tecido e dizíamos: Olhe, estas peças, acabadinhas de chegar!”. Era o efeito da novidade a funcionar. ContaLuísRamiroquealgumas“até queriam uma comissãozita… comissãozita…” para assegurar a continuação das compras no estabelecimento.
Ramiro Figueiredo dos Santos foi durante alguns anos o presidente do Grémio do Comércio e resolveu aumentar as quotas para 25 tostões (1 cêntimo) e houve um individuo, também comerciante no concelho, que não reagiu bem à proposta. Foi fazer queixa de Ramiro e as consequências foram ter a Pide Lembro-me que era um à porta. “Lembro-me Domingo e que o meu pai foi levado pelos agentes” agentes”, contou o filho explicando que moravam perto da loja – por cima do talho (que ainda hoje está no mesmo local), como aliás era habitual acontecer
entre os comerciantes. Foi preciso a intervenção do seu grande amigo Fernando Neto, outro respeitável comerciante caldense, que teve que explicar aos agenque o meu pai não tinha tes “que nada a ver com política e não tinha tido intenção subversiva ao ter aumentado as quotas, era simplesmente uma forma de ter mais dinheiro para as actividades do Grémio do Comércio cio”. Luís Ramiro lembra-se também do espaço de convívio que o Grémio possuía no local onde hoje exisonde te o Museu do Ciclismo e “onde tínhamos uma das poucas televisões que existiam na cidade naquele tempo tempo”. Havia ainda na sede daquela entidade antecessora da Associação Comercial uma zona para os comerciantes, familiares e amigos conviverem. Havia ali uma mesa de bilhar e era habitual jogar-se às cartas e ao dominó. Ramiro conta ainda que houve uma grande luta pela semana inglesa que implicava que os estabelecimentos comerciais fechassem ao sábado à tarde e agora por caujá nada sa dos centros comerciais “já se respeita respeita”. O actual responsável recorda também que havia um funcionário do Tribunal do Trabalho que fiscalizava o cumprimento do horário de trabalho. “Não podíamos ter os
Poveiras e meias de Aveiro para a pesca do bacalhau
Na altura em que Ramiro se es-
A loja Ramiro durante um concurso de montras há vinte anos e na sua configuração actual
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s à medida funcionários nem mais um segundo além da hora hora”. Mas quando era preciso fazer serão, punhamse panos a forrar as montras por dentro e quando alguém espreitaOlha que vem aí o va e dizia: “Olha Machado [nome do funcionário do tribunal],, e cada um escondiase como podia, como ratos ratos”.
“Tenho aqui uma segunda família”
“Rimos e choramos juntos, é um tipo de comércio diferente...”
Luís Ramiro estudou na Escola Comercial e Industrial e, feita a tropa, veio para o negócio da família. Vim com muito gosto, fui ha“Vim bituado a isto...”, disse o actual proprietário.Éapartirde1975,quando volta de Moçambique, que começa a ajudar o pai. Entretanto acabaram com a venda de tecidos (chitas, riscados, sarjas) lãs, enxoval de bebé e da retrosaria pois havia nas Caldas outras ca“havia sas especializadas nestas áreas e ficámos apenas com o pronto-a-vestir mais especializad alizado”, conta. O seu pai mantinha o gosto clássico e os clientes de sempre, ao passo que o filho foi implementando novidades para um público mais jovem. A loja especializou-se também em roupa para pessoas fortes que ficaram assim a saber que podiam contar com o Ramiro que vendia números grandes. “E quando não há, arranja-se arranja-se”, acrescentou o comerciante enquanto comenta outro slogan relacionado com o seu estabelecimento comercial: “Se queres andar muito giro têm que vir ao Ramiro”. O fundador da casa faleceu subitamente em 1998, mas até então era o primeiro a entrar na loja e o Não me lembro do último a sair. “Não meu pai faltar, excepto quando uma vez eu estive doente e ele deu férias aos empregados e fechou a porta durante uma semana para ficar a cuidar de mim mim”, disse Luís Ramiro. E se entre 1975 e 1990 o negócio foisemprecrescendo,háagorauma clara queda nas vendas. Dos cinco funcionários, Ramiro passou a ter três e hoje as costureiras que trabalham para a loja fazem-no em regime de outsourcing. Muita coisa mudou. O poder de compra, os hábitos e a concorrência. Os chineses e os centros comerciais vieram alterar as regras Nós vivíamos muito do do jogo. “Nós movimento da Praça do Peixe” Peixe”, disse o comerciante, acrescentando que a mudança da praça para outra zona da cidade “não foi benéfica para nós nós”, disse o empresário que, contudo, não quis divulgar o seu volume de negócios. E como está num segmento mé-
Luís Ramiro em 1958, acompanhado pelos pais Elza Figueiredo e Ramiro Santos. O pai fundou a loja e a mãe era quem “vestia” os manequins das montras.
dio e tenta a todo o custo manter a qualidade,continuaaterfornecedoresdosprimórdiosdoprontoavestir. Tem amigos entre os fornecedores que já eram do seu pai e orgulha-se vendo 75% de proem dizer que “vendo duto feito em Portugal” Portugal”. Há alguns anos fechou nas Caldas da Rainha a Casa Silva, que era a referência em chapelaria em toda esta zona. “Sou amigo da proprietária e ele cedeu-me os contactos dos fornecedores, passando agora eu a ser o chapeleiro oficial das Caldas” Caldas”. Os empregados estão a começar a reformar-se e quando uma pessoa está habituada “a um género de comércio familiar depois é difícil... Há muitos anos que rimos e choramos juntos e quando toca à parodia... ora se vem alguém que não percebe esta forma de estar, estragase tudo... tudo...”. Esta é, pois, uma loja com um ambiente diferente, onde o cliente vem conhecer as novidades, conversar sobre a actualidade, as suas doenças e tratamentos e que acaba por conhecer e mais tarde adquirir alguma peça de roupa que lhe faça falta. “Tenho 58 anos, mas no máximo aos 65 anos vou reformarme me”, disse Luís Ramiro, que considera que este género de comércio “não pode ser comandado como uma Sonae em que os empregados são números números”. E acresse eu ou a minha emprecenta: “se gada Teresa não estivermos, os nossos clientes não vêm. Eles vêm por nós e porque sabem que resolvemos os problemas” problemas”. O Ramiro Pronto a Vestir mantém hoje clientes que são de Santarém, Lisboa, S. Martinho ou Nazaré. Isabel Cunha, por exemplo, que vive nas Caldas é uma cliente habitual do Ramiro. “Já o eram os
meus pais e tios no tempo do pai do Luís Luís”, conta, referindo-se a este estabelecimento como uma “loja de referência referência”. Isabel Cunha diz que a maioria da sua roupa é comprada neste estabelecimennão só pela qualidade como to “não pela diferenciação que oferece ce”, rematou. Vender fatos por medida nos locais de trabalho
“É improvável que os meus filhos queiram seguir este negócio gócio”, diz Luís Ramiro, contando que a filha é assistente social e o filhoadvogado.Logoonegócio “termina em mim mim...”. O comerciante diz que tem vários clientes de Lisboa que gostavam que ele abrisse um espaço pequeno na capital, mas o caldense não pondera esse situação “por falta de continuador” continuador”. De qualquer modo, Luís Ramiro está a desenvolver uma nova área: está a apostar nos fatos por medida e vai encontro dos seus clientes, no seu local de trabalho. Vai a grandes escritórios de advogados, onde os profissionais estão sempre muito ocupados e sem tempo para se deslocarem ao alfaiate. Vou uma vez por semana a Lis“Vou boa e ten ho tido muitos clientes tenho clientes”, contouoempresárioquesugereforras,botõesemodelosaosseuscompradores. Nos locais onde vai até lhe dispensamumasalaparatirarmedidas e dar conselhos. Diz que há preçosparatodososgostos,dos275euros até aos 1300 euros.“Quando regresso trago-lhes o fato pronto” pronto”, rematouLuís Ramiroacrescentando queo“bocaaboca”estáafuncionar bem e que esta área de negócio está a superar as melhores expectativas. Natacha Narciso nnarciso@gazetacaldas.com
Trabalho nesta casa há 45 “Trabalho anos”. É a caldense Teresa Raanos malho, de 61 anos, quem o diz. Era adolescente quando veio para a Casa Ramiro “fazer caixa” e apanhar as malhas nas primeiro com meias de vidro, “primeiro a agulha à mão e depois com a máquina” máquina”. Mas como sabia falar com as pessoas, o senhor Ramiro passou-a para o balcão. Vi a loja crescer pois quan“Vi do vim ela era estreitinha. Nessa altura o Luís ainda era pequeno pequeno”, disse, referindo-se ao seu actual patrão. Recordando a evolução da actividade, falou na venda dos tecidos a metro, do pano para lençol e referiu que quando se começou a investir no pronto-avestir “começámos a encostar os enxovais enxovais”. Na sua opinião, a venda dos tecidos exigia passávamos mais esforço pois “passávamos a vida a dobrar e a desdobrar panos panos”, enquanto que com produtos confeccionados “é muito mais fácil atender os clientes” clientes”. Teresa Ramalho estava a estudar no 4º ano antigo na Escola Comercial e Industrial e até teve uma oportunidade de ir trabalhar para a secretaria do Hospi-
o senhor Ramiro tal só que, “o lá me convenceu e eu fiquei, fui ficando e nunca mais saí saí”. A funcionária sente que no seu local de trabalho tem uma sese não nos gunda família pois “se vemos uns dias dias, até sentimos falta uns dos outros outros”. Teresa Ramalho exemplifica que já sente falta da colega que se reformou há pouco tempo. “Foram vinte e tal anos aqui ao lado, ao balcão, e agora há uma ausência... ausência...”. Na casa Ramiro resolvem-se os problemas dos clientes. Teresa Ramalho diz que atende filhos dos clientes mais antigos “e até alguns netos netos”. É viúva há dez anos e por isso o seu trabalho tem um lugar de destaque na sua vida. E qual é o segredo para uma casa se manter ao longo de É o tipo quase seis décadas? “É de roupa clássica e o facto de ter número grandes. Os clientes sabem e vêm de longe ter connosco para comprar roupas roupas”. Guarda-chuvas duravam toda a vida
Teresa Ramalho, de 61 anos, trabalha há 45 na casa Ramiro
tra balhos e equivalia a ventrabalhos der hoje um andar ou um automóvel tomóvel”, contou a funcionária. Os chapéus eram grandes e feitos de cana. As pessoas iam para a porta da loja varejavam, contavam as varetas e abanavam com toda a força para ver se a cana rachava. Outro requisito era que este tinha que ter 12 varetas pois era algo que tinha que durar uma vida e era pois escolhido como se fosse uma peça requintada, ao contrário de hoje, que é visto como objecto descartável.
Negociar um chapéu-de“Negociar chuva era uma carga de
N.N.
“Fomos muitos amigos durante toda a vida” Mário da Conceição Silva, tem 87 anos e foi um dos melhores amigos de Ramiro Figueiredo dos Éramos ambos pobres Santos. “Éramos e empregados do comércio” comércio”, contou o octogenário, explicando que eram ambos marçanos no início das suas carreira. Apesar de trabalharem em firmas diferentes, tinham o mesmo patrão e começaram desde cedo a dar-se bem. Mário Silva veio para as Caldas em 1938 e com a ajuda de uma familiar arranjou lugar como marçano na firma Rosários e Gil, que ficava nos números 73 e 75, na Rua das Montras. Tal como faria Ramiro, na firma de José do Rosário Duarte, começou por varrer a loja, fazer recados, ir ao correio e aviar encomendas à estação ou às camionetas. De marçano Mário Silva passou a empregado de armazém e, ao fim de algum anos, já era caixeiroviajante. A amizade com Ramiro foi-se sempre consolidando e era frequente vê-los a jogar bilhar ao serão na sede do Sindicato dos Caixeiros, na Rua do Jardim. Foram ao casamento um do outro e Ramiro foi testemunha do nascimento do filho de Mário Silva, Mário Lino. Mário Silva já era caixeiro via-
jante quando Ramiro fez sociedade com Fernando Alves Campos, tendo aberto uma casa na Praça da Fruta, antes de se estabelecer sozinho. Nas duas alturas foi este seu amigo de longa data que lhe vendeu a mercadoria necessária para “encher” a loja. O caixeiro já trabalhava para um revendedor de Alcobaça, David Pinto, e quando o patrão lhe veio perguntar se aqueles rapazes iriam cumprir as suas obrigações de débito, Mário Silva pôs as mãos no fogo pelo amigo e disse ao patrão são rapazes sérios que que “são conheço perfeitamente e pagam tudo o que devem” devem”. E no dia em que acrescentou: “no deixar de lhes fornecer a mercadoria que eu lhes vendo, é nesse mesmo dia que eu me vou embora embora”. Nos anos 50, com Ramiro já estabelecido por conta própria, sucede o mesmo e vende-lhe tudo o que ele precisa - malhas, tecidos, botões e outras miudezas. Assim como vendia também para Fernando Neto, outro grande amigo de Mário Silva e de Ramiro. Eram frequentes os serões no Café Central ou no Café Lusitano (onde hoje fica a Sapataria
Mário Silva foi caixeiro-viajante e forneceu-lhe mercadoria em diferentes fases da sua carreira
Charles) onde aguardavam e comentavam os vespertinos. Mário Silva nunca vendeu roupa confeccionada logo, quando Ramiro se especializou nesta área, cessaram as relações comerciEra ais, mas não as de amizade. “Era um bom companheiro e tinha a maior confiança nele. Fomos muito amigos durante tod a a vida. Nunca me deixou toda ficar mal” mal”, rematou o octogenário. N.N.
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Ramiro Pronto a Vestir aposta agora nos fatos feitos
O fundador Ramiro Figueiredo dos Santos foi marçano e criou o seu próprio negócio tendo-se especializado no pronto a vestir. Nesta foto, nos anos noventa, atende um cliente.
Luís Ramiro deu continuidade ao negócio da família e procura agora novos nichos de mercado para uma actividade sob forte concorrência
“O meu pai abriu a sua loja há 58 anos, precisamente no ano em que eu nasci nasci”, conta Luís Ramiro, o herdeiro e responsável pelo Ramiro Pronto a Vestir. Quando o pai, Ramiro Figueiredo dos Santos (1924-1998) se estabeleceu, “esta era uma loja estreitinha e mais funda funda”. Aos poucos, e à medida que ia crescendo, Ramiro dos Santos adquiriu a mercearia do lado para ampliar o estabelecimento comercial, vindo depois a alugar uma outra loja ao lado (a antiga Casa Caetanos, que vendia loiças e panelas). Esse aluguer ainda hoje se mantém e é a totalidade destes espaços que dá a configuração actual à Ramiro Pronto a Vestir. Ramiro Figueiredo dos Santos tem hoje uma rua com o seu nome na cidade. Foi marçano nas Caldas na firma José do Rosário Duarte que tinha o seu estabelecimento de fazendas na Praça da Os marçanos eram traFruta. “Os tados abaixo de cão, faziam o que era preciso e iam à estação buscar fardos de coisas, sujavam-se imenso e andavam quase sempre mal comidos comidos”. Mas a vida foi melhorando e de marçano, Ramiro dos Santos passa a caixeiro daquele estabelecimento. Posteriormente viria ainda a trabalhar durante algum tempo numa loja no Cadaval. Mais tarde este caldense estabeleceu-se numa sociedade com Fernando Alves Campos - na Praça da Fruta - onde hoje é uma loja dos 300, próximo da Perfumaria Central. Esta durou vários anos – dedicava-se ao mesmo ramo dos tecidos e têxtil lar - e só depois, e sempre com muitas dificuldades, e com a lá foi subinajuda de familiares “lá do e finalmente conseguiu reunir as condições para se estabelecer no seu próprio negócio”. Para Luís Ramiro, o seu pai “era um vendedor nato, muito trabalhador e poupado poupado”. Segundo
Outra das áreas de grande destaque desta loja era a venda de tecidos a metro. Cada senhora tinha a sua modista que acompanhava sempre a cliente na compra Hoje de dos tecidos e miudezas. “Hoje tarde venho acompanhar a sra. dona Marquinhas de Avelar a comprar o tecido”, recorda Luís Ramiro explicando que era assim
recorda, a sua despesa extra diária resumia-se a um café após o almoço e o jantar. Lia o jornal nos cafés só depois de que frequentava e “só ter completado 40 anos é que adquiriu o seu primeiro carro” carro”, acrescentou. Quando abriu a sua Casa Ramiro, em 1952, vendia tecidos a metro, malhas e miudezas.
tabelece, havia muita gente da região que partia para a pesca do Havia na altura muibacalhau. ”Havia tas pessoas, sobretudo do Nadadouro, que ficavam no mar temporadas de seis meses” meses”. As pessoas viviam com grandes dificuldades” e vinham aqui ao meu pai comprar o enxoval para levar var”. Deste faziam parte coberto-
Exceptuando as meias de senhora e os peúgos para homem, não existia praticamente nenhuma confecção até aos anos 70 do século passado. Luís Ramiro recorda que tinham uma máquina para apanhar as malhas das meias de vidro. Já na retrosaria era também as rendas que saiam muito bem, para aplicar nos lençóis.
A casa Ramiro Pronto a Vestir existe há 58 anos e foi fundada por Ramiro Figueiredo dos Santos. Hoje improvável a loja é da responsabilidade do filho, Luís Ramiro, que acha “improvável improvável” que os seus filhos – um advogado e uma assistente social - continuem o negócio de venda de roupa. Um negócio que já não é como antes, com um estabelecimento aberto ao público sem muita concorrência. Hoje, este comerciante caldense aposta nos fatos feitos por medida, que vende no local de trabalho dos seus clientes em Lisboa. Depois de ter encerrado a Casa Silva há alguns anos, Luís Ramiro ficou com os contactos dos forneo chapeleiro oficial das Caldas cedores daquele estabelecimento e hoje considera-se “o Caldas”. Naquela altura uma rapariga quando casava tinha que levar o dote e por isso tinha que se comprar uma peça de pano com vários metros de tecido para efectuar toNas aldos os jogos de lençóis. “Nas deias da região toda a gente comprava a sua peça de pano e sabia o que queria em termos de qualidade... se era linho, meio linho, era tudo muito esmiuçado” miuçado”. A casa abre com um funcionário, que era da Foz do Arelho, e que mais tarde emigrou para os EUA. Por norma, “tínhamos sempre à volta de cinco empregados empregados”, recordou Luís Ramiro. A esposa de Ramiro dos Santos, Elza Figueiredo (1929-2001) estava ligada à loja apenas num aspecto: como não havia pronto-a-vestir, as montras tinham manequins decorados com tecidos a minha mãe tinha muito jeie “a to para os vir armar, como se de um vestido se tratasse”, explicou Luís Ramiro.
res, meias grossas - que vinham de Aveiro - e camisolas que eram feitas manualmente na Póvoa do Varzim e que por isso se designavam de poveiras. Só quando regressavam das viagens é que vinham então pagar os que tinham levado Era no tempo seis meses antes. “Era em que as pessoas eram sérias e tinham palavra” palavra”, disse Luís Ramiro, acrescentando que, por exemplo, o homem que o ajudou a encher a placa da sua casa fê-lo em nome da gratidão e da aju“em da que o meu pai lhe deu naquela época” época”, disse.
que as modistas avisavam os lojistas da vinda das senhoras. Eram pois as costureiras que davam “os bons dias” e que determinavam se a senhora iria ou não gostar dos tecidos que lhes eram mostrados. “Fazíamos então umas patifarias e embrulhávamos uma série de peças de tecido e dizíamos: Olhe, estas peças, acabadinhas de chegar!”. Era o efeito da novidade a funcionar. ContaLuísRamiroquealgumas“até queriam uma comissãozita… comissãozita…” para assegurar a continuação das compras no estabelecimento.
Ramiro Figueiredo dos Santos foi durante alguns anos o presidente do Grémio do Comércio e resolveu aumentar as quotas para 25 tostões (1 cêntimo) e houve um individuo, também comerciante no concelho, que não reagiu bem à proposta. Foi fazer queixa de Ramiro e as consequências foram ter a Pide Lembro-me que era um à porta. “Lembro-me Domingo e que o meu pai foi levado pelos agentes” agentes”, contou o filho explicando que moravam perto da loja – por cima do talho (que ainda hoje está no mesmo local), como aliás era habitual acontecer
entre os comerciantes. Foi preciso a intervenção do seu grande amigo Fernando Neto, outro respeitável comerciante caldense, que teve que explicar aos agenque o meu pai não tinha tes “que nada a ver com política e não tinha tido intenção subversiva ao ter aumentado as quotas, era simplesmente uma forma de ter mais dinheiro para as actividades do Grémio do Comércio cio”. Luís Ramiro lembra-se também do espaço de convívio que o Grémio possuía no local onde hoje exisonde te o Museu do Ciclismo e “onde tínhamos uma das poucas televisões que existiam na cidade naquele tempo tempo”. Havia ainda na sede daquela entidade antecessora da Associação Comercial uma zona para os comerciantes, familiares e amigos conviverem. Havia ali uma mesa de bilhar e era habitual jogar-se às cartas e ao dominó. Ramiro conta ainda que houve uma grande luta pela semana inglesa que implicava que os estabelecimentos comerciais fechassem ao sábado à tarde e agora por caujá nada sa dos centros comerciais “já se respeita respeita”. O actual responsável recorda também que havia um funcionário do Tribunal do Trabalho que fiscalizava o cumprimento do horário de trabalho. “Não podíamos ter os
Poveiras e meias de Aveiro para a pesca do bacalhau
Na altura em que Ramiro se es-
A loja Ramiro durante um concurso de montras há vinte anos e na sua configuração actual
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s à medida funcionários nem mais um segundo além da hora hora”. Mas quando era preciso fazer serão, punhamse panos a forrar as montras por dentro e quando alguém espreitaOlha que vem aí o va e dizia: “Olha Machado [nome do funcionário do tribunal],, e cada um escondiase como podia, como ratos ratos”.
“Tenho aqui uma segunda família”
“Rimos e choramos juntos, é um tipo de comércio diferente...”
Luís Ramiro estudou na Escola Comercial e Industrial e, feita a tropa, veio para o negócio da família. Vim com muito gosto, fui ha“Vim bituado a isto...”, disse o actual proprietário.Éapartirde1975,quando volta de Moçambique, que começa a ajudar o pai. Entretanto acabaram com a venda de tecidos (chitas, riscados, sarjas) lãs, enxoval de bebé e da retrosaria pois havia nas Caldas outras ca“havia sas especializadas nestas áreas e ficámos apenas com o pronto-a-vestir mais especializad alizado”, conta. O seu pai mantinha o gosto clássico e os clientes de sempre, ao passo que o filho foi implementando novidades para um público mais jovem. A loja especializou-se também em roupa para pessoas fortes que ficaram assim a saber que podiam contar com o Ramiro que vendia números grandes. “E quando não há, arranja-se arranja-se”, acrescentou o comerciante enquanto comenta outro slogan relacionado com o seu estabelecimento comercial: “Se queres andar muito giro têm que vir ao Ramiro”. O fundador da casa faleceu subitamente em 1998, mas até então era o primeiro a entrar na loja e o Não me lembro do último a sair. “Não meu pai faltar, excepto quando uma vez eu estive doente e ele deu férias aos empregados e fechou a porta durante uma semana para ficar a cuidar de mim mim”, disse Luís Ramiro. E se entre 1975 e 1990 o negócio foisemprecrescendo,háagorauma clara queda nas vendas. Dos cinco funcionários, Ramiro passou a ter três e hoje as costureiras que trabalham para a loja fazem-no em regime de outsourcing. Muita coisa mudou. O poder de compra, os hábitos e a concorrência. Os chineses e os centros comerciais vieram alterar as regras Nós vivíamos muito do do jogo. “Nós movimento da Praça do Peixe” Peixe”, disse o comerciante, acrescentando que a mudança da praça para outra zona da cidade “não foi benéfica para nós nós”, disse o empresário que, contudo, não quis divulgar o seu volume de negócios. E como está num segmento mé-
Luís Ramiro em 1958, acompanhado pelos pais Elza Figueiredo e Ramiro Santos. O pai fundou a loja e a mãe era quem “vestia” os manequins das montras.
dio e tenta a todo o custo manter a qualidade,continuaaterfornecedoresdosprimórdiosdoprontoavestir. Tem amigos entre os fornecedores que já eram do seu pai e orgulha-se vendo 75% de proem dizer que “vendo duto feito em Portugal” Portugal”. Há alguns anos fechou nas Caldas da Rainha a Casa Silva, que era a referência em chapelaria em toda esta zona. “Sou amigo da proprietária e ele cedeu-me os contactos dos fornecedores, passando agora eu a ser o chapeleiro oficial das Caldas” Caldas”. Os empregados estão a começar a reformar-se e quando uma pessoa está habituada “a um género de comércio familiar depois é difícil... Há muitos anos que rimos e choramos juntos e quando toca à parodia... ora se vem alguém que não percebe esta forma de estar, estragase tudo... tudo...”. Esta é, pois, uma loja com um ambiente diferente, onde o cliente vem conhecer as novidades, conversar sobre a actualidade, as suas doenças e tratamentos e que acaba por conhecer e mais tarde adquirir alguma peça de roupa que lhe faça falta. “Tenho 58 anos, mas no máximo aos 65 anos vou reformarme me”, disse Luís Ramiro, que considera que este género de comércio “não pode ser comandado como uma Sonae em que os empregados são números números”. E acresse eu ou a minha emprecenta: “se gada Teresa não estivermos, os nossos clientes não vêm. Eles vêm por nós e porque sabem que resolvemos os problemas” problemas”. O Ramiro Pronto a Vestir mantém hoje clientes que são de Santarém, Lisboa, S. Martinho ou Nazaré. Isabel Cunha, por exemplo, que vive nas Caldas é uma cliente habitual do Ramiro. “Já o eram os
meus pais e tios no tempo do pai do Luís Luís”, conta, referindo-se a este estabelecimento como uma “loja de referência referência”. Isabel Cunha diz que a maioria da sua roupa é comprada neste estabelecimennão só pela qualidade como to “não pela diferenciação que oferece ce”, rematou. Vender fatos por medida nos locais de trabalho
“É improvável que os meus filhos queiram seguir este negócio gócio”, diz Luís Ramiro, contando que a filha é assistente social e o filhoadvogado.Logoonegócio “termina em mim mim...”. O comerciante diz que tem vários clientes de Lisboa que gostavam que ele abrisse um espaço pequeno na capital, mas o caldense não pondera esse situação “por falta de continuador” continuador”. De qualquer modo, Luís Ramiro está a desenvolver uma nova área: está a apostar nos fatos por medida e vai encontro dos seus clientes, no seu local de trabalho. Vai a grandes escritórios de advogados, onde os profissionais estão sempre muito ocupados e sem tempo para se deslocarem ao alfaiate. Vou uma vez por semana a Lis“Vou boa e ten ho tido muitos clientes tenho clientes”, contouoempresárioquesugereforras,botõesemodelosaosseuscompradores. Nos locais onde vai até lhe dispensamumasalaparatirarmedidas e dar conselhos. Diz que há preçosparatodososgostos,dos275euros até aos 1300 euros.“Quando regresso trago-lhes o fato pronto” pronto”, rematouLuís Ramiroacrescentando queo“bocaaboca”estáafuncionar bem e que esta área de negócio está a superar as melhores expectativas. Natacha Narciso nnarciso@gazetacaldas.com
Trabalho nesta casa há 45 “Trabalho anos”. É a caldense Teresa Raanos malho, de 61 anos, quem o diz. Era adolescente quando veio para a Casa Ramiro “fazer caixa” e apanhar as malhas nas primeiro com meias de vidro, “primeiro a agulha à mão e depois com a máquina” máquina”. Mas como sabia falar com as pessoas, o senhor Ramiro passou-a para o balcão. Vi a loja crescer pois quan“Vi do vim ela era estreitinha. Nessa altura o Luís ainda era pequeno pequeno”, disse, referindo-se ao seu actual patrão. Recordando a evolução da actividade, falou na venda dos tecidos a metro, do pano para lençol e referiu que quando se começou a investir no pronto-avestir “começámos a encostar os enxovais enxovais”. Na sua opinião, a venda dos tecidos exigia passávamos mais esforço pois “passávamos a vida a dobrar e a desdobrar panos panos”, enquanto que com produtos confeccionados “é muito mais fácil atender os clientes” clientes”. Teresa Ramalho estava a estudar no 4º ano antigo na Escola Comercial e Industrial e até teve uma oportunidade de ir trabalhar para a secretaria do Hospi-
o senhor Ramiro tal só que, “o lá me convenceu e eu fiquei, fui ficando e nunca mais saí saí”. A funcionária sente que no seu local de trabalho tem uma sese não nos gunda família pois “se vemos uns dias dias, até sentimos falta uns dos outros outros”. Teresa Ramalho exemplifica que já sente falta da colega que se reformou há pouco tempo. “Foram vinte e tal anos aqui ao lado, ao balcão, e agora há uma ausência... ausência...”. Na casa Ramiro resolvem-se os problemas dos clientes. Teresa Ramalho diz que atende filhos dos clientes mais antigos “e até alguns netos netos”. É viúva há dez anos e por isso o seu trabalho tem um lugar de destaque na sua vida. E qual é o segredo para uma casa se manter ao longo de É o tipo quase seis décadas? “É de roupa clássica e o facto de ter número grandes. Os clientes sabem e vêm de longe ter connosco para comprar roupas roupas”. Guarda-chuvas duravam toda a vida
Teresa Ramalho, de 61 anos, trabalha há 45 na casa Ramiro
tra balhos e equivalia a ventrabalhos der hoje um andar ou um automóvel tomóvel”, contou a funcionária. Os chapéus eram grandes e feitos de cana. As pessoas iam para a porta da loja varejavam, contavam as varetas e abanavam com toda a força para ver se a cana rachava. Outro requisito era que este tinha que ter 12 varetas pois era algo que tinha que durar uma vida e era pois escolhido como se fosse uma peça requintada, ao contrário de hoje, que é visto como objecto descartável.
Negociar um chapéu-de“Negociar chuva era uma carga de
N.N.
“Fomos muitos amigos durante toda a vida” Mário da Conceição Silva, tem 87 anos e foi um dos melhores amigos de Ramiro Figueiredo dos Éramos ambos pobres Santos. “Éramos e empregados do comércio” comércio”, contou o octogenário, explicando que eram ambos marçanos no início das suas carreira. Apesar de trabalharem em firmas diferentes, tinham o mesmo patrão e começaram desde cedo a dar-se bem. Mário Silva veio para as Caldas em 1938 e com a ajuda de uma familiar arranjou lugar como marçano na firma Rosários e Gil, que ficava nos números 73 e 75, na Rua das Montras. Tal como faria Ramiro, na firma de José do Rosário Duarte, começou por varrer a loja, fazer recados, ir ao correio e aviar encomendas à estação ou às camionetas. De marçano Mário Silva passou a empregado de armazém e, ao fim de algum anos, já era caixeiroviajante. A amizade com Ramiro foi-se sempre consolidando e era frequente vê-los a jogar bilhar ao serão na sede do Sindicato dos Caixeiros, na Rua do Jardim. Foram ao casamento um do outro e Ramiro foi testemunha do nascimento do filho de Mário Silva, Mário Lino. Mário Silva já era caixeiro via-
jante quando Ramiro fez sociedade com Fernando Alves Campos, tendo aberto uma casa na Praça da Fruta, antes de se estabelecer sozinho. Nas duas alturas foi este seu amigo de longa data que lhe vendeu a mercadoria necessária para “encher” a loja. O caixeiro já trabalhava para um revendedor de Alcobaça, David Pinto, e quando o patrão lhe veio perguntar se aqueles rapazes iriam cumprir as suas obrigações de débito, Mário Silva pôs as mãos no fogo pelo amigo e disse ao patrão são rapazes sérios que que “são conheço perfeitamente e pagam tudo o que devem” devem”. E no dia em que acrescentou: “no deixar de lhes fornecer a mercadoria que eu lhes vendo, é nesse mesmo dia que eu me vou embora embora”. Nos anos 50, com Ramiro já estabelecido por conta própria, sucede o mesmo e vende-lhe tudo o que ele precisa - malhas, tecidos, botões e outras miudezas. Assim como vendia também para Fernando Neto, outro grande amigo de Mário Silva e de Ramiro. Eram frequentes os serões no Café Central ou no Café Lusitano (onde hoje fica a Sapataria
Mário Silva foi caixeiro-viajante e forneceu-lhe mercadoria em diferentes fases da sua carreira
Charles) onde aguardavam e comentavam os vespertinos. Mário Silva nunca vendeu roupa confeccionada logo, quando Ramiro se especializou nesta área, cessaram as relações comerciEra ais, mas não as de amizade. “Era um bom companheiro e tinha a maior confiança nele. Fomos muito amigos durante tod a a vida. Nunca me deixou toda ficar mal” mal”, rematou o octogenário. N.N.
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Monteiro – a primeira casa comercial das Caldas a 13 de Maio de 1949. O até então vendedor-viajante, António Monteiro, começa uma nova etapa na sua vida. Recém-casado e à procura de uma situação mais estável, inicia uma sociedade com o seu amigo Carlos Arroja para vender tecido a metro. A loja Nobela, situada na Rua Almirante Cândido dos Reis (Rua das Montras) foi-lhes trespassada à data por 100 mil escudos (cerca de 500 euros), uma “quantia astronómica para a época” época”, conta hoje o seu filho António José Monteiro, que juntamente com o irmão, Paulo, continuam a gerir os negócios iniciados pelo pai. Para poder efectuar o trespasse, pediram algum dinheiro emprestado e começaram a sociedade, que duraria três anos, até que António Monteiro vende a sua quota e toma de trespasse uma loja na Praça da República e começa a vender tecidos. A pequena loja “transformouse” na primeira da cidade a ter montras grandes, rasgadas, que permitiam aos transeuntes ver os modelos da agora casa de modas expostos no seu interior. Mas a ambição não ficou por aqui. Em 1959 António Monteiro inicia a expansão do negócio tomando de trespasse, por 50 mil escudos (cerca de 250 euros) o estabelecimento nº 45 da Rua das Montras, onde actualmente permanece a loja de tecidos de decoração Monteiro. Depois de feitas as devidas obras de remodelação, abre a primeira loja da cidade dedicada apenas a artigos de bebé, e que apelidou de Ninho. Três anos mais tarde adquire uma antiga casa de loiças, junto ao seu estabelecimento, onde comercializa apenas linhas e fios para tricot, e que apelidou de Lãsli. Considerado por muitos um aventureiro, as suas lojas de es-
António Monteiro fundou um negócio que foi seguido pelos seus filhos, Paulo e António. Hoje as suas empresas empregam 50 pessoas e facturam cerca de 5 milhões de euros.
pecialidade tornaram-se um sucesso, especialmente a das lãs, recordam os seus filhos. Em inícios da década de 60 António Monteiro adquiriu uma máquina para fazer saias plissadas,
Além do que comercializa na sua loja, António Monteiro vendia também para outros estabelecimentos do sector. “Aquilo trabalhava dia e noite, lembro-me de passar na rua e os
lecimento da Praça da Fruta, formando a firma Monteiro Lda. Entretanto dedica-se às suas lojas situadas na Rua das Montras.
a firma, tendo feito uma sociedade com o seu filho António José Monteiro, então com 23 anos. Actualmente a Santos Monteiro & Cª Lda é gerida pelo seu filho mais velho. Está sediada na Es-
Natural da Foz do Arelho, António Monteiro (1918-2006) é uma das grandes referências comerciais das Caldas da Rainha. Um empreendedor nato, que cedo deixou a vida de caixeiro-viajante para, juntamente com um sócio, se estabelecer no ramo dos tecidos. Dessa primeira experiência, rapidamente passou para uma loja sua, na Praça da República, onde inovou o conceito comercial ao abrir rasgadas montras que deixavam mostrar todo o seu interior. Precursor das lojas de especialidade, António Monteiro acabou por se dedicar à decoração de interiores, com uma loja de decoração no centro da cidade e uma empresa líder a nível nacional na distribuição de alcatifas e transformação de carpetes. “O meu pai foi o precursor da modernização do comércio nas Caldas da Rainha, naquela época” época”, contam os filhos, António José e Paulo Monteiro, actualmente sócios-gerentes da Casa Monteiro. que estavam na altura muito na moda. O filho mais velho, António José, lembra que parecia uma estufa, em que o tecido era colocado em cima de cartões, ia ao A forno e o pano ficava plissado. “A ideia era gira porque uma saia que normalmente gastava um metro de tecido para aquele efeito necessitava de três ou quatro metros, mais mão-deobra, que tinha que ser paga” paga”, explicou.
vidros da casa estarem todos embaciados do calor da máquina de plissar as saias” saias”, recorda o filho, destacando a visão do pai ao correr o risco de investir numa máquina que acabou por se revelar um êxito do ponto de vista da rentabilidade. A 1 de Abril de 1964 António Monteiro dá sociedade a dois empregados - Vasco Teodoro Bicho (já falecido) e Joaquim Cordeiro, seu sobrinho – no estabe-
Empresa líder na distribuição de alcatifas e transformação de carpetes
Três anos mais tarde (1967) formou com mais cinco amigos, a Santos Monteiro & Cª Lda, uma sociedade grossista de fios, malhas e miudezas, que funcionava nas traseiras da loja das lãs. Em finais da década de 70, António Monteiro comprou aos sócios as respectivas quotas e aproveitou
Fotos de 1963 que mostram a loja das lãs, situada no nº 51 da Rua Almirante Cândido dos Reis
trada do Campo (em frente ao Modelo) e é actualmente uma empresa líder, a nível nacional, na distribuição de alcatifas e transformação de carpetes. A firma confecciona carpetes por medida, uma actividade cada vez mais procurada pelos clientes. “Damos ao cliente um artigo próprio, não o obrigamos a comprar o produto standartizado” tizado”, diz António José Monteiro, destacando que o mercado
actual está ávido por coisas diferentes. António José Monteiro recorda que a firma Santos Monteiro & Cª Lda começou como distribuidor de uma fábrica de alcatifas nacional , a CUF Texteis. Passaram a comprar em fábricas no estrangeiro, sobretudo na Bélgica e Holanda que são os maiores produtores mundiais do sector, mas também da China e da Índia. A alcatifa é comprada em rolo e depois transformada nas Caldas. A empresa trabalha também para a hotelaria, vendendo e aplicando os seus materiais por todo o país, tendo como clientes grupos como o Vila Galé, Pestana, ou os hotéis Rio, no Algarve. O negócio das alcatifas nasceu na loja da Praça da Fruta quando, com as primeiras obras da década de 60, foi montada uma secção de decoração onde, juntamente com as cortinas e tecidos decorativos, começou a comercialização de carpetes e alcatifas. Fátima Ferreira fferreira@gazetacaldas.com
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dedicar-se à decoração O primeiro e único emprego de Graciete Carvalho
O casal António e Amélia Rita Barros Monteiro. O empresário foi vereador do Turismo na Câmara das Caldas durante o primeiro mandato de Lalanda Ribeiro e era um dos mais antigos membros do Rotary Club das Caldas. Após o seu falecimento, em 2006, a autarquia deliberou atribuir-lhe o nome A Monteiro Decorações, situada no coração da cidade, teve grandes de uma rua, mas esta ainda não foi efectivada. obras de remodelação e actualmente possui 500 metros de área comercial
Filhos expandem o negócio iniciado pelo pai há 61 anos António José Monteiro (54 anos) começou a trabalhar com o seu pai em 1975, altura em que deixou de estudar. Tinha 20 anos e, até o pai deixar a gestão da empresa, não conheceu outro patrão. A firma Monteiro Lda. tem os quatro irmãos como sócios, mas as duas irmãs, Amélia e Natércia Monteiro, não trabalham na empresa. “Tiraram cursos diferentes e seguiram as suas vidas profissionais” profissionais”, revela António José. A trabalhar consigo tem o irmão, Paulo (43 anos), que ali começou a trabalhar aos 18 anos. Mas já antes conhecia bem os tapetes e os tecidos, pois as férias de verão eram passadas a trabalhar ao lado do pai. Gerem a empresa há uma década, mas o pai continuava a acompanhar os negócios, frequentando diariamente a loja. Deixou de o fazer quando a doença o impossibilitou, cerca de seis meses antes de vir a falecer, em 8 de Agosto de 2006. Os filhos não escondem o orgulho da coragem empresarial do pai. “Foi muito inovador à época” época”, conta António José Monteiro, adiantando que esta foi a primeira loja nas Caldas a dedicar-se à decoração, que era uma secção da loja de moda. Começou com uma simples “Começou secção, foi ganhando peso até se tornar o único neócio que ficou” ficou”, refere, adiantando que a aposta foi feita porque encontraram um “nicho de mercado em expansão” expansão”. O filho mais velho lembra ainda o arrojo do pai em apostar nas novidades. Da memória retira a história do Sr. Edgar, caixeiro-viajante de uma empresa que fabricava tecidos de decoração, que convenceu o seu pai
a comprar peças de tecido para fazer cortinas. Embora desconfiado da falta de lucidez do vendedor, António Monteiro comprou as quatro peças de cortinas que lhe propôs e colocou-as em exposição na prateleira. Meses mais tarde, quando o vendedor voltou às Caldas as peças de tecido mantinham-se no mesmo sítio. Não se tinha venO meu pai queidido nada. “O xou-se, mas o Sr. Edgar respondeu que o defeito era da falta de sortido de cores, e que devia comprar mais. O meu pai torceu o nariz, mas comprou mais peças e as coisas começaram a funcionar” nar”, recorda. “Todas as casas das Caldas ainda devem ter um cortinado ou uma carpete do Monteiro”
Actualmente a Monteiro Decorações trabalha com alguns fornecedores nacionais, embora a mercadoria provenha do estrangeiro. “A produção nesta área em Portugal praticamente desapareceu e a que existe é residual” residual”, conta, recordando que chegou a haver demasiada produção têxtil, mas as fábricas têm fechado, mantendo-se apenas duas ou três especializadas em alcatifas a laborar. As mulheres são as principais clientes na área da decoração, ao passo que os homens procuram mais a instalação de pavimentos. Têm uma clientela basicamente regional, embora hajam pessoas de Lisboa, ou mesmo do Algarve, que se deslocam às Caldas e acabam por fazer as compras nesta loja. E se agora a concorrência é grande, sobretudo devido às
grandes superfícies, noutros tempos a Monteiro era a única casa de decoração da região. Todas as casas das Caldas “Todas ainda devem ter um cortinado ou uma carpete do Monteiro” teiro”, conta António José Monteiro, destacando que a boa qualidade dos seus produtos acaba por ser “má” para o negócio, pois aparecem clientes a dizer que têm uma carpete ali comprada há mais de 30 anos e que continua em bom estado de conservação. Paulo, lembra também que ainda há dias uma família de Torres Vedras foi à sua loja perguntar pela loja de roupa que ali havia com o mesmo nome. “Expliquei-lhes que existiu, mas que já fechou há cerca de 20 anos. Temos consciência que foi uma loja de referência” rência”, disse. Nessa altura era normal as pessoas deslocarem-se de Leiria, Torres Vedras, Santarém e outras cidades para fazer as suas compras nas Caldas. Entretanto, “essas cidades foram-se desenvolvendo e as Caldas perdeu esse estatuto aglutinador do comércio” comércio”, revela António José Monteiro, que não consegue definir com clareza uma actividade principal neste concelho. Referindo-se ao comércio é da opinião que este precisava de mais abertura, melhoramentos nas ruas e melhores estacionamentos e mais perto dos locais comerciais. Tudo isto aliado a uma maior animação. Optimista por natureza, realça que mais importante que dizer o que está mal, é preciso “olhar em frente, modernizar os nossos estabelecimentos, sempre teimosos nas nossas ambições e nunca desistir” desistir”.
Aposta no mercado espanhol
Os filhos herdaram o arrojo do pai em relação aos negócios. A firma Santos Monteiro está numa fase de expansão para Espanha e tem um projecto para fazer um novo armazém na Zona Industrial, com quatro mil metros quadrados, continuando assim a aumentar a gama de produtos que tem para oferecer aos clientes. O mercado espanhol está “O em crise, tal como o nosso, mas estamos a tentar instalar-nos nas zonas mais próximas, como é o caso da Galiza” liza”, conta António José Monteiro, ciente que neste momento de crise “não se venderá muito mas, quando as coisas melhorarem, já estamos instalados” lados”. Ao nível da Monteiro Lda. foi feita uma grande remodelação em 2008 e o objectivo actual é “tentar que as vendas, se não subirem, pelo menos que se mantenham” mantenham”, conta António José Monteiro. A perspectiva geral em “A termos de comércio não é nada famosa, mas acredito que somos nós que temos que ter uma atitude activa e que o mercado tem que ser abanado. Se viermos para o mercado com produtos novos, pelo menos nós devemos conseguir vender”, refere, destacando que estão a investir “com força” numa altura difícil. Prova disso é a facturação das casas que gerem. Em 2009 a casa Monteiro Lda rondou os 700 mil euros e a empresa Santos Monteiro & Cª Lda, 4,250 milhões. Fátima Ferreira fferreira@gazetacaldas.com
A firma Monteiro, propriedade dos quatro irmãos, conta com 10 funcionários. Alguns deles, como é o caso de Graciete Carvalho, trabalham ali há mais de 40 anos. Natural de Alfeizerão, começou a trabalhar na loja junto à Praça da Fruta com apenas 15 anos e, até à data não conheceu outro patrão. “Foi o meu primeiro e único emprego” emprego”, conta, orgulhosa da empresa que acompanhou nas suas diversas fases. “O objectivo foi sempre rentabilizar cada vez mais a empresa, o que felizmente se tem vindo a conseguir” guir”, conta. Graciete Carvalho começou por trabalhar na caixa, onde esteve durante dois anos, passando depois para o escritório, onde está há 39 anos. Diz gostar bastante do ramo da decoração, principalmente de tapeçaria, destacando que “se tivesse que estar na parte comercial e pudesse optar, trabalharia nesse ramo” ramo”. A funcionária lembra que quando começou a trabalhar na Casa Monteiro foi numa tarefa de grande responsabilidade. Era
Graciete Carvalho trabalha na casa desde os 15 anos
caixa, mas frisa que o trabalho era muito diferente de actualmente, destacando o grande movimento que havia na altura ao ponto de não poder abandonar o local nem que fosse por instantes, tendo que pedir a alguém que a substituísse. Lembrando os tempos idos conta que no auge da confecção por medida a casa empregava mais de 20 mulheres na secção de modas, e 18 na alfaiataria. Já a empresa Santos Monteiro & Cª Lda possui 40 funcionários, distribuídos pelo armazém, logística de corte e transformação em carpete, comerciais, escritórios e atendimento. F.F.
Cronologia 1949 – António Monteiro inicia a sua actividade comercial em sociedade com Carlos Arroja 1952 - António Monteiro vende a quota na sociedade e toma de trespasse um estabelecimento de tecidos na Praça da República 1959 – Toma de trespasse um estabelecimento na Rua das Montras onde dá início à venda de artigos para bebé (Ninho) 1963 – O mesmo empresário toma de trespasse uma antiga casa de loiças, também na Rua das Montras, para comercializar exclusivamente linhas e fios para tricot, com a insígnia Lãsli 1964 – Dá sociedade a dois empregados no estabelecimento da Praça da República, que adopta a denominação social de Monteiro Lda. 1967 – Entra com 25% do capital social na criação de uma sociedade grossista de fios, malhas e miudezas, denominada Santos, Monteiro e Cª Lda 1983 – Compra as quotas aos seus sócios da Monteiro Lda. e entra para a sociedade a sua esposa, Amélia. Ao mesmo tempo muda a sede social para a Rua Almirante Cândido dos Reis. 1991 – Cede aos filhos a sua posição da firma Santos, Monteiro e Cª Lda. 1992 – Os filhos entram para sócios da Monteiro Lda. 1993 – Integra a sua firma em nome individual, LãsLi na firma Monteiro Lda. e fez uma redistribuição de quotas entre ele, sua mulher e filhos. 1998 – Realização de obras de remodelação na Loja Monteiro Decorações, situada na Rua Almirante Cândido dos Reis 2006 – António Monteiro morre a 8 de Agosto
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
E o frango de estaleca do Xaneca cresceu e multiplic Os proprietários do café no Avenal, que veio dar origem à churrasqueira Xaneca, actualmente com três estabelecimentos geridos por pais e filhas, nunca vão saber quem foi o primeiro cliente. Foi no Carnaval de 1987 e essa primeira venda, de um maço de tabaco, foi a um mascarado. Vinte e três anos depois a frase “tens razão ou Conceição, frango de estaleca só no Xaneca” virou quase um mito nas ondas hertzianas locais. Esse foi o slogan criado por Fernando Irra para a então Rádio Clube das Caldas (entretanto adquirida pela TSF) para um anúncio. Infelizmente a cassete com a gravação original perdeu-se. Ao longo dos anos a empresa Xaneca Snack-Bar, Lda foi crescendo e a família abriu mais dois estabelecimentos comerciais, aumentando e diversificando também a quantidade de produtos que vendem - o Xaneca II na rua Professor Manuel José António, e o Xaneca III, na rua José Pedro Ferreira (em frente ao CCC), onde têm agora mais clientes e maior facturação (embora a família tenha optado por não divulgar números). No total são 11 pessoas a trabalhar nos três locais, incluindo os cinco membros da família. Ao nível da gestão, para além de serem responsáveis pelo dia-a-dia dos estabelecimentos onde estão a trabalhar, dividem tarefas. A mãe e a filha mais nova gerem tudo o que tem a ver com a cozinha, e o pai e a outra filha são responsáveis pela parte administrativa. A empresa foi fundada por José João Eugénio e Maria Isabel Eugénio, numa altura em que as suas filhas eram adolescentes. O nome Xaneca surge depois de uma conversa até às três da manhã com o responsável da empresa que fez o A miprimeiro reclamo luminoso. “A nha filha mais nova, Alexandra, era tratada por Xaneca e ficou esse nome nome”. José João Eugénio nasceu a 6 de Março de 1945 nas Trabalhias (Salir de Matos) e veio morar para as Caldas da Rainha quando se
casou com Maria Isabel Eugénio. Até aos 17 anos, José Eugénio trabalhou na agricultura. Depois esteve embarcado e durante algum tempo teve uma sociedade numa pecuária nas Trabalhias. Até abrir o café no Avenal que daria origem à Churrasqueira Xaneca, ainda trabalhou em outras áreas como a construção civil e a cerâmica. Isabel Eugénio, nascida a 28 de Novembro de 1945, foi funcionária da Euroaudio durante todos os anos em que a fábrica funcionou. A falência dessa empresa levou-a para o desemprego e foi mais uma das razões para o casal decidir investir num negócio próA mãe do meu marido prio. “A era cozinheira e ele teve sempre vontade de ter uma casa de pasto pasto“, explicou. Começámos com um “Começámos café café”, conta José João Eugénio, que a princípio ainda continuou a trabalhar nos fornos da indústria cerâmica (passou pela Secla e A. Tivemos muito trabaSantos). “Tivemos
A venda de berbigão foi casa. “A proibida. Começou-se a falar muito mal dos bivalves e as pessoas deixaram de aparecer cer”, contou. Como não havia muita oferta ao nível dos frangos assados nas Caldas, o casal entendeu que seria um investimento a ter em conta. Nessa altura os supermer“Nessa cados ainda não tinham máquinas de assar frango, que são a nossa maior concorrência cia”, explicou José Eugénio. Apesar disso, o comerciante considera que nada substitui o sabor apurado que conseguem dar Ainda hoje se ao seu produto. “Ainda ouve dizer sobre a qualidade do nosso frango assado. É da maneira de cozinhar. Até temos emigrantes que aparecem aqui porque têm saudade de comer o nosso franguinho nho”, referiu. O segredo tem sido sempre o molho e a qualidade dos frangos. Apesar de terem experimentado outros fornecedores, há vários
Pais, filhas, genros e netos. Três gerações fotografadas no Xaneca I, o café onde tudo começou
muita gente de outros locais que se deslocava até ao Avenal para comprar frango assado. Os tempos eram outros e fora dos centros urbanos havia pouca oferta deste produto. O facto de serem vizinhos da antiga discoteca Ferro Velho fez com que
Dos nitrofuranos à concorrência dos hipermercados
A crise económica tem afectado todos os sectores e a venda de frango não é excepção, mas foi com a polémica do ni-
O Xaneca começou por ser apenas um café, que abriu na rua do Avenal em 1987, mas ao longo dos anos transformou-se numa empresa familiar com três estabelecimentos comerciais em vários locais da cidade e longe vão os tempos da dedicação quase exclusiva ao frango assado. Comida para fora, petiscos e doces fazem dos três Xanecas local de romaria para muitos caldenses, e não só. Actualmente, pais e filhas (e um dos genros) dividem-se pelos três estabelecimentos, trabalhando em conjunto e mantendo uma ligação estreita. Os jantares semanais à segunda-feira servem para conviver em família, mas também para falar de negócios. Depois de alguns anos a trabalhar em nome individual, José João Eugénio criou a Xaneca Snack-Bar, Lda, numa sociedade com a mulher, Isabel, e as suas duas filhas, Alexandra e Carla. Para além dos fundadores e das filhas, trabalham nos estabelecimentos sete pessoas. lho e foi preciso fazer muitos sacrifícios sacrifícios”, refere o comerciante. A mulher e as filhas tomavam conta do estabelecimento, enquanto José Eugénio mantinha ainda outro emprego. Os petiscos e doces acabaram por surgir devido à procura. Vendiam pão com chouriço e tartes caseiras, mas o berbigão, vindo da Lagoa de Óbidos, era a iguaria mais famosa daquela casa. Os problemas que começaram a surgir com o berbigão da Lagoa fizeram com que decidissem apostar no frango assado cerca de três anos depois de terem aberto a
anos que apenas adquirem os animais às empresas Avibom e Interaves. Chegaram a ser notícia numa publicação da Avibom, numa reportagem que enaltece os sabores que a família dá aos seus produtos. Para além do frango assado, a notícia referia então “o o suculento pão com chouriço chouriço”, as batatas fritas caseiras, o pão caseiro e a tarte de frango. O responsável da empresa que lhes instalou o equipamento para assar também lhes prognosticou sucesso depois de ter provado o A princípio foi primeiro frango. “A difícil, mas depois correu tudo bem. Tínhamos sempre uma fila para vender frangos frangos”, recorda Isabel Eugénio. Em pouco tempo tiveram que comprar equipamento com mais capacidade. Sempre que os frangos chegam às instalações do Xaneca precisam de fazer a sua limpeza e tratamento (retirar as penas, os selos e as gorduras). Os clientes e artistas do Ferro Velho
Uma reportagem numa publicação da empresa Avibom (ainda hoje fornecedora dos frangos) elogiava os cozinhados desta empresa caldense
Para além de estarem situados num bairro residencial, havia
nessa altura alargassem o horário e estivessem a funcionar até de madrugada. Tínhamos sempre gente até “Tínhamos às ta ntas da manhã. As pestantas soas vinham sempre aqui beber uma cervejinha ou comer uma bifana bifana”, recordou Às vezes traJosé Eugénio. “Às balhávamos até às sete da manhã e depois era só ir tomar banho a casa para voltar para aqui. Tínhamos que aproveitar tudo tudo”. Nessa altura, o Ferro Velho era local de passagem de cantores como Rui Veloso, Zé Praia, Nelo e Jorge Loução, entre outros. Os artistas iam sempre comer antes ao Xaneca e às vezes até dedicavam alguns versos ao frango assado nas suas Às vezes ainda actuações. “Às íamos assistir a alguns concertos concertos”, conta.. Agora o maior movimento acontece no Xaneca II e III, que estão localizados no centro da Só temos é que cidade. “S agradecer a todos os clientes que confiaram em nós e nos ajudaram a chegar aqui, apesar das dificuldades des”, salienta Isabel Eugénio.
trofurano (um anti-bacteriano potencialmente cancerígeno que foi utilizado ilegalmente por algumas empresas na alimentação das aves) que o negócio mais se ressentiu. As pessoas tiveram mui“As to m edo. Já tínhamos o segunmedo. do estabelecimento e tínhamos dias em que nem um frango assado se vendia vendia”, lembrou Maria Isabel Eugénio. Desde essa altura, o sector do frango continua a não ter melhorias ecadavezvendemmenos.Taldevesetambémàconcorrênciadoshiper esupermercadosquecomeçarama fornecer o mesmo produto. Só que a família sempre soube adaptar-se às necessidades dos clientes. A abertura do segundo estabelecimento, a 1 de Abril de 1997, foi o primeiro passo para Durante o essa diversificação. “Durante fim-de-semana tínhamos muitos clientes no Avenal, mas durante a semana as pessoas não apareciam apareciam” e por isso Isabel Eugénio convenceu o marido a abrirem uma nova casa no centro da cidade. Chegaram a comprar primeiro o local onde actualmente fun-
ciona a Xaneca III, mas acabaram por abrir primeiro as instalações na rua Professor Manuel José António. Com uma sala de refeições e melhores condições, o sucesso foi imediato. Voltaram as filas para comprar frango assado e grelhados. Entretanto, tiveram que se adequar mais uma vez à procura e começaram a investir também na cozinha tradicional portuguesa e não apenas nos grelhados. O Xaneca III começou por ser vocacionado apenas para o take-away (comida para fora) e quando abriu nem sequer tinham mesas, mas os clientes começaram a querer mais e acabaram por fazer obras para poder colocar lugares sentados. Em pouco tempo começaram a servir pequenos-almoços e refeições com prato, com preços convidativos. À hora de almoço há sempre muita procura pelos pratos económicos e pela comicom um equilíbrio da a peso, “com entre o preço e a qualidade qualidade”, como explica Alexandra Bastos. A família acaba por se dedicar totalmente a este negócio e até as reuniões semanais familiares acabam por se tornar também encontros profissionais. A matriarca faz questão de juntar filhos e netos na sua casa, que construíram no Avenal, todas as segundas-feiras. Mas José Eugénio teria preferido que as filhas tivessem seguido outro ramo profissional. Esta vida exige muito traba“Esta lho e tem muitas dificuldades. Cada vez está mais difícil cil”, afirmou. A mãe gosta que elas trabalhem consigo, mas sabe que a vida das suas filhas é muito difícil e cheia de trabalho. Pedro Antunes pantunes@gazetacaldas.com
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cou-se
O casal José João e Isabel Eugénio. Vinte anos separam estas duas imagens no estabelecimento onde se venderam os primeiros frangos.
Um verdadeiro negócio de família Alexandra Eugénio Barros tem 35 anos e recorda-se de como gostava de uma máquina registadora antiga que os pais tiEu só queria era mexer nham. “Eu na máquina. Para mim aquilo era um brinquedo brinquedo”. Com 12 anos, os pais estavam sempre a dizer-lhe para não ficar dentro do balcão porque era ainda muito nova. Mesmo quando começou a ajudar, optaram porpor a colocar na cozinha “porque eu era mais rebelde rebelde”. Alexandra Barros não se importou porque sempre gostei de nada “porque experimentar o que se cozinhava va”. A jovem lembra-se como no primeiro Xaneca compunha com frango assado, batatas fritas e uma salada bem temperada, tudo servido em travessas das Faianças Bordalo Pinheiro. Isso deixou de ser feito porque havia clientes que não gostavam que o frango quente viesse misturado com a salada. A minha mãe foi muito luta“A dora. Sempre que havia menos afluência de clientes, inventava sempre alguma coisa nova nova”,
recorda. A irmã Carla Eugénio, mais velha quatro anos, começou logo a trabalhar ao balcão para ajudar os pais. Dividia o atendimento com o seu primo Fernando Marques, que só podia estar no café aos fins-de-semana. Eu lembro-me de vir do li“Eu ceu a correr, toda contente por vir trabalhar para aqui aqui”, recordou Carla Eugénio. Depois o pai comprou-lhes uma “acelera” (pequena motorizada) e em 10 minutos faziam a viagem entre a escola e o café. A primeira mota foi roubada, mas acabaram por ter de comprar outra porque facilitava muito a vida às duas irmãs. O primo tinha casado na altura em que o primeiro Xaneca abriu e fazia um part-time no café. Uma ligação que ficou até aos dias de hoje, acompanhando a evolução do negócio. Lembro-me bem dos almo“Lembro-me ços de peixe-espada grelhado que fazíamos ao sábado sábado”, recorda, sublinhando o facto de sempre se terem dado bem. Actualmente fica sempre na caixa re-
gistadora do Xaneca II aos finsde-semana e feriados. Alexandra Bastos frequentou o curso de Psicologia Organizacional até ao 4º ano na Universidade Lusófona, mas como não pôde seguir a vertente que pretendia, acabou por desistir. Foi nessa altura, em 2001, que abriram o Xaneca III pelo qual a filha mais nova ficou responsável. Antes disso, Alexandra Bastos esteve a trabalhar no Algarve, onde conheceu o seu marido, Ricardo Barros. Como era do Algarve já tinha muita experiência na restauração, sector onde trabalhava todos os verões, mas tinha prometido a si próprio que nunca mais trabalhava num restaurante. No entanto, acabou por se tornar o responsável de sala do Xaneca II. Embora tenha custado um pouco habituar-se às Caldas da Rainha, porque era tudo muito diferente de Albufeira, onde morava, acabou por se adaptar bem e fazer novas amizades. As pessoas ganham confian“As ça comigo e eu às vezes até
Mãe e filha mais velha. Isabel e Carla estão à frente do Xaneca II. O take-away e os petiscos são uma alternativa à redução do consumo de frango
decido o que eles vão comer porque pedem-me sempre opinião nião”, contou. A descendência está assegurada. Carla Eugénio tem um filho com 11 anos e Alexandra Barros tem dois filhos, uma menina de cinco e um rapaz com oito anos. As três crianças gostam de estar nos estabelecimentos, até porque é uma forma de estarem mais perto da família. Para Isabel Eugénio trabalhar com a família tem vantagens e desvantagens. Se por um lado é bom poder sempre contar com todos, sem que se reclamem os direitos como trabalhadores, por outro lado esse convívio laboral desgasta o ambiente familiar. Mas tem mais vantagens do “Mas que desvantagens desvantagens”, sublinha. Continuar a investir e a crescer Apesar da crise, a família pretende investir nos seus estabelecimentos. O pior é a burocracia que tem vindo a atraAndamos há sar os projectos. “Andamos
muito tempo para conseguir fazer obras obras”, referiu José Eugénio. O objectivo é voltar a remodelar o Xaneca II e fazer obras de ampliação e melhoramentos Queremos dar no Xaneca III. “Queremos melhores condições aos clientes e para isso vamos fazer obras, fazendo ao mesmo tempo melhorias nas cozinhas cozinhas”, referiu Isabel Eugénio. Já adquiriram uma loja ao lado do Xaneca III para poderem criar ali uma sala de refeições, mas ainda esperam que o projecto esteja concluído para avançar com o processo e as obras. Temos que fazer obras pe“Temos riodicamente porque estas casas precisam de ser remodeladas das”, considera a empresária. Embora façam limpeza geral das máquinas todas as semanas, acham que também é importante fazerem intervenções de fundo para melhorar as condições dos seus espaços. A família não quer subsídios ou outras benesses, mas gostava que fosse mais fácil investir. Tudo o que temos foi conse“Tudo
guido com o nosso esforço. Ninguém nos deu nada. Nem sequer tivemos ajuda dos pais pais”, concluiu Isabel Eugénio, salientando que para se ter um negócio próprio é preciso fazer muitos sacrifícios. P.A.
CRONOLOGIA 1987 – abertura do Xaneca I, na rua do Avenal, por José João Eugénio, à data como estabelecimento em nome individual 1993 – constituição da sociedade Xaneca Snack-Bar, Lda (sociedade com os pais e filhas) com um capital social de 100 mil euros 1997 – abertura do Xaneca II, na rua Professor Manuel José António 2001 – Abertura do Xaneca III, na rua José Pedro Ferreira
A Xaneca 3 abriu em 2001. Alexandra Barros, filha dos fundadores (terceira a contar da esquerda) com as funcionários do terceiro estabelecimento.
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Casa Zelu veste noivas há mais de 40 anos Maria de Lourdes Ferreira nasceu em 1937 e teria 15 anos quando começou a trabalhar no comércio caldense. Primeiro foi funcionária da Casa Antão, onde chegou a ganhar 150$00 (75 cêntimos) por mês. Este estabelecimento situava-se no local onde está hoje a loja Ornatus e na época vendia tecidos e tinha serviço de alfaiataria. Mais tarde passou para a Casa Monteiro, mantendo-se praticamente no mesmo ramo de negócio, também dedicado a tecidos, lingerie e retrosaria. Nessa altura já namorava o seu futuro marido, José Maria Agostinho (1932-1972) que trabalhava na Casa Campos, também do mesmo ramo e que ficava na Praça da Fruta. Maria de Lourdes conta que foi então que lhe ofereceram um outro emprego também no comércio, a ganhar mil escudos (cinco euros) por mês em vez dos 700 escudos (3,5 euros) que auferia na Casa Monteiro. Ainda ponderou a oferta, mas acabou por desistir em nome da confiança que tinha no seu empregador. Acabou por ficar e rapidamente se tornou encarregada de balcão. “Quando saí da Casa Monteiro já ganhava esse valor valor”, recordou a comerciante, que sublinhou várias vezes a amizade que a ligava ao ex-patrão. A Zelu, um projecto do casal, abriu portas ao público a 15 de Maio de 1968 no nº 48 da Rua Heróis da Grande Guerra (onde é a For Men). Vendia lãs, tecidos, atoalhados e têxteis-lar, como as lojas onde ambos tinham trabalhado. “Naquele tempo o comércio estava aberto nesse dia dia”, recordou a comerciante. José Maria Ferreira era uma pessoa atenta, sempre à procura de ino-
José Maria Agostinho (1932-1972) foi um dos fundadores da Zelu. Ao lado Maria de Lourdes Ferreira acompanhada pelos filhos Paulo e Susana Agostinho. Os três são sócio-gerentes do grupo.
vação e ia com frequência a Lisboa ver o que as casas da capital faziam nas suas montras para poder inovar nas Caldas.
longada. Paulo tinha oito anos e Susana, quatro. A viúva não se deixou abater e pegou em mãos o negócio que tinha inici-
alizada em vestidos de noivas. Era um sucesso. As pes“Era soas gostavam de ver as provas e até cheguei a pen-
vestidos para noivas. Maria de Lourdes Ferreira recorda-se de viajar aos armazéns do Norte Eu saía para fazer compras. “Eu
A Casa Zelu abriu no Dia da Cidade em 1968 a vender tecidos a metro. Mal sabia ainda o casal fundador que iria especializar-se e tornar-se numa das primeiras casas do país especializada em noivas. Quarenta e dois anos passados a casa cresceu e a matriarca Maria de Lourdes Ferreira já conta com os dois filhos na gestão deste grupo empresarial caldense que possui quatro lojas (duas nas Caldas e duas em Lisboa). Em 2008 facturaram mais de meio milhão de euros.
Chegava até a escrever propositadamente com erros para as pessoas pararem, nem que fosse para corrigir o que estava Interessava era atraerrado. “Interessava ir gente à loja loja”, contou a comerciante. A primeira localização da Zelu durou 12 anos, já com uma pequena área dedicada às noivas. Durante este tempo nasceriam os dois filhos do casal – Paulo e Susana Agostinho. Em 1972 José Maria Agostinho faleceu, vitima de doença pro-
ado com o seu marido. As necessidades de mais espaço eram óbvias e por isso a matriarca decidiu mudar para a loja actual, situada um pouco Só que tinha mais à frente. “Só um problema. Tinha uma renda de mil escudos e passei a pagar 20 contos contos!”. Mas mudou-se. Na altura já tinha duas empregadas e continuava a vender tecidos, lingerie, atoalhados, bordados, cambraias, missangas e retrosaria. Mas aumentou a área especi-
sar que em vez de ter dedicado uma pequena parte, deveria ter concedido mais espaço para as noivas” noivas”. Essa decisão só a tomaria, porém, mais tarde. Nos anos oitenta a Zelu dedica-se também à confecção e chegou a ter 14 funcionárias, das quais cinco a trabalhar no atelier e nove no balcão. Pouco a pouco começa a haver algum desinteresse pela área dos tecidos e chega a hora de apostar na especialização dos
Imagens da Zelu quando foi inaugurada, em 1968. Já tem vestidos de noiva mas ainda se dedica à venda de tecidos
às cinco da manhã, levava os meus dois filhos atrás. Tinha o melhor Fiat da altura, um 1500, que andou quilómetros e quilómetros... quilómetros...”, recordou a comerciante. A EXPANSÃO
“Chegámos a vestir durante os meses de verão 20 a 30 noivas por semana” semana”, contou Maria de Lourdes Ferreira, referindo-se às décadas de 80 e 90. Na sua opinião, o forte do seu negócio é o serviço pós-venda e não foram raras as vezes que iam vestir a noiva a casa, fosse ela de Ferreira do AlenteNinguém pajo ou de Braga. ”Ninguém gava mais por isso isso”, contou a empresária, explicando que é Foraro, mas ainda o fazem. “Fomos há dias à Nazaré pois como vestimos a mãe, agora tivemos que vestir a filha filha”, contou. A casa Zelu veste noivas de todo o país e também quem está Temos clientes da emigrado. “Temos Suíça, Inglaterra e França que compram os vestidos com um ano de antecedência cia”, contou a empresária. Por sugestão dos fornecedores, mãe e filhos começaram a frequentar as feiras internacionais. E em 1989 Maria de Lour-
des Ferreira toma a decisão de abrir uma loja em Lisboa. Tínhamos duas ou três “Tínhamos colecções que não se vendiam nas Caldas porque eram demasiado inovadoras e precisavam de outros mercados mercados”, disse a empresária. Foi assim que abriram a loja Rebecca Noivas, na zona do Marquês de Pombal. Como fica na Rua Camilo Castelo Branco, escolheram aquele nome pois há uma obra deste autor onde há uma personagem que é uma noiva homónima. A continuação da expansão do negócio dá-se em 1994, através da abertura da terceira casa do grupo, também perto do Marquês – a loja Cymbeline, uma marca francesa que tinha os proprietários da Zelu como seus representantes em Portugal. Em 1998 abre a quarta loja da família (e a segunda das Caldas). Também se chama Cymbeline e fica na Rua Henrique Sales. Os três sócios tiveram de convencer a marca francesa que a cidade era uma boa aposta porque os seus fornecedores preferiam outra localidade de maior dimensão. Ao todo na estrutura trabalham 10 pessoas, cinco nas Caldas e as restantes nas lojas em Lisboa. Há vários trabalhos que são pedidos em outsourcing como, por exemplo, bordados específicos que as noivas queiram nos seus vestidos. Apesar da crise, a expansão do grupo não parou, estando prevista para breve uma nova abertura. Natacha Narciso nnarciso@gazetacaldas.com
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Um gestor e uma estilista para continuar o negócio da família Somos uma das primei“Somos ras lojas da especialidade do país” país”, disse Paulo Agostinho, 45 anos, que tirou o curso de Gestão e desde os 24 que trabalha para a empresa familiar. É o responsável pela vertente administrativa e financeira, enquanto que a sua irmã, Susana Agostinho, é a criativa (ver caixa) da casa, hoje com sua própria marca. Paulo Agostinho tinha quatro anos quando a Zelu abriu e recorda a capacidade inovadora da sua mãe que sempre apostou em acções de marketing. Brincava com os amigos no Beco do Borralho enquanto a sua mãe mandava fazer flyers de divulgação da sua casa comercial, que ao fim de semana espalhavam pelas aldeias da região durante os passeios em família. Lembra-se também de quando a mãe mandou fazer um filme sobre a Zelu que passava antes dos filmes no cinema e que chegou a ser exibido no Estúdio Um. Também fez anúncios na Rádio Renascença e páginas inteiras de publicidade nos jornais da época para dar a conhecer a especificidade do seu negócio. Eram acções muito bem fei“Eram tas que marcaram a diferença ça”, contou o gestor. “Nós continuámos a marca que as pessoas sabem que é rigorosa e cumpridora cumpridora”, disse o empresário, que divide o negócio com a mãe e a irmã. O segredo para manter um negócio há 42 anos é apenas trabalho, rigor, espírito de “trabalho, sacrifico, muita dedicação e também algum talento” talento”, disse o empresário. Na sua opinião, a mãe, Lourdes Ferreira, “é o nosso melhor balcão balcão”. Segundo dados do INE, em relação à última década dos anos houve um decréscimo de 90 “houve
50% nos casamentos, ao passo que a oferta aumentou tou”, disse Paulo Agostinho. Só nas Caldas há cinco lojas. Hoje em dia é difícil saber como se chega às 40 mil pessoas que ainda casam em Portugal. As noivas que escolhem a Zelu continuam a chegar de todo o país. Cerca de 70% são de fora do concelho das Caldas. Vêm de Braé ga, Sintra, Cascais, Montijo e “é uma pena que a cidade não tenha uma sinalética em condições dições”, disse o empresário. O próprio cartão de visita da loja tem no verso a localização dos parques de estacionamento da cidade. Paulo Agostinho tem bom codiz que as Caldas “tem mércio e lojas que não a deixam ficar nada mal mal”. Mas o apesar dos bons espaços, “o meio envolvente não evoluiu tanto como deveria e não se adequa aos novos tempos tempos”. A festa não pode parar
Ainda a Zelu funcionava no nº 48 quando Susana Agostinho assistiu a uma venda que lhe marcou o futuro - um vestido de noiva vermelho. “É mesmo isto que quero fazer!”, pensou para consigo e de facto todo o seu percurso foi nesse sentido. “Até porque sair todos os dias do Colégio [Ramalho Ortigão] e ver diariamente vestir princesas é algo que nos marca” ca”, recorda. Hoje a caldense, de 41 anos, tem a sua marca própria e é estilista de noivas. Foi estudar Estilismo no Citex para o Porto durante quatro anos com o objectivo específico de apoiar a Zelu. Durante muito tempo Susana Agostinho fui a única estilista portuguesa especializada em noivas e por isso muito “assediada” por várias marcas interna-
O cor do vestido deve ser aquela que a noiva sonhar
cionais para ser consultora. Criar um vestido de noi“Criar va é construir um sonho. Podemos casar 10 vezes com o mesmo empenho, mas nenhum é como o primeiro primeiro”, conta. Segundo a criadora de moda, cada vestido e cada noiva são únicos. Logo tem que ser desenhado com emoções. Susana Agostinho diz que à medida que se vai aproximando a data, a cliente vai diminuindo a confiança e ficando mais nervosa. “É pois preciso manter a nossa qualidade e a nossa inovação”, explicou a estilista, que respeita o sonho das suas clientes para aquele dia especial, sem esquecer as características do seu corpo e as tendências da moda. O nosso vestido não tem “O nada a ver com o da nossa mãe”, disse a criadora de moda, explicando que hoje uma noiva não aceita vestir algo que não permita mexer-se. Hoje em dia a noiva quer dançar e estar à vontade, “mesmo que queira estar fantástica e ser o foco da atenção das 150 pessoas que convidou convidou”. Susana Agostinho possui a sua própria marca, faz as suas próprias colecções e frequenta as feiras internacionais. Actualmente diz que estamos a voltar aos grandes românticos. Em épocas de grandes cri“Em ses, as estruturas dos criadores não podem parar, caso contrário o resto da sociedade entra em depressão” são”, disse. Na sua opinião, a festa também tem que continuar e “se não se faz com 200 pessoas, faz-se com 100. Mas a rainha está lá na mesma” mesma”. N.N.
Cronologia 1968 – Inauguração da Zelu no nº 48 da R. Heróis da Grande Guerra
1979 – Mudança para as actuais instalações no nº 56 da mesma rua
1989 – Inauguração da Rebecca-Noivas em Lisboa 1994 – Inauguração da Cymbeline em Lisboa 1998 – Inauguração da Cymbeline-Caldas na Rua Henrique Sales
O grupo é composto por duas sociedades por quotas - a Génova, Lda. (detentora das lojas Rebecca-Noivas e Susana Agostinho) e a Virtual, Lda. (que detém as lojas de marca Cymbeline). José Maria Agostinho e Maria Ambas têm um capital social de 100 mil euros, repartido em de Lourdes Ferreira com o filho, partes iguais pelos três sócios. A primeira loja Zelu pertence Paulo, no ano em que o casal integralmente à empresária em nome individual Maria de Lour- decidiu investir na loja des Ferreira.
Susana Agostinho foi uma das primeiras estilistas em Portugal dedicada em exclusivo aos vestidos de noiva
Sócia-gerente, estilista residente, conselheira da marca, responsável por eventos. Susana Agostinho é tudo isto e tem ainda a sua própria marca que vende nas suas lojas. “Estamos cá há 42 anos e as pessoas procuram-nos pela credibilidade e porque sabem que são bem servidas das”, disse a criadora. A loja faz provas aos sábados e até aos domingos pois sabem que há clientes que não podem vir a ouEstamos muito tros dias. “Estamos atentos às necessidades dos nossos clientes clientes”, disse a criadora. Este ano instituíram o Designer Day, algo que se faz internacionalmente. Nesse dia Susana Agostinho vem às Caldas (normalmente está em Lisboa) e apresenta as suas ideias aos
clientes, com horas marcadas. É uma inovação a que nos “É propusemos e que é feita pelas grandes marcas” marcas”, contou. Hoje em dia um vestido de noiva pode custar entre 300 e os 3.000 euros e tudo o resto é escolhido em função do tipo de vestido. Este pode incluir saiote, que se usa ou não consoante a sua dinâmica. A lingerie também é escolhida de acordo com pois trabao corte do vestido “pois lhamos sobre uma forma que é o corpo da noiva, logo é um pormenor muita importante tante”, disse a criadora. Segue-se a escolha dos sapatos e dos acessórios como os anéis, pulseiras, apliques de cabelo e os brincos. Este últimos podem ser de família ou a noiva pode preferir peças contempo-
râneas. Há quem queira seguir a tradição inglesa e usar uma peça de roupa emprestado, outra oferecida, uma antiga e uma de cor azul (há quem diga que também se deve levar uma peça roubada). Indispensável é o bouquet ou uma estrutura que a noiva leve na mão e que deve ser estudado por quem cria o vestido. O uso do branco é uma ideia vitoriana pois antes as noivas vestiam-se segundo as cores das A suas cortes ou das épocas. “A cor do vestido de noiva deve ser aquele com que ela sonhar” nhar”, disse a criadora. E quais foram os vestidos mais invulgares que já venderam? Maria de Lourdes Ferreira contou que há 30 anos vendeu para uma jovem do Chão da Parada um vestido todo vermelho, plissado com um corte imperial e saia em soleil. Susana tinha 20 anos quando criou o seu primeiro vestido colorido, neste caso, roxo. “O vestido de noiva é algo mágico e tem esse dom - pode-se escolher naquele dia a imagem que se quer recordar para toda vida vida”, concluiu. Natacha Narciso nnarciso@gazetacaldas.com
Mãe e filha compraram os vestidos na Zelu Sofia Sousa, 49 anos, casou em Julho de 1979 e comprou o seu vestido na Zelu. “Já naquele tempo esta era uma casa de referência referência”, conta esta cliente, cuja filha, Patrícia Sousa, comprou recentemente o seu vestido na mesma casa. A arquitecta de 30 anos escolheu um vestido contemporâneo após ter experimentado 18 modelos e teve o aconselhamento de Lourdes Ferreira, que com ela conversou sobre o que pretendia para a festa que está marcada para uma quinta da região no próximo Outono. “As pessoas que dizem que não se querem casar é porque nunca experimentaram um vestido de noiva. É uma verdadeira emoção, chorei logo quando experimentei o primeiro modelo modelo”, contou a noiva. Quero um vestido que as “Quero pessoas falem e que recordem durante muitos anos” anos”, disse
Patrícia e Sofia Sousa. A filha compra agora o vestido de noiva na mesma casa onde a mãe comprou o seu há 31 anos.
Patrícia Sousa. Antes de ter ido à Zelu foi a outras lojas e chegou a levar catálogos para experimentar os modelos que achava que lhe assentariam melhor. A mãe, Sofia Sousa, celebra na próxima quarta-feira, 21 de Julho, 31 anos de casada. “Foi um casamentão, tinha 250 convidados e durou três dias” dias”, disse. Recorda que já na altura gostou do atendimento
da Zelu e acrescentou que ele se repetiu passadas três décadas com a sua filha. O seu vestido era um cai-cai que em 1979 custou 30 contos (150 euros) e agradou aos 250 convidados que assistiram à cerimónia religiosa na Igreja do Senhor da Pedra. N.N.
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23 | Julho | 2010
UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Braz Mendonça da Conceição, Lda. – da venda de pr Para se conhecer a história desta firma é preciso recuar ao seu fundador, Braz Mendonça da Conceição (1923-1982), um escalabitano que veio fazer a tropa às Caldas da Rainha nos anos quarenta e por cá ficou, tendo começado por trabalhar no Thomaz dos Santos e empregando-se mais tarde na Casa Caldeano. É nessa altura que se apaixona. O romance começou numa data e num local bem caldenses: 15 de Maio de 1947, dia das Festas da Cidade, junto ao antigo casino (mais tarde Casa da Cultura). Ângela Ribeiro Marques, então com 26 anos, trabalhava nos Correios como telefonista e recorda bem o dia em que conheceu o homem que viria a ser o seu marido. Casaram-se em 1949 e durante mais de uma década, Braz Conceição continuaria empregado da Casa Caldeano, até que em 1960 resolve trabalhar por conta própria num armazém que aluga na Rua da Electricidade (hoje Rua Dr. Saudade e Silva). A actividade centra-se no fabrico de cera para soalho e em ganchos para telha (um artigo feito em arame que segurava as telhas burro, muito em uso na época). Fabrica também, ele próprio (não tinha empregados), os pacotes de papel pardo para o embalamento e faz também filtros para automóveis, chegando mesmo a importar feltro de Inglaterra para integrar na sua produção caseira. “Era muito habilidoso e tinha muitas ideias. E era um perfeccionista. Com condições apropriadas, teria dado um bom engenheiro de produção ou um projectista” tista”, diz o filho mais velho José Mendonça, ele próprio engenheiro, acerca do seu pai. Graças à sua habilidade e capacidade de trabalho, o negócio corria de feição. Ângela continuava como telefonista nos Correios e entretanto o casal tivera já dois filhos: José em 1950, e Carlos em 1954. Mas às vezes a desgraça bate à porta e esta tomou a forma de um grande incêndio. “Avistava-se até na Foz da Arelho” Arelho”, conta Ângela Conceição, que ainda hoje, 40 anos volvidos, fala com emoção daquele dia de 1962 em que o fabrico de cera descambou num fogo que queimou a cara e as mãos ao seu marido e o obrigou a recomeçar do zero. Braz Conceição manteve o
Braz Mendonça da Conceição (1923-1982) fundou a firma homónima em 1965 na Rua Dr. Miguel Bombarda, que é hoje gerida pela viúva e pelos dois filhos.
armazém, mas desistiu de fabricar cera. E continuou nos negócios: foi vendedor de aglomerados de madeira e artigos de drogaria, lâmpadas, pilhas, fechaduras e - com o apareci-
Outros produtos emergem no mercado: os motores de rega e os atomizadores, que vêm substituir os velhos pulverizadores de cobre. É com estes que irá abrir em 1965 a
balhador, mas dizia que gostava de dormir descansado. Tinha medo de tomar compromissos que não fosse capaz de cumprir. Eu é que lhe dei força. Disse-
quentadas da cidade. “Esta rua era um corrupio de gente que chegava dos comboios... vinham à pinha” nha”, recorda a viúva, hoje com 89 anos.
É em Agosto de 1965 que Braz Mendonça da Conceição abre na Rua Dr. Miguel Bombarda uma casa que vende essencialmente atomizadores e motores de rega. Um passo de gigante para um empresário que até então se dedicara a várias actividades comerciais, artesanais e industriais, mas que receara avançar para que, à época, representava algum fôlego – um trespasse de 8000 escudos (40 euros) para instalar a sua firma. Hoje esta casa é uma das mais conhecidas das Caldas e é gerida pela viúva do fundador e pelos dois filhos, ambos engenheiros, que souberam olhar para o futuro e criar ofertas para responder a novas necessidades. mento dos plásticos - também de baldes e alguidares. Em breve está também numa actividade própria da época, que consistia em zincar pregos. E faz mesmo uma incursão na recauchutagem de pneus de camiões.
loja que ainda hoje existe na Rua Dr. Miguel Bombarda, gerida pela sua mulher e os dois filhos. “Ele soube que o espanhol ia trespassar a casa e andou muito indeciso. O meu marido era muito tra-
Braz Mendonça da Conceição e Ângela Ribeiro Marques numa fotografia de 1948
lhe que a loja ficava mesmo no caminho da estação” estação”. Ângela Conceição conta que naquele tempo a feira das segundas-feiras decorria no espaço que é hoje a Av. da Independência Nacional e que aquela rua era das mais fre-
O trespasse é formalizado num documento que faria hoje arrepiar qualquer notário ou causídico – um pedaço de papel pardo onde o “espanhol” Avelino Cendor Portela cede a sua loja de chapéus de chuva às actividades de Braz Concei-
ção por oito contos (40 euros). A Braz Mendonça da Conceição, Lda. abre ao público a 15 de Agosto de 1965. “Sem festas nem inaugurações, que nesse tempo não havia nada disse” disse”, conta Ângela. A aposta do comerciante revela-se acertada: atomizadores, motores de rega e acessórios são um mercado emergente para o sector agrícola nos anos sessenta. Sempre cauteloso, Braz Mendonça não arriscou pôr logo um empregado e trabalhou sempre sozinho à frente da loja. Só poucos meses depois da morte do seu fundador, em 1982, a firma viria a ter um empregado – Paulo Sérgio, então com 14 anos que ainda hoje nela se mantém (ver caixa). Carlos Cipriano cc@gazetacaldas.com
Nelson, Neves, Rui, José Mendonça e Paulo Sérgio. Funcionários e patrão em 1988 durante uma mudança provisória de instalações para fazer obras na loja.
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rodutos agrícolas às energias renováveis A importância da engenharia “Somos uma empresa líder em sistemas de rega, somos especialistas em bombagem, temos alvará de instalação de sistemas fotovoltaicos [produção de energia eléctrica para uso próprio e venda à EDP através de painéis solares],, e entramos no mercado do tratamento de águas por via da nossa afinidade com a preservação do ambiente” ambiente”. É assim que Carlos Mendonça, 56 anos, caracteriza a empresa que o seu pai criou e cuja gestão partilha hoje com o seu irmão e a sua mãe. Em paralelo a loja vende ainda produtos como os que havia há quatro décadas, mas hoje a componente agrícola da firma representa 40% da sua facturação, quando noutros tempos chegou aos 60%. Uma das etapas mais marcantes desta empresa data dos anos setenta, com o boom dos sistemas de rega. A firma aposta forte neste mercado e chega a ter cinco empregados dedicados a esta actividade (actualmente só tem dois trabalhadores). Hoje este é um mercado maduro, mas Carlos Mendonça diz que sempre tiveram a preocupação de perscrutar novas actividades e daí a aposta nos tratamentos de águas, bombagens e agora nas energias renováveis. Aliás, a montra da loja que em tempos tinha produtos para a agricultura, conta hoje com jogos didácticos para crianças baseados em energia solar, alguns deles nascidos na Faculdade de Ciências de Lisboa. Durante estes anos, a empresa foi também uma espécie de escola que formou especialistas em sistemas de rega pois alguns dos funcionários que por lá passaram, acabaram por se lançar também nos seus negócios nesta área.
E como foi que a loja que vendia atomizadores é hoje líder em modernos sistemas de rega? A história das empresas é, também, a história das pessoas que nelas trabalham. Carlos, o filho mais novo de Braz Mendonça, tinha 20 anos em 25 de Abril de 1974 e abraçou a revolução. Na altura estudava no ISEL (Instituto Superior de Engenharia de Lisboa) à noite e trabalhava de dia nas OGMA (Oficinas Gerais de Material Aeronáutico) em Alverca, uma forma de então escapar à guerra colonial. “A alternativa era desertar” desertar”, conta Carlos Mendonça, que à data detinha já uma postura activa de oposição à ditadura. O seu empenho revolucionário leva-o a interromper os estudos e a dedicar-se à política a tempo inteiro. Esta experiência durará até 1980, quando o pai o convida para trabalhar com ele, aproveitando ainda para concluir o curso de engenheiro electromecânico à noite. No fim de contas, um engenheiro viria a ser muito útil à firma, como mais tarde se viria a provar. “Somos o típico comércio tradicional”
E se um engenheiro já era uma mais-valia, dois engenheiros eram-no muito mais. José Mendonça, o irmão mais velho, tem um percurso parcialmente coincidente: também estudava no ISEL e trabalhava nas OGMA. E pela mesma razão de não querer ir para uma guerra que considerava injusta. Termina o bacharelato em 1976, mas antes disso já dava aulas. Trabalhos Manuais, mais tarde Educação Visual e Tecnológica. O professor Mendonça andou por escolas de Lisboa, Azambuja, Caldas da Rainha e Óbidos onde se pré-reformou
O documento do trespasse da loja, escrito numa folha de papel pardo. À época a palavra e honra dos homens contava mais do que a burocracia
“Não gosto muito de mudanças”
No edifício da loja (que depois do trespasse acabaria por ser adquirida pelo fundador da empresa) funcionou entre 1936 e 1952 o Colégio Ramalho Ortigão. Recentemente a montra do estabelecimento foi decorada com uma exposição que contava essa história.
em 2007, antes de fazer 60 anos. “Não me estava a agradar entrar como avaliador no processo de avaliação dos meus colegas” colegas”, conta, queixando-se das políticas que geraram “um clima de concorrência e competição pouco solidária” entre os professores. A reforma colocou-o a tempo inteiro na gestão da Braz Mendonça da Conceição, Lda. à qual, de resto, sempre estivera ligado. Em menino era para a loja do pai que vinha depois das aulas e era ali que passava parte das férias escolares. Naquela idade não pensava vir um dia para a firma, mas reconhece que foram as actividades que ali desenvolveu, ligadas aos motores, às máquinas e a variados equipamentos, que influenciaram a sua vocação e formação em engenharia. A mãe, Ângela, não é uma figura decorativa. Aos 89 anos cabe-lhe a parte administrativa da firma e é vê-la, ao telefone, rodeada de papéis e dossiers. Carlos Mendonça diz que é prestação de serviços, mais do que a venda ao balcão, que representa o grosso da sua facturação. “Somos o típico comércio tradicional. É raro vendermos uma coisa sem ter que explicar o que é e como funciona. E é isso que caracteriza a relação de
proximidade deste tipo de comércio” comércio”. A crise também se tem feito sentir neste sector e as vendas ao balcão diminuíram. São os particulares que se retraem na compra de pequenos artigos para jardinagem e rega. E são os construtores civis que estão parados e não lhes adjudicam algumas subempreitadas (a empresa tem alvará para instalação de equipamentos mecânicos e costuma montar sistemas de bombagem).Mas onde a crise mais se nota é nos pagamentos atrasados. “Temos clientes que dizem que não nos pagam porque também não lhes pagam a eles...” eles...”, lamenta-se Carlos Mendonça. A boa notícia é que desde há um ano a Braz Mendonça da Conceição Lda. conseguiu ser distribuidora da prestigiada ITT que vende bombas Lowara e Flygt. Quem percebe deste sector, diz que é material topo de gama e que só o facto de o representarem abona a favor da imagem. Para o futuro, dizem os irmãos, a estratégia passa por “consolidar as franjas de mercado em que estamos implantados e pugnar pela assistência pós-venda que é uma coisa que nos tem distinguido” tinguido”. C.C.
Paulo Sérgio tinha 14 anos quando veio para o balcão desta casa comercial. Natural da Nazaré, vivia então em Salir do Porto e é um amigo da família, Joaquim Godinho, que lhe fala da possibilidade deste emprego. Estava-se em Março de 1982, Braz Mendonça tinha morrido três meses anos e a contratação do jovem Paulo é um dos primeiros actos de gestão de Carlos Mendonça. “Naquela altura havia um movimento contínuo ao balcão de gente a comprar peças para atomizadores e motores de rega” rega”, conta o empregado, que ganhava então quatro contos por mês (20 euros), mas foi em poucos meses aumentado para 4500 escudos. Do balcão, Paulo passa a assumir actividades administrativas e técnicas. Acompanha a evolução da empresa e hoje parte do seu tempo é passado em trabalho exterior em tarefas de instalação, montagem e assistência a clientes. Admite que é
agradável trabalhar-se fora, mas tem o inconveniente de não ter horários certos. Afinal não se pode deixar um cliente pendurado e – se tiver que ser – o dia de trabalho prolonga-se até tarde. Entretanto, casou, estudou à noite na Bordalo Pinheiro para fazer o 10º ano (antes só tinha o antigo 2º ano do ciclo) e vive hoje no Chão da Parada. Mas há 28 anos que trabalha no mesmo sítio (com uma curta experiência de três meses de trabalho na Suíça que não o entusiasmou). Porquê esta fidelidade a uma empresa numa época em que é frequente mudar de emprego? “Tem a ver, por um lado, com a minha maneira de ser – não gosto muito de mudanças -, e por outro, com a entidade patronal pois sempre nos demos bem e são pessoas que eu considero” considero”. C.C.
O funcionário mais antigo da casa num dos poucos momentos ao balcão. A maior parte do tempo está em trabalho exterior.
CRONOLOGIA 1962 – Braz Mendonça da Conceição regista-se como empresário em nome individual
1965 – Abre a loja na Rua Dr. Miguel Bombarda. 1981 – Muda a firma para sociedade por quotas (Braz Mendonça da Conceição Lda.) com um capital social de 150 contos (750 euros), dos quais um terço são da sua mulher, Ângela Ribeiro Marques Mendonça da Conceição
1982 – Braz Mendonça da Conceição morre num acidente de viação
1991 – Aumento do capital social da firma para 10 mil contos (50 mil euros) distribuídos entre a viúva e os filhos.
Volume de negócios (em milhares de euros)
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30 | Julho | 2010
UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Agência Funerária Neves foi criada nas Caldas da Ra
O empresário Jaime dos Santos Neves (hoje com 88 anos) e a esposa Laurinda Simões (1925-2003) fundaram a maior e mais antiga funerária caldense, negócio que o filho, Jaime Neves, prosseguiu a partir de 1975
Jaime Neves organizou o primeiro funeral aos 14 anos. O calendário marcava o ano de 1963 e o jovem ficara encarregado dos negócios da empresa familiar na ausência dos pais. “Apareceram os familiares de uma pessoa que tinha falecido e eu consegui orientar as coisas, juntamente com um colaborador” colaborador”, conta o empresário, destacando que quando os pais chegaram, no dia seguinte, estava tudo tratado, à excepção da documentação porque não tinha os 18 anos necessários para fazer a declaração do óbito no Registo Civil. Esta foi a sua primeira “prova de fogo”, mas Jaime Neves sempre se lembra de ajudar os pais na agência, fundada em Junho de 1955. Nessa altura só havia nas Caldas a Agência Ramos, da firma João Ramos e Companhia, que já fechou as suas portas. O seu pais, Jaime dos Santos Neves (hoje com 88 anos), era então funcionário bancário e abriu a casa de móveis e agência funerária Neves, juntamente com o sócio Manuel Soares. Esta sociedade viria a durar apenas um ano, ficando Jaime dos Santos Neves com a agência que se foi especializando na actividade funerária. Filho único de Laurinda Simões (1925-2003) e de Jaime dos Santos Neves, Jaime Neves herdou do pai, além do nome, a única actividade que viria a conhecer durante toda a sua vida profissional. Nasceu em Leiria, mas foi criado na Rua do Jardim (hoje rua Alexandre Herculano), onde os pais residem e a agência sempre se manteve. “Eu passei a ser um habitante da rua e também um pouco “dono” dela” dela”, brinca, lembrando a sua vivência naquele espa-
ço há mais de meio século. Naquela altura, e também mais interessado nas brincadeiras da rua, Jaime Neves nem se apercebia do trabalho dos pais. Só mais tarde viria a compreenrelativader que é uma vida “relativa-
soas decidiam o que queriam ser” ser”, conta. No seu caso foi fácil. “Esta é uma das actividades em que ou se gosta ou não se gosta. E eu sempre gostei” gostei”. É assim que pega no negócio
zava-se o nome caixão para designar a caixa de madeira tosca, forrada a pano exteriormente, com que se faziam os enterramentos. Existem urnas de vários tipos, modelos e categorias, mas as
tos, existem ainda as de tampa ou os baús, consoante a preferência do cliente. De vez em quando sur“De gem algumas excentricidades, como o caso de quererem uma urna de amarelo” amarelo”,
A Agência Neves abriu portas em Junho de 1955 como casa de móveis e agência funerária, tendo por sócios Jaime dos Santos Neves e Manuel Soares. A sociedade acabaria foi terminar um ano depois ficando apenas Jaime dos Santos Neves, então com 34 anos, com o negócio que acabaria por especializar no ramo funerário e transformá-lo na agência mais conhecida das Caldas. O filho único de Laurinda Simões e Jaime dos Santos Neves, Jaime Neves herdou do pai, além do nome, a única actividade que viria a conhecer durante toda a sua vida profissional. Uma profissão que, apesar da sua especificidade, não deixou de sofrer também grandes alterações ao longo do tempo. mente presa porque os sete dias da semana estão sempre incluídos em qualquer serviço fúnebre que venha a acontecer” acontecer”. Ainda assim, o pequeno Jaime sempre ajudou a família no trabalho da funerária. A sua mãe costumava estofar o interior das urnas - uma prática que já não se faz porque agora as urnas vêm prontas de fábrica – que vinham em tosco, sem acabamento interior. Aliás, como o pai trabalhava na sucursal do Banco de Portugal das Caldas, era a sua mãe, Laurinda Simões Neves, que ficava na agência durante o dia. Com os seus sete, oito anos já se entretinha a “pregar as rendas no cetim e a dar cabo da ponta dos dedos” dedos”, lembra, adiantando que cresceu praticamente no meio das urnas que se encontravam dispostas pela loja, até que passaram a ter um armazém e na Rua do Jardim ficou apenas o escritório e serviço de atendimento do público. Com o serviço militar cumprido, em 1973, chegou a hora para Jaime Neves de escolher uma profissão. “Naquele tempo era depois da tropa que as pes-
familiar, sucedendo ao seu pai, mas agora assumindo uma profissionalização que até então não existira. Mais tarde a empresa passa a ter funcionários. Antes, quando havia funerais, recorria-se aos tarefeiros, normalmente os engraxadores da Praça da Fruta, conta Jaime Neves. Não era difícil porque naquele tempo havia pelo menos uns 15 naquela zona da cidade. José Felizardo, empregado na casa há 15 anos (ver caixa) conta que aprendeu o ofício com os seus colegas e o patrão, mas hoje em dia já há formação profissional nesta actividade, a cargo da ANEL (Associação Nacional das Empresas Lutuosas), da qual Jaime Neves, sócio nº 28, é actualmente o presidente da Assembleia Geral.
funerárias não conseguem abranger toda essa diversidade, acabando por ter meia dúzia de modelos com os quais trabalham. Jaime Neves explica mesmo que a zona Norte tem um tipo de urna diferente da de Coimbra ou Lisboa. Nas Caldas é o modelo Lisboa o mais utilizado. Trata-se de uma urna rectangular, com largura igual à cabeça e aos pés, enquanto que o modelo do Porto tem à cabeceira uma largura superior aos pés. A acrescentar a estes forma-
conta Jaime Neves, que não pode satisfazer estes pedidos porque prefere trabalhar apenas com os modelos tradicionais. “Mas há fábricas que têm vermelhas ou verdes, para os adeptos clubísticos mais fervorosos” fervorosos”, conta o empresário, explicando que essa “tradição” passou para os potes de cinza, que os há de várias cores e formatos, como é possível ver na exposição que tem na sua loja. Um funeral pode custar entre os 300 euros estipulados pelo
Governo como “funeral social” até aos 2000 euros ou muito mais. Depende em grande parte da urna, que pode variar dos 325 aos 800 euros, embora as haja também muito mais caras. Por exemplo, uma urna de mogno para jazigo pode custar 1100 euros, em madeira munete já vai aos 2500 euros e depois há urnas em pau santo que atingem quantias astronómicos. Seja como for, os funerais em jazigos estão fora de moda, pelo que não é nesta segmento que Jaime Neves faz o grosso do seu negócio. De resto, a actividade funerária tem-se mantido mais ou menos constante, residindo as principais diferenças numa maior opção pela cremação e uma menor procura pelo serviço de jazigo. Apesar do aumento do número de pedidos de cremação, o empresário não vê necessidade da criação de um crematório nas Caldas, nem forma de o manter, explicando que, pela proximidade geográfica, estão a deslocar os corpos a Lisboa para serem cremados. Fátima Ferreira fferreira@gazetacaldas.com
DO CAIXÃO À URNA
Nesta área também têm-se registado muitas alterações. A primeira delas – com especial agrado do empresário – é a alteração do termo caixão para urna, pois trata-se do termo correcto. É que antigamente utili-
Um Chevrolet americano foi o primeiro carro da empresa. O veículo fez funerais até finais de 1976.
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ainha há 55 anos Faz falta um centro funerário nas Caldas O primeiro carro que a agência teve foi um Chevrolet americano, depois adaptado a carro funerário, cuja fotografia ainda hoje a firma ostenta, orgulhosamente, na parede do escritório. Nela é possível ver o carro estacionado na Rua Leão Azedo, junto às oficinas dos Capristanos (actual Rodoviária). “Na altura podíamos escolher o lugar para estacionar, à sombra ou ao sol, porque poucos carros havia na rua” rua”, lembra Jaime Neves, acrescentando que o veículo manteve-se ao serviço da empresa até Dezembro de 1976. Mas quando a Agência Neves foi formada, o veículo de transporte nos funerais eram as célebres carretas, um género de carroça transformada em viatura funerária para a época, puxada por dois homens. Nessa altura os funerais eram a “passo”. Jaime Neves recorda-se, por exemplo, de todas as ruas do Bairro dos Arneiros serem em terra e só começar a haver alcatrão já perto da ponte. Todos os percursos passavam também pelo centro da cidade, registando o empresário na memória a esquina da mercearia Pena como um local de passagem obrigatória de qualquer funeral, que se dirigia ao cemitério antigo, junto à Secla. “Havia um respeito pelo percurso em que se dava sempre a ultima passagem pela cidade” cidade”, conta, acrescentando que os funerais eram feitos a pé e o sacerdote acompanhava-o, desde o domicílio até ao cemiHoje em dia todas essas prátério. “Hoje ticas estão alteradas porque o sacerdote faz as cerimónias e aguarda a chegada do corpo ao cemitério” cemitério”, explica, acrescentando que 90% dos funerais são feitos pela Igreja Católica. Dessa altura Jaime Neves lembra uma história engraçada. Os cortejos, a pé, abrangiam toda a largura da rua e cortavam o trânsito da Rua Heróis da Grande Guerra até ao Largo Conde José de Fontalva, em direcção ao cemitério. Quando se passava em frente á Santa Casa da Misericórdia e ao Hotel Lisbonense começavam as tentativas dos automóveis para ultrapassar o cortejo. Há um dia em que um individuo ultrapassa o cortejo e não repara que vem um carro Dá-se um grande frente, batendo. “Dá-se de estardalhaço e toda a gente parou para ver o que era, mas o cortejo seguiu para o cemitério Pópulo”, conde Nossa Senhora do Pópulo” tou, acrescentando que quando chegaram ao cemitério “só estavam presentes meia dúzia de pessoas que vinham atrás do carro funerário, o padre e o sacristão. O restante acompanhamento ficou a ver o acidente” dente”. A Agência Neves também faz trasladações, perdão, “repatriamento de cadáveres”, que é a expressão mais correc-
Anabela Neves e Jaime Neves. O casal detém desde 2002 a sociedade por quotas proprietária da agência
ta. E tanto os faz de portugueses que faleceram no estrangeiro, como com os féretros de estrangeiros que pereceram em Portugal. É, contudo, uma fatia do negócio muito pouco significativa, diz o empresário, até porque hoje em dia é mais económico proceder-se à cremação e enviar apenas a urna com as cinzas para o país de destino. Relativamente às Caldas da Rainha, Jaime Neves diz que “há falta de respeito e de dignidade” da parte das entidades competentes por não haver um centro funerário em condições onde possam ser velados os corpos. A Igreja de Nossa Senhora da Conceição não tem capela mortuária e a capela de S. Sebastião, que foi utilizada como local de velamento, deixou de o ser quando foi transformada em museu. “Os velamentos são feitos no Montepio ou nas capelas dos próprios cemitérios, que não têm dignidade nem condições” condições”, diz, realçando que uma cidade com a dimensão das Caldas “devia de ter um local com dignidade e espaço” para esta prática. Actualmente a agência possui duas viaturas funerárias e dentro de alguns dias terá mais uma. Em rigor, não existem carros funerários originais. Estes veículos são carros normais que são posteriormente transformados para este fim. Hoje em dia, porém, utilizam-se furgões e carrinhas para se transformarem em carros funerários. O empresário escusou-se a divulgar o volume de facturação da sua empresa, que actualmente conta com quatro funcionários. Trata-se uma profissão marcadamente masculina, muito devido ao esforço físico que implica, mas Jaime Neves afirma que também há mulheres, por quem diz ter muito respeito e amizade, que são óptimas profissionais na actividade. E como será o futuro? O empresário diz que ideias há muitas, só que não se podem concretizar, dada a conjuntura do país. Actualmente com 61 anos, Jaime Neves diz querer aguentar a firma mais quaAos 65 anos quero ir fatro anos. “Aos zer aquilo que nunca fiz em todos estes anos: ter férias, descanso e não ter que estar preso a nada” nada”. É que, como realça, “são 365 dias dedicados à actividade” actividade”, sem
De vez em quanter direito a férias. “De do lá consigo fugir dois ou três dias, mas mesmo assim o telefone não pára de tocar” tocar”, conta, acrescentando que têm que estar sempre prontos para dar apoio aos familiares sete dias por semana. O telefone sempre foi o meio de contacto privilegiado da empresa, mas antes os familiares dos falecidos chegavam a ir-lhe a casa bater à porta. Quando ia ao cinema, Jaime Neves escolhia sempre o lugar da ponta porque, como aconteceu várias vezes, antes do filme terminar, “vinha o porteiro chamar-me porque estavam pessoas à minha procura” cura”. Outras vezes são jantares e almoços que ficam a meio porque a emergência assim o obriga. “A família habituouse a isso” isso”, conclui o empresário. Hoje há telemóveis, a empresa tem quatro empregados – três agentes funerários e uma administrativa -, mas a profissão exige uma disponibilidade total 24 horas por dia. Jaime Neves não consegue distinguir uma época do ano com mais funerais. É totalmente aleatório.
Por exemplo, este mês de Julho de 2009 tem-se revelado o mais fraco em termos de negócio, coisa que aconteceu o ano passado em Abril. É, pois, normal viverem-se muitos dias seguidos de tédio numa agencia funerária. Mas também há picos de stress pois acontece realizarem-se cinco ou seis funerais no mesmo dia. Já este é um sector imune à recessão económica. Ou quase. “É óbvio que em tempos de dificuldades as pessoas não querem um funeral mais caro e optam pelo mais barato” rato”, constata o empresário, que realiza uma média de 250 funerais por ano. Já o volume de negócios não o quis divulgar. Com duas filhas, ambas adultas e com actividade profissional, o casal Jaime e Anabela não espera que estas alguma vez venham a interessar-se pelo negocio da família. As áreas de interesse são outras: uma é licenciada em Matemáticas Aplicadas e a outra em Inglês e Alemão. Para comemorar os 55 anos da empresa, Jaime Neves criou um boletim informativo e obituário, de distribuição gratuita. O primeiro número saiu em Junho e tem como tema principal “Os espaços sagrados”, onde o empresário fala sobre os cemitérios primitivos e as alterações que estes têm tido ao longo dos tempos. O boletim dá ainda informações sobre o que fazer quando ocorre um óbito e o obituário de Maio. F.F.
Tintas e pincéis à espera da reforma O espírito curioso e atento de Jaime Neves levou-o a interessar-se pelo jornalismo e investigação da história local. Foi colaborador da Gazeta das Caldas na década de 60 do século passado, altura em que era chefe de redacção deste semanário Domingos del Rio. Entre as diversas peças que fez, é o autor da rubrica “Sabe quem foi”, sobre personalidades, e do suplemento O Gazetário, que fazia juntamente com Micael Faria e cujos textos foram várias vezes cortados pela censura. Mais tarde, a partir de meados da década de 70, fez parte do Notícias das Caldas, Era o trabalho que eu onde era cooperador e o paginador do próprio jornal. “Era tinha todos os domingos à noite” noite”, lembra. Jaime Neves é também autor de um livro sobre a toponímia caldense e já possui apontamentos sobre o roteiro das Caldas, que pretende vir a publicar. Está também a fazer um levantamento sobre os cemitérios desde a fundação da vila das Caldas, no qual julga poder publicar todos os cemitérios que existiram na cidade. A pintura foi um hobby que se prolongou durante dois ou três anos e que teve que Comecei a fazer retrato e pintura sem dar abandonar por falta de tempo. “Comecei por isso” isso”, lembra, acrescentando que a dada altura também se dedicou à pintura de brasões. Mas a pintura exige alguma disponibilidade e, “nas alturas em que eu menos esperava” esperava”, surgia sempre um telefonema ou um pedido e Jaime Neves tinha que abandonar o que estava a fazer para ir tratar do assunto. “Estraguei muitos pincéis e tinta porque não havia tempo para limpar e arrumar devidamente” devidamente”, conta, acrescentando que ainda mantém em casa todo o equipamento à espera do dia em que venha a reforma. F.F.
“Quando Quando são crianças e jovens marca muito”
O funcionário mais antigo, José Felizardo, ladeado pelos colegas Isidro Fiandeiro e Moisés Sousa
José Felizardo, tem 51 anos e trabalha há 15 anos na Agência Neves como agente funerário e motorista. Residente em Tornada, começou a trabalhar aos 12 anos no ramo automóvel e aí permaneceu durante mais de duas décadas, mas o encerramento das várias empresas onde esteve levaram-no ao desemprego. Estou aqui há 15 anos e “Estou gosto do que faço” faço”, diz, emé bora reconheça que no início “é sempre um pouco difícil porque é um serviço diferente do que estava habituado”. José Felizardo conta que também têm que ser um bocado psicólogos, ajudando as famílias naquelas horas tão difíceis. Aprendeu o ofício com os funcionários mais velhos e rapidamente começou a tratar do cadáver, vestindo-o e preparandoo. Também nesta área vão havendo inovações e, por exemplo, agora existem produtos diferentes e mais modernos para a preparação dos cadáveres. José Felizardo lembra que ao
longo da sua actividade profissional teve duas situações que foram particularmente difíceis de suportar. Há cinco ou seis anos, a uma terça-feira, teve que ir buscar uma bebé de 23 meses ao Hospital de Santa Maria. Depois, na sexta-feira seguinte, fez o funeral de uma Quando são jovem de 19 anos. “Quando crianças e jovens marca muito” muito”, conta, acrescentando que qualquer uma das situações somos humamarca porque “somos nos” nos”. Apesar de não ser um trabalho stressante, “marca em certas situações” situações”, conta o funcionário. A família vê bem a sua proNão vou para casa fissão. “Não falar do trabalho, mas não é tabu” tabu”, refere José Felizardo, adiantando que tem uma filha com 12 anos, que não tem qualquer complexo com isso. “Mesmo na escola os colegas sabem o que o pai faz e isso é visto com naturalidade” naturalidade”, disse. F.F.
CURIOSIDADES Gato Pingado - Nome que na gíria é dado ao agente funerário. A expressão advém do facto de, há séculos atrás, o indivíduo que acompanhava o funeral levar um archote ou uma vela acesa que, durante o percurso, ia pingando. Como ficava todo sujo de cera, era-lhe dado o nome de gato pingado. Auto-fúnebre – nome do carro funerário Serviço de archote – serviço da movimentação da urna
CRONOLOGIA 1955 - Jaime dos Santos Neves e Manuel Soares fundam uma casa de móveis e agencia funerária 1957 – Com a saída de Manuel Soares, Jaime Neves fica com a empresa em nome individual. 1975 – Jaime Neves (filho) sucede ao pai, mantendo a empresa em nome individual 2002 – Por obrigação legal, é constituída uma sociedade por quotas, com um capital social de 10 mil euros entre Jaime Neves e a esposa, Anabela Neves.
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Curel alia inovação e tradição num ofício secular Luís Matias nasceu a 11 de Setembro de 1940 no lugar de Cabeço do Boieiro, no Pego, para os lados de Alvorninha. Filho de gente humilde, que trabalhava a terra, estudou até à 4ª classe, com grande sacrifício dos pais. Aos 12 anos, ainda gaiato e com a continuação dos estudos bem longe dos seus horizontes, Luís foi obrigado a fazer-se homem e a ajudar em casa com o fruto do seu trabalho. Valeu-lhe a “inspiração” do pai, que após algum tempo a trabalhar com o filho nas suas terras decidiu que, se houvesse saída da pobreza, teria que ser noutro ofício. “Nascido na aldeia, mal sabia ler e escrever, mas era inteligente e marcava um bocado a diferença em relação às outras pessoas dali. Disse-me: ‘vais para a escola” escola”, conta agora Luís Matias, prestes a completar os 70 anos de idade. “Quando a escola acabou, fui trabalhar a terra com o meu pai, que teve, então, esta ideia: o rapaz vai aprender, vai para as navalhas, porque os navalheiros é tudo uma pobreza muito grande, mas por ali pode haver uma saída. Agora isto da agricultura nunca dá nada. E o meu pai não se enganou” ganou”. Foi assim que Luís Matias foi “para as navalhas”. O seu primeiro ‘mestre’ foi Fernando Policarpo, “um senhor que trabalhava muito bem as navalhas e era muito habilidoso” habilidoso”. Perto de casa, Luís Matias aprendeu os truques de um ofício em que tudo era feito manualmente. “Nesse tempo trabalhava-se de manhã à noite, faziam-se muitos serões. Faziam-se muitas horas para ganhar sempre pouco” pouco”. Dois anos depois de ter começado a laborar na oficina de Policarpo, a ganhar 10 escudos [5 cêntimos] por mês, surge uma lei que manda que os navalheiros não trabalhem mais de oito horas por dia. “O meu patrão ficou muito atrapalhado. Então, se nós trabalhávamos todo o dia e fazíamos serão para ganhar um ordenadito… Depois havia quem dissesse que ia haver fiscalizações” calizações”. Ora, numa zona onde
muitos tinham “uma barraquita” onde faziam as navalhas, “toda a gente ficou com muito medo” medo”. Fernando Policarpo decidiu fechar a sua oficina e ir trabalhar para a Ribafria, na Benedita, naquela que foi a oficina onde nasceu a Icel. Luís Matias decidiu então ir trabalhar para uma oficina, pertencente a Luís Gonzaga, na localidade de Casal Velho, perto da Ramalhosa, “onde já havia alguma evoluçãozita, que já tinha um motor para acabar as navalhas” lhas”. Luís Matias passou a ganhar 12 escudos [6 cêntimos], “porque eu já trabalhava muito bem” bem”, afiança. Contudo não ficou com este patrão muito tempo porque esta foi uma das diversas oficinas da zona que seriam fundidas numa só emprea – a Sovi – propriedade de António Ivo Peralta. É assim que Luís Matias passa a ficar ao serviço deste seu terceiro patrão. No entanto, passa a trabalhar mais longe de casa, tendo de deslocar-se a pé desde o Pego para Santa Catarina, muitas vezes às escuras, em estradas de carros de bois. “Viemos em Setembro, no fim do Verão. Este caminho torto, com carreiros, lamas e ribeiras, nessa altura passava-se bem. Mas começou o Inverno e alguns dos empregados, os que eram casados, ficaram a viver em Santa Catarina. Fiquei só eu e um meu vizinho, o Avelino. Ficámos os novatos a fazer o ca-
Matilde do Carmo Ivo e Luís Matias em meados da década de setenta
nheiro que ganhava ao meu pai. Era com o que ganhava com as horas extraordinárias que me vestia. Era feliz. Não
Pai e filho, as duas gerações que apesar de não terem fundado a Curel a tornaram numa marca de prestígio aquém e além fronteiras
é a sua mulher. Em 1961, com 21 anos, Luís Matias foi para a tropa. O serviço militar foi cumprido em Chaves e em Angola.
go patrão à comissão, depois começou também a dedicar-se a outros produtos, sobretudo aos que eram feitos na zona, como a marroquinaria. Foi ar-
A Curel foi fundada em 1977 na localidade das Relvas, freguesia de Santa Catarina. Cinco anos depois foi comprada por Luís Matias, que trabalhava a fazer navalhas desde os 12 anos de idade e que mais tarde passou a caixeiro-viajante de cutelarias, construindo uma pequena fortuna. Ainda que a história da empresa não tenha início com Luís Matias, foi com ele que a Curel se afirmou aquém e além fronteiras. Hoje, é o filho – Vasco Ivo Matias – que está ao comando da empresa, que produz anualmente cerca de 2,5 milhões de facas e canivetes. Mas a história da fábrica de cutelarias de Santa Catarina faz-se das memórias de um homem ambicioso e é fruto da inspiração do seu pai, que quis um futuro melhor para o filho do que o trabalho na terra. minho, mas nós não tínhamos problema” problema”. Mas a companhia durou pouco mais de um ano porque o amigo desistiu. Só ficou Luís Matias, já com 15 anos e a ganhar então 15 escudos [7,5 cêntimos] por mês. “Dava a maior parte do di-
tinha dinheiro, mas sabia que gostavam de mim no trabalho e eu gostava do que fazia” fazia”. E se isso não bastasse para o fazer ficar a trabalhar em Santa Catarina, o jovem tinha-se já enamorado pela irmã do patrão, Matilde do Carmo Ivo, que hoje
Métodos de fabrico quase artesanais eram ainda usuais na década de setenta
Saiu de Portugal, onde ganhava já 620 escudos [3,10 euros] por mês, para o Ultramar onde era ‘caçador especial’ e lhe pagavam 1.300 escudos [6,5 euros]. Mandava para os pais tanto quanto podia. E aproveitou para tirar a carta de condução e o curso de ‘Guarda Livros’, o nome que na altura se dava aos Técnicos Oficiais de Contas. Quando regressou à Metrópole (comoentãosedizia),em1964,comideias de voltar para África, o patrão convenceu-o a “ir para a viagem”, isto é, a ser caixeiro-viajante dos seus produtos. “Foi um sucesso muito grande” de”, garante Luís Matias, e “na fábrica não se falava noutra coisa que no meu sucesso, de todas as coisas novas que eu trazia, na boa revolução que introduzi na fábrica” fábrica”. Entretanto já casado, Luís Matias decidiu estabelecer-se por conta própria. De início vendia o artigo do anti-
mazenista durante 12 anos. “Ganhei dinheiro”, afiança. E comeimenso dinheiro” ça então a projectar a sua própria fábrica de cutelarias. É em 1982 que lhe propõem a compra da Curel, uma pequena cutelaria montada há cinco anos nas Relvas. Com 42 anos, Luís Matias fechou o negócio por 23 mil contos [114.863 euros]. Da fábrica, ficou com tudo menos o edifício (onde só ficou durante cinco anos), mudando-se depois com os trabalhadores e o equipamento para a nova unidade construída em Santa Catarina. “Uma fábrica construída a pulso”
Quando Luís Matias comprou a fábrica, Vasco Ivo Matias, um dos seus dois filhos, tinha 12 anos. Apesar da tenra idade, aquele que hoje prossegue o negócio do pai lembra-se bem
de ser pequenito e já andar entre facas e canivetes. “Eu costumo dizer que nasci num cesto de limalhas” malhas”, brinca. Dos seus tempos de menino, lembra-se do aparecimento da electricidade na zona. “Um acontecimento extraordinário, foi quase um milagre” milagre”. Também se recorda bem da construção das instalações onde ainda hoje se mantém a Curel. “Foram feitas a pulso, praticamente por administração directa e com as placas enchidas a balde. Aos sábados, convocavamse os trabalhadores todos. Todos os cantos da fábrica tiveram pormenores de carinho” carinho”. Com as novas instalações, começa aquela que Vasco Ivo Matias diz ter sido “uma fase extraordinária de investimento, principalmente nas condições de trabalho das pessoas, na melhoria do seu relacionamento com a tecnologia” nologia”. As instalações de Santa Catarina foram feitas “com o que de mais moderno existia na altura, e que ainda hoje está bastante actualizado” actualizado”. Já reformado, o seu pai continua a acompanhar a fábrica de perto. Orgulhoso das certificações e credenciações que atestam a qualidade dos seus produtos, Luís Matias afirma que “esta é uma fábrica que tem pernas para andar” andar”. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
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Facas da Curel cortam pelo mundo inteiro
Vasco Matias tem guardada toda a documentação atinga da empresa, como este catálogo dos finais de década de 1970, já em edição bilingue
A Curel é hoje uma fábrica bem diferente daquela que Luís Matias comprou em 1982 e os clientes espalhamse já por diversas zonas do globo. A internacionalização foi um processo que se fez, dizem os protagonistas desta história, devagarinho. “Fiz uma grande exportação para Angola, na altura de dez mil e tal contos [mais de 50 mil euros],, cerca de um ano depois de comprar a fábrica. Vendi também alguma coisa para Moçambique” çambique”, recorda Luís Matias. As primeiras solicitações apareceram pelo correio, de países como a Alemanha e a Venezuela. Com o aparecimento das firmas publicitárias e das páginas amarelas, a divulgação aumentou. Quando Vasco Ivo Matias termina a tropa, em 1990, a empresa investe nos certames internacionais. Uma das primeiras foi a Feira Ambiente, em Frankfurt, onde ainda hoje marcam presença. As facas da Curel podem ser encontradas em diversos países da
Europa, nos EUA, Canadá, Brasil, Venezuela, Argentina, PALOP, Arábia Saudita e Líbano. “Tentamos não estar dependentes de um só mercado, pensamos que este é um dos segredos de sobrevivência deste sector” sector”, explica Vasco Matias. Para o mercado externo segue cerca de 50% da produção da fábrica, que ronda os 2,5 milhões de peças por ano. Um indicador da evolução dos processos de fabrico. “Há 20 anos fazíamos, entre canivetes e facas, cerca de 50.000 artigo por mês. Hoje fazemos uma média de 20.000 canivetes por mês e 150.000 facas e cutelos. É uma coisa assustadora” dora”, diz o filho de Luís Matias, que cifra a facturação anual na ordem dos 1,2 milhões de euros. Para a afirmação da marca nos mercados nacionais e internacionais tem contribuído um investimento constante na melhoria dos processos de fabrico e na qualida-
de dos produtos. Mas as questões ambientais não têm sido esquecidas. “Hoje em dia temos um aproveitamento a 100% de todos os desperdícios” desperdícios”, com as águas usadas na tempra e no arrefecimento a funcionarem em circuito fechado, com a reciclagem de tudo quanto é desperdício de aço e com o aproveitamento da exaustão de poeiras para aquecimento. “Não há qualquer agressão ambiental” ambiental”, assegura. Ao investimento necessário a todos estes processos juntou-se a aposta forte em tecnologias de ponta, na informatização da administração e na computorização de muitos processos de fabrico e, como não podia deixar de ser, no design, na criação de novas linhas com a colaboração de designers internos e externos à empresa. O objectivo: “tornar as facas da Curel bastante modernas e a acompanharem as tendências da moda, dos novos padrões e novos estilos de vida e a encaixarem-se perfeitamente na vida moderna” moderna”. A publicidade tem também sido uma preocupação do empresário, com diversas acções na imprensa nacional e com projectos para a divulgação na televisão. Concorrência desleal e falta de apoios põem indústria em risco
São investimentos como este que têm feito com que a Curel sobreviva à “tentativa de destruição de alguns distribuidores” distribuidores”, que importam similares da China, do Paquistão e de outros países emergentes, mas cuja falta de qualidade é rapidamente detectada pelos consumidores. Com cerca de 70 trabalhadores na sua empresa, Vasco Matias não hesita em afirmar que “a pressão vem de todos os lados” e que de há duas décadas para cá, a forma como se vive a indústria mudou drasticamente. Da pressão exercida pelas entidades públicas à falsificação dos produtos, passando pelo encarecimento das matérias-primas e energia e pela situação económica internacional, que não favorece a ex-
portação, muitas são as queixas do empresário. Às autoridades locais e regionais, Vasco aponta a falta de apoio a um ofício com uma tradição secular e que foi implantada na zona pelos monges de Cister que habitavam o Mosteiro de Alcobaça. “É um património que espero que a curto prazo, com as promessas que temos dos políticos, seja mais aproveitado pelas autoridades locais” locais”, afirma. Outra queixa feita pelo empresário passa pela inexistência de formação de futuros cuteleiros nas escolas da região, e esta é uma das grandes preocupações quanto ao futuro da cutelaria. Um futuro que, acredita, passa pela manutenção e recuperação de alguns dos aspectos mais tradicionais do ofício. “A grande memória que guardo dos meus tempos de criança é o carinho que todas as pessoas desta região tinham pelas cutelarias. Todas, directa ou indirectamente, estão ligadas ao fabrico de facas, e é isso que também nos faz avançar” avançar”, diz o empresário. Vasco Ivo Matias quer manter viva a história da cutelaria em Santa Catarina e a memória colectiva. “Não queremos deixar que todo o trabalho que estas pessoas tiveram, e em determinadas alturas bastante duro, seja esquecido e seja trocado por um qualquer interesse comercial e imediato de mandar fazer fora as coisas que toda a vida se fizeram na nossa terra a troco de lucro fácil” fácil”. Uma das etapas de uma luta que, acredita, será longa, passa pelo relançamento da marca mais antiga das cutelarias santacatarinenses, a Sovi, que trouxe o seu pai para a vila. “Muitas pessoas, quer em Portugal quer no estrangeiro, se recordam da boa qualidade dos seus produtos e até do design, e esta é também uma forma de homenagear o seu fundador, o meu tio” tio”. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
Trabalhador também seguiu as pisadas do pai
“Nasci na cutelaria, não aprendi a fazer outra coisa, muito”, diz António Gonzaga mas é disto que eu gosto muito”
António Gonzaga, 53 anos, é filho de Luís Gonzaga (o segundo patrão de Luís Matias) e trabalha na Curel há 13 anos. Um número pequeno que esconde uma vida inteira dedicada às facas. “Na Ramalhosa, ainda não havia energia eléctrica e já o meu pai tinha nove funcionários e usava um gerador grande para poder trabalhar com as máquinas” máquinas”, lembra o cuteleiro. Também o seu pai acabaria por se mudar para Santa Catarina com todas as suas máquinas e todos os seus empregados, já lá vão 55 anos. Por isso, António Gonzaga considera que pertence a uma das mais antigas famílias de industriais da cutelaria da zona. “Eu recordo-me de há 45 anos, era eu menino e moço, havia pelo menos umas sete oficinas artesanais aqui em Santa Catarina” Catarina”. Oficinas de diferentes dimensões e mais ou menos evoluídas, com os donos a “comprar os chifres dos bois, a trabalharem-nos [para fazerem os cabos],, a fazerem tudo à mão” mão”. Um ofício que ocupava muitas pessoas, muitas das quais a acabarem por desistir, por não conseguirem acompanhar a evolução da indústria. Quando lhe pedimos que viaje no tempo e nos diga qual foi a maior evolução no sector, diz que a mudança é drástica. “É como se nós andássemos de carroça e passássemos a
andar de Ferrari” Ferrari”. Mesmo assim, é com algum saudosismo que recupera algumas das suas memórias. “Apesar de serem tempos difíceis em termos de produção, recordo-me dos tempos em que o meu pai agarrava numa mola de carroça, que era sobreaquecida numa forja com carvão de pedra. Forjado por duas pessoas, uma com o malho a outra com o martelo, o aço com espessura grossa era malhado até ficar em pequenos linguetes e a partir daí era cortado com corta frio, novamente aquecido, e assim se faziam os canivetes e as facas” facas”, conta. Se hoje o mercado é muito mais exigente no que diz respeito ao design, na altura os clientes eram bem mais práticos. “As facas que mais se faziam eram as de matar os porcos e os canivetes” canivetes”. Com uma vida inteira a trabalhar nas facas, António Gonzaga garante que não se imagina a fazer outra coisa. “Há pessoas para quem o trabalho é um esforço. Eu não vejo isso assim. Nasci na cutelaria, não aprendi a fazer outra coisa, mas é disto que eu gosto muito” muito”. E o que torna a cutelaria tão apaixonante? “Esta é uma indústria que todos os dias se está a inovar e isso é um incentivo para o nosso trabalho” trabalho”. J.F.
CRONOLOGIA 1960 – Luís Matias começa a trabalhar para António Ivo Peralta 1968/69 – Instala-se por conta própria como vendedor 1977 – Compra a Curel e mantém-se nas Relvas 1982 – Muda a fábrica para Santa Catarina 1995 – Vasco Matias assume a gestão da Curel, através da Fundada em 1977, a Curel é hoje uma fábrica amiga do ambiente, em que nada é desperdiçado
Na cutelaria podem ver-se algumas máquinas com que os cuteleiros trabalhavam há 50 anos
empresa VCI – A Fábrica das Cutelarias, Lda, uma sociedade por quotas com o capital social de 200.000 euros que ainda hoje detém a marca.
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13 | Agosto | 2010
UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
PIROTECNIA BOMBARRALENSE – quatro gerações a d Foi um ribatejano da Moita do Norte (Vila Nova da Barquinha) que em 1934 fundou nos arredores do Bombarral uma fábrica de foguetes que vai hoje na terceira geração, mas se se tiver em conta que o seu pai também já era pirotécnico, pode dizer-se que esta actividade é assegurada por quatro gerações. Francisco Martins Júnior (1909-1982) tinha seguramente visão para o marketing se tal conceito já existisse nessa altura. À sua empresa chamoulhe Alta Pirotecnia do Oeste. “Alta” para se distinguir das demais existentes no país, e “Oeste” porque, vindo de longe e recém-chegado ao Bombarral, terá intuído certamente que havia uma entidade oestina. Ou, pelo menos, percebeu que o seu mercado era regional e não meramente local. O seu pai, Francisco Martins, fora um homem dos sete ofícios. Teve várias actividades, mas quedou-se pela pirotecnia com quem trabalhava em sociedade com os seus sete filhos na Moita do Norte. “Mas um dia zangaramse todos e cada um foi para seu lado. Um para o Porto, outro para Torres Novas, outro para o Entroncamento, outros ficaram na Moita, e outro para o Bombarral... enfim foram espalhar a arte da pirotecnia, da pólvora e dos rastilhos pelo país todo” todo”. Quem o conta é António Rabaça Martins, filho de Francisco Martins. Do seu pai, conta que fez duas ou três visitas ao Bombarral e achou que era um bom sítio para iniciar o negócio porque não havia mais nenhuma
Francisco Martins Júnior (1909-1982) fundou a pirotecnia que o seu filho, António Rabaça e o seu neto, João Martins, viriam a ampliar e a transformar numa empresa de referência no país no estrangeiro.
indústria desse tipo na região. “Comprou um terreno de mil metros quadrados aqui no Pinhal do Concelho e com a madeira dos próprios pinheiros construiu seis casinhas onde começou a fabricar foguetes” foguetes”. No início, a Alta Pirotecnia do Oeste arrancou logo com três empregados e a coisa não deve ter corrido mal porque passado poucos anos, as seis barracas onde se fabricavam foguetes deram lugar a nove edifícios em tijolo. Deve dizer-se desde já que uma pirotécnica não é uma fábrica qualquer. Não tem nada a ver com a ideia de um pavilhão ou nave no interior do qual se realiza um processo produtivo onde entra matéria-prima por um lado e sai produto acabado pelo outro. Neste “métier” as restrições ao nível de segurança obrigam
Uma situação impensável nos dias de hoje. Há 30 anos, ainda sem o rigoroso controlo do transporte de explosivos, os foguetes eram assim transportados em carrinhas.
a que pessoas e máquinas laborem afastadas umas boas dezenas de metros entre si para evitar a propagação de incêndio ou de explosões em caso de acidente. Por isso, a fábrica do “senhor Rabaça” - como é conhecido no Bombarral o empresário António Rabaça Martins – mais parece um aldeamento turístico, com muros e casas pintadas de branco, tanques com água cristalina e muitas árvores e flores espalhadas pelos diversos pátios. Há também contrafortes para segurar os edifícios em caso de acidente e um ruído de fundo de máquinas que não incomoda demasiado. O pior ali é mesmo a estrada municipal de acesso à fábrica, que aguarda há anos por um pouco mais de alcatrão. “CRESCI NO MEIO DA PÓLVORA”
António Rabaça Martins senta-se num gabinete rodeado de calendários e cartazes do Sporting. Uma paixão que passou para o filho e netos. Mas atenção. Também já fez espectáculos para o Benfica. E para qualquer clube que lhos compre. Negócios são negócios. Tendências clubísticas são outra coisa. E conta a sua história: “O meu pai veio para cá já homem, casado e com dois filhos. Eu e a minha irmã mais nova já nascemos no Bombarral. Desde miúdo que me lembro da fábrica e com dez anos já vinha para cá ajudar o meu pai. Cresci no meio da pólvora.”
E desde sempre teve a percepção de que iria suceder ao pai à frente da pirotécnica? “Sim. Excepto uma vez... Foi quando em 1959 acabei na Escola Industrial e Comercial das Caldas da Rainha [hoje Secundária Rafael Bordalo Pinheiro] o quinto ano do curso Industrial de Cerâmica. Tive a melhor nota do curso e o director, o Dr. Leonel Sotto Mayor, chamou-me e convidou-me para ser professor de trabalhos manuais em Viana do Alentejo. Só que o meu pai e a minha mãe não me deixaram ir. Eu tinha 17 anos e acharam que eu era muito novo para ir para tão longe” longe”. O seu futuro definitivo na actividade pirotécnica ficaria ali traçado e progressivamente passa a envolver-se cada vez mais na empresa. Mas veio ainda a tropa, em 1964, com uma comissão em Angola onde esteve debaixo de fogo várias vezes. A sua especialidade não podia ser outra – minas e armadilhas. Em 1967 regressa de África e no ano seguinte casa-se com Maria Rosete. Vem decidido a modernizar a empresa do pai e em 1969 ele próprio inventa uma máquina de carregar canudos “que naquela altura já funcionava com três motores independentes” independentes”, conta. Isto representava um grande salto qualitativo para um fábrica que apenas tinha uma máquina de cortar canas para os foguetes. Num espaço de um ano, António Rabaça Martins instala 32 motores na pi-
rotecnia, automatizando um processo produtivo que até então era integralmente manual. “Aquilo foi decisivo para a expansão da empresa pois mais ninguém tinha disso em Portugal” Portugal”, diz o empresário, recordando aquelas inovações. É que não era fácil conseguirem-se máquinas para trabalhar com pólvora e explosivos porque o metal não pode roçar no metal. Senão, à mínima faísca seria uma catástrofe. António Rabaça conseguiu a proeza de inventar um moinho de galgas sus-
pensas que ficavam a cinco milímetros do fundo da bacia. Em 1979 o fundador da fábrica adoece e deixa ao filho a sua gestão. Francisco Martins Júnior morre em 1982, orgulhoso da sua unidade fabril que começara por ter mil metros quadrados e tinha agora oito vezes mais de área. Na altura talvez já adivinhasse que o seu neto João Martins (então com dez anos) seguiria o negócio da família, o que viria a acontecer dez anos depois. Carlos Cipriano cc@gazetacaldas.com
Um projecto de 5 milhões de euros “Se isto avançar, não será só a maior pirotécnica do país. Será uma das maiores da Europa e do mundo” mundo”. António Rabaça Martins mostra uma planta com o projecto da fábrica que pretende construir no Bombarral e que aguarda há nove anos por uma autorização camarária. A localização é precisamente ao lado das portagens da A8 no Bombarral (sentido sulnorte), num terreno composto por uma enorme clareira verde no meio dos pinhais. Mede 435 metros quadrados e tem uma zona de segurança tão grande que a fábrica propriamente dita só ocupará três mil metros quadrados. O investimento previsto é de 5 milhões de euros e António Rabaça diz que a ideia é
criar novos postos de trabalho pois, de outra forma, não valeria a pena ampliar as instalações. O empresário desespera com a burocracia e queixa-se da desigualdade entre Portugal e Espanha na transposição das exigentes directivas comunitárias sobre segurança de fábricas deste tipo. “Enquanto cá temos 200 metros de segurança entre os paióis e a autoestrada, em Espanha nem chega a 20 metros” metros”, desabafa. E isto é apenas um exemplo em como tudo é mais complicado em Portugal do que no pais vizinho onde a legislação é muito menos rigorosa. Deste modo, conclui, “até é um milagre que a gente consiga competir com os espanhóis” espanhóis”. C. C.
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13 | Agosto | 2010
deitar foguetes
A fábrica nos anos 70 e vista aérea do complexo fabril na actualidade
João Martins – “A pirotécnia é um negócio incompreendido” João Adelino Henriques Martins nasceu em 1969 e ainda se lembra de ver o pai e o avô juntos na empresa. Hoje essa visão tê-la-á o seu filho de nove anos, João Pedro Martins, ao ver também o pai e o avô na fábrica dos foguetes. João, bisneto do ribatejano que veio de Vila Nova da Barquinha para o Bombarral construir seis barracas onde fazia foguetes, é a primeira geração da família a tirar um curso superior. Um, não. Dois. “Licenciei-me em Informática no Instituto Superior de Engenharia do Porto. Adorei o curso, mas a verdade é que senti a necessidade de estudar Gestão e acabei por me matricular na UAL em Lisboa e fazer em Gestão de Empresas”, conta João Martins. E explica porquê: “qualquer pessoa pode ter uma empresa ou estar à frente de um negócio, mas a maior parte das pessoas não tem a noção do que é gerir uma empresa. Muitos têm sorte e porque são muito empenhados conseguem ter êxito, mas a verdade é que é preciso ter formação em Gestão” Gestão”. O empresário sublinha que “esta-
mos num mercado global, com uma concorrência muito mais eficaz e bem organizada de outros países” países”. João Martins diz que cresceu na pirotécnica do pai. “Os outros miúdos iam para a praia no Verão e eu vinha para aqui ajudar o meu pai. É claro que ele me obrigava, mas na minha geração isso entendia-se como algo de natural, era normal um filho começar a integrar-se na empresa do pai e eu lembro-me de vir para aqui com 12 e 13 anos… Hoje se calhar diriam que era exploração de mão-de-obra infantil… Mas ainda hoje guardo a nota de 50 escudos [25 cêntimos] que foi o meu primeiro dinheiro que aqui ganhei.” Conclusão: “era de esperar que mais tarde ou mais cedo eu acabaria por vir para cá” cá”. E isso aconteceu em 1993 com o curso de Gestão terminado. João Martins regressa de Lisboa para o Bombarral e instala-se, ao lado do pai, à frente do negócio da família.
Negócio, diz ele, que é “compleincompreendido”. Não tamente incompreendido” haverá muitas actividades económicas com uma imagem tão negativa quanta esta. “Sempre que chegava o Verão começámos a ter que viver com o estigma de que nós éramos uns incendiários. E por muito que inovássemos, que fizéssemos processos mais seguros, esta imagem não se apagava” apagava”. É dentro deste contexto, e após dois verões de muitos incêndios, que vem uma legislação particularmente dura: acaba-se com o lançamento de foguetes tradicionais durante toda a época estival. Umamachadadaparaonegócio.Mas que obrigou a empresa a diversificar a sua actividade. Agora as alvoradas das festas e as procissões são festejadas com balonas de tiro, um substituto de velho foguete de cana e canudo. Em todo o caso, para a Pirotecnia Bombarralense longe vai o tempo em que este produto era o seu core business. Hoje em dia o que está a dar são os espectáculos de fogo de artifício e os clientes de outrora (associações
e comissões de festas das aldeias) deram lugar às autarquias que ganharam o gosto por celebrar explosivamente as comemorações dos feriados municipais, as passagens de ano e os festivais de Verão. Pagam tarde e a más horas, é certo. E João Martins não revela nada que toda a gente não saiba, mas é - para o bem e para o mal - uma importante fatia do mercado desta empresa. Os foguetes tradicionais – que ainda podem ir para o ar nos meses de Inverno – representam 20% da facturação e o restante é a venda de componentes pirotécnicos, muitos dos quais nem são produzidos na própria fábrica, mas importados de Espanha, Itália ou da China. Alguns destes produtos servem para integrar cenários no teatro, no cinema e na televisão. “Não me surpreenderia se houvesse em Hollywood algumas explosões realizadas com produtos vendidos por nós” nós”, diz. E há ainda nichos de mercado surpreendentes, colaterais a esta actividade. Durante algum tempo a empresa vendeu componentes para a Suécia, destinados a integrar um complicado processo de fabrico de aço numa siderurgia daquele país. Da produção da fábrica, cerca de 15% a 20% é exportada e João Martins jura que já viu artigos seus, fabricados no Bombarral, em certames internacionais com a designação made in Spain. “Depois os alemães, que os compram, ainda acham que nós somos mentirosos quando tentamos explicar-lhes que aqueles produtos são nossos. Dizem que aquilo é bom porque é espanhol” espanhol”, desabafa. “Recusamos alienar este saber que já vem de três gerações”
coisa em que os pirotécnicos portugueses são muitos bons – sabem conceber excelentes espectáculos de fogo de artifício, misturando sabiamente os materiais por forma a proporcionar imagens únicas. “Utilizamos em cada espectáculo apenas 20% de componentes fabricados por nós. O resto compramos fora. No futuro até poderíamos prescindir da nossa fábrica e ser uma empresa de gestão de circuitos de distribuição e de prestação de serviços. Mas recusamos alienar este saber que já vem de três gerações e queremos continuar a ser sempre uma fábrica. Nunca seremos uma empresa só de import-export, embora eu saiba que esse até era um caminho que nos daria mais visibilidade e até mais dinheiro” dinheiro”. De resto, o caminho a prosseguir é o oposto e passa por aumentar a produção fabril numa unidade a construir de raiz (ver caixa). Dificuldades burocráticas atrasaram o processo e agora os dois administradores quase agradecem tais obstáculos porque a recessão fez-se sentir forte e feio e não é este o momento mais adequado para grande aventuras. “Reconheço que não fabricamos nem comercializamos um bem de primeira necessidade” necessidade”, diz o empresário. Em tempo de crise não há dinheiro nem ânimo para muitas festas e fogos de artifício, mas felizmente tem emergido mais um nicho de mercado. Trata-se dos casamentos e baptizados, que ultimamente têm sido alegrados com um mini-espectáculo de fogo preso. Nos tempos que correm qualquer segmento de mercado é bem vindo. C.C.
A equipa da Fábrica de Fogos de Artifício do Bombarral
Ao que parece há também outra
Cronologia 1934 – Francisco Martins Júnior (1909-1982) funda a Alta Pirotecnia do Oeste
1977 – A firma passa a sociedade por quotas com um capital social de 350 mil euros e com a designação de Francisco Martins Júnior, Lda. ,tendo como sócios o pai e o filho.
1979 – A empresa volta a ser uma sociedade em nome individual designada António R. Martins (filho do fundador)
1994 – Volta a sociedade por quotas, agora chamada António R. Martins, Lda, tendo como sócios o pai e o filho (respectivamente, filho e neto do fundador)
Volume de negócios Ano
Facturação (em milhões de euros)
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
1,2 1,1 1,0 1,2 1,1 0,8 0,9 0,9 0,8
A proibição de foguetes nas festas populares, em 2005, teve um impacto negativo na facturação da empresa, obrigando-a a diversificar os seus produtos e serviços.
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20 | Agosto | 2010
UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Restaurante A Mimosa comemora meio século em J
João Francisco Machado (1913-2009) e Isaura de Almeida (1913-2004) foram os patriarcas deste negócio
Francisco Almeida ladeado pela esposa, Deonilde Azenha, e a filha, Maria Celeste Agostinho (Letinha) deram continuidade à casa
Uma casa familiar
Desde peque Mimosa
A história da Mimosa tem iní- era filha única, muito estima- em redor que vinham à cidade. A todo o ano, também se transforcio num dia de 1960 quando o agri- da” da”, recorda Deonilde Azenha, segunda-feira era o dia de maior mou numa sala de refeições, cultor João Francisco Machado adiantando que o seu pai nunca movimento, até porque naquela dando assim origem ao espaço Letinha conhece cada canto da Mimosa de olhos fechados. Che(1913–2009), residente em Abuxa- quis que trabalhasse no campo. altura havia também a praça das actual, com capacidade para 80 gou ali aos três anos e meio, pela mão da avó, e ficou com a família. nas (Rio Maior) visita as Caldas e Aprendeu, durante uma semana, galinhas na rua ao lado da venda pessoas sentadas. No entanto, a sua colaboração no restaurante só veio muito mais Todas estas obras foram sen- tarde. depara-se com uma tabuleta de o ofício com os antigos proprie- do peixe. “Assim que entrámos nesta do feitas gradualmente, sem Fui filha única e nunca fiz nada, tinha uma avó que me trespasse na então Casa de Pas- tários e, com o chegar dos seus “Fui to Ferradora na Praça 5 de Outu- pais, ficaram os quatro a traba- casa tivemos sempre muita nunca fecharem o restaurante. fazia tudo, estudei, depois casei-me com 19 anos e fui viver Até a cozinha arranjámos para Lisboa” gente”, conta Deonilde Azenha, “Até bro, à época também conhecida lhar no restaurante. Deonilde e a gente” Lisboa”, conta. Esteve quatro anos a residir na capital, mas por Praça do Peixe por aí se reali- mãe, Isaura de Almeida (1913– recordando que a sua mãe, quan- sem nunca fecharmos a por- depois o marido, o médico Silvestre Agostinho, resolveu voltar para viu tantos cli- ta” zar o mercado diário de pescado. 2004), cuidavam da cozinha, en- do a veio visitar “viu ta”, conta Deonilde Azenha, ex- as Caldas há cerca de 28 anos. A sua única filha tinha casado quanto que o marido e o pai, João entes, que percebeu que eu plicando que instalaram provisoNessa altura, Letinha começou por ajudar o marido no consultório e, como queria um riamente a co- e tomava conta dos dois filhos pequenos. Depois começou a ajudar futuro melhor Situada na Praça 5 de Outubro, o restaurante A Mimosa é uma referência na cidade zinha na ade- no restaurante e passou a gostar mais de trabalhar na Mimosa do que para ela do que o com a sua comida tradicional portuguesa. Os actuais proprietários, Deonilde Aze- ga, onde tra- no consultório médico. “Passei a estar aqui a tempo inteiro há cerca trabalho na terra, nha e Francisco Almeida, adquiriram a casa de pasto que ali existia em 1961 e desde balhavam en- de 10 anos” anos”, altura em que os filhos já estavam crescidos. achou que montar quanto decorAgora é uma espécie de relações públicas da casa, ao mesmo tempo então têm ampliado o espaço que actualmente tem capacidade para 80 pessoas. um negócio nas riam as obras que faz os doces, serve à mesa e faz as compras diárias. O nome – A Mimosa - deve-se ao tom verde-claro com que o restaurante foi pinta- de melhoraCaldas poderia A grande maioria dos clientes tratam a Letinha pelo seu nome ou ser a solução. “O do, há cerca de 35 anos, deixando assim para trás o letreiro de A Ferradora. mento. diminutivo. São pessoas das Caldas e arredores, mas também de A história desta casa faz-se no feminino. Três gerações de mulheres (mãe, filha e meu pai chegou “Só fechá- Lisboa (sobretudo ao sábado), os frequentadores do restaurante. a casa e disse neta) trabalham na Mimosa e garantem a sua manutenção. mos d o i s “Gosto Gosto muito dos meus clientes e eles gostam de mim” mim”, diz, que ficar com d i a s m u i t o netos de chamando a atenção para o facto de agora já serem os “netos Em Janeiro de 2011 haverá festa para assinalar os seus 50 anos. este estabelecirecentemen- nossos clientes que adoram vir à Letinha” Letinha”. mento era uma oportunida- Francisco Machado (1913–2009), sozinha não conseguia dar te para pôr um chão novo na O cozido à portuguesa é o prato mais conhecido da Mimosa, a par de” de”, lembra Deonilde Azenha, 71 eram responsáveis pela parte da resposta e nunca mais se foi cozinha” cozinha”, conclui. com as sardinhas assadas no carvão que, durante o verão, trazem embora” embora”, tendo ali permanecianos, que toma conta de um dos adega e taberna. O restaurante ganhou o nome muitos clientes à casa. “Não comem em lado nenhum iguais às A família morava no primeiro do cerca de 30 anos a ajudar. estabelecimentos mais embleactual há cerca de 35 anos, por minhas” minhas”, garante Letinha. A elevada freguesia levou os causa das cores. Os proprietários máticos da cidade, juntamente andar do prédio e o nome FerraHá ainda outros pratos da cozinha tradicional portuguesa como o com o marido, Francisco Almei- dora - alusivo ao facto de ali tam- proprietários a ampliar o espaço. pintaram a casa de verde-claro e bife com alho, feijoada ou dobrada, “que a minha mãe faz muito da, e a filha Maria Celeste Agos- bém se ferrarem animais – ainda Primeiro foi deitada uma parede o pintor sugeriu o nome Mimosa, bem” bem”, adianta. tinho, carinhosamente tratada se iria manter mais alguns anos, abaixo para ampliar a sala de re- que foi aceite. Houve ainda a suDeonilde Azenha, apesar dos seus 71 anos, continua a cozinhar. até à altura em que viriam a ser feições. Anos mais tarde avança- gestão de restaurante se chamar Chega ao restaurante pelas 7h30 e começa logo a trabalhar na cozipor Letinha. Deonilde Azenha veio para o feitas obras de remodelação no ram para as traseiras, fazendo Letinha, mas a jovem na altura nha. As empregadas chegam duas horas depois e, nessa altura, vai restaurante a 28 de Janeiro de espaço comercial para ampliar a outra sala onde antes estava o não achou a mínima graça. ao talho. Nunca sai antes das 23h00 ou meia-noite. Já a sua filha vem quintal alugado às pessoas que 1961, juntamente com o marido, sala de refeições. Os responsáveis não quiseram todos os dias a pé da Quinta da Boneca para o restaurante, na Praça Nesses anos da década de 60 vendiam na praça do peixe. depois de ter pago um trespasse dar o valor da facturação. 5 de Outubro. Às 8h30 vai à Praça da Fruta fazer as compras dos A adega, que em tempos alde 40 contos (cerca de 200 euros). os principais clientes eram as peienchidos, verduras e fruta e depois vai ao mercado do peixe comprar Fátima Ferreira Todo o peixe vem da praça, não é do supermercaNa terra deixava a filha, com três xeiras que vendiam na praça e bergou seis grandes tonéis de vio que falta. “Todo do. Pode ser mais caro, mas garantimos a qualidade” anos e meio, ao cuidado dos avós também as pessoas das aldeias nho para vender a copo durante fferreira@gazetacaldas.com qualidade”, realça que, na semana seguinte os vieram visitar às Caldas e também por cá ficaram. Na altura a Casa Ferradora resumia-se a um corredor, uma sala pequena e um quarto. Uma outra parte da casa tinha as “casinhas”, que eram alugadas às vendedoras de peixe para ali guardarem as caixas, sal e demais utensílios de apoio à venda. No quintal da então casa de pasto também eram colocados uns fogareiros que permitia às pessoas ali assarem o peixe, que acompanhavam com vinho tinto da casa. “Eu era uma menina que Isaura Almeida (1913-2004) à porta da Mimosa a olhar para os seus Aspecto do restaurante antes da última remodelação, há cerca de uma década. nunca tinha feito quase nada, bisnetos João Francisco e Joana.
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20 | Agosto | 2010
aneiro JOÃO EVANGELISTA, CLIENTE DE LONGA DATA
“Ainda este ano não comi uma sardinha assada”
ena que Joana Agostinho, de 23 anos, ajuda a mãe e a avó na
Deonilde Azenha. foi Referindo-se à aquisição do restaurante, a matriarca diz que “foi a melhor escolha que fiz na vida” vida”, destacando a presença da filha, que garante a continuidade do negócio. Também a vida de Joana Agostinho, 23 anos, está estreitamente ligada à do restaurante Mimosa. “Lembro-me desta casa desde sempre, mesmo que não estivesse a trabalhar, estava sempre aqui”, conta, recordando que quando eram mais pequenos (Joana e o irmão) ainda iam jantar a casa, mas depois começaram a também fazer as refeições no restaurante. Joana lembra-se de começar por ajudar com tarefas simples, como ir buscar as bebidas ou fazer algum favor à mãe, adquirindo depois a experiência que lhe permite ser responsável pelo atendimento das mesas. Contudo, ainda hoje continuam a haver algumas coisas que as farófias continua a ser só a minha mãe só a mãe é que faz: “as que as tira, o melão é ela quem corta e o leite-creme é ela quem queima” queima”. Aspirante a uma carreira no ensino, como professora de Inglês e Alemão, Joana Agostinho diz que o seu coração balança quando pensa no trabalho do restaurante, de que também gosta bastante. “Não excluo as possibilidades de ficar, ainda por cima porque nos tempos que vivemos é um bom negócio e temos muita sorte em ter clientes fixos que gostam da nossa comida” comida”, revela. A jovem diz que não exclui a hipótese de ajudar a mãe até mais tarde, mas ficar com o negócio “é complicado” complicado”. “Penso muitas vezes que o meu irmão era capaz de ficar com isto porque é muito bom cozinheiro, mas também tem a sua profissão” profissão”, adianta, sobre o jovem formado em Bioquímica. Sobre a Mimosa destaca o facto das pessoas serem todas amigas e dá o exemplo das pessoas todas se cumprimentarem e conversarem entre elas. Durante o tempo em que esteve a estudar na universidade, em Lisboa, vinha sempre dar uma “mãozinha” no restaurante nos tempos livres que tinha e nas férias. O cozido, feito pela avó, assim como todas as variedades de bacalhau, estão no topo das suas preferências. “Para comer de forma saudável é sempre aqui” aqui”, deixa como sugestão. F.F.
O professor João Evangelista é um entusiasta da cozinha da “Mimosa”. Começou a frequentar o espaço há cerca de 15 anos, altura em que veio dirigir o pólo caldense da UAL e ali se dirigia para almoçar com amigos. Em 2005 mudou-se, juntamente com a esposa, para as Caldas e aquele restaurante era parte do seu quotidiano. “Tínhamos uma mesa sempre guardada para nós. Depois passou a ser só para mim, enquanto podia lá ir” ir”, recorda João Evangelista, que depois, devido a dificuldades físicas, deixou de ir ao restaurante, mas continuava ali a comprar a sua comida. Actualmente, com 90 anos, encontra-se internado no Montepio. Sentia-me lá muito bem, “Sentia-me acabei por criar amizade com os outros frequentadores, os nossos vizinhos de mesa e outros que lá iam fazer as refeições” refeições”, conta, lembrando que a certa altura “um senhor de certa idade lembrou-se de perguntar à Letinha o meu nome e descobriu que tinha sido meu aluno aos 12 anos, num colégio em Lisboa” Lisboa”. Neste restaurante João Evangelista reencontrou também amigos de infância. “Encontramo-nos por ali, conversamos, sabemos o que cada um gosta, por isso estes ambientes são muito especiais” especiais”, sintetiza. Entre os pratos seus prefe-
ridos destaca as sardinhas assaA minha grande saudadas. “A de é este ano não ter comido uma sardinha assada, mas às vezes faço uma malandrice, peço e trazem-mas fritas” fritas”, conta, divertido. O bom garfo destaca ainda que a Mimosa tem um bacalhau no forno que “é excelente” excelente”, assim como todo o peixe grelhado, como é o caso do sargo, da sarda, ou da cavala, que “quando podia” gostava temperada com bastante sal. “Gosto muito da comida tradicional, não me dou bem com as comidas esquisitas” tas”, revela. João Evangelista diz ter uma estima muito grande pela zona da antiga Praça do Peixe (Praça 5 de Outubro) pois foi o primeiro sítio onde morou nas Caldas.
Natural de A-dos-Negros, veio viver para as Caldas em 1926 (na altura tinha seis anos) e por cá ficou durante 11 anos. Lembra que a sua casa ficava do outro lado da praça e que a existência do teatro Pinheiro Chagas o impossibilitava de ver o restaurante. Daquele tempo recorda a venda de enguias da Lagoa enroladas em areia, que o peixe miúdo era vendido às dúzias ou ao quarteirão enquanto que o grosso é que era a peso. “E o chicharro ou a cavala eram vendidos a pares” pares”, especifica. “Ainda sou do tempo em que ao sábado à noite começavam a chegar galeras com a gente da venda do peixe, para venderem ao domingo” domingo”, desfila entre as memórias, que inclu-
em também a primeira camioneta que veio com peixe para aquela praça e que era propriedade de um comerciante da Nazaré. As peixeiras também não estavam a salvo das travessuras dos miúdos daquela zona: “aproveitávamos quando elas estavam a dormir e roubávamos caranguejos” caranguejos”. Depois de já ter trabalhado na firma J.L. Barros (onde começou antes dos 10 anos) João Evangelista foi estudar no curso nocturno da Escola Comercial Rafael Bordalo Pinheiro (onde obteve o primeiro prémio nacional do ensino técnico, em 1938). Aos 18 anos partiu para Lisboa. Regressou 67 anos depois, com a esposa. F.F.
João Evangelista (à esquerda) e a esposa recentemente falecida (à direita). Ao centro: José Paulo (cliente), Letinha e o marido. A amizade e camaradagem são uma das características desta casa. A fotografia data dos anos 80
Cronologia 1960 - João Francisco Machado (pai de Deonilde) sabe da intenção de trespasse da casa de pasto e informa a filha da possibilidade de negócio 1961 – A sua filha Deonilde e o marido, Francisco Almeida, iniciam a exploração do estabelecimento. O resto da família junta-se ao negócio. 1975 – Após obras de remodelação, o estabelecimento passa a chamar-se restaurante A Mimosa 2000 - Maria Celeste Agostinho (Letinha), filha de Deonilde passa a colaborar no restaurante
“Foi aqui que aprendi tudo o que sei hoje” Actualmente com 35 anos, Elisabete Martins começou a trabalhar no restaurante Mimosa com 12, pouco tempo depois de ter terminado a escola primária. Foi pela mão da irmã, que também ali trabalhava, que deixou a Serra do Bouro e foi para o local onde aprendeu “tudo que sei hoje porque nem um ovo sabia estrelar” estrelar”, recorda. A Beta, como as patroas lhe chamam, passou o primeiro dia a varrer umas águas fur-
tadas, onde havia muita casca de cebola, lembra, passando depois a lavar a loiça, tarefa que ainda hoje gosta particularmente de fazer. Há quatro anos engravidou e deixou de trabalhar. Voltou há um ano à casa onde tem passado grande parte da sua vida e onde, além de patrões tem amigos. “Gosto de cá estar, a minha mãe é a Dona Deonilde, foi aqui que acabei de ser criada” criada”, revela. Juntamente com Elisabete, tra-
balha Maria da Conceição Rodrigues, empregada da Mimosa há 15 anos. Faz as limpezas e trata da roupa, além de ajudar a compor as mesas. “É um trabalho que gosto de fazer porque convive-se com as pessoas” pessoas”, disse. António Vieira é o responsável por tratar do carvão. Começou por ajudar Francisco Almeida nessa tarefa e agora é ele quem garante o peixe assado, uma das especialidades desta casa. F.F.
Elisabete Martins começou a trabalhar no restaurante Mimosa com 12 anos
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Família Bernarda investe em negócios nas Caldas de
O casal fundador, Alberto da Bernarda e Noémia do Canto, com os José Pena Júnior (falecido em 1973), fundador da Mercearia filhos Rui e Luís (hoje com 35 e 45 anos). Ambos se mantiveram na mesma área de negócio e cada um já tem o seu mestrado em Marketing Pena numa foto de 1950.
Alberto da Bernarda e Noémia do Canto, de 71 e 66 anos, são naturais de duas aldeias ribatejanas e vieram para as Caldas em Maio de 1964, já depois de casados. O pai de Alberto da Bernarda, António Lopes da Bernarda (1913-2003) possuía na aldeia do Canal uma mercearia e taberna, que também era posto de correios. “Quando me casei o meu pai não queria que eu ficasse na aldeia achava melhor que eu fizesse a minha vida fora dali. Acabámos por escolher as Caldas Caldas”, contou Alberto da Bernarda, acrescentanuma terdo que esta era então “uma ra evoluída evoluída”, apesar de para se chegar ao Bairro dos Arneiros ser ainda necessário atravessar terrenos de areia preta. A família instalou-se no Bairro de Annegociávatónio Elias pois “negociávamos azeite com os Elias, negócios que foram iniciados pelo meu pai pai”. Pouco tempo depois surgiu ao casal a oportunidade de ficar com a mercearia que existia na Rua da Vassoureira (ou da Escoveira), na Rua da Estação. Era assim designada pois existia ali uma fábrica de vassouras. A loja, que incluía taberna foi trespassada ao casal Bernarda em Julho de 1964 por 15 contos (74,82 A minha mulher ficava euros). “A mais na mercearia e eu na tabernica bernica”, conta Alberto da Bernarda, que entretanto começou a negociar em madeiras, actividade que não prosperou. Já mercearia ia de vento em popa “porque implementámos o conceito de mercearia de aldeia ali naquele bairro” bairro”. Vendia-se quase tudo avulso como era normal naquele tempo - o azeite, o arroz, a farinha, o sabão, etc. Eram inclusivamente responsáveis por fazer produtos como a lixívia e Alberto da Bernarda recorda como comprarmos 12 era comum “comprarmos quilos de hipoclorídrico e juntarmos água para fazer 50 litros de lixívia lixívia”. Os clientes da Vassoreira eram, os vizinhos, as naturalmente, “os famílias que viviam na estação [à data um grande complexo fer-
roviário onde trabalhavam e viviam dezenas de pessoas] e muitas pessoas do Bairro dos Arneiros ros”, contaram. Aos empregados da estação vendiam-se muitas “ciganinhas” (vinho tinto vendido nas garrafas das minis que iam encher à taberna). Noémia da Bernarda conta que era o filho mais velho, Luís, nascido em 1965, que ia muitas vezes até ao muro que dividia a área da estação da cidade e aviava os ferroviários, trazendo e levando as garrafas. Lembro-me que num sába“Lembro-me do de manhã, batemos o recorde ao vender dois mil papo-secos. A fila de gente chegava à rua rua”, disse a empresária. Outro dos segredos da Vassoureira era ter sempre as coisas que as pessoas necessitavam e evitar a todo o custo ter produtos em falta. Também a taberna prosperava. Alberto da Bernarda contou que chegaram a ter um vinho afamado chegánas Caldas e num só ano “chegámos a vender 30 mil litros de vinho a copo” copo”. O casal recorda que também aviava os indigentes que possuíam senhas entregues pela Polícia que podiam ser, uma vez por mês, trocadas por bens alimentares. A mercearia abria às oito da manhã e o casal recorda que laborava até de madrugada para Trabalharepor os produtos. “Trabalhava-se sábados, feriados e dias santos. Os dias vagos, Domingos, era para limpar e encher a mercearia, não era para passear passear”. Em 1970, Alberto e Noémia decidiram fazer obras e transfor-
maram a mercearia no primeiro supermercado da cidade, com uma caixa registadora e livre serviço. A “Vassoureira” foi a primeira casa a modificar-se e das primeiras a ttirar irar fomos “das 15 dias de férias pois até essa altura ninguém as tirava tirava”. “NUNCA SERVI UM GALÃO QUE NÃO FOSSE COM O LEITE FERVIDO”
Entretanto surge a hipótese de ficarem com o trespasse do Café Pérola junto à estação (que
Rui da Bernarda atendendo os seus clientes na mercearia. O empresário aposta forte nos produtos tradicionais portugueses.
de sucesso. A maioria da clientela eram passageiros da CP e ferroviários, isto numa época em que nem toda a gente tinha carro, não havia auto-estradas e o caminho-de-ferro era o principal meio de transporte para se chegar e partir da cidade. “Logo de manhã estavam tudo quentinho em cima do balão balão”, recorda o casal. Era tudo feito na altura e com um cuidado pouco habitual. Veja-se por exemnunca servi leite aos plo o galão: “nunca meus clientes que não fosse fervido e ia ao Pena buscar café
tar com um empregado e tomaram a iniciativa de pedir a máquina do Totobola à Santa Casa da Misericórdia e recordam que estiveram sete anos à espera da autorização para poder ter aquele jogo. Entretanto, Alberto da Bernarda reparte o seu tempo com um outro projecto ao qual dedicou alguns anos da sua vida – a Coopercaldas, uma cooperativa de retalhistas, da qual foi cofundador em 1973. Nos anos noventa, e acompanhando o declínio da linha do
A família Bernarda está nas Caldas há quase meio século e desde então não parou de investir em negócios. Há 46 anos ficou com uma mercearia e taberna, depois com um café e actualmente possui uma casa de jogos da sorte (Pérola da Sorte) e a Mercearia Pena. Pais e filhos – Alberto e Noémia, e Luís e Rui - são os sócios gerentes da firma Carvalho & Irmão, Lda. e têm alma de comerciantes sempre em busca do crescimento dos seus negócios. Ao todo empregam nove pessoas e em tudo o que fazem distinguem-se pela aposta na qualidade. pertencia a Joaquim Anastácio) o que veio a acontecer em 1978. Os Bernarda - então já com dois filhos - passam assim a deter a Vassoureira e o café Pérola. Este último era detido pela firma Carvalho & Irmão, Lda., que passa agora para as mãos do casal Bernarda. Será através desta sociedade por quotas que o casal fará os seus futuros negócios, nomeadamente a compra da Mercearia Pena e a criação da Pérola da Sorte. Em 1980 os Bernarda trespassam a mercearia e investem mais forte no café Pérola, cuja localização em frente à estação era um dos principais motivos
d’Avó para lhe adicionar adicionar”, contaram. Durante muitos anos o café funcionou entre as seis da manhã e as duas da madrugada. Entre o público preferencial estavam os tropas e os estudantes e, para além do negócio, contam que praticavam este horário “para que os seus clientes não ficassem na rua a aguardar pelos comboios pois só fechávamos quando todos partiam partiam”. Depois acharam que em nome do descanso era melhor praticar novo horário e passaram a abrir às sete da manhã e a fechar à meianoite. Passaram também a con-
Oeste, o café passa a ter menos clientes. A zona vive então um Os tomomento mal afamado. “Os xicodependentes trouxeram mau ambiente a esta zona. Esperavam pela droga que vinha de comboio comboio…”, contou o casal, que pouco depois toma a decisão de fechar o café. Esta decisão coincidiu com a vontade da autarquia em demolir o próprio edifício para ali construir um parque de estacionamento. Como não eram proprietários e só pagavam renda, Alberto e Noémia chegaram a acordo com a autarquia e o senhorio e mudaram-se para o célebre “mamarracho da estação” que fica na esquina em frente e onde
ainda hoje possuem a Pérola da Sorte, uma casa exclusivamente dedicada ao jogo. Curiosamente, isso representava um regresso à mesma rua onde décadas antes tinham iniciado a sua actividade comercial com a Vassoureira. Para Noémia, era tempo de mudar de actividade porque estava saturada de 20 anos na mercearia Vassoureira e 24 anos no café Pérola. “Eu não gostava dos novos clientes que nos anos 90 passaram também a frequentar o café” café”, conta. Contudo, ainda hoje há antitêm saudagos clientes que “têm des dos nossos pastéis de bacalhau e das nossas fatias douradas” douradas”. Do café Pérola para a nova casa trazem as máquinas de registo dos jogos de Totobola, Totoloto, alem de venderem também a lotaria. Mais tarde passaram a ter também o Euromilhões e as raspadinhas. Na Pérola da Sorte já foram vendidos os primeiro, segundo e terceiro prémios da lotaria nacional e seis vezes o primeiro préTemos clienmio do Totoloto. “Temos tes que jogam com a mesma chave há vários anos e hoje já atendemos os seus filhos filhos”, disseram, explicando que são agentes da Santa Casa desde os anos oitenta. Nesta altura o casal detinha já um outro negócio – a mercearia Pena, que tinham comprado em 1997 e que dava trabalho a três pessoas. Natacha Narciso nnarciso@gazetacaldas.com
A Mercearia Pena no passado e no presente. Este estabelecimento celebrou no ano passado O Café Pérola acabou por ser demolido pela autarquia e hoje o local é um parque de estacionamento 100 anos.
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esde os anos 60 “Comprámos a Mercearia Pena para que aquela casa centenária não fechasse” Tinha muita pena que “Tinha aquela casa fechasse, era uma referência nas Caldas e o senhor Vítor dava-se ao luxo de atender os clientes que queria queria”. Alberto da Bernarda diz que foi por essa razão que comprou em 1997 a mercearia do seu amigo Vítor Santos, que na altura estava em dificuldades. Numa primeira fase a Mercearia Pena não foi alvo de grandes mudanças por parte dos novos proprietários, mantendose como um estabelecimento tradicional no centro da cidade. Será em 2001 que Rui da Bernarda, filho mais novo do casal, enceta uma verdadeira revolução naquela mercearia. Rui tinha 25 anos, uma licenciatura em Gestão de Marketing e experiência como gestor em duas cadeias de supermercados. (Curiosamente, o seu irmão, Luís, 44 anos, também está no mesmo ramo, mas vive em Lisboa, onde é gerente da cadeia Spar, que possui 30 lojas em Portugal e 13 mil em todo o mundo). “Para viabilizar a Mercearia Pena deixámos em dois ou três anos de vender produtos de mercearia e de drogaria”, disse Rui da Bernarda. Nos anos 90 as pequenas unidades de retalho estavam a desaparecer ao ritmo alucinante de cerca de 2000 por ano. Para evitar que a Pena fosse mais uma, era preciso um grande investimento para adaptar a loja aos novos desafios. Rui da Bernarda manteve os mesmos funcionários (cinco) e os fornecedores e dá o desenvolvimento devido a uma das principais áreas: o café. Mais ninguém vende Café d’Avó na cidade e desde que pegaram no negócio já criaram novos lotes. Pena, Centenário, Bordalo e Óbidos são as últimas criações que
ainda não conseguem concorrer com as vendas do centenário Café d’Avó. Agora também já vendem apenas chicória pois há pessoas que, aconselhadas pelos médicos, estão a substituir o café por aquele produto. A Mercearia Pena ao longo dos últimos anos tem apostado em produtos com a marca da casa, como é o caso de um queijo da Serra e os bolos secos, que são feitos nas Caldas, bem como o licor de Café d’Avó que é também produzido na região. “Hoje 50% do negócio da mercearia é dedicada à revenda da”, contou Rui da Bernarda, explicando que vende café expresso para hotelaria e restauração. O empresário renovou totalmente aquele espaço comercial uma década depois de o ter adquirido. Actualmente já está a preparar a segunda página da internet da mercearia e orgulha-se de estar presente nas redes sociais e em páginas internacionais de gastronomia que até já lhe trouxeram clientes estrangeiros. Temos que acompanhar os “Temos tempos e fazer com que os nossos negócios não sejam ultrapassados passados”, diz o empresário que, apesar de tudo, sabe que a época é contrária à evolução de pequenos estabelecimentos como as mercearias, mas trabalha todos os dias para inverter esta tendência. Apostando forte nos Como? “Apostando produtos tradicionais portugueses e estando atento às novas necessidades dos nossos clientes clientes”. A Mercearia Pena já foi agraciada com uma medalha de ouro pelo município das Caldas e foi uma das cinco lojas nacionais finalista na categoria Lojas com História do Prémio Mercúrio – O melhor do Comércio 2008. Esta distinção é promovida pela Confederação do Comércio e Serviços de Portugal e pela Escola de Comércio de Lisboa. Pai é tudo apenas e filho explicam:”é
“As primeiras dificuldades começaram logo com a abertura do Modelo”
fruto do trabalho e da dedicação cação”. “OS NOSSOS NEGÓCIOS PRIMAM PELA EXCLUSIVIDADE”
Os nossos negócios pri“Os mam pela exclusividade e centram-se em si próprios para não haver dispersão, facto que normalmente mata os negócios negócios”, disse Rui da Bernarda. A firma Carvalho & Irmão tem nove funcionários, quatro na Pérola e cinco na Mercearia Pena. Em 2009, esta sociedade por quotas facturou 432 mil euros na Mercearia Pena e cerca de 71 mil euros na Pérola da Sorte. Questionado sobre se os seus negócios estão consolidados, Alberto da Bernarda diz que se fosse questionado há uma década diria que sim “diria sim”, mas hoje connada é sidera que nos negócios “nada para sempre...” Tanto a Mercearia Pena como a Casa Pérola da Sorte não estão imunes à crise generalizada. Ambos tiveram um decrés“Ambos cimo de 10% a partir de Janeiro deste ano ano”, comentou Rui da Bernarda. No caso dos jogos, por estranho que possa parecer, até tem mais apostadores, mas tem muito menos apostas. “Hoje muitas pessoas jogam apenas dois euros porque não podem jogar menos menos”, disse. De qualquer modo a família não baixa os braços e o próximo projecto pode passar pelo alargamento do conceito da Mercearia Pena a um espaço de restauração. A ideia está a ganhar raízes de modo a que os clientes possam degustar uma boa sandes de queijo da Serra ou de um paio de qualidade que vão buscar a tantas zonas do país. Natacha Narciso nnarciso@gazetacaldas.com
Vítor Santos nos anos 50 na Mercearia Pena, quando ainda era apenas empregado e em 1992, então já proprietário com a neta ao colo
A história da Mercearia Pena (fundada em 1909) está intimamente ligada ao Vítor Santos, hoje com 84 anos, que nela começou a trabalhar em 1938. Em 1956 ascende a sócio-gerente por iniciativa do fundador e então proprietário José Pena Júnior (falecido em 1972), natural de Folques (Arganil). Entre os anos cinquenta e 1997 Vítor Santos é o principal rosto desta centenária mercearia. Nascido em 1925, este caldense recorda que morava na Rua do Hospício, com a sua mãe e irmãs (o seu pai falecera cedo). Vítor Santos começa a trabalhar cedo: Nos anos trinta fui para “Nos a Escola Comercial estudar de noite e trabalhar para a Mercearia Pena durante o dia dia. Trabalhei como marçano, a fazer recados e a casa teve sempre boa clientela sobretudo de Óbidos” Óbidos”. Porquê de Óbidos? A história já é lendária: conta-se que José Pena tinha ido a uma feira em A dos Negros e encontrou uma carteira com muito dinheiro que fez questão de a entregar ao dono.
Cronologia: 1948 - Constituição da firma Carvalho & Irmão Lda registada no nº 328 da Conservatório das Caldas (esta empresa era detentora do Café Pérola que viria mais tarde a ser comprado por Alberto e Noémia) 1964 – O casal Alberto da Bernarda e Noémia do Canto tomam de trespasse “A Vassoureira” (taberna e mercearia) na rua da Estação 1970 – Transformação da mercearia no primeiro supermercado da cidade, com uma caixa registadora e livre serviço 1978 – O casal toma de trespasse o Café Pérola, também junto à estação, passando assim a deter a totalidade do capital social da firma Carvalho & Irmão, Lda. 1980 – O casal desiste da Vassoureira, trespassando o negócio, ficando ficam apenas com o café Pérola 1996 - Dando cumprimento à legislação da época, Alberto da Bernarda aumenta o capital social da firma para 1500 contos (7482 euros). 1997 – Aquisição da Mercearia Pena 2002 – O café é demolido para dar lugar a um parque de estacionamento. O casal funda a Casa de Jogos Pérola da Sorte na Rua da Estação 2006 - O capital social da empresa é aumentado para 50 mil euros 2007 – Grande renovação da mercearia e criação de vários lotes de café e produtos com a marca Pena
Toda aquela gente passou a “Toda tê-lo em grande consideração e estima por ter sido um homem sério sério”, passando muitos obidenses a frequentar o seu estabelecimento. Quando Vítor Santos foi para a tropa, no RI5, em 1946, deixou um compadre a cumprir as suas funções. O ainda empregado da mercearia, como era órfão de pai, pagou a praça, uma quantia de 2.500 ao escudos (12,50 euros) e por isso “ao fim de seis meses vim-me embora bora”. Regressa ao seu posto de trabalho ainda com 18 anos e assim que o senhor Pena entrevoltou, “o gou-me a chave de sua casa, da loja e do cofre cofre”, contou o futuro sócio-gerente. Os principais produtos da casa foram sempre o café e o bacalhau. “O senhor Pena sempre foi um homem que gostava de ter tudo quanto era bom, fosse o queijo da Serra, as carnes ou os enchidos enchidos”, recorda. Dado o bom gosto e a incessante procura de qualidade nos produtos que vendia, tornava-se numa das casas mais conhecidas das Caldas e região. Nos anos 50 lembra-se de que foi adquirida para a Merceria uma máquina para cortar fiambre, uma grande inovação que só uma outra casa comercial praticava nas Caldas. A Mercearia Pena foi das primeiras a moer o café ao balcão e era também Vítor Santos o responsável por torrar os grãos. “A mistura do Café d’Avó fui eu que a fiz. O lote que lá está ainda é meu: 40% de café e 60% de chicória, que ainda hoje é dos produtos que mais se vende vende”,
contou. Foi em Março de 1956 que José Pena decide oferecer sociedade ao seu funcionário. Era grande a confiança que nele depositava pois partia descansado para as suas viagens pela Europa, deixando-o à frente de tudo. A casa acabou por ser alvo de remodelação nos anos 60. Antes de falecer, Pena Júnior fez um pedido ao seu sócio: que a casa não perdesse o “que seu nome nome”, conta Vítor Santos. O mesmo pedido que, anos mais tarde, este viria a fazer a Alberto da Bernarda quando viu que a saúde e as dificuldades por que a casa passava não lhe permitiam continuar o negocio, preferindo cedê-lo ao amigo. “As primeiras dificuldades começaram logo quando o Modelo abriu, na década de noventa. Mas eu lá me fui aguentando pois mesmo com a aberturas dos grandes supermercados ainda tive alguns clientes que gastavam ao mês na mercearia” mercearia”, contou. Seguiram-se problemas de saúde, que ajudaram a determinar a decisão de venda da Mercearia Pena. Ao longo da história da mercearia foram vários os clientes a quem se levava as compras a casa. Actualmente há alguns a quem ainda se faz esse favor. Segundo Rui da Bernarda, provavelmente o futuro poderá passar pelo retorno às entregas ao dose calhar de uma formicílio “se ma mais internética” internética”, rematou. Natacha Narciso nnarciso@gazetacaldas.com
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3 | Setembro | 2010
UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
O filho do Joaquim da Lareira já segue as pisadas do
O futuro dono da Lareira quando tinha sete anos em 1951. Joaquim é a criança do meio, em baixo. A Lareira – o restaurante que veio da Alemanha
Joaquim Coito nunca teve férias e quando vai para fora das Caldas é em trabalho ou para conhecer algum estabelecimento para o qual é convidado. A sua mulher, Maria Beatriz Coito, trabalhou sempre ao seu lado até recentemente, mas está agora a tomar conta da mãe que ficou acamada. Com 66 anos, Joaquim Coito não se sente cansado e não pensa na Ainda acho que sou reforma. “Ainda necessário aqui aqui”, afirmou. Mas o filho, Sérgio Coito, de 39 anos, está a assumir cada vez mais funções na empresa. Na cozinha é o cozinheiro principal e ao nível da gestão é o responsável pelas compras, por grande parte dos orçamentos para os caterings e por tudo o que são burocracias. A filha do casal, Susana Coito, é arquitecta na Câmara das Caldas. Até seria bom que ela traba“Até lhasse connosco, mas ela tirou o curso de Arquitectura e gosta muito do que faz faz”, diz o pai. Para o empresário, a vantagem de ter uma empresa familiar é poder trabalharem em conjunto, mas é importante saber dar a autonomia necessária a cada um. Embora Sérgio Coito, filho do fundador do restaurante, não quisesse adiantar o volume de negócios anual, comentou que em 2009 tiveram um decréscimo nas receitas, mas em 2010 a situação tem melhorado. De África à Alemanha
Joaquim Coito nasceu em 1944, no Peso (Santa Catarina) e foi morar
para Salir de Matos quando casou, em 1970. Oseuprimeiroempregofoicomo aprendiz de padeiro nas Caldas da Rainha, aos 13 anos. Chegou a trabalhar na Quinta do Sanguinhal, no Bombarral, mas como não gostou muito da agricultura voltou a ser padeiro, mas desta vez em Lisboa. Em pouco tempo, como o patrão
Sérgio (de chapéu branco) e o seu pai (à direita) na cozinha do restaurante.
De 1968 a 1972 trabalhou nesse navio, até que decidiu deixar o mar porque se casou com Maria Beatriz e emigrou para Osnabrück, na Alemanha. Como no tempo da tropa aprendera inglês, começou a trabalhar como tradutor numa firma alemã de peças de automóvel que em 1973 contratou cerca de 600 portugueEram quatro fábricas e eu ses. “Eram fazia de intérprete para os por-
qualidade. Todas as segundas-feiras deslocava-se a Paris para comprar os peixes, legumes e outros artigos que usava no restaurante. Foi também na capital francesa que Joaquim Coito frequentou um curso de molhos, no Instituto de Cozinha. Regresso a Portugal
Ao fim de dez anos a família decidiu voltar para Portugal por-
nha mais sofisticada sofisticada”, referiu Joaquim Coito. Vinham pessoas de vários lugares do país para se abastecerem. O segredo estava nos bons contactos que o empresário tinha e que lhe traziam produtos de qualidade de vários países, nomeadamente os queijos e os patês franceses. Manteve o mini-mercado durante cinco anos e em 1983, optou por investir de novo num restaurante.
Há 26 anos que a família Coito explora aquele que é considerado um dos melhores restaurantes da região. A Lareira, no Alto do Nobre, é uma referência no domínio gastronómico das Caldas da Rainha e do Oeste, e o seu nome é conhecido não só pelo restaurante, mas também pelos serviços exteriores de catering em diversos eventos. O restaurante tem representado a gastronomia do Oeste em muitos certames e tem sido alvo de reportagem em várias publicações nacionais e internacionais. Do quadro da empresa fazem parte 13 funcionários (incluindo os sócios-gerentes), um número que aumenta quando é necessário responder a picos de trabalho. Actualmente há duas gerações que trabalham no restaurante: Joaquim Coito e o seu filho Sérgio Sérgio. A transição de gestão já começou a ser feita e Sérgio Coito tem vindo a assumir cada vez mais protagonismo na empresa Joaquim Bernado do Coito Lda. gostava muito dele, passou para a caixa na padaria. Mas a minha ambição era “Mas embarcar porque aqui na zona andava muita gente embarcadiça diça”, conta. Depois de tirar a carta marítima, embarcou num barco de pesca como ajudante de motorista e foi até África. Chegada a altura de fazer a tropa, em 1966, esteve primeiro colocado em Portugal e acabou por seguir para a Guiné, onde esteve dois anos, durante a guerra colonial. Quando regressou voltou a embarcar, mas agora a sua nova ambiConsegui um ção era emigrar. “Consegui passaporte turístico e fui para a Holanda, onde embarquei num navio americano americano”, contou.
tugueses que lá trabalhavam trabalhavam”. Esteve dez anos nestas funções, mas ao mesmo tempo foi criando os seus próprios negócios. Seis meses depois de ter chegado à Alemanha, já tinha aberto uma mercearia e ao fim de um ano investira num restaurante. Entretanto trabalhava também como gerente numa agência de viagens. E sobrou-lhe ainda tempo para ajudar a fundar uma colectividade de portugueses - a AssociaçãoRecreativadeOsnabrück. Face aos bons resultados, decidiu abrir mais um restaurante, de primeira categoria, com a ajuda do seu irmão como cozinheiro. Com este estabelecimento já teve mais dificuldades porque fazia questão de apresentar produtos de elevada
que o filho, Sérgio, tinha terminado a quarta classe e a filha, Susana, ia iniciar o ensino primário, e os pais queriam que eles continuassem os estudos em Portugal. Para além disso, a sua mulher, que é filha única, quis vir ter com os pais. No final de 1982 vendeu os dois restaurantes, Tamar e Alberman, a um português casado com uma alemã e regressou. Ainda hoje os dois restaurantes existem, com os mesmos nomes. Já em Portugal, abriu uma espécie de mini-mercado gourmet – o Copacabana - junto à Praceta António Montez. Até em Lisboa não havia “Até muitos locais com os produtos que eu vendia, para uma cozi-
A Lareira já existia desde a década de 70, explorada por Fernando Cavaco, junto ao campo de tiro aos pratos da empresa J. L. Barros, mas tinha encerrado entretanto. Joaquim Coito alugou então o espaço por 11 contos ao mês (55 euros), em sociedade com José Saraiva (ligação que durou apenas um ano). Nessa altura não havia praticamente nada no Alto do Nobre a As não ser aquele campo de tiro. “As pessoas diziam que nunca iria conseguir singrar, mas em pouco tempo começámos a trabalhar muito bem bem”, contou. Começou com sete funcionários e uma aposta na cozinha internacional, mas também com pratos de cozinha portuguesa. Joaquim
Coito acredita que o seu estabelecimento serviu de inspiração para muitos restaurantes que depois surgiram na região. Até porque muitos antigos funcionários estabeleceram-se por conta própria. Eu nunca escondi nada a nin“Eu guém e ensinei muita gente. Muitos ex-funcionários estabeleceram-se por si próprios e ainda bem bem”, afirmou. A Lareira tornou-se assim uma “escola” para várias gerações. Em 1984, já a trabalhar sozinho, comprou o restaurante e há 15 anos fez obras para alargar o edifício, de modo a ter mais capacidade e albergar eventos como casamentos e baptizados, entre outros. Antes disso já faziam serviço de catering em casamentos, mas só no exterior. As pessoas já sabem que “As tudo irá correr bem, quando trabalham connosco connosco”, considera Joaquim Coito. O empresário e cozinheiro, de excepcional simpatia e de elevada qualidade de serviço, sempre teve muito jeito para servir os clientes com aquilo que gostam, sem precisarem de dizerem o que querem. Até quando preparamos as “Até ementas para os casamentos, na maior parte das vezes os noivos nem escolhem nada. Eu faço várias sugestões e acabam sempre por decidir pelo que eu sugiro sugiro”, exemplificou. Um dom que já vem do tempo dos restaurantes na Alemanha, quando muitos empresários estrangeiros se colocavam nas suas mãos para as refeições. Pedro Antunes pantunes@gazetacaldas.com
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o pai
A família Coito e funcionários da casa numa imagem de 1987 e aspecto actual da entrada do restaurante.
O recém-criado jardim fotográfico serve de cenário para os noivos posarem
Sérgio Coito - entre a Alemanha e Portugal Sérgio Coito nasceu em Salir de Matos e foi ter com os pais a Alemanha quando tinha seis anos. Toda a instrução primária foi feita naquele país e ao regressar a Portugal sentiu um grande choque Fui confrontado com cultural. “Fui uma cultura e hábitos completamente diferentes, apesar de passar sempre as férias de Verão em Portugal Portugal”, contou. Era um adolescente quando os pais abriram A Lareira e desde o início se interessou pelo restaurante.. “Participava e achava engraçado, mas naquela altura nem sequer pensava que aquele iria ser o meu futuro” futuro”, disse. Aos 16 anos já ajudava na Pensão Cristina (um restaurante selfservice), na travessa da Cova da Onça, e aos 18 ficou a gerir um restaurante em Leiria, o Solar do Alcaide. Ambos negócios em que o pai investiu, mas que foram vendidos porque Joaquim Coito decidiu apostar apenas na “Lareira” depois das obras de ampliação. Pouco tempo depois voltou à Alemanha para trabalhar num restaurante sem qualquer ligação à Além da vontade de família. “Além voltar a contactar com a cultura profissional alemã e de querer ganhar experiência, fui
também para me auto-afirmar mar”, explicou. Sérgio Coito quis provar que tinha as capacidades necessárias para gerir também o negócio de família e que era mais do que ser apenas o filho do dono. Ao fim de dois meses numa unidade hoteleira alemã já tinha funções de responsabilidade e percebeu que tinha mérito. O filho do fundador da empresa acredita que o facto de terem estado na Alemanha se reflecte na forma como trabalham, principalmente ao nível da organização. Em sua opinião, é mais fácil trabalhar com portugueses lá fora porque os emigrantes são mais Há empresas aleesforçados. “Há mãs instaladas em Portugal que acham que é diferente a forma como os portugueses trabalham lá fora e como o fazem cá cá”, referiu. Se as pessoas emigram e “Se regressam às suas origens, é porque só partiram porque realmente tinham necessidade, mas, na verdade, gostam de estar cá em Portugal Portugal”, considera. Um ano depois de ter ido para a Alemanha, já na década de 90, o pai desafiou-o a voltar a Portugal
Joaquim Coito com a filha Susana às compras na Praça da Fruta numa foto dos anos 80
para o ajudar, porque nessa altura ia fazer obras para abrir os salões para eventos. Quando voltou criaram em 1995 a sociedade entre pai e filho, com o nome Joaquim Bernado do Coito Lda, com um capital social de 5000 euros que foi entretanto aumentado para 49.900 euros, devido à nova legislação. Sérgio Coito, que é auto-didacta, deu formação na Escola Hoteleira do Estoril durante três anos e alguns dos seus formandos dão agora formação na congénere desta escola nas Caldas da Rainha. Recentemente investiu também numa loja de fotografias no Bairro Azul, Dimago Studio, que lhe dá apoio ao nível das reportagens fotográficas dos eventos no restaurante. Menos casamentos
A ampliação do restaurante deveu-se à grande procura de um espaço para casamentos, porque havia pouca oferta nesse ramo nesta zona. A maioria dessas cerimónias realizava-se em associações e outros espaços do género. As pessoas queriam ter um “As lugar mais requintado, sem mesas compridas e bancos
corridos corridos”, comentou Sérgio Coito. Agora, não só servem casamentos no restaurante, como também trabalham com algumas quintas da região no serviço de catering, como a Quinta dos Loridos e do Sanguinhal (ambas do Bombarral) e a da Ferraria (Rio Maior). Actualmente só servem dois casamentos fora para poderde portas por dia “para mos continuar a garantir a nossa qualidade e o nosso nome nome”. Nas instalações do restaurante podem fazer até quatro serviços, o mesmo número de salas disponíveis. No mesmo dia podem-se juntar ali até mais de 700 pessoas. Se antes conseguiam receber mais pessoas, a complexidade dos casamentos actuais faz com que tenhammaiscontençãonoqueaceitam. No entanto, Sérgio Coito lembra que o número de casamentos em Portugal reduziu-se drasticamenAs pessoas te nos últimos anos. “As têm mais tendência a juntarem-se do que em casarem casarem”, referiu, embora a procura pelos seus serviços não tenha baixado assim tanto, porque têm mais quintas a procurarem pelos seus caterings. Começa também a ser raro fa-
zerem-se casamentos de dois dias, como era tradição em Portugal, e cada vez há menos convidados. Há mais de 20 anos, chegaram a fazer serviços de três e quatro dias. As ementas começam a ser mais pensadas tendo em conta os custos. Uma das opções é reduzir o tempo que as pessoas passam no restaurante e assim ter disponibilizar menos comida. O orçamento mínimo por pessoa para um casamento é de 40 euros (mais IVA) e o máximo standard é de 72 euros (mais IVA). Para quem não olha a custos, não há limites no que se gasta e há várias opções desde os melhores vinhos aos pratos mais elaborados. Aos domingos A Lareira recebe também algumas centenas de idosos que vêm em excursões de todo o país para os seus famosos almoços regionais. Estes encontros não estão abertos ao público e acontecem através de organizadores que marcam essas excursões até às Isso também nos torCaldas. “Isso na conhecidos em todo o país e nos traz outros serviços de pessoas de fora fora”, adiantou Sérgio Coito. Em 2006 e 2007 receberam o prémio de melhor restaurante dos programas Turismo e Termalismo Sé-
A equipa do restaurante, ainda antes de Beatriz Coito (na foto, de touca branca e calças pretas) se ter retirado. Sérgio (de branco e sem chapéu) é o quarto a contar da esquerda e Joaquim Coito está à direita.
nior do Inatel. Ao longo dos anos A Lareira tem recebido vários prémios a nível nacional. Actualmente estão a fazer obras de remodelação, mas de estrutura e que são pouco visíveis aos clientes. Criaram também um “jardim fotográfico”, para que os noivos e convidados possam ter um lugar aprazível para fazerem as fotografias da cerimónia. Uma refeição no restaurante custa à volta dos 20 euros, se não for acompanhada por um vinho muito caro, e um casamento pode ficar entre os 40 e os 72 euros por pessoa. Segundo Sérgio Coito, os municípios da região não são os clientes que mais demoram a pagar, mas o mesmo não pode dizer em relação a outras entidades e empresas, onde nota que há cada vez mais atrasos nos pagamentos. Não há mês nenhum que “Não não tenhamos 150 ou 200 mil euros para receber receber”, referiu o empresário. P.A.
CRONOLOGIA 1974 – Joaquim Coito abre o restaurante Tamar em Osnabrück (Alemanha) 1976 - Abertura do restaurante Alberman na mesma cidade 1978 – Fernando Cavaco abre o restaurante A Lareira 1982 – De regresso a Portugal, Joaquim Coito abre o minimercado Copacabana nas Caldas da Rainha. 1983 – Joaquim Coito arrenda A Lareira, que estava encerrada há alguns anos, por 11 contos (55 euros) ao mês. 1984 – Joaquim Coito compra o restaurante. 1995 – Obras de ampliação para as salas de cerimónias. 1995 – Criação da sociedade entre pai e filho “Joaquim Bernado do Coito Lda”.
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Auto Júlio, SA – o pequeno stand da Mitsubishi que se t Nasceu na Guarda há 59 anos, veio para as Caldas com apenas quatro e até estabelecer a Auto Júlio teve que percorrer um longo caminho, mas nunca até hoje virou a cara à luta, naquela que é, porventura, uma das suas principais características. Começou novo a trabalhar com o pai, na fábrica Júlio Domingos Sousa e Filhos, Lda (situada em S. Cristóvão e que mais tarde seria vendida à Rubetão), e apenas com 16 anos fez toda a instalação eléctrica na casa dos pais. Completou os estudos à noite, para concluir o curso de electricista no antigo 5º ano, na Escola Industrial e Comercial das Caldas da Rainha. Foi depois da tropa que saiu da fábrica, por divergências. O destino foi Coruche, ainda nos cimentos, como gerente de uma fábrica de pré-esforçados, a Vigauto. Por lá ficou entre 1975 e 1977, mas regressou às Caldas para se estabelecer como fabricante de blocos de cimento. “As coisas não me correram nada bem, acabei por vender tudo para pagar às pessoas a quem devia” devia”, diz António Júlio. Foi então que um jornal lhe mostrou outro caminho. “Vi um anúncio a pedir vendedor de tractores e disse: nem é tarde nem é cedo” cedo”. Viu o salário baixar de 25 contos para 11 (125 para 55 euros), mas o passo atrás acabaria por compensar. O destino foi a Geopeças. Começou pelos tractores, depois o patrão comprou a representação da Mitsubishi, passando a vender também os furgões da marca japonesa. Foram as dificuldades financeiras da Geopeças que o levaram a sair da empresa, primeiro para continuar como comissionista, depois para formar a sua própria empresa. “Foi posto lá um doutor formado em economia para resolver o problema da gestão, mas o doutor não percebia nada de negócios, entrámos em ruptura e saí” saí”, recorda o António Júlio. A decisão de continuar nos automóveis foi tão simples como a tomada uns anos antes, quan-
do montou a fábrica de blocos de cimento. “Já vendia Mitsubishi, era um bom vendedor da marca e estava integrado. Ou voltava para o cimento, que são coisas que eu percebo, ou seguia o sector das camionetas e dos tractores, do qual já percebia alguma coisa” coisa”. É nesta altura, em 1987, que decide ir ao Porto tentar a representação da Mazda, que não conseguiu devido às exigências do importador. No mesmo dia insistiu através da concessão de Leiria, que lhe ofereceu a representação da Mitsubishi. Acabou por aceitar, após duras negociações. Comprou a representação e tudo o que estava associado à marca ao antigo patrão pelo valor da dívida à Mitsubishi: 10.500 contos na altura (cerca de 52 mil euros) em 21 prestações de 500 contos, tendo os pais como fiadores. A Auto Júlio fixava-se em São Cristóvão, junto às bombas da BP, numas instalações que pertenciam aos pais. “Foi assim que as coi-
e quando comprei o primeiro computador tive que ir fazer formação para trabalhar com ele... fazíamos tudo” tudo”. EXPANSÃO ACONTECEU POR NECESSIDADE
Quando lançou a empresa, António Júlio estava bem consciente do risco que estava a tomar, dados os valores elevados em jogo. “Foi um risco doido” doido”, sublinha. Os 500 contos mensais (2.500 euros) eram só para pagar a dívida ao importador, depois era preciso fazer face às despesas do dia-a-dia, mais os salários e a aquisição das viaturas “que tinham que ser pagas em adiantado e tínhamos que esperar uma ou duas semanas que o carro chegasse à concessão... não apareciam a crédito, ou à consignação” consignação”. António Júlio considera ter tido alguma sorte porque os modelos da Mitsubishi “começaram a vir com mais quali-
Bruno Júlio, 35 anos, António Júlio, 59 anos, Luísa Fonseca Sousa, 52 anos, e Catarina Sousa, 27 anos, sãos oa administradores os Grupo Auto Júlio
anos, fiquei com o negócio e os trabalhadores” trabalhadores”, recorda. A compra da Garagem Caldas permitiu a entrada no negócio da distribuição dos combustíveis. Mais tarde, para reforçar a presença no sector, o grupo foi também criando postos de combustíveis com imagem própria, tendo actualmente seis, no Campo,
A empresa apostou numa nova marca em 1994 “quando chegámos à conclusão que não podíamos ter todos os ovos no mesmo cesto” cesto”. A Hyundai estava disponível e, apesar de não ser muito conhecida na altura, tinha produtos diferentes e o risco inerente acabou por ser controlado. Mais
Começou a trabalhar no ramo dos cimentos ainda como adolescente, na fábrica do pai, e foi nessa actividade que deu os primeiros passos a solo, com uma empresa de fabrico de blocos que não resultou. Um anúncio num jornal levou-o a vender tractores na Geopeças, onde teve também o primeiro contacto com o sector automóvel. As dificuldades financeiras daquela empresa empurraram-no para uma nova tentativa como empresário, agora no ramo automóvel, e assim nasceu a Auto Júlio. Foram a persistência e espírito visionário que levaram António Júlio, hoje com 59 anos, a expandir o negócio e construir aquela que é hoje uma das maiores empresas do distrito, que actualmente gere em conjunto com a esposa, Luísa, e os filhos Bruno e Catarina. sas começaram” começaram”, relembra. No primeiro mês, todos os antigos colegas na Mitsubishi foram trabalhar à experiência para a nova empresa, assim como o ex-patrão da Geopeças - que assegurou os salários desse mês. “Eram 10, 12 pessoas, depois escolhi os que queria, ficaram quatro ou cinco, dois deles ainda hoje trabalham comigo, os outros voltaram para a Geopeças” Geopeças”. No início da vida da Auto-Júlio não havia cargos específicos, incluindo para o próprio empresário. “Vendia carros, fazia a contabilidade, íamos buscar os carros, lavávamo-los antes de os entregar ao cliente
dade e tiveram sucesso” sucesso”. Mesmo assim as dificuldades eram muitas “e comecei a ver-me apertado, houve alturas que chorei, desesperado” desesperado”. Desistir não era, contudo, opção e a fuga foi sempre para a frente. Comprou os armazéns do Gama, em São Cristóvão - onde hoje funcionam as oficinas -, que comercializavam gás e depois soube que o posto Galp de São Cristóvão, junto aos armazéns, estava disponível, adquirindo-o também. É aqui que o negócio se alarga aos combustíveis. No mesmo sector adquiriu mais tarde a Garagem Caldas, que vivia problemas financeiros. “Fui pagando durante cinco
Santa Catarina, Usseira, Pombal, Sobral de Monte Agraço e Leiria. CHEGADA A LEIRIA FOI O GRANDE IMPULSO
Também no mercado dos automóveis a necessidade de gerar mais receita levou à expansão, quer na representação de novas marcas, quer na cobertura de uma maior área geográfica. Quatro anos depois de fundada, a empresa estende-se para Peniche, onde foi criado um posto de venda Mitsubishi em sociedade com dois colaboradores que lá tinha. António Júlio, porém, acabaria mais tarde por comprar essa sociedade.
O posto da Rua Capitão Filipe de Sousa já foi extinto e a Garagem Caldas é hoje uma loja de produtos chineses
recentemente, em 2006, o grupo adquiriu a representação de uma terceira marca, sempre para fazer face “aos custos muitos grandes que tínhamos” tínhamos”. A Nissan “foi muito importante para a estratégia do grupo” grupo”, reconhece António Júlio. Mas ainda antes da representação da Nissan, o Grupo AutoJúlio deu passos muito importantes. Em 1995, um ano depois de ganhar a representação da Hyundai, surgiu uma oportunidade de ouro que António Júlio agarrou com as duas mãos. “A Mitsubishi quis vender as instalações de Leiria, fez uma proposta a um concorrente meu, mas não chegaram a consenso, então fizeram-me a proposta” proposta”. A expansão para a capital do distrito abria grandes perspectivas de desenvolvimento, aumentando de forma exponencial o número de possíveis clientes, justificando o forte investimento. A aquisição das instalações foi feita por 350 mil contos (cerca de 1,75 milhões de euros). “Nessa altura já tínhamos os combustíveis, mas tratado como um segundo negócio, e a instalação de Leiria veio-nos enriquecer muito” muito”, considera Bruno Júlio, filho de
António Júlio e hoje administrador do Grupo Auto Júlio. Três anos depois a Auto Júlio chega ainda mais ao norte do distrito, a Pombal, onde o representante local da Mitsubishi também estava mergulhado em dificuldades financeiras. António Júlio compra uma fábrica de alumínios que havia em Pombal, reconverte-a num complexo com as marcas que vendia e ficou assim com a parte norte do distrito. “Foi também uma belíssima oportunidade” oportunidade”, refere. A presença no mercado automóvel foi ainda reforçada com uma empresa de comércio de usados e outra de rent a car, nascida da necessidade de gerir a frota interna. Hoje a Auto Júlio Rent tem uma parque de 300 carros e marca presença nas Caldas, Ericeira, Torres Vedras, Pombal, Peniche e Leiria. “As duas marcas de automóveis que se juntaram, a aposta forte nos combustíveis, o desenvolvimento da rent a car e a modificação da política de usados fez-nos crescer bastante. Não foi só ir ao sabor dos picos de mercado” cado”, sustenta Bruno Júlio. “Se calhar a Auto Júlio está hoje bem apesar do contexto económico, devido ao que fizemos no passado, optimizar ao máximo cada negócio do nosso grupo de empresas” empresas”. Hoje o grupo representa um universo de 11 empresas que emprega cerca de 150 pessoas em todo o distrito, tendo facturado no ano passado 66 milhões de euros. Bruno Júlio diz que trabalhar no seio familiar por vezes tem desvantagens: “às vezes eu quero ir para a direita e o meu pai para a esquerda, mas o que é certo é que quando paramos para pensar os resultados demonstram que fizemos uma boa dupla” dupla”. Joel Ribeiro jribeiro@gazetacaldas.com
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transformou num grande grupo económico regional
As primeiras instalações da empresa e uma das oficinas iniciais. São Cristóvão foi o berço deste grupo económico e o local onde este está sedeado.
“O país precisava de vários António Júlio” "É uma pessoa de muita dinâmica, o país precisava de vários António Júlio" Júlio". É assim que Luísa Fonseca de Sousa, de 52 anos, caracteriza o marido. O empresário diz que há diversos aspectos que o conduziram pelos caminhos difíceis que teve que encontrar: "acreditar no que estamos a fazer, fazer contas, planear, ser exigente principalmente consigo próprio, mas também com os outros, e ser teimoso, nunca me fico pelo não, tenho que saber como ultrapasso o não, isso tem sido a chave em toda a minha vida" vida". Luísa Sousa acompanhou António Júlio em todo o processo de incubação, nascimento e crescimento da empresa e, apesar de só há 10 anos ter saído da EDP - onde esteve 24 anos - para assumir um cargo efectivo na Auto Júlio, onde é responsável pela área financeira, desde sempre foi um apoio importante para o marido. A ajuda recaía em todos os campos onde era possível. "Quando adquirimos o posto da Galp, por exemplo, aconteceu a todos ter que fazer limpezas" limpezas", recorda. Luísa Sousa adianta que foram precisos muitos sacrifícios e dá como exemplo o nascimento da filha mais velha, Catarina. O tempo de gestação estava no fim, mas era preciso fazer um negócio e para não ficar sozinha acompanhou o marido, ficando em casa do cliente com a esposa deste. Voltaram para casa depois da meia noite e Catarina nasceu logo poucas horas depois. A decisão de largar um emprego de longa duração para abraçar o projecto do marido não foi fácil. "Estava na EDP há muitos anos, podia não me adaptar e por vezes não é saudável para um casal trabalhar junto, mas para mudar tinha que ser numa altura em que ainda tinha alguma coisa para dar e não estou nada arrependida" arrependida". A entrada dos filhos na Auto Júlio foi sendo gradual. Tanto Bruno Júlio como Catarina Sousa foram crescendo com a empresa, onde trabalhavam nas férias. "Hoje é ilegal trabalhar com 12, 13 anos, mas eu trabalhei
nas férias e não me fez mal nenhum" nhum", diz Bruno Júlio, hoje com 35 anos. "Aprendi o funcionamento de todas as secções e o que hoje me permite ter um conhecimento de cada área" área", conta. Fez de tudo, desde estafeta, recepcionista de oficina, a lavador de carros. Só em 1995, depois de cumprir serviço militar, assumiu um cargo de chefia. A Auto Júlio tinha acabado de chegar a Leiria e era preciso ter à frente uma pessoa de confiança. "Eu tinha estado na Marinha e abracei o desafio, um pouco empurrado, um pouco por iniciativa, porque gosto muito do sector automóvel e tive que me desenrascar" desenrascar", conta. A irmã Catarina Sousa, hoje com 27 anos, tinha quatro quando a Auto Júlio foi criada e ambas foram crescendo lado a lado. Recorda ter aprendido a andar de bicicleta entre carros novos "lembro-me perfeitamente de o meu pai me largar e eu ir a pedalar e a olhar para os carros com medo de os riscar, mas certo é que aprendi depressa" depressa". Aos 13 começou também a trabalhar nas férias, como telefonista e recepcionista, mas mais tarde mudou de rumo. Licenciou-se em gestão e estagiou na Sonae Sierra, depois de se formar foi para o Grupo PT. Mas há precisamente um ano sentiu vontade de voltar. "Quando uma pessoa cresce num negócio de família um dia sente que tem que dar uma continuidade a esse trabalho" trabalho". António Júlio sente "orgulho" por ter dois dos seus filhos já a liderar a empresa e acredita nas possibilidades de ambos. "Têm características diferentes, completam-se um ao outro" outro". FUTURO PASSA PELO ESTRANGEIRO
Mesmo com as contas elevadas para pagar na fase inicial, António Júlio diz que nunca sentiu a empresa em perigo. A resposta à pergunta de quando sentiu maiores dificuldades, é respondida de forma pragmática: "é agora, não pela minha empresa, mas por este país e pelas condições que estão a ser criadas, as coisas estão mal e
parece que vão piorar" piorar". A empresa atingiu em 2009 o pico do endividamento, devido às reestruturações que foram sendo feitas. "Investimos um milhão de euros em Pombal e em Leiria, gastámos muito dinheiro no pólo de São Cristóvão, acabámos de pagar vários investimentos no ano passado e dentro de três anos não teremos praticamente endividamento, o que nos torna confiantes" confiantes", diz António Júlio. Mesmo em termos de volume de negócios, 2010 está melhor que 2009 e a perspectiva é que o grupo possa expandir-se mas… não em Portugal. "Sinto necessidade e estou disponível para isso, mas não neste país, não vejo saída, foi criada uma cultura de ver os empresários como os maus da fita e que levaram o país ao que está" está". A presença no estrangeiro já existe desde há quatro anos, refere o filho, Bruno Júlio, numa espécie de tubo de ensaio do que poderá ser uma expansão futura. O administrador da Auto Júlio Investimentos corrobora com o pai na vontade de continuar a crescer: "mesmo que queiramos parar já não conseguimos, temos que crescer e nessa óptica o mercado nacional é pequeno, mais ano menos ano temos que sair" sair". A empresa marca presença com negócios imobiliários na Gâmbia e no Brasil desde há quatro anos. "Acreditamos que o futuro está no Brasil, é um país enorme, dos maiores do mundo. Enquanto na Europa os crescimentos são da ordem de 1% ou 1,5%, no Brasil tem sido, 7 a 8%, e já chegou a ser de dois dígitos" dígitos", diz Bruno Júlio. Estes negócios funcionam como tubo de ensaio enquanto não é possível uma estrutura permanente. "Um negócio no exterior não pode ser controlado à distância" distância", diz o empresário, que compara as actividades preliminares no estrangeiro como um departamento de investigação que mais tarde se transforma numa empresa. J.R
João Lourenço e Margarida Alexandre são colaboradores desde o primeiro dia
João Lourenço refere que “sempre trabalhámos para ser uma empresa de qualidade e forte”
Margarida Alexandre diz que “não é fácil estar 23 anos no mesmo emprego, mas por vezes também não é difícil”
A Auto Júlio arrancou há 23 anos com quatro trabalhadores, para além do proprietário, e dois deles continuam a fazer parte da empresa desde o primeiro dia. A estabilidade da empresa e o ambiente foram fazendo que ficassem, e já nenhum acredita que o futuro passe por outras paragens. João Lourenço, de 54 anos, era colega de António Júlio na Geopeças quando este lhe lançou o desafio. "Fui ficando sempre, sobretudo pelo grupo de trabalho pois há uma boa ligação entre patrões e funcionários" funcionários", conta. Na empresa fez de tudo. "Cheguei a ser considerado pela gerência um pronto-socorro" pronto-socorro", sublinha. Para além das peças, passou pelas vendas, pelos combustíveis e só passados sete anos passou a ter um cargo fixo, voltando à secção das peças, pelo qual é hoje responsável na Auto Júlio Caldas. Um dos segredos do sucesso, acredita, é a forma familiar como todos vestem a camisola. "A empresa sempre privilegiou pela estabilidade, começámos com poucos e fomos sendo uma
família, sempre trabalhámos para ser uma empresa de qualidade e forte" forte". Também colaboradora desde o primeiro dia é Margarida Alexandre, que quando começou a trabalhar na Auto Júlio tinha 22 anos. Hoje trabalha na parte comercial das viaturas novas, mas no início, tinha que tratar de toda a burocracia inerente ao negócio: "fazia facturação da oficina, peças, documentação dos carros" ros". Na altura não havia computadores, recorda, e tudo era mais complicado que hoje, "Fazíamos muitos serões e sábados" sábados", mas foi tudo por uma boa causa, sustenta. "Para se criar o que se criou é preciso alguém se predispor, porque sem trabalho não se consegue nada" nada". Acabada de completar 23 anos de casa, tal como João Lourenço, diz que foi ficando "porque fui gostando, talvez devido à empresa ter vindo a evoluir e o ambiente de trabalho ser sempre agradável. Não é fácil estar 23 anos no mesmo emprego, mas às vezes também não é difícil" difícil".
J.R.
Cronologia 1987 - António Júlio cria a Auto Júlio Lda nas Caldas destinada à venda de viaturas Mitsubishi 1989 - A Auto Júlio Lda adquire o posto Galp em São Cristóvão 1991 - É criada a Auto Júlio Peniche Lda, para comercializar viaturas Mitsubishi em Peniche 1992 - Aquisição da Garagem Caldas, passando a comercializar combustível a granel e a fazer transporte de combustíveis 1994 - É criada a AJ Motor (Caldas Motor, SA) em Caldas da Rainha, representante da marca Hyundai 1995 - É criada a Auto Júlio Leiria (Mitlei), representante da Mitsubishi em Leiria. O filho Bruno Sousa juntase ao pai na administração das empresas. 1999 - Criação da Auto Júlio Rent, dedicada ao aluguer de viaturas. A administração das empresas passa a ser feita por António Júlio, Bruno Sousa e Luísa Fonseca 2000 - O grupo soma mais três empresas: a AJ Ocasião, para comércio de viaturas usadas; a Auto Júlio Imobiliária, que faz a gestão de imóveis do grupo; e a AJ Investimentos SGPS, para a gestão das participações e administração do grupo 2003 - Surge a AJ Imobiliária para a construção do Pólo de Pombal. A empresa fica encarregue também da gestão dos imóveis do grupo e pelo arrendamento de lojas em Pombal 2004 - A Auto Júlio passa a sociedade anónima, passando a agregar os negócios Mitsubishi, Posto Galp, Venda de Combustiveis a Granel, Hyundai, Galp Frota, Nissan e Posto BP. É criada a Auto Júlio Pombal, representante Mitsubishi 2006 - A AJ Motor assume a representação da Nissan, enquanto a Auto Júlio Leiria passa a congregar as três marcas do grupo, Mitsubishi, Hyundai e Nissan. A Garagem Caldas adere ao sistema Cartão Solrred 2007 - A Auto Júlio Imobiliária assume a construção do Pólo de São Cristóvão e fica responsável pelo arrendamento das lojas. A AJ Ocasião abre a oficina Bosch Car Service em São Cristóvão 2008 - É criada a AJ Consulting para gerir a Exchange no Pólo de São Cristóvão 2009 - A AJ Peniche abre uma oficina Bosch Car Service
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Trofal – a qualidade como trunfo da sobrevivência do
Os fundadores da Trofal, Manuel Marques do Couto e Maria Celeste. Ele faleceu em 1983, deixando o filho mais velho à frente do negócio. Ela continua a fazer parte da administração, mas não de forma executiva
Quando Manuel Marques do Couto nasceu, a 15 de Maio de 1935, já os sapatos eram o labor da família. Contar a história da empresa obriga, por isso mesmo, a saltar até aos primeiros anos do século XX. O seu pai, Júlio do Couto (1903-1990), tinha herdado a profissão escolhida pelo seu avô, António, que em 1903 deixou a agricultura para começar a fazer sapatos à mão, na freguesia vizinha de Santa Catarina. Nos finais dos anos 30, Júlio doCoutosaideSantaCatarinaparairpara a Ribafria, na Benedita, para trabalhar com um primo, Adelino Rafael Serralheiro, que tinha montado a primeira pequena empresa das muitas que haviam de vir a ser criadas naquela localidade. Alguns anos depois, Júlio do Couto montou a sua própria oficina, onde além de vários sapateiros, trabalhava o seu filho Manuel. Quando Manuel regressa da tropa, em finais dos anos 50, eram tema de conversa as vantagens de criar pequenas fábricas, com alguns automatismos, que fizessem crescer as oficinas manuais existentes. Jovem, dinâmico e empreendedor, Manuel queria que o pai arriscasse numa fábrica, mas Júlio do Couto não quis. “Estava bem, não queria confusões” confusões”, conta hoje o neto Luís. Mesmo assim, Manuel não desistiu e acabou por sair de negócio do pai para ir trabalhar para outra oficina, a do Toino Funcheira, no lugar de Fonte Quente, onde foi encarregado. É nesta altura que se casa com Maria Celeste, uma jovem do lugar de Taveiro (Benedita), e pouco tempo depois junta-se a um outro sapateiro, o Joaquim Adelino, e cria o seu próprio negócio de calçado. O primeiro filho, Luís, nasce em 1960. Um ano depois, nasce o segundo filho, António. A família ficou completa com as meninas, Clara e Maria da Luz. VONTADE DE CRESCER
A vontade de querer mais de que ‘padecia’ManuelCouto,eraum‘mal’deque sofriam muitos sapateiros da Benedita, que se uniram para criar aquela que
haveria de ser a segunda maior fábrica de calçado do país, logo a seguir à Fábrica de Calçado Campeão Português, em Guimarães. Nos primeiros anos da década de 70 é criada a Fapocal, uma sociedade anónima que junta seis oficinas, entre as quais a de Manuel do Couto, e vários accionistas individuais. Bem no centro da vila da Benedita, no local onde hoje estão o mercado e a Casa da Vila, começa a laborar uma fábrica cuja dimensão é bem explanada pelo número de trabalhadores, que chegou aos 400. “O meu pai era um dos administradores e o responsável por toda a área de produção. Na altu-
rativo da Benedita Mas a Fapocal foi apanhada no clima da revolução, e o Verão Quente de 1975 trouxeconsigotemposconturbadosque acabariam por ditar o fim da empresa. Embora miúdo, Luís Couto lembra-se bem desses tempos. ”Houve um grupo apoiado pelo Partido Comunista que quis tomar o controlo da Fapocal e começou a despedir os administradores” administradores”, conta, acrescentando que o pai “dizia muitas vezes que tinha sido saneado pelos comunistas” comunistas”. Os trabalhadores também se deixaram contagiar pelo espírito da época. “Paravam tudo a
Maria da Luz e Luís Couto garantem a continuidade de uma empresa que alia a preocupação com a qualidade às preocupações ambientais
se em novo negócio, desta feita a fazer calçado na Rosarte, uma marroquinaria na Ribafria, pertencente a Martinho Gerardo. “Mas este senhor não tinha filhos e não tinha ambição de evoluir muito mais que aquilo” lo”, enquanto Manuel Couto queria mais para a sua família. Já a ambição de Luís, na altura com 18 anos, era tirar um curso superior. “Então o meu pai pôsme entre a espada e a parede e disse-me: se quiseres avançar, fazemos uma fábrica para a família. Se quiseres continuar a estudar vou criar porcos – que na altura era o que dava dinheiro – e
ções, que mais não eram que um pavilhão, foi feita na Sexta-Feira Santa de 1979. Maria da Luz, que na altura tinha 10 anos, lembra-se bem desses dias, até porque foram mais umas férias escolares interrompidas pelo trabalho no negócio dos pais. “Recordo-me da inauguração da fábrica, de andarmos aqui a fazer a limpeza antes. Crescemos no meio de sapatos, nunca tínhamos férias pois quaisquer que elas fossem, assim que a escola acabava, vínhamos para aqui ajudar. Só quando a fábrica fechava para férias é que estávamos mais livres, e mesmo assim
Na década de 80 a Benedita era uma freguesia onde a mão-de-obra disponível não chegava para a azáfama das mais de 50 fábricas de calçado e marroquinaria que ali existiam. Hoje, restam pouco mais de uma dezena das empresas que na altura dela faziam uma das freguesias mais industrializadas do país. A Trofal – Fábrica de Calçado SA é uma das poucas que restam. Uma empresa que cedo percebeu que não podia dedicar-se a um único produto e que tinha que ir de encontro às necessidades do mercado. Fundada em 1978 por Manuel Marques do Couto e pela sua mulher, Maria Celeste, a empresa está hoje a cargo de Luís Fialho do Couto e de Maria da Luz Caetano, dois dos quatro filhos do casal. Uma dupla que tem sabido apostar na qualidade e nos artigos ecológicos como garante da continuidade da fábrica onde se fizeram gente grande. ra ele até fez um empréstimo à banca para investir mais e para aumentar a percentagem dele, porque era uma empresa em que ele apostava bastante” bastante”, conta Luís Couto, que começou a trabalhar nesta empresa com apenas 13 anos, quando acabou o ciclo. “Comecei no corte, a cortar os restos dos desperdícios, passei por todas as áreas. Aquilo era uma empresa grande, nem sequer tinha contacto com o meu pai lá dentro. O meu pai estava num topo e eu no outro. No meio estavam os encarregados e todos os outros. Foi uma grande escola para mim, essa empresa” empresa”, lembra. De dia trabalhava, à noite tirava o Curso Comercial no Externato Coope-
meio da tarde, agarravam nos carros da empresa e iam para os comícios para Alcobaça. Eu era miúdo, achava piada e ia também, em vez de estar agarrado ao balancé a trabalhar” trabalhar”. E aquela que “era uma empresa com todas as condições” condições”, acabou por não resistir a toda a instabilidade que se criou. “O meu pai saiu, mas tudo o que tinha estava investido lá, e tinha até pedido um empréstimo para poder investir mais. Estava numa situação complicada e não se vislumbrava saída para aquela situação, até porque houve algumas pessoas que se aproveitaram desta confusão” confusão”, recorda o empresário. Saído da Fapocal o pai volta a meter-
hei-de dar-te condições e aos teus irmãos para continuarem a estudar” estudar”. Sendo o mais velho de quatro irmãos, e habituado a ganhar o seu “ordenadozinho” desde os 13 anos, Luís não quis ser um peso e respondeu ao pai: “vamos para a frente” frente”. A ERA DO BOTIM DE PRATELEIRA
A 28 de Dezembro de 1978 é criada a Trofal, em nome de Manuel do Couto e Maria Celeste. A empresa começou a laborarnodia2deJaneirode1979,aindana Rosarte. As instalações no Algarão, onde aindahojesemantémafábrica,estavam a ser construídas, de acordo com o que foi planeado por Luís Couto. A passagem para as novas instala-
havia sempre qualquer coisa para fazer, todas as mãos eram precisas”, recorda. E embora pequena, Maria da Luz ajudava nas mesas da costura, a cortar as linhas, entre outras pequenas tarefas. “Lembro-me de uma altura que à sexta-feira eu e a Clara vínhamos varrer a fábrica. Primeiro brincávamos e depois, quando nos cansávamos, lá íamos varrer”, conta entre risos. rer” Nos primeiros anos, apenas um produto saía da Trofal – os botins de prateleira, que levavam muita gente da região à Benedita. De Verão, a produção ia para os armazéns de revenda. “De Inverno vendíamos para algumas sapatarias e não dávamos vazão porque toda a gente queria” queria”, con-
ta Luís Couto. E se os botins da Trofal eram inicialmente vendidos apenas na região, pouco depois chegavam aoNorte, através de um agente da empresa. “Aí já se podia pôr uma margem comercial um bocadinho maior porque não havia concorrência” concorrência”. Em 1981, na altura em que a empresa começou a crescer, Manuel Couto adoeceu e Maria Celeste, que era costureira na Trofal, largou tudo para tratar do marido. Aos 20 anos, Luís ‘desunhavase’ para prosseguir com o negócio, mas garante que hoje já não aguentava o esforço que era preciso naquela altura, sobretudo para levar os botins a outros pontos do país. “Carregava uma Ford Transit pequena, com os pares de cada cliente. A minha mãe alcançavame os atados, muitas vezes a chover, e púnhamos tudo por ordem. Às vezes chegávamos a fazer pilhas de dois metros no tejadilho da carrinha que cobríamos com oleados” oleados”. Com a carga pronta, o filhodosdonosdaempresasaíaporvolta das 03h00 e só depois de uma viagem de seis horas chegava ao Norte e começava a dar a volta pelos clientes, acompanhado pelo agente da fábrica. “Chegava normalmente às 03h00 do dia seguinte, porque só me despachava da volta pelas 19h00. No Inverno fazia isto uma vez por semana. Deixava aqui o trabalho todo organizado nos dias antes. Porque eu é que cosia, eu é que vergava, eu é que acertava. Deixava tudo preparado para poder ir nestas viagens de 24 horas. Aguentava tudo” tudo”. Entretanto, começam a surgir na zona de Felgueiras imitações dos botins, mas coladas, o que implicava menos trabalho, menos tempo, um custo inferior. A Trofal deixou de conseguir vender o seu produto com tanta facilidade e teve que encontrar alternativas para vingar. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
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17 | Setembro | 2010
o calçado artesanal
Na Trofal pode ver-se uma pintura com desenhos de Luís, Manuel e Júlio Couto a trabalharem na oficina deste último. Uma imagem imaginada, dado que os três nunca se encontraram a trabalhar no mesmo local.
A fábrica, construída no lugar de Algarão, está hoje bem diferente do pavilhão onde em 1979 começaram a trabalhar quatro sapateiros
Do botim ao calçado técnico vendido em todo o mundo “Quando o meu pai adoeceu, estávamos a começar a desenvolver a empresa, ainda era tudo muito artesanal, apenas com umas maquinetas. Afinal tínhamos começado do zero e sem capital” capital”, aponta Luís Couto. A precisar de diversificar a sua oferta, a Trofal acabou por aderir ao projecto SIII – Sistema Integrado de Incentivos ao Investimento, que dava bonificações fiscais e nas taxas de juro dos créditos às empresas que quisessem investir e criar postos de trabalho. “Aderimos ao projecto e fizemos um investimento para comprar máquina máquinass e admitir mais trabalhadores, cerca de dez pessoas. Queríamos organizar a empresa” empresa”, mas a missão foi dificultada pela doença prolongada do pai. Olhando para trás, Luís e Maria da Luz vêem quão fatídico para a sua família foi o ano de 1983. Em Janeiro, faleceu a irmã Clara, na sequência de um acidente de viação. Em Novembro é o pai que perde a luta contra a doença. A juntar às perdas, problemas com o banco fizeram com que as bonificações do SIII nunca chegassem. “Nessa altura chegámos a pagar 40% de juros ao ano, pagos à cabeça, foi muito complicado” complicado”. Apenas com 21 anos, e com os irmãos ainda na escola, Luís tinha que ser “pau para toda a obra, comprava, vendia, entregava, recebia e geria a parte da fábrica” fábrica”. Oprodutoescolhidoparaaumentar a oferta da Trofal foi o sapato de luva em chevraux e mustang, peles de cabra para sapatos macios. Para iniciar a produção, a Trofal comprou uma grande quantidade de matéria-prima. Mas a 30 de Outubro, uma semana antes de se começarem a fazer os sapatos novos, a fábrica foi assaltada, e além de
vário calçado acabado, desapareceram as peles. Mais um revés num ano que Luís e Maria da Luz dizem ter sido “mesmo muito complicado” cado”. CERTIFICAÇÃO NA DÉCADA DE 90
Maria da Luz entrou para a empresa em 1988, quando terminou o 12º ano do curso Técnico-Profissional de Contabilidade e Gestão. A exportação dos produtos da Trofal era ainda muito residual. Para chegar à internacionalização, a Trofal começou a marcar presença na MOCAP – Mostra de Calçado Português. Hoje, cerca de 80% da produção da fábrica destina-se a França, Alemanha, Itália, Inglaterra e outros países, sobretudo da Europa. Para a conquista do mercado europeu concorreu a produção de artigos técnicos. A primeira aposta foi o calçado militar. “Estivemos alguns anos muito dedicados a esta área, embora nunca exclusivamente, e daí fomos sempre evoluindo para artigos técnicos” nicos”, para as áreas de golfe, motard, equitação e calçado técnico de bombeiro, “que temos vindo a aperfeiçoar cada vez mais e que continuamos a fazer muito, embora noutro calçado técnico já se tenha apostado mais, que isto agora com a concorrência da Ásia é muito complicado” cado”, explica Luís Couto. Ao mesmo tempo que apostavam no calçado técnico, os administradores da Trofal perceberam que tinham que aperfeiçoar a componente de qualidade e começaram a dar os passos necessários à certificação da empresa. “Fomos a primeira empresa certificada do sector do calçado em 1995” 1995”, dizem orgulhosos. Mas para con-
seguirem a certificação, foram necessários “cinco anos, muito papel, muitos documentos, e muito, muito, dinheiro, para uma coisa que hoje se faz em poucos meses” meses”. A década de 90 foi de grande crescimento na empresa. De tal maneira, que vinham trabalhadores de fora para assegurar a produção quando havia mais encomendas. O recurso ao outsourcing é, de resto, uma política que se mantém na empresa, “uma maneira de conseguirmos controlar os custos fixos, que também ajuda as empresas às quais recorremos” remos”. Por isso, a Trofal tem 30 trabalhadoresnosseusquadros,um número que nunca foi ultrapassado, apesar da fábrica estar equipada para receber mais de uma centena de operários. A AMEAÇA DA ÁSIA E O PERIGO DOS QUÍMICOS
A Trofal mantém a certificação, e no ano passado foi distinguida como PME Líder. Na era da globalização, a aposta na qualidade é agora o grande trunfo da empresa. “Para indústrias como a nossa, de mão-de-obra intensiva, é muito difícil combater salários escravos como os que se praticam na Ásia. Como toda a indústria da região, também nós sentimos essa pressão” pressão”, diz Luís Couto. Os empresários estão convencidos de que a China está empenhada em ficar com o monopólio da produção do calçado. Prova disso, apontam, é o facto dos chineses terem comprado no início do ano “todo o couro que havia disponível no mercado” mercado”. Como se combate esta ameaça? Apostando na qualidade, em sistemas de produção artesanais,
como o Goodyear, e em materiais ecológicos e naturais. Uma preocupação cada vez mais importante, numa altura em que se começam a fazer ouvir alertas sobre os impactos que os couros tingidos com químicos têm na saúde. Actualmente, o químico usado é o Crómio 6, que “encurta muito o processo, mas tem um senão - é altamente cancerígeno” cancerígeno”, e começam já a aparecer problemas graves de saúde por causa deste método de tingimento. É que não há nada mais natural que o suor dos pés e pernas quando se usa calçado fechado, e é o suor que faz com que os químicos entrem na corrente sanguínea. Quando as primeiras preocupações com o uso de químicos começaram a surgir, a Trofal estava a tratar da sua certificação e começou desde logo a exigir dos seus fornecedores couros isentos de químicos, pelo que teve que começar a importar muita da matéria, sobretudo da Itália. Um cuidado que, lançam o alerta, não está na ordem do dia para muitas marcas de calçado, que continuam a procurar artigos mais baratos na Ásia. O FUTURO ESTÁ NOS PRODUTOS ECOLÓGICOS
“Estamos a tentar ser o mais ecológicos possível e esse é o n osso trunfo” nosso trunfo”, diz Luís Couto. E é por aí que os dois irmãos acreditam que se faz o futuro da empresa. É neste contexto que se enquadra a mais recente aposta da Trofal, o calçado Vegan, que respeita a filosofia de vida do veganismo – que rejeita qualquer produto de origem animal, alimentar ou de outra natureza, produtos que tenham sido testados em
animais ou que nos seus ingredientes ou processos de manufactura incluam qualquer forma possível de exploração animal. Trata-se de um nicho de mercado para o qual a Trofal se começa agora a virar, com uma percentagem de produção ainda muito reduzida e para a qual recorrem a microfibras de alta qualidade, principalmente italianas, feitas de cânhamo, aloé vera, outras fibras vegetais, “que até podem ser melhores do que as peles curtidas” curtidas”. Para já, a fábrica conta com um cliente em Inglaterra e outro em Espanha para a linha Vegan. Em breve espera lançar a sua própria marca para vender online. Ainda na área da ecologia, a Trofal adopta “comportamentos muito amigos do ambiente, investimos muito na reciclagem dos materiais. Isto cria-nos só custos, ainda não nos trouxe nenhum proveito, mas pelo menos sentimos que estamos a fazer algo que deve ser feito” feito”. Além das inovações, a empresa - que factura anualmente cerca de um milhão de euros - mantém a representaçãodamarcaDodge em Portugal e Espanha e detém os direitos de francesa Elite em Portugal,umamarcadecalçadodemontanhismoqueatéjátemumclubede fãs no nosso país. Cientes de que as questões económicas limitam muitas vezes a escolha do calçado por parte das pessoas, Luís Couto e Maria da Luz garantem que um bom calçado é um autêntico investimento, e que os sapatos e botas que ali se produzem duram “uma vida inteira” inteira”. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
Cronologia 1903 – António Couto começa a fazer sapatos à mão, em Santa Catarina Década de 30 – Júlio do Couto (1903-1990), filho de António, vai para a Ribafria trabalhar no calçado Década de 70 – Manuel Marques do Couto, filho de Júlio do Couto, é um dos accionistas da Fapocal, fábrica que resulta da fusão de várias oficinas 1973 – Luís Couto, filho de Manuel do Couto (1935-1983), começa a trabalhar na Fapocal 1975 – Manuel Marques do Couto sai da Fapocal e regressa à Ribafria, onde começa a trabalhar por conta própria nas instalações da Rosarte 1978 – É criada a Trofal – Fábrica de Calçado Lda., tendo como sócios Manuel Marques do Couto e Maria Celeste. Em 2000 a Trofal passa a sociedade anónima com um capital social de 100 mil euros 1979 – A Trofal inaugura a fábrica no Algarão, onde a empresa se mantém ainda hoje 1983 – Morre o fundador da empresa, Manuel Couto 1988 – A filha, Maria da Luz, entra para a empresa. A Trofal começa a exportar. Década de 90 – Fase de grande crescimento na empresa, que se vê frequentemente obrigada a subcontratar mãode-obra para responder às encomendas. Aposta no calçado técnico e militar 1995 – A Trofal torna-se a primeira empresa do sector do calçado certificada 2010 – A empresa prepara o lançamento da sua própria marca Vegan, para vender na loja online
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Discoteca Green Hill – mãe e filho gerem uma casa q
Luís Romão, fundador da discoteca, na cabine de som numa imagem dos anos 80 O SONHO DE LUÍS ROMÃO
Filomena Félix nasceu em 1955 na Foz do Arelho, onde continua a viver. Os seus pais (que já faleceram) eram os proprietários do restaurante Lagoa Bar, em frente ao Inatel, do qual fazia parte um posto de combustível. Toda a gente conhecia a “Toda casa do Zé Félix. De Julho a Setembro passavam diariamente milhares de pessoas pelo restaurante taurante”, lembrou. Filomena Félix começou a trabalhar no restaurante dos seus pais desde pequena, apesar de ter estudado até ao ensino superiEstive no ISLA e só não acaor. “Estive bei o curso por um ano ano”, contou. Filomena chegou a pensar sair de Portugal para trabalhar na área do seu curso (Secretariado), mas quando se casou com Luís Romão, em 1975, abandonou os estudos e decidiu ficar. Luís Romão é natural de Rio Maior, onde nasceu em 1954. O casal residia na Foz do Arelho e Luís insistia em concretizar o sonho de abrir uma discoteca. Chegaram a pensar avançar com o projecto na garagem da casa dos pais de Filomena Félix, mas como esta ficava mesmo no centro da Foz, mudaram de ideias. O edifício onde agora funciona a Green Hill era à época um pequeno armazém, que era utilizado pelo pai de Filomena para criação de galinhas e de porcos. A parte da frente tinha os frangos e na parte de trás funcionava a pecuária. Foi o próprio Luis Romão, com um pedreiro, quem fez as obras. Enquanto isso, Filomena Félix dedicava-se à parte burocrática. Já naquela altura era muito “Já complicado tratar dos papéis e quem me ajudou muito foi o João Santos, que agora é o secretário do presidente da Câmara Câmara”. O investimento inicial na altura
foi de cerca de dois mil contos (10 O meu irmão estava mil euros). “O nos Estados Unidos e trouxe a aparelhagem de som de lá lá”, adiantou Filomena Félix. A empresária diz que deu voltas à cabeça antes de encontrar o nome certo para a discoteca. “Como aquilo era uma zona verde e eu sou sportinguista e como, ainda por cima, ficava numa colina, fui ao dicionário e achei piada ao nome – Green Hill” Hill”. Naquela altura a discoteca ficava “no meio das fazendas”, conta Mena. Ainda não havia a rotunda (hoje conhecida por rotunda do Green Hill)
UMA INAUGURAÇÃO ESTRONDOSA
Quando a Green Hill abriu portas, a 30 de Maio de 1980, tinha uma pequena pista de dança, uma cabine de som e um bar. De todo o edifício, o balcão do vestiário é o único elemento que se mantém desde a inauguração. Antes da abertura ao público, na noite anterior, fizeram uma pré-inauguração com alguns amigos, mas no primeiro sábado tiveram logo casa Parecia haver uma necheia. “Parecia cessidade enorme de um espaço destes. Foi uma inaugura-
Filomena Félix com o filho, Ricardo Romão, e as netas, Lara e Carolina
dem agora 45 funcionários funcionários”, referiu. Entre 1991, quando se divorciou de Luís Romão, até 1997, Filomena Félix esteve afastada da Green Hill. Voltou um ano depois do assalto ao seu exmarido, na sequência do qual Luís Romão ficou incapacitado. O empresário sofreu graves lesões neurológicas ao ser agredido depois de oferecer resistência a um assalto, na madrugada de 8 de Setembro. Este foi o episódio mais negro da história da discoteca e que ainda hoje é difícil de abordar por parte da família. Ricardo Romão tinha nessa altura
foi inaugurada. Das primeiras recordações que guarda é de ter ido brinEu lemcar para a cabine de som. “Eu bro-me de ter partido as agulhas todas dos pratos dos discos de vinil e do meu pai andar atrás de mim mim”, recordou. Aos 12 anos teve a sua primeira noite como DJ da pista principal. Faltou um DJ e o meu pai che“Faltou gou ao pé de mim e disse que tinha chegado a minha oportunidade nidade”. Nessa noite, que nunca mais esqueceu, chorou numa altura em que cerca de 10 pessoas saíram Fiquei ao mesmo tempo da pista. “Fiquei muito nervoso porque tive
Trinta anos de actividade para uma discoteca como a Green Hill, na Foz do Arelho, representam milhares de histórias passadas ao som da música. Avós, pais e filhos já dançaram na mesma pista de dança, fosse ao som de um slow ou das batidas mais fortes da música electrónica. A Green Hill nasceu em 1980 na Foz do Arelho, numa aldeia que hoje é vila e tornou-se uma discoteca de nível nacional. Nestes 30 anos só houve um único fim-de-semana, no ano 2000, em que não funcionou (devido a trabalhos de remodelação). Para além dos muitos encontros e desencontros que aconteceram naquele espaço, a Green Hill é também a história de uma família. Luís Romão e Filomena Félix eram casados quando inauguraram a discoteca. Ricardo Romão, o único filho do casal, tinha três anos. Actualmente, e após várias vicissitudes e dramas familiares, mãe e filho gerem a discoteca em conjunto, tendo criado em 2005 a Félix & Romão Lda, com um capital social de cinco mil euros. nem o acesso à praia pelo lado do mar e até a estrada Atlântica não estava toda alcatroada. O estabelecimento abre com a designação oficial de “bar dancing” e foram muitas as dificuldades para licenciar a casa. Trinta anos depois, Filomena continua a queixar-se de ter que enfrentar muita burocracia de cada vez que quer fazer alterações no edifício. A empresária não percebe por que há tantas casas do género que abrem de qualquer maneira e para a sua discoteca seja necessário apresentar tantos projectos de cada vez que precisa de fazer obras.
ção estrondosa e as pessoas nem cabia m todas cabiam todas”, lembrou. Apesar do início auspicioso, os priSempre meiros anos foram difíceis. “Sempre fui muito selectiva à porta, mesmo quando tinha a casa vazia vazia”, disse a empresária, que durante muitos anos fez questão de estar à porta, logo a seguir ao porteiro. Com 25 anos, Mena continuava a trabalhar no restaurante dos pais e mantinha o negocio da discoteca aos fins-desemana. Na discoteca trabalhava com Luís Romão (que era o DJ), um segurança, dois barmen e poucos mais funcionáÉramos meia dúzia e atenrios. “Éramos díamos tanta gente quanto aten-
17 anos de idade e ficou a gerir a discoteca com Paula Coito, que na altura era Foram uns casada com Luís Romão. “Foram tempos muito complicados complicados” e só com a ajuda da família e de alguns fornecedores é que conseguiu continuar o negócio sem o seu pai. Entretanto, Ricardo Romão começou a assumir mais responsabilidades e, para além de ser um dos principais DJ da casa, trata também de outras questões da empresa. AOS CINCO ANOS JÁ IA PARA A CABINE DE SOM
Nascido em 1976, Ricardo Romão tinha três anos quando a discoteca
medo que a pista esvaziasse esvaziasse”, lembrou. Como era a sua primeira vez, temeu que as pessoas não estivessem a gostar da música e que todos se fossem embora. Para o DJ, a profissão que escolheu pode não ser apenas pelo facto de ser filho dos proprietários de uma A paixão que tenho discoteca. “A dentro de mim pela música seria igual Desde muiigual”, salientou. “Desde to novo que quis ser DJ DJ”, garante. Os pais queriam que fosse para a universidade, mas acabou por sair da escola quando acabou o 9º ano. Como DJ Romão, ou no projecto Phonic Lounge (com Ricardo Tempero), tem alcançado sucesso interna-
cional. Suíça, Holanda, Espanha e Estados Unidos têm sido alguns dos países por onde tem actuado. Só não aceita convites para actuar individualmente nas discotecas da região, por causa da associação do seu nome à Green Hill. Ao contrário do que acontece agora, quando começou a ser DJ a profissão não tinha nenhum “glamour” e os amigos perguntavam-lhe se não preferia estar do outro lado da cabiAgora é que é moda ne de som. “Agora ser DJ, mas naqueles tempos as pessoas não ligavam nenhuma ma”. Quando começou, os discos que punha a tocar eram de rock, com sucessos garantidos. Nessa altura as duas pistas tinham poucas diferenOs ças na música que se tocava. “Os discos eram praticamente os mesmos mesmos”, recorda. Um dia, no início da década de 90, Ricardo Romão convenceu o pai a apostar no som alternativo na pista dois, com bandas que não se ouviam em nenhuma discoteca do país, como era o caso, por exemplo, dos Pixies. O sucesso foi imediato e esta aposta marcou uma geração. São muitos os que ainda se recordam com nostalgia desses tempos, de tal forma que recentemente começaram a fazer festas de evocação dessas noites. Os tempos eram muito diferentes também em termos musicais, e no final dos anos 90 começaram a fazer-se experiências com a música electrónica. A partir das 4h30 da manhã era o som forte das batidas do techno que invadiam a pista dois. A partir de 2001 acabou-se o som alternativo e a música de dança reina na segunda pista, sendo que a primeira continua dedicada à música mais comercial. Inúmeras gerações já passaram pelo Green Hill e hoje já há netos dos primeiros frequentadores da casa que não falham um fim-de-semana na discoteca. A marca é conhecida em todo o país como uma das mais
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que é referência para várias gerações de clientes
Aspecto da discoteca nos anos 80 e na actualidade. A Green Hill continua a ser o mais importante espaço de diversão nocturna na região.
antigas do género e já recebeu programas de rádio e de televisão, bem como festas de todos os tipos. Há mais de dez anos obteve um número recorde de visitantes – 4500 clientes numa festa da revista Caras. DISCOTECA NUNCA PAROU DE CRESCER
Ao longo destes 30 anos foram tantas as remodelações e ampliações que os gerentes já nem sabem quantas foram. A primeira terá sido em 1985, altura em que mudaram a cabine de som do lugar e criaram um novo espaço. Foi nesse local que chegaram a fazer uma noite de gala com Shegundo Galarza. A segunda pista de dança foi construída no final da década de 80, quando começaram a servir hambúrgueO meu fã res e outros petiscos. “O número um era o engenheiro Paiva e Sousa (ex-presidente da Câmara das Caldas) que ia sempre lá com os amigos comer as sandes que eu fazia fazia”, recorda Mena. Outras das principais ampliações foi o primeiro andar, com vista para a pista principal. Em 2001 Filomena Félix avançou com obras de remodelação e abriu a discoteca com um “staff” completamente novo, que incluía alguns concorrentes de “reality shows” (como o “Big Brother), músicos (Melão e Gonzo) e actores (Diogo Morgado). Actualmente nenhum “famoso” faz Alguns parte do pessoal da casa. “Alguns ainda aparecem às vezes, mas como amigos amigos”, conta Mena. A empresária conta que desde há quatro anos começou a notar-se que há menos pessoas a sair à noite. O consumo de bebidas também desceu muito, principalmente desde 2007. O ano de 2009 foi uma coisa “O terrível, mas em 2010 conseguimos recuperar um pouco. Tenho feito tudo por tudo tudo”, afirmou a empresária.
Embora saiba que os outros estabelecimentos comerciais deste ramo não estão melhor, salienta que a sua casa tem maiores custos por causa da sua dimensão. Isto apesar de não aumentarem os preços há quase 10 anos. Uma imperial continua a custar três euros, mas a bebida que se bebe mais actualmente é o vodka. O ano passado remodelaram completamente o antigo pub, para criar um clube para pessoas mais velhas e o investimento revelou-se ruinoso. Ainda hoje estou à espera que “Ainda as pessoas mais velhas apareçam çam”, ironizou. Acabou por começar a utilizar o espaço para festas privadas e jantares para grupos. Em breve o clube deverá voltar a sofrer transformações. Para Ricardo Romão, é importante que uma discoteca com uma dimensão tão grande crie espaços diferentes, para diferentes estilos. TRABALHAR EM FAMÍLIA
Cada vez mais é o filho quem trata das relações com os fornecedores, algo que a mãe nunca gostou Ele tem muito de ter a seu cargo. “Ele
muito mais à vontade do que eu para negociar negociar”, afirma Filomena Félix. O seu filho passou também a ser responsável por tudo o que diz respeito à publicidade e ao pessoal da casa. Filomena Félix gosta de trabalhar com o seu filho, embora às vezes surjam alguns conflitos que não aconteceriam se fosse com outra pessoa. Temos muita à vontade um “Temos com o outro e por vezes surgem aquelas discussões entre mãe e filho filho”, revelou. O facto de o seu filho ter passado a adolescência com os pais a trabalhar numa discoteca acabou por ser Aquilo que os pais sopositivo. “Aquilo frem com os filhos durante adolescên cia, por não saberem por lescência, onde eles andam à noite, não aconteceu comigo. Ele saía daqui e ia para casa da minha mãe ao fim-de-semana fim-de-semana”, salientou. O único medo que tinha era relacionado com o consumo de qualquer sempre fiz tipo de droga e por isso “sempre tudo o que pude para não haver disso aqui na Green Hill Hill”. Para Ricardo Romão também foi bom porque assim conquistou a confiança dos pais e quando precisava
ia para outros locais divertir-se. Nunca senti os holofotes em “Nunca cima. Sempre fiz o meu trabalho à vontade vontade”, disse. Ricardo Romão também já é pai de duas meninas - Lara (cinco anos) e Carolina (12 anos) - que só visitam a Um dia discoteca durante o dia. “Um em que estejam à minha frente na pista e eu a passar música vou achar um piadão piadão”, comentou. Embora não queira revelar o volume de negócios da Félix & Romão Lda., Ricardo Romão referiu que numa noite podem pagar 15 mil euros para um DJ famoso actuar sem que tenham prejuízo por isso. A família também esteve por detrás de outros negócios. Filomena Félix explorou a loja de música “Magic Som”, no centro comercial da Rua das Montras, durante 20 anos. Ricardo Romão também investiu numa loja de música e roupa entre 1996 e 2000. O seu pai, Luís Romão, explorou o restaurante “Príncipe Perfeito” e os bares “Adega do Borlão” e “Frenético”, na década de 90. Pedro Antunes pantunes@gazetacaldas.com
Casa de encontros e desencontros Fundada em 1980 por Luís Romão e Filomena Félix, a discoteca atravessou tempos conturbados, mas sobreviveu às maiores contrariedades. Actualmente, Filomena Félix (mais conhecida como Mena) e o seu filho, Ricardo Romão, comandam um “barco” que dá trabalho a 45 pessoas e que movimenta milhares de clientes todos os fins-de-semana. As épocas mais fortes na Green Hill foram sempre os verões e o Carnaval. No último fim-de-semana de Maio fazem a festa de aniversário, que é sempre um sucesso. Desde há cinco anos deixaram de abrir todos os dias da semana em Agosto, como acontecia antes. Desde 2008 que só abrem à quinta, sexta e sábado, durante o Verão. No resto do ano a discoteca funciona às sextas-feiras e sábados. Somos uma casa única, onde mesmo as pessoas que vêm de “Somos fora se sentem bem desde a primeira vez vez”, considera Filomena Félix, que exige que todo o seu pessoal seja sempre simpático para os clientes. Às vezes as pessoas não são muito justas e dizem muitas coi“Às sas da Green Hill, mas eu sempre fiz tudo para que os clientes fossem bem tratados tratados”, comentou. Filomena Félix assume que muitas veHá muitos zes é quase mãe de muitos jovens que frequentam a discoteca. “Há pais que quando os filhos começam a vir à Green Hill dizem-lhes para chamarem a Mena sempre que precisarem precisarem”, afirma orgulhosa. Embora exista o “Foz Bus by Night” (autocarro que faz a ligação entre as Caldas da Rainha e a discoteca aos sábados), ainda há muitos pais que optam Se calhar houve uma altura em que por ir levar e buscar os seus filhos. “Se os pais davam demasiada liberdade aos filhos e agora voltaram a preocupar-se mais mais”, considera. Filomena Félix tem sempre um carinho especial por alguns jovens das Caldas de quem conhece as mães. de Apesar disso, a relação entre os caldenses e a discoteca foi sempre “de amor e ódio ódio” porque há quem prefira sair para fora em vez de sair à noite mais perto de casa. Há noites em que a maior parte dos clientes da Green Hill são pessoas de fora. Mas são muitos os caldenses (já pais de família) que ao regressarem à Green Hill, depois de um jantar ou de uma festa, não conseguem evitar a nosMuitas vezes vêm ter comigo e dizem ter muitas saudades talgia. “Muitas das noites que aqui passaram passaram”, referiu Mena. Há casais que começaram a namorar na Green Hill ou que deram ali seu primeiro beijo. Mas também já houve cenas de ciúme, que muitas vezes acabam mal. P.A.
CRONOLOGIA 1980 – Luís Romão e Filomena
Ricardo Romão tem uma carreira própria como DJ Romão e no duo Phonic Lounge
Félix abrem a discoteca Green Hill. A firma chama-se José Luís da Silva Romão e era um estabelecimento em nome individual. 1991 – Filomena Félix deixa a gestão da Green Hill 1996 – Luís Romão é vítima de um assalto e sofre danos neurológicos incapacitantes 1996 – O filho, Ricardo Romão,
então com 17 anos, assume responsabilidades na discoteca 1997 - Filomena Félix regressa à gestão do Green Hill que passa a ser detido pela sociedade unipessoal Maria Filomena Filipe Félix 2000 – Remodelação total do pessoal da discoteca 2005 – Criada a sociedade Félix & Romão Lda. (apelidos da mãe e do filho) com um capital social de 5000 euros
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Proximidade do comércio tradicional e assistência técnic
Vasco Oliveira e Maria Rosa Oliveira foram os proprietários da empresa durante 35 anos
Quinze de Maio de 1971. A cidade festejava o seu dia com concertos e cerimónias públicas. Quem passava pela Rua Engenheiro Duarte Pacheco encontrava no número 23 uma montra engalanada com candeeiros, pequenos electrodomésticos, frigoríficos e fogões, pronta para abrir as portas pela primeira vez no dia seguinte. Tratava-se de uma loja de electrodomésticos e reparações eléctricas criada em sociedade por Vasco Oliveira e Alfredo Cera. Volvidos seis meses, o segundo sócio desiste e Vasco Oliveira adquire a sua metade, que entrega à esposa, formando a empresa Vasco Oliveira Lda. Mas a ligação de Vasco Oliveira com o mundo da electricidade é “genética”. Nascido em Silves, vem para as Caldas da Rainha com 10 anos, junto com a irmã (um ano mais velha), a mãe e o pai, que veio exercer o cargo de chefe dos electricistas dos serviços municipalizados. Prosseguiu os estudos na Escola Técnica Industrial e Comercial das Caldas da Rainha (hoje Secundária Bordalo Pinheiro) onde fez o curso comercial e, mais tarde, o curso nocturno de electricidade. Nessa altura já passava os dias a trabalhar em electricidade na loja da mãe, Maria Paula Oliveira, no Bairro da Ponte. Era uma casa de electrodomésticos e instalações e reparações eléctricas, mas Vasco Oliveira lembra que electrodomésPouticos haviam muito poucos. “Pouco mais era que um frigor frigoríífico” co”, lembra do tempo dos seus 14 anos, quando aprendeu o ofício com o pai e os funcionários da loja. Depois de completar o curso, Vasco Oliveira concorreu à Escola da Marinha Mercante. Tinha 18 anos e vontade de conhecer o mundo, o que veio a acontecer entre 1958 e 1963, como oficial electricista da Marinha Mercante. No entanto, não esteve todo
este tempo embarcado, até porque o jovem era um jogador de futebol promissor (viria a ser campeão nacional da terceira divisão) e manteve sempre a sua paixão pelo desporto rei. O próprio Caldas Sport Clube arranjou-lhe um emprego na Rol para o afastar do mar e o manter perto de casa e dos treinos. Na fábrica de Tornada trabalhava como rectificador, tendo por lá permanecido 18 meses. Entretanto tinha casado e o primo José Fernando, que era desenhador, havia-lhe oferecido o projecto de uma casa como prenda. Para construir a moradia, Vasco Oliveira precisa-
dividiu com a mulher, Maria Rosa Oliveira. O empresário recorda que o primeiro electrodoméstico que vendeu foi uma varinha de triturar a sopa, depois começou a vender frigoríficos, fogões e muitos candeeiros. “IA FAZER A INSTALAÇÃO ELÉCTRICA E APROVEITAVA PARA OFERECER O FRIGORÍFICO”
Vasco Oliveira passou a andar pelas freguesias e aldeias a fazer instalações eléctricas e “aproveitava para oferecer o frigorífi-
Pai e filha. Elisa Oliveira detém hoje 90% da quota da firma e acumula a sua gestão com a advocacia.
da de 40 frigoríficos do Super Sete e, em duas semanas, vendi-os na totalidade” totalidade”, diz. Nesse tempo, conta, não tinha sábados nem domingos pois passava-os a vender e entregar frigoríficos. Na cidade, como tinha conhecimentos com os grandes empreiteiros, começou a trabalhar com eles, fazendo a parte eléctrica de muitos dos edifícios caldenses, entre eles o do cinema Estúdio 1, recorda o empresário que chegou a ter 15 funcionários a trabalhar com ele. Perdem-se as contas aos quilómetros de fio eléctrico que utilizou nas instalações feitas desde a
a pensar numa alternativa para a sua empresa. Necessitava de algo de “consumo diário” para fazer face à quebra do negócio imobiliário e das vendas dos electrodomésticos. Passou a ser agente do gás Esso nas Caldas da Rainha, há cerca de 15 anos. Desde então foram evoluindo no gás e actualmente têm uma boa representação de gás de garrafa. “Quando fiquei com o gás foram-me entregue entreguess 16 bilhas de 13 quilos, seis de 11 e três ou quatro de 45 quilos” quilos”. Passado um mês já tinha duplicado a quantidade e depois o volume au-
Começou a fazer reparações eléctricas ainda menino na loja de electrodomésticos da mãe, no Bairro da Ponte, e seguiu a sua vocação na Escola Rafael Bordalo Pinheiro. Embarcado como oficial de electricidade, correu mundo na Marinha Mercante até que se estabeleceu, por conta própria, em 1971 no centro da cidade. A história de Vasco Oliveira está ligada à electricidade, aos electrodomésticos e ao gás, até que passou, há quatro anos, o testemunho à filha, Elisa Oliveira, também advogada, que acumula a gestão da empresa familiar com a prática da advogacia. Pelo caminho ficam décadas de histórias de quem calcorreou praticamente todo o concelho a “levar luz” às pessoas e depois gás. A Vasco Oliveira Lda celebra em 2011 quatro décadas. Já este mês terá início uma remodelação da loja, com o objectivo de mostrar mais a parte eléctrica e não só os electrodomésticos. va de ganhar mais dinheiro e voltou a embarcar, estando na Marinha Mercante até 1969, altura em que regressou às Caldas para trabalhar como electricista na loja de electrodomésticos e instalações eléctricas Inácio Abegão. Dois anos depois, a 15 de Maio de 1971, estabelece-se por conta própria, formando uma sociedade com o amigo Alfredo Cera. O trespasse da então loja de electrodomésticos José Verdasca e Verdiano à sociedade Vasco e Cera Lda custou na altura 150 contos (750 euros) divididos pelos dois sócios e, passados seis meses, quando o sócio desistiu do negócio, Vasco Oliveira pediu emprestado ao banco a metade necessária para ficar com toda a empresa, que depois
co, a máquina de lavar, o aquecimento, as varinhas e o ferro eléctrico, e as pessoas reagiam muito bem” bem”, lembra. Havia lugares que não tinham ainda electricidade e quando a “luz” lá chegava, era uma festa e o responsável da instalação era visto como um “herói”. Vasco Oliveira aproveitava essa alegria e mostrava as vantagens que se podiam Normalter através da energia. “Normalmente o ferro eléctrico ficava logo, assim como o fogão a gás” gás”, conta, adiantando que nessa altura trabalhava muito com a firma Manuel J Monteiro, de Lisboa, que lhe fornecia toda a mercadoria. “Lembro-me de uma vez ter ficado com uma contraparti-
Foz do Arelho ao Landal. “Os caminhos eram difíceis e eu tinha uma carrinha Austin, onde levava um ou dois empregados e o material que precisávamos para trabalhar” trabalhar”, conta, lembrando que entravam na loja às 8h00, depois seguiam para o local de destino e voltavam às 18h00 porque às 7h30 Vasco Oliveira tinha treino de futebol. “A vida naquele tempo era diferente, não havia férias”, conta o empresário, que se repartia entre o negócio, o futebol e a columbofilia (uma outra das suas paixões que ainda hoje mantém). O aparecimento das grandes superfícies, na década de 80 do século passado, com preços muito mais baixos, levou Vasco Oliveira
mentou muito mais. Depois, com a difusão do gás natural começaram a perder o mercado dos prédios, começando a expansão pelas freguesias, onde este tipo de instalação ainda não chegou. “É um nicho de mercado, temos representantes nas várias freguesias, que abastecemos com os nossos veículos” veículos”, disse, falando na primeira pessoa do plural, apesar de, tecnicamente, já não ser proprietário da casa. De acordo com Vasco Oliveira, o gás tem sido lucrativo, mas é um tipo de negócio em que é “preciso muito cuidado porque as margens de lucro são pequenas e é preciso ser muito bem gerido para dar rentabilidade” rentabilidade”. O empresário vê grandes dife-
renças no comércio nos últimos 40 anos. “Caldas sempre foi uma cidade comercial, mas as grandes superfícies vieram abalar um pouco o pequeno comércio tradicional” tradicional”, salientou, acrescentando que com o crescimento das cidades em redor também perdeu alguma população aos finsde-semana, que aqui vinham às compras às Caldas. “Mas ainda se nota que o nosso comércio de fim-de-semana é bom” bom”, expressou. O electrodoméstico não é um produto que se venda diariamente, mas continua a vender-se, sobretudo o pequeno electrodoméstico, explica, adiantando que a grande valia destas casas são a proximidade com o cliente e a garantia pós venda. “A assistência é de grande importância para o ramo dos electrodomésticos e foi isso que sempre tivemos. Damos assistência a tudo o que se vende” vende”, garante Vasco Oliveira. Além do futebol, da columbofilia e da vida empresarial, este caldense por adopção resolve também meter-se na política. Em 1985 concorre pelo PSD à Junta de Freguesia de Nossa Senhora do Pópulo e é eleito. Nunca mais de lá saiu. Nos primeiros tempos diz que era fácil conciliar as duas actividades - autarca e comerciante – porque a burocracia da Junta não era muita. Mas em 1996 deixou o estabelecimento para estar a tempo inteiro na Junta de Freguesia. Ficou a esposa a geri-lo e há quatro anos deu o estabelecimento à filha mais velha, Elisa Oliveira (45 anos) para o gerir. O filho, Vasco Oliveira, também é electricista e reside em Inglaterra. Fátima Ferreira fferreira@gazetacaldas.com
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ca personalizada caracterizam a Vasco Oliveira Lda.
Na década de noventa o pagamento da luz à EDP era feito na loja de Vasco Oliveira, o que explica estas filas de espera.
Remodelação para destacar mais a componente eléctrica A Vasco Oliveira Lda. mantém a mesma firma, mas a responsável é agora a filha do fundador, Elisa Oliveira, que detém 90% das quotas, e um familiar. Elisa acumula agora as funções de mãe de família, advogada e empresária. “Sempre me conheci aqui. Saía da escola primária e vinha para a loja onde era o local de encontro da família” família”, lembra, acrescentando que acompanhou de perto as quase quatro décadas da firma. Nos seus tempos livres sempre colaborou com a empresa e apreciava particularmente da Gostava parte do comércio. “Gostava muito do atendimento directo ao público, do contacto com as pessoas”, recorda Elisa Oliveira. “E tinha jeito” jeito”, acrescenta o pai, que diz não ter sido talhado para o negócio, pelo que a filha “puxou à mãe” mãe”, conta. A agora empresária já tinha uma experiência profunda do ramo porque quando terminou o 12º ano entendeu que queria trabalhar e foi para o escritório da empresa. Passado algum tempo surgiu a UAL nas Caldas e a jovem decidiu prosseguir os seus estudos, licenciando-se em Direito. A empresa continua a vender material eléctrico, mas já Vendenão faz reparações. “Vendemos os produtos de iluminação, electrodomésticos e gás, sendo que o maior volume de negócios da sociedade é a distribuição de gás” gás”, conta Elisa Oliveira. Os clientes actuais continuam a ser os da cidade. Vendem o electrodoméstico ao cliente fiel, muitas vezes até pelo telefone. “Ele telefona-nos e pergunta se temos determinado tipo de electrodoméstico e depois combinamos e hora e vamos entregar” entregar”, conta, acres-
centando se trata de um tipo de comércio baseado na confiança. No resto do concelho têm essencialmente os clientes do comércio do gás, entre revendedores e restaurantes. Os empresários pretendem fazer uma remodelação da loja, que mantém em grande parte Vamos mano aspecto inicial. “Vamos ter a estrutura de loja, recuperando o que existe, mas tentar mostrar mais a parte eléctrica – da iluminação e material eléctrico” eléctrico”, explica Elisa Oliveira, que pretende manter também a linha branca dos electrodomésticos, mas não tão expostos. “Queremos apostar mais na área que poderá rodar mais. Hoje em dia as pessoas mudam, com facilidade, a parte da instalação eléctrica na própria casa, e materiais como os interruptores e tomadas já fazem parte da própria decoração” ção”, disse, acrescentando que vão também apostar na iluminação. O projecto está feito e o upgrade da loja deverá ter início durante este mês. “Estamos na expectativa para ver como os clientes nos vão abordar e aceitar a mudança. Na prática vamos voltar ao início, ao retomar a par-
CRONOLOGIA 1937 – Vasco Oliveira nasce em Silves 1947- Vem para as Caldas com a família porque o pai vem trabalhar nos serviços municipalizados 1955 - Ingressa na Escola da Marinha Mercante e tornouse oficial electricista 1969 – Começa a trabalhar como electricista na loja de
te da iluminação e do material eléctrico eléctrico”, conta, expectante a empresária, que aceitou a gestão da empresa com o objectivo de dar continuidade ao negócio da família. “É uma empresa familiar, pequenina, que tem que ser gerida com muita cautela, quase à pinça” pinça”, diz Elisa Oliveira, destacando a importância de cumprir com os fornecedores, mantendo a “imagem de credibilidade e confiança que os meus pais sempre deram à casa”. Apesar da solidez desta sociedade por quotas, a empresária reconhece que o comércio tradicional em Portugal está a passar por grandes dificuldades. “A concorrência é muita e, por vezes, desleal”, diz, acrescentando que o pequeno negócio sente tudo isso na pele porque as despesas são as mesmas e as receitas é que vão sendo menores. A empresa Vasco Oliveira Lda. conta agora com quatro funcionários, um deles ainda do início. A outros, Vasco Oliveira “deu-lhes a mão”, ensinando-lhe o ofício e actualmente são electricistas credenciados. Fátima Ferreira fferreira@gazetacaldas.com
electrodomésticos e instalações eléctricas Inácio Abegão. 1971 – Vasco Oliveira e Alfredo Cera abrem uma loja de electrodomésticos 1972- Alteração da sociedade para Vasco Oliveira, Lda. que passa a ter como sócios, com quotas iguais, o fundador e a esposa, Maria Rosa Oliveira 2006 - Elisa Oliveira tornase a sócia gerente da Vasco Oliveira Lda.
O interior do estabelecimento não mudou muito desde a sua inauguração. Por isso, Elisa Oliveira prevê remodelá-lo muito em breve
O casal Rodrigues trabalha na firma há mais de 30 anos
O casal António e Conceição Rodrigues trabalha na mesma firma. Ele é o funcionário mais antigo da casa
António Rodrigues, de 56 anos, começou a trabalhar como aprendiz na Vasco Oliveira Lda em 1971, três meses depois desta firma abrir. Na altura tinha 17 anos e há três que trabalhava na Fábrica de Faianças Belo, situada na Rua da Fé. Simultaneamente andava a tirar o curso de montador electricista na Escola Comercial e Industrial das Caldas à noite. “Gostava muito da parte eléctrica, não sei se era por morar no Bairro da Ponte junto à Central Eléctrica e ser influenciado pelos electricistas que andavam por ali de um lado para o outro de escadas às costas” costas”, disse o montador electricista que vive realizado com a sua profissão. Dos primeiros tempos lembra da azáfama do trabalho, pois eram poucos electricistas, e das distâncias que percorriam na cidade, a pé e com o material às costas. “Nós fizemos muita instalação de raiz em prédios. Nas Caldas praticamente todos os prédios grandes
foram feitos por nós” nós”, recorda o funcionário, especificando que o primeiro foi um edifício de 10 andares junto ao Largo do Vaccum. Os trabalhadores juntavam-se de manhã na loja e depois partia cada um para a sua obra, carregando os rolos de fita e o resto do equipamento. Já quando iam fazer serviço para as aldeias do concelho, Vasco Oliveira transportava-os na carrinha. Foram tempos difíceis, “Foram mas foi bom. Se eu mudasse agora não sabia fazer outra coisa” coisa”, diz António Rodrigues, que actualmente também ajuda o colega na distribuição do gás. “Há serviços que se justifica ir duas pessoas e quando estou mais livre vou apoiar o meu colega pois há pessoas que pedem duas botijas para um terceiro andar e, sendo dois, reparte-se o trabalho” trabalho”, explica o funcionário que ali trabalha há 39 anos. A Vasco Oliveira Lda além de ser uma empresa familiar na gerência, é-o também ao nível dos funcionários. A esposa de António, Conceição Rodrigues,
de 53 anos, também ali trabalha, a atender ao balcão na loja. Nestes últimos 30 anos muitas têm sido as mudanças na casa e Conceição Rodrigues coVendíamos nheceu-as bem. “Vendíamos muito material eléctrico, fio, tubos, candeeiros, e a linha branca, enquanto que agora são mais pequenos electrodomésticos” trodomésticos”, disse. A funcionária lembra mesmo um Natal em que “desapareceram” todos os frigoríficos e arcas congeladoras da loja. Actualmente vendem também muito para as aldeias, nomeadamente para os “mais velhotes, que não gostam de ir ao centro comercial” comercial”. Estes preferem ir à loja de sempre, onde conhecem os proprietários e sabem que são Ainda bem aconselhados. “Ainda hoje vendi um esquentador a um senhor que chegou e perguntou pelo senhor Vasco” Vasco”, exemplifica Conceição Rodrigues, que gosta muito do trabalho que faz, especialmente do contacto com as pessoas. F.F.
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Família Sousa - do vinho a granel às garrafeiras Bag O vinho une três gerações da família Sousa. José de Sousa Júnior (1915-1973), natural de Sancheira Grande(Óbidos),foimotoristaeconduzia grandes camionetas, carregadas de vinho de um familiar que o vendiaparaoNorte,tendofeitomuitasviagenssobretudoàzonadogrande Porto. Lembro-me que ele saía da“Lembro-me qui à meia-noite e chegava lá às sete ou oito da manhã manhã”, conta o filhoAlfredoSousa,de68anos,acrescentadoquesóvoltavaaveropaino dia seguinte, quando ele regressava, por volta das cinco da tarde. Ao transporte do vinho José de SousaJúniorconseguiu,nosanos40, juntar o seu próprio negócio tendo aberto na sua terra natal e com a ajuda da esposa, Maria Salomé Sabino(hojecom89anos)umamercearia, que incluía também uma barbearia e uma taberna. Vendíamos ali de tudo, até os “Vendíamos comprimidos comprimidos”, recorda Alfredo Sousa, acrescentando que enquanto o pai andava no transporte do vinho,era amãequetomavacontado negócio. EstabelecidosnaSancheiraGrande,etendoemcontaasuaexperiênciacomovinho,JosédeSousaJúnior eMariaSaloméSabinodecidemtornar-se também armazenistas e nos anos 60 compram nas Caldas uma casa com quintal na Rua Sebastião deLima.Mandamoedifícioabaixoe constroem de raiz o armazém de vinho e dois apartamentos para a família no primeiro e segundo andar. Em simultâneo o casal compra uma mercearia e taberna na esquinadaRuadoSacramentocomaRua Sebastião de Lima, muito próximo do futuro armazém. Naquele tempo vendia-se “Naquele bem o vinho e não havia tanta concorrência como agora agora”, dis-
O fundador da empresa, José de Sousa Júnior, abriu o seu próprio negócio nos anos 40 quando ainda conduzia camionetas com vinho
José Manuel de Sousa, neto do fundador, com os pais, Alfredo de Sousa e Maria Helena da Costa Sousa
constituição futura de uma famento todo automatizado, congarrafeira. tras as quais a firma caldense não conseguia lutar. Alfredo Sousa deixa então de JOTESSE FOI A MARCA DA vender a granel e de engarrafar e CASA passa a apostar apenas na comerEntre 1967 e 1973 pai e filho cialização de vinhos engarrafados. Em 1979 constitui-se uma nova firma, a Costa & Sousa, Lda. com a A família Sousa possui duas garrafeiras nas Caldas da Rainha – Bago D’Ouro e Vinhos & Néctares. São esposa e mãe, Maria Helena Costa os únicos com casa aberta no centro da cidade a dedicarem-se à venda de bebidas alcoólicas. Quem Sousa e Maria Salomé Sabino, resvisita a Bago d’Ouro, na Rua Sebastião de Lima, não adivinha que aquele espaço já foi um local de pectivamente. A mulher de Alfredo armazenamento e de engarrafamento de vinho onde trabalharam já três gerações da família. Sousa há muito que trabalhava com o marido no negócio. Os Sousa agora dedicam-se apenas à venda de garrafas e é através da grande diversidade de “néctaEm 1983 abrem a garrafeira Bago res”, do atendimento personalizado e da entrega ao domicílio, nas Caldas e arredores, que fazem d’Ouro, aproveitando o facto do arfrente à concorrência das grandes superfícies. mazém ter uma boa frente para a Rua Sebastião de Lima. Esta é uma vida dedicada ao dias de descanso, trabalhava- negocio até porque, durante o servi- “Engarrafávamos tudo à mão, sob a vendiam garrafões de cinco “Esta se de segunda a segunda” segunda”, con- ço militar, tirou a carta de pesados. marca Jotesse [JS de José de Sousa].” Al- litros com a marca Jotesse e vinho e tento estar por dentro Era pois vê-lo sair das Caldas, às seis fredo Sousa conta que vendia muito vinho nos final dos anos 70 também dos vários assuntos relacionata. O armazém do vinho fica pronto e meia da manhã, ao volante da ca- para a zona da Anadia e, em troca, come- passaramaengarrafaraguar- dos com o tema, seja a utilizaem1967epossuiumacapacidadede mioneta Bedford, de sete toneladas. çaram também a adquirir bebidas já en- dente - a Cantomar (branca) ção das novas tecnologias, seja as novas castas ou quais são Íamos directamente aos produ- garrafadas, num golpe de vista do patriar- e a Contente (amarela). armazenamentode150millitros.José “Íamos “Comprávamos no pro- os melhores anos anos”, disse este emvinho”, lembra o ca que abria, no fundo, caminho para a deSousaJúniordedicava-seagoraà tores acartar o vinho dutor e engarrafava-se cá, presário que agora dá uma ajuda tal como fazíamos com o ao filho na empresa. vinho branco e tinto Alfredo Sousa acha que o sector tinto”, conestá mais parado pois as ta. Diz que a zona das Caldas hoje “está era boa produtora de bran- bebidas não são artigos de pricos, mas os tintos tinham que meira necessidade e por isso as vir do Manique do Intendente pessoas retraem-se retraem-se”. Segundo ou de Alcoentre. este responsável, as vendas deve“A qualidade sempre foi rão ter decrescido nos últimos anos fundamental, é a verda- naordemdos10%. deira alma do negócio negócio”, Na sua garrafeira Bago d’Ouro contouoempresário,quehoje, aposta numa grande variedade de aos 68 anos, dá uma ajuda ao bebidaspoissenãofosseessadivernão conseguiríamos sofilho José de Sousa, que está sidade “não à frente desta empresa fami- breviver” breviver”, acrescentou. Tentam liar. tambémterosmelhorespreçospara Em 1973 o patriarca, José osseusclientespoiscomocompram de Sousa Júnior, morre aos 58 tudo o que podem na origem (em anos em consequência de herdadesalentejanas,porexemplo) uma trombose. Alfredo Sou- conseguem bons preços para o clisa e a mãe prosseguem o ne- ente final. É gócio, ficando agora a firma Qual é o segredo do negócio? “É designada José de Sousa Jú- trabalhar com seriedade e não andar com trafulhices nior Herdeiros. trafulhices”, rematou Estava-se nos anos 80 e a Alfredo Sousa. concorrência era cada vez Natacha Narciso maior pois havia empresas Alfredo Sousa e Maria Helena Costa no dia do seu casamento, em 7/02/1965, à porta do armazém onde realizaram a boda e numa foto actual, no mesmo sítio, hoje garrafeira Bago d’Ouro com o processo de engarrannarciso@gazetacaldas.com se Alfredo Sousa. Na taberna, o tinto eobrancocomercializava-seaocopo e ao garrafão. Os próprios clientes vinham aviar-se trazendo os garrafões que enchiam a partir das cartolas (barris que levavam 200 litros) para os levar para casa. “Não havia
venda do vinho a granel. Decide, entretanto vender a mercearia-taberna-barbearia na Sancheira Grande, ondecomeçaraasuavidadecomerciante. Finalizada a tropa em 1967, Alfredo de Sousa vem ajudar o pai no
empresário, acrescentando que às nove já estava de volta às Caldas para descarregar o vinho nos depósitos do seu armazém. José de Sousa Júnior toma ainda a decisão de começar a engarrafar o vinho que adquiria em Alcoentre, Cercal, Manique do Intendente, Mata de Porto Mouro e Relvas.
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go D’Ouro e Vinhos & Néctares Atendimento personalizado e entregas ao domicílio distinguem a casa JoséManueldeSousatem44anos e dirige o negócio iniciado pelo avô. Guarda na memória as idas com o pai a localidades como Tagarro, Cercal e Manique do Intendente para fazer negócio com os produtores do vinho. Era aos domingos que fazia estas viagens, quando tinha 10 anos e lembra-se quando as adegas não tinham bombas eléctricas e era preciso usar uma bomba manual para fazer a trasfega do vinho para a camioneta. Feito o trabalho, havia sempre um lanchinho de “havia pão com um bom chouriço que nos davam as pessoas das aldeias deias”, disse o empresário. Tal como pai, os estudos também não eram o seu forte e, apesar de ter tentado concluir o ensino secundário à noite, acabou por desistir e por se agarrar ao negócio da família. Entre os 16 e os 18 anos começou como ajudante na distribuição na empresa que hoje dirige. Ainda entre 1993 e 1997 teve, com a sua esposa, Alexandra Sousa, um bar no Painho (Cadaval), que fez na adega da casa que lhe deixou a avó. Só trabalhávamos ao fim de “Só semana semana”, contou sobre o Pipas Bar. José e Alexandra gostaram muito desta experiência e dizem que não está fora de questão regressarem um dia a um projecto deste tipo. Na garrafeira Bago d’Ouro vendem aguardentes velhas, whiskys, licores (ginja sai bem) e vinhos engarrafados do Douro, do Alentejo, do Ribatejo apesar dos Dãos e da região Oeste estarem muito em voga. Uma das áreas mais fortes “Uma é o vinho do Porto” Porto”, disse o empresário, contando que a garrafa mais antiga que possui é de 1890 e
custa cerca de 1300 euros. A revenda – para restaurantes e cafés - é uma parte importante do negócio da empresa representando 70% do volume de negócios que José de Sousa prefere não revelar. Vejo hoje as coisas mais di“Vejo fíceis, não só por causa da muita concorrência, como por causa da própria situação do pais”, disse o empresário, que continua a ter clientes de Peniche, Nazaré ou S. Martinho. José de Sousa diz que têm bons preços para os seus clientes e que aposta no atendimento personalizado e nas entregas ao domicílio nas Caldas e arredores como elementos diferenciadores que lhes permite enfrentar a concorrência das grandes superfícies. “Somos também muito procurados por causa dos portos e das aguardentes. Aconselhamos os nossos clientes e temos sempre novidades vidades”, contou José de Sousa. Temos clientes com quem “Temos trabalhamos há mais de 20 anos e já sabemos que lote de bebidas pretendem quando organizam uma festa festa”, contou o responsável, acrescentando que também organizam com regularidade jantares vínicos em restaurantes da cidade. O próximo projecto da Bago d’Ouro será a abertura de uma sala dedicada à prova de vinhos, em colaboração com os produtores, no local onde antes tinham os depósitos do vinho. A empresa Costa & Sousa assegura neste momento cinco postos de trabalho entre os sócios-gerentes, os vendedores e os distribuidores.
A família deixou o negócio dos vinhos a granel e passou a dedicar-se à comercialização de bebidas engarrafadas
Vinho e produtos gourmet no coração da cidade “Vinhos & Néctares” é como se designa a segunda garrafeira da firma Costa & Sousa, que é gerida por Alexandra, esposa de José de Sousa. A loja fica na rua Heróis da Grande Guerra onde anteriormente a empresária tinha uma loja de roupa. Além dos vinhos têm várias propostas gourmet como patés, massas ou azeites. A loja proporciona cabazes e ofertas em que o vinho é associado a outros produtos. “A comida sempre esteve associada ao vinho” vinho”, comentou a empresária, que já conta com a ajuda da sua filha mais velha para realizar os presentes. Há outro aspecto curioso. Alexandra Sousa tenta sempre ter produtos nacionais, desde os doces às conservas “até porque o que cá se faz tem muita qualidade” qualidade”. A clientela é diversificada e no verão há muitos estrangeiros que gostam de conhecer os vinhos da região e também consoHá a ideia de que venmem produtos de gama média alta. “Há demos sobretudo vinhos caros, mas esta não corresponde à realidade pois temos aqui de tudo dos vários segmentos segmentos”, acrescentou a empresária. Tal como na Bago d’Ouro, esta garrafeira aposta forte na variedade dos vinhos do Porto “que temos para todos os gostos e bolsas bolsas”, rematou. N.N.
Alexandra Sousa e a filha mais velha na loja gourmet que fica na Rua Heróis da Grande Guerra
CRONOLOGIA
Além do vinho também a aguardente era engarrafada naquele espaço com as marcas Cantomar e Contente
Uma das primeiras garrafas com a marca Jotesse pirogravada, usada no tempo do pai de Alfredo Sousa
Anos 40 - José de Sousa Júnior abre mercearia, barbearia e taberna na sua terra natal. Como motorista, transporta vinho de um familiar para o Grande Porto. 1960 - Vendem o negócio na Sancheira e transferem-se para as Caldas, ficando com mercearia e taberna. Em simultâneo aposta na construção do armazém de vinho com capacidade para 150 mil litros. Passam também a engarrafar o vinho com a marca Jotesse. 1973 – Morre José de Sousa Júnior e a empresa passa a chamar-se José de Sousa Júnior Herdeiros 1979 – Constitui-se a firma Costa & Sousa Lda. que tem como sócios Alfredo Sousa, a mulher Maria Helena Rodrigues da Costa Sousa e a sua mãe Maria Salomé Sabino. Passam também a engarrafar as aguardentes Cantomar e Contente. 1983 – Abertura da garrafeira Bago d’Ouro. 2005 – Entra para a empresa o filho José Manuel Rodrigues de Sousa que fica com a quota da avó. O capital social é de 5.486,77 euros. 2006 2006- Abre a Vinhos & Néctares na Rua Heróis da Grande Guerra
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15 | Outubro | 2010
UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Zé do Barrete – a história de uma família de Alvornin Os últimos clientes saem por volta das 23h00. É nessa altura que César Santos e a mulher abandonam a cozinham e se juntam ao irmão, José Luis, e à cunhada, que andaram a servir às mesas. É assim que repartem a tarefa: César procura dar seguimento à cozinha tradicional portuguesa que aprendeu com a mãe e José ocupa-se dos clientes. Ao fim da noite a pausa dura pouco. Uma garrafinha de água, um licor e ala que se faz tarde porque é preciso ainda arrumar o restaurante e deixá-lo preparado para o dia seguinte. Mas hoje o serão é para contar memórias. Os dois irmãos estão lado a lado e não enganam - são mesmo parecidos. Falam da Alvorninha onde nasceram, mas da qual guardam pouca memória porque vieram ainda crianças para as Caldas. Alvorninha, ano de 1946. Gracinda Maria Correia tem 16 anos e nunca tinha cozinhado para tanta gente. É o primeiro casamento que faz como cozinheira, tarefa que haveria de a arrancar ao trabalho do campo. Durante anos a fio, cozinha para casamentos e baptizados, que naquele tempo e naquele meio se realizavam sobretudo nas casas das pessoas, nas adegas e nas garagens. Virá a casar já tarde (sobretudo para os padrões da época) com quase 30 anos, com um rapaz da sua idade, Raul dos Santos, tal como ela, nascido em 1930 e natural da mesma terra. Nos anos sessenta, em Alvorninha não havia muitas mais profissões e Raul é, como quase toda a gente, agricultor. Mas élhe detectada uma artrose, doença nada compatível com o trabalho do campo. O casal, já com três filhos (César, José Luís e Armando), muda-se para a cidade. E Gracinda aproveita para concretizar um sonho antigo – ter um restaurante onde possa cozinhar para os clientes, até porque nunca largara essa activi-
Raul e Gracinda com os filhos José Luís, Armando Jorge e César Manuel
dade e chegara até a montar uma tasquinha na feira da Rio Maior. Em 27 de Dezembro de 1966, por 40 contos (200 euros) Raul e Graciete tomam então de trespasse o Zé do Barrete, a já fa-
Oportunidades e era mesmo necessário estudar-se para se passar no exame) e tira a carta de condução. Raul (que faleceu em 2003) apenas sabia assinar o seu nome, mas os clientes recordam-no como a face visível
José Luís, Ana Paula, Gracinda Correia, César e Rymma Tupchiy
numa motorizada ao quartel buscar as refeições ali cozinhadas para os reclusos da cadeia das Caldas. No dia 16 de Março de 1974, com o país à beira de uma revolução que abortou, o quartel das
arroz e salsichas, tudo cozinhado no Zé do Barrete. “Ainda me lembro de ver uns panelões enormes com essa comida nesse dia. Eu tinha 11 anos…” anos…”, conta José Luís Santos.
Quem os conhece diz que se dão como irmãos. É uma redundância porque César e José são, de facto, irmãos. Mas mais do que isso, são amigos e sócios. Tomam conta de uma das mais antigas casas de restauração caldense, o mesmo negócio com que os pais ganharam o sustento para os criar e que eles agora mantém, adaptando-o a outros tempos. Esta é a história do Zé do Barrete, o restaurante que começou por ser uma taberna nos anos quarenta, quando José Faustino Leal, vindo de Vila Nova (Alvorninha) comprou a antiga carvoaria que havia na Travessa Cova da Onça. O estabelecimento haveria de sofrer vários trespasses até chegar às mãos de Raul dos Santos e Gracinda Correia, em 27 de Dezembro de 1966, que por sua vez o legariam aos filhos em 1985.
mosa taberna e casa de pasto da Travessa Cova da Onça. Não perdem tempo e fazem obras. Ampliam espaços, constróem um forno e dão um cunho pessoal ao projecto que abraçaram. A mulher trata da cozinha e o marido serve os clientes. Mas é ela a alma do negócio. Com 43 anos completa a 4ª classe (num tempo em que não havia Novas
do Zé Barrete, um homem cheio de boa vontade e simpatia, um autêntico relações públicas. A par deste negócio, o casal aproveita tudo o que pode para arredondar os rendimentos. Aluga quartos aos aquistas que demandam o Hospital Termal, Graciete lava a roupa aos militares do RI 5 (hoje ESE) e Raul arranja um ocupação diária curiosa – vai
Caldas está cercado e não o deixam passar. Raul, que nada percebia de política, insistia em furar o cerco para ir buscar a comida. Dizia que os presos tinham de comer e teimava em dirigirse ao quartel. Impedido de o fazer, voltou para trás, foi falar com o director da cadeia e arranjou a solução. Naquele dia os reclusos comeram ovos estrelados com
O restaurante sofreu sucessivas modificações e hoje nada resta da antiga casa de pasto
Os três irmãos crescem entre o bulício do restaurante e as brincadeiras na Travessa Cova da Onça. E seguem diferentes caminhos. Armando, o mais novo, partiu para os Estados Unidos, onde vive e tem dois filhos. César quer seguir a carreira militar e vai para a tropa para Lisboa. José Luís dá por si a trabalhar como mecânico-electricista na F.A. Caiado (a fábrica de tomate e conservas, entretanto fechada, que tinha instalações na Estrada da Tornada e no centro das Caldas). Em 1980 o casal, que até então pagava renda pelo restaurante, compra o edifício por 850 contos (4.240 euros). A vida não corre mal, apesar do intenso trabalho diário. Há aqui um momento em que parece que ninguém vai pegar no negócio da família, mas vai ser José Luis – que na verdade sempre continuou ligado ao restaurante a ajudar os pais – que
toma uma decisão importante logo a seguir ao seu casamento com Ana Paula Marques, em 1984. Na fábrica ganhava pouco e resolve que seria no Zé do Barrete que iria buscar o sustento para a família. O irmão César acompanha-o na aventura. Diz adeus à farda de furriel em Lisboa e regressa às Caldas, iniciando uma sociedade que, diz quem os conhece, parece abençoada, tal é o grau de sintonia entre os dois irmãos. Progressivamente os pais afastam-se e cedem-lhes o lugar, situação que é formalizada em 1985 com a atribuição da gerência aos dois filhos (o mais novo, Armando, emigrara para os Estados Unidos onde ainda hoje vive). A casa sofre remodelações logo nesse ano. E também em 1989 e em 2005. Da antiga casa de pasto já hoje nada resta e o estabelecimento é actualmente um restaurante vulgar, que guarda, contudo, um nome sonante e memórias que se cruzam com a história da cidade. Os dois irmãos são sócio-gerentes da firma Restaurante Zé do Barrete, Lda., formalmente criada em 1998 e que tem hoje um capital social de 5000 euros. A empresa, que tem um volume de negócios anual que ronda os 200 mil euros, é composta pelos dois sócios-gerentes irmãos e três empregados: as respectivas mulheres e mais uma funcionária. A sociedade, porém, paga uma renda à Gracinda Maria Correia – Sociedade Unipessoal, esta sim, a verdadeira proprietária do imóvel. Carlos Cipriano cc@gazetacaldas.com
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15 | Outubro | 2010
nha que veio viver para a Travessa Cova da Onça José Faustino Leal - o fundador e amigos. Fazia-o na brincadeira, mas Parece que desde cedo o nome Zé a alcunha pegou e deu nome ao esta- do Barrete foi aceite como uma marca belecimento, atravessando todo o sé- que os seus quatro sucessivos proprieculo XX e os sucessivos proprietários tários quiseram manter. É um nome da então taberna com casa de pasto e saloio, ligado ao mundo rural, com rahoje restaurante. ízes num tempo em que os barretes Não foi possível reconstituir os vári- eram usados pelos homens do campo, os donos do Zé do Barrete. Maria Amé- mas também associado a boa mesa, a lia Ramos Paulo e César Tempero já o uma gastronomia caseira e a um servitomaram de trespasse a outro dono que ço personalizado. não o fundador da casa. E quando deNo seu livro “Continuação”, João Bocidiram largar o negócio, deixaram-no nifácio Serra, descreve com grande a uma senhora, de nome Emília, de Al- precisão as suas memórias dos últimos cobaça, que em 1966 viria a trespassá- Barretes nos anos cinquenta: José Faustino Leal comprou nos anos lo aos pais dos irmãos Santos. quarenta a carvoaria que existia na Tra“Eram pretos, compridos e tinham uma borla na ponta. Embora já não fossem vessa Cova da Onça, uma artéria disusados pela maioria dos camponeses, constituíam um símbolo respeitado por creta do centro da cidade que durante muitos, em especial os mais velhos. Punham-no de Verão e de Inverno e raraanos concentrou tabernas e casas de mente o tiravam (para assistir à missa, passar junto a um cemitério ou acompapasto, local também de muita circulanhar um funeral, cumprimentar pessoas de respeito, entrar em casa alheia). ção de burros e carroças de quem deQuase sempre quem os usava tinha direito ao epíteto de Ti, que denunciava a mandava a Praça da Fruta e guardava idade e o respeito que inspirava. De dentro podiam sair várias pequenas surpreas “viaturas” numa cocheira que ali sas. Do do Ti João Franco ou do Ti João Seco saíam duas carecas completamente existia. lisas e completamente alvas, em contraste violento com a cara tisnada pelo sol Deste homem, natural de Vila Nova, e enrugada pelo tempo. Mas também podiam sair um maço de mortalhas e um na freguesia de Alvorninha, sabe-se pacotinho de tabaco, uma moeda e, mais raramente, uma nota, uma carta receque durante uns tempos colocava um bida de um parente longínquo ou de um organismo público, trazida para pedir a barrete na cabeça, divertindo clientes quem soubesse ler que decifrasse o que lá vinha escrito”
Acabou-se o pico do Verão e a fraca procura no Inverno Qual o segredo do êxito? nome”, responde “A tradição e o nome” José Luis. “A cozinha tradicional, que segue a linha da minha mãe” mãe”, responde César Santos. A localização bem no centro da cidade também conta, apesar de alguns se queixarem da dificuldade em estacionar. E também os clientes que frequentam a casa há mais de 30 anos. As especialidades da casa passam pelos peixes frescos grelhados, o cozido à portuguesa das quartas-feiras e os filetes de pescada fresca às quintas. A clientela não falta e a recessão não parece afectar o negócio. É claro que já houve tempos melhores, mas isso não tem a ver com a crise económica mundial. Antes com a cidade e com o que ela já foi. Nos verões de há 15 anos os irmãos lembram-se de a casa encher por completo ao meio-dia, depois às 13h00 e depois às 14h00. Eram os aquistas que vinham mais cedo, os emigrantes, os turistas, os caldenses. Grande parte da clientela vinha do Alentejo, de Elvas, Évora, Alandroal, Moura, e vinham aos banhos às Caldas. Isso agora acabou.
O restaurante esteve durante alguns anos aconselhado no Guide du Routard e José Luís conta que, graças a isso, era raro o dia em que não apareciam clientes franceses. Ao ponto de ter decorado a ementa da casa em francês. “Agora estamos pior no Verão e melhor no Inverno. Antes trabalhava-se três meses bons e procurava-se aguentar isto durante o resto do ano. Agora não há picos. É mais ou menos igual o ano inteiro” ro”. É isso que constata José Luís. Raul dos Santos morreu em 2003. Gracinda Correia, hoje com 80 anos e doente, ainda há poucas semanas tentava descascar umas batatas e ajudar os filhos, mas passa grande parte do tempo num lar. Tem quatro netos em Portugal e dois nos Estados Unidos, com idades entre os três meses e os 22 anos. Alguns já trabalham. Mas mais do que um, particularmente sensibilizado com a história da família, já disse que “o Zé do Barrete não pode morrer” morrer”. C.C.
CRONOLOGIA 1930 - Nascem Raul dos Santos e Gracinda Ferreira, futuros proprietários do Zé do Barrete
1966 - O casal toma de trespasse a então taberna e casa de pasto 1980 - Raul e Gracinda compram o edifício por 850 contos (4240 euros) 1985 - Os irmãos César e José Luís entram formalmente na gerência da casa, sucedendo aos pais
1989 - Remodelação interior do estabelecimento 1998 - Criação da firma Zé do Barrete, Lda. pelos irmãos César e José Luís 2005 - Última remodelação do estabelecimento
A família Tempero no Zé do Barrete Maria Amélia Ramos Paulo (1928-2004) e César Mota Tempero (1928-2005) numa imagem do início da década de cinquenta. O casal esteve à frente do Zé do Barrete entre 1957 e 1960. César era empregado do café Zaira e a esposa assegurava o funcionamento, durante o dia, da então taberna e casa de pasto. A filha, Ida Amélia, que hoje trabalha no Registo Civil das Caldas, nasceu em 1957 nessa mesma casa. Nas fotos tem três meses e está à porta do estabelecimento ao colo do irmão, César Tempero, que então tinha seis anos e viria a ser muitos anos depois presidente da Junta de Freguesia dos Vidais. A foto da direita, também com a bebé Ida, é uma das poucas imagens antigas onde se pode ver uma parte do interior da casa do Zé do Barrete.
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Família Barosa – pais, filhos e um primo num negócio Nascido nas Caldas a 1 de Junho de 1931, Manuel de Sousa Barosa acabaria por ter que sair da sua terra natal aos 20 anos. A Segunda Guerra Mundial tinha acabado há pouco tempo e o emprego não abundava. “Eu fiz parte da juventude que abandonou as suas raízes para ir à procura de uma actividade” actividade”, conta mais de meio século depois. A busca de uma vida melhor levou-o a Moçambique. Durante 21 anos, Manuel Barosa trabalhou na Caixa Económica e Postal e depois no Banco de Crédito Comercial e Industrial. Andou por Vila Gouveia (hoje Catandica), Beira e Lourenço Marques (hoje Maputo), sempre acompanhado pela esposa, Cesaltina Rosário Filipe Barosa. As notícias da sua terra chegavam-lhe pela Gazeta das Caldas, que a sua mãe comprava e lhe enviava pelo correio. Duas décadas depois de ter partido, Manuel Barosa decidiu voltar. “Cheguei à conclusão que estava errado em estar lá” lá”, e acabou por voltar a Portugal em 1973. Na altura mal adivinhava que, dois anos depois, a maioria dos portugueses que viviam em Moçambique regressariam em condições trágicas após a independência. “Como resultado da minha estadia por lá, a única riqueza que trouxe foram dois filhos” Luíz, nascido em 1958, e Jorge, que nasceu em 1970. “Eu lá era bancário, mas não queria voltar para a banca, não era que alguém me tratasse mal, mas eu entendia que aquilo para mim era pouco. Então acabei por abrir uma empresa em Lisboa, ligado a um empresário de Moçambique da pesca de camarão” camarão”. Manuel Barosa geria a delegação portuguesa da empresa Produmar, que também estava representada em Joanesburgo e que comercializava a marca Seastar. Um ano após ter voltado de Moçambique, o caldense já sabia o que era ter sucesso nos negócios. “Quando dei por mim era um dos três importadores de camarão deste país” país”, lembra. E naquela altura a procura pelo marisco era tanta que “quando chegava o barco a Lisboa com as
10 ou 15 toneladas de camarão, estava tudo vendido. Era só proceder à entrega, facturar e esperar pelos prazos de pagamento” pagamento”. Ainda que a empresa fosse em Lisboa, Manuel Barosa nunca perdeu a ligação às Caldas, onde voltava para fins-de-semana prolongados. Mas o 25 de Abril veio trocar as voltas ao empresário. “Com toda a trapalhada que houve nesta altura, os portugueses que estavam em Moçambique vieram-se embora e esta empresa fechou. Na altura tinha seis arrastões de pesca de camarão” marão”. Manuel ficou novamente sem emprego. As portas da banca continuavam abertas, mas esta era uma opção que continuava a não lhe agradar. Decidiu então valerse dos conhecimentos que tinha granjeado no tempo que trabalhou para a Produmar, “conhecimentos a nível internacional, do mundo dos congelados. Foi aí que aprendi onde é que estavam os clientes, os produtores” res”. Voltou de vez para as Cal-
Eugénio Pego, Luíz, Manuel, Cesaltina e Jorge Barosa no dia em que foi criada a Manuel de Sousa Barosa, Lda. e numa imagem actual. Pais, filhos e um primo mantêm-se à frente de um negócio que ronda os 5 milhões de euros de facturação
Cesaltina dava aqui no duro” duro”, recorda o marido. Não foi preciso muito para que a garagem se tornasse pequena demais para o negócio e Manuel Barosa decidiu fazer aquele que seria o primeiro armazém da grande empresa que hoje se pode ver no nº10 da Rua São João de Deus. É também nessa altura que o filho mais velho decide ir trabalhar com os pais. “Eu queria estudar, mas como não tinha conseguido entrar na Faculdade de Direito dois anos seguidos… Durante
ca Olá na zona das Caldas. Enquanto os vendedores da marca vendiam aos comerciantes que tinham arcas da Olá, a família Barosa encarregava-se dos que não tinham. “O meu maior fornecedor era, simultaneamente, o meu maior concorrente” concorrente”, conta o pai Manuel Barosa. Foi também neste ano que a empresa deu início à transformação de pescado congelado. “Fornecíamos o comércio local e das redondezas e já na altura com uma grande diversidade de
Manuel Barosa. “Quando cheguei o senhor Barosa disse-me assim: ‘Oh Pêgo, tens aqui um escritório’. E eu olhei e vi uma salinha pequenina com um sofá e pensei ‘ele todo orgulhoso com um escritório tão pequenino, mas tudo bem, isto funciona’” ’”. Numa zona litoral um dos principais obstáculos com que a empresa se deparou foi a aceitação dos clientes. “Não temos nada a ver com o peixe de Peniche e Nazaré, nós recebemos o pei-
É numa garagem com cinco arcas frigoríficas que começa em 1975 a história de sucesso dos negócios da família Barosa. Regressado de Moçambique e após ter orientado em Lisboa uma empresa de importação e venda de camarão, o caldense Manuel de Sousa Barosa decide arriscar um negócio por conta própria, tendo sempre ao seu lado a esposa, Cesaltina Barosa. No comando dos negócios juntam-se ao casal, 35 anos depois, os filho Luíz e Jorge, e o primo Eugénio Pêgo. E de uma pequena empresa em nome individual, o negócio dos Barosa transformouse num grupo de quatro empresas que factura anualmente cerca de cinco milhões de euros. das e lançou-se num negócio de congelados. “Não havia nada disto aqui” aqui”, lembra. Em Maio de 1975, Manuel de Sousa Barosa regista-se como empresário em nome individual. O negócio começou na garagem da casa do casal, um pequeno espaço onde o empresário tinha cinco arcas frigoríficas. Marido e mulher não tinham mãos a medir. Da venda, à entrega, passando pela embalagem e facturação, tudo era assegurado pelos dois. E isto numa altura em que “era tudo feito à mão” mão”, lembra Cesaltina Barosa, que se recorda bem das noites em que chegava a casa “às duas ou três da manhã, quando o trabalho estava todo feito” feito”. Os filhos ainda estudavam, e “a Dona
Manuel Barosa com a esposa e os dois filhos, Jorge e Luíz, ainda em Lourenço Marques (hoje Maputo), de onde regressaram em 1973
o Verão pintei o armazém todo sozinho e disse ao meu pai “eu vou trabalhar contigo”, conta Luíz Filipe de Sousa Barosa, que na altura tinha 20 anos. “A partir daí as coisas modificaram-se. O que eu tinha era uma brincadeira. Então, fiz uma câmara frigorífica com 30 metros cúbicos de capacidade e foi com essa câmara que arrancámos” arrancámos”. Uma câmara que ainda hoje existe, mas que está inactiva. A CHEGADA DA OLÁ Em 1979 surge um convite que iria definir o sucesso da empresa. A Manuel de Sousa Barosa foi desafiada para ser a agente da mar-
peixe que íamos buscar à Gafanha da Nazaré e a importadores de Lisboa” Lisboa”. Peixe capturado na pesca longínqua, com especial destaque para a pescada. Luíz Barosa explica como se processava a transformação, num processo que não difere muito do método dos dias de hoje: “o peixe vinha em blocos, congelado em alto mar em barcos-fábrica. Já aqui era desagregado, serrado, vidrado e embalado. Em 1979 o peixe vendia-se todo a granel” granel”. E lembra-se do primeiro carro da empresa: uma carrinha Mini Ima. Quem também se recorda bem destes tempos é Eugénio Viriato Pêgo (nascido em 1946), um primo afastado que veio trabalhar com
xe da pesca longínqua. Mas quando íamos oferecer o nosso peixe, os clientes diziam: não vale a pena que nós já recebemos peixe de Peniche” , lembra Manuel Barosa. “Demorou anos até que os nossos clientes percebessem que o peixe que os penicheiros lhes vendiam não era de lá, vinha do mesmo sítio que o nosso. É que tirando a sardinha e o carapau e algum safio, eles não têm mais nada” nada”. Num país que é o terceiro do mundo com o maior consumo de peixe per capita (apenas precedido pelo Japão e pela Islândia), “e apesar de comermos mais carne que peixe” peixe”, salienta Luíz, a qualidade dos produtos Barosa
Pescados foi fundamental para que a empresa fosse cada vez mais bem vista junto dos seus clientes. Paralelamente, a representação da Olá também corria sobre rodas. “Esta empresa cresceu com estas duas actividades em conjunto” e à medida que o negócio expandia, cresciam também as instalações. Na altura, a Manuel de Sousa Barosa contava com sete trabalhadores. Era a D. Cesaltina que orientava toda a parte de produção e facturação, o que aconteceu até que a empresa sentiu necessidade, em 1986, de implantar um sistema informático que agilizasse todos os procedimentos. Quando as vendas ultrapas“Quando savam o que nós tínhamos embalado, tínhamos que fazer serão. Então eu ia para casa fazer jantar para todos e só quando se acabava o trabalho é que o meu marido ia levar as raparigas que trabalhavam na embalagem a casa, às vezes à meia-noite, uma ou duas da manhã” manhã”, lembra a mãe. A década de 80 foi, de resto, marcada por diversas obras. Construíram-se mais câmaras e mais pavilhões. Em 1987, a Manuel de Sousa Barosa torna-se concessionária oficial da Iglo/Olá “e dá-se um boom muito grande nas vendas” vendas”, de tal forma que o empresário foi aconselhado a separar juridicamente as duas vertentes do seu negócio, o que acontece em 1988 com a entrada da mulher e dos filhos como sócios dos negócios. Tinha início uma nova era na empresa. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
As instalações actuais da empresa familiar estão longe da pequena garagem onde tudo começou há 35 anos. A expansão obedeceu a um princípio fundamental: “primeiro criam-se as necessidades, depois investe-se”
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o de congelados que dura há 35 anos De um pequeno negócio a um grupo com quatro empresas Treze anos depois de ter começado o seu próprio negócio na garagem da sua casa, em 1988, Manuel Barosa é um empresário de sucesso. O êxito é partilhado com a família, a mulher Cesaltina e os filhos Luíz e Jorge, que a par com o empresário se tornam sócios da Manuel Barosa Lda, criada especificamente para a comercialização de gelados. A transformação de pescado continuava a cargo da empresa em nome individual Manuel de Sousa Barosa. Luíz já trabalhava com o pai há dez anos. Jorge, com 18 anos nesta altura, estava a concluir o ensino secundário e só dois anos mais tarde viria a integrar os quadros da empresa. O pai brinca: “ainda não estava a trabalhar e já era sócio, isto não é para toda a gente” gente”. Logo o filho replica: “não trabalhava a tempo inteiro, mas vinha para cá nas férias desde os 13 anos” anos”. As duas empresas não param de crescer em dimensão e em volume de negócios. Já com Luíz e Jorge inteiramente dedicados ao negócio, surge uma nova empresa – a Manuel de Sousa Barosa Lda, criada em 1994 para a vertente de transformação e comercialização de pescado, que conta com os quatro membros da família Barosa e com Eugénio Pêgo como sócios. O primo torna-se, também neste ano, sócio da Manuel Barosa Lda. A Manuel de Sousa Barosa, com que tudo começou há 35 anos, nunca foi extinta. A empresa mantém-se no activo, alugando as câmaras frigoríficas às duas sociedades de responsabilidade limitada que integram os negócios da família. Em 2006 é criada uma nova empresa – a Gelados e Mimos, que dá nome à geladaria que a família tem em S. Martinho do Porto. As obras nas instalações das empresas foram-se fazendo sempre que havia necessidade. Hoje o grupo tem oito câmaras, a última das quais construída em 2008, o que lhes garante uma capacidade de 3.000 metros cúbicos de frio negativo. “Não há nada aqui à volta que se lhe compare” compare”, afiançam os responsáveis. E foi precisamente esta capacidade de frio que “permitiu que nos últimos anos se atingisse uma facturação anual que ronda os cinco milhões de euros” euros”, acrescenta Manuel Barosa. O que também contribuiu para os bons resultados foi a criação de novas áreas de negócio. Actualmente as empresas do grupo Barosa têm muito mais para oferecer que gelados Olá e peixe congelado. Operando com cerca de mil referências, as empresas da família têm uma vasta gama de produtos do mar (pescados, cefalópodes e crustáceos), salgados, snacks (refeições prontas), pastelaria pequena e grande e padaria, de marcas próprias – a Barosa Pescados e a Barosa Food Service. A estas junta-se um vasto leque de artigos de marcas tão conhecidas como Nestlé, Knorr, Calvé, Heinz, Kellog’s, Vaqueiro, Azeites Gallo, entre muitas outras. O negócio estende-se por três canais: o canal Horeca – Hotelaria, Restauração e Cafés, o canal tradicional (hiper e supermercados) e o canal social (lares, cantinas, refeitórios escolares), em nove concelhos numa faixa que se estende da Lourinhã à Nazaré. O grupo está a apostar na internacionalização das marcas próprias e já exporta alguns produtos para Espanha.
No conjunto das empresas da família Barosa conta-se um total de 42 trabalhadores. E aqui está já incluído um neto, Francisco Barosa de 24 anos, que se vai inteirando dos negócios ao mesmo tempo que se forma num curso que tem tudo a ver com a actividade da família - Engenharia Alimentar. DEDICAÇÃO E OPTIMIZAÇÃO DE CUSTOS E PROCESSOS NA BASE DO SUCESSO
Em tempos de crise, o negócio da família Barosa tem-se mostrado resistente. “Continuamos a honrar os nossos compromissos, a pagar a trabalhadores e a fornecedores a tempo e horas e não estamos dependentes dos bancos. A banca é um parceiro nosso, mas nunca foi nosso sócio” sócio”, congratula-se Manuel Barosa. O sucesso das suas empresas é como um puzzle, composto por várias peças. Uma delas, a qualidade dos produtos. A outra, a referida independência da banca (a empresa cresceu quase sempre em auto-financiamento). Mas há outro aspecto fundamental: “a empresa capitaliza, não distribui” distribui”, e os lucros foram-se acumulando, permitindo enfrentar os tempos mais difíceis com algum à vontade. Outra preocupação foi “estrangular tudo o que eram custos - foi tudo renegociado, da parte eléctrica aos serviços que contratamos, dos combustíveis às lâmpadas que temos nas instalações. E isto não acaba. É um esquema que tem que estar sempre em cima da mesa” mesa”, salienta Jorge Barosa. E para salvaguardar o seu stock, a empresa é hoje auto-suficiente durante três dias, com geradores alimentados a combustível. Não menos importante que tudo isto é a dedicação e o empenho de todos os sócios “que servem a empresa, e não o contrário” trário”. Está sempre alguém da gerência presente e todos os processos são acompanhados de perto pelos responsáveis, que todos os dias são os primeiros a chegar e os últimos a sair. “Temos que ser muito bons e muito exigentes para não falharmos na venda, na facturação, na entrega, nas encomendas, na gestão de stocks. Todos estes processos têm que estar muito bem optimizados para que nada falhe. E uma das razões do nosso sucesso é nós conseguirmos e sabermos fazer isto” sublinha Jorge, que orgulhoso acrescenta: “nós somos peixeiros cinco estrelas” estrelas”. A eficiência é também salientada por
Luíz. “Nós vendemos num dia e entregamos no outro e isso faz com que os nossos clientes nos vejam como parceiros de negócio” negócio”. E desde cedo perceberam que para que isto fosse possível, teriam que se apoiar na informática. “Fomos os primeiros a aparecer no mercado com pocket pc, na altura eram uns tijolos muito grandes, os vendedores não gostavam nada daquilo, mas nós ganhámos muita rapidez e muitas horas de sono” sono”, lembra o mais novo. Os dois irmãos são unânimes quando dizem que as empresas da família são muito bem vistas, tanto junto dos seus clientes como dos seus fornecedores, sobretudo no país vizinho, onde vão buscar muito do peixe que comercializam. “Em Espanha somos considerados, em termos de respeito, umas das três melhores empresas de Portugal, e isso é um motivo de orgulho muito grande. Não temos a dimensão que outras têm, mas em termos de respeito estamos muito bem cotadas. Vamos buscar produtos e temos as portas todas abertas” abertas”, garante Jorge. No seu próprio país, o reconhecimento do bom desempenho das empresas Manuel de Sousa Barosa, Lda. e Manuel Barosa, Lda. reflecte-se na distinção, pelo segundo ano consecutivo, como empresas PME Líder. “A verdade é que 40 famílias (alguns casais) dependem desta empresa e sentem-se seguros, e nós temos o dever de lhes dar essa segurança como resposta” resposta”, diz Manuel Barosa. E o filho mais novo acrescenta: “todos os trabalhadores que respeitam esta empresa são sempre muito bem respeitados” tados”. E é por isso que muitos colaboradores atingiram ali a idade da reforma e outros, que se mantêm, contam já com vinte anos ou mais de casa.. Nas empresas da família Barosa “toda a gente trabalha para o bem comum e ninguém trabalha sozinho” sozinho”, garante Luíz. Confiantes no futuro, os membros mais novos da família trilham novos caminhos para os negócios. A exportação, iniciada este ano, é um dos rumos a seguir. Outra aposta será na imagem da empresa, pelo que é bem provável que dentro de algum tempo as tão conhecidas ondas em tons de azul que acompanham o logótipo com um peixe e uma cana de pesca, dêem lugar a uma nova imagem, mais virada para o século XXI. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
Manuel Barosa mostra uma das oito câmaras frigoríficas da empresa. A temperatura no local é de 28 graus negativos.
“Nós também contribuímos para o orgulho que é esta empresa”
José Franco e João Pereira são dois dos mais antigos trabalhadores das empresas. Dois membros de uma equipa de 42 colaboradores que lutam por um só objectivo
José Fernando Franco, de 54 anos, trabalha para a família Barosa há mais de 25. “Comecei há muitos anos, no princípio era uma empresa pequena. Hoje tem outros alicerces, mas continua a ser uma família” família”, conta. Inicialmente, vendia e entregava. “Isto foi assim ainda durante alguns anos. Era eu e outro senhor. À segunda e terça vendíamos, à quarta ficávamos no armazém, à quinta e sexta íamos fazer a entrega” ga”. Agora dedica-se apenas à venda e há outros colegas para fazerem o trabalho que se segue. Uma prova do quanto a empresa cresceu, não só ao nível do negócio e do número de trabalhadores, mas também no que diz respeito às instalações. “O local onde estamos era um eucaliptal” eucaliptal”, lembra. E o que explica, na sua opinião, o sucesso do negócio? “É trabalharmos todos para o mesmo. E a gente não falha, o produto que se vende é entregue” entregue”. Além disso, “estamos sempre a evoluir, o mercado não pára e nós temos que acompanhar sempre esta evolução” A mesma opinião é partilhada por João Pereira, 51 anos, a trabalhar há 18 anos para os Barosa. O vendedor sabe que já começa a ser raro que os trabalhadores se aguentem durante tanto
tempo ao serviço da mesma empresa, e diz que isso é estranhado pelos mais novos. Mas esta é “uma empresa familiar que tem vindo a crescer com o apoio de todos, nalguns casos com sacrifício de todos, e principalmente com muita dedicação” dedicação”. Longe vai o tempo em que a família Barosa vendia apenas pescado e gelados. E João Pereira acompanhou toda a transformação que se deu ao nível dos produtos que as empresas comercializam, que permitiu combater, por exemplo, a sazonalidade da venda de gelados. “Neste momento somos capazes de montar uma pastelaria. Há uns anos apenas lá púnhamos a arca de gelados e os gelados. Hoje, a nossa oferta vai do pão aos salgados, e se for preciso até os fornos lá pomos” pomos”, e acredita que se não fosse a crise, a evolução seria ainda maior. Acreditando que o futuro não é preocupante, João Pereira afirma que “é um motivo de orgulho trabalhar numa empresa tão bem vista, por que nós de alguma maneira fazemos parte disto, contribuímos para o orgulho que é esta empresa” sa”. J.F.
Cronologia 1952 – Manuel Barosa vai para Moçambique 1973 – Regressa a Portugal com a mulher, Cesaltina, e os dois filhos Luíz e Jorge 1974 – É gerente na delegação de Lisboa da Produmar 1975 – Estabeleceu-se como empresário em nome individual na garagem da sua casa nas Caldas 1978 – Constrói o primeiro pavilhão da empresa e o filho Luíz começa a trabalhar com os pais 1979 – A empresa é agente da Olá 1983 e 1987 – Novas obras aumentam a capacidade de frio da empresa 1988 – É criada a Manuel Barosa, Lda (400 mil euros de capital social) para comércio de gelados com os sócios Manuel, Cesaltina, Luíz e Jorge Barosa. A empresa Manuel de Sousa Barosa mantém a transformação e comercialização de pescado 1990 – Jorge termina os estudos e junta-se à família 1994 – É criada a Manuel de Sousa Barosa, Lda (100 mil euros de capital social). Junta-se, como sócio, Eugénio Pêgo, que também entra para a Manuel Barosa, Lda. 2005 – Aposta em novas áreas de negócio com a marca Barosa Food Service 2006 – É criada a Gelados e Mimos, geladaria em S. Martinho do Porto 2008 – Construída a mais recente câmara frigorífica da empresa, com capacidade superior a 3000 metros cúbicos de frio 2010 – Início da internacionalização das marcas Barosa com exportações para Espanha
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29 | Outubro | 2010
UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Sai farinha gourmet da moagem José Félix Quitério,
Joaquim Rebelo (1883-1960) foi o precursor José Félix Quitério (1924-2009), genro de Joaquim Rebelo, pegou de uma actividade que já leva 70 anos nos destinos da fábrica de moagem em 1976
A necessidade aguça o engenho. O ditado é antigo e era levado à prática por Joaquim Rebelo (1883-1960), um carpinteiro das Gaeiras que, numa tentativa de melhorar a vida nos anos duros do início do séc. XX, construiu um moinho de pedra, com a ajuda da esposa, e começou a moer trigo para fazer farinha. A obra ficou pronta em 1920, altura em que houve um terramoto em Benavente e Joaquim Rebelo foi para lá trabalhar de carpinteiro, deixando a esposa, Luísa Rebelo (1889-1968) a tomar conta do moinho e da sua produção. “A minha mãe dormia lá com a minha irmã e trabalhava no moinho toda a noite, fazendo farinha tal e qual como o meu pai lhe ensinara” ensinara”, recorda a filha, Maria Luísa Rebelo Quitério, hoje com 84 anos. Regressado de Benavente o carpinteiro-moleiro Joaquim Rebelo continuou a produzir farinha e o negócio deve ter corrido bem porque, 20 anos depois, em 1940, constrói uma moagem no centro das Gaeiras (deixando o moinho arrendado ao seu fiel funcionário Manuel, a quem dera trabalho quando este tinha 14 anos). O casal Joaquim e Luísa Rebelo tem, entretanto duas filhas: Alice, nascida em 1921 (faleceu em 2004), e Maria Luísa Rebelo, nascida em 1926. Esta recorda-se que a nova fábrica fazia sensação na aldeia das Gaeiras nos anos 40. A moagem utilizava aquilo que para a época eram novas tecnologias mós francesas (uma novidade à época), seguindo-se a introdução de pneumáticos e cilindros, permitindo o aumento da produção da farinha de trigo. Alice e Maria Luísa casam, respectivamente, com Gil Palma e José Quitério (1924-2009), que acabariam por vir juntar-se à actividade da família. A filha mais nova de Joaquim Rebelo lembra-se que se casou
com 18 anos (1944) e que o marido teve que ir assentar praça de seguida, levando-a para o Lumiar, O em Lisboa, durante um ano. “O meu pai ia lá todos os domin-
tégico, em 1976 a fábrica encontra-se praticamente parada e com dívidas à EPAC (Empresa Pública de Abastecimento de Cereais). Maria Luísa descobre pelas folhas
Filipe Quitério e a avó, Maria Luísa, são hoje a face visível de um negócio de várias gerações
“Ninguém tinha um tostão, não sei como sobrevivemos, foi duro” duro”, recorda Luísa Quitério, que passou a tomar conta do escritório. Mas as dificuldades fo-
proprietários tivesse que ficar de noite a cuidar da fábrica. José Quitério criou uns lotes especiais de farinha, que começaram a granjear fama na região,
A empresa em nome individual José Félix Quitério – Farinha das Gaeiras foi criada em 1976, mas a sua história é bastante mais antiga e traduz-se numa paixão que une já três gerações. No início do século XX o carpinteiro Joaquim Rebelo (1883-1960) constrói um moinho nas Gaeiras e começa a produzir farinha. O negócio prospera e em 1940 constrói uma fábrica de moagem no centro da aldeia, onde também começam a trabalhar os seus dois genros. Divergências após a morte do patriarca levaram a fábrica quase à falência, até que é adquirida em 1976 por um dos genros, José Félix Quitério, que volta a dar-lhe um novo fôlego. Hoje é o neto mais novo que está à sua frente e que pretende torná-la uma fábrica de futuro, mas assente nos valores da palavra e do conhecimento, cimentados em muitos anos de relações comerciais transmitidos pelo avô. A farinha das Gaeiras “feita 100% de trigo” tornou-se uma marca de qualidade e é comercializada por toda a região. gos ver-me e perguntar do que precisava” precisava”, conta, acrescentando que logo que a tropa foi terminada regressaram às Gaeiras. Como José Quitério não tinha emprego, o sogro empregou-o na fábrica, junto com o cunhado. Trabalhavam lá os dois, “Trabalhavam mas o meu pai era a trave mestra que orientava aquilo tudo” tudo”, conta Maria Luísa Quitério, que desde pequena ajudava o pai com as contas. Além do patriarca e dos genros, trabalhavam na moagem mais quatro pessoas. Em 1960 Joaquim Rebelo morre e os dois genros herdam a fábrica, cuja administração passam a assumir, ficando Gil Palma responsável pela contabilidade. A relação entre dois é difícil, acentuando-se com o tempo, chegando ao ponto de praticamente não se falarem. Por esse motivo, José Quitério começa a afastar-se da moagem passando a dedicar-se à agricultura. CRIAÇÃO DE LOTES ESPECIAIS DÃO FAMA À FARINHA
Devido à falta de uma verdadeira gestão, e sem rumo estra-
de caixa que o montante em dívida teria que ser pago nos próximos oito dias ou todo o património iria “à praça”. O casal opta por lutar pela posse da fábrica, dado que não conseguiu acordo com os familiares. A operação de venda em hasta pública decorre em 26 de Novembro de 1976. O preço base é de 10 escudos (cinco cêntimos) e viria atingir 2500 contos (25 mil euros). Na noite em que se decidia o futuro da empresa, Maria Luísa permanece dentro do carro, à porta do escritório de um advogado, até às cinco horas da manhã à espera de saber o desfecho. “Chega o meu marido e diz a fábrica é nossa! Começo de chorar e a dizer que ele nos desgraçou porque não temos dinheiro” dinheiro”, recorda a octagenária, acrescentando que José Quitério logo a sossegou, dizendo que antes de ir para a licitação foi ao banco Totta & Açores (actual Santander) para pedir um empréstimo, que foi desde logo concedido. José Quitério entrega metade dos 2500 contos ao cunhado e fica, assim, senhor da empresa, apressando-se, também a pagar a dívida à EPAC.
ram-se atenuando e “aquilo afinal correu bem”, conta, recordando que em dois apenas pagaram a dívida ao banco. Nos anos setenta, após a extinção da EPAC (que assegurava a distribuição de trigo pelas moagens do país) e com a liberalização do mercado dos cereais, houve muitas empresas que faliram. “Antes éramos 70 e agora devemos ser umas 20 ou 30 moagens a funcionar” funcionar”, revela, dando conta que a sua sempre sobreviveu porque é pequena e tem um carácter artesanal que hoje é uma mais-valia. “Há ali um sistema muito manual que faz a farinha tal e qual como nós queremos, mais ou menos elástica, consoante se destina a pastelarias ou à transformação alimentar” mentar”, explica. Pouco tempo depois de serem proprietários da fábrica, contrataram um especialista que foi às Gaeiras alterar o processo produtivo, aumentado a produção para o triplo. “Começámos a moer cada vez mais e a farinha começou a ter muita fama” fama”, o que implicava que todos os dias, um dos
vendendo não só para a as Caldas e Óbidos, como para os concelhos de Santarém, Peniche e Alcobaça. Com a fábrica a produzir em ple-
no, o casal Quitério pode então passear e Maria Luísa recorda hoje as viagens que então fizeram ao até então Brasil e Japão porque, “até tinha sido só trabalhar” trabalhar”. Ainda hoje Maria Luísa, apesar dos seu 84 anos, continua a fazer a contabilidade da fábrica e a ajudar o novo gestor da moagem – o seu neto, Filipe Quitério. O que acontecera entretanto? José Quitério e Maria Luísa tiveram só um filho – Gil Quitério, nascido em 1945 - que acabaria por seguir um rumo diferente sendo hoje professor universitário no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa. Aparentemente a família de moleiros estaria interrompida aqui, mas o filho de Gil, Filipe Quitério (28 anos), acabaria por seguir as pisadas dos avós e dos bisavós. Fátima Ferreira fferreira@gazetacaldas.com
José Félix Quitério numa mostra das actividades económicas das Gaeiras em 2006
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29 | Outubro | 2010
nas Gaeiras Uma empresa flexível que aprendeu a viver num mercado global Filipe Quitério nasceu em 1982, quase um século depois do seu bisavô e está agora a comandar os destinos da moagem José Quitério, dando continuidade à paixão dos avós e mantendo uma actividade que conta com 70 anos de existência. Criado em Lisboa com os pais (o professor universitário Gil Quitério e Maria Manuela Dias, actualmente presidente da Junta de Freguesia da Portela), onde estudou Gestão no ISEG, Filipe Quitério sempre andou pela fábrica das Gaeiras, nas visitas que fazia aos avós, mas nunca tinha colocado a hipótese de ali trabalhar. Mas quando já andava no segundo ano da faculdade, o avô Quitério procurou-o e incentivouFui o a continuar-lhe os passos. “Fui sendo motivado pela maneira dele, pelos seus valores valores”, conta o jovem, que começou a aprender os “segredos” da moagem do trigo há seis anos. Começou nas tarefas do quotidiano, em redor dos trabalhadores, a ver como faziam as farinhas, como funcionam as máquinas, e depois é que foi aprender a fazer as compras do cereal. Em termos de trigo, por “Em exemplo, não assino contratos com pessoas abaixo de 60 anos, que também me ensinam muito” muito”, refere. Filipe salienta que uma das características desta fábrica é a sua maleabilidade e capacidade de adaptar-se aos tempos. O que se passa agora é “O que temos força a mais para a necessidade do mercado” mercado”, explica, precisando que o avô sempre trabalhou num sistema de produção que, embora sendo pequeno, “é muito afinadinho” nho”. Actualmente estão com uma produção média de 15,5 toneladas de farinha por dia, em 10 horas de funcionamento. Os clientes e a fidelidade à marca nunca faltaram, mas os costumes foram-se alterando. Esta é uma farinha tradicional e
João Silva esteve 40 anos ao serviço da fábrica
“Sabia se a fábrica estava a trabalhar bem ou mal só pelo som que emitia” emitia”, recorda João Silva que “viveu” na fábrica entre 1965 e 2005..
A velha fábrica de 1940 tem acompanhado o progresso tecnológico com investimentos sucessivos em maquinaria
os padeiros já conseguem comprar uma farinha mais barata e depois retocá-la com conservanA nossa é farinha 100% tes. “A trigo e tem quatro espécies diferentes” diferentes”, refere Filipe Quitério, acrescentando que o segredo está em comprar bom trigo. Usam cereal do Alentejo, de Espanha, França e Alemanha, que misturam entre eles. O cereal de origem alemã, por exemplo, é famoso por ser muito caro e melhorador dos outros mais fracos. “A globalização afectou todos e os grandes grupos domina m o mercado” minam mercado”, explica, realçando que as empresas mais pequenas, como é o caso da sua, têm que ter uma oferta diferenciada e reconhecida pelas pessoas. “EU AINDA COMPRO TRIGO COM UM APERTO DE MÃO”
A passagem de testemunho foi relativamente fácil porque a avó Luísa continuava a ser um ponto de referência em termos de forTodos necedores e clientes. “Todos conhecem a voz dela ao telefone. É uma marca” marca”, conta Filipe Quitério, acrescentando que este é um sector onde ainda é dado valor à palavra e ao conhe-
A fábrica produz diariamente 15,5 toneladas de farinha de trigo
cimento cimentado em muitos Eu anos de relações comerciais. “Eu ainda compro trigo com um aperto de mão” mão”, comenta o jovem empresário. Filipe Quitério costuma até dizer aos seus clientes que o seu papel é relativamente fácil porque o avô deixou tão bom nome, que é bastante bem recebido no meio. Na zona não há nenhuma panificação que não conheça a moagem das Gaeiras. É o neto que define o avô como sendo “um homem bom” bom”, destacando o seu envolvimento nos projectos das Gaeiras, onde apoiou a construção de alguns equipamentos e foi dirigente associativo. Em sintonia com esse espírito solidários, a viúva, Maria Luísa, doou à Junta de Freguesia o velho moinho construído pelo seu pai em 1920. O actual gerente destaca que a empresa não possui créditos pendentes. “O dinheiro é nosso e está tudo pago” pago”, diz, escusando-se a divulgar o volume de negócios da empresa. Uma das preocupações para o Já difuturo é a falta de trigo. “Já zia o meu avô que é como o vinho: o trigo português é muito mais saboroso e este ano, por exemplo, há pouco cereal cereal”, explica o gestor da moagem das Gaeiras que armazena 600 toneladas de trigo por ano, proveniente de terras lusas, a que junta o espanhol, alemão e francês. Contudo, a escassez de trigo que se tem registado nos países considerados celeiro da Europa não lhe tira o sono, pois há sempre alternativa, nomeadamente com o fornecimento oriundo da América. Isto acontece porque não “Isto há gente nova no trigo” trigo”, refe-
re, reconhecendo que esta produção de trigo não é lucrativa, o que leva a que haja menos cereal de origem nacional e, consequentemente, com menos qualidade. O futuro deverá delinearse ao nível da panificação, com o ajustamento dos químicos e outras formas artificiais de substituição da farinha. “Isto será a minha vida” vida”, conta agora Filipe Quitério, que está a gerir a moagem desde que o avô faleceu, há um ano e meio. Conta com a colaboração dos empregados, “que estão cá há uma vida” vida”, e da avó, que continua a fazer a contabilidade, agora em sua casa. Esta, em jeito de passei a brincadeira, remata: “passei vida inteira a contar dinheiro, mas nunca era meu” meu”, lembrando que tinha apenas 10 anos quando o pai lhe entregou os dinheiros e uma caixa que ela aprendeu a gerir com o guardalivros que apoiava a fábrica. “ Ia aos bancos das Caldas e todos me conheciam: lá vem a menina das Gaeiras, diziam” diziam”. Há cerca de quatro meses compraram um camião cisterna, para fazer as entregas aos clientes. “Vamos atrás do futuro” futuro”, conta o jovem gestor, que quer continuar com a informatização da fábrica. Por agora, Filipe mora em Sacavém e desloca-se às Gaeiras todos os dias. Faz parte dos seus planos vir morar nas Gaeiras porque dirigir uma empresa implica estar mais presente. Entretanto, gosta do tempo que despende no percurso: para cá pensa-se no que se “para vai fazer e no regresso pensa-se no que se fez” fez”. Fátima Ferreira fferreira@gazetacaldas.com
Natural das Gaeiras, onde nasceu em 1940, João Silva começou a trabalhar na moagem com 25 anos. Vivia-se o ano de 1965 e tinha acabado de cumprir o serviço militar em Angola. De regresso à terra natal começou a trabalhar à experiência por um mês e depois, “como era uma pessoa pacata, que respeitava a casa, os patrões entenderam que eu era a pessoa indicada para lá trabalhar” trabalhar”. E foi o que fez toda a vida, até que se reformou aos 65 anos e saiu, já lá vão quatro anos. João Silva foi trabalhar para a fábrica como ajudante e das funções faziam parte o carregamento e descarga do trigo, ensacar a farinha e carregá-la para os clientes. Depois começou a aprender como se fazia a farinha com José Quitério, que era o moleiro, e passou a tomar conta da fábrica na sua ausência, como encarregado. “Sabia se a fábrica estava a trabalhar bem ou mal só pelo som que emitia” emitia”, diz. Foi ajudante de moleiro, mas fazia o trabalho tão bem como se fosse moleiro e dá nota pública dos seus conhecimentos: via a água que o trigo tinha que levar, consoante o cereal era mais rijo ou mole, para que este ficasse bem peneirado. A boa farinha resulta de um bom trigo mas, segundo este antigo empregado da fabrica, também deve ser bem peneirada, de modo a dar interesse ao patrão e ao freguês. O braço direito de José Quitério na laboração da fábrica conta que nunca precisaram de um viajante para vender farinha pois são os próprios clientes que os procuram. “A nossa farinha era e é falada por todo o lado. É feita ao natural, com o que o trigo dá” dá”, diz, pondo em contraponto a produzida pelas grandes fábricas onde é colocado fermennão to. O especialista explica ainda que a farinha para ser boa “não precisa ser muito branca, mas um bocadinho trigueira. Faz bom pão e não deixa que o pão enrije tão depressa” depressa”, afiança. Ainda hoje a esposa cose pão caseiro com a farinha José Assim sabemos que estamos a comer pão natuQuitério. “Assim ral, enquanto que no padeiro a farinha já tem aditivos” aditivos”, explica. F.F.
CRONOLOGIA 1920 – Joaquim Rebelo constrói um moinho nas Gaeiras e começa a moer trigo e a fazer farinha
1924 – Nasce José Félix Quitério, futuro genro de Joaquim Rebelo e futuro dono da fábrica de moagem de farinha denominada José Félix Quitério
1940 - Joaquim Rebelo constrói a fábrica de farinha nas Gaeiras
1960- Morre Joaquim Rebelo, ficando os dois genros (José Félix Quitério e Gil Palma) a gerir a moagem
1976 – José Quitério e Maria Luísa compram a fábrica salvando-a da falência
2004 – Filipe Quitério começa a trabalhar na fábrica com o avô 2009 – Morre José Félix Quitério e o neto, Filipe, assume a gestão da fábrica
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5 | Novembro | 2010
UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Gabinete de Contabilidade Rosa Barreto há 30 anos c
Duas fotos de família em diferentes contextos. Há 20 anos numa visita ao Cabo da Roca e na semana passada em frente à empresa. António e Rosa Barreto são responsáveis pela área de Gestão Laboral, o filho mais velho, Eurico, pelo departamento de Contabilidade e o mais novo, Euládio, pela área dos Seguros.
Um gabinete de contabili“Um dade não deve fazer apenas a contabilidade. Deve estar ao lado e ajudar o cliente porque com o crescimento deles crescemos nós também também”, afirma António Barreto, o patriarca da família. Embora tenha nascido em Soure, desde bebé que António Barreto vive nas Caldas da Rainha, de onde os seus pais são naturais. Tem 59 anos e é sobrinho do professor Abílio Moniz Barreto, que foi director da Escola Comercial e Industrial Rafael Bordalo Pinheiro na década de 20 do século XX. Em 1968, com um meio irmão mais velho, foi para França a salto porque estavam contra a participação na guerra do Ultramar. Durante dois anos trabalhou em Saint-Maur numa empresa de montagem de componentes electrónicos, mas começou a pensar no seu futuro e decidiu voltar para Portugal em finais de 1970. Fiquei doente por causa de “Fiquei um abcesso e comecei a pensar no que seria de mim se me acontecesse alguma coisa coisa”, recordou. Curiosamente, acabou por ter mais problemas para voltar a entrar em Portugal do que para sair. Quando foi para sair a salto, “Quando pagamos a alguém, mas no regresso foi mais difícil porque não tinha passaporte passaporte”, contou.
Ou seja, no Portugal de antes do 25 de Abril era mais fácil fugir do país do que nele entrar voluntariamente. António Barreto acabou por conseguir o passaporte no consulado de Biarritz, depois de aconselhado pela polícia francesa. “Ainda bem que tratei dos papéis porque no comboio de regresso, e ainda
estrada de Tornada (onde hoje estão as instalações do grupo Fonsecas). A sua futura mulher trabalhava no escritório e António nas oficinas. Um emprego provisório antes de partir para o Ultramar. Poucos meses depois, em Angola, recebe notícia do nascimento do filho, Eurico.
que deu emprego a muita gente naquela altura altura”, comenta, acrescentando que ainda se lembra de colaborar na construção das insCarregámos talações da empresa. “Carregámos muitos baldes de cimento e levantámos muitos pilares pilares”, disse. Em 1978 António Barreto foi aju-
A designação “Gabinete Rosa Barreto” surge em 1980, mas ainda em nome individual. Há 30 anos atrás já tinham cerca de 150 clientes, praticamente o mesmo número que têm em 2010. Algum deles mantém-se Há desde a criação da empresa. “Há clientes cujas famílias já vão na terceira geração e até há
A celebrar em 2010 o seu 30º aniversário, o Gabinete de Contabilidade Rosa Barreto é uma empresa familiar que vai na segunda geração, no qual toda a família assume funções distintas. O casal fundador da empresa - António e Rosa Barreto - é responsável pela área de Gestão Laboral, o filho mais velho, Eurico, pelo departamento de Contabilidade e o mais novo, Euládio, pela área de Seguros. Como os dois filhos têm uma diferença grande de idade (10 anos), é como se coexistissem no gabinete três gerações diferentes. O trabalho que fazem é completo, desde o processo de criação de uma empresa, à gestão dos recursos humanos, ou até a área dos seguros. em Espanha, apareceu a Pide Pide”. Já em Portugal apresentou-se voluntariamente para fazer a tropa em atraso e não teve problemas porque era considerado refractário e não desertor. Fez a recruta em Santa Margarida, a especialidade no Porto e seguiu para Angola, onde esteve Vim mais cedo por 20 meses. “Vim causa do 25 de Abril, em Novembro de 1974 1974”, referiu. Entretanto António conhecera Rosa. Estava-se em 1971 e ambos trabalhavam nas oficinas Bento, na
Na altura em que ficou grávida do primeiro filho, Rosa Barreto sai das oficinas Bento e começa a trabalhar no escritório de contabilidade de Maria Efigénia e Abílio da Silva, na Ainda rua Emídio de Jesus Coelho. “Ainda hoje lhes estamos gratos porque lhe deram emprego mesmo estando grávida e apoiaram-na sempre sempre”, salientou António Barreto. Quando regressou do Ultramar, o futuro empresário começou por trauma fábrica balhar na Condaço “uma
dar o negócio de sucata do sogro (junto ao local onde agora existe a rotunda dos silos) e em 1980 juntouse à sua mulher no gabinete de contabilidade. “No No dia que eu fiz 30 anos, a 23 de Novembro, a dona Efigénia propôs-nos ficarmos com o escritório de contabilidade contabilidade”, contou o empresário. Fizeram um contrato vitalício, no qual passaram a pagar uma renda mensal (que tem vindo a ser actualizada) à antiga proprietária.
alguns deles aos quais a Gazereportagem”, refeta já fez esta reportagem riu António Barreto. O facto de sermos uma em“O presa familiar é também porque temos muita proximidade com os clientes clientes”, diz o empresário. E daí a necessidade de manter um número estável de clientes. Quatro anos depois de assumirem o gabinete, em 1984, mudam de instalações para a rua Raul Proença, ao lado do antigo edifício da Gazeta das Caldas.
Estávamos numa sala mui“Estávamos to pequena e precisávamos de mais espaço espaço”, explicou António Barreto No ano 2000 mudaram para instalações na rua Visconde de Sacavém, onde estiveram até 2005, quando se instalaram definitivamente na rua do Funchal, 39-A. Remodelaram totalmente o espaço e criaram um escritório com condições para todos os Temos investido funcionários. “Temos sempre na empresa aquilo que ganhamos ganhamos”, adiantou António Barreto. Ao longo dos anos o trabalho foi sendo facilitado por novas ferramentas (principalmente os computadores), mas complicado com as novas regras do Estado. Fomos o primeiro gabinete “Fomos de contabilidade das Caldas a ter um computador, em 1984. Houve colegas nossos que vieram cá ver ver”, contou Rosa Barreto. O computador Olivetti custou 700 contos (3.500 euros), mas com as impressoras e o programa informático, o investimento total foi de 1200 contos (5.100 euros). Se só havia nas Caldas um gabinete de contabilidade com computador, tal raridade era-o também ao nível das empresas pois dos mais de 100 clientes, só havia também em 1984 uma empresa com essa nova ferramenta.
Rosa Barreto em 1974 quando dava os primeiros passos na contabilidade, ainda no gabinete de Maria Efigénia e Abílio da Silva, e dez anos depois no seu próprio escritório na R. Raul Proença. À direita, a jovem Cidália a escrever à máquina.
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com as contas em dia A aposta nos computadores surgiu pela necessidade de fazer os mapas salariais e recibos dos ordenados, mas não para a contabilidade Os programas que exisem si. “Os tiam para contabilidade eram ainda muito rudimentares rudimentares”, explicou António Barreto, que ainda se recorda das velhinhas disquetes de 5 ¼ (discos amovíveis com capacidade até 500 kb). Na década de 80 também ainda precisavam de se deslocar a Leiria por causa das questões relacionadas com a Segurança Social, inclusivamente para fazer os pagamentos das empresas e particulares. Rosa Barreto diz que hoje os clientes estão cada vez mais bem informados e exigentes quanto ao trabalho de um gabinete de contabiliAntigamente não sabiam dade. “Antigamente de nada e agora têm acesso a toda a informação informação”, explica a emÀs vezes acabam por presária. “Às dar menos valor ao nosso trabalho porque pensam que as coisas são simples, mas não são são”, considera. “PRINCIPAL CAPITAL SÃO OS FILHOS”
Em 1995 criaram a sociedade Rosa Barreto – Contabilidade e Gestão, Lda, com capital social de 120 mil euros, passando pais e filhos a serem sócios. Para António e Rosa Barreto, o seu principal “capital” são os filhos. Desde que eles eram adolescentes incentivaram-nos a seguir para a universidade e a frequentarem licenciaturas no sector de actividade da empresa. O casal está orgulhoso pelo facto dos seus filhos se terem integrado bem no gabinete e também por se darem todos muito bem. O irmão mais velho chegou a dar de biberão ao mais novo e até a mudar-lhe a Era quase como pai fralda. “Era dele dele”, referiu Rosa Barreto. Como cada um se especializou numa área dentro do gabinete, conTratribuem todos de igual forma. “Trabalhámos sempre todos juntos e nunca tivemos problemas problemas”, afirmou a matriarca. No irmão mais velho, Eurico Barreto, desde cedo se notou que o seu futuro iria passar pelo gabinete de contabilidade e desde sempre pensou em trabalhar com a família. Aos 11 anos já ajudava os seus Ele andava na escola e pais. “Ele depois vinha para aqui trabalhar na máquina de escrever escrever”, contou António Barreto. A primeira memória que Eurico Barreto tem é a de organizar o arquiRecordo-me que nas férias vo. “Recordo-me os meus amigos todos iam para a praia e eu passava tardes a arquivar papéis papéis”. Isto ainda no primeiro escritório, na rua Emídio de Era do tamanho Jesus Coelho. “Era
desta sala em que estamos agora e as escadas rangiam por todo o lado lado”, recordou. Depois os pais convenceram-no também a trabalhar em part-time, sendo recompensado monetariaEssa parte sabia mente por isso. “Essa bem e comecei a perceber a noção do dinheiro. Comecei logo a meter dinheiro de parte, talvez pela minha tendência economicista economicista”, lembrou. Era num dos livros da colecção dos Três Mosqueteiros que guardava as notas, para ficarem direitas. uma seca Aos 11 anos achava “uma seca” fazer aquele trabalho, mas ao entrar na adolescência começou a ler jornais e a interessar-se pela actualidade. Tinha 16 anos quando Cavaco Silva, enquanto primeiro-ministro, foi para uma parte da sua geração um mentor “um mentor”. Embora não se interesse pela vida partidária, assume que ter um professor de Economia como primeiro-ministro numa conjuntura favorável era fascinante para um jovem que se interessava pela área económica. Mas hoje, em 2010, com 38 anos, já não dá muito crédito à política. Eurico Barreto licenciou-se em Economia na Universidade Autónoma de Lisboa, depois de ter iniciado o curso no pólo das Caldas. Embora admita que o curso de Gestão poderia ter sido mais prático para o trabalho que faz, entende que o facto de ser economista o ajuda a si e aos clientes. Até porque optou por especializações na área da Contabilidade Analítica e Fiscalidade. Em 1995, com 21 anos e ainda sem a licenciatura concluída, assume a responsabilidade do departamento de contabilidade da empresa. Para tal, fez o exame de admissão à Or-
dem dos Técnicos Oficiais de Conta, à qual teria acesso directo mais tarde, por causa da licenciatura. Como responsável do departamento da contabilidade torna-se como uma das faces mais visíveis da empresa. Para Eurico Barreto a maior vantagem de uma empresa familiar é a confiança absoluta que existe entre Nós temos uma relaos sócios. “Nós ção muito próxima próxima”, afirmou. Quase todos os dias almoçam juntos. Um hábito que mantiveram mesmo depois de Eurico Barreto se ter casado, há sete anos (tem um filho de dois anos e uma filha de cinco anos). Essa relação tem ajudado a que os papéis estejam bem definidos dentro da empresa. Hoje os meus filhos é que “Hoje decidem quase tudo, especialmente o Eurico Eurico”, admite o pai. O casal continua a fazer o seu trabalho, mas os filhos assumem um papel cada vez mais preponderante. FILHO MAIS NOVO APOSTA NOS SEGUROS
Euládio Barreto, o filho mais novo, nasceu em 1984, já depois da criação da empresa. As primeiras memórias são das Lembrobrincadeiras que fazia. “Lembrome de chegar ao gabinete, tocar à campainha no rés-dochão e subir até ao primeiro andar de gatas. Não viam ninguém a subir e depois eu já aparecia por detrás das pessoas pessoas”, recordou, divertido. Aos 17 anos começou a trabalhar mais a sério no escritório, a dar apoio administrativo. Mais tarde passou também para a contabilidade. Embora o seu sonho fosse a área
Eurico a dar de biberão ao seu irmão mais novo, Euládio.
do Desporto, os pais influenciaram-no a seguir a área de Economia no ensino secundário. Euládio Barreto, com 26 anos, foi jogador das camadas jovens do Caldas Sport Clube, do Sport União Alfeizerense e do Óbidos Sport Os meus pais desmotiClube. “Os varam-me sempre de seguir a vida de futebolista futebolista”, referiu. Concluído o 12º ano, Euládio Barreto foi para o Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa, mas nunca chegou Não a concluir a licenciatura. “Não me adaptei facilmente à capital e achei que seria melhor vir trabalhar para o gabinete binete”, explicou. Ao mesmo tempo que trabalhava na empresa nas Caldas, continuou a licenciatura em Contabilidade no Instituto Superior Politécnico do Oeste, em Torres Vedras. Mas ficou desiludido com o ensino superior, porque aquilo que se ensinava não tinha a ver com a prática do dia-a-dia. Durante dois anos esteve ligado ao sector da gestão financeira do gabinete, no qual teve um contacto directo com os bancos. Essa experiência fez com que começasse a interessar-se pela área dos seguros. Esteve dois meses a tirar o curso de mediador de seguros e agora assume este sector dentro da empresa. “ÉÉ uma área do qual gosto muito, pelo contacto com as pessoas e pelos conhecimentos que se adquirem rem”. Euládio Barreto quer que o gabinete seja um dos maiores mediadores da região e espera um dia ultrapassar em volume de negócios as outras áreas da emMais do que razões presa. “Mais monetárias, é uma ambição de fazer crescer esta empresa presa”, salienta, afastando qualquer hipótese de sair do negócio de família. “Um dos pilares para a minha formação como pessoa e como empresário é o meu pai. É por ele que eu tenho essa ambição de fazer crescer aquilo que ele começou com tantas dificuldades culdades”, disse. Isto apesar de achar que existem mais desvantagens do que vantagens em trabalhar em família, por causa do desgaste que isso pode provocar na relação entre todos. Como é o mais novo, sente que precisa de estar sempre a provar o seu valor. Para já, tem tido bons resultados porque a área dos seguros tem crescido bastante dentro do gabinete. Pedro Antunes pantunes@gazetacaldas.com
PME Líder há dois anos
De uma pequena sala a empresa cresceu para umas amplas instalações
Com um volume de negócios de quase 460 mil euros e dando emprego a 15 pessoas (incluindo os sócios), o Gabinete Rosa Barreto é a única empresa deste ramo no distrito de Leiria distinguida como PME Líder, que premeia as empresas com melhores desempenhos e perfis de risco. O estatuto é atribuído pelo IAPMEI e Turismo de Portugal em conjunto com os bancos parceiros, com base em notações de rating e em critérios económicofinanceiros. Segundo Eurico Barreto, a crise económica tem-se feito senNós pertir nos seus clientes. “Nós cebemos bem as dificuldades dos nossos clientes. Somos os primeiros a saber quando as coisas estão mal mal”, revelou. Apesar de tudo, entre os clientes têm sido poucas as insolPodem não ser muivências. “Podem tas, mas como antes não acontecia, para nós já é muito to”, comentou Eurico Barreto. Em
2010 houve três empresas clientes que declararam insolvência Nós apoie em 2009 nenhuma. “Nós amos bastante os nossos clientes e ajudamos a ultrapassar determinados problemas mas”. Na sua opinião, o principal problema passa agora pela dificuldade de acesso ao crédito. Há empresas que até têm “Há negócios bons e ideias para implementar, mas querem progredir e não conseguem por causa dessas limitações ções”, considera, lembrando que a Microsoft nasceu numa garagem. Outra dificuldade nas micro e pequenas empresas é o facto de os empresários poderem ser bons na sua área, mas depois têm limitações ao nível da gestão do quotidiano. Por isso, Eurico Barreto defende que os empresários devem saber apoiar-se devidamente. P.A.
A primeira funcionária continua na empresa
Cidália Ribeiro está no gabinete há 18 anos
Cidália Ribeiro foi a primeira funcionária desta casa e, 18 anos depois, ainda lá continua. Durante este tempo, Cidália Ribeiro foi aprendendo as suas funções na empresa onde foi parar “um pouco por acaso acaso”. A principal diferença que nota no seu trabalho prende-se com a utilização dos que tornou tudo computadores “que
mais fácil fácil”. A funcionária mais antiga do gabinete recorda-se de como começaram numas instalações pequenas e foi com agrado que assistiu às sucessivas mudanças e à evolução e consolidação da empresa. P.A.
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12 | Novembro | 2010
UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
A. Flores Lda. é uma das mais antigas empresas das diversificação da sua actividade
Abílio Flores (1921-2004) iniciou a sua actividade empresarial em 1945. O seu sucesso deveu-se, em grande parte, à capacidade de aproveitar os produtos em fase de crescimento.
Abílio Flores nasceu em Santarém em 1921. Aos sete anos mudou-se para as Caldas da Rainha. Nesta altura, a residência de Abílio Flores dependia de onde o pai, que era Sargento do Exército, estava acantonado. A mudança de quartel foi o que trouxe a família para as Caldas, de onde não mais sairia. Abílio Flores fez o seu percurso académico na Escola Comercial das Caldas da Rainha, onde se formou com o grau equivalente ao antigo quinto ano, em 1935. A aprendizagem seguiu nas Finanças, onde esteve à experiência, seguindo-se um emprego no Thomaz dos Santos, que durou até à altura de abrir o seu próprio negócio. Fê-lo à sociedade com dois bons amigos: Francisco Pereira Brazão, filho de um então reconhecido alfaiate caldense, e José Filipe de Sousa Campos. Estávamos em 1946. O nome da empresa foi escolhido apelando ao coração. Juntava as iniciais das namoradas de cada um. Clotilde era a namorada de Abílio Flores - professora primária com quem viria a casar e constituir família - e emprestou as três primeiras letras do nome para formar Clozaque. O ramo abraçado pelos três sócios foi o dos electrodomésticos - ao qual a empresa ainda hoje se mantém fiel -, que conheceu um período de grande expansão em meados do séc. XX. “Foi nessa altura que se começou a usar o gás em casa e a empresa teve um papel muito importante na
sua introdução nos lares caldenses” denses”, diz Orlando Flores. Os fogões, quem os tinha, eram a lenha. A água era aquecida ao lume. O gás representava então uma grande simplificação do uso do fogo nos lares e apesar de ter esquentador em casa ser privilégio de poucos, afigurou-se uma importante alavanca para o arranque do negócio.
Orlando Flores (nascido em 1950) começou na empresa do pai como empregado e tem hoje a enorme responsabilidade de a manter num tempo de profunda crise económica
outra indústria que ganhava enorme fôlego com o fim da II Grande Guerra: o automóvel. “Ele dizia-me muitas vezes que o pai dele deixou-lhe as ruas para passear” passear”, conta Orlando Flores. “Era muito novo quando começou, mas tinha aquele espírito de querer singrar na vida. Era inteligente, perspicaz e muito trabalha-
gward, ou ainda os jipes WillysOverland, entre outras. Durante a década de 50 o negócio conheceu várias ramificações, embora sempre debaixo da mesma denominação. “Umas coisas apareceram, outras ele foi à procura. Vieram outras representações e as coisas evoluíram rapidamente nos anos 50 e por aí fora” fora”,
início da década de 80. Em 1954 a empresa dava novo passo importante, ao mudar-se para o edifício dos Capristanos (hoje estação rodoviária). O edifício sede da A. Flores, Lda. é propriedade da empresa desde 1995, mas na época fazia parte do próprio complexo dos Capristanos (mais tarde Claras, depois Rodoviária Nacional e hoje Rodovi-
Estávamos em meados dos anos 40, no após II Guerra Mundial. As economias restabeleciam-se de vários anos de depressão, ao passo que novas tecnologias chegavam aos lares e o mercado automóvel afirmava-se como o mais importante do séc. XX. Janelas de oportunidade para um jovem de 25 anos, que aproveitou para lançar uma empresa que dura até aos dias de hoje. Clozaque pode não ser um nome familiar a muita gente, mas foi com esta designação que começou aquela que viria a tornar-se uma das mais bem sucedidas empresas caldenses - a A. Flores, Lda. Abílio Flores (1921–2004) foi o jovem empreendedor que a lançou, em 1946 (então com mais dois sócios). Hoje é o filho Orlando Flores, de 50 anos, que dá continuidade a esta empresa.
A loja funcionava num pequeno escritório junto à Praça da Fruta, por cima do Pelicano, mas a sociedade não se manteve por muito tempo. Dos três sócios, Abílio Flores era o único que trabalhava a tempo inteiro na empresa e o único que dela dependia para gerar rendimentos e acabou por ficar sozinho. A sociedade desfez-se sem trauma. DIVERSIFICAÇÃO PERMITIU FAZER A EMPRESA CRESCER
Em 1948 a empresa muda de Clozaque para Abílio Flores e conhece uma grande evolução com a diversificação da oferta. A segunda aposta recaiu sobre
dor, apanhou as novidades todas a aparecer e teve lucidez para as aproveitar. Isso permitiu-se solidificar a empresa e ganhar a dimensão que atingiu” atingiu”, acrescenta. A mudança deu-se no nome e na localização. O stand de automóveis, que manteve o nome Clozaque, nasceu na esquina das ruas Leão Azedo e Sangreman Henriques e conheceu a representação de várias marcas. Algumas chegaram aos dias de hoje, como a Mercedes, Peugeot ou Alfa Romeu. Outras já só se encontram nos museus, como a inglesa Austin (responsável pelo célebre Mini) a Packard, a americana Studebaker, a alemã Bor-
sublinha Orlando Flores. Para além dos electrodomésticos e dos automóveis, a Abílio Flores comercializava nesta fase coisas tão distintas como máquinas de escrever, motorizadas, colchões e tractores agrícolas. Estes últimos eram também um importante suporte do negócio. A representação foi conseguida através das boas relações com o importador da Mercedes, que tinha relações familiares com o importador dos tractores Massey Fergusson. “Eram dos melhores que existiam na altura e foi um negócio bastante bom enquanto a agricultura durou…” durou…”, diz Orlando Flores. A representação durou cerca de 30 anos, até ao
ária do Tejo). Ali se concentraram a loja de electrodomésticos - onde ainda se mantém -, o stand de automóveis e nasceriam ainda a loja de peças multimarca - que se mudou para o Borlão em 1970 -, e mais tarde a agência de seguros Clozaque e uma papelaria. “O MEU PAI FOI O MEU GRANDE PROFESSOR NESTA ACTIVIDADE”
A década de 60 começa com a chegada de um novo membro à família, com o nascimento de Orlando Flores. Habituado a crescer lado a lado com a empresa do pai, Or-
lando acompanhava-o muitas vezes nas deslocações de negócios, especialmente nas férias da escola. Passatempo de criança era também acompanhar os funcionários da casa nos serviços. “Ia aos mais diversos sítios, na distribuição do gás, na assistência dos electrodomésticos, andava assim entretido” tretido”, recorda. O gosto pelos automóveis foi crescendo com os anos. “Fui ganhando interesse, essas coisas solidificam, ganham uma dimensão, e depois de ser o gosto pelos carros, passou a ser o gosto de ter o negócio em si e transmitir esta paixão às pessoas” pessoas”. Orlando Flores estudou até ao 12.º ano e chegou a frequentar o curso de Direito, mas desistiu e abraçou o negócio do pai em 1981. Começou por baixo, a trabalhar nas peças, e passou por vários sectores até chegar a assessor do pai. Seguiram-se alguns anos de gestão conjunta. “Depois foi-me passando as pastas de forma gradual, deixoume tomar as decisões mais importantes e nos últimos 10 anos de vida ele foi um conselheiro” selheiro”, diz Orlando Flores. Um papel importantíssimo, sublinha, até porque ainda hoje tem em conta as ideias pelas quais Abílio Flores se regia. “No fundo ele foi o meu grande professor nesta actividade, foi valiosíssimo” osíssimo”. Joel Ribeiro jribeiro@gazetacaldas.com
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12 | Novembro | 2010
Mário Freitas trabalhou com Abílio Flores durante 20 anos
s Caldas e com maior Automóveis foram a âncora do negócio Quando em 1948 se iniciou no mercado automóvel, conseguindo a representação da Peugeot e de outras marcas que estavam associadas ao mesmo importador, Abílio Flores construiu aquela que seria a grande âncora da sua empresa. Apesar de nunca ter abandonado a ideia que deu origem à empresa com os seus dois associados, no ramo dos electrodomésticos, foi o mercado automóvel que permitiu um considerável crescimento da A. Flores Lda. “Na altura havia muito poucos automóveis nas Caldas e quando ele passou a ter representação das marcas era novidade” novidade”, diz Orlando Flores. Uma novidade bem aceite e que teve grande expansão. À Peugeot juntaram-se várias marcas durante as décadas de 50 e 60. Com o desaparecimento de marcas mais efémeras, formou-se um núcleo com o qual a A. Flores, Lda. passou a trabalhar: a Peugeot e a Renault eram as principais, apoiadas por Alfa Romeu e Honda. Para além da venda de viaturas e respectiva assistência, o negócio expandiu-se, ainda nos anos 60, com ao ramo das peças multimarca. “Durante muitos anos foi um negócio muito forte, mas com a evolução técnica dos automóveis o negócio das pequenas oficinas começou a fraquejar e a partir dos anos 90 deixou de justificar” ficar”, explica Orlando Flores. Em 1978 foi também criada uma oficina especializada no serviço de chapa e pintura, com o nome Floresauto, que mais tarde viria a fundir-se com a empresa A. Flores, Lda., ficando o nome
agregado ao negócio da Peugeot e da Honda. Nos anos 80, a Renault assumia uma dimensão tal que obrigava, em 1983, à criação de uma empresa dedicada. A Florescar teve direito a casa nova na estrada Tornada, onde hoje se mantém, apesar de defender marcas diferentes. Em 1994 a intransigência da Renault em fundir os representantes nas Caldas e em Alcobaça resultou em ruptura. “Essa situação não nos agradou e como a Renault colocou as coisas, ou era assim ou não era, optámos por dar o volte face à questão: encontrámos a Volkswagen e então dissemos não à Renault” Renault”, conta Orlando Flores. A mudança aconteceu em boa hora, defende, porque apanhou a Renault em fase de quebra e a Volkswagen em ascensão. “O importador mudou, tinha uma ideia de grande desenvolvimento, e na Alemanha a marca também estava em reestruturação, com mais vitalidade, com uma gama maior e com um reposicionamento de preços. Foi na melhor altura que fizemos a mudança” mudança”. Agregada à Volkswagen veio a Audi, que era do mesmo importador, que começou a ser comercializada com a denominação Lubriflores. Cinco anos antes, a A. Flores, Lda tinha abandonado também a Peugeot e a Alfa Romeu, mantendo a Honda. CRISE OBRIGOU A REESTRUTURAÇÃO
A A. Flores, Lda chegou a dar emprego a 100 pessoas, mas actualmen-
te, depois de uma profunda reestruturação operada em 2007 para fazer face à crise, reduziu o seu quadro de pessoal para 72 funcionários. “Fizemos economias onde podíamos fazer, melhorámos performances onde era possível, a empresa está equilibrada e se as coisas melhorarem podemos evoluir significativamente” tivamente”, diz Orlando Flores. Em 2008 o grupo atingiu uma facturação de 12 milhões de euros, descendo em 2009 para 11 milhões. Para este ano estima-se um valor ligeiramente superior ao de 2008. Já quanto ao futuro, Orlando Flores está apreensivo. “A economia do país está doente e precisa de um período de cura que vai ser difícil” difícil”, afirma. Essa cura é um cenário do qual a A. Flores, Lda não se exclui, “mas se o contexto melhorar e o país tomar as medidas que é preciso tomar, é possível sobreviver com muito sacrifício e cautela” tela”. Entretanto, é possível que a empresa possa chegar a uma terceira geração. O filho de Orlando Flores, Afonso Flores, de 20 anos, está a tirar a licenciatura em Gestão de Empresas e apesar de não ser ainda certo que siga os passos do pai e do avô, Orlando Flores diz que vai fazer os possíveis para que isso aconteça. “Ainda é cedo para saber se isso vai acontecer, mas era uma terceira geração a trabalhar nesta empresa. A decisão será dele, mas farei tudo para o influenciar nesse sentido”. J.R.
Com 25 anos na A. Flores, Lda não é o funcionário com mais anos de casa, mas, para além de ter sido um dos braços direitos de Abílio Flores nos últimos 20 anos de actividade do empresário, Mário Freitas tem a particularidade de coleccionar artigos que se relacionam com a empresa. Chegou à A. Flores, Lda em 1986, com 24 anos, para as vendas. Nessa altura já tinha “Abílio Flores era um homem de bomo gosto pelas coisas antigas senso, todas as decisões que tomava e a curiosidade levou-o a batiam certo com o que dizia” perguntar as raízes da empresa ao patrão. Abílio Flores não guardava arquivo de fotografias antigas, nem outros documentos (no que constituiu uma dificuldade na feitura desta reportagem), mas acedeu a contar-lhe a sua história, desde a origem até à criação da empresa e o seu desenvolvimento. Depois, por iniciativa própria, Mário Freitas pesquisou nos arquivos e nos armazéns. “Guardava tudo o que encontrava de antigo, ele achava piada e passou a entregar-me também as coisas que encontrava” encontrava”, conta. Ao fim de quatro anos, Mário Freitas passou a chefiar o departamento comercial da empresa, mas foi em 1994 que viveu um dos maiores desafios. A A. Flores, Lda tinha acabado de rescindir com a Renault para passar a representar a Volkswagen, mas durante um ano teve que manter as duas marcas. Mário Freitas ficou com a segunda marca juntamente com um vendedor e um mecânico, num espaço com condições limitadas na Rua Heróis da Grande Guerra, à espera que as instalações da Renault ficassem livres. Nessa altura Abílio Flores mostrava algum receio, devido aos preços mais elevados praticados pela marca e pelo desconhecimento que havia, porque não havia representação nas Caldas nessa altura. “Mas disse-lhe que íamos arrancar em força e inundar as Caldas de Volkswagen e foi uma surpresa muito grande porque o volume de negócios foi muito superior ao da Renault com 40 pessoas e um espaço muito maior” maior”. Mário Freitas diz que, enquanto patrão, Abílio Flores era uma pessoa de bomsenso. “Ao longo dos 20 anos nunca tivemos um atrito, o que é raro ou quase impossível numa relação patrão funcionário. Por vezes não concordávamos e manifestávamos opiniões contrárias, mas ele aceitava-as perfeitamente” perfeitamente”. Bom-senso que o ajudou nos negócios, acredita. “Todas as decisões que tomava batiam certo com o que ele dizia” dizia”, recorda. A esta característica Mário Freitas junta lucidez e coragem pois ele “enfrentava os desafios sem receios e quando os tinha, ninguém notava” notava”. Enquanto cidadão, Mário Freitas sublinha o altruísmo de Abílio Flores, que independentemente de não ter nascido nas Caldas, sentia a cidade como sua terra natal e não hesitava em participar na vida activa da cidade. Foi, de resto, dirigente de várias associações, como a ACCCRO, a ANECRA, o Caldas Sport Clube, e do Rotary Club das Caldas - do qual foi sócio fundador e ao qual se juntaram, mais tarde, Orlando Flores e o próprio Mário Freitas. “Estava ligado a tudo e tinha muita vontade de participar nas coisas, era uma pessoa dinâmica” dinâmica”. J.R.
Cronologia
Panfletos publicitários da empresa e dos produtos que mais vendia. Desde os automóveis (num prospecto de 1954) aos colchões, aos esquentadores (que só se massificaram em meados do séc. XX) até ao material de escritório
1921 – Nasce Abílio Vicente Flores em Santarém 1946 – Abílio Flores funda a Clozaque com os sócios Francisco Pereira Brazão e José Filipe Campos. 1948 – Os dois sócios deixam o negócio que fica entregue a Abílio Flores, que passa também a ser a designação da empresa. 1954 – Mudança de instalações para o edifício dos Capristanos, na Rua Heróis da Grande Guerra 1960 – Nasce Orlando Flores. 1968 – Inaugurado o stand de Alcobaça, que ainda hoje existe 1975 – A empresa muda o nome para A. Flores, Lda. 1978 – É criada a Floresauto, empresa que gere uma oficina de chapa e pintura. 1980 – O nome Clozaque é reabilitado para designar a nova agência de seguros 1981 – Orlando Flores começa formalmente a trabalhar na empresa do pai 1983 – É criada a Florescar, para gerir o negócio da Renault, que se instala na estrada Tornada 1990 – As marcas Peugeot e Alfa Romeu deixam de ser comercializadas pela A. Flores, Lda 1994 – A Florescar abandona a representação da Renault e passa a comercializar as marcas Volkswagen e Audi 1995 – Aquisição do prédio dos Capristanos à Rodoviária 2004 – Morre Abílio Flores. A agência de seguros Clozaque encerra 2006 – A loja de peças multimarca é transferida da Praça 25 de Abril, para a Estrada da Tornada. É construída a nova área de exposição automóvel para a Volkswagen e Audi
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Empresa Sérgio Simões é uma das mais antigas e co
Sérgio Simões e a esposa Maria Joana Simões com as filhas, Vanda e Margarida fotografados em 1979 no cais da Foz do Arelho e hoje na sede da empresa de filatelia
Vivia-se o início dos nos anos 50 do século XX quando Sérgio Simões pediu autorização ao pai para arranjar um cantinho filatélico, na loja de tecidos e confecções. O pai, Abel Simões, era um entusiasta da filatelia e por isso Sérgio Simões, que nasceu em 1934, desde os 11 que tambémcoleccionavaselos,quepor vezes vendia aos colegas da escola. A loja dos Simões ficava no Largo Heróis de Naulila, em frente ao Café Marinto e o cantinho filatélico surgia junto a uma das janelas do estabelecimento comercial. Tinha então 17 anos e ajudava o pai no negócio, depois de ter tirado o curso de Comércio na Escola Comercial e Industrial (hoje Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro). Sérgio Simões recorda que não era fácil arranjar selos naquela altura mas “eu conhecia várias pessoas que coleccionavam e que se aproximavam de mim pois comecei a mandar vir os selos de fora “, disse. A maioria vinha de Lisboa, proveniente de diversas casas da es-
pecialidade. O filatélico caldense começou por ganhar três a cinco tostões em cada venda o que lhe permitia, naqueles anos, “fazer um
mulher, três anos mais nova, era contralto. Sérgio Simões foi inclusivamente um dos participantes da famosa
dade filatélica, já tinha coleccionadores de vários ponto do país. Em 1957 Sérgio Simões organiza a primeira grande exposição filaté-
com a filatelia filatelia”, conta hoje Sérgio Simões pois no início da sua carreios tais clira apareciam primeiro “os entes de cinco e de dez escu-
Sérgio Simões começou a vender selos em 1952 na loja do seu pai no centro das Caldas e mal podia imaginar que iria construir uma das mais conceituadas e hoje das mais antigas empresas de filatelia do país. Actualmente são as suas filhas, Margarida Roque e Vanda Morgado, que dirigem o negócio. O pai ainda dá uma ajuda, mas se antes se dedicava a escrever cartas e a fazer catálogos para os seus clientes, hoje constata que é através da internet que o negócio prospera. A empresa caldense é a representante de algumas marcas europeias de material de coleccionismo, área que representa uma parte importante do negócio. figurão! figurão!”, recordou o especialista. Sérgio Simões conheceu a sua esposa, Maria Joana (nascida em 1947) no Orfeão Caldense. Os ensaios realizavam-se na época na Rua Leão Azedo. Um dia abri a porta do local “Um dos ensaios e assim que a vi, engracei logo com ela, estava pois o encanto feito feito”, disse o coleccionador, que tinha então 21 anos. Era barítono e a sua futura
deslocação do Orfeão Caldense a Abrantes, onde várias entidades caldenses foram calorosamente reFizeram-nos uma recebidas . “Fizeram-nos cepção tremenda e houve entre as pessoas das duas localidades uma confraternização excelente excelente”. Este empresário cedo percebeu que a sua vida seria ligada ao coleccionismoecomeçouentãoaalargar a sua rede de clientes. Passados poucos anos do início da activi-
As viagens sempre misturaram lazer e trabalho, já que tinham a filatelia como pano de fundo. Actualmente Sérgio e Maria Joana estão semi-reformados.
lica nas Caldas, no Grémio do Comércio, onde hoje está instalado o Museu do Ciclismo. A grande mostra serviu para assinalar o 30º aniversário da elevação das Caldas da Rainha a cidade. “CASEI-ME COM ELE E COM OS SELOS”
Em 1962 Sérgio Simões e Maria Joana casaram, mas até a lua-demel, em Sevilha, decorreu com a filatelia sob pano de fundo. Além de terem percorrido várias casa filatélicas à procura de selos ainda visitaram um coleccionador espanhol, a quem compravam e também vendiam exemplares. “Casei-me com ele e com os selos” selos”, conta Maria Joana Simões, recordando os idos tempos em que foi ajudá-lo para a loja do seu sogro. Colocavam-se os dois no canto ele da loja a trabalhar nos selos: “ele escolhia-os e eu embrulhavaos para seguir para os Correios. Foi assim o início da nossa empresa” empresa”, disse a matriarca da família Simões, que instigava o marido a ter arrojo nas aquisições filatélicas. Durante vários anos Sérgio Simões foi o responsável pela Secção Filatélica na Gazeta das Caldas , iniciada em 1955 e que se estendeu ao longo dos anos 60 do século passado. Eu inicialmente brincava “Eu
dos dos”. Até que lhe apareceu João Vieira Pereira, conhecido médico da localidade que “fazia umas compras maiores” maiores”. Adquiriu-lhe uma colecção de valor superior a 200$00 (cerca de um euro), um elevado Foi o nosmontante para a época. “Foi so primeiro cliente a sério que depois se tornou também um amigo amigo”, contou. Desde então, foi Sérgio Simões que acabou por ajudar o médico a constituir e a valorizar a sua colecção filatélica. O médico começou a frequentar exposições da especialidade e as suas colecções chegaram a ser galardoadas com medalhas de prata. Sérgio Simões prometeu-lhe que o ajudaria a adquirir a distinção máxima (medalha de ouro). E assim foi,nãosóconseguiudistinçõespara as suas colecções em Portugal e no estrangeiro. Sempre tive gosto em aju“Sempre dar os meus clientes a adquirir boas coisas e por isso fiz muitos amigos ao longo da vida vida”, disse Sérgio Simões. Com a sua esposa viajava pelo país para participar nos eventos e até chegaram a constituir o que designavam pela No Dia do Selo, família filatélica. “No juntavam-se sempre muitos coleccionadores e organizávamos grandes convívios” convívios”, conta Maria Joana Simões. A venda de material para coleccionismo é algo que vem desde o início da empresa. Antes era Sér-
ia à origem e gio Simões que “ia comprava no estrangeiro o material que lhe fazia falta falta”, enquanto que, na actualidade, são as marcas de material filatélico que seleccionam a empresa caldense para os representar no país. O material de apoio ao coleccionismo representa hoje cerca de 60% do negócio. A empresa das Caldas adquire-o, importa-o e também o revende. “ESTA CAUTELA TEM QUE SER PARA SI!”
Vinha Sérgio Simões pela rua, em 1966, quando o conhecido cauteleiro Nunes o informou que tinha ali uma cautela e que esta “tem que ser para si!”. Lá acedeu e acabou por adquirir o bilhete. E eis que era premiado! Valeu-lhe 500 contos (2500 euros), uma verdadeira fortuna na altura e que era o preço de uma casa naquela época. Nós não tínhamos nada, vi“Nós víamos apenas do nosso trabalho! balho!”, contou o casal, que não podia ter ficado mais satisfeito. Viviam então na Rua da Estação e apesar de Sérgio Simões pretender fazer uma surpresa à esposa, já não foi a tempo. Segundo Maria Joana Simões, nesse dia, “estava a comprar uns sapatos na Félix [que ficava na Rua das Montras] e logo alguém me disse que tínhamos lotaria premiada” premiada”. O casal apressou-se a comprar uma máquina de costura, podendo a partir daí fazer roupinhas para as suas filhas. Questionado sobre se pagou um almoço ao cauteleiro Nunes, que tinha estabelecimento junto à Tália (hoje Foto Franco), Sérgio Simões, diz que não. Fez melhor: “comprei-lhe um fato fato”, contou, agradecido pela insistência do cauteleiro em querer vender-lhe aquele bilhete de lotaria. Com o dinheiro do prémio a família construiu a sua vivenda, próxima da Escola D. João II, que estaMandámos va pronta em 1969. “Mandámos
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onceituadas empresas de filatelia de Portugal fazê-la pensando também na sede da empresa empresa”, explicaram Sérgio e Maria Joana Simões acerca do local que ainda hoje é a sede da firma. ATÉ NO SERÃO DAS FÉRIAS SE CONTAVAM SELOS
Nos primeiros anos da vida do casal SiEu ia com mões não era fácil tirar férias. “Eu as filhas pequenas para S. Martinho do Porto e o meu marido ia lá ter connosco à noite noite”, recordou Maria Joana Simões. Nessas alturas levava um ficheiro para trabalharem todos ao serão, colocanHá do os selos nos respectivos catálogos. “Há sempre muito trabalho para fazer, coisas para pôr em ordem, isto nunca pára...” pára...”, disse a esposa, acrescentando que houve tempos em que o seu marido chegou a ter um ano de correspondência atrasada. Numa primeira fase só a mãe é que laborava na casa do casal pois Sérgio Simões continuava a trabalhar com o seu pai.“Custava-lhe deixá-lo pois era muito apegado à família” família”, disse a esposa. Mais tarde tomou as rédeas do seu negócio. Sou coleccionador na medida em “Sou que tenho selos para os meus clientes tes”, ironiza o empresário, que afinal até tem duas colecções que não vende: uma sobre as Ilhas Virgens e outra sobre os Estados da Igreja. Tudo corria sobre rodas e a crescer, sobretudo com os coleccionadores que a empresa tinha nas ex-colónias. Sérgio Simões recorda que era considerável o volume de negócios nas antigas colónias, já que o coleccionismo era um dos principais passatempos de pessoas, sobretudo profissionais liberais. A empresa caldense vendia para lojas, mas a maioria dos selos eram enviados a coleccionadores privados. “Tínhamos muitos clientes sobretudo em Angola e Moçambique, era uma coisa louca” louca”, recorda o empresário. Só foi como uma que o 25 de Abril de 1974 “foi bomba no nosso negócio… deitou-nos tudo abaixo abaixo”. E o que para muitos foi “uma maravilha” fomaravilha”, para esta empresa “foram sobretudo maus momentos momentos”, recordou. Sérgio Simões teve que aguentar o barconseguimos reerguerco e, devagar, “conseguimos nos nos”. Depois as coisas melhoraram, até porque muitos coleccionadores regressaram a Portugal. Outro período menos feliz foi o que se viveu em 2002 com a introdução do euro, em que a família Simões começou a notar que durante a época de transição os coleccionadores passaram a comprar menos. “As pessoas deixam-se influenciar pelo próprio número e acabam por fazer menos compras que antes antes”, contou Maria Joana Simões. Também têm notado um decréscimo do interesse dos jovens. Antes eram vários os que saíam da escola e se dirigiam à empresa para adquirir selos, mas vêem que agora há novos interesses e muitas vezes trocam o coleccionismo pelas novas tecnologias e electrónica. Natacha Narciso nnarciso@gazetacaldas.com
A importância da Internet e das feiras internacionais num negócio à escala global “Ele sempre gostou de controlar tudo, não foi fácil perceber que estava na hora de passar o negócio negócio”, conta a esposa. Sérgio Simões foi sempre o chefe e queria saber tudo o que se passava na sua empresa. Hoje ainda vem trabalhar um pouco. Já o tentaram colocar ao computador, mas ainda é o responsável pela correspondência que é dirigida à empresa por carta. Há ainda uma outra vertente que Sérgio Simões dominava - o marketing. Eram verdadeiras odes as que escrevia São cartas de aos seus clientes. “São amor sobre selos selos”, conta a esposa, acrescentando que muitos clientes ligavam a perguntar quando é que lhe escreviam mais uma carta sobre o tema. Era também o responsável pelos boletins filatélicos. Hoje produzem-se conteúdos para o site da firma, tentando ter sempre a informação actualizada. E qual é o segredo do negócio e de longevidade da firma? “Sérgio Simões sempre foi impecável nas contas e nos pagamentos pagamentos”, contou a sua mulher. Além do mais é histórica a forma calorosa como recebe bem os seus clientes nas Caldas, tradição que ainda hoje seguem. “Até pode levar um pouco mais caro, mas serve bem bem”, disse Maria Joana Simões. A fama de competência do patriarca, estende-se por todo o país e até chega ao estrangeiro. Recentemente um responsável dos CTT foi ao Reino Unido e ao ter contactado com uma empresa filatélica inglesa, imediatamente lhe referiram o nome de Sérgio Simões e da sua firma nas Caldas da Rainha. O casal Simões desde sempre estabeleceu relações pessoais com os clientes, chegando a frequentar as suas casas. Foram convidados para casamentos, sobretudo no Norte, onde o volume Tínhamos de negócios era maior. “Tínhamos mais amigos fora das Caldas do que cá e ainda hoje é assim. Sabe, os selos aproximam as pessoas pessoas”, contam. E se antes marido e mulher faziam catálogos de selos para enviar por correio aos seus clientes, as suas filhas hoje enviam newsletters pela Internet. Actualmente o negócio da filatelia está bem entregue às suas filhas, Vanda Morgado e Margarida Roque, que continuam a vender selos, mas apostaram fortemente na diversificação de material de coleccionismo, algo que não
PRESENTE EM EVENTOS INTERNACIONAIS E MUNDIAIS
Na exposição mundial, em Outubro deste ano, a empresa caldense foi uma das mais visitadas
foi difícil pois bastou continuar o trabalho do seu pai. Hoje são representantes das mais fortes marcas de material filatélico a nível mundial, assim como editores de catálogos de vários pontos do globo. São, por exemplo, os únicos representantes nacionais da marca alemã Lindner. A IMPORTÂNCIA DO MATERIAL DE COLECCIONISMO
Vanda Morgado (44 anos é formada em Gestão) e veio em 1994 de Lisboa, onde trabalhava numa grande empresa de telecomunicações , para tomar conta do negócio da família. A sua irmã, Margarida Roque, de 46 anos, é advogada e trata das questões legais e contenciosas da firma. Já vão longe os dias em que eram miúdas e vinham ajudar o pai a descolar e nós brincávamos com eles os selos “e atirando-os ao ar” ar”. Cresceram acompanhadas pelos selos e mesmo quando andavam na faculdade vinha ajudar no que era preciso recordando que, tal como hoje, “trabalhamos muito por correspondência” correspondência”. Uma das tarefas era carimbar impressos do correio e, segundo Vanda Morgado, a continuidade da empresa está assegurada pois as suas filhas hoje também ajudam naquela tarefa. A empresária tem cinco filhas com idades entre os cinco e os 23 anos. Já os filhos da sua irmã, Margarida Roque, dedicam-se às ciências. O filho estuda no estrangeiro Engenharia Biomédica e a filha quer seguir Genética. Mas o marido, Paulo Roque, 51 anos, professor de Biologia, dá uma ajuda na
A empresa conta com duas funcionárias, Zulmira Duarte (atrás) e Florbela Mendes, que nela trabalham há cerca de 30 anos
empresa. Uma colaboração iniciada em 1989, altura em que veio montar o sistema informático da firma. Se em tempos o “core business” da empresa era a venda de selos, hoje é o material de coleccionismo que representa cerca de 60% do negócio. Além da venda a particulares, também se dedicam à revenda e já exportam para o Brasil. Neste tipo de material contam-se rolhas de garrafas, caixas para bolas de golfe, pinças, lupas, relógios, álbuns, classificadores e material filatélico e numismático. Os destinos mais distantes de clientes da filatélica caldense são Taiwan, China, Japão e Austrália. No ano passado o volume de negócios de Sérgio Simões Filatelia rondou os 200 mil euros. Além dos quatro sóciosgerentes trabalham nesta empresa, há cerca de 30 anos, duas funcionárias. Vanda Morgado explica que hoje em dia “os coleccionadores de selos frequentam os eventos, vendem excedentes com preços baixos e é difícil a sustentabilidade das empresas que só se dediquem à filatelia filatelia”. Apesar de várias vicissitudes - como a que se viveu em 2005 e 2006 quando uma fraude com selos ao nível da Península Ibérica acabou por ter repercussões no negócio -, agora vivem-se dias tranquilos. O desenvolvimento do negócio está ligado à Internet e no futuro pensam mesmo em abrir uma filial em Lisboa. Mas a sede da firma continuará nas Caldas.
A empresa caldense Sérgio Simões esteve na Exposição Mundial de Filatelia que se realizou na FIL, no Parque das Nações, em Lisboa. O certame decorreu durante 10 dias em Outubro e “foi um sucesso sucesso”, disse Vanda Morgado. A empresa caldense esteve presente com material filatélico, numismático e teve a visita dos directores das marcas francesas e alemãs que representam. No seu stand distribuíram por coleccionadores e interessados canetas, réguas, lupas ou mini classificadores o que fez com que muita gente se dirigisse à representação da empresa das Caldas. Já em 1998 realizou-se uma grande exposição internacional na qual esta empresa também participou. “O mais importante são os contactos directo com clientes e fornecedores e ainda a publicidade que se faz à casa casa”, contou a gestora. Na exposição mundial participaram representações de Espanha, Iraque, Cabo Verde, Macau, Marrocos, Nova Zelândia e entidades como a Casa da Moeda, a Biblioteca Nacional, o Metro, a Carris ou a Associação Portuguesa de Filatelia. Empresas portuguesas do ramo que não fossem de Lisboa, só esteve a filatelia de Sérgio Simões. Foram também emitidos selos para este evento e houve um passaporte filatélico que consistia na aquisição de um documento para colocação dos selos respectivos de cada administração postal presente. No total estiveram no certame 32 representações de países e empresas e cada uma poderia colocar também um carimbo por cima do selo. O tema deste passatempo foi “Boa viagem através dos selos, coleccionar também é descobrir!” . Do evento fez parte a colecção filatélica Real Inglesa com o primeiro selo denominado Penny Black, datado de 1840. Esta colecção é considerada a melhor e mais abrangente do mundo. Também no mesmo stand estava a colecção de SAS o Príncipe do Mónaco. Cerca de 4000 quadros de exposição preencheram o pavilhão da FIL junto com comerciantes portugueses e estrangeiros, administrações postais e associações filatélicas nacionais e internacionais. N.N
Cronologia 1952 – Sérgio Simões inicia o cantinho filatélico na loja de tecidos do seu pai, Abel Simões, no Largo Heróis da Naulila 1962 – Casa com Joana Simões e vão em lua de mel para Sevilha por causa dos selos 1969 – Estabelecem-se em casa própria com área preparada para o negócio na Rua Dr. Artur Figueiroa Rego, 25 1974 – Perdem o importante mercado das colónias e registam uma quebra muito acentuada 1994 – Vanda Morgado, a filha mais
nova, entra formalmente para a empresa para trabalhar na gestão e na parte financeira 1997 - Sérgio Simões foi eleito comerciante do ano pela Associação Filatélica Alentejana 2002 – A introdução do euro induz uma redução pontual no volume de vendas 2005 – Constituição da sociedade por quotas Filatelia Sérgio Simões, Lda. tendo como sócios-gerentes o casal fundador e as filhas Vanda e Margarida. O capital social é de cinco mil euros. 2006 – Passa a ser representante nacional da marca alemã Lindner
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Mercearia “O Ferreira” - O tradicional e o gourmet ju Luís Ferreira (1896–1975) é recordado pelo neto Romeu como “um homem de pulso” pulso”. E foi esta firmeza do beneditense de gema que ajudou ao sucesso dos dois negócios que abriu em 1926 e que se traduziam num estabelecimento muito normal na época - uma taberna e uma mercearia, divididas apenas por uma porta. Do primeiro negócio restam apenas as memórias dos seus filhos e netos, e dos muitos homens que ao domingo, antes da missa, por lá passavam para beber os “pirolitos”, pequenos copos de aguardente a que chamavam de “mata-bicho”, dadas as suas comprovadíssimas propriedades na protecção contra doenças e maleitas diversas. Já a mercearia ainda hoje é uma referência no comércio tradicional da vila, mantendo clientes que há décadas ali se abastecem. E há de tudo naquelas prateleiras. Do casamento com Ana Maria Bernardina Ferreira (1898–1987) nasceram quatro filhos: Maria, António, Joaquim e Ana. Os rapazes desde cedo acompanharam os negócios do pai, e quando António, o mais velho, iniciou a sua própria família, ficou com a taberna a seu cargo, mantendo-a aberta até à década de 80. A divisão dos negócios levou a uma mudança dos estabelecimentos, e na década de 60 a mercearia “O Ferreira” muda-se para o local onde ainda hoje se encontra, na Rua da Serradinha. E foi na mercearia que Joaquim Luís Ferreira (nascido em 1929) trabalhou desde sempre. “O meu pai trabalhou aqui toda a vida. A profissão dele é marceneiro, foi um dos marceneiros da igreja daqui, mas com vinte e poucos anos começou a tomar conta do negócio, tal como depois aconteceu comigo” comigo”, conta Romeu Ferreira. Em 1969 Joaquim Ferreira casa com Ana Rebelo Ferreira Luís (nascida em 1943) e, tal como tinha acontecido com o seu irmão António, assume o negócio do pai. D. Ana, como todos os clientes a tratam, lembra-se bem desses tempos. “Eu vim para aqui trabalhar passados três meses de me casar” casar”, conta. E tudo era diferente. Se hoje se vende devidamente empacotado, na altura tudo era vendido avulso. “Pesava-se o açúcar, a massa, o arroz em pacotinhos de papel, uns pacotinhos de bico” que se lembra de passar horas a fazer. Além destes produtos, o azeite, o petróleo para as lamparinas - quando a electricidade para muitos era ainda um privilégio -,
Ana Maria Bernardina Ferreira e Luís Ferreira Pais e filho. Romeu Ferreira projecta para o futuro o negócio iniciado pelo avô e que os pais em 1920, seis anos antes da abertura da geriram durante mais de três décadas mercearia e da taberna
eram produtos que ali levavam muita gente. O bacalhau, sempre de boa qualidade e que os donos da loja iam propositadamente buscar à Figueira da Foz, é também uma das referências do estabelecimento. Do património da mercearia ainda fazem parte a balança usada na altura, com uma tabela que dava logo o preço de cada produto, as bombas que se usavam para retirar o petróleo dos bidões de 50 litros em que estes
lhes o biberão na boca, e eles bebiam sozinhos, que eu tinha que vir atender clientes” clientes”, conta. Olhando para trás, Ana Ferreira Luís garante que as diferenças entre aquela altura e os dias de hoje são abismais. “Trabalhou-se muito naquele tempo, não tínhamos empregados para nada. Era só eu e o meu marido” marido”. O facto de viverem por cima da loja fazia com que a vida familiar e o trabalho se mistu-
bretudo a partir da década de 80, garante de emprego, muitos eram os que pagavam as suas contas apenas quando recebiam o ordenado. “Quando por vezes não recebiam logo vinham cá e pediam ‘Oh senhor Joaquim, posso pagar daqui por mais oito dias ou quinze dias?’. Há outros que espetaram o calote, nunca mais pagaram” garam”, lembra D. Ana. Hoje acabaram-se os livros e o hábito de vender fiado. Mas
suas queixas e desabafos, hoje tudo é bem diferente. “Ninguém refilava, as pessoas andavam mais calmas, tudo esperava na sua vez, ninguém atropelava ninguém. Agora os clientes vêm todos com muita pressa” pressa”, diz D. Ana. Já o filho, Romeu, lembra-se “das sacas de açúcar louro que traziam uns grãos pretos, da humidade do açúcar. Davam-nos esses grãos e eram os nossos caramelos” caramelos”.
Data de 1926 a fundação da mercearia “O Ferreira”, a mais antiga da Benedita e uma das poucas que resiste numa vila onde nos últimos anos se fixaram quatro supermercados e hipermercados. Hoje, a pequena loja é gerida por Romeu Ferreira, neto do fundador, Luís Ferreira. Bem longe dos tempos em que ali tudo era vendido avulso, há um sem número de produtos para descobrir pelas prateleiras, dos mais antigos e tradicionais aos mais sofisticados, sempre com uma elevada aposta na qualidade. Esta é uma das razões pelas quais a mercearia tem conseguido fidelizar muitos clientes e enfrenta o futuro de cabeça erguida e sem medo.
chegavam à loja e uma máquina registadora que funcionava à manivela quando a luz eléctrica falhava. D. Ana lembra-se, quando “a casa era muito pequenina e tinha um balcãozinho e as pessoas não passavam para dentro, pediam tudo do lado de fora. Não era como agora, que são as pessoas que se servem” servem”. Lembra-se de quando levava para junto de si os filhos ainda bebés – Joaquim António Luís Ferreira (nascido em 1970) e Romeu Luís Rebelo Ferreira (nascido em 1974). “Criei os meus filhos aqui. Tinha ali uma cozinha, trazia-os para lá, deitava-os, coitadinhos, punha-
rassem quase sempre. Depois os filhos foram crescendo e começaram a ajudar. A mãe recorda que muitas vezes os filhos iam ajudar a pesar os produtos ao sábado. NO TEMPO EM QUE SE COMPRAVA FIADO
Uma das principais diferenças era a forma como os clientes pagavam o que compravam. O fiado ditava a regra e “era tudo para o livro” livro”. As pessoas iam aviar-se e o que levavam era apontado num livro. As contas eram feitas à semana, ao mês, como se combinasse. Numa terra onde as fábricas foram, so-
por vezes, e sendo a proximidade na relação entre vendedores e clientes uma característica única do comércio tradicional, por vezes ainda acontece que fique na caixa um ou outro papelito que é pago mais tarde. Da altura, restam não só as recordações mas também muitos clientes. Uns iam lá na altura e mantêm-se fiéis à casa. Outros iam com os pais ‘ao Ferreira’ fazer as compras para casa e hoje, homens e mulheres feitos, continuam a gostar de ali ir. Mas se há umas décadas o merceeiro “era o segundo padre da freguesia” e tinha sempre uma palavra para dar aos seus clientes e um tempinho para ouvir as
DA VENDA AVULSO AOS PRODUTOS EMPACOTADOS
Na década de 80 foi proibida a venda avulso e dá-se uma enorme mudança na oferta da mercearia “O Ferreira”, onde passou a vender-se tudo devidamente embalado. Pouco a pouco foram-se também introduzindo novos produtos, como o pão, feito pelos melhores padeiros da terra, ou os tão afamados sabonetes e águas de colónia da Ach Brito, artigos que hoje se usam nas mais luxuosas casas do país e da Europa (vendidos a peso de ouro em muitos locais) e que ainda povoam as
prateleiras da loja. Os clientes, que habitualmente aos fins-de-semana iam à praça aviar-se de frutas e legumes, começaram a pedir que se vendessem estes artigos na mercearia. E quantos jovens adultos não se lembram de, ainda crianças, irem ‘ao Ferreira’ comprar rebuçados? Aos produtos tradicionais foram-se juntando as novidades que iam aparecendo no mercado e a mercearia encheu-se de produtos alimentares, artigos de higiene pessoal e de limpeza, comida para animais, ganchos e redes para os carrapitos das senhoras, bilhas de gás. Nos anos 80 e 90 a mercearia lutou para sobreviver, quando começaram a aparecer na vila os supermercados. E a aposta, que se mostrou acertada, foi na qualidade dos produtos como factor diferenciador. É em 2002 que Romeu Ferreira se junta aos pais no negócio da família. Formado em Sistemas de Informação Geográfica o jovem, na altura com 28 anos, não conseguiu trabalho na sua área e decide que é preciso sangue novo para que o negócio iniciado pelo seu avô resista no tempo. Dois anos depois, um acidente afasta o pai do trabalho na loja e foi nessa altura que o rapaz se torna gerente da mercearia. A mãe diz que “é pena, porque isto é muito cansativo, trabalha-se muito e ganha-se pouco e é muita chatice” chatice”. O filho garante que “é um gosto” gosto”. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
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untos num negócio com 84 anos na Benedita “As grandes superfícies já não nos fazem mal” Durante muitos anos, a mercearia “O Ferreira” não teve qualquer toldo ou placa que a identificasse como estabelecimento comercial. A projecção de uma imagem para o exterior foi uma das grandes diferenças introduzidas por Romeu Ferreira no negócio dos pais e do avô, que escolheu como lema “Desde 1926 para o Bem Servir”. Mas quem não conhece a mercearia por dentro, está longe de imaginar que numa área com cerca de 80 metros quadrados se pode encontrar um total de cerca de seis mil referências, dos artigos mais tradicionais aos agora tão em voga produtos gourmet e biológicos. No mesmo espaço, onde se pode comprar granulado para coelhos ou o sabão azul e branco tão conhecido das donas de casa, encontra-se também caviar, mel em cortiço, trufas e até o molho de melaço com que se comem as panquecas norteamericanas e que muito dificilmente se encontra até nos maiores hipermercados. “Quando fazemos o balanço anual é que percebemos a quantidade de produtos que temos aqui” aqui”, diz Romeu, que prefere não divulgar o volume de negócios da mercearia, cujo capital social é de 10 mil euros. E o que torna o inventário exequível é a informatização do sistema, sinal da modernização que projecta a loja para o futuro. Um futuro que se faz também através da Internet e de uma loja online da mercearia (em www.merceari aoferreira.c om), utilizada sobretudo por clientes de Lisboa e Algarve. Mas como se consegue ter tanta coisa num espaço tão pequeno? “As nossas prateleiras só têm um produto de
cada e tem que estar tudo muito bem organizado” e isso implica uma selecção cuidada dos produtos que ali se vendem. A aposta é, assim, feita em “produtos de grande qualidade e principalmente marcas nacionais” nacionais”. E é isto que tem contribuído para manter os clientes ano após ano. Os vinhos são um bom exemplo. O gerente da mercearia garante que na garrafeira da loja se podem encontrar 200 vinhos diferentes, “entre os quais os 50 melhores do país” país”. Às melhores marcas nacionais juntam-se artigos conhecidos internacionalmente, como os chás da marca inglesa Twinings. Uma aposta recente, mas que começa já a dar que falar, uma vez que se contam pelos dedos de uma mão os locais onde a marca está à venda no país. “Quem conhece chá, quem gosta mesmo e quem se interessa um bocadinho pela sua história fica adm admiirado por ver o Twinings à venda aqui. Aconteceu noutro dia estarem umas senhoras lá fora e quando viram o chá na montra ficaram admiradíssimas. Entraram, compraram logo umas latas e acharam fascinante uma loja de província ter este chá” chá”, conta. Os chás são, de resto, um dos produtos em que a mercearia aposta mais. À Twinings juntase a marca Lipton e uma grande diversidade de chás mais específicos para bem-estar e saúde, como problemas de fígado ou estômago, diabetes ou transtorno do sono. “Neste momento temos aí uns 30 chás diferentes na nossa casa” casa”, afiança o gerente. Já nos produtos de pastelaria, há um pasteleiro da zona a produzir diariamente para a
Joaquim Ferreira e Ana Luís na sua mercearia em 1984 e na semana passada
mercearia, que só vende bolos e doces frescos. “Sou o primeiro a dizer ao cliente que o bolo é do dia anterior, o cliente só o compra se quiser, mas fica avisado. Acho que a casa vence mais por esta honestidade e sinceridade com o cliente e pelo atendimento personalizado que mantemos já há muitos anos” anos”, explica. CLIENTES VOLTAM AO COMÉRCIO TRADICIONAL
Quando perguntamos a Romeu Ferreira se o futuro é encarado com optimismo, o “sim” reforçado três vezes não deixa margens para dúvidas. “O nosso mercado é muito específico e é muito pequenininho, para termos medo das grandes superfícies. Eles comem-se uns aos outros, a nós não nos fazem já mal. Já fizeram, agora não” não”, diz. Romeu sabe bem quais as
vantagens das grandes superfícies e aponta três factores para o seu sucesso. Em primeiro lugar, “é porque é uma moda que surgiu em Portugal aí há 15 anos e foi importada de fora” fora”, depois é inegável a mais-valia que é o parque de estacionamento dos hipermercados. Por último, acredita que em espaços maiores “as pessoas não se sentem tão vigiadas e não têm tanta vergonha de escolher os produtos mais baratos, ainda que piores” piores”. No extremo oposto estão as mercearias, locais onde toda a gente se conhece. Um facto que é simultaneamente uma desvantagem e uma vantagem das pequenas lojas. É que há quem não troque o atendimento personalizado por nada. “Aqui, se as pessoas têm alguma coisa a reclamar vêm falar directamente com o dono da loja, enquanto nas grandes
superfícies nunca sabem quem é que os vai atender” atender”, diz Romeu. Outra coisa que leva as pessoas a optarem pelo pequeno comércio é “saberem que se tiverem algum problema que seja, há alguém que os ouve, e nos outros lados não. O merceeiro é o segundo padre na terra” terra”. E quem acha que o comércio tradicional tem os dias contados, desengane-se. Romeu Ferreira diz que se há uns anos tiveram que lutar contra as grandes superfícies, hoje têm o seu lugar bem definido e aos clientes fiéis juntam-se agora aqueles que começam a perceber que “nos supermercados nem todos os produtos são mais baratos que no comércio tradicional” tradicional”. E dá o exemplo: “nos frescos e na fruta, os nossos preços são mais baixos, além de que os produtos são melhores” melhores”. Além disso, no pequeno comércio
“há menos tentação para se comprar o que não é preciso em casa” casa”, garante. E mais uma vez a qualidade, sobretudo nos produtos alimentares, marca a diferença. Há quatro anos foi implementado na mercearia o sistema HACCP, que garante a segurança dos alimentos, tanto ao nível da sua produção como da sua comercialização. Um passo “fundamental” numa casa “aberta há 86 anos que nunca teve um problema alimentar” tar”. E além de Romeu e da mãe, o estabelecimento dá ainda trabalho a uma engenheira alimentar. Nesse aspecto, a família Ferreira foi sempre muito rigorosa: “preferimos perder dinheiro a vender algo que possa já não estar nas melhores condições. Primeiro as pessoas, depois o dinheiro” dinheiro”. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
Cronologia 1896 – Nasce Luís Ferreira na Benedita 1926 – Luís Ferreira abre a mercearia, juntamente com uma taberna Década de 60 – Dá-se a divisão dos dois negócios e a mercearia muda para as instalações onde ainda hoje se encontra 1929 – Nasce o filho, Joaquim Ferreira 1969 – Joaquim Ferreira casa-se com Ana Luís e fica com a mercearia 1970 – Nasce o filho mais velho, Joaquim Ferreira, que optaria por ser professor 1974 – Nasce Romeu Ferreira, que viria a ser o sucessor do negócio da família 2002 – Romeu Ferreira começa a trabalhar O filho mais velho de Ana e Joaquim Ferreira, apanhado em 1985 com a mão dentro do boião dos rebuçados
A imagem externa da loja é uma das apostas de Romeu Ferreira, que também investiu numa loja online
com os pais a tempo inteiro 2004 – Romeu assume a gestão do negócio
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Gilberto Santos fundou a Ourivesaria Beto e legou a
Gilberto Santos e os filhos nas Caldas quando regressaram de Angola
Gilberto Santos, mais conhecido por Beto, nasceu em 1939 no Bairro da Ponte, nas Caldas da Rainha, no seio de uma família humilde. Estudou até aos 10 anos, cumprindo a antiga quarta classe na escola da Praça do Peixe antiga. Foi na escola que descobriu que tinha capacidades de artesão. Com apenas sete anos, andava na escola do Campo, teve contacto com a olaria e impressionou o professor com o resultado de uma pequena peça. Mas o futuro iria levá-lo para outro ofício. Quando saiu da escola, ainda trabalhou como polidor de móveis, na oficina do Ramalho, na Praça da Fruta - onde mais tarde se instalaram os Móveis Ferreira - e também trabalhou nos mármores. Mas o gosto pelos relógios já estava a nascer e começou a desenvolver-se quando os pais se mudaram das Caldas para a Serra D’el Rei. Começou a arranjar relógios para os vizinhos, numa taberna em Ferrel. “Levava as minhas ferramentas e tinha que
Gilberto filho, Gilberto pai e Paulo Santos. O mais velho está em Inglaterra a trabalhar no mesmo ramo
esperar que os homens acabassem de jogar às cartas para ter a mesa livre para fazer de bancada” bancada”, conta Beto. Os consertos já lhe rendiam uns trocados, mas rendimentos muito pequenos, pelo que a Augusto Santos não agradava muito que o filho seguisse aquele ofício. Foi por isso à sua revelia que, quando a
soubesse de alguém que precisasse, me indicava”, conta. Augusto dos Santos era colchoeiro na empresa de João Ramos, onde fazia colchões de palha - na altura muito requisitados pelos médicos para quem sofria da coluna - e foi para lá que Agostinho telefonou, cerca de seis meses depois, com uma proposta de traba-
O fundador da Ourivesaria Beto ao lado dos seus sucessores: o filho Paulo e a nora, Fátima Santos
passo a sério no mundo dos relógios. Estávamos em 1956. “Ainda me lembro do primeiro dia - ele entregou-me um relógio pequenino todo desmontado e o meu trabalho era montá-lo… e consegui” consegui”, recorda. O primeiro salário foi de 60 escudos (30 cêntimos de euro). Beto lembra Alcino Pereira de
tudo” tudo”. Esteve no Alcino até 1962. Mas obteve da Ourivesaria Sebastião uma oferta de emprego em que ganhava mais 100 escudos (50 cêntimos) por mês, o que na altura era muito dinheiro. Gilberto aceitou e foi trabalhar com Sebastião do Coito Caramelo na Rua Henrique Sales.
A história da Ourivesaria Beto é mais do que a história de uma empresa que passou de uma geração para outra. É a história de como a paixão pelos relógios moldou a vida de um homem, Gilberto Santos (Beto), desde os 12 anos de idade, e que contagiou os filhos. Foi em 1977 que Gilberto Santos fundou a Relojaria Beto, então com 38 anos, mas a história começa mais de 20 anos antes, quando, ainda criança, começou a arranjar relógios numa taberna em Ferrel. Hoje em dia a Ourivesaria Beto é gerida pelos dois filhos, Gilberto e Paulo Santos, virando-se para um ramo onde há uma grande falta de especialistas: os relógios antigos. família regressou às Caldas, Beto se dirigiu à oficina de conserto de relógios Agostinho, junto aos Capristanos, para pedir emprego. A resposta foi negativa, mas a iniciativa não foi em vão. “Disseme que a loja era pequena, não dava para ter empregados, mas garantiu que quando
lho para Gilberto. “Ele até se zangou, não sabia que eu tinha ido pedir trabalho” trabalho”, relembra Gilberto Santos. A oferta era para a Relojoaria Alcino, que se situava na Rua Leão Azedo, hoje Rua Montepio Rainha D. Leonor, naquele que, aos 17 anos, seria para Beto o primeiro
Gilberto Santos na Ourivesaria Sebastião, onde trabalhou entre 1962 e 1965
Barros, aquele que considera o seu grande mestre, com enorme estima. “Era uma pessoa extraordinária, com uma grande sensibilidade, escrevia e recitava poesia, era uma pessoa muito querida nas Caldas e até chegou a ser presidente dos Pimpões, foi ele que me ensinou
Em 1964 casou com Maria Antonieta, mãe dos seus dois filhos, tendo Sebastião como padrinho de casamento. Mas a relação patrão funcionário não era das melhores e Beto resolveu voltar para a Relojoaria Alcino, um ano depois.
A Relojoaria Alcino, na Rua Leão Azedo, onde Gilberto aprendeu o ofício
LUANDA FOI TERRA DE OPORTUNIDADES
Foi no Alcino que conheceu Mário de Campos - que ainda hoje é proprietário de três ourivesarias em Leiria -, um agente dos relógios Tissot e dono de várias ourivesarias, uma delas em Luanda, para onde convenceu Beto a ir trabalhar. “Eu não tinha vontade de ir, nem precisava em termos financeiros. Disse ao meu patrão que se me desse mais 200 escudos (1 euro) ficava, mas o senhor Alcino não me quis cortar a sorte e disse-me para aproveitar porque era novo e era uma boa oportunidade” oportunidade”, conta Gilberto Santos, que antes já tinha recusado ir trabalhar para a Suíça. Foi então para Luanda, em Junho de 1970. Sozinho, de avião, deixando para trás a esposa e os dois filhos, Gilberto, de seis anos, e Paulo, de dois anos, que só seguiriam viagem seis meses mais tarde. Em Luanda conheceu vários empregos, até porque as solicitações eram muitas. Começou na Ourivesaria Campos, mas depressa angariou outros clientes, arranjando em casa relógios para várias ourivesarias. Uma delas, a Ourivesaria Brasília, estava para fechar e o dono referenciou-o para as oficinas da Omega e da Tissot. Era uma grande oportunidade para conhecer alguma maquinaria de desenvolvimento de relojoaria suíça, que só lá podia encontrar. Nas oficinas, geridas por um italiano, os processos de trabalho eram bastante restritos. “Só se podia arranjar dois relógios por dia, se arranjássemos três era porque estavam mal arranjados” jados”, recorda. Mas o trabalho de Beto mereceu reconhecimento e, apesar de só ter ficado cerca de seis meses nessa firma, foi suficiente para ser promovido. Mas em 1973, três anos depois de ter partido, regressa à então Metrópole (Portugal). Gaspar, um
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aos filhos uma profissão de que eles se orgulham dos moços de recados da Omega, natural de Moçambique e com quem Gilberto mantinha uma relação de amizade, avisou-o: “a revolução vai rebentar em 73 ou 74, vai-te embora” embora”. E sem avisar mais ninguém para além do amigo, regressou com a família para as Caldas, em 1973, a bordo do navio Pátria. RELOJOARIA BETO NASCEU POR IMPOSIÇÃO
Quando regressou às Caldas, a Relojoaria Alcino tinha as vagas preenchidas, mas havia outro local para regressar. Um dos seus antigos patrões, Sebastião Caramelo, tinha falecido em 1971. A viúva, Maria da Luz, ficara com a loja, mas não tinha quem fizesse o trabalho de oficina, pelo que convidou Beto a voltar, para salvaguardar o concerto dos relógios. Ao fim de quatro anos, em 1977, Maria da Luz ofereceu-lhe a oficina. Homem humilde, Beto nunca encarou a sua profissão para lá da bancada e o investimento num estabelecimento próprio não fazia parte dos seus planos. Mas a forma como a patroa colocou a questão, ou aceitava ficar com a oficina, ou deixava de poder trabalhar ali, foi o impulso necessário para que nascesse a Relojoaria Beto. A oficina ficava na Rua Miguel Bombarda, nas traseiras da ourivesaria Sebastião e nem tinha porta, pelo que teve de se abrir uma através de uma janela. O relojoeiro era proprietário e único funcionário da casa… até os seus filhos começarem a trabalhar. “O meu pai sempre teve a sua bancada em casa e no nosso dia-a-dia sempre lidámos com relógios, estiveram sempre lá na nossa infância e começámos desde muito cedo a mexer, mesmo por iniciativa do meu pai” pai”, conta Paulo Santos. Foi aos 16 anos (Gilberto em 1980, Paulo em 1984) que os dois iniciaram a actividade profissionalmente. Por opção, ambos passaram a estudar à noite - Gilberto na Escola Raul Proença, Paulo na Rafael Bordalo Pinheiro - para poderem abraçar o ofício do pai na Relojoaria Beto. Gilberto, o filho, lembra-se de ir miúdo para a loja com o pai. “Não brinquei muito porque ia com o meu pai para a loja, mas ia com gosto porque aquilo fascinava-me, queria ser como ele” ele”. Paulo comungava também da vontade de seguir as pisadas do pai. “Reprovei de propósito um ano porque o meu pai disse que se reprovasse ia estudar de noite e o que eu queria era ir trabalhar” trabalhar”, conta Paulo Santos. Gilberto seguiu a especialidade do pai - os relógios mecânicos tra-
dicionais. “Estive dois anos praticamente só a ver como o meu pai fazia porque é um processo muito demorado, estamos sempre a aprender e ainda hoje continuo” continuo”, sublinha. Paulo também começou com os relógios de corda, mas nessa altura começaram a surgir os relógios de pilha e foi para esses que direccionou a aprendizagem em forma de autodidacta. “Foi por tentativa erro, explorando relógios estragados, fui perguntando a quem percebia de electrónica noutras áreas, porque cursos não havia…” havia…”, recorda.
Arranjar uma máquina é uma satisfação enorme
PASSAGEM DE TESTEMUNHO
O negócio sofre, no entanto, uma grande mudança. Como a loja vivia essencialmente do conserto, a venda era muito pouco explorada e foi-se tornando cada vez mais difícil tirar dali rendimento para três pessoas. Em 1990, Beto e Maria Antonieta divorciaram-se e relojoeiro aposentou-se, passando a loja aos filhos. Mas perante a impossibilidade de tirar rendimento para duas famílias, Paulo deixa o irmão mais velho ficar com Relojoaria Beto e procura outro emprego, até porque tinha casado nesse mesmo ano. Apesar de mudar de ramo, Paulo Santos manteve-se no ofício. Em casa montou a sua própria bancada, onde, depois de um dia de trabalho, aproveitava as últimas horas do dia para arranjar relógios para várias ourivesarias da cidade. Só no Natal toda a família se voltava a juntar na loja, altura de maior movimento, mas no acto da separação os irmãos fizeram um pacto: “acordámos que um dia nos voltaríamos a juntar na empresa” presa”, diz Paulo Santos. E voltaram. Em 2000 os dois irmãos adquiriram as instalações da antiga Ramalho e Branco, passando a loja a denominar-se Ourivesaria Beto. Para além de manterem a reparação, reforçam a componente da venda de artigos em ouro e prata e igualmente de relógios. Chegaram também a ter uma parte de mediação imobiliária, que entretanto cessou actividade. Hoje trabalham na loja Paulo Santos e a esposa Fátima Santos Gilberto está em Inglaterra desde 2006 a fazer uma especialização em relógios de gama alta. Beto, aos 71 anos, continua em casa a fazer o que sempre fez: sentar-se à bancada para reparar relógios. A Ourivesaria Beto é uma sociedade unipessoal e em tempos já chegou a ter dois empregados. Os seus responsáveis não quiseram divulgar a sua facturação anual.
A relojaria é uma arte como as outras, embora sem o mesmo reconhecimento e visibilidade
Por muito simples que pareça, simplicidade é tudo o que arranjar um relógio não tem. Primeiro são as características de cada marca - e os fabricantes são incontáveis - e modelo, depois a singularidade de cada avaria, o tamanho quase microscópico das peças que é preciso substituir, por vezes com a espessura de um fio de cabelo, sendo que nos relógios antigos já nem existem peças para substituição e têm que ser feitas à mão. Isto torna a relojoaria uma arte como tantas outras, embora sem o mesmo reconhecimento e visibilidade. Mas, para quem arranja um relógio, ver uma peça antiga danificada voltar a ganhar vida é qualquer coisa que não tem preço. “Dá-me um prazer enorme arranjar um relógio, pela minúcia que exige, e quanto maior for a complexidade, maior é a vontade de abraçar o desafio” desafio”, diz Beto. Aos 71 anos, continua a ter a mesma paixão que o levou a começar, há 54 anos atrás e ainda hoje é procurado pelas suas qualidades. Arranjar um relógio requer uma grande tranquilidade, pelo que, agora, é de madrugada que desenvolve a actividade. “Há muito mais silêncio e é preciso ter um controlo muito grande sobre os movimentos. Durante o dia basta passar um carro na rua para perturbar a concentração” concentração”, explica. J.R.
O futuro está… no passado Ao longo de 54 anos de carreira, Beto construiu importante legado como especialista de recuperação de máquinas de relógios. Uma arte que os filhos herdaram e que querem aproveitar o melhor possível, até porque hoje há muita falta de conhecimento na área e de gente que queira seguir a profissão. À Ourivesaria Beto vêm muitos coleccionadores arranjar os seus relógios antigos. Alguns são da região Oeste, mas também vêm clientes da zona de Lisboa, onde, diz Paulo Santos, a mensagem tem passado sobretudo no passe a palavra. Apesar de ter criado uma base de sustentação com o comércio de artigos de ourivesaria, novos e usados, a aposta na diferença faz-se pela especialização no conserto de relógios, nomeadamente os antigos. Com as marcas a chamarem cada vez mais a si o conserto dos relógios, ora na fábrica, ora nos agentes autorizados, “não dão oportunidade de um relojoeiro como havia antes arranjar um relógio deles. Mas como existem muitos relógios antigos, com 50, 100 anos e mais, e o grande objectivo desta casa é atrair coleccionadores e apreciadores destes relógios antigos para aqui consertarem as suas máquinas” máquinas”, explica Paulo Santos. Outra especialidade é a relojoaria de alta gama, que apesar de ser bastante rara no nosso país, é um mercado a explorar. Foi nesse sentido que Gilberto tentou a sorte, em 2006. Aproveitando a mudança da mãe, Maria Antonieta, para Londres, Gilberto teve hipótese de ingressar numa empresa de refe-
rência de Inglaterra no ramo da relojoaria de alta gama, onde trabalha com “as melhores marcas do mundo” mundo”, frisa. Para se ter uma ideia, Gilberto conta que o primeiro relógio com que lidou foi um Frank Muller de valor superior a 210 mil euros. Pelas suas mãos passam, igualmente, muitas outras marcas que em Portugal são praticamente desconhecidas, como a Hublot, Audemars-Piguet, Piaget, Rolex, Cartier, entre muitas outras. Na empresa inglesa, Gilberto é, aos 46 anos, o funcionário mais novo reconhece a mais valia de trabalhar e aprender com aqueles que considera os seus grandes mestres, Eddy, de origem iraquiana, e o português Joel Ferreira, referências de várias destas marcas. “É uma especialização que pode demorar 10 anos, todos os dias aparecem situações novas” novas”, sustenta. Na empresa, Gilberto tem formação contínua com deslocações frequentes à Suíça, para aprender mais sobre uma marca específica. Esta é uma aprendizagem importante para o futuro, tanto a nível pessoal, como da empresa. “Não existe muito este tipo de serviço em Portugal, mas um dia quando voltar, se me aparecer este tipo de marcas estarei preparado. E se não houver trabalho em Portugal, no estrangeiro há grande solicitação porque há uma falta enorme de pessoal especializado” especializado”. Quando Gilberto Santos terminar a sua formação, é vontade do irmão, Paulo, seguir também esta especialização. J.R.
CRONOLOGIA 1939 – Nasce Gilberto Augusto Jorge dos Santos, “Beto”, no Bairro da Ponte
1952 – Com 13 anos é admitido na Relojoaria Alcino 1963 – Gilberto Santos muda-se para a Ourivesaria Sebastião 1964 – Nasce Gilberto Santos, o primeiro filho 1965 – Regressa à Relojoaria Alcino 1968 – Nasce Paulo Santos, o segundo filho 1970 – Parte para Angola, onde chega a trabalhar para a Omega e a Tissot
1973 – Regressa às Caldas para a Ourivesaria Sebastião 1977 – Gilberto Santos funda a Relojoaria Beto, em nome individual
1980 – Gilberto Santos, filho, inicia a sua actividade na Relojoaria Beto
1984 – O filho mais novo, Paulo Santos, inicia também a sua actividade na Relojoaria Beto
2000 – A Relojoaria Beto passa a Ourivesaria Beto pela mão Joel Ribeiro jribeiro@gazetacaldas.com
Paulo Santos ainda adolescente na ourivesaria do pai
dos irmãos Gilberto e Paulo Santos
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Duas gerações transformaram a loja caldense Decor DA COSTURA À DECORAÇÃO
Idalina Marques nasceu na freguesia de Alvorninha em 1947, casou com Armindo Marques em 1969 e está a viver nas Caldas da Rainha há 38 anos. Já fazia trabalhos em costura quando começou a trabalhar na fábrica MatA partir dos tel em Cristovão. “A 14 anos comecei a fazer trabalhos de costura porque a minha mãe também fazia fazia”, contou. Como era costureira, a sua intenção era fazer bonecas naquela empresa, mas entretanto a Mattel passou a ser Euroaudio, dedicando-se à produção de cassetes pelo que Idalina Marques acabou por trabalhar num ramo que não esperava. Doze anos depois, em 1976, saiu da empresa quando foram negociadas as indemnizações para cessão de contratos. Com esse dinheiro decidiu abrir uma Sempre gostei loja em 1978. “Sempre de trabalhar em costura e foi uma boa oportunidade oportunidade”, conta. O seu marido, que era empregado da Rol, incentivou-a nesse projecto. Uns anos antes, quando se casara, Idalina Marques fez os cortinados para a sua casa, um trabalho que terá sido tão perfeito que suscitou o entusiasmo de amigas e familiares. Ainda antes de abrir a loja foi contratada para fazer os cortinados e as colchas da Pousada do Castelo em Mas não gostava de Óbidos. “Mas ficar em casa a trabalhar trabalhar” e preferiu ter um estabelecimento com porta aberta, o que viria a acontecer em 1978. Foram anos e anos a costurar e a trabalhar directamente com os seus clientes, muitos dos quais Já fiz cortiainda se mantêm. “Já nados para os pais, para os filhos e já estou a fazer para os netos netos”, contou. Através do seu trabalho acompanhou muitos casamentos porque, como diz o ditado popular, “quem casa quer casa”. Agora e os johá menos casamentos “e vens também não têm muito dinheiro para gastar na decoração coração”. Na década de 90 tiveram também durante alguns anos uma loja na rua Raul Proença, que entretanto encerrou. Idalina Marques acha que muito mudou neste ramo nos últiEu tinha sempre mos anos. “Eu muita variedade de produtos para as pessoas poderem escolher colher” e actualmente utilizamse mais os catálogos. Do que não prescinde é da qualidade da consempre tivemos fecção pois “sempre uma confecção muito boa e continuamos a mantê-la mantê-la”, diz.
Armindo e Idalina Marques com os filhos, Nelson e Ricardo (ao colo) no Jardim Zoológico em 1977. Actualmente o filho mais novo dirige a empresa fundada pela mãe em 1978.
Os gostos dos clientes é que Antigatambém mudaram. “Antigamente fazia-se aqueles folhinhos e pregas nos cortinados. Acabava por ser mais complicado porque era tudo muito mais trabalhado trabalhado”, recorda.
fundo, faz tudo parte de mim mim”, disse Idalina Marques. A empresa é fruto do seu trabalho e dos seus filhos, por isso foi com satisfação que viu o mais novo assumir o desafio de ficar à frente É bom do negócio de família. “É
Marques, tem 39 anos e desde criança começou a ajudar a mãe. Até há um ano e meio manteve a ligação com a empresa, embora tenha criado um negócio próprio em 2006, mas actualmente está em Angola a trabalhar no mes-
cessitassavam de cortinados. Começou a fazer para uma depois para outra e foi evoluindo para as vizinhas, amigas, tendo ganho uma carteiras de clientes clientes”, contou Nelson Marques por escrito, atra-
Há 32 anos, quando ainda não se falava em empreendedorismo, Idalina Marques, nascida em 1947, ficou desempregada e resolveu transformar o seu talento para a costura para num negócio próprio. Em 1978 abriu a primeira loja na rua Henriques Sales, com o nome comercial Decorações Lina. Era um espaço pequeno, com cerca de 25 m2, onde Idalina Marques recebia os clientes. A maior parte do trabalho de costura era feito em casa. Em 1984 mudou de instalações para a actual loja na rua Miguel Bombarda. Em 2006 Idalina Marques deu lugar ao seu filho mais novo, Ricardo Marques, então com 30 anos, que aliou à sua formação nesta área uma vontade de fazer algo mais moderno criando a DL Ambientes. Quisemos aproveitar o ‘know-how’ das Decorações Lina e criar algo de diferente, mais “Quisemos actual e ajustado às necessidades do mercado mercado”, explicou Ricardo Marques. A DL Ambientes tem uma actividade mais abrangente do que apenas a decoração de interiores, realizando também serviços de decoração para eventos, virtual merchadising (dinamização de interiores para espaços comerciais) e vitrinismo, entre outros. Na empresa, para além de Ricardo Marques, trabalham mais quatro funcionários no atendimento, costura e entregas. A sua mãe continua também a ajudá-lo, mas não é funcionária da empresa. A DL Ambiente conta ainda com um atelier de costura e armazém Os tecidos mais escolhidos também eram outros, apesar da seda continuar a ter muita promas com padrões difecura “mas rentes rentes”. Embora não tenha um vínculo no profissional à DL Ambientes “no
vermos a continuação do nosso trabalho trabalho”, afirmou. DESDE PEQUENO A AJUDAR A MÃE
O filho mais velho, Nelson
mo ramo. A primeira recordação “A que tenho é da minha mãe ter ficado desempregada da antiga Mattel e ter começado a fazer trabalhos de costura para várias primas que ne-
vés do correio electrónico. Ainda se recorda como os cortinados eram confeccionados na sala e na mesa da cozinha de A máquina de costura casa. “A ficava mesmo em frente à TV e fazia um barulho horrível a
incomodar os meus desenhos animados animados”, brinca. Já quando a mãe trabalhava em casa começou a ajudá-la. Segurava nos tecidos para “Segurava medir, aturava o barulho da maquina e as pessoas em casa casa”, escreveu. Só a partir dos 16 anos, em 1986, passou a ser funcionário a tempo inteiro da empresa, mas antes disso chegou a fazer alguns serviços de montagem e também tratava dos recados, como o seu irmão mais novo viria a fazer. Na loja fez de tudo, do atendimento ao público, à ajuda na escolha dos tecidos, mas também encomendas, execução das montras e consultoria, decoração e arquitectura de interiores. Fez também escolha de colecções e colaborou na administração da loja. Nelson Marques recorda-se da forma como o negócio foi prosperarando ao longo dos anos. De início as clientes compra“De vam os tecidos e a minha mãe apenas fornecia a mão de obra o gosto e ideias, e pequenos materiais materiais”. Ainda se lembora do dia da inauguração da loja na rua Miguel Bombarda quando, depois de trabalhar até de madrugada, deu por ele, descalço, a empurrar o carro porque o automóvel ficou sem combustível e não havia postos de abastecimento Recordo também abertos. “Recordo que os materiais executados de grande volume, cortinados, colchas e sanefas às vezes com três de comprimento, eram transportadas num Fiat 127 127”, lembrou. A mãe recorda-se também do sucesso obtido pelo trabalho que Nelson Marques fez na decoração da albergaria Josefa d’Óbidos. Ajudei a criar e crescer a “Ajudei loja, como braço direito da minha mãe, tendo uma grande parte do meu suor e dedicação, onde cresci como homem mem”, concluiu. Em Angola, Nelson Marques trabalha actualmente na empresa de produtos de interiores “Pêra Angola”, como técnico especialista em fabricação e montagem de estores de rolo e decoração de interiores.
FILHO MAIS NOVO CONTINUOU O NEGÓCIO
Idalina Marques nos anos sessenta quando trabalhava na antiga Mattel e anos mais tarde quando já era proprietária do seu próprio negócio
Nascido em 1976, o filho mais novo, Ricardo Marques, ainda se recorda do primeiro estabelecimento comercial da mãe na rua Lembro-me Henriques Sales. “Lembro-me de um banco que ainda temos
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rações Lina em DL Ambientes
Mãe e filhos numa exposição, em 2003, numa altura em que os três trabalhavam juntos
e do balcão. No atelier em casa eu brincava com os tecidos e a minha mãe ralhava comigo comigo”, recordou. Os primeiros trabalhos que fez para a mãe, a partir dos 12 anos, foram recados, como ir ao banco Mesmo duou buscar linhas. “Mesmo rante as aulas conseguia conciliar os estudos e as brincadeiras com algum trabalho na loja loja”, contou Ricardo MarOs meus pais sempre ques. “Os me educaram que todos tinham de contribuir para o bem-estar da família família”. Quando era mais novo Ricardo Marques dizia sempre que o seu futuro não seria na loja de decorações, mas alguns anos mais tarde descobriu que a sua vocação estava nesta actividaEu dizia sempre que a de. “Eu decoração era para as mulheres e que não tinha nada a ver comigo, mas depois comecei a descobrir que gostava desta área área”, contou. Primeiro interessou-se pelo vitrinismo, ao fazer a decoração da montra Eram umas brincada loja. “Eram deiras, mas recebia elogios dos clientes clientes”, disse. Acabou por seguir a área de Artes na Escola Secundária Raul Proença e depois de concluído o 12º ano, em 1996, cumpriu o serviço militar obrigatório e acabou por ficar no Exército durante um Fui para lá contrariado, ano. “Fui mas depois cheguei à conclusão de que até gostava daquilo quilo”, referiu. Como era o condutor de um oficial e estava em Lisboa, confessa que gostou daquela vida durante algum temFoi uma altura da minha po. “Foi vida em que precisava mesmo de sair das Caldas e de conhecer outras realidades realidades”, disse. Já desde a minha adoles“Já cência gostava de ir com os meus amigos a Lisboa. Apanhávamos o comboio até ao
Rossio e íamos até às Amoreiras reiras”, recordou. O facto de ser motorista de um coronel do Exército também Era uma vida foi vantajoso. “Era santa. Ia buscá-lo a casa e levá-los às reuniões. Tinha um horário e ordenado fixo fixo”, comentou. No entanto, rapidamente chegou à conclusão de que não era esta a vida que queria e decidiu sair da vida militar para apostar na sua própria formação. Em 2001 concluiu o curso de especialização profissional de vitrinismo e visual merchandising na Escola de Comércio de Lisboa e foi estagiar para o grupo El Corte Inglés em Madrid. No final desse ano regressou a Portugal para colaborar na abertura do El Corte Inglés de O estágio que fiz em Lisboa. “O Espanha era para fazer parte da primeira equipa da loja que viria a abrir em Portugal gal”, explicou. Quando regressou a Portugal ficou a morar nas Caldas e fazia a viagem de ida e volta para Lisboa todos os dias. Só trabalhou naquela empresa espanhola durante três meses, porque em 2002 teve uma proposta para abrir uma loja de decoração de interiores em Lisboa, perto da avenida de Roma. Queria poder ter a possibili“Queria dade de fazer um trabalho mais criativo e por isso aceitei o desafio desafio”, disse. Na loja de decorações Interfusões (entretanto encerrada) acabou por ter a certeza de que está no o gosto pela decoração “está sangue sangue”. DAS DECORAÇÕES LINA PARA DL AMBIENTES
Em 2006 Ricardo Marques corresponde a um pedido da mãe, que não queria continuar o negócio, e aposta na reformulação da empresa, que passou a ter a
designação de DL Ambientes (o QuiDL é de Decorações Lina). “Quisemos manter a identidade e características que tínhamos até aqui aqui”, explicou o empresário. Em substituição da Decorações Lina (que funcionava em nome individual) Ricardo Marques criou a Mind.Room - Ambientes Personalizados, Unipessoal Lda, com um capital social de 5000 euros, do qual é o único sócio. A mãe continua a apoiá-lo, mas é agora o filho mais novo quem assume a gestão da empresa. A minha mãe estava can“A sada de toda aquela actividade da loja, mas ainda continua a ajudar-me muito muito”, explicou. Idalina Marques disse-lhe que gostaria que um dos filhos ficasse à frente do negócio, porque senão iria encerrar a loja e Ricardo achou por bem voltar para as Caldas. Em 2006 Ricardo Marques ainda era sócio da loja de decoração Interfusões, tendo acumulado a gestão dos dois estabelecimentos durante seis meses. Actualmente está apenas à frente da loja das Caldas, mas é também, desde há sete anos, formador de vitrinismo e visual merchadising na Escola de Comércio de Lisboa. Eu sentia que a loja da mi“Eu nha mãe estava a precisar de uma grande mudança porque estava a ficar desajustada em relação ao que são as necessidades do consumidor actual na decoração de interiores riores”, referiu Ricardo Marques. Sempre que vinha de Lisboa e visitava a loja da mãe, achava que era preciso fazer algo de diferente, porque senão o futuro não seria risonho. Depois de obras de remodelação e já com nova imagem, deixaram de apenas ter vocação para a área têxtil e passaram a
Recentemente foi criada uma nova marca, a Aroma Living, dedicada aos aromas e fragrâncias para a casa
ter projectos de decoração integrais, englobando o mobiliário, papéis de parede, iluminação e outros elementos. Nós fazemos um serviço “Nós de consultoria em que o cliente diz-nos o que quer e nós desenvolvemos um projecto integral. No caso de o cliente preferir, esse projecto pode ser feito por fases e não todo de uma só vez vez”, explicou. Tudo pode ser escolhido através de catálogos, desde a mobília aos acessórios. Essa é a parte que mais gosta na sua actividade proEu gosto mesmo é fissional. “Eu de criar criar”, revelou. OS AROMAS DA CASA
Recentemente criaram uma nova marca, a Aroma Living, dedicada aos aromas e fragrâncias para a casa, desde as velas aos ambientadores, mas também papel de forro de gavetas com aroma e sabonetes da Saboaria PorNós queremos que tuguesa. “Nós tudo o que esteja dentro da casa tenha sempre um bom aroma aroma”, adiantou Ricardo Marques, que considera muito importante esta componente não só em residências, mas também em estabelecimentos comerciÉ importante que ao enais. “É trar num espaço, além do cheiro a limpo, exista um aroma agradável agradável”, disse. O empresário tem procurado sempre inovar, tendo também sensibilidade ambiental. Por exemplo, os produtos mais pequenos que sejam adquiridos nas lojas podem ser embrulhados com pequenos sacos confeccionados no atelier com sobras de tecido. “Reutilizamos as sobras que não serviriam para nada, aproveitando o nosso atelier de costura especializado” do”, explicou. Ricardo Marques defende a reciclagem de materiais, sempre
que com isso se consigam também bons resultados em termos estéticos. Também por isso recentemente contribuíram com algumas peças de decoração para o projecto Olha-te, que tem como objectivo promover actividades Deupara doentes oncológicos. “Deume muito prazer saber que aqueles produtos que estavam arrumados a um canto no armazém vão ganhar vida vida”. Desde a reformulação realizada em 2006 o mercado da decoração de interiores tem tido também várias evoluções e Ricardo Marques procura acompanhar as principais tendências. Começam a existir cada vez mais produtos específicos e até os designers de moda começam a ter a sua própria linha de decoração. A carteira de clientes (cerca de 2000) tem crescido também por causa dos estrangeiros que compram casa na região. A firma dá trabalho a cinco pessoas, entre eles Ricardo Marques (que é gerente), duas costureiras, uma comercial e uma técnica de montagens. O responsável não divulgou o volume de vendas da empresa. A DL Ambientes tem parcerias com empresas de materiais da construção para projectos “cha-
Crive na mão” e imobiliárias. “Criámos muitas sinergias e isso traz bons resultados resultados”, defendeu. A crise económica trouxe também algumas condicionantes ao negócio, apesar do empresário não se queixar de falta de traAs pessoas sentembalhos. “As se um pouco retraídas porque não são artigos de primeira necessidade, mas como cada vez vivemos mais tempo nas nossas casas, procuramos mais conforto conforto”, referiu. Por outro lado, teme o que poderá acontecer com o aumenAté é visíto do IVA em 2011. “Até vel o facto de haver clientes que estão a comprar agora por causa do aumento do IVA IVA”, comentou. Começaram também a ter uma maior concorrência por parte das grandes superfícies, que vendem alguns dos produtos comercializados pela DL Isso também nos Ambientes. “Isso obriga a apostar ainda mais na qualidade qualidade”, concluiu, salientando que encara sempre a sua vida de forma positiva. Pedro Antunes pantunes@gazetacaldas.com
Cronologia 1947 – Nasce Idalina Marques 1964 – Vai trabalhar na fábrica Mattel em S. Cristóvão 1969 – Casa com Armindo Marques 1978 – Abertura da loja Decorações Lina na rua Henriques Sales 1984 - Mudança de instalações para a actual loja na rua Miguel Bombarda
1986 – O filho mais velho, Nelson Marques, torna-se funcionário da empresa
1993 – Ricardo Marques, o filho mais novo, torna-se também funcionário
Década de 90 – Loja de cortinados na rua Raul Proença 2006 – Criação da DL Ambientes com a firma Mind.Room - Ambientes Personalizados, Unipessoal Lda
2008 – Nelson Marques parte para Angola para trabalhar no mesmo ramo
2010 – É criada a marca Aroma Living
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
O café mais antigo da freguesia de Santo Onofre tem
Aduíno Coito com o pai Diamantino Couto (1914-1978) em frente ao café nos anos cinquenta
À terceira foi de vez. No mundo dos negócios nem sempre se acerta à primeira. Diamantino Couto (1914-1978) instala-se em 1935 no Bairro Além da Ponte com a mulher, Ema Pilar Leal (1923-2006) e arrenda uma casa no Largo Frederico Ferreira Pinto Bastos (à época Largo da Mina) para montar a sua barbearia. A coisa não resultou e cinco anos depois abre uma taberninha no mesmo espaço. Mas tabernas já havia muitas nas Caldas e em 1945 Diamantino arrisca transformar o seu estabelecimento num café. Para a época pareceu uma decisão um pouco arrojada, mas a verdade é que não havia nada do género naquilo que é hoje a freguesia de Sto. Onofre e o Café Bordalo acabou por se revelar um sucesso. O próprio nome foi escolhido num tempo em que Rafael Bordalo Pinheiro não era a figura tão conhecida e estudada como hoje. Resultou de uma coincidência: Zé do Coito,
o pai do jovem barbeiro e agora dono de um café, tinha trabalhado na fábrica de faianças de Bordalo e de lá trouxera um busto do artista que ainda hoje figura numa parede do café e que esteve na origem do seu nome. O casal Diamantino e Ema
duas vezes remodelado - Café Bordalo. Apesar do sucesso do café, Ema Pilar Leal, descendente de espanhóis e nascida justamente em S. Bartolomeu dos Galegos (Lourinhã), trabalha nos balneários do Hospital Termal e
Da esquerda para a direita: João, Aduíno Coito, Pilar Leal, Joana, Sandra Coito e Jorge Reis. Um avô, filhas, netos e genro representam três gerações que dão continuidade ao café Bordalo.
Em 1940 nasce o único filho do casal. Aduíno Manuel Leal do Coito, hoje com 70 anos, cresce no café que era também a sua casa. Frequenta a escola primária na antiga Delegação Escolar (perto do actual Vivaci) e ainda “inaugura”, como aluno, a es-
Centro Hospitalar, mas acaba por não concluir o curso Comercial. “Por causa disso só fui cabo na tropa, quando podia ter sido furriel” furriel”, diz Aduíno Coito. Mas na altura já trabalhava, sentia-se na obrigação
E um dos cafés mais antigos das Caldas e foi o primeiro a abrir portas no Bairro Além da Ponte, em 1945. O mesmo espaço já tinha sido barbearia e taberna, mas foi como café que chegou até ao século XXI ao longo de três gerações, ou até mesmo quatro, se considerarmos que os bisnetos do seu fundador, Diamantino Couto, já ajudam as mães e o avô nas lides do balcão e das mesas. Aduíno Coito, filho de Diamantino tem hoje 70 anos e é o patriarca da família que nasceu e cresceu neste estabelecimento do Largo Frederico Ferreira Pinto Bastos. “Dantes só se vendiam copos de leite, garotos, pirolitos, gasosas e rebuçados. E meia dúzia de bolos. Hoje vendemos entre 80 a 100 bolos por dia” dia”, conta acerca dos hábitos de consumo de várias gerações de caldenses.
acabaram assim por se iniciar numa actividade que hoje já vai na terceira geração. Ou na quarta, se considerarmos que os bisnetos João, de 13 anos, e a Joana, de sete, também já ajudam a tirar uns cafés e a limpar as mesas no velho - mas já por
ajuda o marido no negócio, substituindo-o quando este vai para os treinos. Diamantino joga futebol. É jogador do Sporting Club das Caldas e mais tarde do Caldas Sport Club, onde fez uma carreira que ainda hoje é recordada.
cola primária do Bairro da Ponte. Emergindo de uma família remediada, não se fica pela 4ª classe e prossegue os estudos, à noite, na Escola Industrial e Comercial das Caldas da Rainha, no edifício que é hoje o do Conselho de Administração do
de ajudar os pais no café e também começara a namorar cedo, aos 17 anos, com uma jovem caldense, Manuela Silvestre (19422002), com quem viria a casar. O comércio foi quase sempre a sua actividade: primeiro na loja de roupa de José Luís Campos (na
Praça 5 de Outubro), depois na Nobela (Rua das Montras), a seguir na Casa Ramiro e mais tarde, como administrativo, no Hospital Termal, onde também trabalhava a sua mãe. Até que em Janeiro de 1961 é chamado para a tropa. Assenta praça em Castelo Branco e seis meses depois está a bordo do Vera Cruz a caminho de Angola. “Andei debaixo de fogo, sim” sim”, conta. Dezanove meses no mato em aquartelamentos frágeis, sujeitos a ataques e correndo riscos quando as colunas sofriam emboscadas. De Portugal, perdão, da Metrópole, chegamlhe cartas da família e da namorada, muitas vezes acompanhadas de fotografias tiradas no Café Bordalo. Um conjunto de imagens que hoje constitui um precioso espólio da família. Sobrevive e regressa em Novembro de 1963, fazendo o percurso habitual ao de milhares de jovens que, regressados da tropa e da guerra, casam. Tro-
Meio século separam estas fotos, tiradas do mesmo ângulo do café. Em 1959 o Bordalo possui uma das primeiras televisões das Caldas e o café enchia-se, sobretudo quando havia futebol, filmes portugueses, teatro, Natal dos Hospitais, Festival da Cancão e as Misses. Hoje o futebol ainda leva muitos convivas ao café.
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m 65 anos e reúne três gerações ao balcão cou alianças em 1965, mas já uns meses antes começara a trabalhar com o futuro sogro, António Verdiano Silvestre, que tinha uma loja de produtos alimentares (Vardasca & Veridiano, Lda) na Rua da Electricidade. A primeira filha, Maria Pilar do Coito, nasce em 1966 e a segunda, Sandra Cristina, em 1970. Manuela Silvestre reparte agora as atenções do café e dos clientes com as filhas, que, tal como o pai, crescem no Café Bordalo, em torno do qual gira a história da família. Em 1970 Aduíno muda de emprego. O sogro embarca numa
aventura que consistiu em unir grande parte dos armazéns de produtos alimentares das Caldas numa só empresa, a Unical, que para isso constrói um pavilhão na Estrada da Tornada (hoje parcialmente aproveitado pelo Pingo Doce). O genro acompanha-o como empregado de escritório durante os 16 anos que o projecto dura. “Fui dos últimos a sair, todos deram à sola quando aquilo começou a correr mal” mal”, conta. A falência da empresa, em 1986, acaba por se transformar numa oportunidade. “Comecei a pensar em remodelar isto e ganhar aqui
a minha vida e em boa hora o fiz. Só tenho pena de não o ter feito antes. Na verdade eu nunca tinha gostado de ser empregado de escritório. Preferi sempre o contacto com as pessoas” pessoas”. NO CAFÉ A TEMPO INTEIRO
A primeira coisa que faz é uma remodelação total. O café dos anos quarenta dá origem a um estabelecimento moderno, com vitrines, mas mantendo, mesmo assim parte das mesas que o pai de Aduíno tinha comprado ao Café Nicola, em Lisboa. São mesas pesadas, de ferro e mármo-
re, seguramente com mais de 90 anos de existência e que estão para durar outros tantos. Diamantino só viu o princípio da remodelação. Morre em 1987. Mas dir-se-ia que tinha esperado pela concretização de um velho sonho – ver o filho a tempo inteiro à frente do Café Bordalo. A remodelação revelou-se uma aposta certa e Aduíno deuse conta que afinal aquele negócio dava para viver sem precisar de mais nenhuma emprego. “Ultrapassou todas as expectativas” expectativas”, conta. Nos finais da década de oitenta a cidade conhece um sur-
to de forte construção e cresce (também) para o Bairro da Ponte. Durante algum tempo o Bordalo foi o único café do bairro. Hoje contam-se várias dezenas em toda aquela zona da cidade (bairros da Ponte e dos Arneiros), mas nada que afecte o café mais antigo. Também os hábitos de consumo mudaram. Aduíno diz que antigamente havia poucas coisas para vender num café. “Vendiam-se copos de leite, garotos, pirolitos, gasosas, rebuçados. E meia dúzia de bolos. Hoje vendemos entre 80 a 100 bolos por dia” dia”, conta. Durante décadas perdurou a ve-
lha máquina de café de saco, que viria a ser substituída por outra que necessitava de uma alavanca para tirar as bicas. Hoje o café expresso sai, quente, de uma moderna máquina Mercury. Fiel à tradição do que entende ser um café, o seu proprietário vai resistindo a nele vender pão e mini-refeições, como o fazem tantos outros. “O café deve funcionar como um café” café”, resume. Carlos Cipriano cc@gazetacaldas.com
“Mais do que uma profissão, trabalhar aqui é um modo de vida” Sandra Coito (40 anos) e Pilar Leal (44 anos) são a terceira geração atrás do balcão do Café Bordalo. As duas filhas de Aduíno e Manuela Silvestre cresceram e brincaram no estabelecimento dos avós e que posteriormente ficou para os pais. Em frente, o Largo Frederico Ferreira Pinto Bastos ainda não tinha muitos carros. A vizinhança era conhecida e o Bairro da Ponte era naquele tempo ainda quase como uma aldeia dentro da cidade. Mas à medida que cresciam as duas irmãs encararam com normalidade a ajuda que era preciso dar aos pais e cedo começaram a trabalhar no café quando vinham das aulas e durante as férias. “É como o João e a Joana” Joana”, dizem, referindo-se aos filhos, que são os bisnetos de Diamantino Coito e que tam-
bém já vêem o café como uma extensão das suas casas. Em rigor só Sandra Coito e o marido, Jorge Reis, são actualmente funcionários do Café Bordalo – Sociedade Unipessoal. É lá que passam a maior parte do seu tempo – de manhã, à tarde e à noite – num negócio familiar, cuja facturação preferiram não revelar, e que prescinde de empregados. A irmã Pilar pertenceu à geração que aproveitou a vinda do ensino superior para as Caldas e foi no antigo pólo da UAL que tirou Direito, exercendo hoje advogacia. Mas nem por isso perdeu o vínculo ao café da família e tem até uma escala de duas manhãs e duas noites por semana, nas quais deixa no escritório as questões judiciais e vem para o café mais antigo do Bairro da Ponte servir bicas e galões, tos-
A imagem mais antiga do Café Bordalo nos anos 40
tas, sumos e bolos. A irmã mais nova, Sandra Coito, não chegou a concluir a licenciatura em Gestão, foi trabalhar para a Futur Kids (uma escola de informática caldense já desaparecida), mas entendeu que se o Café Bordalo foi o ganha pão do seu avô e do seus pais, então também poderia ser o dela e da família. “Mais do que uma profissão, trabalhar aqui é um modo de vida. Não há horários, nem fins-de-semana completos nem tempo para ir jantar fora. É vivermos aqui dentro” dentro”, diz Sandra. O café só fecha ao domingo. As filhas do senhor Aduíno assistiram também a algumas transformações nos hábitos dos clientes do café. Dantes a sala enchia-se ao serão até à hora do fecho, mas agora as
pessoas já não passam tanto tempo nestes espaços sociais. Tomam a bica, bebem uma água ou uma cerveja e vão para casa. Há alguns resistentes, que são quase da família. E há também as excepções – a televisão já não é uma novidade, mas nas noites de futebol este café de bairro enche-se. É que ver um jogo da selecção ou um Sporting-Benfica em grupo cria um ambiente mais festivo e tem muito mais piada do que assistir à partida em casa. “E as mulheres preferem ver a telenovela” telenovela”, acrescenta Aduíno Coito, que conhece os hábitos e motivações dos clientes. Curiosamente, o edifício não é pertença da família, tendo o então jovem Diamantino acordado com o proprietário, seu amigo, o pagamento de uma renda mensal. Naquele tempo
bastava a palavra dada para ser cumprida e só em 1970 é que há um documento escrito no qual Diamantino se compromete a pagar 500$00 de renda por mês. Sim, na moeda de hoje só 2,5 euros. Mas actualmente a renda é de 57 euros. Aduíno re-
conhece que é barato e insiste que não perdeu a esperança de comprar o rés-de-chão onde nasceu e onde viveu toda a família. C.C.
CRONOLOGIA 1935 – Diamantino Couto abre uma barbearia no edifício que é hoje o nº 12 do Lg. Frederico Ferreira Bastos
1940 – Muda de ramo. Converte a barbearia em taberna. 1945 – Muda novamente de ramo e inaugura o Café Bordalo, o primeiro da actual freguesia de Sto. Onofre
1970 – Assinatura do primeiro documento de arrendamento no qual o dono do Café Bordalo paga 500 escudos (2,5 euros) de renda por mês ao proprietário 1986 – O filho Aduino Coito pega formalmente no negócio da família 1987 – Morre Diamantino Couto 1987 – O Café Bordalo sofre uma remodelação 2002 - Sandra Coito, neta de Diamantino, entra formalmente para o Café Bordalo - Sociedade Unipessoal 2008 - O marido Jorge Reis também entra para a empresa
À esquerda Manuela Silvestre, então namorada de Aduíno, com os futuros sogros, Diamantino e Ema Pilar Leal. Na imagem da direita Manuela está sentada e os proprietários do café estão atrás do balcão.
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Três gerações de luso-galegos fizeram da Pastelaria
O Casal Perez em 1991 ladeado pelos empregados de então, António Maria, Patrícia Anjos e Fernando Vieira. À direita, Peregrina Molares à entrada da Pastelaria Machado na passada segunda-feira.
A fundação da casa remonta ao século XVIII e as suas memórias são agora contadas com sotaque espanhol, da D. Peregrina Molares, a actual proprietária da casa, que gere com os seus filhos Marina (50 anos), Santiago (51 anos) e Miguel (49 anos). As irmãs Fausta eram doceiras e terão começado a sua actividade ao lado do Hospital Termal, em meados de 1800 mas depois mudaram-se para a Rua de Camões, onde ocuparam uma cocheira aí existente que viria a ser a actual pastelaria Machado, apelido de um empregado da casa (Joaquim Machado) que viria a ser o proprietário depois das irmãs terem decidido abandonar o negócio. Joaquim Machado continuará a arte doceira tradicional caldense, sobretudo na primeira década do séc. XX, trabalhando na pastelaria com a sua família.
No início do anos 20 este comerciante dá sociedade a José Perez, um galego natural de Vigo, que viera para Lisboa com o intuito de emigrar para os Estados Uni-
trabalhar com Joaquim Machado, de quem se tornou amigo, para além de sócio. Em 1944 o neto de José Perez é mais um dos muito imigrantes ga-
Nessa altura José Fernandez Peres (1928-2000) tem 16 anos e mal imaginava o papel importante que viria a ter nesta casa, uma vez que vai suceder ao avô e ao sócio, que
poradas na sua terra natal, onde viria a dar à luz os seus filhos mais velhos, Santiago e Marina. A primeira impressão que Peregrina Molares teve das Caldas
A história da pastelaria Machado funde-se com a história da própria cidade. Ponto de referência na doçaria regional, os seus bolos reis são presença habitual nas mesas de consoada. Aquela que é uma das casas mais antigas das Caldas ainda em actividade, remonta ao século XVIII com a Casa Fausta, cujas responsáveis, duas irmãs, contribuíram para a manutenção dois verdadeiros ex-libris gastronômicos da cidade: as cavacas e as trouxas-de-ovos. José Fernandes Perez (1928 – 2000), um apaixonado pela doçaria, deu um impulso grande à casa, criando muitos dos mais de 60 bolos que diariamente são colocados nas prateleiras. A Pastelaria Machado é actualmente gerida por Peregrina Molares, viúva de José Fernando Perez, e os seus três filhos Santiago, Marina e Miguel. dos, mas que se quedou por Lisboa onde trabalhou na Pastelaria Benard (Rua Garrett). A aprendizagem da doçaria serlhe-ía depois muito útil quando, nas Caldas da Rainha, começa a
legos que fogem daquela província pobre de Espanha, tentando a sorte em Portugal, neste caso, nas Caldas da Rainha, junto do avô que lhe dá protecção e emprego na Pastelaria.
A Cavacaria Machado em 1907, quando ainda era gerida por Joaquim Machado e uma imagem actual do estabelecimento na Rua Luís de Camões (o centro histórico aguarda ainda por um plano que restrinja a circulação automóvel).
morrem, respectivamente, em 1954 e 1950. Os galegos são como os portugueses. Sentimentais e nostálgicos. E por isso o jovem José Fernandes Perez nunca deixou de visitar a sua terra natal. É numa dessas visitas que conhece Peregrina Molares (nascida em 1935), filha de um padeiro de Vigo. O namoro tinha tudo para dar certo porque até as profissões eram similares. Mas não foi fácil o pasteleiro convencer a filha do padeiro a partir para o sul, para a distante cidade das Caldas da Rainha. “Criei-me num clima de medo por causa da guerra civil” vil”, recorda hoje Peregrina Molares, acrescentando que quando José Fernandes Perez lhe propôs namoro não sabia o que responder porque não queria ir deixar a sua terra natal. Acabaram por casar na Galiza em 1958, mas logo de seguida vieram para Portugal. No início Peregrina ainda passava algumas tem-
da Rainha, em Março de 1958, foi a uma cidade bucólica em que as “árvores estavam nuas e achei a cidade um bocado tristonha” tristonha”. Meses depois, com o Verão, o burgo ganhou nova vida e Peregrina passou a sentir-se melhor, até porque, como referiu, o mar, o mesmo Atlântico que banha a sua Galiza natal, também estava muto próximo das Caldas. MAIS DE 60 VARIEDADES DE BOLOS POR DIA
José Fernandes Perez aprendera com o avô a arte da pastelaria. Tinha uma verdadeira paixão pelos doces, o que o levou, por várias vezes, a França, Suíça e Alemanha a fim de acompanhar as novidades. Também comprava livros para estar actualizado no seu métier. “Antes a casa não fabricava muitas coisas, todos estes doces que agora conhecemos foram pesquisas que o meu marido fez e pôs em prática” prática”, conta hoje Peregrina Molares.
Na década de 60 trabalhavam cerca de 15 pessoas com o casal Perez - duas na copa e o resto na fábrica. E vendiam praticamente tudo o que produziam na loja, que atraía pessoas dos concelho vizinhos, onde poucas pastelarias existiam. “Quando vim para cá moíamos a amêndoa à mão” mão”, lembra a D. Peregrina. A massa para as cavacas demoravam duas a três horas a amassar pois não existiam amassadoras e o trabalho tinha que ser feito manualmente. Ao longo dos anos foram sempre desenvolvendo a sua própria pastelaria. Fernando Perez começou a criar, fez coisas novas e deu um impulso muito grande porque a casa era pequena e estava a ficar velha. Entre as novidades estão as “Florestas”, um doce com amêndoa, cuja receita descobriu na Alemanha e que originalmente tinha o nome de “Floresta Negra”. Actualmente os clientes continuam a procurar muito este doce, assim como o bolo russo, as línguas de gato e os ossos de roer. A remodelação, que deu o aspecto que a casa ainda mantém data de 1962. Há cerca de uma década foram feitos alguns melhoramentos, mas os clientes pediram para não mexer na decoração, que inclui um painel de cobre e as madeiras exóticas. A casa ao longo dos anos foi alcançando muito prestigio. Inicialmente fornecia a Casa Real de Lisboa, no reinado de D. Carlos (os doces iam para a capital pelo caminho de ferro). Por ali passaram também figuras públicas como os anteriores Presidentes da República Américo Thomaz, Mário Soares, e personalidades ligadas à
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a Machado uma referência nas Caldas e no país cultura como Vasco Graça Moura ou Eduardo Prado Coelho. Paulo Rodrigues, um caldense (falecido em 2010) que foi secretário de Salazar, levava doces da Pastelaria Machado para o velho ditador. O atendimento e a qualidade dos produtos continuam a fazer o nome da casa, que actualmente tem oito funcionários, além da família (mãe e três filhos), que ali trabalham diariamente. Os fins-de-semana são os dias de maior movimento e a Páscoa e o Natal são épocas altas para a pastelaria. O seu bolo rei é presença em muitas consoadas, e Peregrina Molares garante que este continua a ser feito da mesma maneira tradicional que o seu sogro já fazia, embora reconheça que desta forma o lucro é menor. O segredo do bolo rei da pastelaria Machado é ser feito com “produtos tradicionais” tradicionais”, como a manteiga, ovos (em vez de essência) e fermento de padeiro. “A massa demora oito horas a levedar” levedar”, explica a responsável. É por isso que às vezes o bolo rei não chega para a procura porque “não se pode fazer à la minute”. No dia de Natal chegam a venÉ a altura der 600 quilos de bolo. “É mais trabalhosa porque toda a gente gosta de levar para casa um bolinho rei” rei”, diz, acrescentando que na Páscoa, por exemplo, já não há tanta procura. “Esta história de vender amêndoas baratas e de má qualidade já tirou a vontade às pessoas de comprar amêndoas. As nossas são de chocolate e torradas e são sempre boas” boas”, garante. Todos os dias a prateleira com mais de 60 variedades de bolos é reposta, e ao fim-de-semana em maior número. A azáfama começa cedo e acaba tarde, com os pasteleiros a entrar às 5h30 da manhã para começar a fazer os bolos. A pastelaria recebe encomendas de bolos de aniversário, a maioria para particulares, mas por vezes, também para restaurantes. Actualmente trabalham naquele estabelecimento - cuja firma é uma sociedade por quotas designada Pastelaria Machado, Lda. oito funcionários, juntamente com os quatro responsáveis (mãe e três filhos), que não quiseram divulgar nenhuma ordem de grandeza acerca do volume de vendas. À pergunta “o que é preciso para manter o negócio tantos anos?” peregrina Molares só tem uma resposta: perseverança e um bocadinho de dinamismo. E a fórmula tem dado resultado. Fátima Ferreira fferreira@gazetacaldas.com
“A pastelaria é uma soma de pormenores que vão ditar se é uma coisa excelente ou medíocre”
Santiago Molares, 51 anos, com a empregada Fernanda Ribeiro. Santiago nasceu na Galiza, mas é caldense de toda a vida e é hoje o pasteleiro da casa. Os irmãos Miguel e Marina não estiveram disponíveis para colaborar neste trabalho.
Santiago Molares, o filho mais velho do casal José e Peregrina, seguiu naturalmente as pisadas paternas na pastelaria e é ele, com o seu irmão mais novo, Miguel, que confeccionam diariamente uma doçaria de excelência. Com 51 anos, Santiago recorda-se que fez o seu primeiro bolo com cinco para comemorar o aniversário do pai. “Fui ao livro de receitas dele e escolhi um pão-de-ló que quis amassar como se amassa massa folhada” folhada”, conta, adiantando que era assim que via o seu pai trabalhar. Apesar da boa intenção, o resultado do seu primeiro bolo não foi brilhante, recorda, rindo-se. Depois de ter feito o ensino secundário, Santiago começou a trabalhar na pastelaria. Tinha 18 anos quando teve o seu primeiro contrato de trabalho nesta casa. Depois foi tirando cursos em Portugal, Espanha e Itália e aprendendo também com o seu pai e as pessoas que ali trabalhavam. Considera que actualmente os pasteleiros são uns “lords” porque muitos dos materiais que utilizam já estão transformados, deixando-lhes mais tempo para a criação e a feitura de bolos mais refinados. Esta facilidade também tem um reverso, contribuindo em parte para a descaracteriza-
ção das pastelarias. “A fruta do bolo-rei é igual em todo o lado” lado”, exemplifica o pasteleiro, que acha que as coisas terão que mudar. O futuro da pastelaria terá que passar por uma estratificação maior entre o que é o fabrico tradicional, com as casas a trabalhar com produtos clássicos, e o industrial, com glutamatos de sódio e gorduras hidrogenadas. O pasteleiro, que diariamente começa a trabalhar pelas 5h30, tem feito várias invenções, entre elas os bombons praline, que “as pessoas não vão encontrar em mais lado nenhum” nhum”, garante. É que este profissional teve em conta, e tentou colmatar, todas as falhas que encontrava nos bombons existentes, criando um de excelência. A pastelaria é uma soma “A de pormenores que, no fim, vão ditar se é uma coisa excelente ou medíocre” medíocre”, disse. Os seus segredos irão passar para o filho, actualmente com 10 anos, se este quiser seguir as pisadas do pai, ou então irão, um dia, ser publicados em livro. Para Santiago, o paradigma do bolo continua a ser o pastel de nata de Belém. “Quando conseguir fazer uma coisa como aquela atingi a perfeição” ção”, conta, garantindo que anda lá muito perto. Dos tempos actuais, Santiago diz que a casa atravessa os
problemas comuns a todos os estabelecimentos comerciais. Lembra que antes, quando a Estrada Nacional que ligava Lisboa ao Porto passava pelas Caldas, muitas pessoas paravam na cidade para descansar das longas horas de viagem. “A história das Caldas e desta pastelaria modificouse muito desde que foi construída a A1 que fez com as Caldas deixasse de ser uma passagem obrigatória” obrigatória”, recorda. O pasteleiro diz mesmo que quando tinha 10 anos estava convencido que as “Caldas iria ultrapassar Leiria em notoriedade, dado o seu desenvolvimento” senvolvimento”. Era uma ilusão, porque entretanto deixou de ser um ponto de passagem e “não foram feitas iniciativas que compensassem, tornando as Caldas como um objectivo final, como poderiam ser as termas” termas”. Santiago Perez defende que a dinamização do termalismo, assim como as faianças, poderiam ajudar em muito o sector comercial. Os irmãos de Santiago - Marina e José Miguel Molares – também trabalham na Pastelaria Machado, mas não quiseram dar o seu testemunho para esta reportagem. Fátima Ferreira fferreira@gazetacaldas.com
Cavacaria Machado Era a antiga Casa Fausta (Rua de Camões – 41-47), cujas origens se perdem no século XVIII. Gertrudes Fausta de Sousa citada em 1883 como moradora na rua Nova – foi, muito provavelmente, uma das célebres irmãs Fausta. Parece ter sido uma das conserveiras de maior fama em que mais contribuiu para a manutenção de uma actividade emblemática das Caldas: as cavacas. A par das trouxas de ovos, as cavacas são (também) segredos doces que passaram através de muitas gerações. A família real e as elites do final do séculoXIXedoiníciodoséculoXXvinhamnoverãoàsCaldasmergulharnum mundo de canastras de cavacas, pastelinhos de Marvão, queijinhos do céu, castanhas de ovos, lampreias, pão-de-ló de nata, lagartos, raivas, suspiros, esquecidos, queijadas e trouxas. Nesse tempo, eram ainda confeccionados alguns doces tradicionais, hoje ignorados, tais como o “Manjar de Tornada” e os célebres “Cacos”. AsirmãsFaustaforamcontemporâneas,nofinaldoséculoXIX,dacavacaria das Mendricas (na actual Praça da República) onde se reuniam Rafael Bordalo Pinheiro, Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro, Columbano, Lopes de Mendonça, António de Andrade (então tenor em início de carreira), o Padre António (de Almeida) de Óbidos (conhecido pela sua bela voz de barítono, bem como pelas pescarias e caçadas que organizava), Gomes de Avelar (editor dos Cavacos das Caldas e ceramista local), os maestros do Club de Recreio (Gaspar e depois Taborda), e Mariano Pina. Por vezes também cavaqueavam no café da Adelaidinha da rua Direita - onde mais tarde ficaria a pastelaria Gato Preto. Nesta época, havia ainda as seguintes casas e ou conserveiras: a Maria Carolina de Albuquerque (Já existia em 1887), a Cavacaria Pires (abriu em 1892) e a Cavacaria Central (abriu em 1897) - ambas no largo das Gralhas (actual largo Dr. José Barbosa); a Gertrudes e a Mariana Rodrigues Valada (também citada em 1883 por Silvano Lopes) ambas na rua Nova; a Cecília Santos na rua Direita; a Viúva Nunes, a Cesária Coelho e a Mariana César já tinha casa aberta em 1884) - todas na então praça Maria Pia; a Jesuína Garcia na rua General Queirós; o Pedro Prudêncio (emblema do Gato Preto) na rua do jardim nº 52 - premiado na Exposição de Paris de 1900; e a Cavacaria Conde, situada primeiro na Praça Maria Pia e depois na rua Direita (actualmente rua da Liberdade), que desde 1895 anunciava um doce que já não se prova nos dias de hoje - os Pastéis de D. Leonor. As Irmãs Fausta influenciaram as gerações seguintes de doceiras que fizeram época sobretudo no 1º quartel do século XX, tais como: as Carneirinhas: a Jade: a Adelaide Augusta do Café Sport na praça da Republica; a Flor de Liz na Rua Heróis da Grande Guerra - depois na Av. da Independência Nacional e, nos anos 30, na praça da República; O Africano de Francisco António dos Santos - na Rua Almirante Cândido dos Reis; a Maria Regina Garcia Pereira - e mais tarde a sua filha Regina - no largo do Conselheiro José Filipe; e o Joaquim Machado, na rua Camões, que herdaria a tradição da antiga casa Fausta. Joaquim Machado desenvolveu a sua arte da doçaria, sobretudo, na primeira década do século XX (vendia as suas famosas trouxas a meio tostão cada), sendo dessa altura o BPI. A Cavacaria Machado, como ficou a denominar-se o estabelecimento, foi tomada de trespasse, em Maio de 1927, pela sociedade de Tiago Leopoldo Perez, que em Maio de 1928 adquiriu a denominação Tiago e Perez Lda.. Ainda hoje existe e é gerida por um neto deste último. In Bilhete Postal Ilustrado das Caldas da Rainha, de Vasco Trancoso
Cronologia 1840 – As irmãs Fausta come- res em Vigo que viria a casar com çam a trabalhar em doçaria junto ao Hospital Termal, transferindo-se depois para a R. Luís de Camões Inícios do século XX - Joaquim Machado fica com a pastelaria, onde antes era empregado das irmãs Fausta Década de 20 – José Perez entra na sociedade da Pastelaria Machado com uma quota de 30% 1927 – Nasce José Fernando Perez em Gondomar (Galiza), neto de José Perez, que viria a ser proprietário da Pastelaria Machado 1935 – Nasce Peregrina Mola-
José Fernando Perez
1944 – José Fernando Perez vem de Espanha para as Caldas e junta-se ao avô na pastelaria 1950 – Morre Joaquim Machado 1954 – Morre José Perez, avô de José Fernando Perez Década de 50 – José Fernando Perez compra parte na sociedade 1958 - José Fernando Perez e Peregrina Molares casam 1964 – José Fernando Perez torna-se o único dono da pastelaria 2000 – Morre José Fernando Perez. Viúva e filhos dividem entre si as quotas da sociedade.
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Em Óbidos a família Martinho nunca deixou de ampliar a A 14 de Dezembro de 1984 era inaugurada a Albergaria Josefa d’Óbidos. A primeira albergaria da vila nasceu da visão e persistência de António Silvério Martinho (19302000)que,porpassarbastantetempo em Óbidos, foi-se apercebendo que chegavam muitos autocarros com turistas que ali não permaneciam por não haver alojamento. António Silvério Martinho nasceu na Usseira em 1930 e ficou órfão de pai aos nove anos, altura em que teve que deixar a escola primária para começar a trabalhar para ajudar a mãe. Casou em 1954 com Maria Emília Rebelo, natural da Capeleira, e trabalhava como padeiro, contando com a ajuda da esposa no seu ofício. Entretanto abriu também uma loja de pesticidas junto à farmácia, à entrada de Óbidos, acumulando as duas funções. Mas como era um homem muito aventureiro, lutador e muito pouco satisfeito com a vida, António Silvério Martinho começou a pensar noutras formas de fazer negócio e também dar um futuro melhor aos seus dois filhos, Carlos e Zélia Martinho, actualmente com 55 e 44 anos, respectivamente. Depressa se apercebeu da potencialidade turística da vila. E se recusou uma primeira proposta de sociedade para fazer um hotel na “casa assombrada”, à entrada de Óbidos, ficou-lhe o interesse pela possibilidade de criação de uma unidade hoteleira. Umterrenocomumquintal,uma casa de madeira e uma adega antiga à entrada da vila, pareceu-lhe o ideal para concretizar o sonho. Falou com a esposa e filhos sobre o projecto e foi contactar com o proprietário, o tenente-coronel Justino Moreira a propor-lhe a compra. Justino Moreira viria a procurálo na sua loja de pesticidas onde lhe disse que “a sua atitude tinha sido louvável porque era uma obra que ia dignificar a vila e, como tal, iria vender pela primeira vez na vida um terreno” no”, recorda hoje Carlos Martinho. As negociações começaram em 1980 e seis meses depois é feita a compra. António Silvério Martinho adquiriu o terreno por 400 contos (perto de dois mil euros) e em Dezembro de 1984,abriram ao público as portas da albergaria. Os dois filhos estão na casa desde a sua abertura. Zélia, na altura com 18 anos, deixara de estudar e tinha ido trabalhar na recepção de um complexo de apartamentos em S. Martinho do Porto, para ganhar experiência no ramo, e viria a ser a primeira recepcionista da casa. Carlos Martinho tinha ido trabalhar para a Suíça para um casino (onde esteve durante dois anos) mas o pai, em 1980, foi chamá-lo para integrar o projecto. “Não fazia ideia nenhuma da
dimensão que iria ter, mas dediquei-me a isto porque é nosso e foi o meu pai que fundou” fundou”, conta agora Zélia Martinho, adiantando que é importante dar continuidade a este trabalho. Recorda que a hotelaria era uma área que desconhecia, mas que mesmo assim foram logo às agências de viagem dar a conhecer a albergaria. Zélia reconhece também que naquela época tudo era mais fácil. “Ag ora não era possível “Agora possível”, conta, destacando as exigências que são necessárias para a abertura de uma unidade, como a existência de um director hoteleiro. Foram-se especializando com o trabalho e agora conhecem muita gente no meio. “Há, inclusive, colegas que nos vêm pedir a opinião” opinião”, contam os irmãos. A mãe, Maria Emília, (actualmente com 74 anos) fazia o trabalho de limpeza da casa e também ajudava na cozinha. “Tratei sempre desta albergaria como cuidava da minha casa” casa”, diz a matriarca da família Martinho, adiantando que esta sempre foi a sua segunda casa e que isso mesmo é sentido pelos clientes, que ali se sentem bem.
António Silvério Martinho (1930-2000) foi o fundador da Albergaria Josefa d’Óbidos
sa os proprietários perceberam que a capacidade de oferta era pequena para a procura por parte das E não conagências de viagem. “E seguíamos, com este número de quartos rentabilizar o investimento” timento”, conta Carlos Martinho, adiantando que foi então que decidiram ampliar as instalações, de maneira a poderem ter no mínimo capacidade para alojar os passageiros de um autocarro. Compraram então uma parcela de terreno ao lado da albergaria, a
Maria Emília (viúva de António Martinho), e os filhos Carlos e Zélia, dão continuidade ao negócio iniciado há 26 anos
com a sala de pequenos almoços ampliada. Da parte de baixo do edifício existia uma garagem e, António Silvério Martinho, como era um bom cozinheiro, transformou-a em restaurante. Zélia Martinho recorda que este começou a funcionar de forma muito rudimentar. O piso ainda era de cimento e os pilares foram pintados com riscas amarelas e colocados vasos de flores, o tecto forrado com corticite das câmaras fri-
rado” rado”, recorda Zélia Martinho, acrescentando que as remodelações foram sendo feitas progressivamente, consoante as possibilidades. O pai, que viria a falecer em 2000, foi o primeiro cozinheiro da Adega da Josefa d’Óbidos e ali permaneceu durante cerca de três anos. Mas depois, como o trabalho era muito, optaram por contratar um cozinheiro e António Silvério Martinho passou a ocupar-se, entre outras coisas, das compras para a casa.
A Albergaria Josefa d’Óbidos (situada na Rua D. João de Ornelas) soprou 26 velas a semana passada. A empresa familiar, que nasceu em 1984 fruto da vontade de António Silvério Martinho, é actualmente gerida pelos filhos Carlos e Zélia Martinho, mas sempre com o apoio da mãe, Maria Emília Rebelo. Actualmente, os 1100 metros quadrados cobertos que compreendem o hotel, restaurante, bar e sala de reuniões, fazem dela a maior unidade hoteleira da vila de Óbidos. Na década de 90 a discoteca D’Ayala, que funcionava no piso inferior, junto ao restaurante, fez furor na região. Exemplo disso foram as passagens de ano que atraíram muita gente de fora, para se divertir ao som de disc-jockeys vindos de Lisboa. Os seus responsáveis continuam a adaptar o hotel às necessidades dos clientes, sendo disso exemplo as recentes remodelações, e também estão a iniciar-se no sector imobiliário, tendo já iniciado junto à vila a construção de quatro apartamentos turísticos para alugar. A DISCOTECA DE “SAPATINHO DE VERNIZ”
A Albergaria abriu com 14 quartos e um bar de apoio. Mas depres-
João Rodrigues (proprietário da agência funerária Tarzan), onde investiram em mais 22 quartos. A albergaria Josefa d’Óbidos ficava assim com um total de 34 quartos e
gorificas e as mesas feitas com as tábuas das cofragens da construção do edifício. “Durante alguns anos funcionou assim até que foi melho-
Mal a albergaria abriu as suas portas, Carlos Martinho começou a incutir no pai o “bichinho” que uma discoteca poderia ser uma boa aposta, porque a entrada de
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Óbidos no início do séc. XX. A Albergaria Josefa d’Óbidos seria erguida 80 anos depois no local assinalado.
dinheiro era imediata. A ideia começou a ganhar forma e viria a concretizar-se em 1985, com a abertura da D’Ayala. Esta viria a funcionar, sempre aos fins-de-semana, durante 14 anos, até Maio de 1999. “Ajudou-nos substancialmente do ponto de vista económico” nómico”, conta o responsável acerca do espaço nocturno que fez furor durante a década de 90 e que chegou a empregar 11 pessoas. A D’Ayala atraiu muita gente durante o seu funcionamento. Tivemos noites de rodar “Tivemos mais de mil pessoas” pessoas”, recorda Carlos Martinho, destacando que este espaço funcionava mais como uma discoteca de hotel. Era a única na região que tinha raios laser e disc-jockeys, normalmente vindos de Lisboa, e com conhecimentos musicais diferenciados. Era na discoteca que faziam a passagem de ano. Esta estava ligada ao restaurante e as pessoas podiam escolher a forma de brindar ao novo ano - quem queria as músicas mais calmas para dançar a dois, ficava no restaurante, e quem queria “abanar o capacete”
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albergaria criada por António Silvério
António Silvério Martinho foi durante muitos anos o dono da albergaria e o cozinheiro do restaurante
ia para a discoteca. A primeira noite de passagem de ano foi feita em 1986 e conseguiram encher o espaço com 340 pessoas a divertirem-se ao som de um disc-jockey. “Foi um êxito” êxito”, recordam os irmãos Martinho, adiantando que nos anos seguintes, entre outros convivas, atraíram pessoas como José Mourinho, que durante três anos seguidos ali passou o reveillon com a família e amigos. Carlos Martinho conta ainda que na última passagem de ano que o actual treinador do Real Madrid ali passou, veio propositadamente de um jogo que tivera em Coimbra para se juntar aos familiares que já lá estavam. A discoteca ficou conhecida em toda a região pelos eventos originais que promovia, tais como as passagens de modelos e noites de gala. Carlos Martinho lembra que ali decorreu, pela primeira vez na região, um desfile de momas com delos em lingerie, “mas um respeito e dignidade incrível” crível”, fez notar. O mentor da discoteca tem amigos que ainda hoje lhe dizem que traziam os sapatos engraxados dentro do carro e só os cal-
çavam para entrar na discoteca. É que ali era condição entrar de sapato e como não se podia entrar de ténis, até lhe chamavam a discoteca do “sapatinho de verniz”. Só na sua recta final, e com a agressividade da concorrência da GreenHill, é que começaram a facilitar a entrada, de modo a não perder clientes. APOSTA RECENTE NA CONSTRUÇÃO DE APARTAMENTOS
Em 1992, quando foi terminada a segunda fase da albergaria, o edifício foi avaliado em 600 mil contos (cerca de três milhões de euros). “Foi um grande investimento e muito doloroso para nós” nós”, disse Carlos Martinho, lembrando que na altura o juro estava a 35%. A sua irmã lembra que o investimento foi feito no ano em que o FMI esteve em Portugal para dizer que foi um ano de crise mas também de oportunidades. António Silvério Martinho mal sabia escrever o nome, mas era muito bom nas contas, lembram os filhos, destacando a capacida-
de empreendedora do pai. Por exemplo, na altura em que foi necessário ir ao Fundo de Turismo para pedir apoios para a albergaele acabou por arranjar ria, “ele amigos pois achavam curiosa a sua tenacidade e a persistência de querer vingar” vingar”, destacam. O patriarca da família, porque não tivera oportunidade de estudar em pequeno, viria a fazer o exame da quarta classe à noite em 1956 numa época em que não havia Novas Oportunidades. Tinha então 26 anos. Há dois anos o restaurante da Josefa D’Óbidos, com capacidade para 250 pessoas, sofreu a última remodelação e em Fevereiro deste ano,foi a vez de dar um novo ar à recepção e a 10 quarTemos que inovar para tos. “Temos não saturarmos” saturarmos”, dizem. Os clientes também gostaram da mudança e têm-no feito sentir aos proprietários. Recentemente também alteraram a forma de confecção culinária, adoptando a “nouvelle cuisine”, mas com mais quantidade. No início, em 1984, trabalhavam na albergaria a família e mais três empregados. Actualmente são 18 os trabalhadores, mas já chegaram
A discoteca D’Ayala foi uma referência nos anos 90 e era famosa também pelas suas passagens de ano.
a ser 22. “A crise força-nos a isso”, dizem os irmãos, que pasisso” saram a ter um horário maior na casa que começou por ser uma empresa em nome individual, denominada Albergaria Josefa d’Óbidos de António Silvério Martinho. Em 1996 formaram uma sociedade por quotas, entre os quatro familiares, que apelidaram Josefa d’Óbidos Empreendimentos TurísticosLda.Amãeéactualmente a sócia maioritária e “nada se faz sem o consentimento dela” dela”, dizem os filhos, que preferiram não revelar qual o montante de facturação. A sociedade aposta agora numa outra vertente - a construção. Estão a construir quatro apartamentos para alugar junto a Óbidos. “Estamos a fazer devagar, sem recurso a empréstimos” empréstimos”, explica Carlos Martinho, adiantando que continuam a aplicar os velhos princípios do pai, isto é, investir sempre com capital próprio para não ficar a dever nada a ninguém. Na albergaria são recebidos clientes de todo o mundo e durante todo o ano. No entanto destacam que nos últimos tempos têm atraído muitos grupos de japoneses, russos e brasileiros, além dos portugueses. Nesta casa há várias épocas altas ao longo do ano, e o Natal é uma delas. Os eventos que se realizam em Óbidos também têm ajudado na procura de alojamento. O Festival do Chocolate e a Vila Natal “vieram trazer uma mais valia à ocupação em Óbidos” Óbidos”, dizem, mas a crise também já se começa a reflectir e agora notase mais a afluência ao fim-desemana. Cada um dos irmãos Martinho tem duas filhas. Ainda são pequenas, mas Carlos diz que gostaria que estas dessem continuidade à casa e que a família Martinho continuasse na hotelaria. Fátima Ferreira fferreira@gazetacaldas.com
Josefa é nome de bolo e bebida da casa As Josefas, pequenos bolos semelhantes a pasteis de feijão, foram uma criação da casa, logo nos seus inícios. Maria Emília lembra que os clientes perguntavam porque não criavam um bolo e, com a ajuda de um antigo funcionário, Álvaro Silva (actualmente um dos proprietários do Restaurante Alcaide) inventaram o doce. Durante alguns anos foi a marca da casa que levavam para as feiras em caixas com o logótipo da Vendemos milhares de Josefas, mas depois Albergaria. “Vendemos acabámos por desistir porque havia muito trabalho e não tínhamos disponibilidade para ir para as feiras” feiras”, lembra Carlos Martinho. O empresário recorda ainda um certame de doçaria que decorreu na FIL, em Lisboa, em que logo no primeiro dia venderam todo o stock que tinham previsto para os três dias e tiveram que fazer mais. Josefa, nome da pintora obidense dá o nome à albergaria, foi também utilizado para baptizar a bebida da casa, um cocktail que ainda hoje “sai muito bem” bem”, diz Zélia Martinho, escusando-se a revelar os segredos que o compõem. A bebida foi também criada por Álvaro Silva, com a ajuda de Carlos Martinho. A dupla foi ainda responsável por uma outra bebida - a D’Ayala - feita de propósito para a discoteca. Sobre o funcionário Álvaro Silva que esteve na base destas criações, Zélia Martinho lembra que este começou a trabalhar na albergaria logo na sua construção, como servente de pedreiro porque depois queria ficar a trabalhar no espaço como barman até inícios da década de 90. “Ele era um bom profissional” sional”, acrescenta a mãe, Maria Emília. F.F.
Cronologia 1930 – Nasce António Silvério Martinho, que irá construir a Albergaria Josefa d’Óbidos 1980 – Começam as negociações e é feita a aquisição do terreno à entrada de Óbidos, pertença do tenente-coronel Justino Moreira 1984 – A 14 de Dezembro é inaugurada a albergaria Josefa d’Obidos 1985 – Abertura da discoteca D’Ayala, que funcionou aos fins-de-semana até Maio de 1999 1992 – Termina a construção da segunda fase da albergaria, dotando-a de um total de 34 quartos 1996 – Os filhos Carlos e Zélia Martinho integram formalmente a empresa, que passa a chamar-se Josefa d’Óbidos Empreendimentos Turísticos Lda 2008 – Ultima remodelação do restaurante, na ordem dos 75 mil euros 2010 – Conclusão da mais recente remodelação da unidade hoteleira, com a redecoração da recepção e dez quartos num investimento de cerca de 20 mil euros 2010 – Construção dos primeiros quatro apartamentos para alugar junto à vila
Aspecto do restaurante. Hoje a albergaria ocupa mais de mil metros quadrados cobertos e é composta por hotel, restaurante, bar e sala de reuniões
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
A. Marques, Lda – a carroça do António transformou-se n
Maria da Nazaré e o marido, António Marques foram os fundadores da firma
Apesar da A. Marques, Lda apenas ter sido oficialmente estabelecida como empresa em 1990, a sua história confunde-se com a do seu próprio fundador, António Marques. Com apenas 11 anos de idade, deixou o pequeno lugar de Segade, no concelho de Miranda do Corvo, onde nascera em 1937, para aprender no Oeste a profissão de vendedor ambulante de azeite e petróleo. José Dias, natural da mesma freguesia, era distribuidor de azeite e estava há alguns anos estabelecido nas Caldas da Rainha e foi quem trouxe António Marques, não para as Caldas, mas para o Bombarral. Naquele tempo quase não havia automóveis e a venda era feita numa carroça puxada por uma mula. Nos primeiros meses António Marques andou acompanhado, ou por um colega, ou pelo próprio patrão, mas ao fim de menos de um ano ganhou a confiança de José Dias, passando a andar sozinho nas voltas. A aprendizagem estava completa, mas já não voltou para a terra. Os 13 anos de idade foram feitos nas Caldas da Rainha onde, entretanto, passou a morar na Rua 31 de Janeiro, tendo ali começado o negócio da sua vida. O dia começava às 5 horas da manhã para dar de comer à mula e preparar a carroça. Às 7 horas estava a caminho, quer o sol brilhasse, quer estivesse a chover. “Não me lembro de ter deixado uma volta por fazer por causa do mau tempo” tempo”, recorda António Marques. A carroça não lhe dava protecção para a chuva “e os Invernos eram muito maiores do que estes” estes”, acrescenta. Para o caminho levava uma bucha e ração para o animal, até porque o dia era longo e havia muitos quilómetros para percorrer e clientes para visitar. O regresso era já noite dentro, porque não deixava ninguém para
trás. “Se algum estivesse na fazenda eu continuava a volta e regressava depois” depois”, conta. Cada dia tinha um percurso diferente. Para além dos clientes na cidade, havia voltas pelas diversas aldeias do concelho das Caldas da Rainha, mas também
Depois de casar, António Marques mudou-se para o Bairro dos Arneiros, mais tarde para a Rua Formosa e em 1962 fixou-se na Rua Henrique Sales. Foi ali que começou o processo de separação do patrão para começar a trabalhar por conta própria. Arrendou uma casa - que
Teresa Marques (nora dos fundadores) e Vítor Marques (filho) presidem agora aos destinos da empresa
e foi esse o valor que José Dias pediu para se fazer o negócio. “Mais que isso tinha eu a receber das comissões, mas não tinha coragem de lho dizer e foi a minha mulher que lhe fez ver as coisas” coisas”, conta António Marques. Resolvido este assunto entre
seguia comprar a primeira motorizada, com um atrelado, que permitia não só aumentar as distâncias percorridas, como o volume de produtos transportado em relação à bicicleta. Dos tempos em que utilizou a motorizada, conta que só teve um acidente mais grave, em Óbi-
A A. Marques, Lda é uma das empresas de distribuição de bebidas de referência na região Oeste e é a maior distribuidora do país das bebidas do grupo Sumol + Compal, estando presente em 15 concelhos dos distritos de Leiria, Lisboa e Santarém. Esta empresa conta com mais de 2.600 clientes e tem um volume de negócios que ascende aos 6 milhões de euros. Mas tudo começou com uma carroça e uma mula, há 52 anos atrás. António Marques, de 71 anos, foi o fundador e dá nome à empresa que hoje é gerida pelo filho, Vítor Marques, de 46 anos, e a esposa, Teresa Marques, de 47 anos. nos concelhos vizinhos. Chegava a ir à Delgada, Baraçais, Olho Marinho, Atouguia da Baleia, Paínho. Desses tempos guarda a confiança que havia entre as pessoas: “as cozinhas estavam sempre abertas, eu entrava, recolhia o garrafão de petróleo e a garrafa de azeite, deixava lá e sabia que depois eles pagavam, criei uma confiança muito grande com as pessoas e hoje tenho grandes amizades por isso” isso”. Dias de descanso também não havia. Os sábados, feriados e dias santos eram iguais aos outros. Ao domingo a única coisa que mudava era a volta: pegava numa carroça diferente e ia vender azeitona. POR CONTA PRÓPRIA EM 1962, NA RUA HENRIQUE SALES
Quando casou com Maria da Nazaré, em 1961, António Marques continuava a trabalhar para José Dias, mas à comissão. Já tinha um armazém, ainda na Rua 31 de Janeiro, em frente ao Thomaz dos Santos. O espaço era dividido com um colega, Alfredo, que também trabalhava para o mesmo patrão.
servia de habitação e armazém em seu próprio nome, o que desagradou a José Dias. “Ele queria que eu tivesse arrendado a casa em nome dele. Levava por semana 200 a 300 contos [1.000 a 1.500 euros] do trabalho que eu fazia, mas nunca chegava a altura de fazer as contas da minha comissão” comissão”, conta António Marques. Em início de vida de casado o atraso nos pagamentos era, no mínimo, desagradável para António Marques, até porque das várias voltas que fazia, apenas duas lhe foram dadas pelo patrão. “As voltas dos outros dias fui eu que as arranjei, a clientela era minha” minha”, sublinha. Foi em conversa civilizada em volta de uma mesa - depois de uma ida ao Campo da Mata para assistir a um jogo de futebol que as coisas se resolveram. A relação de amizade e a gratidão de António Marques por José Dias - “devo-lhe muito, porque se foram os meus pais que me criaram, foi ele que me ensinou a ser comerciante” - impediam-no de confrontar o patrão e por isso foi Maria da Nazaré quem tomou a iniciativa. As voltas que António Marques tinha angariado foram avaliadas em 75 contos [375 euros],
empregado e patrão, é em 1962 que António Marques começa o seu próprio negócio, em nome individual, contando com a ajuda da esposa, Maria da Nazaré. António continuava nas voltas a vender porta a porta pelas aldeias e pela cidade, agregando mais alguns produtos de mercearia ao rol transportado na carroça. A esposa ficava no armazém, a preparar as coisas da volta e a vender ao público no lugar de frutas e hortaliças criado também no número 48 da Rua Henrique Sales. “A minha mulher fartava-se de trabalhar, tinha uma clientela boa, se arranjámos alguma coisa na altura foi graças a ela” ela”, realça António Marques. A presença na cidade também permitiu alargar horizontes. Aproveitando a proliferação de tabernas na altura, António Marques começou a explorar esse potencial, para onde vendia não só bebidas espirituosas, como produtos de limpeza. A volta na cidade começou com uma bicicleta pasteleira equipada com duas albardas onde conseguia colocar 10 garrafões. “A roda da frente até levantava” levantava”, recorda. Com a evolução do negócio, em 1967 António Marques con-
dos, na curva dos Arrifes. “Vinha da volta, por isso trazia os garrafões vazios, o atrelado soltou-se e foi bater num carro. Partiu-se tudo, mas felizmente ninguém se magoou e os estragos foram pagos pelo seguro” seguro”, conta. PRIMEIRO AUTOMÓVEL PERMITIU EXPANDIR O NEGÓCIO
À moto seguiu-se a necessidade de comprar um carro… e tirar a respectiva carta de condução. Como era sozinho nas voltas, não podia parar de trabalhar para ter as aulas. “Quando andava nas aldeias pedia páti-
os emprestados para deixar a carroça e uma bicicleta para ir ter a aula” aula”, conta. Conseguiu a carta à terceira tentativa e em 1970 comprou o primeiro furgão, uma Volkswagen “pão de forma”, na qual passou a fazer as voltas da venda porta a porta, abandonando assim a carroça e a mula. O automóvel permitiu aumentar as vendas, o que por sua vez aumentou o poder negocial com os fornecedores. Com preços mais competitivos e um leque de produtos cada vez mais abrangente, passou não só a vender a retalho, no porta a porta, como a fazer venda por grosso para cafés e mercearias. António Marques recorda ainda o primeiro negócio maior que fez: “foi uma camioneta de sal em caixas de 30 quilos, foi um instante enquanto as vendi” vendi”. Para estes negócios de compras em grande quantidade, a esposa tinha um papel fundamental, sublinha. “Ela sempre foi muito poupada, punha de parte algum dinheiro como se fosse o ordenado dela e quando precisava de comprar quantidades grandes para ter bom preço, perguntava-lhe se ela tinha e ela arranjava o dinheiro” dinheiro”. Em 1973 António Marques e Maria da Nazaré então já com os dois filhos, Ana Marques e Vítor Marques (na altura respectiva-
O stand da firma nas feiras da Expoeste no início dos anos noventa
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no maior distribuidor da Sumol + Compal em Portugal mente com 11 e 8 anos) e mudam-se para o Avenal. Tal como na Rua Henrique Sales, a nova casa serve de habitação, armazém e lugar de frutas e hortaliças. Dois anos mais tarde, depois de adquirirem o lote em frente, abrem um café e melhoram a mercearia, aproveitando o crescimento do bairro. Ambos os estabelecimentos ainda hoje existem e estão na família. À medida que os tempos foram evoluindo, também o negócio foi mudando. O mercado grossista começou a ganhar maior relevo face às vendas a retalho no sistema porta a porta, que foram decaindo com o surgimento de mercearias um pouco por todo o lado e também pela crescente facilidade de deslocação das pessoas. Esta vertente acabou mesmo por ser abandonada em 1989. Também a família se foi inte-
grando cada vez mais no negócio, com o crescimento dos filhos. Ana e Vítor Marques sempre aproveitaram todos os tempos livres para ajudar os pais no negócio e integraram-no em definitivo quando concluíram o 12.º ano de escolaridade. Quando Ana Marques casou, Carlos Rebelo, o marido, também integrou o negócio. No que a produtos diz respeito, a oferta continuou a alargar. “Comecei a negociar em tudo: papel higiénico, caixas de azeite, bebidas espirituosas, bacalhau, detergentes” detergentes”, enumera António Marques. CONCORRÊNCIA DAS COOPERATIVAS LEVOU À ESPECIALIZAÇÃO
Foi na segunda metade da década de 80, com o surgimento das cooperativas, como a Coopercaldas, nas Caldas da Rainha, e a
Coopermonte, no Cadaval, que a família Marques teve que tomar uma decisão: ou continuava com o comércio por grosso, mas num local fixo montando um cash and carry; ou especializava-se numa área de negócio. Foi esta segunda via a escolhida, até porque António Marques já estava de olho na distribuição dos produtos da Sumolis (as bebidas Sumol e 7 Up). “Sabia que o distribuidor para Caldas da Rainha e Óbidos estava a passar por dificuldades e ia ter que fechar, contactei a Sumolis e eles entregaram-me a representação em 1987” 1987”, conta António Marques. Este foi um grande ponto de viragem do negócio da A. Marques. Apesar de continuar a trabalhar em nome individual, António Marques chamou o filho Vítor Marques (então já com 22
anos) para gerir a representação da Sumolis, passando a dedicar-se a outros produtos, como os vinhos e bebidas espirituosas. “E foi assim que a empresa cresceu, com o nosso esforço” ço”, sustenta António Marques. Para receber a Sumolis, foi preciso criar novas condições. O armazém que tinha em casa era demasiado pequeno e por isso foram compradas duas lojas no Casal da Cruz, no Avenal, que depressa se revelavam igualmente pequenas. Em 1988 alugaram um armazém ao cimo da ladeira dos Calços, na Lagoa Parceira, e dois anos depois, em 1990, eram construídos armazéns próprios na Lagoa Parceira, onde ainda hoje a empresa se encontra, com uma área coberta de 1.000 metros quadrados e 1.500 metros quadrados de parque. O ano de 1990 foi também o da criação da empresa A. Marques,
Lda. como sociedade por quotas, com os sócios António Marques, a esposa Maria da Nazaré, o filho Vítor Marques e o genro Carlos Rebelo. A empresa aglutinava todos os negócios da família: a representação da Sumol, o mini mercado e o café. Até aos dias de hoje a sociedade sofreu algumas alterações. Em 1997 fez-se a separação das actividades. A A. Marques, Lda passou a fazer apenas distribuição de bebidas, tendo por sócios António Marques, Maria da Nazaré e Vítor Marques, sendo criada a empresa Calisto Marques, Lda, de António Marques, Maria da Nazaré e Ana Marques, para gerir o café, o mini mercado e a distribuição do café Nicola. Em 2009, António Marques e Maria da Conceição cederam as quotas das respectivas empresas aos filhos e hoje a A. Marques, Lda tem como sócios Vítor Mar-
Representação da Sumol foi enorme passo para a empresa Quando em 1987 António Marques conseguiu convencer a Sumolis a entregar-lhe a representação, estava longe de imaginar a dimensão que o seu negócio viria a atingir no futuro. É o próprio que o afirma: “nunca pensei que chegássemos a ter o património e as representações que temos, é um orgulho muito grande, tanto pela parte comercial, como por ter a família que tenho” tenho”. Nestes 23 anos, tem havido uma grande evolução da empresa, em diversos campos, tanto nos produtos, como na área de actuação e ainda na forma de actuar. A empresa começou a trabalhar em regime de auto-venda, com três trabalhadores: Vítor Marques, o cunhado Carlos Rebelo e um colaborador. “Levávamos as coisas no carro e vendia-se o que estava na carrinha, fomos os primeiros na região nesta área de negócio a trabalhar em prévenda, com pessoas especializadas na venda e serviço de entrega” entrega”, conta Vítor Marques. Foi em 1990 que este sistema foi introduzido, seguindose, dois anos depois, a introdução de aparelhos PDA , no qual foram também pioneiros. Também a gama de produtos associados à Sumolis foi crescendo. Em 1987 a gama era ainda reduzida. Além das garrafas de 25 centilitros e de 1 litro de tara retornável de Sumol e 7 Up, começavam também a surgir estas bebidas em lata e também os primeiros néctares, da Compal e da Frami, em latas de 6 oz (125 mililitros). “O consu-
ques. A Xavier Marques foi-se desenvolvendo à mesma medida da A. Marques, no que a território diz respeito, contando já com 230 máquinas espalhadas pelos mesmos concelhos, dando emprego a cinco pessoas. Nesta área a empresa conta com a Nestlé como principal parceiro de negócio, tendo-se A sede da empresa tem dimensões modestas, mas a frota dá uma ideia da especializado não só em máquiimportância da actividade distribuidora. nas de moedas, como em máquinas de chocolate quente e mo destas bebidas estava significaria para a A. Marques, os 6 milhões em 2010. capuccino para pastelarias, ainda pouco desenvolvida Lda a perda de 50% do seu voluApesar das vendas relaciona- área na qual tem representaporque a oferta era muito me de facturação, mas o novo das com aquele grupo represenção exclusiva da Nestlé na sua pouca, mas foi-se desenvol- grupo decidiu manter, e mes- tarem 80 por cento da facturaárea de actuação. vendo com o tempo” tempo”, conta mo reforçar, a confiança na em- ção da A. Marques, a empresa preocupou-se em completar a presa caldense. Vítor Marques. FILHOS PODEM DAR “O estudo indicava que oferta com outras bebidas. “TeDe forma gradual, a empresa CONTINUIDADE A UM foi também expandindo o seu todo o litoral e grandes cen- mos parceiros como a CarNEGÓCIO DE FAMÍLIA território. Começou em 1987 nos tros deveria ser feito direc- valhelhos, com quem trabaconcelhos de Caldas e Óbidos e tamente por eles, mas o que lhamos há 20 anos, ou a ParCom três filhos, João, Diogo mais tarde a Sumolis foi entre- é certo é que nos convida- malat, e tivemos a preocupa- e Mariana, todos ainda estugando à A. Marques, Lda a dis- ram para fazer parte deste ção de criar um portfolio dantes, Vítor Marques acredita tribuição noutros concelhos. Pri- projecto novo e foi uma com vinhos da cada região que o futuro desta empresa terá meiro Peniche, depois Rio Mai- grande prova de confiança demarcada para ter uma continuidade na família. or, Bombarral, Lourinhã e Cada- e também um grande desa- oferta mais completa para “Haverá sempre uma persval, mais tarde Cartaxo e Azam- fio que temos vindo a agar- os nossos clientes” clientes”. pectiva de algum deles vir a buja. “Houve uma evolução rar” rar”, considera o empresário. Apesar do cenário de recesfazer parte da empresa e normal, foram-nos entreganNão só a A. Marques, Lda é a são, as perspectivas de Vítor agarrar os seus destinos, do mais território fruto do única empresa do litoral e gran- Marques são que os resultados porque empresas familiares trabalho que fomos desen- des centros a ter a representa- de 2010 se possam manter, são isso mesmo, mas com a volvendo e também de coisas ção da Sumol + Compal, como “através da consolidação de consciência que o caminho que correram menos bem recebeu mais território que an- clientes e referenciando mais terá que ser escolhido por com outros distribuidores tes era feito por estas empre- artigos aos nossos clientes” clientes”. eles e não imposto por nós que actuavam em territórios sas, nomeadamente Alcobaça, Aproveitando as sinergias pais”. pais” contíguos ao nosso” nosso”, explica Nazaré, Santarém, Carregado, criadas pela A. Marques, Lda, Dos três, Diogo Marques, de Vítor Marques. Alenquer e Torres Vedras. em 1998 Vítor Marques e Tere- 20 anos, que estuda Gestão, é o É no final de 2008 que a emO peso desta fusão na vida sa Marques lançaram a empre- que está numa área que melhor presa sofre a maior transforma- da A. Marques reflecte-se na di- sa Xavier Marques, de explora- se enquadra ao trabalho da emção, por força da fusão entre a ferença dos números de 2008 e ção de máquinas de venda di- presa. João, de 23 anos, estuda Sumol e a Compal. Curiosamen- 2009. Os funcionários aumenta- recta. Bioquímica e Mariana, com 12 “Foi uma oportunidade de te, na altura da fusão um estudo ram de 27 para 38, passando a anos, está no 7º ano. apontou como melhor estraté- 35 em 2010. A facturação aumen- negócio que se ligava com a gia uma abordagem directa ao tou de 3,55 milhões de euros n o s s a á r e a e d e c i d i m o s J.R. mercado, o que, a confirmar-se, para 5,7 milhões, subindo para avançar” avançar”, conta Vítor Mar-
ques, a esposa Teresa Marques e os filhos João, Diogo e Mariana Marques. Nos 23 anos de representação da Sumol, a empresa aumentou de três trabalhadores para 40 e tem uma frota de 30 carros. Fechou 2010 comercializando 350 referências de bebidas, que são entregues em 24 horas a uma lista de 2.600 clientes activos, e registou uma facturação recorde de 6 milhões de euros, que faz da A. Marques, Lda o maior distribuidor da Sumol + Compal no país. Um estatuto que Vítor Marques atribui “ao esforço e dedicação de todas as pessoas que colaboram connosco e que contribuíram para que a empresa chegasse onde hoje está” está”. Joel Ribeiro jribeiro@gazetacaldas.com
Cronologia 1937 – Nasce António Marques em Segade (Miranda do Corvo) 1948 - António Marques vem para o Bombarral aprender o ofício de vendedor ambulante 1962 - Estabelece-se em nome individual como vendedor porta a porta, com armazém e lugar de frutas na Rua Henrique Sales 1973- Passa para o Avenal, também com armazém e lugar de frutas e hortícolas 1975 - O lugar de frutas passa a mini-mercado e abre um café (actualmente designado Café 2001) 1987- António Marques garante a representação da Sumolis. Aluga duas lojas no Casal da Cruz, Avenal, como armazém. 1988- Aluga um armazém maior na Ladeira dos Calços (Lagoa Parceira) 1989- A venda porta a porta em retalho é abandonada 1990- É criada a sociedade por quotas A. Marques, Lda, tendo como sócios António Marques, Maria da Nazaré, Vítor Marques e Carlos Rebelo. É construído um novo armazém na Lagoa Parceira 1997- O café e o mini-mercado saem da gestão da A. Marques , Lda. e pasa a depender de nova sociedade formada por António Marques, Maria da Nazaré e Vítor Marques 1998- Vítor Marques e Teresa Marques criam a Xavier Marques, Lda 2009- António Marques e Maria da Nazaré cedem as quotas ao filho Vítor Marques. A A. Marques, Lda passa a ter como sócios Vítor Marques, Teresa Marques, João Marques, Diogo Marques e Mariana Marques
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
O advogado João Frade e a cabeleireira Maria do Na que o pai e marido construiu
João Jesus Frade (1952-2008) foi o relojoeiro que fundou a ourivesaria e joalharia Frade
Em 2011 a ourivesaria e relojoaria Frade celebra o seu 29º aniversário, mas já não é o seu fundador, João Jesus Frade, que está à frente do negócio. Depois da morte do relojoeiro e ourives, em 2008, a família assumiu os destinos da loja, com a designação social João Jesus Frade Herdeiros, mantendo assim viva a sua memória. Desde 1991 que a relojoaria e ourivesaria está no número 1 do Largo Heróis de Laulila, mas a primeira loja abriu em 1981, a poucos metros, na rua da Nazaré. Durante algum tempo as duas lojas funcionaram lado a lado, mas o primeiro estabelecimento acabaria por fechar quando o relojoeiro morreu. João Jesus Frade nasceu em Mira (distrito de Coimbra) em 1952. Depois de terminar o cur-
so de relojoaria, veio trabalhar para as Caldas da Rainha no final da década de 70, como reNessa altura houlojoeiro. “Nessa
mento conheceram-se pouco depois do jovem técnico ter vindo para as Caldas, através de amigos comuns. Casaram-se
Maria do Nascimento e o seu filho João Pedro Frade asseguram a continuidade do negócio, embora não exerçam a actividade
sua própria casa, e por isso ficou muito contente contente”, recordou a mulher, embora salientando que o seu marido era uma
belecimento onde estava antes era pequeno e ele já se sentia um pouco apertado, até porque começou a
Em 1981 João Jesus Frade, natural de Mira, abriu nas Caldas da Rainha, a sua primeira relojoaria na rua da Nazaré. Dez anos depois abria a poucos metros, no largo Heróis de Naulila, a ourivesaria e joalharia Frade, onde continuou a exercer a sua arte e passou também a vender peças em ouro e prata. Depois do seu falecimento, em 2008, seria o filho mais velho, João Pedro, e a sua mãe, Maria do Nascimento, a assumirem o negócio, embora tenham contratado um funcionário para estar na loja. Apesar de ser advogado, João Pedro Frade foi quem sempre se interessou pela relojoaria e em criança chegava a desmontar e montar relógios às escondidas. Mas a sua irmã, Ana Sofia, também sabe fazer algumas das tarefas mais simples.
ve uma grande migração de relojoeiros e ourives da zona Centro para a nossa região gião”, recorda o filho, João Pedro Frade. João Jesus e Maria do Nasci-
em 1975 e em 1982 João Jesus Frade decidiu abrir a sua própria relojoaria na rua da Nazaré, num local onde antes existia uma barbearia de Manuel Era o sonho dele ter a Faca. “Era
pessoa muito reservada. Só quando decidiu mudar o estabelecimento para o largo Heróis de Laulila, em 1991, é que a loja passou a ser tamO estabém uma ourivesaria. “O
vender também algumas peças em prata e ouro ouro”, contou Maria do Nascimento Frade. A primeira loja esteve algum tempo fechada, até que João
Jesus acabou por contratar uma funcionária para a reabrir, preservando a memória da antiga relojoaria e a arte que era a Vinham sua grande paixão. “Vinham pessoas de toda a região aqui porque a qualidade do trabalho dele era reconhecido cido”, recorda Maria do Nascimento Frade. A loja original fecharia definitivamente com a morte de João Jesus Frade, mas o mais recente estabelecimento comercial mantém essa maior vocação para a relojoaria do que para a ourivesaria, apesar de terem também algumas peças preciosas à venda e de fazerem também compra de objecA nossa espetos em ouro. “A cialidade é sem dúvida a relojoaria lojoaria”, garante o herdeiro. No entanto, com a abertura
A família depois da cerimónia da benção das fitas da filha mais nova em Faro e na foto ao lado num fim-de-semana em Peniche durante a década de 80
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ascimento garantem a continuidade da relojoaria de vários estabelecimentos dedicados à compra de ouro, esta última vertente perdeu algum O preço do ouro interesse. “O está tabelado, mas como fazem uma publicidade agressiva as pessoas optam por esse tipo de casas casas”, comentou João Pedro Frade, que não acredita na viabilidade de todos estas casas dedicadas à compra daquele metal. Depois de terem feito publicidade na Gazeta das Caldas a anunciar que compravam artigos em ouro e relógios antigos, foi em relação aos relógios que houve mais pessoas inNas teressadas em vender. “Nas Caldas há dois ou três coleccionadores que dão valor a estas peças, mas esse é um mercado que tem estado parado devido à crise crise”, comentou o filho do fundador da relojoaria. Também a venda de peças em ouro e prata tiveram uma grande quebra nas vendas. Quando João Jesus Frade faleceu, em 2008, a sua mulher e filhos decidiram continuar com a ourivesaria e relojoaria a funcionar. O filho mais velho, João Pedro Frade, chegou a estar algum tempo com a ourivesaria, mas como é advogado passou apenas a gerir o negócio em conjunto com a sua mãe. Contrataram um funcionário, João Santos, que tem vindo a aprender os procedimentos necessários, para além de recorrerem a outras pessoas especializaMas neste momento das. “Mas
grande parte dos trabalhos voltaram a ser feitos aqui na ourivesaria ourivesaria”, garantiu João Pedro Frade. “PEGAMOS NUM RELÓGIO QUE NÃO FUNCIONA, DESMONTAMOS E CONSEGUIMOS QUE ELE COMECE A TRABALHAR OUTRA VEZ VEZ”
A mulher de João Jesus Frade, Maria do Nascimento, nasceu em Alvorninha em 1952 e tem um salão de cabeleireiro. Depois de ter trabalhado noutros salões nas Caldas, abriu, com uma sócia, o seu próprio estabelecimento em 1983. O Salão Azul funciona desde a sua abertura na rua Heróis da Grande Guerra. A mulher sempre ajudou o seu marido na ourivesaria, tratando do aspecto da montra e da limpeza da loja. Na altura do Natal também ajudava no atendimento ao público, como toda a família. Nascido em 1977, João Pedro Frade desde pequeno que se lembra do estabelecimento comercial do seu pai para onde ia quando regressava da escola primária da Encosta do Sol. Lembro-me de vir com os “Lembro-me meus amigos até cá abaixo e depois a seguir ia almoçar a casa com os meus pais pais”, recordou. Logo desde criança começou a achar curioso observar o pai enquanto ele desmontava e arFiquei semranjava relógios. “Fiquei
pre com esse interesse pela relojoaria. Acho piada à forma como pegamos num relógio que não funciona, desmontamos e conseguimos que ele comece a trabalhar outra vez vez”, referiu. A sua mãe também se lembra da forma como João Pedro levava para casa, às escondidas, alguns relógios para desfazer os seus armontar e “fazer ranjos ranjos”. João Pedro Frade começou a ajudar o pai na ourivesaria durante umas férias de Verão, quando ainda estava na escola primária porque queria juntar dinheiro para comprar um computador (numa altura em que esta ferramenta ainda não estava ao alcance de toda a genFiz um acordo com o te). “Fiz meu pai, que me dava algum dinheiro por cada dia que estivesse na loja loja”, mas como era criança, apenas fazia companhia e tratava de alguns recados. A partir da adolescência passou a trabalhar mais a sério na ourivesaria ao fim-de-semana e nas férias da escola. Principalmente na altura no Natal, quando havia mais movimento na loja. Mesmo quando foi estudar Direito para Lisboa continuou a ajudar o pai ao sábaEle sempre quis fazerdo. “Ele me ver como era ter de trabalhar, mas também passei aqui bons momentos momentos”, disse. Para além de ajudar no atendimento, João Pedro Frade aprendeu a fazer pequenas ta-
refas como trocar braceletes e pilhas dos relógios. Ao fim de algum tempo começou também a fazer trabalhos mais complexos nos relógios. A relojoaria é uma paixão de família e João Pedro Frade tem uma colecção de relógios de bolso antigos em casa, alguns dos quais recuperados pelo pai. A filha de João Jesus e Maria do Nascimento Frade, Ana Sofia, nasceu no mesmo ano em que a o pai abriu a relojoaria e é educadora de infância no AlO meu pai sempre me garve. “O puxou mais a mim para estar na ourivesaria, mas ela também ajudava ajudava”, contou João PeA minha filha semdro Frade. “A pre teve mais jeito para atender as pessoas. Vinha para aqui muitas vezes aos sábados e nas férias férias”, acrescentou a mãe, adiantando que Ana Sofia também sabe executar algumas tarefas simples da actividade de relojoeiro. OURIVESARIA PRESIDE À ASSOCIAÇÃO COMERCIAL
O filho do fundador da ourivesaria licenciou-se em Direito na Universidade Lusíada em Lisboa e é actualmente advogado. Terminada a licenciatura em 2003, estagiou em Coimbra e Lisboa, tendo trabalhado em duas sociedades de advogados. João Pedro Frade nunca se interessou pela possibilidade de se formar na área da relojoaria e o próprio pai nunca o incentivou a isso. No entanto,
com o falecimento do pai, acabou por se dedicar em parte a esta actividade e procurado também aprender mais sobre o ofício, tendo até adquirido alguns livros da especialidade para serem consultados pelo funcionário da loja. Como não temos o co“Como nhecimento que o meu pai tinha, tivemos de inovar e procurar as técnicas mais recentes recentes”, disse. Têm apostado na modernização dos equiAinda esta semapamentos. “Ainda na comprámos uma nova máquina de limpeza por ultra-sons tra-sons”. É em representação da ourivesaria que João Pedro Frade ocupa actualmente o cargo de presidente da Associação Comercial dos Concelhos das Caldas da Rainha e Óbidos (ACCCRO), já no segundo mandato. As ourivesarias e relojoa“As rias são sectores que não foram afectados pelas grandes superfícies, embora já existam alguns centros comerciais com lojas destas destas”, comentou. A principal preocupação do sector acaba por ser a segurança. Por causa do valor das peças que comercializam, estas lojas têm sido um dos alvos preferenciais dos ladrões e da criÉ por minalidade violenta. “É isso que são dos estabelecimentos comerciais com mais segurança, como a videovigilância e as grades de protecção protecção”, referiu. Para João Pedro Frade, caso os assaltos
violentos continuem, as ourivesarias terão que se adaptar e funcionar com ainda mais segurança, nomeadamente através de cofres de abertura retardada para objectos mais valiosos e restrições no acesso ao Esperemos que seu interior. “Esperemos não seja preciso chegar tão longe, mas caso seja necessário os próprios comerciantes serão capazes de se adaptar adaptar”, defende. No caso da ourivesaria Frade essa preocupação não é tão grande porque não têm objectos de muito valor, tendo em conta que estão especializados na relojoaria. Pedro Antunes pantunes@gazetacaldas.com
Cronologia 1952 – Nascem João Jesus e Maria do Nascimento Frade Início da década de 70 – João Jesus Frade vem para as Caldas para trabalhar como relojoeiro 1975 - João Jesus e Maria do Nascimento Frade casam-se 1977 – Nasce o filho do casal, João Pedro 1982 – Abre a relojoaria Frade, na rua da Nazaré 1982 – Nasce a filha do casal, Ana Sofia 1991 – A ourivesaria e relojoaria Frade abre no largo Heróis de Naulila 2008 – Falecimento de João Jesus Frade
O mundo dos relógios
João Santos trabalha na joalharia há dois anos e meio
Há dois anos e meio João Santos, que era proprietário de uma sapataria que entretanto encerrou, foi convidado por João Frade para trabalhar na ourivesaria e joalharia.
Conhecia-o da direcção “Conhecia-o da Associação Comercial e tinha confiança no senhor João João”, explicou o filho mais velho do fundador da loja. A princípio João Santos, de 53
Os relógios são a especialidade da empresa familiar
anos, só aprendeu a fazer trabalhos mais simples, como colocar uma pilha nova num relógio, mas a pouco e pouco foi aprendendo o ofício. Faço todo o tipo de arran“Faço
jos nos relógios com mecanismo quartz e também em alguns mecânicos mecânicos”, explicou. Só nos casos dos relógios mais antigos é que recorrem a um Há muita serviço externo. “Há
gente que nos procura para esse tipo de trabalho e que nos trazem relógios até com 100 anos anos”, referiu o funcionário. Para João Santos a relojoaria
é uma área muito interessante e curiosamente há 25 anos tinha aprendido a mexer nos mecanismos. P.A.
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Amaro da Silva, Lda. – O resultado de “uma vida inte
Amaro da Silva, Fernanda, Maria dos Anjos, uma amiga da família e esposa Maria Luísa numa foto durante a década de cinquenta. Ao lado uma imagem do pai e das filhas (tirada na segunda-feira) que presidem hoje aos destinos da firma.
Nascido em 1925 na Amadora, foi por terras da capital que Amaro da Silva se afirmou como jogador de futebol. Mas nos tempos da sua juventude as habilidades com a bola não eram pagas a peso de ouro, como hoje. “Se calhar nasci cedo demais” demais”, diz. Por isso, Amaro da Silva começou a trabalhar cedo numa empresa de frio, a Ártico, Lda., que hoje já não existe. Foi nesta altura que trabalhou com um engenheiro alemão que diz ter sido “um mestre no trabalho do frio” frio”, não só para si, mas para muitos outros que fizeram desta área a sua profissão. É no frio e no futebol que se torna homem, aliando sempre o trabalho ao desporto. E foi pelo desporto que há quase 58 anos deixa Lisboa para trás e ruma à cidade termal, para jogar no Caldas.
Consigo trouxe a família, mulher e duas filhas que ainda hoje acompanham o pai nas lides do frio, à frente da Amaro da Silva, Lda. Maria dos Anjos, a filha mais
zem que se sentem “complecaldenses”. tamente caldenses” Assim que chegou, Amaro da Silva começou a trabalhar sozinho, criando ‘A Reparadora de Frigoríficos das Caldas da Rai-
serviço o chamava. Cerca de três anos depois, o então presidente do Caldas deu-lhe um carro. “Um Ford Anglia preto” preto”, lembra. O trabalho ficou mais fácil, depois de alguns anos a deslo-
já não dava conta do recado sozinho, meti um empregado, depois dois” dois”, conta o empresário, enquanto recorda “uma vida inteira dedicada a fazer frio” frio”.
Foi pelo futebol que Amaro da Silva veio parar às Caldas, em 1953. Aos 28 anos, aceitou o convite de Artur Capristano, na altura director do Caldas e seu “segundo pai” pai”, para vir para a cidade termal a fim de jogar à bola acompanhado pela família, a esposa Maria Luísa e as filhas Maria dos Anjos e Fernanda (a mais nova tinha apenas um mês de vida). Além das habilidades dentro das quatro linhas, Amaro da Silva trazia consigo a experiência de mais de uma década a trabalhar no frio. E assim que aqui chegou começou a trabalhar sozinho, dando início àquela que hoje é uma empresa com mais de meio século de existência, que é uma referência a nível nacional no que ao frio industrial diz respeito, com obra espalhada por todo o país, – a Amaro da Silva, Lda. velha (nascida em 1950), tinha três anos quando chegou às Caldas. Fernanda nasceu em 1953 e tinha apenas um mês. Foi nas Caldas que cresceram, estudaram, constituíram família e se tornaram empresárias de sucesso. Por isso mesmo hoje di-
Amaro da Silva quando era jogador do Caldas.
nha’. E lembra-se bem desses tempos em que, sem um carro para se deslocar, sempre que era preciso “agarrava na mala da ferramenta e ia à bilheteira dos Capristanos buscar um bilhete branco para viajar nas camionetas” para onde o
As filhas Fernanda e Maria dos Anjos em crianças
car-se em camionetas. Sozinho, Amaro da Silva percorria a zona Oeste, a reparar frigoríficos domésticos, balcões e vitrinas. “Depois comecei a ser conhecido e conforme os anos foram passando fui aumentando o serviço. Como
É na Rua do Cais, numa pequena oficina, que a empresa dá um passo importante. Às reparações que ocuparam os primeiros anos de actividade, vem então juntar-se a construção de armários, frigoríficos, balcões. Em 1967 Amaro da Silva muda o nome à sua
empresa, para Frimóvel. Aliada à sua vida profissional, o empresário nunca deixou o mundo desportivo. Quando deixou de jogar, tornou-se treinador e não só treinou o clube que o acolheu nas Caldas (onde também chegou a membro da direcção) como também alguns clubes da região, como o Mirense ou o Marrazes. Mais do que da actividade profissional do pai, a que hoje dão continuidade, é desta vida ligada ao desporto que as filhas mais se recordam. “Recordo-me perfeitamente de ver o meu pai jogar no Caldas. Naquela altura as coisas eram vividas de maneira diferente, todas as pessoas se juntavam para puxar pela equipa e ao domingo a minha mãe levava-me ao futebol” futebol”, lembra Maria dos Anjos. Embora mais nova, Fernanda também guarda muitas memórias dessa altura. “Lembro-me de irmos para o
Pavilhão da firma montado no Parque D. Carlos I quando a Feira da Fruta ali se realizava nos anos oitenta
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eira dedicada a fazer frio” café dos Capristanos ao domingo, depois da bola. E para a ‘Caseta’, na Estrada de Tornada, íamos jantar, conviver com as famílias dos outros jogadores e dirigentes, e eu adormecia lá muitas vezes” vezes”. Do trabalho do pai têm recordações vagas, mas lembram-se “do pai a trabalhar numa divisão da casa na Rua Fonte Pinheiro, numa oficina muito modesta, com o primeiro empregado, o Zé, nos prédios do Viola” Viola”. O ‘Zé’ foi o primeiro de muitos empregados que passaram pela empresa. “Todos os que mexem no frio passaram por aqui. Isto foi a casa-mãe, uma escola. E passou por aqui muita gente” gente”, afiança o empresário, que diz ser “uma das pessoas mais velhas em Portugal a trabalhar no frio” frio”. Afinal já lá vão mais de 60 anos desde que começou a trabalhar em Lisboa. “Nunca conheci outro ofício, dediquei-me sempre ao frio” frio”, vinca. FILHAS DEIXARAM SONHOS DE LADO PARA AJUDAREM O PAI
É nos finais dos anos 60 que a filha mais velha, Maria dos Anjos, começa a trabalhar com o pai. “No início lá ia eu na camioneta dos Capristanos e não era preciso ter um gestor de conta nem ninguém. Metia tudo na cabecinha e pronto, nem havia facturas naquele tempo nem nada, nem tive grandes problemas para receber” ber”, conta Amaro da Silva. Quando Maria dos Anjos acaba o Curso Geral de Comércio na Escola Rafael Bordalo Pinheiro, o negócio do pai trabalhava já com números maiores e a filha foi ajudar com os papéis e as contas. “Vim, sempre na expectativa de que não era bem isto que queria” ria”, lembra Maria dos Anjos, que na altura ainda alimentava o sonho de ser assistente de bordo. “Acabei por pensar mais com o coração do que com a cabeça e fiquei” fiquei”, conta. Uns anos depois de Maria dos Anjos, Fernanda torna-se o novo reforço da empresa de Amaro da Silva. “Quase vim por arrasto,
sempre ouvi dizer que quando acabasse o curso comercial viria para a empresa” empresa”, conta a filha mais nova. Admite que a profissão que gostaria de ter tido passava pelo contacto com o público e não pelo trabalho à secretária, mas “ao vir para a empresa sabia que os estava a ajudar e nunca pensei ir embora e deixá-los” deixá-los”. A sociedade da Amaro da Silva, Lda. fica completa com a mãe, Maria Luísa, embora esta nunca tenha efectivamente trabalhado na empresa. Hoje, as filhas garantem que não se arrependem da opção que tomaram já lá vão umas décadas. Maria dos Anjos diz que se entrega à empresa “de corpo e alma” alma”. E logo acrescenta: “aliás, temos todos dado o nosso melhor, uma empresa familiar não se aguenta se não puxarmos todos para o mesmo lado” lado”. À união junta-se um outro aspecto importante: muito trabalho e muita dedicação. “Toda a vida trabalhei muito” muito”, afirma Amaro da Silva, e o trabalho obrigou-o muitas vezes a levantar-se durante a noite para dar resposta aos pedidos. Numa vida inteira de dedicação só se recusou a fazer dois serviços. Um era trabalho que implicasse andar de barco. “Fui chamado duas vezes para ir às Berlengas, mas jurei para nunca mais” mais”, e enquanto se lembra da peripécia garante até se agoniar com a memória. “Estive mesmo perto, mas o mar estava tão mau que não consegui e voltei para trás. Dizia muitas vezes que podia ser o melhor negócio, e mesmo assim eu não queria” queria”. A segunda nega teve a ver com a manutenção das câmaras de conservação das morgues. “Ainda estava em Lisboa e fui chamado à morgue de um hospital, também jurei para nunca mais. Mesmo agora, e com todo o devido respeito, ninguém aqui se mostra disponível para fazer esse trabalho” trabalho”.
Crescimento sustentado, colaboradores e clientes na base do sucesso Na década de 80 a empresa chegou a ter 30 empregados. Eram tempos diferentes. Por um lado, os armários frigoríficos eram feitos em madeira, o que obrigava a ter trabalhadores de carpintaria. Por outro, estes foram tempos áureos no sector da agricultura e fruticultura, sector que foi sempre um importante cliente de Amaro da Silva. “Só em 1982 a Amaro da Silva, Lda. montou 92 câmaras frigoríficas para fruta” fruta”, garante o empresário. Com o passar dos anos, as exigências do mercado mudaram, o que levou a alterações na empresa. O fim dos trabalhos em madeira tornou dispensável a colaboração de profissionais de carpintaria. Além disso, os pequenos produtores começaram a agrupar-se em cooperativas e associações e a Amaro da Silva, Lda. passou a apostar em grandes câmaras, em vez das tradicionais pequenas câmaras frigoríficas. A viragem para o frio industrial é um momento marcante na história da empresa. Hoje, a Amaro da Silva, Lda. trabalha sobretudo para grandes projectos, com “todo o género de frio e de grandes dimensões” sões”, em todo o território nacional, continente e regiões autónomas, e em África. Mas porque os sectores da agricultura e fruticultura são os seus maiores clientes, o grosso do trabalho da empresa realiza-se na região Oeste e nas Beiras. Trabalhos de maiores dimensões obrigaram, também, a instalações maiores. Por isso a empresa está hoje num armazém da Zona Industrial, para onde mudou em 2009, depois de 39 anos na Rua da Caridade, no centro da cidade. Hoje, a Amaro da Silva conta com 14 colaboradores, uma “peça fundamental para o sucesso da empresa” empresa”, garantem os gerentes. “Esta é uma
Uma das modernas instalações de frio que a Amaro da Silva, Lda. instalou.
actividade de pessoal especializado” cializado”, defende o fundador, acrescentando que a empresa tem colaboradores que se mantêm na casa há muitos anos. “A empresa está na vanguarda do sector frio, mas este sucesso não se deve apenas à gerência, mas também aos nossos colaboradores” colaboradores”, acrescenta Maria dos Anjos. “Sabemos que podemos contar com os nossos colaboradores, e isso também nos ajuda a crescer” crescer”. À competência e qualidade do serviço prestado junta-se, como ingrediente para o sucesso, “a transparência com que sempre lidámos com os nossos clientes ao longo de todos estes anos” anos”. E depois, a aposta na inovação. “Apostamos forte na atmosfera controlada, em que o frio é rigorosamente igual mas na qual se retira todo o oxigénio das câmaras frigoríficas” frigoríficas”. Uma vertente do frio virada para a fruticultura, que permite que a fruta não respire e, por isso mesmo, se conserve inalterada durante muito tempo. Para esta aposta a Amaro da Silva conta com o apoio de uma empresa holandesa. “Quando
Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
CRONOLOGIA 1953 – Amaro da Silva vem para as Caldas para jogar à bola e cria ‘A Reparadora de Frigoríficos das Caldas da Rainha’ 1967 – A empresa inicial dá lugar à ‘Frimóvel’. Pouco tempo depois a filha mais velha, Maria dos Anjos, começa a trabalhar com o pai 1970 – Empresa muda-se da Rua do Cais para a Rua da Caridade, onde se mantém durante 39 anos. Cerca de um ano mais tarde, Fernanda junta-se ao pai e à irmã 1976 – Amaro da Silva dá sociedade à esposa e filhas e é criada a Amaro da Silva, Lda., capital social de 50 mil euros 2009 – A Amaro da Silva, Lda. muda as suas instalações para a Zona Industrial das Caldas da Rainha
A atmosfera controlada, em que é retirado da câmara todo o oxigénio é a aposta recente da firma, que ajuda a manter a fruta inalterada
as coisas nos ultrapassam temos que pedir ajuda e rodearmo-nos de pessoas competentes para poder vencer neste mercado que é bastante competitivo” competitivo”, explica Maria dos Anjos acrescentando que, além da empresa holandesa, a Amaro da Silva se apoia também num gabinete de engenharia e num director financeiro. Mas a inovação de pouco serve se a empresa não contasse com um historial de sucesso e com clientes que se mantêm há muitos anos. “Um dos lemas da empresa é trabalhar com honestidade e servir bem, acima de tudo” tudo”, diz a filha mais velha. “E nesta casa o cliente é rei” rei”. Manter os clientes é muito importante para os gerentes, que não descuram, no entanto, a procura de novos clientes. “A nossa maior publicidade tem sido o ‘boca a boca’ e para nós essa é a melhor e mais barata publicidade que podemos ter” ter”. Pai e filhas são unânimes ao defenderem que estes aspectos têm sido fundamentais para vencer a crise. Mas também reconhecem que “a grande sorte desta empresa é estar no sector alimentar, que é de primeira necessidade, além de estar muito bem situada geograficamente” graficamente”. Além disso, “também conta a nossa honestidade e o historial de uma empresa que dá sempre a cara, que sempre deu muita atenção à proximidade ao cliente e à maneira como este é tratado” tratado”. Numa altura em que tanto se fala da importância de revitalizar a agricultura nacional, a Amaro da Silva espera que o ano de 2011 seja um bom ano para o sector. “Só esperamos que os
nossos governantes e a Banca apoiem os projectos que estão em cima a mesa para que possa haver desenvolvimento do sector” sector”, diz Maria dos Anjos. Em 2010 a facturação da empresa rondou os 2 milhões de euros, um valor ligeiramente mais baixo que o registado em 2009. “Actualmente esta é uma empresa salutar, com alguns altos e baixos, mas isto é quase como caminhar em cima de água, com cuidado, sem correr grandes riscos” riscos”. Prontos para encarar o futuro, os três gerentes da Amaro da Silva, Lda. dizem que o crescimento da empresa terá que continuar a ser sustentado, como até aqui, “tendo sempre em conta a nossa dimensão” dimensão”. Um cuidado que muitas vezes se traduz na subcontratação de serviços de outras empresas quando o trabalho aperta, o que depois permite à empresa manter todos os postos de trabalho quando há menos procura. À frente da empresa já há alguns anos, e sem ninguém da família a inclinar-se para dar continuidade ao seu trabalho, as duas irmãs começam agora a pensar em quem agarrará na empresa quando de quiserem reformar. O pai ri-se e diz: “eu também dizia que aos 65 anos já não fazia mais nada, mas cá vou andando” andando”. Mas Maria dos Anjos logo atalha: “eu gostaria de me reformar aos 65 anos, não me imagino a trabalhar aos 85 anos, como o meu pai” pai”. E depois? “Logo se há-de ver. Por agora estamos todos dispostos a dar continuidade à empresa” presa”, garante. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Já em 1898 Manuel Felizardo vendia máquinas de co chegou com o seu bisneto ao século XXI
Da esquerda para a direita: Mário Felizardo (1912-1964), filho de Manuel Felizardo (de quem não existem fotos) herdou o negócio do pai e era um entusiasta da Foz do Arelho, no qual se pode ver, na foto seguinte, acompanhado da mulher Sara (1913-2010) e do filho Francisco. Este último, que viveu entre 1942 e 2004) foi um continuador do ramo da família, tendo-se especializado na mecânica das máquinas de costura. A quarta foto mostra o mais novo membro do clã empresarial empresarial,, Mário Felizardo (nascido em 1965), bisneto do primeiro vendedor de máquinas de costura das Caldas.
O caldense Mário Felizardo (nascido em 1965) é o herdeiro da Casa Felizardo, fundada em 1898 pelo seu bisavô Manuel Felizardo, que é actualmente a representante exclusiva da marca de máquinas Bernina comercializadas em todo o território nacional. “Vendemos o top das máquinas de costura e damos cursos sobre o seu funcionamento em todo o país, apoiando assim os nossos clientes” clientes”, disse Mário Felizardo, que vai guiar-nos pela história da sua empresa, apesar de pouco ou nada saber sobre o seu bisavô fundador, pois não ficou para a História qualquer registo de como seria Manuel Felizardo e como afinal começou a história da ligação desta família às máquinas de costura. De qualquer forma, Mário Felizardo crê que o seu familiar terá aberto a loja nas proximidades da actual, na Rua General Queirós. Dedicava-se à venda de máquinas de costura e, por facturas que ainda existem, pode apenas confirmar que a fundação da empresa decorreu em 1898. Quem herdou o negócio foi o seu avô, Mário Felizardo (1912-1964), de quem também herdou o nome. Apesar de não o ter cofoi verdadeinhecido, diz que “foi ramente empreendedor e creio que teve que dar um novo arranque ao negócio que o seu pai (e meu bisavô) criou” criou”. O avô do actual responsável mudou a instalação da loja em 1937, para um pouco mais abaixo da localização inicial da sede actual da firma. Hoje estão no nº 35 e antes estiveram no nº 26 da Rua General Queirós. O negócio que o pai lhe “O deixou, correu-lhe bem, apesar da concorrência apertar um pouco já na altura altura”, conta o neto Mário Felizardo, acrescentando que naquela época, nas Caldas, existia outro vendedor de máquinas alemãs, o que eram de João Valeriano, “que longe tecnicamente superiores às da Oliva Oliva” mas ainda
o meu avô Mário venassim, “o máquinas”. deu milhares de máquinas A avó, Sara Felizardo (19132010), era o braço direito do marido que, enquanto viajava de terra em terra para vender as máquinas da marca Oliva, se ocupava de dar os cursos de bordados e também de corte e costura, explicando assim como
Mário Felizardo explicando que o seu familiar chegou a integrar a Junta de Freguesia das Caldas e colaborou no Montepio. “Foi o primeiro radiologista quando a máquina veio para a instituição instituição”, contou o neto, acrescentando que o avô era também amigo do prestigiado médico Vieira Pereira.
o meu pai pai”. E enquanto o avô Mário era sobretudo um comercial e a avó dava formação profissional (para usar um termo de hoje), “o meu pai continuou o negócio, vendeu muita máquina, mas apostou sobretudo na reparações” reparações”, contou. Mário Felizardo acompanhava o seu
ar. Dois anos depois nascia Mário Felizardo, o actual continuador do negócio familiar. A sua mãe viria a falecer, vítima de acidente de viação, quando este tinha apenas 28 dias. Não terão sido tempos fáceis para Francisco Felizardo os anos de 1964 e 1965 pois primeiro morre o seu pai e, no ano se-
Já são quatro as gerações da família Felizardo que se dedicam à venda de máquinas de costura. E se antes o bisavô Manuel e o avô Mário corriam as terras da região para vender as então inovadoras máquinas de costurar, hoje Mário Felizardo patrocina eventos onde dá a conhecer a sua máquina Bernina que, com as coordenadas certas, até borda sozinha. É o admirável mundo da electrónica aplicado a estes equipamentos que esta empresa caldense vende e dos quais é a única representante no país. se poderia usar as máquinas acabadas de vender. As formações também decorriam nas aldeias um pouco por todo o concelho e também nos concelhos vizinhos. O trabalho do casal de comerciantes foi tal que a marca acabou por os reconhecer e, mais tarde, “o avô acabou por ficar com a concessão a nível regional” regional”. Trabalhava em exclusivo com a marca portuguesa Oliva, que possuía fábrica em S. João da Madeira, após ter tido uma primeira experiência com a Singer, menos bem sucedida. “O meu avô foi um grande homem e também teve sempre uma grande mulher ao seu lado” lado”, diz hoje o neto e continuador do negócio familiar. Para Mário Felizardo, a Foz do era tudo Arelho “era tudo”, conta hoje o neto explicando que o seu avô passava vários meses na localiFicava em casa dade balnear. “Ficava dos compadres e comadres e arranjava maneira de lá passar metade do ano ano”, disse o neto, que agora mora na localidade predilecta do avô. Este ainda fez alguns negócios imobiliários tendo construído dois prédios nas Caldas, o último dos quais pouco antes de falecer, em 1964. “O meu avô era um defensor de causas sociais sociais”, disse
O casal teve um filho, Francisco Felizardo (1942-2004) que acabou por ser o continuador do O meu avô negócio da família. “O mandou o meu pai durante três anos trabalhar para a fábrica da Oliva em S. João da Madeira, o que lhe permitiu ficar com um know how muito bom ao nível da mecânica nica”, contou Mário Felizardo, acrescentando que “nunca conheci tão bom mecânico de máquinas de costura como
pai Francisco a eventos internacionais do sector, sobretudo na Alemanha e era ele que aferia a Ele qualidade dos materiais. “Ele era um mecânico formidável vel”, recorda. Francisco Felizardo casou em 1962 com Manuela Felizardo (1942-1965) e têm no ano seguinte a primeira filha, Cristina Felizardo. Esta tem hoje 47 anos e é professora na Escola Secundária Raul Proença não tendo enveredado pelo “métier” famili-
O jovem Francisco com os pais (ambos à direita) acompanhado de três funcionárias da loja Oliva
guinte, a esposa. Sozinho, toma as rédeas do negócio e conta com ajuda de Henrique Garcia, irmão da sua avó Sara, para gerir a empresa. Entre 1965 e 1970 a casa chega a ter quatro funcionários, todos da região. E se o avô Mário se dedicava em exclusivo à Oliva o seu pai, mais tarde, acaba por expandir o negócio às marcas Bernina e Pfaff. “Mais tarde acabámos por deixar a Oliva pois a
marca deixou de fabricar as máquinas em Portugal, preferindo começar a importálas de outros países com implicações graves na qualidade” de”, explicou Mário Felizardo. Começaram então a vender Pfaff e Bernina, mas neste momento apenas trabalham com esta última, sendo os seus representantes nacionais. CASA FELIZARDO PARTICIPAVA NA FEIRA DO 15 DE AGOSTO
Mário Felizardo vinha para a loja ajudar o pai e lembra-se de pintar os pedais das máquinas de costura. Antes vendiam-se as máquinas com as respectivas secretárias enquanto que hoje Na é um equipamento portátil. “Na altura fazia parte das reparações tirar a ferrugem e voltar a pintar” pintar”, disse Mário Felizardo, contando que havia nas instalações um tanque com soda cáustica onde “eram mergulhadas as máquinas para se tirar as velhas tintas e a ferrugem ferrugem”. Um dia, claro está, e apesar dos múltiplos avisos para que tivesse muito cuidado escorreguei e mergulhei o “escorreguei
Uma imagem dos anos cinquenta onde se vêem duas empregadas da firma e uma típica máquina de costura da época
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ostura num negócio que pé no tanque, tendo ficado aflito só que o ácido já estava pouco reactivo e nada aconteceu, apesar do susto” susto”. Ainda hoje Mário Felizardo guarda muitos decalques que se destinavam a colocar nas máquinas então reparadas, serviço que ajudava o pai a fazer. O actual empresário ainda se lembra de irem buscar as máquinas de costura que chegavam às Caldas no comboio e de como eram transportadas numa carroça até à loja, na Rua General Queirós. Recorda-se igualmente da participação da empresa em feiras como a do 15 de Agosto, quando esta se fazia na mata. Mário Felizardo é o actual responsável por uma empresa, cujas A partir dos anos 70 a venda de máquinas de costura decres- máquinas de costura já são hoje autênticos computadores ceu bastante, mas as reparatradicionais”, ções foram sempre algo constante e que se manteve até dá para fazer tudo, até bordados tradicionais” hoje. De qualquer modo o decréscimo nas vendas fez com acrescentou o responsável. Nos últimos cinco anos, a Casa Felizardo promove ainda workshops de pacque as marcas apostassem na inovação. Em 1990, Mário Felizardo vem para a empresa e o seu pai, tchwork (técnica de produzir trabalhos com retalhos só o fazemos com formadores desFrancisco, passa a dedicar-se mais às relações públicas, além de tecido) e “só ta área que possuem percurso internacional” internacional”, de se manter sempre ligado à assistência técnica. O jovem Mário gostava principalmente de jogar à bola, contou Mário Felizardo. Este ano, em Maio, regresficando os estudos para segundo plano. Vai trabalhar a tem- sará às Caldas a especialista australiana Jenny Bopo inteiro com o pai, sem ter terminado o ensino secundário, wker. A digressão desta formadora em patchwork mas vai fazendo uma completa aprendizagem das máquinas começará por Espanha e depois de Portugal ainda que sempre deram o sustento à família. Mário Felizardo passará por cidades como Bruxelas, Amesterdão ou tem-se deslocado à Suíça, à sede da marca Bernina, sempre Frankfurt. Estas máquinas podem custar entre os mil e os que há novas máquinas para fazer cursos de aprendizagem seis mil euros. E se tiverem a electrónica aplicada ao nível de mecânica. Agora as máquinas que a Bernina cria já trazem softwa- aos sistemas de costura e de bordar, chegam a ser re que permite às utilizadoras dar as medidas correctas – designadas por computadores de costura. Este é um como se fosse um computador - e saírem os moldes perfei- negócio destinado a nichos de mercado. Além de um tos ou, simplesmente, dadas as coordenadas certas, con- segmento de mulheres interessadas em realizar as seguem bordar sozinhas. Se o meu avô hoje tivesse opor- suas roupas ou os seus trabalhos manuais, neste motunidade de ver como as coisas evoluíram teria imen- mento “já temos alguns designers de moda que máquinas”, sa curiosidade em perceber como é que hoje estas já estão a trabalhar com as nossas máquinas máquinas trabalham trabalham”, disse o actual proprietário. Em 2004 disse Mário Felizardo. O empresário tem um colaborador a trabalhar conFrancisco Felizardo faleceu, vítima de doença e fica o filho co pessoas em sigo nas Caldas (ver caixa) e “cin “cinco Mário Felizardo a tomar conta dos destinos da empresa. várias zonas do país que colaboram connosco em áreas como as vendas das máquinas ou na forma“O FUTURO É MESMO A ELECTRÓNICA” ção” ção”, contou o empresário. Outra parte importante do negócio continua a ser a A Casa Felizardo possui inúmeras máquinas de costura. A loja tem dois espaços de armazém, um para as máquinas reparação das máquinas e “damos assistência às váricostura”, contou o emprenovas (electrónicas), e um outro onde estão as máqui- as marcas de máquinas de costura que muitas sário acrescentando que vendem igualmente os acessórinas antigas de onde se extraem peças “que vezes já não existem no mercado mercado”, disse Mário Feli- os para estes equipamentos. Na verdade reparam máquizardo, que também colecciona estes equipamentos. Al- nas desde o Porto ao Algarve e dão assistência técnica por gumas estão em exposição na própria loja e outras na todo o país, chegando inclusivamente a enviar peças para os seus clientes. É através da publicidade que fazem em sua casa. O empresário tem notado que há um novo interesse revistas da especialidade e principalmente através do site por esta área por parte de pessoas mais novas. “Como da empresa que os clientes chegam à Casa Felizardo. hoje a roupa é mais barata e anda quase tudo ves- Cerca de 80% do negócio destina-se à revenda para lojas tido de igual, há sempre quem se queira diferenci- de todo o país. Negociam com estabelecimentos de Lisar e aposte por fazer alterações na própria rou- boa, Cascais, Setúbal, Algarve, Porto Braga, Viseu e também nos Açores. p aa”. Segundo o empresário, a empresa sente necessidade E se Francisco Felizardo apostava nas feiras a nível local, o seu filho Mário actualmente participa nos even- de alterações. E isto porque a área da reparação necessitos nacionais. “Este ano estivemos na FIL – FIA que ta de mais espaço e está a usurpar o espaço que se destiNa verdade este estase realizou na FIL em Lisboa e também na Fatacil, na ao atendimento dos clientes. “Na no Algarve” Algarve”, contou explicando que são sempre ópti- belecimento é mais uma oficina do que propriamenloja”, diz o empresário, que pretende passar a mas oportunidade para contactos e sobretudo para di- te uma loja oficina para outras instalações que possui. vulgação dos serviços desta empresa caldense. “Temos que reformular a nossa organização e Estamos a patrocinar em exclusivo a Academia “Estamos gente”, disse este resda Costura, uma iniciativa da revista Burda onde provavelmente colocar mais gente se promovem cursos de corte e costura costura”, disse Má- ponsável, que prefere não revelar o volume de negócios rio Felizardo que assim tem um canal onde dá a conhe- Casa Felizardo – Empresa em nome individual, cujo capicer a potenciais clientes todas as vantagens das suas tal social é de cinco mil euros. Esse só a E quanto ao futuro da Casa Felizardo? “Esse máquinas electrónicas Bernina. pertence...”, rematou Mário Felizardo, pai de dois O futuro é mesmo a electrónica ”O electrónica”, conta o empre- Deus pertence...” sário, que destacou também a garantia alargada (cinco filhos, a Mariana que tem 17 anos e o Gonçalo, com 12. anos a nível mecânico e dois anos na electrónica) desNatacha Narciso tes equipamentos que fazem parte sobretudo do univernnarciso@gazetacaldas.com so feminino. “Sabendo trabalhar com o software,
“Enquanto houver roupa, haverá sempre máquinas de costura” José Bernardino, de 26 anos, não se atrapalha neste mundo de agulhas, lançadeiras ou caixas de bobine. A mecânica de uma máquina de costura não tem segredos para este funcionário que desde os 17 trabalha na Casa Felizardo. É natural do Barreiro, mas desde os seis anos que veio viver para as Caldas. “As notas na escola não eram grande coisa, começava a pesar na carteira dos meus pais e por isso vim procurar trabalho”, disse o único funcionário, além do proprietário Mário Felizardo, que trabalha a tempo inteiro para esta firma. Disseram-me que o patrão da casa, “Disseram-me que costumava estar à porta precisava de um funcionário. Vim cá, gostei e fiquei até hoje... hoje...”, conta enquanto acaba o conserto de uma máquina. Toca o telefone, era uma cliente para saber se a sua máquina já estava reparada. “Já sim, senhora, está pronta! Pode vir buscar quando puder”, responde José Bernardino do lado de cá da linha telefónica. No próximo mês de Março completa 10 anos de casa e não se vê para já a fazer outra tarefa. “Gosto do que faço e como dizia o meu patrão Francisco trata-se de um trabalho de mecânica fina que é interessante e no final até é simples” simples”, disse o funcionário, que é o braço direito de Mário Felizardo no que diz respeito às reparações. “Ás vezes basta uma molinha estar fora do sítio para provocar a avaria” avaria”, conta o jovem enquanto termina a reparação de uma máquina. Dependendo da avaria, consegue reparar entre três a quatro equipamentos duEsta, por exemplo, rante uma manhã. “Esta, está quase reparada. Estava presa, agora é só preciso experimentar para verificar que está tudo bem, uma prática que se faz sempre no fim de reparação” ração”, disse José Bernardino. E o que faz uma máquina que sofre uma
Geralmente parte a linha, avaria? “Geralmente faz ponto corrido, ou pontos falsos. É comum também fazer rolhões de linha ou dar lassadas por baixo” baixo”, especificou o mecânico. As máquinas que mais gosta de reparar são as mais antigas, até porque considera que as novas “se limitam a copiar as mais velhas e depois acrescentam-lhes a electrónica” electrónica”. Os equipamentos de antigamente não pela quatêm comparação sobretudo “pela lidade dos materiais antes usados dos”, acrescentou. As marcas que José Bernardino mais gosta de trabalhar são a Oliva, uma marca portuguesa e também destacou a Pfaff e a Singer, referindo-se sempre aos modelos mais antigos. Sobre Francisco Felizardo, o pai de Mário, não esconde palavras de admiração: “O senhor Francisco era alguém muito amigo, gostava de ajudar e era prestável. Dizia que o seu berço tinha sido um caixote cheio de máquinas de costura” costura”. “Além de patrão, Mário Felizardo é também meu amigo e uma pessoa muito acessível” acessível”, disse este funcionário que tem notado que há algumas clientes que vêm à loja pedir para reparar a máquinas que eram da avó, para poder confeccionar as suas próprias roupas. Atentos a este mercado, proporcionam na loja cursos de iniciação ao corte e costura. Para José Bernardino “enquanto houver roupa haverá sempre máquinas de costura. Mesmo que de vez em quando o negócio fraqueje, enquanto houver uma coisa haverá sempre a outra” outra”. N.N.
José Bernardino, que aprendeu a profissão com Francisco Felizardo, rodeado de centenas de máquinas de costura
Cronologia: 1898 – Manuel Felizardo, bisavô de Mário Felizardo, instala na Rua General Queirós uma loja de máquinas de costura 1937 – O seu filho Mário Felizardo (19121964) continua no negócio na mesma rua com a sua esposa Sara Felizardo (1913-2010) 1960 –Mário Felizardo passa a coordenar também uma loja da marca Oliva que primeiro se instala na Praça da Fruta e mais tarde na Rua Capitão Filipe de Sousa. O seu filho, Francisco Felizardo passa a trabalhar com o pai. 1964 - Morre o avô Mário Felizardo, ficando o filho Francisco a gerir a empresa com a ajuda do seu tio Henrique Garcia, irmão da avó Sara.
1990 – Mário Felizardo (bisneto do fundador) vem para a empresa trabalhar com o pai, Francisco Felizardo. Este último, além da assistência técnica passa a dedicar-se também às relações públicas da empresa 1995 – A Casa Felizardo torna-se importadora da marca Bernina ficando com o exclusivo da sua comercialização a norte do Tejo. 2000 – A empresa caldense torna-se representante exclusiva da marca para Portugal. 2005 – Mário inicia os workshops especializados, investindo em nichos de mercado
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
José Soares de Oliveira & Filhos, Lda. – a arte do rest
José Soares de Oliveira (1901-1975), fundador da empresa
Foi na Escola Comercial e Industrial (hoje Secundária Rafael Bordalo Pinheiro), que José Soares de Oliveira aprendeu, ainda jovem, a desenhar e a talhar a madeira. Mestre Elias foi um dos professores do jovem caldense que, com cerca de 21 anos e regressado da tropa, decidiu que não queria seguir as pisadas do pai, que trabalhava na cerâmica. Nascido em 1901, o rapaz começou a trabalhar no mobiliário com pouco mais de 20 anos. Pouco tempo depois junta-se a Luís Pardal e decide criar uma sociedade e levar o negócio mais a sério. A José Oliveira o que interessava mesmo era o mobiliário de linhas antigas, clássico. O colega, por sua vez, queria dedicar-se aos móveis contemporâneos. Os dois acabariam por se separar pouco tempo depois. É assim que José Soares de Oliveira decide, em 1927, aventurar-se sozinho no mundo dos negócios, com uma empresa em nome individual. Uma activida-
de desenvolvida na Rua Miguel Bombarda, no edifício onde ainda hoje se mantém a loja da empresa e onde, naquela altura, se encontrava a oficina, a loja e a habitação da família. Inácio
Da esquerda para a direita José Heitor, Inácio e Vasco, o neto e os dois filhos que dão continuidade à empresa criada em 1927
com 76 anos. E todos eles passaram pela empresa do pai. “Crescemos entre móveis” móveis”, conta. Com a habitação da família, onde chegou a nascer o filho mais novo, mesmo em cima
triz talvez se tenha esquivado à madeira, mas garante não ter ficado “a dever nada” ao trabalho. “Uma rapariga no meio de seis rapazes, o que é que se espera?” espera?”, lembra.
se aí uma cadeira, deram-se ao trabalho de a desmanchar toda para ver como era feita e depois começou ela a empalhar” empalhar”, conta a filha. Os trabalhadores, muitos dos
Conhecida pelo mobiliário de linhas clássicas e pelo restauro de móveis e talhas douradas de diversas igrejas, a firma José Soares de Oliveira & Filhos, Lda. nasceu em 1927. Na loja da Rua Miguel Bombarda, nas Caldas da Rainha, as cadeiras, mesas e desenhos, entre muitas outras peças, são elementos de um passado em que a história da família se mistura com a história da empresa, hoje orientada por dois filhos, Inácio e Vasco, e um neto do seu fundador, José Heitor. À arte de trabalhar madeiras exóticas e de dar nova vida a artigos envelhecidos, juntam-se as memórias daquela que foi “uma verdadeira escola de marceneiros” marceneiros”. Uma casa de onde saíram mobílias para vários pontos do mundo e que tem resistido à evolução dos tempos e dos gostos. Oliveira, que há anos desenha os móveis fabricados pela empresa, diz que “a maior produção do Sr. José Soares de Oliveira foi seis filhos” filhos”: Frederico, Adelino, Beatriz, Inácio, Vasco e José. Todos, como ‘manda a lei’, com uma média de dois anos entre si. “Não havia televisão, não havia planeamento familiar” miliar”, diz, a rir, Inácio, hoje
da oficina, não havia como os petizes escaparem ao labor. Além disso, o pai tinha um trato com eles: todos iriam estudar para a Escola Comercial de dia. Caso perdessem o ano, iriam trabalhar na mobília e estudar à noite, o que acabou por acontecer com muitos deles. Numa família de homens com uma actividade maioritariamente talhada para homens, Bea-
A família (José Soares de Oliveira é o terceiro a contar da esquerda) e os trabalhadores da empresa, em 1942, nas instalações da Rua Miguel Bombarda, onde se encontrava a habitação, a oficina e a loja
O mesmo aconteceu com a mãe. Dona Laurinda passou muitas horas a fazer os abatjours dos candeeiros que ali se fabricavam, exemplares que durante anos puderam ser apreciados, por exemplo, na Casa da Cultura, ou nos antigos Paços do Concelho caldenses. Empalhar cadeiras era outra tarefa da mãe. “ N i n g u é m s a b i a como se fazia, mas apanhou-
quais iam para ali trabalhar ainda crianças eram também considerados verdadeiros membros da família de José Soares de Oliveira. Ainda hoje é conversa recorrente o facto de um antigo funcionário da empresa, contar muitas vezes que saiu da escola com sete anos, poucos dias depois do pai o ter matriculado na 1ª classe, e que foi naquela oficina que aprendeu a ler e escre-
ver, ensinado pela única filha do patrão. Nas fotografias que testemunham o passado da empresa, os laços que uniam o patrão aos trabalhadores são facilmente comprovados. Muitos dos retratos são de convívios que juntavam todos à mesa. O neto, José Heitor, que aparece ainda jovem em muitos deles, lembra-se bem que o 1º de Maio, Dia do Trabalhador, era sempre assinalado (mesmo antes do 25 de Abril) “à beira da Lagoa, com uma caldeirada feita ali mesmo” mesmo”. E esta empresa de cariz verdadeiramente familiar deu também origem a novas famílias. Um exemplo é a filha do patrão, Beatriz, que acabaria por se casar com um empregado do pai. “UMA FUNDAÇÃO RICARDO ESPÍRITO SANTO EM MINIATURA”
É com memórias e com as autênticas relíquias que se amontoam na loja da Rua Mi-
José Soares de Oliveira (ao centro, de chapéu) no meio de toda a família (filhos e netos) em 1964
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tauro e do mobiliário antigo desde 1927 guel Bombarda que se recupera a história daquela que Inácio e José Heitor garantem ser uma das mais antigas empresas das Caldas. Uma firma que “foi sempre uma escola, que formou centenas de marceneiros e artistas, que vinham para aqui aprender ainda miúdos” dos”. O restauro foi sempre uma importante vertente da empresa, responsável pela recuperação da talha dourada que ainda hoje se vê em muitos altares de várias igrejas da região. José Soares de Oliveira dedicava-se também à recuperação de móveis antigos. “Sem falsas modéstias, somos capazes de ser uma Fundação Ricardo Espírito Santo em miniatura. Somos capazes de fazer o que eles fazem, sem subsídios nenhuns, antes pelo contrário” trário”, diz, orgulhoso, José Heitor. O trabalho de restauro trouxe à empresa caldense alguns dos mais requintados exemplares de mobiliário clássico. “O grande ensinamento desta casa foram as peças antigas que passaram por aqui para serem recuperadas e que nos deram uma grande lição de arte e de estilos” estilos”, afiança Inácio. Peças de pessoas ligadas à nobreza e às grandes famílias que permitiram à empresa ficar com os modelos para reproduzir. “Muitas das grandes casas no Alentejo têm móveis nossos ou recuperados por nós” nós”, dizem Inácio e José Heitor, acrescentando que a maior parte dos clientes da empresa se situavam, principalmente, em Lisboa. Os descendentes de José Soares de Oliveira garantem que esta firma era motivo de tra“esta zer muita gente às Caldas. Vinha muita gente de fora cá, que” que”, invariavelmente, “almoçava por aí, ia ao mercado e depois à Pastelaria Machado” Machado”. À medida que o passa palavra torna a empresa numa referência e a procura aumenta, as instalações da Miguel Bombarda tornam-se pequenas e a oficina é mudada para junto dos prédios do Viola, na Rua Fonte do Pinheiro o que aconteceu em meados da década de 60. Na Rua Miguel Bombarda mantém-se a loja. Em 1969 foi dada sociedade aos filhos, criando-se a José Soares de Oliveira & Filhos, Lda. Seis anos depois o fundador da empresa viria a falecer e foram os seus descendentes que garantiram a continuidade do seu legado. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
Resistir na época do “mobiliário de plástico”
O edifício da Rua Miguel Bombarda resume-se hoje à loja da empresa, onde se multiplicam peças de mobiliário e ferramentas a fazerem lembrar outros tempos
A José Soares de Oliveira & Filhos, Lda. sempre apostou em mobiliário “de qualidade” qualidade”, feito com madeiras exóticas. Mais que simples peças de mobiliário, dali saem verdadeiras obras de arte, onde todos os pormenores são cuidados. “Há aí uma cama que fazemos que só para embutir o painel são precisos quatro meses” meses”, aponta José Heitor, dando um exemplo da minúcia a que podem chegar os móveis da sua empresa. Ora, os clientes da empresa sempre foram “pessoas com algum poder de compra e gosto” gosto”, entre os quais o destaque vai, nos tempos iniciais, para as famílias aristocráticas, depois para membros de diferentes governos, fosse em Portugal, fosse no Ultramar. Quando o país aderiu à CEE (agora União Europeia), “muitos dos clientes foram trabalhar para Bruxelas e levaram daqui muito mobiliário” mobiliário”, conta José Heitor, acrescentando que as peças da sua empresa podem ainda ser encontradas em França, Espanha, Inglaterra, Canadá, Estados Unidos, antigas colónias e até em Macau. Por cá, eram muitas as vezes que José Soares de Oliveira, e depois os filhos, arrancavam de madrugada para Lisboa, “com uma garrafita de vinho e a merenda feita pela mãe numa caixa de madeira” e ali passavam o dia, a montar as peças de mobiliário, regressando só à noite. Nos tempos áureos da empre-
sa, contavam-se ali cerca de 60 trabalhadores, muitos dos quais começavam a trabalhar ainda miúdos e por ali ficavam até à idade da reforma. As encomendas eram mais que muitas. “Chegámos a ter uma lista de espera de 12 e 13 meses” meses”, diz o neto do fundador, recordando que os avós “correram o país a trabalhar, e sempre na furgoneta da empresa” empresa”. Em meados da década de 90 a José Soares de Oliveira & Filhos, Lda. viu-se mesmo obrigada a mudar de novo de instalações, desta vez para a Zona Industrial. “Hoje os jovens aderiram à comida de plástico e também aos móveis de plástico. Hoje não se pensa na qualidade, é dois ou três anos e
deitar fora e é o IKEA que eles escolhem” escolhem”, lamenta José Heitor, que diz que a empresa temse sentido em grande medida com “a alteração de gostos e comportamentos... são épocas!” cas!”. Por isso mesmo, nos tempos que correm a empresa é sobretudo procurada para o trabalho de restauro e recuperação. “Os chineses ainda não restauram móveis, o IKEA também não, e ainda se vai recuperando”. A ARTE DO TRABALHO FEITO À MÃO
Mas se os tempos são outros, há muita coisa que se mantém inalterada na empresa, como o facto de grande parte do traba-
lho ser feito à mão. Há uma serra eléctrica e mais algumas ferramentas que facilitam o labor, mas a atenção ao detalhe, a arte e o engenho necessários mantêm-se inalterados. A qualidade das madeiras com que se trabalha, vindas sobretudo do Brasil e de África, continua a ser uma garantia dada pela empresa. “Sempre tivemos um stock muito bom de madeiras, nunca trabalhámos a madeira no imediato para não haver problemas. Nesta empresa a madeira sempre esteve à chuva e ao ar livre durante um ano e só depois era trabalhada, para podermos dar garantias” as”, e foi isso que permitiu que a José Soares de Oliveira & Filhos, Lda. não sentisse grande
dificuldade em encontrar matérias primas quando alguns dos seus principais fornecedores começaram a fechar. “Por enquanto não sentimos escassez, também precisamos de muito menos madeira que a que precisávamos há uns anos” anos”, aponta José Heitor. A maioria dos clientes continua a ser de Lisboa. “Filhos e netos de primeiros clientes que mantêm a ligação à casa ou conhecidos destes que vêem as nossas peças” peças”, explica o neto do fundador. A empresa, que nos últimos dois anos registou uma facturação média na ordem dos 120 mil euros, está hoje reduzida a sete trabalhadores, entre os quais Inácio, que se dedica especialmente ao desenho das peças de mobiliário, Vasco, “um verdadeiro artista” a trabalhar a madeira, e José Heitor. “Isto é tudo muito bonito, sentir a camisola é muito agradável” agradável”, diz o mais novo. E chega? “Não vai chegando. O mercado está diferente, as exigências são muitas” muitas”, lamenta. À semelhança dos gerentes, muitos dos empregados que se mantêm também ali estão há vários anos. Além disso, José Heitor foi o único neto a dar seguimento às pisadas do avô. “Nas férias todos passavam por aqui, mas ninguém fez disto vida profissional” profissional”. Uma pergunta se impõe: quem vai dar continuidade à empresa? “Por enquanto não se sabe” sabe”, diz, garantindo manter-se optimista quanto ao futuro. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
Cronologia 1901: Nasce José Soares
Desenhos originais de cadeiras clássicas, feitos por Inácio Oliveira a tinta da China, que ainda hoje se preservam com todos os cuidados
de Oliveira, fundador da empresa 1927: José Soares de Oliveira começa a trabalhar em nome individual Década de 60: A produção da empresa muda-se para um terreno da família, junto aos prédios do Viola 1969: O fundador dá sociedade aos filhos e é criada a José Soares de Oliveira & Filhos, Lda. com um capital social de 98.766 euros 1975: Morre José Soares de Oliveira 1995: A oficina é transferida para as actuais instalações na Zona Industrial
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Clínica Veterinária S. Francisco d’ Assis foi a primeir já vai na segunda geração Manuel Gama Lourenço nasceu em Óbidos em 1952. Estudou nas Caldas, no Externato Ramalho Ortigão até ao terceiro ano, de onde seguiu para Lisboa, onde concluiu o antigo sétimo ano, em 1972, no Colégio Manuel Bernardes. Filho de médico, sempre mostrou apetência para as questões da saúde, mas garante que não sofreu influência de qualquer espécie para seguir medicina veterinária. “Quando somos estudantes não sabemos ao certo o que queremos, pelo menos foi assim comigo e penso que é assim com a maioria” maioria”, considera. Por esse motivo, só na altura de escolher um curso superior é que optou pela medicina veterinária. “Achava que era uma área bastante curiosa e não estou arrependido” arrependido”, conta. Entrou em 1972 para a Escola Superior de Medicina Veterinária, a única no país que leccionava este curso na altura. Em 1977 estava formado. O primeiro emprego foi como professor na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro, onde esteve seis meses, mas em Abril de 1978 foi convidado para exercer a sua profissão na ProPinto, uma empresa de exploração avícola que funcionava na Serra D’el Rei. Quatro anos depois mudou para a Cooperativa de Produtores de Leite que existia então nas Caldas da Rainha. Mas nas horas vagas já
O casal Gama Lourenço com os dois filhos, Margarida e Manuel Maria, ainda pequenos, em 1987, e pai e filha, hoje, ambos colegas
tratava animais de companhia. São dois universos bem distintos, considera. “Num existe um
os animais sejam rentáveis à empresa; no outro existe um aspecto afectivo muito marca-
Fróis por 20 contos (100 euros), “o que na altura era muito dinheiro... para se ter uma ideia re-
parte do encorajamento, quer no próprio trabalho, como o próprio veterinário faz questão de subli-
O veterinário Manuel Gama Lourenço, hoje com 58 anos, abriu em 1984 a Clínica Veterinária S. Francisco d’ Assis. Trabalhava, na altura, em animais de grande porte na cooperativa leiteira das Caldas, mas era a área dos animais de companhia que mais interesse lhe despertava. Por isso arriscou e abriu aquela que foi a primeira clínica veterinária nas Caldas da Rainha. Funcionava duas horas por dia, a seguir ao horário de trabalho na cooperativa, mas o projecto foi singrando e em 1989 o volume de clientes justificou que abraçasse o projecto a tempo inteiro. Hoje, 27 anos passados, a sua clínica veterinária é também o local de trabalho da filha mais velha, Margarida Gama Lourenço, também veterinária de profissão, que desde pequena se habituou a ajudar o pai e vê aquele projecto como sendo da família. interesse puramente comercial, o objectivo é fazer com que
Manuel Lourenço há cerca de 20 anos com uma jovem cliente cujo cachorro acabara de ser tratado
do, com o que isso tem de bom e de mau” mau”. Apesar de gostar e de ver interesse técnico em ambas, acabou por optar pelos animais de companhia pela mais simples das razões: “era a que gostava mais” mais”. Abriu a clínica para poder exercer a sua profissão porque até ali, na falta de instalações próprias, os animais eram tratados, uns numa garagem na casa dos pais, em Óbidos, outros mesmo na rua, à porta das pessoas. “Por muita competência que se tenha, sem meios técnicos não é possível prestar um bom serviço” serviço”, sustenta. A criação de um estabelecimento era um passo fundamental para melhorar a assistência aos animais de companhia, dando-lhes mais atenção, mas principalmente possibilitava um conjunto de meios técnicos que permitiam tratar situações mais complicadas, como casos em que era necessário recorrer à cirurgia. Assim, em 1984 resolveu arriscar a abertura daquela que seria a primeira clínica veterinária nas Caldas da Rainha. Arrendou uma loja no número 27 da Rua Vitorino
cebia 40 contos na cooperativa e metade era para a renda…” da…”, recorda Manuel Gama Lourenço. O espaço era grande, mas só tinha um consultório, uma casa de banho e uma sala de espera tão grande como vazia. “Só tinha umas cadeiras que trouxe de casa, porque os meios não eram muitos e não sabia se a clínica ia resultar” resultar”, diz. Chamou-lhe S. Francisco d’ Assis por ser este o santo protector dos animais, e a clínica ficava sob alçada da empresa com o mesmo nome, Clínica Veterinária S. Francisco D’ Assis, Lda., uma sociedade por quotas cujos sócios são ainda hoje Manuel Gama Lourenço e a esposa, Filomena Gama Lourenço. No arranque, o veterinário tinha que acumular os dois trabalhos, na cooperativa e na clínica. Por isso, esta funcionava apenas duas horas por dia, quando Manuel Gama Lourenço terminava o trabalho na cooperativa. Sem meios para ter funcionários, era a própria Filomena, professora do ensino secundário, o grande apoio para o marido, quer na
nhar: “ela foi uma grande dinamizadora da clínica, ajudavame em tudo, inclusivamente nas cirurgias, das mais fáceis às mais complicadas” complicadas”. O arranque da clínica teve momentos difíceis, em que o rendimento que tirava pouco mais dava do que para pagar a renda. “Foi com muito empenho e vontade que conseguimos crescer, trabalhando aos sábados e aos domingos quando era preciso, e de noite chegámos a deixar os filhos em casa a dormir para vir fazer cirurgias complicadas, mas em tudo é preciso fazer sacrifícios porque a vida não é fácil” fácil”, sublinha. Porém, ao fim de cinco anos o movimento justificava que abandonasse em definitivo a cooperativa dos produtores de leite para se dedicar em exclusivo à clínica, que passa a funcionar todos os dias úteis em horário de expediente. Daí em diante a clínica sofreu várias evoluções, tanto em termos físicos, como em termos tecnológicos. “Felizmente veio sempre evoluindo e crescendo. Adqui-
ri mais espaço, mas também equipamento tecnológico de diagnóstico que hoje é determinante para desempenhar o trabalho com mais qualidade” qualidade”. Numa primeira fase juntou mais um gabinete, mais tarde uma sala dedicada em exclusivo à cirurgia. Em 1999 alargou o espaço com a aquisição da loja do lado, onde fez um escritório e uma sala para exames com Raio X. Em 2005 adquiriu a loja que até ali estava arrendada e em 2010 a clínica voltou a sofrer remodelações, para ser criada uma sala de recobro e um espaço próprio para banho e tosquias. A evolução da clínica acompanha também o desenvolvimento da própria actividade, realça Manuel Gama Lourenço. “Hoje é uma profissão mais exigente do que era há 30 anos, mas com muito mais meios. Quando comecei era uma profissão difícil devido à falta de recursos e também de colegas em quem nos apoiarmos, mas hoje felizmente para nós e para os utentes evoluiu muito” muito”. Ao fim de 27 anos de Clínica Veterinária S. Francisco d’ Assis, o que dá mais gosto a Manuel Gama Lourenço é ter muitos clientes fiéis há muitos anos, que são já mais amigos do que clientes. “Fazem parte do nosso currículo essas pessoas com quem criamos uma ligação mais forte e é uma satisfação saber que acreditam em nós, pessoas que por vezes nem vivem cá, mas que nos procuram nem que seja para perguntar se está tudo bem” bem”. Joel Ribeiro jribeiro@gazetacaldas.com
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ra a estabelecer-se nas Caldas e “É uma profissão que exige uma grande dedicação”
Margarida Lourenço numa foto de quando andava a estudar veterinária e na passada terça-feira após uma operação cirúrgica a um “paciente”.
Em 2007 Manuel Gama Lourenço passou a ter na filha Margarida, hoje com 29 anos, uma colega de trabalho. O filho mais novo, Manuel Maria Gama Lourenço, de 26 anos, é gestor e por isso não integrou a clínica em termos profissionais. Mas os dois irmãos foram presença assídua, ajudando no que podiam nas horas vagas, nos fins-desemana, ou nas férias da escola. Para o pai, ter a filha como colega é uma satisfação, tanto como progenitor, como em termos profissionais. “Ela é uma óptima companhia e é muito importante introduzir gente nova com outras ideias, outra formação e outra atitude perante a vida e o trabalho, é uma lufada de ar fresco que renova a nossa mentalidade” dade”, considera.
Para Margarida Gama Lourenço, integrar a clínica do pai foi algo que cresceu com ela própria. “Eu cresci aqui, não vim para cá enganada. É uma profissão que exige uma grande dedicação e espírito de sacrifício pois em qualquer altura podemos ter que largar o que estamos a fazer para vir resolver um problema, mas sabia para o que vinha e gosto muito do que faço” faço”, refere. Ao contrário do pai, Margarida sempre teve uma forte inclinação para seguir medicina veterinária, “não que fosse uma grande paixão, como as pessoas costumam dizer, mas porque sabia que iria gostar disto” disto”. Mas não foi fácil entrar na universidade. Chegou mesmo a tentar outro curso: terapia da fala. “Gostava da profis-
são mas não do curso, não havia uma cadeira de que gostasse e desisti” desisti”. Acabou por conseguir entrar em medicina veterinária em Coimbra, formou-se em 2007 e começou a trabalhar na Clínica S. Francisco d’ Assis. Continuar o trabalho que o pai começou é algo que encara como uma grande responsabilidade, até porque “não imagino esta clínica sem nós cá estarmos” estarmos”, afirma. Margarida tem consciência que existe hoje muita competitividade no meio e, tal como os seus pais fizeram, também ela vai ter que fazer sacrifícios para manter a clínica, mas com uma vantagem: “não tive que começar sozinha, ultrapassar aquelas dificuldades iniciais, eles já o fizeram por mim e tenho que dar graças a Deus
A Clínica Veterinária S. Francisco D’ Assis, Lda. começou por ser apenas a parte da direita na Rua Vitorino Fróis e alargou-se em 1999 ao lado esquerdo.
por isso e esforçar-me para fazer andar este projecto mais 25 anos” anos”. Dos três anos de experiência que Margarida Gama Lourenço leva na actividade, o que acha mais complicado é lidar com a ligação, por vezes demasiado forte, que as pessoas criam com o seu animal de estimação. “O animal deve ser mais um membro da família, mas por vezes as pessoas estabelecem com ele uma relação demasiado forte” forte”, o que por vezes condiciona quando é preciso lidar com uma situação de doença. Difícil de lidar é também quando os problemas de saúde dos animais não são ultrapas-
sáveis e obrigam à eutanásia. É difícil porque não há con“É solo possível para o dono, e é difícil porque temos que reconhecer que não conseguimos resolver aquele problema, que até pode nem ter solução, mas é uma vida que está em jogo e vai ser tirada por nós” nós”. Tendo dirigido a sua formação para os animais de companhia, Margarida sente alguma curiosidade em trabalhar com grandes animais, área onde o pai começou e com a qual a veterinária tomou algum contacto durante o curso superior. “O trabalho no campo, embora muito duro, é muito bom para quem gosta” gosta”, refere,
Animais exóticos já vão aparecendo Os cães e os gatos continuam a ser os principais animais de companhia, e também os que de forma mais comum continuam a frequentar o veterinário. No entanto, os animais exóticos começam também a aparecer, o que constitui um desafio para os profissionais da saúde veterinária. Manuel Gama Lourenço adianta que já começam a aparecer coelhos, aves, alguns répteis, mas ainda em número reduzido. Mesmo assim, isso obriga a uma constante aprendizagem, “é um dos encantos da profissão” profissão”. Para Margarida Gama Lourenço, estes animais são mesmo um aliciante, “gosto imenso” so”, afirma. Apesar de não ter
tido ainda oportunidade de fazer uma formação aprofundada nesta área, procura partilhar conhecimentos com outros colegas que trabalham mais em animais exóticos “para poder lidar com o que aparece, porque é difícil progredir em determinada área se o trabalho que temos é pouco” pouco”. A veterinária sublinha, no entanto, que os donos deste tipo de animais têm cada mais interesse pelo bem-estar dos seus bichos. “Cada vez mais trazem o seu coelho, o seu porquinho da Índia para vacinar, ou só para ver se está tudo bem, coisa que há uns anos era impensável” impensável”. J.R.
acrescentando que se surgisse sentir-me-ia uma proposta “sentir-me-ia tentada a dividir o meu tempo entre uma coisa e outra, mas não é fácil porque na nossa zona não há muito trabalho nessa área” área”. J.R.
Cronologia 1984- Manuel Gama Lourenço abre a Clínica Veterinária S. Francisco D’ Assis na Rua Vitorino Fróis sob o nome comercial de S. Francisco D’ Assis, Lda. cujos sócios são o casal Manuel e Filomena Gama Lourenço 1989- Manuel Gama Lourenço assume a clínica a tempo inteiro. 1999- A clínica expandese para a loja do lado e passa a ter equipamento de Raio X 2005- É adquirida a loja que estava arrendada, passando as instalações da clínica a pertencer por inteiro à empresa. 2007- Margarida Gama Lourenço, filha do casal, junta-se ao pai como veterinária da clínica 2010- É criada uma sala de recobro para os animais recém-operados
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Henrique Querido, SA – o estucador que chegou a em com o filho
A família Querido numa foto de 1982
“Andei a dar serventia naquele prédio onde o Abílio Flores tinha a loja de peças [junto à igreja] com uma lata de massa às costas. Naquele tempo era muito duro” duro”, conta Henrique Querido. Depois, há cerca de 40 anos atrás, o hoje empresário foi destacado para as obras no Hospital das Caldas. As funções continuavam a ser as de servente. Mas é aí que Henrique Querido recebe uma proposta irrecusável. “Quando acabaram as obras, o patrão convidou-me para Lisboa a fim de tomar conta da construção de um prédio de seis andares. Eu disse: Oh senhor engenheiro, vou para lá tomar conta de homens que têm idade para ser meus pais. E ele: Não tenha medo”. Henrique Querido aceitou, claro. Mudou-se, então, de malas e bagagens para Lisboa. Finda a obra, como a experiência correra bem, o jovem empreendedor vai “comandar” mais uma pequena construção para a Costa de Caparica. Mas decide voltar às Caldas. “Estava fora da família e tinha saudades” saudades”, explica. Henrique Querido tinha casado em 1965 com Maria Filomena e opta por regressar, ainda que isso representasse deixar de ser encarregado de obra e voltar a trabalhar apenas como estucador. “Antigamente ganhava o dinheiro que queria” queria”, diz com satisfação. “O ordenado normal era de 50 escudos [25 cêntimos] e eu já ganhava três a quatro vezes mais. É certo que muitas vezes não me deitava por estar a trabalhar, mas fazia com gosto aquilo que pou-
cas pessoas sabiam fazer aquelas flores todas no tecto em estuque, tudo ao pormenor. Hoje já não sei fazer” fazer”, conta o empreiteiro. No início da década de setenta forma uma empresa em nome individual – a Henrique Bernardino Querido – e torna-se empresário. Chega a ter 35 homens a trabalhar por sua conta, numa época em os meios tecnológicos não eram os mesmos de hoje e a força humana era a “máquina” da construção. “As pessoas tinham que dar ao cabedal. Não é como
Ricardo Querido e o pai. O irmão Vítor, que chegou a participar na gestão da empresa, morreu em 1992
comprar terrenos e a construir apartamentos para vender. Foi aí que convidei o Júlio Fialho para fazermos uma sociedade” sociedade”. A empresa constituída pelos dois construtores chegou a dar emprego a 50 pessoas. Já havia betoneiras eléctricas que misturavam areia, pedra e cimento para fazer betão. Uma novidade para a época. “Amassavam um metro de betão de cada vez. Agora já não trabalham com elas. Hoje faz-se um prédio muito mais rápido. Num dia enchese os pilares todos” todos”, declara
O objectivo era criar uma grande empresa de construção civil nas Caldas. “Foi uma brincadeira. Almoçávamos todas as quartas-feiras juntos. Depois pensámos em comprar um terreno na Foz do Arelho. Construise um prédio de 12 andares, cada um ficou com um apartamento e vendemos outros quatro. De toda essa malta, o único que ainda tem lá um apartamento sou eu” eu”, dá conta o empreiteiro. Da Edificaldas sai um dos maiores empreendimentos da altura: os prédios da Avenida 1º de
dos. Nunca o fiz. Embrenheime de tal forma no trabalho que quando cheguei aos 22 anos optei por agarrar completamente a empresa” empresa”, conta. Três anos depois, Ricardo Querido fica a cem por centro na empresa, deixando para trás o sonho da Arquitectura e a música, (chegou a ser viola baixo na banda Declínios). “ Ao princípio trabalhava junto dos clientes a escolher materiais” materiais”. Daí à direcção de uma obra foi um passo. Começou por substituir o pai nos seus períodos de férias. “Quando che-
Foi no final da década de 50 que Henrique Querido entrou como empresário no ramo da construção civil. Quase sempre foi patrão. Mas antes de o ser, este empreiteiro, natural do Carvalhal Benfeito, passou pela árdua tarefa de ser servente, numa época em que o imobiliário nas Caldas despontou de forma galopante. agora em que a grua pode ter uma lança de 30 a 60 metros de comprimento e que chega a todo o lado. O pessoal tinha de andar com o balde pela escada acima. Demorava dias a encher uma laje” laje”, afirma. Com o 25 de Abril dá-se também uma revolução na empresa de Henrique Querido. Durante o chamado PREC (Período Revolucionário em Curso) as coisas não estão de feição para quem é patrão e Henrique Querido resolve a coisa de forma pragmática – despede todos os trabalhadores. Em 1978, em vez de empresário em nome individual, junta-se a Júlio Fialho e forma a Querido & Fialho, Lda, a primeira das várias sociedades por quotas que faria ao longo da sua vida empresarial. “Quando parei de fazer estuque e pinturas, comecei a
Henrique Querido. Como tudo tem um fim, os dois sócios acabaram por separar-se, em 1986 e Henrique Querido fica com a quota de Júlio Fialho. Mas um ano antes, o empresário já tinha constituído a sua própria empresa - a Henrique Querido Lda. que começa agora laborar. A empresa tem por sócios o casal Henrique e Maria Filomena e o filho Vítor Querido (então com 20 anos e que faleceria seis anos depois num acidente de viação). O espírito empreededor de Henrique Querido não se fica por aqui. Nos anos 80, aventura-se numa nova sociedade - a Edificaldas, desta vez com mais sete empresários: António Vibaldo, Abílio Pedro, António Leitão, Júlio Fialho, Silvino Costa e José e Luís Norte (estes últimos pai e filho).
Maio que fazem confluência com a Rua Raul Proença. Contudo, e com tantos construtores, começaram os conflitos, e Henrique Querido sai da mega-empresa em finais dos anos 80 para se dedicar à Henrique Querido Lda. Curiosamente, a Edificaldas, que mudou várias vezes de sócios, só seria extinta em 2008. PAI NA OBRA, FILHO NA IMAGEM DA EMPRESA
Ricardo Querido, filho mais novo do empreiteiro (nasceu em 1975) entra na empresa com 20 anos. Tinha terminado o 12º ano há dois e o seu sonho era tornarse arquitecto, mas, como o irmão falecera três anos antes, decide ajudar o pai na firma. “Ao mesmo tempo, sempre pensei que acabava os estu-
guei, as pessoas já me conheciam desde miúdo. Tal como o meu pai, também tive algum receio: Então agora também vou mandar nesta gente?” , questionava-se, pensando na sua idade perante pessoas mais velhas. A juventude e o dinamismo de Ricardo Querido ajudou à modernização da construtora. Questões como o marketing, imagem empresarial e sistema informático não estavam assim tão presentes na Henrique Querido Lda. “Em 1994 estavam a aparecer os grandes softwares de gestão que foram necessários implementar. Gastou-se algum dinheiro, mas criou-se uma imagem” imagem”, conta. O pai admite que nunca esteve tão vocacionado para a imagem da firma, mas permitiu que o fi-
lho pudesse trabalhar à vontade, pois também a construção civil tem que saber atacar o mercado. O filho explica as suas razões: “O mercado da construção civil se calhar ainda é considerado um mercado marginal. O construtor civil está estereotipado como o fulano que vai enganar. Se nós transmitirmos uma imagem séria, estável e organizada, dará certamente confiança ao consumidor” consumidor”. Hoje, aos 35 anos, Ricardo Querido ocupa o lugar de directorgeral de uma empresa que em 2009 passou a sociedade anónima (ver cronologia). Garante que nunca pensou em desistir, mesmo quando se assustava com os valores das compras dos terrenos do pai. O gosto de ver um prédio a erguer-se deu-lhe coragem para continuar a sua missão. “Temos uma relação de trabalho muito boa. Contam-se pelos dedos de uma mão as desavenças que tivemos. Há diferentes opiniões, mas a nossa estratégia enquadra-se na junção de gerações. Mas se em 1995 me perguntasse: Ricardo esta é sua primeira opção? Eu diria claramente que não” não”, afirma. “Complementamonos” nos”, acrescenta Henrique Querido, definindo assim obra construída entre pai e filho. A EXPANSÃO PARA O ALGARVE
Já por si, o Algarve é sinónimo de empreendimento. E foi isso que levou Henrique Querido a expandir-se para sul, mais exactamen-
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mpresário e detém hoje uma sociedade anónima te para a zona das Açoteias (concelho de Albufeira). Em 1992 deram-se os primeiros passos. “A escolha do Algarve em termos económicos é quase óbvia. O Algarve vendia muito e bem. As margens de lucro eram muito grandes” grandes”, afirma Ricardo Querido. Pai e filho ainda hoje falam com orgulho no prédio que construíram nos Olhos d’ Água (concelho de Albufeira). Está erguido a 15 metros do mar, tem 50 apartamentos, com uma piscina no quarto andar e com seis pisos debaixo de terra. Contempla 555 lugares de estacionamento. “Foi a obra que me deu mais gozo fazer. Custou dez milhões de euros. É a obra particular mais cara de sempre desta empresa” empresa”, diz Ricardo Querido. Todavia a crise também chegou ao Algarve. O director-geral da construtora declara que as vendas são esporádicas, embora garanta que o mercado lá não parou. “O grande cliente do Algarve era o inglês e o irlandês. A Irlanda está no estado em que está. Neste momento é muito difícil a um britânico conseguir um financiamento em Portugal. Assim sendo, o mercado que volta a existir com força é o mercado de primeira habitação” habitação”, afirma. A obra da Henrique Querido S.A. mostra-se em empreendimentos na cidade das Caldas, na Foz do Arelho, em Salir de Matos, Rio Maior e na Marinha Grande. Contudo, o empreiteiro diz preferir a construção privada. “Embora estejam [para privados] a vender mal, nas obras públicas ganha-se muito pouco dinheiro e pagam tardiamente” mente”, afirma Henrique Querido. Uma queixa comum a muitos empresários acerca dos atrasos dos pagamentos do Estado. “Mas somos muito fiéis às Caldas”, acrescenta Ricardo Querido. “Somos das poucas empresas que podemos dizer que temos algumas coisas por vender, mas também nos sustentámos. Fomos fazendo à medida que o cliente foi aparecendo, apostando na qualidade e em bons sítios” sítios”, remata. Hoje, a Henrique Querido S.A. já contempla cem prédios na cidade. É obra. Tânia Marques tania.marques@gazetacaldas.com Carlos Cipriano cc@gazetacaldas.com
Combate à crise passa pelo mercado turístico, comercial e de serviços Se há 40 anos o trabalho duro da construção civil era o esforço humano, hoje é duro tratar de toda a documentaçãoparaseconseguirfazer um prédio. Desde o dia da compradeumterrenoatéaodiadaconstrução dos apartamentos podem passar largos meses ou anos. A estrutura burocrática é grande e morosa e não há empresário da construção civil que dela não se queixe. “As aprovações nas Câmaras são le ntas. A nossa estrutulentas. ra é cega ao investimento e à boa saúde financeira da empresa. Por isso é que se vai criando mais documentos para tratar. Devia dar-se um passo atrás para que as obras e edifícios fossem seguidos por projectos que já existem” existem”, diz Ricardo Querido. Aliada à burocracia das legalizações dos empreendimentos, a crise teima em não largar o sector imobiliário e para isso há que procurar novas estratégias para a solidez da Henrique Querido S.A.. Solução? A empresa pretende expandir-se no mercado turístico, comércio e serviços. E a firma até está constituída desde 2002: H&Q, Empreendimentos Turísticos, Lda. “É um olhar para o futuro um bo-
cado cauteloso, mas conveniente.” ente.”, explica Ricardo Querido. A empresa possui terrenos em Mortágua, perto da barragem da Aguieira e no Alandroal, perto da barragem do Alqueva. Os motivos são óbvios: fazer ali alguma coisa relacionadocomoturismoruralouagroturismo. Mas o momento actual é de pura expectativa. A sociedade tem 22 funcionários incluindo encarregados, engenheiros, motoristas, pessoal de escritório e operários. Mas ainda há um mês havia mais de 120 homens a trabalhar para a empresa, mas em regime de subempreitada. Pai e filho dizem que hoje em dia, num prédio médio, 20 a 30% da obra é feita em outsoursing. Grande parte dos trabalhadores por empreitada são do Leste Europeu e brasileiros. “Existem também alguns portugueses, mas o trabalho da obra ninguém o quer” quer”, afirma Ricardo Querido, dando a conhecer que no empreendimento nos Olhos d’ Água contabilizaram homens de 24 nacionalidades (desde paquistaneses, senegaleses eaté indianos).( “Ninguém o quer, mas qualquer dia também têm que o gramar” gramar”,
Uma construção da firma no centro das Caldas na década de noventa.
persiste Henrique Querido. “Estão milhares formados no desemprego. Se nós continuamos a formar mais jovens... Para quê? Para irem para o Modelo aviar? Se não querem ir para a agricultura, nem para a construção, o que vão fazer? Rou-
bar?” bar?”, questiona. Ambos concordam que formação na área da construção civil seria fundamental para incentivar os jovens a “construir” melhor o seu futuro. T.M.
Henrique Querido quando presidia ao Caldas Sport Club entrega a chave de um carro sorteado
abundava. Tínhamos um orçamento de 5800 contos [28 mil euros].. A Câmara tinhanos prometido que dava quatro mil contos [20 mil euros] e era preciso arranjar os oito mil, a pedra e centenas de camiões de areia. Passei noites inteiras sem me deitar” tar”, conta.
Questões financeiras aparte, o empreiteiro fala com orgulho da boa equipa que o Caldas SC tinha. “Andávamos nos lugares cimeiros” cimeiros”. E também das actividades para angariar fundos para o clube. “Fazíamos noites de fados, jantares e até sorteios de carros, todos os meses” meses”. Porém, quando re-
1941 - Nasce Henrique Querido
1965 - Casa com Maria Filomena
1966 - Nasce o primeiro filho, Vítor Querido
1975 - Nasce Ricardo Querido 1978 – Henrique Querido cria
Da construção civil para a presidência do Caldas SC Para além da construção civil, Henrique Querido dedicouse também a outra paixão: o Caldas SC. Na época 1982-83 tornou-se director do clube. No ano seguinte foi para director das instalações desportivas e no terceiro ano chegou a presidente, cargo que ocupou – alternadamente – durante oito anos, até à época 1999-2000. Tal como na construção civil, o filho também quis acompanhar o pai nas lides desportivas. Ricardo Querido esteve ligado ao futssal e é ainda vice-presidente do Caldas, mas saiu a meio da época passada por falta de disponibilidade para o clube. É sócio há 25 anos. “Não fui um presidente do Caldas, fui um empregado do Caldas quase a tempo inteiro” inteiro”, resume Henrique Querido. “Deixei lá muita obra feita, por exemplo o arrelvamento do campo da mata. Trabalhei muito nessa altura porque o dinheiro não
CRONOLOGIA
lembra esses anos, Henrique Querido não esquece a tristeza de nunca ter sido agradecido pela “obra” que deixou ao clube. “Prejudiquei muito as minhas empresas, a minha família, para dar o máximo de apoio ao Caldas. Nunca fui agradecido. Gastei muito dinheiro e quando vinha embora, passavam aquilo a meia dúzia de patacos” patacos”, diz. Quando saiu a última vez da presidência, dois anos depois convidavam-no para retomar o cargo, mas já não aceitou. Ainda assim, o empresário não se arrepende do que fez pelo clube. “As pessoas mudam, mas a colectividade fica. O Caldas não tem nada para dar a ninguém, as pessoas é que têm de dar ao Caldas” Caldas”, concluí. T.M.
a sua primeira sociedade - a Querido & Fialho Lda. Início dos anos 80 – Henrique Querido junta-se a mais sete empresários caldenses e criam a Edificaldas 1985 – Constituição da Henrique Querido, Lda. tendo como sócios o casal Herique e Filomena Querido 1986 – Júlio Fialho sai da sociedade Querido & Fialho e Henrique Querido fica com a sua quota 1992 – Vítor Querido morre num acidente de viação 1995 – O irmão, Ricardo, entra para a firma 2002 – Nasce a H&Q, Empreendimentos Turísticos 2009 – A empresa Henrique Querido passa a Sociedade Anónima com um capital social de 1,3 milhões de euros. Ano 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Facturação 4,7 10,7 8,5 11,5 12,9 7,74 (em milhões de euros)
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Casa Galinha há 55 anos na rua Leão Azedo a vender
António Galinha (1913-1990) foi o fundador da loja que leva o seu apelido
Sete anos depois, Maria José Galinha decidiu passar o negócio para o seu irmão e sobrinha. A 19 de Dezembro de 1997 foi constituída a sociedade irregular “Casa Galinha de José Maria Marques e Maria Zita Marques Mateus Silva dos Santos”. Tio e sobrinha, que dedicaram toda a sua vida profissional à loja, passaram a ser os dois únicos sócios. O ramo de actividade oficial é a venda de solas, cabedais, peles e artigos para manutenção e restauro de calçado e de peles, como a graxa e as tintas para mudar de cor. Para além disso, vendem cintos, colas, coleiras de cães, calçadeiras e palminhas, entre outros artigos. Há produtos que ainda fazem sucesso, como os de tratamento para sofás de couro, ou os utilizados para impermeabilizar botas e casacos ensebados. Ao longo da sua existência só trabalharam naquele estabeleci-
mento os dois cunhados António Galinha e José Marques, bem como as respectivas sobrinhas de ambos, Zita Santos e Fernanda Raimundo. Esta última foi trabalhar para a Casa
Zita Santos ladeada pelos tios que a criaram no dia do seu casamento, em 1977
era caixeiro-viajante de uma loja que vendia solas e cabedais em Coimbra - a Faria Oliveira & C.ª, Lda, que ainda hoje existe. Na altura, um outro comerci-
Leão Azedo, mesmo junto à central de camionagem dos Capristanos, que tinha sido inaugurada seis anos antes. O prédio, propriedade de Car-
José Marques e a sobrinha Zita Santos à porta da Casa Galinha, que se mantém inalterada durante 55 anos.
UNICAL. Embora o primeiro contrato da Casa Galinha com os senhorios date de 1957, Zita Santos garante que a loja abriu em 1955.
Fundada em 1955, a Casa Galinha é um dos estabelecimentos comerciais mais antigos das Caldas da Rainha, com a particularidade de nunca ter sofrido qualquer remodelação. Instalada na rua Leão Azedo, começou por ser um local de peregrinação das centenas de sapateiros que existiam na região, que ali se abasteciam de cabedais, solas e outros artigos necessários para o seu ofício. O fundador, António Galinha, foi proprietário do estabelecimento até que morreu, a 10 de Fevereiro de 1990, com 77 anos. Nessa altura a mulher, Maria José Marques Ferreira Galinha, herdou a loja que Ela nem passou a ser gerida pelo seu irmão, José Marques, e por uma sobrinha, Zita Santos. “Ela sequer precisava de vir aqui, porque confiava totalmente em nós nós”, refere hoje a sobrinha, que tem 55 anos. Galinha aos 18 anos, mas emigraria para os Estados Unidos algum tempo depois, onde ainda reside. DE CAIXEIRO-VIAJANTE A COMERCIANTE
A loja foi fundada em 1955 por António Ferreira Galinha, que
Na loja também se fazem furos nos cintos das calças
ante de Coimbra convenceu António Galinha a investir na sua própria loja de solas e cabedais nas Caldas. A cidade tinha potencial devido à estação de comboios, um transporte que poderia ser utilizado para receber mercadoria. Também não foi por acaso que se instalaram na rua
los Tomaz (já falecido) e da sua mulher, Adelina Tomaz (que ainda hoje mora por cima da loja), tinha sido construído em 1950 e o espaço já fora arrendado pela União Caldense, um armazém de mercearias, cujos sócios eram António Rego e Eduardo Carvalho, e que deu origem à
Está tudo igual desde “Está essa altura, não se mexeu em nada. Nunca fizemos uma obra obra”, explicou Zita Santos. Há cerca de sete ou oito anos o tio quis fazer obras, mas a sobrinha insistiu em manter tudo Eu sou muito concomo está. “Eu servadora e também acha-
José Marques na loja com dois clientes
va que não era por fazer obras que iríamos vender mais mais”, comentou. A maior parte dos materiais utilizados ainda são os mesmos - a balança que está no balcão para as gramas ou as balanças decimais (uma para grandes quantidades e outra para pesos menores), mas também uma ferramenta de corte de peles que terá mais de 100 anos e que foi comprada em segunda mão. Em 2004 houve uma novidade na decoração da loja. Incentivados pelo discurso do então seleccionador nacional Scolari, colocaram à frente do balcão uma bandeira nacional, que ainda se mantém no lugar. DE SAPATEIRO A COMERCIANTE
José Marques, nascido em 1930, trabalha na Casa Galinha desde que esta abriu. Cunhado
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r peles e artigos para manutenção de calçado
José Marques com uma ferramenta de corte de peles que terá mais de 100 anos e que foi comprada em segunda mão.
de António Galinha, foi convidado a vir trabalhar para as Caldas porque tinha experiência como sapateiro em Freires (Benedita). Desde os 13 anos que se dedicava ao ofício de sapateiro e tinha por isso já alguma experiência no ramo. O pai de José Marques era polícia em Angola, a então colónia portuguesa para onde a mãe do Ela comerciante nunca quis ir. “Ela tinha medo de ir para lá e por isso acabámos por nunca mais saber nada dele dele”, recordou José Marques. Desde novo dedicou-se aos sapatos, numa oficina em Freires, onde trabalhava com outro cunhado, acabando por se mudar para as Caldas para responder ao convite de António Galinha de quem ficou empregado. Nos primeiros anos, quando havia muitos sapateiros, a loja teve um grande sucesso pois, para além dos das Caldas, vinham abastecer-se à Casa Galinha pessoas de toda a região Oeste. José Marques nessa altura dedicava alguns dias para sair à estrada como caixeiro-viajante, visitando várias centenas de oficinas, não só na região, mas até na zona da Grande Lisboa. Quando fazia essa zona “Quando costumava pernoitar numa pensão em Vila Franca de Xira Xira”, recordou. As primeiras viagens fazia-as num Austin A40 e depois foi preciso comprar uma carrinha, da mesma marca, porque fazia entregas de grandes quantidades de mateEu chegava a ir duas rial. “Eu vezes no mesmo dia à Benedita para entregar fardos de cabedal cabedal”, salientou. Esses foram os tempos áureapesar de os da Casa Galinha, “apesar haver muito caloteiro caloteiro”, mas ao longo dos anos os sapateiros Apareforam desaparecendo. “Apareceram as fábricas e as pes-
soas deixaram de querer meter as mãos onde os outros metiam os pés pés”, ironiza José Marques. Hoje são poucos os sapa“Hoje teiros que existem nas Caldas das”, comentou Zita Santos, mas segundo o seu tio chegaram a ser uma centena. Alguns desses sapateiros caldenses, como José Domingos, são clientes desde sempre e mantêm-se O melhor saem actividade. “O pateiro das Caldas é o senhor Abílio, um verdadeiro artista. Sabe restaurar tudo e faz artesanato em peles peles”, adiantou a comerciante. Ao longo do tempo tiveram que se adaptar e começar a vender outro tipo de artigos. Como quase não há sapa“Como teiros, os nossos principais clientes são as senhoras que procuram os nossos produtos tos”, adiantou Zita Santos. Há até clientes da zona de Lisboa que ao sábado de manhã aproveitam uma visita às Caldas para comprar artigos que dizem não encontrar em mais lado nenhum, ou então que são muito mais baratos na Casa Galinha. PELO MEIO, UMA PECUÁRIA
Há cerca de 30 anos, José Marques estava descontente com a sua vida financeira e decidiu arriscar num outro negócio. “Ganhava pouco e comecei a ter muitos filhos” filhos”, explicou. Dirigiu-se ao Banco de Portugal na Praça da República e pediu um empréstimo de 50 contos (250 euros). Com um ordenado na altura de 800 escudos (quatro euros) e sem nada em seu nome, teve de convencer o gerente e arranjar dois fiadores para conseguir o empréstimo. Montou então uma pecuária e conseguiu pagar o empréstimo. Os dias de trabalho eram intermináveis. Abria a porta da
Casa Galinha às nove da manhã e fechava às 19h00. À noite ia tratar dos porcos e nunca chegou a contratar nenhum funcionário para o ajudar. Manteve a pecuária durante 26 anos, até que o negócio começou a dar prejuízo. Vendeu-a e com esse dinheiro comprou um bar na Cidade Nova que é gerido por um dos seus filhos há cerca de 17 anos. José Martins reformou-se aos 65 anos, mas não quis deixar a loja e todos os dias às nove da manhã está a abrir-lhe a porta. É ele também quem encerra o estabelecimento todos os dias às sete da tarde. Desde que foi criado o Toma a sua sobrinha apanha o autocarro que passa em frente à Rodoviária às 18h20 Ainda bem para ir para casa. “Ainda que o meu tio continua aqui, porque sempre vai estando entretido. Os homens não servem para ficar em casa casa”, gracejou a sua sobrinha. Tenho amor a isto. Se fa“Tenho lho um dia em vir cá parece que já não ando bem bem”, explica o comerciante. Recentemente José Marques voltou a fazer pequenos serviHavia ços como sapateiro. “Havia pessoas que pediam e comecei a colocar capas nos sapatos patos”, explicou. Pedem-lhe também muitas vezes para fazer mais um ou dois furos nos cintos das calças. ZITA SANTOS TRABALHA DESDE OS 13 ANOS NA LOJA
Zita Santos nasceu em 1953, na Benedita, dois anos antes da loja do seu tio António Galinha abrir portas. Aos nove anos foi morar com os seus tios José Marques e António Galinha que a criaram. Antes disso, ainda morou com os seus pais em Rio Maior, até terminar a quarta classe.
Zita Santos continua a pesar pregos como o fazia há 40 anos
Vinha sempre aqui às “Vinha Caldas passar férias com os meus quatro irmãos. Os meus tios não tinham filhos e a minha tia fez questão que eu, que era a mais velha, viesse morar com eles aos nove anos, mas continuei sempre a relacionar-me bem com os meus pais pais”, contou Zita Santos. Logo nessa altura começou a frequentar a loja, mas apenas Tanto eu, para passar tempo. “Tanto como outras pessoas que vinham para aqui brincar adoravam mexer nas peles. Os netos do meu tio também brincaram todos aqui. As crianças rebolavam nos couros ros”, recordou. Até ao dia do seu casamento, em 1977, Zita Santos morou sempre com os seus tios, junto ao Tribunal das Caldas. Os tempos eram outros e Zita Santos lembra-se que oito dias antes de se casar, a tia não a deixou ir com o actual marido comer uma caldeirada a Peniche. Quando andou a estudar à noite para fazer o curso comercial, na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro, a sua tia também foi sempre muito rigoEu saía daqui às sete e rosa. “Eu as aulas começavam às sete e meia. Ia a correr para casa, jantava e depois ia para as aulas, que acabavam às 22h50. Mas se eu não estivesse em casa às 11 horas, ela ia à minha procura procura”, recorda-se. Ainda surgem algumas lágrimas quando Zita Santos se recorda como a tia tinha sempre o jantar na mesa quando regressava do trabalho e precisava de Ela se despachar para a escola. “Ela é que me criou. Os meus tios trataram sempre de mim mim”, conta, emocionada. Zita Santos também recorda
que começou a trabalhar oficialmente na loja a 1 de Outubro de 1966, tinha então 13 anos. Ainda era pequenita “Ainda pequenita”, comentou, agora mais bem-disposta. A comerciante lembra-se também quando os sapateiros faziam fila à segunda-feira para comprarem o material de que precisavam para o seu ofício. Tinha 13 anos e ficava mui“Tinha to irritada porque o meu tio punha-me a pesar os pequenos pregos e depois ralhava comigo a dizer que eu não sabia pesar. Mas tenho muitas saudades desses tempos pos”, disse. A comerciante é casada com um empresário que tem uma fábrica de sapatos na Benedita, lamentando-se que também esse negócio esteja a sofrer muito com a crise. só Quanto à Casa Galinha, “só conseguimos manter a loja aberta porque a renda é muito barata. Isto já nem sequer dá para tirarmos um ordenado daqui daqui”, lamenta. A primeira renda foi de 450 escudos [2,2 euros] e actualmente pagam 150 euros. Sem quererem adiantar números em relação às vendas, vão dizendo que cada vez vendem menos. É que, apesar de sempre irem tendo vários clientes ao longo do dia, são sempre compras de baixo valor. DESCENDENTES NÃO QUEREM CONTINUAR NEGÓCIO
José Marques tem quatro filhos e oito netos. Nenhum deles está interessado em um dia continuar o ofício que o ocupa há mais de meio século. Zita Santos tem um filho com 17 anos que está no 12º ano, mas também não tem nenhum inte-
resse em poder vir a trabalhar na Casa Galinha. O projecto de regeneração urbana da Câmara das Caldas prevê que a rua Leão Azedo passe a ser pedonal. Tio e sobrinha têm opiniões diferentes sobre o que isso pode fazer pelo negócio deles. Zita Santos teme que o calcetamento da rua afaste ainda Tenho muimais as pessoas. “Tenho to receio, porque muitas vezes os clientes vêm aqui de carro de propósito. Ultimamente nem pessoas se vêem na rua rua”, opinou. Na sua opinião, desde que construíram o CCC e o prédio ao lado, acabando com o estacionamento à superfície existente, as pessoas deixaram de passar na rua do Jardim. De qualquer forma, tem esperança que as obras sejam benéficas para o comércio. Para José Marques será melhor que se encerre a rua ao trânIsto agora é só carros sito. “Isto por todo o lado lado”, critica, esperançado que a circulação de pessoas venha a aumentar depois das obras feitas. Pedro Antunes pantunes@gazetacaldas.com
Cronologia 1913 – Nasce António Galinha, fundador da loja 1930 - Nasce José Maria Marques 1953 – Nasce Zita Santos 1955 – É fundada a Casa Galinha na rua Leão Azedo 1966 – Zita Santos começa a trabalhar na Casa Galinha 1990 – Morre António Galinha, fundador da loja 1997 1997- Constituída a sociedade irregular “Casa Galinha de José Maria Marques e Maria Zita Marques Mateus Silva dos Santos”
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Carnes Moreira – produção própria garante 80% da
O casal António Moreira e Maria José Moreira partilharam uma vida de trabalho, cujo legado é mantido pelos filhos.
Falar das Carnes Moreira é falar da vida de António Moreira, o jovem aprendiz de barbeiro que se transformou em empresário, chegando a ter um milhar de animais nas suas herdades do Alentejo, cuja carne depois comercializa nos dois talhos das Caldas da Rainha. António Moreira nasceu em 1938 na aldeia de Salir do Porto. Ainda gaiato, com os seus 15, 16 anos, veio para as Caldas aprender o ofício de barbeiro, chegando a trabalhar na barbearia do Quintas, situada perto do Chafariz das Cinco Bicas. Entretanto também aprendera a tocar acordeão e, sempre que podia, animava os bailes da região com a sua presença. Mas a vida de barbeiro não o entusiasmou e, aos 20 anos, embarca no paquete Angola, onde permanece durante 12 anos a trabalhar como ajudante de pasteleiro. Em 1970 regressa à terra natal. Está então com 32 anos, altura em que começou a dedicar-se à lavoura e aos animais. O dinheiro que trouxe da vida no mar, cerca de 105 contos (524 euros), gastou-o na compra de um tractor, com o qual começou a trabalhar para ter “dinheiro para comer” comer”, lembram hoje os filhos, António e Miguel Moreira. António Moreira começou então a trabalhar na agricultura e prestar de serviços de la-
voura com o tractor para outros agricultores. Com o dinheiro que começou a amealhar, comprou uma vaca, que na altura custava entre quatro a cinco contos (20 a 25 euros). “O meu pai trabalhava uma semana e arranjava dinheiro para comprar uma vaca” vaca”, lembra o filho Miguel Moreira, actualmente com 37 anos, que acompanhava o pai nas suas idas à segunda-feira
respectivamente. Maria José Moreira recorda que até então não tinha tido grande contacto com animais pois apenas tinha tratado de um ou dois porcos que os pais tinham para consumo doméstico. Teve que se habituar à nova vida e não foi tarefa fácil. Levantava-se pelas 6h00 da manhã, ainda o sol não era nascido, para começar a ordenha. Depois, era tratar, limpar, voltar a or“tratar,
Miguel e António insistem na “produção natural” como garante da qualidade. A mãe, já reformada, ainda é uma boa conselheira no negócio da família
onde ficou a trabalhar o filho António, enquanto que o Miguel ajudava o pai e a mãe com a criação dos animais. Nesta altura ia com frequência ao Alentejo comprar palha e também animais, e num almoço num restaurante em Alter encontrou João Saraiva, das Caldas, que lhe propôs vender a herdade que possuía em Chança ou concelho de Alter do Chão. Foram de seguida visitá-la e o
para se dedicar em exclusivo ao gado de carne para venda nos talhos. Mas os primeiros tempos no Alentejo não foram fáceis. António Moreira tinha aplicado todas as suas poupanças na aquisição da propriedade e, nos dias em que tinha de lá ficar, dormia dentro da camioneta. Mais tarde, em 1998, comprou ao Estado uma fábrica de transformação de tomate que tinha
Caso único na região e um dos poucos a nível nacional, os talhos Moreira produzem 80% da carne que vendem aos clientes, na sua maioria de vaca. A história de sucesso das Carnes Moreira, que engloba dois talhos nas Caldas da Rainha e uma herdade de produção de carne no Alentejo, pode ser resumida na visão empreendedora de António Moreira, um natural de Salir do Porto que se recusou a ser barbeiro, ofício para o qual o mandaram aprender em gaiato. “Começou com uma vaca em inícios da década de 70 e chegou a ter mais de mil” mil”, contam, orgulhosos, os filhos, António e Miguel, sobre o percurso do progenitor. Actualmente são eles que dão continuidade ao negócio, dividindo-se entre os talhos nas Caldas e Alter do Chão, onde continuam a criar bovinos, suínos e borregos, sempre tendo por lema “produzir o mais puro possível”. ao mercado das Caldas para comprar animais. O agora agricultor sempre que tinha algum dinheiro disponível comprava vacas, às quais depois retirava o leite para vender. Nos anos 80 chegou a ter 200 vacas a dar leite, em Salir do Porto. A ajudá-lo tinha a esposa, Maria José Moreira (com quem casou em 1962), e os seus filhos, Isabel, António e Miguel, actualmente com 47, 44 e 37 anos,
denhar” denhar”, num ciclo que nunca tinha fim. “Era muito o trabalho” trabalho”, recorda hoje Maria José, com 69 anos, fazendo notar que naquela altura pouca maquinaria existia e o trabalho, desde a apanha da comida para o gado no campo, à ordenha e limpeza dos estábulos, era todo feita manualmente. Em 1989 António Moreira comprou o primeiro talho, na Rua José Filipe Neto Rebelo,
negócio consumou-se, corria o ano de 1993. Inicialmente começaram por levar para lá as vacas de carne que tinham em Salir do Porto, cerca de uma dezena, e foram aumentando o número, até que chegaram a ter mil cabeças de gado. Esta aquisição no Alentejo, juntamente com a crise que se verificou ao nível do leite (em que o preço pago por litro era muito baixo), levou os Moreira a deixar de apostar nesta área,
falido – com uma área de sete hectares, dos quais 30 mil metros eram cobertos - onde instalou a parte de engorda dos animais. Quatro anos mais tarde abrem um novo talho nas Caldas, desta vez junto à praça de touros e, em 2005 compraram outra herdade no Alentejo, junto à primeira, perfazendo um total de 500 hectares de terreno. Este último investimento foi de um milhão de euros.
António Moreira de pouco se viria a gozar deste seu património pois faleceu em 2006, com 68 anos. São agora os dois filhos, António e Miguel, que continuam o negócio do pai, sempre acompanhados pela mãe. Junto dos filhos, Maria José recorda que a sua vida foi dedicada ao trabalho e que nunca teve férias. “Não conheço nada” conta, lembrando que, no início não tinham empregados e tinham que alimentar os animais e tirar-lhes o leite, e depois o trabalho foi sempre adensando-se. Na última década esteve, juntamente com o marido, grande parte do tempo na herdade do Alentejo, onde este se dedicava à criação dos animais e ela tomava conta da casa, que entretanto lá construíram. A família Moreira tem duas empresas. Os talhos, com o nome António Gregório Moreira, são agora geridos pelos herdeiros (os três filhos e a esposa). Já a exploração do Alentejo, denominada Sociedade Agrícola Moreiras, foi formada em 1994 e é uma sociedade por cotas, divididas entre os irmãos António e Miguel e a mãe, Maria José Moreira. O ano passado o volume de facturação das duas empresas foi de 1,157 milhões de euros. Fátima Ferreira fferreira@gazetacaldas.com
António Moreira a tocar acordeão numa imagem da década de cinquenta e noutra quando esteve embarcado no navio Angola. Com as suas poupanças comprou um tractor que marcou o início da sua vida de empresário.
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as vendas nos dois talhos que detém nas Caldas
António Moreira com familiares na Herdade das Quintas nos anos noventa. A empresa tem mais de mil cabeças de gado que faz questão de criar em ambiente natural.
“Produzimos como se produzia há 30 anos, com produtos naturais” A vida dos Moreira é agora passada entre os talhos nas Caldas e o Alentejo. O filho António Moreira, actualmente com 44 anos, é o responsável pelos dois talhos que têm na cidade, passando ali grande parte do seu tempo. Lembra-se de em pequeno ajudar os pais a tratar dos animais e conta que toda a sua vida tem sido relacionada com esta actividade. Quando era miúdo levantava-se bastante cedo e, antes de ir para a escola, ainda limpava os estábulos dos animais. Quando regressava das aulas ia ajudar a tirar o leite a apanhar o pasto para o gado. “Os meus colegas ficavam contentes por ter férias, mas eu não, pois era nessa altura que ainda trabalhava mais” mais”, recorda o empresário, dos tempos da Escola Secundária Bordalo Pinheiro, que frequentou até ao 10º ano. Em 1989 começa a trabalhar no talho que o pai tinha comprado. Nunca tirou qualquer curso de especialização e o que sabe aprendeu-o com um empregado que tinha na altura e que possuía experiência no ramo. Actualmente são 14 os
funcionários distribuídos entre as duas lojas e a herdade do Alentejo. Já Miguel Moreira, actualmente com 37 anos, deixou os estudos aos 14 para ir trabalhar directamente com o pai. “Fui sempre mais agarrado à parte da criação de gado” gado”, diz, recordando que quando saiu da escola foi trabalhar para a vacaria do leite, na altura em que estava a produzir em pleno. “Sempre produzimos muito bem” bem”, conta, destacando que foram os únicos produtores de leite da região a vender para a Vigor. Os carros da empresa de lacticínios vinham directamente de Sintra a Salir do Porto buscar o leite, que era de bastante qualidade. “O meu pai sempre foi uma pessoa muito antiga na forma de produzir as coisas” sas”, salientou Miguel, adiantando que nas carnes o processo continua a ser igual: “produzimos como se produzia há 30 anos, com produtos naturais” naturais”. A qualidade é o garante da continuidade e sucesso desta empresa. António Moreira lembra que, há cerca de uma década, quando “explodiu” o escân-
dalo das “vacas loucas” a estação de televisão SIC entrou em contacto com eles para saber porque é que as suas vendas não caíram, tal como aconteceu com a maioria dos outros talhos. A resposta estava na confiança que as pessoas tinham em comprar carne de animais que eram criados pelos próprios. Foi também nessa altura que ganharam novos clientes, muitos da região e alguns de fora. Entre eles uma senhora de Coimbra que, depois de ver a reportagem na televisão, dirigiuse às Caldas para lhes comprar carne. Desde então costuma aviar-se nos talhos Moreira duas vezes por ano. “A carne que eu como é a mesma que vendo aos meus clientes” clientes”, diz António Moreira, destacando que sempre se são conhecidos casos de problemas com animais, aumentam os clientes nos seus talhos. “Não damos produtos artificiais aos animais. Éramos nós que produzíamos a ração, mas agora já não o fazemos porque não temos pessoal” pessoal”, adianta António, ressalvando que o lema da casa é comercializar o produto o mais
puro possível. A crise actual também se tem feito notar “um bocadinho” nestes primeiros meses do ano, fazendo-se notar que as pessoas estão sem dinheiro. “O ano passado foi espectacular, o Natal e Ano Novo possivelmente até foi melhor que os anteriores” anteriores”, referem, reconhecendo que este início de ano está a ir mais devagar, mas os meses de Janeiro e Fevereiro são sempre mais fracos. Neste momento, na herdade do Alentejo possuem cerca de 1200 cabeças de gado, a maioria bovinos, mas também suínos e borregos. Produzem 80% da carne que vendem nas suas duas lojas que possuem nas Caldas, (comprando apenas as aves, assim como alguma carne de porco). Por isso, as Carnes Moreira são um caso único na região Oeste e um dos raros do país a produzir a carne que gastam nos talhos. Há cerca de oito anos decidiram colocar uma caixa multibanco no talho situado na Rua José Filipe Neto Rebelo, uma vez que não havia nenhuma naquela zona. Os frutos fizeram-se notar na altura. “As pessoas vinham levantar dinheiro,
viam o talho e acabavam por entrar para comprar” comprar”, conta António, destacando que, além de chamar clientes para a loja, o objectivo passou por trazer um serviço que fazia falta aquela zona da cidade. Sobre o pai, António e MiEra guel, só tecem elogios. “Era uma pessoa muito empreendedora, que começou do nada, mas também era muito rigoroso e poupado” poupado”, dizem, acrescentando que querem continuar as suas pisadas e tentar que as coisas andem para a frente. “Todos os dias me levanto a pensar que quero fazer mais e melhor, ou pelo menos manter o que ele nos deixou” deixou”, diz António Moreira, destacando que essa é a “melhor homenagem que lhe podemos prestar prestar”. Entretanto, os filhos de ambos, com idades compreendidas entre os nove e os 11 anos, já começam a seguir as pisadas da família e a ligação ao campo e aos animais. Fátima Ferreira fferreira@gazetacaldas.com
A carne que é vendida nos dois talhos é, na esmagadora maioria, de produção própria. Só compram aves e alguma carne de porco
Cronologia 1938 – Nasce António Moreira 1955 – Aprende o oficio de barbeiro nas Caldas e toca acordeão como nos bailes 1957 – António Moreira embarca no paquete Angola, onde permaneceu cerca de uma década 1967 – Começa a dedicarse à lavoura e compra o primeiro tractor agrícola
Inicio da década de 70 – Compra os primeiros animais e começa a vender leite 1989 – Abre o primeiro talho nas Caldas, situado na Rua José Filipe Neto Rebelo 1993 – Compra a primeira herdade no Alentejo, a Herdade das Quintas, em Chança, concelho de Alter do Chão. 1994 - É formada a sociedade Agrícola Moreiras, para gerir a exploração de produção de carne 1996 – Compra uma fábrica devoluta no Alentejo que adapta para engorda dos animais 2002 – Abre o segundo talho nas Caldas da Rainha, na Rua Praça de Touros 2005 – Compra a segunda herdade, contígua à que já possuíam, perfazendo um total de 500 hectares
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Farmácias Rosa, Caldense e de Sta. Catarina – a neta expandir o negócio do avô
O fundador José Correia Rosa (1917-1999). Ao lado, a filha mais velha, Margarida Rosa Tacanho e a neta, Catarina Rosa Tacanho, que é a actual gestora das três farmácias
José Constantino Correia Rosa (1917-1999) nasceu em Alenquer, filho do boticário Gregório da Silva Rosa (1881-1972) que já possuía a sua farmácia Rosa naquela localidade. Tirou o curso de Farmácia em Lisboa e arranjou o seu primeiro emprego nas Caldas, na Farmácia Branco Lisboa. Veio morar para a cidade termal em Agosto de 1944, recémcasado com Maria dos Anjos Costa Rosa (nascida em 1921). A sua carametade é de Tomar mas conheceram-se em Alenquer, localidade onde a jovem tinha familiares e ia passar férias. “E como não houve tempo de arranjar casa, os nossos pais instalaram-se no Hotel Lisbonense bonense”, recordam as duas filhas Margarida Rosa Tacanho (de 65 anos) e Eduarda Rosa (62 anos), acrescentando que ali viveram durante seis meses. Nessa altura tiveram a oportunidade de conviver com muitos refugigente muito ados estrangeiros, “gente chique com quem sobretudo a nossa mãe acabou por privar privar”, recordam as filhas que actualmente vivem em Lisboa. A vida correu bem a José Correia Rosa pois cinco anos depois de estar trabalhar na Farmácia Branco Lisboa, estabelece-se por conta própria, adquirindo a Farmácia Caldense, na Praça 5 de Outubro, revelando desde logo olho para o negocio pois o seu estabelecimento usufruía do grande movimento da Praça do PeiA aquisição não foi fácil, o xe. “A nosso pai teve que pedir ajuda financeira a familiares de modo a concretizar o negócio negócio”, disseram Margarida Rosa Tacanho e Eduarda Rosa, recordando inclusivamente que eram os próprios novos proprietários que faziam os inventários, as análises e até a limpeza. Vendia-se de tudo na far“Vendia-se mácia mácia”, contam, recordando que eram vendidos até produtos de ”Quero cinco tostões veterinário.”Quero de pó de Maio” Maio”, diziam muitas ve-
zes as pessoas, que vinham de todo o concelho, sobretudo à segunda-feira. Depois das compras na Praça do Peixe iam sempre aviar-se à farmácia. A Farmácia Caldense, na Praça do Peixe, torna-se uma das principais da cidade, em conjunto com a Farmácia Central (na Praça da Fruta), a Farmácia Freitas (na Rua da Liberdade)
garida lembra-se de ir ao cinema, de passear no parque e de ir aos bailes do Casino. A irmã Eduarda é mais nova e por isso não se lembra de tais vivências. Como os negócios iam de feição na movimentada Praça do Peixe, José Correia Rosa decide expandir a sua actividade. É em 1958 que vai abrir a sua segunda farmácia, com o
ticaram pois achavam que não iria ser bem sucedido sucedido”, contam. Volvidos quase 60 anos, não poderia ter feito melhor opção e hoje, ao contrário daqueles tempos, é a Farmácia Rosa que tem mais movimento. Primeiro a farmácia Rosa esteve na Rua Fonte do Pinheiro, num ex-armazém de uma drogaria, onde era suposto estar um ano, mas acabou por estar uma década. Depois passou para a Rua Raul Proença e, em 1983, “éé que passámos para a Av. 1º de Maio, primeiro num local muito mais pequeno pequeno”, contaram Margarida e Eduarda. Desde cedo, José Rosa começa a dar emprego e é conhecido por ser generoso nos pagamento dos salários dos seus funcionários. FAMÍLIA MUDA-SE PARA LISBOA E ALUGA FARMÁCIAS CALDENSES
As duas jovens acabam por ir estudar para Lisboa e os pais decidem acompanhá-las. “O nosso pai arranjou emprego em Lisboa nos Laboratórios Azevedo Azevedo”, contam as
veis nas Caldas Caldas”. Quando seguem rumo à capital deixam para trás a frequência no Verão de S. Martinho e da Foz do Arelho, estâncias que trocam pela Costa da Caparica. Eduarda Rosa tira o curso de Farmácia, apesar de nunca ter trabalhado na sua profissão porque enveredou pela carreira universitária - foi professora na Faculdade de Farmácia na área da Química Orgânica, depois de ter tirado o seu doutoramento em Inglaterra. A sua irmã Margarida ainda tentou e frequentou o primeiro ano do curso de Farmácia, mas acabou por desistir pois, na verdade, o que mais gostava era de Letras. Além da sua profissão e dos seus negócios, José Rosa era activo. Foi rotário e chegou a ser governador de tal grupo em 1966. Enquanto trabalhou em Lisboa, durante algum tempo e quando precisava de vir às Caldas ficava em casa até que se fartou, de amigos, “até tendo por isso adquirido um andar no Largo da Vacuum Vacuum”, relembram as filhas. José Rosa sofre um enfarte em 1971 mas graças aos
Há no concelho das Caldas três farmácias que pertencem à família Rosa: a farmácia Caldense, a Rosa e a de Sta. Catarina. Foram fundadas por José Correia Rosa (1917-1999), farmacêutico empreendedor que deixou os estabelecimentos às filhas Margarida e Eduarda. Estes são geridos pela neta, a farmacêutica Catarina Rosa Tacanho (filha de Margarida) desde 2003, que tem expandido o negócio para novas áreas como a cosmética biológica e o espaço animal. As três farmácias empregam 25 pessoas e, em dois anos, é a segunda vez que a Farmácia Rosa é alvo de obras de expansão. Reabre em breve com mais 110 metros quadrados de área de atendimento com o objectivo de “servir melhor os nossos clientes clientes”. e a Branco Lisboa (Rua das Montras). Do Hotel Lisbonense decidiram depois mudar-se para a primeira casa nas Caldas, na Rua Sangreman Henriques nº 9 -1º em frente à Farmácia Maldonado. Vai ser neste novo lar que já nascem as suas filhas, com a ajuda do médico Mário de Castro. E que memórias guardam “as filhas do Sr. doutor?” “Recordo-me bem de vir para a Farmácia Caldense e brincar com alguns dos funcionários mais novos. E isto porque muitos começaram como meninos dos recados aos 12 anos e ainda hoje cá estão e são quase da família” família”, conta Margarida Rosa Tacanho. Lembrase também de como o seu pai se aborrecia pois havia vendedeiras que ocupavam os passeios laterais à quase Praça a vender galinhas e “quase que não se conseguia entrar na farmácia farmácia”, acrescentou. Achavam o máximo o facto da farmácia dar para a Praça do Peixe e do outro lado para a Rua das Vacarias, onde o farmacêutico chegou também a ter um armazém. As irmãs Rosa ainda frequentaram o Teatro Pinheiro Chagas. Mar-
seu sobrenome, tal como o seu pai tinha feito em Alenquer. Contam as filhas que não foi fácil, não só devido à apertada legislação, como pela concorrência que já existia na cidade. O nosso pai tinha olho para “O o negócio e queria ir sempre mais além além”, contam, acrescentando que José Rosa desde cedo tinha vontade de abrir um espaço na zona onde hoje é a Avenida 1º de Maio e que nos anos 50 não era nada desenaté o crivolvida. Veio sozinho e “até
irmãs, acrescentando que nessa altura e até ao 25 de Abril as duas farmácias caldenses ficaram a ser administradas pela Sociedade Industrial Farmacêutica, uma empresa de Lisboa que ficou encarregue da sua gestão. As filhas contam que o pai gostou muito de exercer o cargo Laboratóuma pesrios Azevedo pois era “uma soa curiosa e muito interessada que acabou por ir aprender coisas que não seriam possí-
cuidados da esposa - que lhe impõe rigores na alimentação e o faz dar passeios - que se manteve saudável até passar dos 80 anos. José Rosa regressa às Caldas no pós-25 de Abril onde viverá até ao final da sua vida a tomar conta das suas farmácias. Em Novembro de 1976 passou a funcionar em Sta. Catarina um posto de medicamentos, sob responsabilidade da Farmácia Caldense. A certa altura o governo mandou
fechar os postos de medicamentos que, ou passavam a ser farmácias se cumprissem um certo numero de itens - ou teriam que encerrar. “Hoje é uma farmácia que é nossa que inaugurámos há um ano ano”, disseram as irmãs Margarida e Eduarda. As herdeiras das três farmácias contam que José Correia Rosa era uma pessoa bem-disposta, “uma conversadora, simpática e muito cavalheiro e bem educado. Era um optimista optimista”. José Rosa era um homem de esquerda, membro do Partido Comunista e a família “era um pouco diferente porque não éramos religiosos e não íamos à missa missa”, lembram as filhas. Era uma pessoa muito respeitada e que ajudava os outros. São várias as clientes que ainda hoje se emocionam ao recordar como em alturas mais difíceis das suas vidas o Dr. Rosa as deixava levar medicamentos para os filhos permitindo que pagassem mais tarde. Recordam-se também que os pais viajavam muito, aproveitando a realização de conferências ligadas à farmácia noutros países. Já nos anos 90, José Correia tem 80 anos e vai deixando aos poucos a gestão das farmácia. O patriarca faleceu em 1999, aos 82 anos, passando o testemunho às suas filhas. “A nossa mãe ajudou-o muito, mas ele é que era o andarilho andarilho”. Tanto que apesar de se ter apercebido que já não ia trabalhar com a informatização, foi dos primeiros a adquirir computadores e apressava-se a dizer aos seus empregados que para funcionar, bastava carregar no botão. Hoje quando a responsável Catarina Rosa Tacanho fala aos seus funcionários em mudanças - robots ou novos programas - eles sorriem e relembram o fundador: “Já sabemos, é só carregar no botão!”. “SE FORES PARA FARMÁCIA DOU-TE UM CARRO!”
Catarina Rosa Tacanho (nascida
O casal fundador, José Constantino Correia Rosa (1917-1999) e Maria dos Anjos Costa Rosa (nascida em 1921) conheceram-se em Alenquer e viveram nas Caldas e em Lisboa.
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a do Dr. Rosa soube consolidar e José Faria, dedicou meio século à Farmácia Rosa
A equipa que actualmente trabalha na Farmácia Rosa
em 1976) é filha única de Margarida Tacanho e lembra-se em pequena de ir às farmácias do avô e de o ver vender pasta medicinal Couto. Apesar de quando era jovem dizer que queria ser jornalista, na altura da Faculdade o avô José Rosa disse-lhe: “Se fores para Farmácia dou-te um carro!”. Foi algo que ajudou a decidir-se a seguir o destino da família e nem se importou pois até tinha boas notas a Química. Tirou o curso na Faculdade de Farmácia do Porto e dois anos depois de terminar a licenciatura, em 2003, veio para as Caldas gerir o negócio familiar. Possui uma pósgraduação em Gestão Farmacêutica e não descura acções de formação na área da Gestão e dos Recursos Humanos. Tenta estar actualizada, até porque gerir pessoas nunca foi fácil “e nós já somos muitos tos”. Ao todo as três farmácias empregam 25 pessoas: 12 na Farmácia Rosa, 11 na Caldense e duas na de Sta. Catarina. Uma das primeiras dificuldades que enfrentou quando chegou foi a grande rivalidade entre as duas que farmácias Caldense e Rosa “que eu tenho tentado amenizar amenizar”. A primeira perdeu movimento para não fazia sentido a segunda e “não este sentimento entre farmácias da mesma família família”. Catarina Tacanho reconhece que herdou - com o seu primo Robin Rosa Burgess, filho único da sua tia Eduarda - uma empresa bem organizada e como tal, segue à ris-
ca alguns dos ensinamentos do seu avô que são “o aprovisionamento racional e dimensionado e nós ainda hoje damos muita atenção ao nosso stock, tentando ter o que as pessoas precisam ”. Acha que o seu avô foi um excelente gestor e aproveitando a base decidiu também organizar e inovar nas suas farmácias. Mantém também a norma de que um funcionário contente trabalha muito melhor e paga acima da média, tal como o seu avô. Alguns dos funcionários sempre a viram como a “neta do senhor doutor” pois há gente que trabalha nas três farmácias do grupo com 30 e Metade até com 40 anos de casa. “Metade da equipa é antiga e a outra metade nova” nova”, disse a farmacêutica e gestora, explicando que os mais velhos passam aos mais novos “oo amor à camisola camisola”. APOSTAS EM COSMÉTICA BIOLÓGICA E NO ESPAÇO ANIMAL
Estabilizada a estrutura, Catarina Tacanho apostas noutras áreas. Organiza caminhadas, distribui preservativos no dia 1 de Dezembro (Dia Mundial da Sida) e desde 2008 que faz distribuição de medicamentos ao domicilio para aqueles que não se podem deslocar às farmácias. Organiza também workshops de áreas como o aleitamento materno e está atenta aos novos produtos para públicos
A farmacêutica-gestora Catarina Rosa Tacanho no corredor de armazenamento de medicamentos
porque específicos, em especial “porque temos que ter uma consciência ecológica” ecológica”. Nas suas farmácias vendem-se linhas de cosméticos biológicos certificados, almofadas feitas de trigo para aliviar dores musculares, ou ainda produtos para lavar a roupa e a louça que são biológicos e que quando usados permitem poupança de água. Recentemente foi criado o espaço animal onde vendem produtos de higiene e bem-estar para os animais, além de várias rações específicas para bichos que sofrem de alergias ou de proProporcionamos blemas de pele. “Proporcionamos aos clientes contacto com um veterinário 24 horas por dia dia”, disse a responsável, acrescentando que tem funcionário a ter formapara melhor resção nesta área “para ponder às pessoas pessoas”. Foi também criado há pouco um cartão de pontos que permite aos clientes usar em qualquer das três farmácias e que está a ter muito sucesso, similiar àquele que se pratica nas gasolineiras. Catarina Rosa Tacanho tem 34 anos e consigo está assegurado o Apesar de já futuro da empresa. “Apesar não ter a mesma rentabilidade que no tempo do meu avô, espero que possa prosseguir e, se possível, continuar na família família”, disse a gestora. Para a responsável o facto de dar emprevale muito e nós go a 25 pessoas “vale não podemos olhar só para os números números”.
A empresa Correia Rosa Lda, uma sociedade por quotas, é a detentora das três farmácias e tem um capital social de 15 mil euros. Os sócios são Catarina Rosa Tacanho (sócia-gerente) e Robin Rosa Burgess, ambos netos do fundador e filhos únicos das suas filhas,respectivamente, Margarida e Eduarda. Em 2010 a empresa gerou um volume de negócios de cerca de 5 milhões de euros. Em breve, a Farmácia Rosa reabre ao público ampliada pois foi possível alugar a loja ao lado do estabelecimento, que vai permitir aumentar de 110 para 191 metros quadrados a área de atendimento. Na prática aumentará sobretudo a área subterrânea, que vai permitir a criação de novos serviços ligados por exemplo com a fisioterapia. Tal como na remodelação de 2009, esta nova ampliação custou 200 mil euros à empresa. Catarina Tacanho - que tem uma filha, Beatriz, com 15 meses – acredita que as farmácias, tal como o restante comércio tradicional, devem tirar partido de saber o nome dos seus clientes e de inovar em áreas como o horário ou em novos produtos. Até porque esta farmacêutica-gestora acredita que as farmácias têm um papel chave na promoção da saúde e prevenção da doença. Natacha Narciso nnarciso@gazetacaldas.com
São frequentes os convívios entre funcionários das três farmácias. À esquerda, uma imagem após um almoço nos anos oitenta no Guisado, local onde também se reuniram na foto mais recente (à direita) em Fevereiro
“Sou do tempo em que apareciam coisas sensacionais como as vitaminas ou as sulfamidas midas”. São palavras de José Ferreira Faria, 86 anos, que trabalhou em farmácias desde os 14 anos e só se reformou aos 70. Entrou para a Farmácia Caldense em Dezembro de 1955 e dois anos e meio depois transitou para a Farmácia Rosa. Quando começou a sua carreira nas Caldas, sob as ordens ele deu-me um orde José Rosa, “ele denado que inflacionou a minha profissão aqui no distrito distrito”, disse. José Faria tem consciência que não era um mau balcão “não balcão”, mas onde se sentia mais à vontade era no laboratório a manipular substâncias. Fez de tudo: supositórios, loções e pomadas, mas também produtos de beleza. É famoso um leite de limpeza que o José Faria criou e foi usado por muitas clientes daquela farmácia. É natural de Ferrel e antes de chegar às Caldas iniciou o seu percurso profissional em 1938, numa farmácia na Atouguia da Baleia pelo facto de ser única extra-concelho de Peniche. Ainda passou por outra farmácia no Bombarral.
Sou o primeiro móvel desta “Sou anos!”, diz casa. Estive cá 50 anos!” sorrindo, o farmacêutico que começou a trabalhar em farmácias aos 14 e só as deixou quando completou os 70. Hoje ainda visita o seu local de trabalho e sente-lhe a falta. “Fazia de tudo tudo”, conta o experiente manipulador, com trabalho reconhecido pelos seus pares, médicos e utentes. Foi também um braço direito do seu patrão e amigo e chega a emocionar-se quando o recorda. Tem um enorme apreço pela família detentora da farmácia que ajudou a construir. É com carinho que lembra o que lhe disse José Rosa, quando ainda estava na Caldense: “Estamos aqui dois homens a estorvar-nos um ao outro. Ou o senhor se vai embora ou fica aqui para eu abrir outra farmácia”. Na verdade o que acabou por acontecer foi José Faria ter transitado para a Farmácia Rosa e o proprietário ter ficado na Caldense com outro funcionário. José Faria ali laborou durante meio século e era um dos rostos mais conhecidos desta farmácia. N.N.
José Ferreira Faria trabalhou na Farmácia Rosa durante quase 50 anos e ainda hoje visita com frequência o seu antigo local de trabalho
CROLONOGIA 1917 – Nasce José Constantino Correia Rosa em Alenquer 1944 – O casal José e Maria dos Anjos Correia Rosa vêm morar para as Caldas e instalam-se no Hotel Lisbonense 1949 – José Rosa adquire a Farmácia Caldense que pertencia a Manuel Pontes. 1958 - Instala a sua segunda farmácia na Rua Fonte do Pinheiro e designa-a Farmácia Rosa. Mais tarde passa-a para a Raul Proença e finalmente para a Avenida 1º de Maio 1964-1975 – Farmácias são alugadas e administradas pela Sociedade Industrial Farmacêutica SA 1976 - Em Novembro de 1976 passou a funcionar em Sta. Catarina um posto de medicamentos 2003 – Os três estabelecimentos passam a ser geridos por Catarina Tacanho 2008 - Primeira ampliação da Farmácia Rosa 2010 – Inaugura a farmácia de Sta. Catarina 2011 – A sociedade por quotas Correia Rosa Lda. (que anteriormente possuía Sta. Catarina e Caldense) passa a agora a deter também a Farmácia Rosa. Os sócios são Catarina Rosa Tacanho e Robin Rosa Burgess, netos do fundador
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Casa Simões – parte do património de um castanhei
Manuel Simões, o castanheirense que em 1889 se fixou em Alfeizerão
Manuel Simões e Maria Conceição, a primeira geração da família Simões a vir para Alfeizerão, numa foto tirada em 1940
José e Graciete Machado estão hoje à frente dos negócios iniciados no final da década de 40
Cerca de 130 quilómetros separam Castanheira de Pêra, no norte do distrito de Leiria, de Alfeizerão. Mas para contar a história da Casa Simões, é preciso percorrer um caminho feito há mais de um século, em 1889, por Manuel Simões, na altura com 19 anos. Acompanhado pelos irmãos Joaquim e José, cada um dos três com uma carroça e um burro, o homem virou costas à ‘terra’ – a localidade de Fontão – em busca de uma vida melhor e acabaria por se fixar em Alfeizerão. Pelas redondezas, Manuel Simões procurava o sucesso na venda ambulante. Os irmãos seguiram para outras paragens - Lisboa e Vimeiro. A neta Graciete, reconta a história que tantas vezes ouviu
sua mulher para baixo” baixo”, para Alfeizerão, Maria da Conceição ficou durante mais algum tempo a viver com os pais. E foi lá que trouxe ao mundo, em 1901,
petróleo para as lamparinas e até peças de tecido. “Os meus avós também vendiam as peças de fazenda com que o alfaiate ‘Biana’ (o sr. Joa-
ser contada pelo avô, e diz que este voltava, de tempos a tempos, a Castanheira de Pêra, para visitar os pais e sobretudo pela namorada que tinha deixado na
Maria da Conceição tiveram mais dois filhos – Lusitana e José, o pai de Graciete. Só depois de 1910, e já com toda a família em Alfeizerão,
A história da Casa Simões, de Alfeizerão, tem início com uma viagem feita há 120 atrás por Manuel Simões (1871-1956), que em busca de uma vida melhor deixou a família e a namorada em Castanheira de Pêra e se decidiu fixar como vendedor ambulante no litoral. Trabalhador e com olho para o comércio, Manuel conseguiu ter sucesso e fazer fortuna, acumulando património e negócios que foi deixando aos filhos. A Casa Simões, o estabelecimento recebido por José Simões (1923-1986), o filho mais novo, foi durante muitos anos uma mercearia de referência em Alfeizerão. Hoje, é a filha Graciete e o genro José que prosseguem o negócio, entretanto alterado. Na Loja da Janela vendem-se utilidades domésticas e artigos de decoração. Na Casa Simões há ferragens, drogarias e tintas. terra – Maria da Conceição, sua prima direita. Os dois acabariam por casar numa dessas visitas, mas como Manuel Simões ainda não tinha estabilizado a sua vida “para poder trazer a
o seu primeiro filho – Albano. João, Alda, Manuel e Preciosa foram os rebentos que se seguiram, também nascidos na terra de origem dos pais. Foi já em Alfeizerão que Manuel e
Manuel Simões decidiu deixar a venda ambulante e abrir uma loja, um local onde, como era hábito naqueles tempos, se vendia de tudo. Massa, arroz, café, azeite e temperos, vinho, sal,
José Simões e Graciete Simões Machado, em 1977, depois do falecimento de Maria Rosa, a trabalharem na mercearia
quim Pereira) fazia os fatos às pessoas mais abastadas” abastadas”, conta Graciete Machado. “As peças de pano para lençóis, o turco para as toalhas e tudo o que pertencia ao en-
xoval das raparigas casadoiras era ali comercializado, e era com vaidade que se gabavam de ter comprado tudo na loja do Sr. Simões” Simões”, diz. Os petizes ajudavam os pais nas lides da loja e, em jeito de recompensa, iam passar umas merecidas férias à terra. “Era uma alegria todos os preparativos. A minha avó Conceição preparava um lauto farnel que transportavam em cabazes de verga” verga”, conta. Mas os tempos eram diferentes e a viagem, de pouco mais de 130 quilómetros e que hoje se faz em cerca de hora e meia, demorava muito tempo naquela época: primeiro de carroça até S. Martinho, onde se apanhava o comboio para a linha
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irense que fez fortuna em Alfeizerão
A Casa Simões antes das obras feitas por Graciete e José Machado, que levaram à divisão do negócio em duas lojas distintas
do Norte e depois Coimbra e Lousã, onde os esperavam os familiares com as carroças para levarem os tios e os primos ricos para a Gestosa, terra natal dos avós de Graciete. Os negócios corriam de feição e os filhos foram crescendo, à medida que Manuel Simões ia acumulando património para a família. Ao mesmo tempo, ia entrando em sociedades mais ou menos bem sucedidas, como uma barbearia ou uma fábrica de fiações. O trabalho tornou-o num homem de posses e Manuel Simões foi muitas vezes o recurso de muita gente que se via em apertos. Mas Graciete diz que “era engraçado, que ele mesmo tendo adquirido já algum estatuto, ainda mantinha o ar de pobre beirão do interior, andando por vezes pobremente vestido” vestido”. Relembra até uma história conhecida na família de quando o avô se dirigiu a um banco nas Caldas da Rainha para levantar dinheiro e o bancário de serviço, que não o conhecia, ficou na dúvida se o homem era realmente um cliente abastado ou um ladrão com más intenções. UMA LOJA PARA CADA FILHO
Quando os filhos chegavam à idade adulta e constituíam as suas próprias famílias, o patriarca oferecia uma loja a cada um. “O monopólio comercial de Alfeizerão estava praticamente instalado na família Simões, com três lojas aqui e outra em Vale de Maceira” Maceira”. Em plena Segunda Grande Guerra, houve muitas famílias que tiveram que se desfazer de património para ultrapassar as dificuldades que se viviam na altura. “A família Polónia foi uma delas, pondo à venda um prédio de estilo abrasileirado, construído no princípio do século XX, de gran-
des dimensões para a época, estando bem situado e preparado para comércio” comércio”. Uma oportunidade de negócio que Manuel Simões não deixou escapar, pensando no futuro do filho mais novo, José, que lançou no mundo dos negócios com a ajuda do filho Manuel. Surge então a Simões & Simões, Lda., mas a sociedade não durou muito tempo. “Eram muito amigos como irmãos, mas não se entendiam nos negócios” negócios”, diz Graciete, recordando que o pai tinha um “feitio especial” especial”, talvez devido ao facto de ser o filho mais novo e ter sido muito mimado enquanto criança. José Simões acabou por ficar sozinho nos negócios, mas pouco tempo depois, em 1949, acabaria por se casar com Maria Rosa, filha de comerciantes do Valado de Santa Quitéria, que tinha conhecido três anos antes durante uma procissão de Nossa Senhora Peregrina que passou por Alfeizerão. Um ano depois nascia a sua única filha, Graciete, na casa onde José e Maria Rosa viveram toda a vida, ali desenvolveram o negócio e onde ainda hoje se mantém a filha. Em tempos em que não havia produtos embalados, Graciete lembra-se bem que tudo era vendido avulso. As pessoas traziam as garrafitas ou frascos para levarem o azeite, o petróleo. Compravam “uma lasquinha de sabão” sabão”, ou um bocado de brilhantina, tão usada para os penteados da altura. A filha dos donos da loja, que desde pequena ajudava os pais, lembra-se de alguns raspanetes da mãe. “Eu, como graças a Deus nunca tinha tido falta de nada, ia ali e dava aos clientes uma garrafa ou uma tigela cheia. Dava sempre mais, e a minha mãe dizia: ah Graciete, não pode ser” ser”, conta. E entre as memórias desses tempos, lembra-se também
Num das lojas lojas,, a aposta é nas ferragens, drogarias, tintas e ferramentas que já José Simões vendia no seu tempo
que havia na loja uma embalagem grande de creme Nívea e que as pessoas compravam bocadinhos de creme em pedaços de papel vegetal. Desses tempos recorda ainda a perspicácia da mãe, que, garante, era mais esperta para os negócios e mais dada ao atendimento ao público do que o pai, que “sempre trabalhou no comércio, mas não foi por opção, foi quase por ser empurrado” purrado”. O que fazia com que, por vezes, a disposição não fosse a melhor. “Antigamente as pessoas vinham com os burros das praças e paravam aqui à porta para se aviarem. Houve uma senhora que de cima do burro dizia: ‘oh senhor Zé, venda-me uma saca de farinha encosto’. E o meu pai respondeu: ‘não tenho cá nenhuma farinha encosto’. A minha mãe, que estava mais cá dentro disse-lhe: ‘oh Zé, vê lá se é uma farinha amparo’. ‘Ah pois é, senhora Maria’, respondeu a cliente. ‘O seu marido tem cá um feitio” feitio”, lembra, a rir, Graciete. Bem presente tem também a venda das especiarias e temperos para a salga da carne e dos chouriços das tradicionais matanças de porco que as famílias faziam uma vez por ano. “As pessoas vinham aqui aviarse para a matança e eu sabia bem que quantidade de cada especiaria ou tempero as pessoas precisavam. Um dia pensei matar um porco, mas não sabia temperar e tive que pedir ajuda a uma vizinha. Isso ficou quase de anedota… é que eu as quantidades de temperos sabia, não sabia era como as usar” usar”, conta. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
A janela tapada com tijolo que hoje dá nome à Loja da Janela
Das mercearias às utilidades domésticas, drogarias e ferragens “Esta casa chegou a ser uma grande loja de mercearias, era conhecida na região” região”, diz Graciete, acrescentando que negócios como o do seu avô e do seu pai “eram os hipermercados da altura” altura”. A única filha dos proprietários começou a trabalhar ali, a tempo inteiro, por volta dos 17 anos, quando terminou o antigo 5º ano. “A minha mãe adoeceu com um cancro, e sendo eu filha única, e como não era muito boa estudante, optei por vir ajudar o meu pai” pai”. Com 23 anos, Graciete casou com José Bernardino Machado, do Casal Pardo, que hoje a acompanha na gestão deste comércio. Menos de um ano depois nasce a primeira filha do casal, Luísa Margarida, e cinco anos depois a segunda, Catarina Isabel. “Nessa altura ele estava na tropa, nas oficinas de material aeronáutico em Alverca” Alverca”, lembra. Quando saiu da vida militar, José foi trabalhar para uma firma americana de marketing. Só quando a sogra faleceu, em 1976, se juntou à esposa e ao sogro na loja de Alfeizerão. “Na loja havia de tudo, mas já com algumas secções definidas. Tínhamos um armazém e já estava um lado dedicado à parte das ferragens, adubos, tintas. O outro lado era apenas para as mercearias” mercearias”. Em 1986, José Simões faleceu. Dois anos mais tarde, a filha e o genro decidem dar um novo impulso aos negócios, abalados pelo aparecimento dos supermercados. “Deixámos de ter mercearias e dividimos os negócios, mas tudo como Casa Simões” Simões”. Aproveitando não só o edifício onde residem e têm a loja mais antiga, mas também o edifício contíguo, que tinha sido adquirido pelo avô, de um lado puseram as ferragens e artigos de drogaria, do outro, utilidades domésticas e artigos de decoração. As duas lojas têm hoje nomes diferentes – Casa Simões e Loja da Janela. O primeiro sobreviveu ao tempo mantendo
viva a história da família. O segundo esconde uma história que Graciete gosta de contar. Quando em 2001 o casal decidiu fazer obras nos edifícios, descobriram uma janela de que ninguém tinha conhecimento, que estava escondida atrás de armários e que o pai de Graciete tinha mandado tapar com tijolo de burro depois de ter havido por ali uma tentativa de assalto à mercearia. Hoje, além de dar nome ao estabelecimento, a janela está à vista de todos os clientes, como se fosse um painel. Quando perguntamos a Graciete se alguma vez pensou largar os negócios a resposta é pronta: “Já tenho pensado. Mas não sei o que haveria de fazer” fazer”. Orgulhosa por ter dado continuidade à actividade iniciada pelo avô e pelo pai, como aconteceu com muitos dos seus tios e tias e dos muitos primos e primas noutras áreas de vendas, Graciete diz que se arrepende é muitas vezes do facto de o marido se ter desempregado e se ter juntado a si. “Estamos a atravessar uma fase muito má” afirma. “Eu tinha coisas diferentes, que ia comprar a feiras a Lisboa ou ao Porto. Havia clientes que até se admiravam de eu ter coisas tão diferentes numa aldeia. Agora as pessoas têm dificuldade, não nos procuram” procuram”, lamenta. E neste contexto torna-se difícil competir com grandes superfícies ou com as lojas de chineses que abundam por todo o lado. “Estou convencida que ninguém vai comprar coisas aos chineses por querer, vai-se lá porque serve” ve”, afiança a negociante. O futuro é incerto. As filhas têm as suas profissões e nenhuma delas pensa seguir o negócio dos pais. A mais nova, formada na área de restauro e conservação, ainda pondera ter porta aberta ao público, mas na sua área, não dando seguimento aos artigos comercializados pelos pais. Mas deixa, desde já, a ressalva: “nunca fazendo disso actividade prin-
cipal” cipal”. Empregados também não há. “Somos nós dois e temos muito vagar, isto está muito fraquito” quito”, diz Graciete. De outros tempos, mais áureos, guarda as memórias da família que tem escritas, o orgulho de fazer parte de uma verdadeira “família de negociantes” e o gosto por Alfeizerão, a terra que há mais de 120 anos o seu avô escolheu para fugir à vida pobre do interior. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
Cronologia 1871 – Nasce Manuel Simões, em Castanheira de Pera
1889 – Manuel Simões vem para Alfeizerão, onde se dedica à venda ambulante. No ano seguinte casa com Maria da Conceição, da localidade de Gestosas 1923 – Nasce José Simões, em Alfeizerão 1946 – José Simões faz sociedade com o irmão Manuel e estreia-se como homem de negócios, com a Simões e Simões, Lda. 1948 – A sociedade entre José e Manuel chega ao fim e o filho mais novo fica sozinho à frente dos negócios 1949 – José Simões casa com Maria Rosa 1950 – Nasce Graciete, a única filha do casal 1956 – Morre Manuel Simões 1973 – Graciete, que já trabalhava com os pais, casa com José Bernardino Machado, de quem tem duas filhas – Luísa e Catarina 1976 – Morre Maria Rosa. José Machado junta-se ao negócio do sogro e da esposa 1986 – Morre José Simões 1988 – Graciete e José decidem dividir os negócios 2004 – É criada a Loja da Janela, mantendo-se a Casa Simões com as ferragens, drogarias e tintas
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Auto Leandro Santos, Lda. - o negócio de automóvei consolidado negócio de família
Leandro Santos em Joanesburgo (África do Sul), em 1981, antes de ter comprado a Auto Vasco
Os três irmãos, Marco, Cláudio e Nuno, junto ao primeiro carro vendido pela Auto Leandro Santos, em 1987
Nascido na Dagorda, concelho do Cadaval, em 1941, foi em África que Leandro Santos começou a sua vida profissional. Esteve na tropa até 1966, os últimos dois anos na Guiné. Passados três meses, a 1 de Novembro, foi como tanta gente tentar a sorte em Angola, para trabalhar como encarregado de um armazém. Trabalhou em Malange e em Henrique Carvalho, mas foi em Luanda que se fixou por conta própria, quando o patrão lhe passou uma loja que transformou em supermercado. Foi na capital angolana que conheceu Suzete Ferreira Santos, com quem viria a casar em 1971. Foi também lá que nasceram os três filhos do casal: Nuno em 1973, Cláudio em 1974 e Marco em 1976. Ao contrário de tantos portugueses que se viram forçados a abandonar Angola nos anos quentes de 1974 e 1975, Leandro Santos conseguiu manter o negócio mesmo depois da independência do país. “O supermercado continuou a trabalhar bem” bem”, conta Leandro Santos. Mas os revezes da descolonização acabaram, porém, por apanhar igualmente esta família, que em 1976, já depois de Marco ter nascido, se viu mesmo forçada a regressar a Portugal. Voltaram para a Dagorda (Cadaval), onde compraram casa e alguns terrenos, mas no ano seguinte Leandro Santos sentiu novamente o apelo africano e regressou, mas agora para a África do Sul. Foi sozinho e Suzete Santos ficou no Cadaval com os filhos. Na África do Sul, o empresário abriu, à sociedade com César Leça e Virgílio de Sousa, uma exploração agrícola. A sociedade possuía ainda um supermercado. A exploração ainda hoje existe pela mão dos dois sócios, dado que 10 anos mais tarde, Leandro Santos resolveu voltar para a família. “Já tinha a vida composta financeiramente e os meus filhos estavam a entrar na adolescência, por isso vim darlhes mais apoio” apoio”.
sidade que ainda não dominava e por isso os primeiros meses não foram fáceis. “Não tinha conhecimento na área dos automóveis” automóveis”, reconhece. Foi um dos funcionários que acabou por dar uma ajuda nesse
DO CARRO AVARIADO À COMPRA DO STAND Quando voltou em definitivo já tinha adquirido o stand. De férias em Portugal, em 1986, deslocou-se às Caldas da Rai-
quanto estive em África do Sul, de resto foi sempre uma grande ajuda” ajuda”, salienta Leandro Santos. Quem também ajudava eram os filhos, que ainda estudavam Escola Rafael Bordalo Pinheiro, mas no fim das aulas
O casal e os filhos numa foto tirada na semana passada rio, Nuno e Cláudio integraram a empresa. A formação que tiveram na área foi “a educação de trabalhar com garra, honestamente e não vender nada a ninguém que nós não comprásse-
Foi numa casualidade que Leandro Santos adquiriu, em 1987, o stand onde tinha comprado um carro para a esposa, Suzete Santos. O automóvel teve uma avaria e enquanto aguardava pela reparação teve uma curta conversa com o proprietário do stand acerca do negócio. Ao fim de dois minutos decidiuse a ficar com o stand. Desde então, primeiro como Auto Santos, e desde 2000 como Auto Leandro Santos, são já várias as gerações de famílias que depositam nas mãos de Nuno, Cláudio e Marco Santos, filhos do casal que agora gerem a empresa, a responsabilidade de encontrarem automóvel à altura das necessidades de cada membro. Apesar de manterem a tradição de qualidade, assistência e bom preço que herdaram do pai, os filhos também ajustaram a empresa aos novos dias e através das novas tecnologias a Auto Leandro Santos chega um pouco por todo o país, vendendo automóveis de norte a sul aproveitando as plataformas da Internet.
nha para comprar um automóvel para a esposa, na Auto Vasco, um pequeno stand de usados no nº 105 da Rua Dr. Artur Figueiroa Rêgo, mais conhecida por estrada da Tornada. Mas a viatura tinha um problema que precisou de reparação nas oficinas do stand. Foi enquanto esperava pelo carro que meteu conversa com o proprietário, Vasco Almeida Júnior. “Perguntei-lhe como estava o negócio” negócio”, recorda, sublinhando que quando partiu do Cadaval não tinha qualquer intenção de se lançar no mercado dos automóveis usados. Mas a verdade é que a Auto Vasco não vivia os seus melhores dias. Leandro Santos perguntou-lhe quanto queria pelo stand e o acordo fez-se por 12 mil contos (60 mil euros), mais o valor do trespasse. O stand passou a chamar-se Auto Santos e o negócio ficava em nome individual de Leandro Ribeiro Santos. O primeiro carro que vendeu, ainda se lembra, foi um BMW, que por sinal até era seu, “tinha-o comprado novo na Geopeças e vendi-o a um amigo meu de Leiria que também tinha um stand” stand”. Apesar da experiência no ramo do comércio, saber comprar os carros era uma neces-
arranque. “Nos primeiros meses levava comigo um dos funcionários nas viagens para comprar carros porque ele percebia dessa área, mas ao fim de cinco seis meses comecei a ir sozinho” sozinho”. A relação com esses dois funcionários acabou, no entanto, por se deteriorar e passados dois anos ficou sozinho no stand. A ajuda da esposa foi então importante, como, aliás, já tinha sido em Angola. “Ela só não trabalhou comigo en-
já passavam pelo stand para dar uma ajuda ao pai. A equipa ficava completa com um sobrinho do proprietário, de nome Luís Santos, que era o mecânico da oficina de apoio após venda e que ainda hoje se mantém na empresa, e outro rapaz que limpava os carros. Foi já na década de 90 que os filhos começaram a trabalhar a tempo inteiro na Auto Santos. Em 1995, depois de concluírem a ensino secundá-
Luís Santos na oficina da empresa nos primeiros anos do seu funcionamento
mos” mos”, diz Nuno Santos. Marco prosseguiu os estudos, para se licenciar em Gestão no pólo das Caldas da UAL e só em 2000, quando se licenciou, passou a trabalhar na Auto Santos. Nesse mesmo ano, Leandro Santos passou o negócio para os filhos. A empresa mudou de denominação (mas mantendo o nome do progenitor) para Auto Leandro Santos, Lda. Os três irmãos, Nuno, Cláudio e Marco, são os sócios desde
então. “Entreguei-lhes tudo em boas condições, quer as contas com os clientes quer com os fornecedores, tinham o trampolim a jeito para saltar e o futuro está na mão deles, têm que levar o barco para a frente e estão bem encamin h a d o ss”, sublinha Leandro Santos, que apesar de se ter reformado em 2002 continua a ser presença assídua no stand. Nuno Santos refere que o negócio é hoje muito diferente do que era no arranque. “Na altura eram carros muito rodados um carro usado tinha 9 ou 10 anos e havia muito menos modelos. Hoje cada marca tem dezenas de modelos e até a cor tem influência no preço” preço”. Com o aumento da concorrência, inclusivamente dos carros importados, o negócio foi evoluindo e também as condições de trabalho e de exposição do próprio stand. Em 2004 foi reconstruído o edifício que hoje alberga os serviços administrativos, depois expandiram o parque. Em 2006 expandiu para o lado oposto da estrada e em 2008 o terreno ao lado do stand. O parque passou a ter capacidade para mais de uma centena de viaturas. Os três irmãos completam-
Desde muito novos que o ambiente familiar dos jovens Santos se entrosava com os automóveis
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25 | Março | 2011
is usados que nasceu num acaso e se tornou um
Aspecto da “loja” de automóveis da firma, onde estão expostos dezenas de automóveis se na administração da empresa. Nuno domina a vertente comercial, Marco trata da gestão e Cláudio tem a cargo todo o serviço após venda e preparação das viaturas “porque é uma coisa muito específica” específica”, explica Nuno Santos. Actualmente a Auto Leandro Santos, Lda, cujo volume de facturação os responsáveis preferem não divulgar, dá trabalho a 14 pessoas. INTERNET DEU NOVO IMPULSO O negócio de família cresceu no início deste milénio e um dos aliados foi a Internet. O desenvolvimento das tecnologias de informação permitiu expor os produtos online através de motores de pesquisa e a Auto Leandro Santos foi uma das primeiras empresas do ramo a lançar-se na rede, a partir de 2004. Plataformas como o ABMotor, Stand Virtual ou o Autosapo foram “uma invenção que mudou a dimensão do negócio” negócio”, classifica Nuno Santos. É que, se anteriormente a exposição estava limitada a quem passasse em frente ao stand, actualmente as viaturas podem ser vistas em qualquer lugar do mundo onde haja uma ligação à Internet. “Isso para nós foi uma grande vantagem porque podíamos ter um bom produto, mas em Lisboa ninguém sabia” sabia”. Com este novo meio de divulgação, as vendas passaram a ser feitas em grande parte para fora da região. Há clientes de Lisboa, mas também do norte do país, para onde seguem, sobretudo, modelos de gama alta. De resto, mais de metade das vendas são feitas para fora da região. Tanto no site da empresa, como nos diversos stands virtuais, é possível encontrar informação detalhada de cada viatura e a fotografia correspondente. “Temos todos os carros disponíveis no site e a fotografia é sempre da viatura descrita e não de outra parecida como por vezes acontece. Somos rigorosos nesse aspecto” aspecto”. Joel Ribeiro jribeiro@gazetacaldas.com
A “equipa” completa da Auto Leandro Santos, Lda. que dá emprego a 14 pessoas
Relação de confiança com o cliente é a chave do negócio No arranque do negócio a concorrência não era ainda tão feroz como é hoje. Já não é fácil imaginar a Estrada da Tornada sem o rol de stands de automóveis usados que proliferam desde os anos 90, mas quando Leandro Santos pegou na Auto Vasco só havia mais um vendedor: o antigo Reis e Sousa. Foi a partir dos anos 90, com a abertura da banca de crédito ao consumo que a actividade se começou a espalhar e hoje em dia são às dezenas os locais onde se pode comprar automóveis em segunda mão na cidade e arredores. Mas apesar do enorme incremento de concorrência, a Auto Leandro Santos tem sobrevivido, muito graças à política de boa qualidade do produto e do acompanhamento após venda e preços competitivos que es-
tabeleceu desde o início. O preço competitivo é garantido pela ausência de intermediários: “compramos o carro na fonte, o que nos dá uma percentagem melhor do que se comprássemos a intermediários e também nos permite ter melhores preços” preços”. Actualmente, a Auto Leandro Santos compra os seus automóveis a empresas nacionais e com histórico. A razão é muito simples: “precisamos de garantias ao comprar para as darmos também ao cliente” cliente”, diz Nuno Santos. Ao trabalhar com estas empresas, “se as coisas correrem mal também podemos devolver o carro, o que não acontece, por exemplo, se trabalharmos com carros importados” importados”, explica. A questão da transparência em relação ao passado do automóvel é
mesmo ponto de honra. “Todos os carros têm livro de revisões, o cliente sabe o que está a comprar e que se houver alguma coisa com o carro nós tratamos, porque a garantia é total e não apenas do motor e da caixa” caixa”, prossegue Nuno Santos. O fundador da empresa recorda até um episódio dos primeiros anos, com um Mini que vendeu a um peixeiro da Foz do Arelho. Uma das características desse carro era ter a bateria na bagageira, o que um dia provocou um incidente. “O senhor transportava o peixe numas caixas de metal, a caixa entrou em contacto com os bornes da bateria e o carro ardeu” ardeu”, conta. Leandro Santos foi informado do que tinha acontecido e também das dificuldades do peixeiro, que ainda não tinha acabado de pagar o automóvel… “Dei-lhe ou-
Crise preocupa mas o pior é o desemprego Apesar da crise, a Auto Leandro Santos tem vindo a consolidar os números da sua facturação e para já não sente grandes consequências ao nível das vendas. No entanto, este é um cenário que se pode alterar caso os números do desemprego continuem a crescer. A comercialização de viaturas novas está a atingir novos mínimos no arranque de 2011 e Nuno Santos diz que o mercado dos usados também deverá sentir quebras porque a oferta é muito grande e maior que a actual procura, e o parque automóvel português está acima das posses da população. No entanto, acredita que isso deverá ser corrigido rapidamente, até porque “o automóvel não é como uma casa, tem um desgaste relativamente rápido e é preciso trocar com alguma frequência” frequência”. O sector tem também conseguido passar ao lado das dificuldades da banca em relação aos créditos para trocar de carro, ao contrário do que se vai
passando em relação ao crédito ao consumo e ao crédito à habitação. No caso específico da Auto Leandro Santos, Nuno Santos explica isso pelo cuidado que a própria empresa tem nesse aspecto. “Temos um cuidado enorme de não deixar criar crédito mal parado, porque se assim for não se degrada a relação entre o stand e a financeira”. Marco Santos acrescenta que nas Caldas o comércio de usados não terá caído tanto porque as pessoas sabem que aqui podem encontrar bastantes opções em termos de comerciantes. Mas caso os números do desemprego não comecem a inverter, numa cidade como as Caldas que vive quase em exclusivo do comércio, pode levar a uma situação desastrosa. “As pessoas precisam de emprego e se não o encontram aqui têm que ir para fora, e como as Caldas ao fim-desemana é uma cidade praticamente sem vida, não consegue puxar
as pessoas de fora a virem cá” cá”. O empresário defende que é necessário criar atractivos para a cidade. “Caldas da Rainha deve ser a única cidade que tem praia perto e está de costas voltadas para ela, devia haver ligação permanente com Foz Arelho e comércio ao fimde-semana na cidade porque ao domingo está quase tudo fechado. Nós abrimos”, sustenta. Marco Santos lamenta também o encerramento dos pólos da UAL e da Universidade Católica, que traziam estudantes às Caldas. “Davam um movimento diferente à cidade e acabavam por ajudar a fixar alguns dos alunos que para cá vinham estudar, porque mesmo a ESAD, com o encerramento das fábricas de cerâmica, não consegue fixar quem vem de fora” fora”. J.R.
tro carro, acho que foi uma 4L, até veio uma notícia na Gazeta das Caldas” , recorda. Esta forma de estar no negócio tem garantido a continuidade da empresa e o seu crescimento. O factor confiança é revelado não só pelo regresso de clientes, que trocam sempre de carro naquele stand, como confiam à família Santos as viaturas que transportam toda a família. “Temos famílias com três gerações a comprar carros aqui. Depositam em nós a responsabilidade de escolher a marca, o modelo adequado à vida deles, reunimos famílias completas, com 10 a 12 carros” carros”, aponta Nuno Santos. J.R.
Cronologia 1941- Nasce Leandro Santos, no Cadaval, concelho do Cadaval 1987- Leandro Santos compra a Auto Vasco e abre Auto Santos, trabalhando em nome individual 1995- Os dois filhos mais velhos, Nuno e Cláudio, integram efectivamente o negócio 2000- Leandro Santos passa o negócio aos três filhos, Nuno, Claúdio e Marco. A empresa passa a denominar-se Auto Leandro Santos, Lda 2004- A Auto Leandro Santos, Lda lança-se nas novas tecnologias, expondo os seus carros através de portais da Internet e um site próprio 2006- O parque de exposição expande-se para um segundo espaço em frente ao stand 2008- É adquirido o terreno anexo ao original, aumentando a capacidade do parque para mais de 100 viaturas
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Família Serrenho começou com licores Malandrice e
O casal com os três filhos em 1998
Nesta reportagem da Gazeta das Caldas Luís Serrenho conta pela primeira vez em público que no início da actividade dos Licores Malandrice uma entidade estatal tentou evitar que as garrafas em forma de falo fosofensem comercializadas por “ofensa à moral e bons costumes costumes”. De contrariedade em contrariedade, que incluiu um incêndio na primeira fábrica, o casal conseguiu fazer crescer os seus negócios. Na Bombondrice fazem a transformação do chocolate que, na sua maioria, vem de uma fábrica na Bélgica, e os seus produtos são vendidos em lojas gourmet e de produtos regionais de todo o país. A malandrice continua presente também em alguns chocolates, como os chupas em forma de “garrafas das Caldas” e bombons, mas esse acaba por ser um mercado paralelo à actividade principal. Actualmente estão concentrados na produção das amêndoas para a Páscoa, tendo recentemente sido visitados por uma equipa de reportagem da RTP. Durante o ano têm três épocas de pico de vendas: o Natal, a Páscoa e o Festival de Chocolates em Óbidos. O JOVEM EMPRESÁRIO FILHO DE AGRICULTORES
Luís Serrenho nasceu em Santa Catarina em 1952. Os pais eram
agricultores e foi na agricultura que começou por trabalhar para ajudar os seus progenitores. Aos 11 anos foi estudar para um seminário em Ourém. “Nessa altura havia muitos jovens com vocação, porque era uma possibilidade de poderem estudar e porque as famílias nas aldeias eram muito religiosas religiosas”, contou. Dois anos depois saiu do seminário e foi estudar para a Escola Comercial e Industrial das Caldas da Rainha, (actual Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro).
As duas Teresas (mãe e filha) e Luís Serrenho no interior da Bombondrice
tamente com o irmão, a criar a charcutaria Pitau, na rua Sebastião de Lima, que viria a tornarse, anos mais tarde, uma papelaria. Era uma espécie de loja “Era gourmet. Vendíamos o melhor pão das Caldas Caldas”, salienta, acrescentando que faziam naquele local matança de coelhos e galinhas caseiras. Luís Serrenho conta que o facto de ele e o seu irmão, João, serem ainda jovens, com idades suscientre os 21 e os 23 anos, “suscitar muita simpatia por parte
É namorico de mesma escola. “É escola, mas naquela altura os namoros não eram como agora, até os recreios eram separados. Mas nunca tive outro namorado namorado”, recorda Maria Teresa Serrenho, que nasceu em 1956 em casa dos pais, na rua 31 de Janeiro, nas Caldas da Rainha. O pai era marceneiro, mas faleceu quando a sua filha tinha 28 meses. A mãe de Maria Teresa trabalhou na Caixa de Previdência das Caldas. Maria Teresa Serrenho foi
rece outra dedicação dedicação”, salientou. LICORES MALANDRICE NASCERAM EM CASA
Em 1987 Luís e Maria Teresa Serrenho começaram a produzir os licores de leite Malandrice, com a forma das “garrafas das Caldas”, num anexo da casa, onde instalaram todo o equipamento necessário. Maria Teresa Serrenho já fazia habitualmente licores, que costumava oferecer aos ami-
Desde novos que Luís e Maria Teresa Serrenho foram um dos casais mais empreendedores das Caldas da Rainha, criando empresas inspiradas em temas caldenses e com um cariz sempre artesanal. Primeiro foram os Licores Malandrice, que venderam em 1993 para se dedicaram aos chocolates. A Bombondrice nasceu ainda no seio dos licores, mas tornou-se numa empresa independente que actualmente é gerida pela filha do casal, Teresa Serrenho. Antes da ginja de Óbidos se tornar um produto comercialmente muito procurado, ou do chocolate ser tema de festival com milhares de visitantes, o casal Serrenho iniciou negócios à volta destes e de outros produtos. Luís Serrenho terminou o curso industrial e foi para Lisboa, para trabalhar como educador na Casa Pia. Aos 20 anos foi para a tropa. Fez a recruta no quartel das Caldas e a especialidade na Escola de Artilharia, em Vendas Novas. Participei no 25 de Abril. Era “Participei segundo furriel e viajei numa coluna militar que veio para Lisboa Lisboa”. Terminado o tempo de tropa regressa às Caldas em 1975 e ajuda a sua irmã e o cunhado, jun-
da clientela, que respeitava o nosso esforço e a boa vontade de ter coisas diferentes diferentes”. Em 1985 os dois irmãos decidiram seguir cada um o seu caminho, e João Serrenho continuou sozinho com a Pitau, já com vista à alteração do negócio para paMas ficámos sempre pelaria. “Mas amigos amigos”, sublinha Luís Serrenho. Nessa altura, decide apostar numa outra área: a representação de vinhos. Como armazenista, revendia vinhos de Santa Marta de Penaguião, Ponte da Barca e Cantanhede, mas também o sumo Ika (Carregado). Durante três anos teve um armazém na travessa da Água Quente, mas começou a querer ter um negócio em que vendesse algo que fosse criado por si . CASAL CONHECEU-SE AINDA NA ESCOLA
O stand dos Licores Malandrice na altura em que as feiras da fruta se realizavam no Parque
Luís Serrenho conheceu a sua futura mulher, Maria Teresa, quando ambos estudavam na
uma das primeiras alunas do Magistério Primário da cidade e com 18 anos já era professora primária (hoje diz-se “professora do ensino básico”). Durante 15 anos foi docente e chegou a trabalhar com adultos, na alfabetização e na preparação para o exame da então quarta classe. Nos anos 90 concluiu uma licenciatura em Direcção Pedagógica e Administração Escolar, no Instituto Piaget, em Almada, e acabou por ser directora do agrupamento de escolas de Campelos (concelho de Torres Vedras), de onde se demitiu recentemente por discordar do rumo da educação dado pelo governo agora demissionário. Antes disso esteve de licença sem vencimento, de 1990 a 1999, para poder dedicar-se aos negócios da família, que estavam nessa altura em cresciFazer as coisas a mento. “Fazer meio-tempo para mim não me servia. A educação me-
Semgos nas datas festivas. “Sempre gostei muito de coisas relacionadas com cozinha, talvez porque o meu avô era padeiro e também fazia os seus licores licores”, contou. Para dar asas ao seu interesse, comprou livros para aprender mais sobre a produção de licores. Quando criaram os Licores Malandrice o rigor teve que ser outro, mas em pouco tempo conseguiu dominar todas as técnicas necessárias. Ao utilizarem garrafas em barro com a forma de um falo, surpreenderam toda a gente e fizeram sucesso, mas ao mesmo tempo atraíram as atenções de algumas entidades mais “moralistas”. Quisemos utilizar uma “Quisemos marca associada às Caldas e que mais rapidamente se impusesse no mercado mercado”, explicou Luís Serrenho, sem adivinhar que viria a ter problemas com a sua ousadia. Isto apesar das autoridades locais e regionais sempre te-
rem apoiado a ideia. Luís Serrenho salientou os incentivos que na altura tiveram de José Valente, então vereador da Câmara das Caldas, de Pereira Júnior, ex-presidente da Câmara de Óbidos, e de António Carneiro, presidente da Região de Não tiveTurismo do Oeste. “Não mos apoios financeiros, mas eles deram-nos um apoio moral importante quando apresentámos a nossa ideia ideia”, explicou. A história dos licores Malandrice foi também cheia de peripécias, desde incêndios nas instalações que construíram na zona industrial, à intervenção das autoridades por causa do formato das garrafas. A Administração-Geral do Açúcar e do Álcool, que primeiro licenciou a actividade da empresa, chegou a colocar problea momas relacionados com “a ral pública e os bons costumes mes”. Baseado numa lei de 1927, alguém daquela entidade decidiu deixar de fornecer os selos obrigatórios para as garrafas poderem ser vendidas ao público. Maria Teresa Serrenho recorda-se de estarem pela primeira vez a expor na Feira da Fruta, no Parque D. Carlos I, e terem ficado sem garrafas para vender porque faltavam os selos e já tinham vendido todo o stock inicial. O caso seguiu para tribunal, mas seria resolvido depois de terem enviado uma exposição ao primeiro-ministro de então, Cavaco Silva. Na altura de uma visita oficial do governante às Caldas, em 1987, foi comunicado em primeira mão ao casal de empresários que a situação Lembro-me estava resolvida. “Lembro-me da minha mulher vir a correr pela rua de braços abertos quando soube a notícia. Eu até pensei que tinha ganho o totoloto totoloto”, recordou. Nunca contámos a nin“N guém a angústia que estávamos a viver e é a primeira vez que esta história vem a público público”, acrescentou Luís Serrenho. Também o incêndio trouxe problemas, não só porque tiveram que refazer muito do que já estava feito, mas também porque houve uma entidade bancária que voltou atrás na Até concessão de um crédito. “Até acabou por ser bom para nós porque conseguimos o dinheiro com ajuda de familiares e amigos. No final até fui agradecer ao responsável do banco porque assim poupámos muito dinheiro em juros juros”, disse Luís Serrenho.
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e adoçou o negócio com a Bombondrice liares, não utilizando produtos químicos artificiais, conservantes ou corantes. TERESA SERRENHO SUCEDEU AOS PAIS
Teresa Serrenho no Correio da Manhã
Um aspecto da produção fabril
Teresa Serrenho (filha) sucede aos pais no negócio
Foram anos de sacrifícios e muitas vezes o ordenado como professora de Maria Teresa Serrenho era empregue inteiramente “era inteiramente” Nós éramos novos no negócio. “Nós e por isso tornava-se mais difícil conseguir crédito crédito”, comentou a professora. Houve também um problema com um lote de garrafas com licor de leite em que, por qualquer motivo, as rolhas começaram a saltar para fora, como se fosse champanhe. Embora tenham recolhido de imediato o lote em causa, houve nessa altura uma fiscalização das Actividades Económicas (actual ASAE) e como tinham guardado três garrafas para tentar perceber o que se tinha passado, estas acabaram por ser apreendidas e foi levantado um auto. Apesar das contrariedades, a resposta dos clientes foi a Tudo o que melhor possível. “Tudo produzíamos vendia-se vendia-se”, referiu o empresário. Chegaram a exportar para Espanha, Holanda e Bélgica. As garrafas em barro eram feitas artesanalmente por vários ceramistas caldenses, os quais colaboraram também em garrafas em forma de Zé Povinho e Maria da Paciência. Foram aumentando também a variedade daquilo que produziam e começaram a produzir licores de ginja, pêssego, morango, tangerina, amora, amêndoa, rosas e vinho, entre outras. Para além das garrafas em barro, criaram também uma de vidro (apenas com um pequeno falo em barro dentro de uma caixa atada ao gargalo). Em 1989, quando Maria Teresa Serrenho era presidente da Associação de Artesãos das Caldas da Rainha, o jornal Correio da Manhã publicou uma extensa reportagem nas centrais, com chamada na primeira página, sobre o trabalho que estava a ser feito de divulgação
das “malandrices” das Caldas. O casal procurou sempre divulgar os licores e as Caldas em Chegámos vários certames. “Chegámos a fazer 15 feiras num ano e sempre a promover as Caldas porque somos bairristas tas”, adiantou Maria Teresa Serrenho. A professora só lamenta que se tenha perdido a tradição de se realizarem as feiras da fruta no Parque D. Carlos I, como Eu disacontecia há 20 anos. “Eu se logo à senhora vereadora que a feira tinha morrido naquele dia e morreu mesmo mo”, comentou, salientando a importância que aqueles certames tinham para o turismo calTínhamos sempre dense. “Tínhamos um grande volume de vendas. Muita gente vinha de fora e havia agricultores que vendiam ali a produção toda toda”, recordou.
mos numa feira na FIL e veio às Caldas passar uma semana para nos ensinar ensinar”, contou Maria Teresa Serrenho, que tinha então 35 anos. Mais tarde a empresária deslocouse à Bélgica, de onde vem a grande parte da pasta de chocolate que utilizam, para fazer mais formação. A 7 de Julho de 1994 é criada a firma Bombondrice – Chocolates e Bombons, Lda, tendo como sócios únicos Maria Teresa e Luís Serrenho, a designação que ainda hoje se mantém. Para além dos bombons, a Bombondrice passou a produzir compotas, doces, bolachas, tabletes de chocolate e outros Foprodutos de confeitaria. “Fomos sempre adaptando-nos aos pedidos dos nossos clientes e criando novas ofertas tas”, referiu Luís Serrenho. Alguns meses mais tarde decidem abrir uma loja ao público na Praceta António Montez, onde já funcionava a unidade de produção. Em 1997, como Maria Teresa Serrenho estava com licença sem vencimento, apostou na abertura de uma loja na rua Raul Proença, com o nome Chocolate, Doces e Docinhos. para poderem vender os produtos da Bombondrice num local mais central. Mas como entretanto precisava de voltar a dar aulas para não perder o seu lugar, acabaram por trespassar a loja em 2001. Desde 2002, quando assumiu a direcção do Agrupamento de Escolas de Campelos, Teresa Serrenho deixou a gestão da Bombondrice, mas durante os primeiros tempos era questionada muitas vezes sobre situações relacionadas com a produção. Ao longo dos anos apos“Ao támos sempre em produtos topo de gama, de elevada qualidade qualidade”, tendo como base as receitas tradicionais e fami-
BOMBONDRICE TAMBÉM TEM CHOCOLATES COM MALANDRICE
Durante sete anos mantiveram a empresa, até que em 1993 uma empresa concorrente apresentou uma proposta (cujo valor o casal não quis revelar) para comprar os Licores Malandrice, que foi aceite. A Bombondrice começou ainda no seio dos Licores MalanNós tínhamos muita drice. “Nós fruta que sobrava da produção do licor e começámos a pensar em formas de utilizar aquilo que se deitava fora fora”, recorda-se Luís Serrenho. Começaram então a fazer bombons com as frutas e as pêras bêbadas (tendo mais tarde adoptado a designação de pêras borrachonas para não fazerem concorrência com a antiga empresa). Nessa altura fiz uma for“Nessa mação na área da transformação do chocolate, com um pasteleiro que conhece-
Em 2010 Luís Serrenho lançou o desafio à sua filha Teresa, que já trabalhava a tempo inteiro na Bombondrice desde 2002, para passar a gerir a emNão quis continuar presa. “Não com o ritmo de trabalho que tinha tinha”, revelou o empresário, que continua a acompanhar o funcionamento da sua “fábrica de chocolates”, mas sem as responsabilidades que assumia Seria até ao ano passado. “Seria uma pena que depois de tantos anos de esforço para colocar este produto no mercado, não fosse dada continuidade à empresa empresa”, disse. Os outros dois filhos, André de 19 anos e Rita de 34 anos, sempre ajudaram o negócio de família, mas decidiram seguir outros caminhos. André Serrenho está a frequentar uma licenciatura de Geografia na Universidade Nova em Lisboa, e Rita Serrenho é funcionária bancária. Teresa Serrenho (filha) nasceu em 1979 e desde sempre se lembra de estar envolvida com Recoros negócios dos pais. “Recordo-me quando foi o incêndio nos Licores... fiquei muito desgostosa porque ardeu um rádio com cassetes que era algo que ambicionava muito ter e fiquei sem ele ele”, recordou. Desde pequena que ela e os seus irmãos ajudaram os pais a fazer os mais diversos trabaQuando era a altura lhos. “Quando das amoras, ficávamos sempre com as mãos todas negras negras”, lembra-se. Teresa Serrenho chegou a trabalhar noutros locais, porque queria ganhar algum dinheiro para si e chegou a estudar na área da reabilitação física, mas acabou por voltar à empresa dos pais. Desde o ano passado “D que tenho estado a pôr em prática aquilo que eu penso que é melhor para a Bombondrice. Quero agarrar esta oportunidade que tive tive”, referiu a nova gerente, que já fez quase de tudo na empresa. No total são cinco funcionários, incluindo Teresa Serrenho, e a carteira de clientes tem cerca de mil contactos. A gerência preferiu não divulgar o volume de negócios em 2010, ano em que fizeram obras de remodelação nas instalações. Pedro Antunes pantunes@gazetacaldas.com
Bombondrice reabre ao público Vai reabrir ao público amanhã, 2 de Abril, a loja de venda ao público da Bombondrice, na Praceta António Montez nº 8, que irá funcionar das 10h00 às 19h00 durante os dias de semana e das 10h00 às 13h00 aos sábados. Embora se dediquem principalmente à revenda, querem voltar a ter um local nas Caldas onde possam vender directamente ao público os Nós vendemos a nível nacional e começámos a seus produtos. “Nós perceber que localmente as pessoas não tinham oportunidade de comprar os nossos produtos produtos”, explicou Teresa Serrenho. Há até pessoas da zona de Lisboa que vêm às Caldas e procuram a Bombondrice para comprarem chocolates. Toda a gama estará disponível para venda, o que acabará por servir também para testar novos produtos. Teresa Serrenho tem também planos Para que de poder vir a criar lojas Bombondrice noutros pontos do país. “Para possamos ser conhecidos como uma marca de referência em tudo o que produzimos e não só em alguns produtos produtos”, explicou. No dia 15 de Maio vão também lançar um novo produto que ainda está no segredo dos deuses. Será um bolo inspirado na história das Caldas, que será vendido à unidade e que queremos que seja um “que símbolo da nossa cidade, como acontece com outras localidades dades”, disse. Esse doce será só vendido na loja da Bombondrice porque querem que seja consumido nas condições ideais. Para além disso, continuam a apostar em parcerias, tendo recentemente sido envolvidos num projecto de produção de chocolate biológico com a Herdade de Carvalhoso (Montemor-o-Novo), e outro de exportação de doces. PRESENÇA INDIRECTA NO FESTIVAL DE CHOCOLATE
Desde a primeira edição do Festival de Chocolate de Óbidos, em 2002, que os produtos da Bombondrice têm estado representados, de uma forma indirecta neste certame. Quando ouvimos falar pela primeira vez no festival fomos “Quando falar com aquele senhor estrangeiro que iniciou a ideia para nos oferecermos para colaborar. Só que na altura a filosofia era de algo muito técnico, com a presença de pasteleiros de renome renome”, lembra-se Maria Teresa Serrenho. A venda dos produtos em chocolate da primeira edição do festival foi que não sabia o que pôr na tenda que entregue a um comerciante “que lhe destinaram e acabou por vir ter connosco para lhe fornecermos os nossos produtos produtos”. Foi um êxito. Nas edições seguintes passaram a ser contactados por outros comerciantes de Óbidos, que quiseram ter produtos em chocolate. Uma das ideias que lançaram, na segunda edição, foi a dos copos em chocolate para beber ginjinha. O Festival do Chocolate acabou por dar um impulso nas vendas loAqui nas Caldas praticamente pouco vendemos cais. “Aqui vendemos”, referiu Maria Teresa Serrenho. A Bombondrice tem optado por não participar directamente no evento a fim de não fazer concorrência aos seus clientes que são comerciantes em Óbidos. Só chegaram a vender directamente as maçãs com Era também uma forma de chocolate, que tiveram muito sucesso. “Era escoar as nossas maçãs mais pequenas, fora de calibre calibre”, referiu a empresária. P.A.
Cronologia 1952 – Nasce Luís Serrenho 1956 – Nasce Maria Teresa Serrenho
1974 – Maria Teresa e Luís Serrenho casam-se
1975 – É inaugurada a charcutaria Pitau pelos irmãos Serrenho, que viria a tornar-se uma papelaria 1979 – Nasce Teresa Serrenho, filha do casal 1987 – Começa a produção dos Licores Malandrice 1993 – O casal Serrenho vende a empresa Licores Malandrice 1994 – Registada a empresa
Bombondrice, que nasceu anteriormente no seio dos Licores Malandrice. Abre ao público a loja Bombondrice, na Praceta António Montez 1997 – Abre a loja Chocolate, Doces e Docinhos, na rua Raul Proença 2001 – Trespasse da loja Chocolate, Doces e Docinhos 2010 – A filha Teresa Serrenho passa a ser oficialmente gerente da Bombondrice 2011 – Está marcada para 2 de Abril a reabertura da loja de venda ao público na Praceta António Montez
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
A mercearia da Rua Direita que deu lugar a quatro lo
O fundador do negócio familiar, Ápio Matias Ribeiro (1921-2005) com a farda da Banda de Óbidos.
Rosa da Cunha Ferreira, à porta da mercearia, há dez anos com a única neta, Robyn, ao colo
Há mais de meio século que a família Ribeiro é detentora de uma loja na Rua Direita, em Óbidos. Adquirida por Ápio Matias Ribeiro (1921- 2005) ao seu antigo proprietário num “negócio de vão de escada” a actividade prosperou e soube adaptar-se ao mudar dos tempos. Em finais da década de 50 do século passado, foi Ápio Ribeiro quem introduziu o gás no concelho, tornando-se o primeiro estabelecimento a representar a Gaz Cidla. De tradicional mercearia de rua, que vendia desde carvão a petróleo, passando pelos bens alimentícios, o espaço comercial viria a transformar-se no início da década de 90 na primeira garrafeira de Óbidos. Há cerca de três anos, os filhos do casal Ribeiro, Carlos e Isabel, deram um novo fôlego ao espaço, ao criar o conceito Grupo Loja. O rés-do-chão do espaço situado no coração da Rua Direita engloba agora as Lojas da Cerâmica, do Vinho, da Ginja e do Chocolate. O objectivo passa por “adaptarmo-nos à realidade dos tempos actuais para que este negócio familiar se possa manter” manter”, realça Carlos Ribeiro, que gere actualmente o espaço, juntamente com a sua irmã, Isabel. Ápio Matias Ribeiro nasceu no dia de S. João (24 de Junho) de 1921, na localidade de Amoreira, Óbidos. Filho de pessoas humildes, ligadas ao campo, acompanhou os pais até ir para a tropa, aos 18 anos, onde cumpriu o serviço militar na base aérea da Ota. Devido às poucas posses da altura, vinha desde a base militar até casa dos pais a pé, e regressava da mesma forma. Depois de ter servido a Pátria, começou a aprender a profissão de pedreiro com o tio, João Ribeiro, na altura um grande construtor civil, que tinha várias obras espalhadas pelo país. Ápio Ribeiro tornava-se, com o tempo, um mestre-deobras à “antiga portuguesa”, que sabia trabalhar com o cimento, a pedra, a cantaria e a madeira, e que viria a construir dezenas de casas pelo concelho. Aos 35 anos começa a traba-
lhar na construção civil por conta própria. É também nessa altura que deixa a localidade da Amoreira, pois adquirira uma casa em Óbidos, na Rua Direita. Trata-se de um prédio de primeiro andar, em que parte de cima é para habitação e o résdo-chão tem uma mercearia, que comprou a José Ferreira por “meia dúzia de contos de réis, num negócio conversado e depois fechado numa taverna das Caldas da Rainha, debaixo de um vão de escada”, lembra o filho, Carlos Ribeiro. Ápio aplicar-se naquele negócio e, além dos produtos de mercearia, começa também a vender gás. Foi nomeado agente da GazCidla (marca de distribuição de gás butano) tendo introduzido o gás no concelho no concelho de Óbidos. De noite e de dia, o comerciante distribuía pelas várias localidades as garrafas de gás
numa moto antiga com um carrinho atrás. Mais tarde, fruto do empenho que tinha na distribuição de gás e venda dos equipamentos, foi convidado pela empresa para fazer um curso de manutenção de aparelhos de queima de gás, em Lisboa, que lhe veio dar conhecimentos técnicos para fazer a assistência do equipamento que vendia. Ápio Ribeiro passou também a reparar os fogões e esquentadores dos clientes, o que viria a dar um novo fôlego no desenvolvimento da mercearia. Nessa altura, e a par com a mercearia, Ápio Ribeiro, continuava a fazer trabalhos de construção e manutenção de habitações e jardins. Foi numa dessas casas para que trabalhava, a de Manuel de Melo Corrêa, que viria a conhecer a sua futura esposa, Rosa da Cunha Ferreira. Nascida em 1922 no concelho
de Paredes de Coura (Minho), Rosa da Cunha Ferreira foi trabalhar para Lisboa aos 14 anos como criada de servir da família Corrêa. Óbidos começa a virarse para o turismo e António Ferro (o homem da propaganda
Os irmãos Carlos e Isabel à porta da Loja do Vinho
durante o regime de Salazar, responsável pela Secretaria Regional do Turismo e Cultura) nomeia Manuel de Melo Corrêa para criar a rede de pousadas de Portugal. A família encantase por Óbidos, acaba por adquirir uma casa na vila e a empregada acompanha os patrões. Ápio e Rosa casam-se em 1961 e nessa altura passa a ser a esposa a gerir a mercearia enquanto o marido retoma a actividade da construção civil, construindo edifícios um pouco por todo o concelho. A acção de Rosa foi marcante, revelam os filhos, destacando a organização que a progenitora imprimiu ao espaço, uma mercearia típica portuguesa que vendia desde carvão, sapatos, petróleo, azeite, arroz, mas-
sas, açúcar e gás. “Era uma pessoa que estava muito atenta e naquele tempo havia o problema dos créditos” créditos”, lembra Carlos Ribeiro, especificando que a mãe possuía um pequeno livro onde apontava o que as pessoas compravam (uma quarta de arroz, uma quarta de colorau ou um decilitro de azeite, por exemplo) que normalmente só era pago no final do mês. Carlos e Isabel Ribeiro recordam também que a mãe, uma cozinheira exímia, chegou a ajudar muitos soldados da GNR que estavam sediados em Óbidos, ensinando-lhes a cozinhar e também oferecendo-lhes alimentos, pois estes recebiam salários muito baixos. “A mãe nunca deixou que
Os estabelecimentos comerciais da família Ribeiro fica situado no coração da Rua Direita
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ojas especializadas
A Loja do Chocolate e a Loja da Cerâmica foram os últimos espaços a ser criados no lugar da antiga mercearia.
houvesse fome na casa das pessoas por não haver dinheiro para pagar” pagar”, conta a filha Isabel, realçando que esta “segurou as pontas” de muitas famílias locais. Mais tarde, e já após o 25 de Abril, no primeiro mandato de Mário Soares como Presidente da República (1986 a 1991), esteve em Óbidos uma equipa para produzir um filme luso-brasileiro. Passado algum tempo, estes começam a demonstrar dificuldades económicas e Rosa da Cunha Ferreira, com pena deles, não só os ensinou a cozinhar como lhes fiou a comida. O problema foi quando se apercebeu que eles estavam de partida e tinham uma dívida na mercearia de cerca de 100 contos (500 euros). Teve então que ir o filho, Carlos, falar com os responsáveis da produtora, que acabaram por regularizar as contas. O casal viria a divorciar-se em 1987. Rosa da Cunha Ferreira fica proprietária da mercearia, e Ápio Ribeiro dedica-se exclusivamente à construção civil. A APOSTA NOS PRODUTOS DA REGIÃO E A SUA VALORIZAÇÃO
Os filhos, Carlos e Isabel, actualmente com 49 e 46 anos, respectivamente, foram criados na mercearia. Lembram-se de, em pequenos, brincarem na loja e “meter o dedo na arca do açúcar” açúcar”. A mãe, que também era uma doceira de mão cheia, criou os “bolinhos da D. Rosa” que inicialmente eram vendidos numa pastelaria das Caldas junto à Praça da Fruta e, mais tarde, apenas na mercearia de Óbidos. Isabel Ribeiro começa por trabalhar numa loja na vila e, em 1991, então com 26 anos, regressa à mercearia da família para
assumir as responsabilidades de gestão do negócio. A mãe, então com 68 anos, continuava a ajudá-la. Vivia-se uma altura um bocado “dramática” “dramática”, lembra, referindo-se ao aparecimento das grandes superfícies na região. De repente, o que era até então um negócio sólido de mercearia começa a perder os clientes fidelizados - as pessoas de Óbidos - que começam a ir comprar mais barato e com maior escolha nesses espaços. Para combater essa “concorrência desleal” começam a vender vinhos e algum artesanato, nomeadamente peças de cerâmica da Bordalo Pinheiro, aos turistas que visitam Óbidos. De quatro prateleiras com ginja e vinhos de Óbidos, o espaço transforma-se na Loja do Vinho em Julho de 1994, ficando os bens alimentares a ocupar um espaço mais diminuto. A decoração é feita pelos próprios irmãos, que pegam em algumas antiguidades que detinham e as dispõem pelas paredes, dando relevo e importância às prateleiras agora repletas de garrafas. “Foi assim que começou a primeira garrafeira de Óbidos e foi esse negócio que segurou a casa”, refere Isabel Ribeiro, destacando que ali sempre houve uma aposta muito forte nos vinhos da região. Quando um cliente chega e pede um vinho, “temos a preocupação de indicar, em primeiro lugar, os vinhos da região e também as suas características” ticas”, acrescenta, realçando que os produzidos na Companhia Agrícola do Sanguinhal têm um lugar de destaque. Carlos Ribeiro, depois de cumprir o serviço militar, criou a empresa de eventos ligada ao sector automóvel Promóbidos, a que esteve ligado durante cer-
Uma vida dedicada ao voluntariado Ápio Ribeiro era um homem bastante ligado ao associativismo. Foi voluntário durante muitos anos nos Bombeiros de Óbidos, tendo chegado a ajudante de comando. “Foi uma figura muito querida no concelho porque foi condutor de muitas das pessoas que iam para o hospital de ambulância” cia”, recorda a filha. Outra das suas paixões foi a música. Elemento da Socieda-
de Musical e Recreativa Obidense, teve um papel fundamental no recomeçar desta colectividade, após um período mais conturbado. Nessa altura, Ápio Ribeiro e o seu amigo Aires de Castro foram a Lisboa “bater à porta” de diversas entidades e conseguiram angariar fundos para reactivar a banda, comprar instrumentos e fardamentos. Ápio Ribeiro também pertenceu à Santa Casa da Misericór-
dia de Óbidos e era assíduo participante, e organizador, das cerimónias da Semana Santa. “Era uma pessoa que gostava de ajudar” ajudar”, resumem os filhos, lembrando que ainda hoje acontece chegarem a localidades do concelho e as pessoas Olha! Os reconhecerem-nos: “Olha! filhos do Ápio!”
ca de 20 anos. Paralelamente, com a esposa, Jane Ribeiro, criou o English Centre, nas Caldas da Rainha, há 24 anos. Entretanto, há cerca de três anos, passou a dedicar-se à gestão e consultadoria e começou a reformular, juntamente com a irmã, a mercearia, numa tentativa de lhe dar mais eficácia e continuidade. A mãe, actualmente com 88 anos, encontrase num lar de idosos. A tradicional mercearia de rua começa a dar lugar ao Grupo Loja, um conceito que compreende a existência de quatro espaços distintos, embora ligados entre si: a Loja do Vinho, a Loja da Ginja, a Loja da Cerâmica e a Loja do Chocolate. Nesta casa foram sempre instigadores da venda da ginja de Óbidos, possuindo relações privilegiadas com os dois produtores deste licor existentes no concelho, a Frutóbidos e Dário Pimpão, que produz a marca Oppidum. Isabel Ribeiro foi a responsável pela promoção da ginja, há cerca de duas décadas, quando aquele produto era normalmente consumido nos bares de Óbidos e não havia o hábito da sua compra em garrafa. “Não era uma bebida valorizada, com a notoriedade que agora tem” tem”, conta a em-
presária, que para dar ainda mais destaque à ginja e seus derivados, criou um espaço que lhe é exclusivamente dedicado. Já a Loja do Chocolate, que abriu no final do ano passado, aposta forte neste produto e criou, em parceria com o seu fornecedor Bombondrice (Caldas da Rainha), o chocolate de Óbidos com diversas variantes. Com esta inovação, os responsáveis procuraram dar resposta aos pedidos dos visitantes para encontrar chocolate à venda durante todo o ano e não apenas durante o Festival do Chocolate. Vende também a ginja d’Óbidos em copos de chocolate. A tradição nasceu ali mesmo no primeiro festival de chocolate e, desde logo começaram a sentir que o público queria “sentir este produto, pelo que o mantivemos e tem sido também aproveitado por muitos outros comerciantes por todo o país” país”, diz Isabel Ribeiro. Outro dos novos espaços, é a Loja da Cerâmica, que se dedica em exclusivo à venda de peças produzidas na fábrica de faianças Bordalo Pinheiro. Aos clientes, os gerentes dos espaços apresentam instalações mais modernas e uma oferta mais variada de produtos que
permitam a subsistência do negócio, “sobretudo neste período em que estamos a assistir a uma perda flagrante do poder de compra por parte dos clientes portugueses, a registar menos clientes estrangeiros e que também compram menos” menos”, explicou Carlos Ribeiro. Houve também uma aposta na melhoria do atendimento público para que as “pessoas se sintam ainda mais bem recebidas dentro das nossas instalações” instalações”, acrescenta a irmã, Isabel. Os responsáveis preferiram não divulgar o volume de facturação obtido em 2010, referindo apenas que este foi “à justa para pagar os compromissos e não ficar a dever nada a ning uém” ninguém” uém”. Com a criação do conceito Grupo Loja pretendem dar continuidade a um “pequeno negócio de cariz familiar que está na segunda geração, manter os dois postos de trabalho e, com criatividade, imaginação e sentido de oportunidade, permitir que o negócio se futuro”, remantenha para o futuro” sume Carlos Ribeiro.
F.F. Ápio Ribeiro
Fátima Ferreira fferreira@gazetacaldas.com
Cronologia 1921 – Nasce Ápio Matias Ribeiro na localidade da Amoreira (Óbidos) 1956 – Adquire uma mercearia na Rua Direita, que mantém, a par da actividade na construção civil 1961 – Ápio Matias e Rosa Ferreira casam, passando a esposa a ser responsável pela mercearia 1962 – Nasce o primeiro filho, Carlos Ribeiro 1965 – Nasce Isabel Ribeiro 1987 – O casal separa-se e o espaço comercial passa a ser propriedade de Rosa Ferreira 1991 – A filha, Isabel Ribeiro, passa a exercer funções de gestão no estabelecimento 1994 – Abre a Loja do Vinho, a primeira garrafeira de Óbidos 2008- Carlos e Isabel criam o conceito Grupo Loja, transformando a mercearia em quatro espaços comerciais especializados
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15 | Abril | 2011
UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Várias gerações da família Faustino dedicam-se às o
Maria Helena Faustino (nascida em 1923) com o marido Maria José Faustino e o marido João Faustino, com a filha Mafalda e a João Marcelino Faustino (1918-1996) matriarca da família, Maria Helena Faustino fundou com o irmão mais velho António João Marcelino e o filho João (nascido em 1960) um negócio que ainda hoje perdura
A família Faustino dedica-se aos pneus desde 1929. António e João Marcelino Faustino começaram o negócio nas Caldas quando eram jovens. O primeiro tinha saído da tropa e o segundo tinha 12 anos. Chegaram a ter 27 empregados e uma sucursal em Santarém. Hoje, o filho de João Marcelino Faustino, que também se chama João, dá continuidade à empresa, empregando nove pessoas entre elas a sua filha mais velha, Mafalda. A Faustino & Filho, Lda. tem sede nas Caldas e uma oficina em Tornada e faz parte de uma rede europeia de profissionais de pneus. Os irmãos António Faustino (1905-1962) e João Marcelino Faustino (1918-1996) abriram nas Caldas a sua primeira oficina, dedicada ao conserto de pneus em 1929, na Rua Capitão Filipe de Sousa. O negócio resultou depois do pai João Faustino da Silva, natural do Alto da Serra (Rio Maior), ter vendido uma fazenda cuja receita permitiu montar a oficina para os filhos, já que António tinha aprendido o ofício de mecânica e conserto de pneus na tropa. António Faustino tinha então 25 anos enquanto João Marcelino tinha apenas 12 anos quando abriram o primeiro espaço. Eram tempos em que os automóveis eram muito poucos e arranjavam-se sobretudo pneus de bicicletas e de carroças. Os irmãos deslocavam-se de bicicleta “para arranjar um furo num pneu de bicicleta a Alfeizerão zerão”, contou Helena Faustino, viúva de João Marcelino Faustino, que deu o seu depoimento à Gazeta das Caldas no Montepio, onde está a recuperar de um problema de saúde. A Faustino & Irmão, Lda. tinha então uma pequena vulcanizadora que lhes permitia reconstruir os pneus, tendo sido uma das primeiras casas dedicadas a este sector do país. Começaram por dar emprego primeiro apenas a um primo, que foi o primeiro dos 27 colabora-
dores que a empresa chegou a ter na década de quarenta. Quando o pai dos dois irmãossócios morre, em 1937, o filho João ainda não tinha 21 anos, a idade legal para se poder tornar sócio da firma, o que só viria a acontecer dois anos depois. Em 1943, então com 25 anos, João Marcelino Faustino conhece a sua futura mulher, Helena Faustino, que é natural de Cortém, e que nesse ano tinha vindo morar para as Caldas. Três anos depois trabalhava como enfermeira no Hospital de Sto. Isidoro (onde hoje funciona um edifício de apoio à ESAD) e posteriormente passou, sempre no exercício dessa profissão, pela Câmara, pelo Hospital Distrital, Caixa de Previdência e Centro de Saúde. O negócio corria tão bem aos irmãos que estes sentiram necessidade de mais espaço e mudaram-se, na mesma rua, para um outro estabelecimento um pouco maior. Lentamente passaram a fazer também outros serviços ligados à mecânica automóvel. Os irmãos Faustinos ficaram naquela que era a segunda casa arrendada da Rua Capitão Filipe de Sousa até 1946, altura em que passaram para o rés-dochão da casa de António Faustino, que iniciara também naquele rua a construção do seu lar. Com o fim da 2ª Guerra “Com Mundial, o negócio conhece
novo incremento, arrendam mais espaço e aumentam os funcionários, chegando a ter no total 27 empregados empregados”,, contou Helena Faustino. O negócio ia de vento em popa e os irmãos acabaram por abrir uma sucursal no centro de Santarém. Ali chegaram a ter quatro funcionários. Angariavam-se muitos clientes naquela cidade e depois João Marcelino acabava por vir com o carro carregado de pneus que eram arranjados nas Caldas. No início dos anos 60, grandes marcas como a Continental Mabor estão no auge e inauguram novas instalações no Norte Nós fomos dos de Portugal. “Nós primeiros clientes daquela marca nas Caldas” Caldas”, contou Helena Faustino. DE SOBRINHO PARA FILHO
O negócio continua a correr sobre rodas até 1962, altura em que António Faustino morreu, deixando João Marcelino Faustino sozinho na gestão da firma. “Foi um rude golpe pois a empresa já tinha vários empregados empregados”, disse Helena Faustino. António deixa mulher e duas filhas que são as herdeiras naturais da sua quota. Mas comepassados alguns anos “começaram as quezílias” quezílias”, conta Depois de Helena Faustino. “Depois algumas polémicas o meu
marido acabou por se separar em 1972, tendo vendido a sua parte da empresa a fim de abrir uma nova firma” firma”, contou a esposa. No ano seguinte João Marcelino Faustino abre nova empresa com o seu sobrinho António dos Santos, que era encarregado geral da oficina anterior e passa a seu braço direito e sócio da Faustino & Sobrinho Lda. “Formamos novamente uma recauchutagem, desta vez com máquinas eléctricas” eléctricas”, contou a viúva, acrescentando que a nova casa ficava igualmente na Rua Capitão Filipe de Sousa. Mas depois de ter perdido o seu irmão, João perde agora o seu sócio e sobrinho, António dos Santos, que morre subitamente em 1976. João Marcelino Faustino volta a ficar só na gestão da empresa, mas dois anos depois, o seu filho único, João Faustino (nascido em 1960) foi trabalhar com o pai aos 18 anos. Em 1983 e com a ajuda da mãe, João Faustino adquire a parte do sobrinho, ex-sócio do seu pai. Voltaram por isso a mudar a designação da sociedade por quotas, ficando desta vez Faustino & Filho, Lda. Helena Faustino dividiu os 50% de António em 20% para si e deu 30% ao seu filho. Os restantes 50% pertencem ao seu marido João Marcelino Faustino. “Comprámos a quota da viúva do António dos Santos por três mil contos [15 mil euros],, uma verdadeira fortuna para a época época”, disse Helena Faustino, acrescentando que as decisões de expansão sempre foram suas e do filho. “O meu marido arriscava menos pois para gastar 100 tinha que ter mil mil” contou. O prédio nas Caldas onde tinham a recauchutagem, que era
arrendado, mudou de proprietário que lhe fez obras, tendo a firma que se deslocar provisoriamente para um pavilhão em Tornada. Quando regressa, e aproveitando o facto de terem uma casa renovada, decidem acabar com a recauchutagem em 1985 e apostam na diversificação dos serviços de oficina, desde as mudanças de óleo e filtros, os arranjos dos travões e de amortecedores, até às mudanças de bateria. Mais tarde adquirem uma máquina de alinhamentos, área em que hoje são especialistas. Só que o equipamento custava três mil contos (15 mil euros) “mas lá conseguimos o negócio pagando directamente ao fornecedor do equipamento mento”, disse Helena Faustino. João Marcelino Faustino não queria acreditar na taxa de rentabilidade daquela máquina
electrónica. A esposa conta que ele comentava que parecia uma autêntica árvore das “uma patacas” pois enquanto era nova não precisava de grande manutenção, apenas de energia e da mão de obra. João Marcelino Faustino morre, vítima de doença súbita, em não deixou dinheiro 1996 e “não nem dívidas um dívidas”, mas sim “um grande nome comercial e uma boa clientela clientela”, diz Helena acerca do seu marido. “Ele gostava muito do seu negócio, mas também dava muitas facilidades aos clientes tes”, prossegue a viúva ao passo que para o filho João – que entretanto passa a presidir aos negócios da família - “o meu pai cativava muito o cliente e era muito atencioso” atencioso”. Além disso, João Marcelino Faustino era um verdadeiro especialista no que dizia respeito
Ao centro António e João Marcelino no início da actividade na Rua Capitão Filipe de Sousa
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15 | Abril | 2011
oficinas e aos pneus João Faustino: “se formos verdadeiros, os clientes voltam”
João Faustino, na oficina na Rua Capitão Filipe de Sousa nos anos 80 e actualmente nas novas instalações em Tornada
à mecânica. Com a aquisição da máquina dos alinhamentos a firma Faustino e Filho Lda – que tem 37 mil euros de capital social – começou a trabalhar para as maiores empresas das Caldas, entre elas a Abílio Flores, os Fonsecas e o Auto Júlio. EXPANSÃO PARA TORNADA
Em 1998 a firma adquire um terreno e constrói dois pavilhões em Tornada, na Estrada da Roda. Um destina-se a armazém e o outro é a segunda oficina da empresa (a primeira oficina, na Rua Capitão Filipe de Sousa, mantém-se nas Caldas e é a sede). O actual gestor tirou o antigo 5º ano e vários cursos da área em que trabalha. Por causa da sua profissão já visitou fábricas
de pneus em vários países do mundo. Ao longo dos anos, além dos alinhamentos de direcção, estão sempre atentos às necessidades de mercado e a área em crescimento são os serviços rápidos relacionados com os arranjos dos ligeiros e sobretudo dos pesados. Além da diversificação dos serviços, esta empresa caldense é líder na área dos alinhamentos. Possui contratos com as principiais marcas automóveis e sempre que há um proble“e ma grave, a nível nacional, é a nós que recorrem recorrem”, disse. Com a ajuda da sua mãe, João Faustino lá foi conseguindo concretizar a expansão da empresa. Natacha Narciso nnarciso@gazetacaldas.com
Cronologia 1905 – Nasce António Faustino 1918 – Nasce João Marcelino Faustino 1929 – Os dois irmãos abrem na Rua Capitão Filipe de Sousa a primeira casa da família dedicada aos pneus 1932 1932- A empresa aluga mais um espaço na mesma rua Anos 50 – Faustino & Irmão abrem filial em Santarém. 1959 – Casamento de João Marcelino Faustino com Maria Helena 1962 – Morre o irmão António Faustino 1971 – João Marcelino Faustino vendeu a sua quota à cunhada e sobrinhas 1972 – Cria com o seu sobrinho, António dos Santos, a empresa Faustino & Sobrinho Lda. 1976 – Morre o sobrinho António dos Santos 1978 – João Faustino filho entra para a empresa 1983 – Mãe e filho, Helena e João Faustino adquirem a quota de 50% à viúva do António dos Santos por três mil contos (15 mil euros) 1991 – Primeiro pavilhão alugado em Tornada 1995 – Novas instalações inauguradas na cidade e aquisição da máquina de alinhamentos 1996 – Morre João Marcelino Faustino com 78 anos. 1998 – Compra do terreno em Tornada para construção de novas instalações 1999 – Inauguração das novas instalações em Tornada 2002 – Adesão à Euro Tyre - Rede Europeia de Profissionais dos Pneus 2003 – A filha Mafalda Faustino (nascida em 1983) vem trabalhar para a empresa do pai
A equipa de trabalhadores que está nas instalações da Estrada da Roda, em Tornada
João Faustino nasceu em Santarém quando o pai e o tio detinham a sucursal em Santarém. Enquanto criança recorda-se de andar pelas oficinas percorrendo as tubagens dos equipamentos e de brincar desde muito cedo com ferramentas de mecânica. Tinha, pois, o seu destino profissional traçado. Diz que o “abc” dos pneus foi aprendido com fornecedores e responsáveis das grandes fábricas multinacionais. Ainda hoje arregaça as mangas e é vê-lo colar um simples remendo num pneu de um ligeiro e com igual ligeireza a arranjar um outro de quatro metros de altura de um veículo pesado. Por causa da sua profissão João Faustino conhece fábricas de pneus em todo o mundo “onde se produzem 40 a 50 mil pneus por dia, onde a maioria do trabalho é assegurado por robots e o chão brilha” brilha”, disse, contando a sua experiência numa fábrica da Ásia. “Por ano vendemos em média 6000 mil pneus para os ligeiros” ligeiros”, contou o empresário, acrescentando que a estes somam-se mais mil para veículos comerciais, pesados e máquinas agrícolas, o que perfaz 7000. Uma situação bem diferente da de há uns anos quando, antes da crise, os pesados representavam um valor relativo muito maior. Os tempos áureos deste sector viveram-se nas décadas de 80 e Desde a entrada em vigor do euro que estamos em de 90. “Desde descida descida”, disse o empresário. A crise em áreas como a construção acabam por ter influência no negócio pois os pesados, agora parados, são uma importante área para este sector. E se a empresa já chegou a ter 27 funcionários, hoje - também mercê da evolução tecnológica que obriga a menos mão-de-obra - as duas oficinas empregam nove pessoas da região que vivem no Chão da Parada, no Coto, nas Caldas e nas Gaeiras. “Temos, por exemplo, um empregado que está connosco desde 1989 1989”, conta João Faustino, acrescentando que um dos últimos a Somos uma reformar-se trabalhou na firma mais de 40 anos. “Somos segunda família pois quando é preciso algo ajudamo-nos uns aos outros outros”, contou o responsável. não vale a pena O segredo para o sucesso da empresa é que “não inventar ou querer enganar - se formos verdadeiros, os clientes voltam” voltam”, disse o actual responsável. Todos os carros cuja direcção é alinhada nesta casa são experimentados na estrada para que esteja tudo afinado ao pormenor. Os pneus têm também evoluído imenso e até há nova tecnologia anti-furo. O problema é que a crise se reflecte em todo o sector e “hoje as pessoas não perguntam por marcas pois querem gastar o mínimo mínimo”, disse o empresário, que tem constatado um grande crescimento na venda de pneus usados nos últimos anos. Vamos ver se conseguimos manter as coisas como es“Vamos tão tão”, disse, aludindo à grande concorrência e às dificuldades causadas pela crise generalizada. Desde 2002 que entraram para uma rede europeia de profissionais de pneus, um grupo com mais de 900 casas (das quais 83 Como negociamos em grupo, conseguisão portuguesas). “Como mos maior competitividade competitividade”, disse João Faustino, acrescentando que até têm um pneu com marca própria, com uma qualidade acima da média. A Faustino & Filho, Lda. é uma das mais antigas empresas caldenses e teve em 2010 perto de 1 milhão de euros de volume de negócios. Para expandir “só abrindo uma filial num local onde há mercado, que é Lisboa Lisboa”, rematou o empresário, atento ao crescimento dos mercados das empresas de leasing e de renting automóvel. Desde 1983 que João Faustino conta com a ajuda da sua esposa, Maria José Faustino (conhecida por Zezinha) e agora da sua filha, Mafalda, que casou entretanto com um funcionário da firma. Uma verdadeira empresa familiar. N.N.
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22 | Abril | 2011
UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Café Ferreira: a fabricar o ‘genuíno’ Pão de Ló de Alf
Fotos de 1972 e 1977 onde se vê a família Ferreira numa época em que todos ajudavam no negócio. A fundadora Maria Ferreira (1890-1980) está ao centro em ambas as imagens.
A história do Pão de Ló de Alfeizerão, sem que alguma vez esta tenha sido escrita, faz-se das histórias que se contam ao longo dos tempos. E o que se conta em Alfeizerão é que o bolo terá chegado à localidade pela mão de monjas fugidas do Mosteiro de Cós depois de em 1834 o então ministro da Justiça, Joaquim António de Aguiar – conhecido por “Mata Frades” –, ter extinguido as ordens religiosas. Maria Fátima Ferreira Lopes, que tantas vezes ouviu esta história da boca da sua avó, conta que algumas das monjas foram acolhidas em Alfeizerão no seio de uma família abastada, a família de Amália Grilo, e que, em jeito de paga, lhe terão facultado a receita do Pão de Ló húmido. E foi precisamente na casa de Amália Grilo que o fabrico do bolo começou a ser feito, em ambiente de festa e sem qualquer intuito de comercialização, embora este fosse muitas vezes encomendado pelos senhores mais ricos da zona. Longe dos tempos em que a electricidade veio facilitar a vida quotidiana a toda a actividade económica, fazer este bolo exigia que se juntassem várias pessoas, sobretudo raparigas, que batiam a massa à mão e vigiavam com todos os cuidados a sua cozedura nos fornos a lenha. As primeiras referências ao fabrico deste bolo para fins co-
merciais remontam a 1906, quando Joaquim Vieira Natividade inclui num dos seus livros o Pão de Ló de Alfeizerão nas indústrias tradicionais e caseiras da região, assinalando a sua presença na exposição industrial realizada em Alcobaça. Nos documentos guardados pela família Ferreira encontram-se ainda
dades e já se encontrava velhota, indicou a nora Maria Ferreira para essa tarefa” tarefa”, dado que a nora, que tinha ficado viúva dois anos antes, já a ajudava no festim que era o fabrico do bolo. Nesse ano surge, então, a A.S.Ferreira & Companhia, uma sociedade composta por três pessoas, entre as quais
sano (1912-1991, casada com João Susano), Maria Rosa Ferreira Lopes (nascida em 1922 e casada com Augusto Lopes) e Francisco Ferreira (1920-1991,casado com Ermelinda Ferreira). A 19 de Abril de 1947 uma pequena notícia num jornal da região dá conta do novo espaço. “Inaugurou-se, há dias, o café
Maria Fátima Lopes e Fátima Gonçalves dirigem actualmente o Café Ferreira. Ao centro Maria Rosa e Augusto Lopes, que mantêm vivas as memórias do estabelecimento.
va o marido, Augusto Lopes. Este lembra-se bem da insistência da sogra para que se mudassem de armas e bagagens para Alfeizerão e se dedicassem ao negócio da família. “Mas eu não aceitei, eu estava bem, trabalhava para o Estado e vir para aqui era uma incerteza. Mas comprometi-me com a minha
Fundado em 1947, o Café Ferreira é hoje a mais antiga casa de Alfeizerão a fabricar o tradicional Pão de Ló que levou o nome da localidade aos quatro cantos do mundo. A receita, que teve origem nas monjas cistercienses que habitavam o Mosteiro de Cós, é mantida em segredo, tendo percorrido já cinco gerações da família que diz que o Pão de Ló lhe “corre nas veias” veias”. Mais de seis décadas depois de abrir ao público, o Café Ferreira é hoje dirigido por uma neta e uma bisneta da sua fundadora, Maria Ferreira (1890-1980). Continua a ser ponto de paragem para aqueles que não querem perder a oportunidade de provar um dos mais afamados bolos húmidos do país. Um pedaço da cultura gastronómica que vai resistindo à evolução dos tempos e ao desinteresse das autoridades. uma menção honrosa atribuída à Confeitaria Primorosa (fabrico de Maria Grilo Ladeira, irmã de Amália Grilo) pela apresentação do bolo, em 1923, na Exposição Agrícola, Pecuária e Industrial das Caldas da Rainha. Dois anos depois, a Gazeta das Caldas publicava um anúncio desta mesma confeitaria, “a única onde se vende o genuíno Pão de Ló de Alfeizerão”, lia-se. Em 1927, Amália Grilo foi convidada para uma sociedade de exploração comercial deste bolo. Maria Fátima Ferreira Lopes conta que a sua bisavó, “que não tinha grandes necessi-
Maria Ferreira e Américo da Silva Ferreira, o homem do dinheiro. DA SOCIEDADE AO ESTABELECIMENTO PRÓPRIO
Viúva e com três filhos para criar, Maria Ferreira dedicou-se aguerridamente ao fabrico do bolo que naqueles tempos era transportado em cestas de verga revestidas a pano. De tal forma que duas décadas depois de ter entrado para a sociedade, decide criar o seu próprio estabelecimento com a ajuda dos três filhos, Amália Ferreira Su-
Ferreira, o qual muito honra esta vila [Alfeizerão], não se tendo poupado os seus proprietários a esforços para nos dotarem com tão belo e agradável estabelecimento”, lê-se. Nessa altura, o Guia Profissional do Concelho de Alcobaça refere que o pão de ló é fabricado em duas casas - o Café Ferreira e a A.S.Ferreira & Companhia, que terá durado ainda um ano após a saída de Maria Ferreira. Maria Ferreira tinha a trabalhar consigo a filha mais velha, Amália, e a nora, Ermelinda. Já a filha do meio, Maria Rosa, estava em Lisboa, onde trabalha-
Os dois cafés da família Ferreira na década de 50 e a fachada do Café Ferreira na actualidade
sogra em que a minha mulher viria para aqui sempre que fosse preciso” preciso”, conta. E Maria Rosa vinha sempre durante os meses de Verão e épocas do Natal e Páscoa, quando a procura era maior. Na verdade, quando era preciso todos ajudavam, mulheres, homens, jovens e crianças. “Todos trabalhavam para o monte” monte”, lembra Maria Fátima, recordando que foi ali que aprendeu o seu francês, a atender os clientes estrangeiros. “Isto foi sempre um trabalho duro” duro”, acrescenta. A prova: “o esforço na batedeira manu-
al era tanto que a minha avó tinha no ombro direito um alto, uma distensão muscular devido ao esforço de bater manualmente” manualmente”, afiança. Com a luz eléctrica tudo mudou e o batedor manual foi substituído por uma moderna batedeira, importada de Inglaterra. Mas a sensibilidade necessária para fabricar o bolo manteve-se. Depois, também o forno a lenha foi substituído por um forno eléctrico. “O sabor talvez ficasse um bocadinho diferente, mas os clientes nunca se queixaram” queixaram”, garantem os familiares. O negócio corria bem e em 1950 a casa onde o Café Ferreira deu os primeiros passos foi ampliada, com mais um andar. Quatro anos depois é construído um segundo edifício. Uma década mais tarde, o primeiro estabelecimento (literalmente encostado à estrada) foi demolido e construiu-se um novo edifício um pouco mais recuado – aquele onde funciona hoje o Café Ferreira. VENDIDO NA PRAIA E OFERECIDO À RAINHA DE INGLATERRA
A história do café Ferreira faz-se também de pequenas histórias contadas pelos familiares de Maria Ferreira que ainda hoje se mantêm directa ou indirec-
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22 | Abril | 2011
feizerão desde 1947
Caixa onde se vendia o Pão de Ló nas praias de S. Martinho e Nazaré
tamente, ligados à casa. A neta, Maria de Fátima, lembra-se quando, nos tempos em que ainda não existia a ASAE (Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica), se preparavam umas caixas de lata com Pão de Ló de Alfeizerão que as vendedeiras iam vender para as praias de S. Martinho do Porto e Nazaré. Já Augusto Lopes conta que quando a Rainha Isabel II veio a Portugal, em Fevereiro de 1951, Maria Ferreira foi desafiada por um grupo monárquico das Caldas da Rainha a fabricar um pão de ló “do tamanho de uma roda de carro de bois” bois”. Uma façanha que implicava a construção de um forno maior e um tempo de cozedura que rondava um dia e uma noite seguidos. “Decidiu-se então que seria feito um bolo o maior possível. Foi a primeira vez que a minha sogra fez um bolo com um quilo e meio, e assim satisfez a encomenda que lhe foi feita” feita”, lembra Augusto. Se sua alteza real provou e gostou do bolo, a família Ferreira não sabe. Certo é que, “mais tarde, o grupo das Caldas escreveu à minha sogra uma carta de agradecimento” agradecimento”. Maria Ferreira era muito ciosa da sua receita e nunca a vendeu, apesar de ter sido sondada pelo menos por um empresário dos Estados Unidos. Não obstante, em 1970 acedeu a um pedido de um senhor de uma pastelaria de Rio Maior que queria vender o bolo no seu estabelecimento. “A minha avó sempre viveu com dificuldades, isto foi sempre feito com muito esforço, o que a fez aceder a fornecer esta casa” casa”, diz a neta Maria Fátima. Assim, duas vezes por semana saía do Café Ferreira um carregamento de pão de ló em caixas brancas, descaracterizadas, “que depois era vendido como Pão de Ló de Rio Maior, mas era efectivamente daqui” daqui”, diz a neta. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
O bolo que “globalizou” Alfeizerão
O Pão de Ló é um bolo cheio de truques que exige o recurso a tachos especiais como estes
Neta e bisneta de Maria Ferreira dão continuidade ao negócio Com a morte de Maria Ferreira, em 1980, e com os filhos cansados do negócio, nos primeiros anos da década de 80 é feita uma cedência de exploração de negócio à neta mais velha da fundadora, Maria Rosa Ferreira Lourenço Gonçalves, e ao seu marido, Manuel Lourenço Gonçalves, pais de uma das actuais sócias. Em 1991 Maria Rosa Gonçalves morre, com apenas 49 anos, e o marido prossegue o negócio, com a ajuda dos filhos, Fátima Isabel Gonçalves e João Manuel Gonçalves. O Café Ferreira acabaria por fechar em 1996, dado era preciso tomar decique “era sões, sobretudo no que dizia respeito às partilhas” dos bens de Maria Ferreira. Em 1997 é criada uma sociedade para dar continuidade aos negócios, a CIPTA, Lda. – Comércio e Indústria de Pastelaria Tradicional de Alfeizerão, Lda. E é assim que Maria Fátima Lopes (neta de Maria Ferreira), Fátima Gonçalves e João Gonçalves (bisnetos da fundadora) se tornam na quarta e quinta gerações de familiares
de Amália Grilo a fabricarem Pão de Ló de Alfeizerão. O Café Ferreira é reaberto. Em 2010, João Gonçalves sai da sociedade, que fica a cargo de Maria Fátima Lopes e Fátima Gonçalves. A primeira foi durante muitos anos professora de Português e Inglês e apenas se dedica ao negócio da família depois de se aposentar da carreira docente. A segunda já ajudava os pais quando estes ficaram com o negócio e hoje é uma das três pessoas que mete a mão na massa para fazer o bolo que, tal como nos tempos iniciais, tem na sua base açúcar, farinha e ovos (muitos). E garante que “há sempre diferenças no pão de ló consoante quem o faz” faz”. Como ‘café de estrada’ que é, o Café Ferreira está muito dependente da circulação das pessoas e do poder de compra de quem por ali passa. “Hoje o Pão de Ló de Alfeizerão continua a vender-se, talvez não tanto como noutros tempos... nós não somos diferentes dos outros, também sofremos com a crise” crise”, diz Ma-
A família Ferreira no ano em que abriu o estabelecimento
ria Fátima Lopes. Mas não é só a quebra do poder de compra que ameaça este bolo centenário, que nesta casa nunca levou quaisquer conservantes e, por isso mesmo, é um bolo sensível e muito perecível. De tal modo que Maria Ferreira “fazia uma reza e benzia-se sempre que ia para o forno” forno”, garante Augusto Lopes. E é por se saber disso que nesta casa há sempre o costume de mostrar o pão-de-ló ao cliente, porque o transporte também é fundamental e pode estragar o bolo. A neta da fundadora da casa lamenta a “concorrência altamente desleal que são os hipermercados” hipermercados”. Garantindo que o bolo que se vende na sua casa “não tem nada a ver com os que se vendem nas grandes superfícies” superfícies”, que têm prazos de validade até 15 dias, diz que o pão de ló que se compra nos hipermercados “vem descaracterizar e desvirtuar” o produto. “Não conseguimos competir com isso quando os nossos bolos não levam conservantes” conservantes”, aponta.
UMA PARTE DA CULTURA QUE PRECISA DE SER PROTEGIDA
Cronologia 1834 – As ordens religiosas são extintas. Monjas do Mosteiro de Cós refugiam-se
Uma das actuais responsáveis pela casa defende que “deviam proteger-se mais os produtos locais” e que isso deveria ser feito por comerciantes e pela autarquia, “que devia defender o que é tradicional e regional” regional”. Maria Fátima Lopes acredita que se Alfeizerão tem nome, o deve ao pão de ló. Não fosse o bolo, cuja fama se espalhou pelo mundo, e a localidade “não passava de uma passagem para São Martinho” Martinho”. “Temos um bolo que é conhecido internacionalmente e é lamentável que os pelouros da Cultura não se debrucem sobre este tipo de realidade” dade”, acusa. “O Pão de Ló de Alfeizerão tem sido sempre muito esquecido e nunca é referido” referido”, mesmo tratando-se “do mais antigo e mais conhecido bolo do concelho de Alcobaça” Alcobaça”, afiança. Mas as críticas vão mais longe, e chegam às políticas que fazem com que os produtos regionais paguem 23% de IVA. “A gastronomia tem que ter outro tratamento” tratamento”, defende, até porque “Portugal tem um grande acervo de bolos regionais bons e cultura não é só ler um livro, é também ir a um local e provar o que por lá se faz há anos e anos” anos”. Ainda que o Pão de Ló de Alfeizerão seja um ex-libris da casa, há outras especialidades para provar no Café Ferreira, algumas das quais remontam aos primeiros tempos de actividade de Maria Ferreira. É o caso dos Trevos de Amêndoa, dos Suspiros ou dos Tamares, os famosos barquinhos de chocolate. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
em Alfeizerão, na casa da família de Amália Grilo, levando consigo a receita do pão de ló húmido
1927 – Amália Grilo é convidada para uma sociedade de exploração comercial do bolo e indica para a tarefa a nora, Maria Ferreira
1947 – Maria Ferreira abre o Café Ferreira com os filhos, Amália, Maria Rosa e Francisco
1980 – Maria Ferreira morre, com 89 anos. Pouco tempo depois os filhos cedem a exploração do negócio à neta mais velha da fundadora e ao seu marido, Maria Rosa Gonçalves e Manuel Gonçalves
1991 – Maria Rosa Gonçalves morre. O marido mantém o negócio com ajuda dos filhos
1996 – O Café Ferreira fecha temporariamente
1997 – É criada a CIPTA, Lda. – Comércio e Indústria de Pastelaria Tradicional de Alfeizerão, Lda. (capital social de 5.000 euros). Maria Fátima Lopes, Fátima Gonçalves e João Gonçalves assumem o negócio e reabrem o Café Ferreira
2010 – João Gonçalves abandona a sociedade. Maria Fátima Lopes e Fátima Gonçalves são as actuais responsáveis pelo negócio da família
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Da Venâncio & Pedro, Lda. à Vepelibérica – a pequen empresa do concelho do Bombarral Não é hoje imaginar uma criança de dez anos a trabalhar numa serralharia, mas foi com essa idade que Aníbal Graciano Pedro, hoje com 70 anos, entrou na oficina do Maximino Carvalho em 1950. Nascido no Cintrão (Bombarral) filho de pequenos agricultores, entrou para a escola com seis anos e de lá saiu aos dez anos com “uma 4ª classe das antigas” terminada e pronto para ganhar os primeiros tostões naquilo que hoje se chama o mercado de trabalho. “Nas primeiras semanas ganhei zero. Era aprendiz. Varria a oficina e ajudava os mestres [serralheiros]. Trabalhava de borla, à experiência” cia”, conta. O seu primeiro salário foi 1$00 (meio cêntimo de euro). Seguindo o percurso normal de quem entrava numa oficina, o jovem Aníbal Pedro chegou a serralheiro e a mestre. Aos 22 anos casa-se com Glória de Jesus Camilo Pedro. Corria o ano de 1962 e o primeiro rebento do casal, Paulo Pedro, nasceria dois anos depois, seguindo-se, em 1970, o segundo filho, Pedro Pedro. No entretanto, a vida de Aníbal Graciano Pedro dera uma volta de 180 graus – de empregado passara a patrão. A coisa aconteceu em 1969 depois de ter andado cinco anos a ouvir as promessas de Maximino Carvalho de que um dia lhe daria sociedade. Aníbal está com 29 anos e é um dos serralheiros mais experientes da casa. Acha-se com competência para se estabelecer por conta própria e fá-lo com o seu amigo Fernando Venâncio, empregado da mesma firma. Cada um entra com 50 contos (250 euros) para a sociedade e abrem uma pequena oficina e loja na Rua Mouzinho de Albuquerque. “Ficamos muito desiludidos logo no primeiro dia. Era 1 de Agosto, dia de feira no Bombarral e nós tínhamos à venda ferragens e materiais
Fernando Venâncio e Aníbal Pedro numa foto de 1952. Os futuros sócios tinham então, respectivamente, 17 anos e 12 anos e trabalhavam ambos na Maximino Carvalho.
vitivinícolas, mas pouco ou nada vendemos” vendemos”, recorda o empresário. Persistentes, os dois sócios decidem alargar a actividade à
damental porque os fornecedores mandavam-nos tudo pelo caminho-de-ferro e nós até tínhamos uma carroça para ir buscar as encomen-
A família Pedro da Vepelibérica. Da esquerda para a direita: Pedro Pedro, Diane Lopes, Glória Pedro, Aníbal Pedro, Paulo Pedro e Natália Pedro.
contos (1500 euros). Por essa altura já os dois filhos, Paulo e Pedro, viam na oficina do pai a sua segunda casa. Era para lá que iam depois da
prego num banco e Paulo Pedro esteve prestes a entrar no BPA. É convidado duas vezes, hesita, recusa e adia. Mas ao terceiro convite decide que os seu futu-
Quando no dia 1 de Agosto de 1969 Aníbal Graciano Pedro abria no Bombarral, com o seu sócio Fernando Venâncio, uma pequena serralharia com loja de artigos para a lavoura, estava longe de imaginar que 40 anos depois aquela firma seria a quarta maior empresa do concelho com um volume de negócios inimaginável para a época – 8,2 milhões de euros. Esta é a história da Venâncio & Pedro, Lda, que a dada altura ficou nas mãos da família Pedro e na qual trabalham hoje pai, filhos e noras. venda de electrodomésticos. Enquanto isso, a oficina ia tendo encomendas fazendo todos os trabalhos de serralharia – portas, portões, gradeamentos, estruturas metálicas. “Acabamos por arranjar uma clientela muito boa porque éramos conhecidos na terra e penetrámos também no concelho do Cadaval” Cadaval”, diz Aníbal Pedro. Em 1979 já estão noutro local, no Largo da Madre de Deus, junto aos antigos correios e perto da estação ferroviária. “A proximidade da estação era fun-
das ao cais” cais”, recorda. O novo espaço, que ocupava o edifício de uma antiga pensão, era arrendado à Quinta das Cerejeiras. Acontecera o 25 de Abril e, temendo uma eventual ocupação da propriedade, o proprietário vendera as instalações à firma. Aníbal Pedro diz que foi por um bom preço, mas, mesmo assim, isso representou um salto qualitativo para a empresa. Pediram mil contos (5000 euros) à Caixa e, de caminho, aproveitaram para comprar o primeiro torno mecânico para a oficina, na altura uma tecnologia moderna que valia 300
escola e cedo começaram a ajudar. O mais velho, Paulo, chega à adolescência e dá-se conta que é bom ganhar dinheiro a vender painéis solares da Solharte para a firma. Interrompe os estudos de Mecanotecnia nas Caldas da Rainha, na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro, onde se fica pelo 11º ano, vindo mais tarde a concluir o curso à noite. Não satisfeito, matricula-se de novo e faz um segundo 12º ano, desta vez em Contabilidade e Administração. Na década de oitenta era o suficiente para se arranjar em-
A Venâncio & Pedro Lda. no Largo da Madre de Deus nos anos setenta e oitenta do século passado
ro não seria no balcão de um banco, mas sim na Venâncio & Pedro, Lda. O irmão mais novo, Pedro Pedro, está em sintonia e encara com naturalidade trabalhar na empresa do pai. Em 1988 a sociedade sofre uma alteração que a coloca nas mãos dos Pedros: o sócio Aníbal adquira a quota do sócio Venâncio e reparte-a pelos filhos. O pai mantém os 50% do capital e os filhos 25% cada um. Esta estrutura mantém-se ainda hoje, mas as necessidades de investimento, que acompanharam a expansão dos ne-
gócios levaram a que, após sucessivos aumentos, a empresa tenha hoje um capital social de 640 mil euros. “Para não chocarmos uns com os outros na administração da empresa, decidimos que cada um de nós ficava com uma área: eu fiquei com a parte produtiva [serralharia],, o Paulo com as áreas administrativa e financeira e o Pedro com a área comercial” mercial”, explica o patriarca da família. A fórmula parece resultar e desde então a empresa não pára de crescer e de estender as suas actividades. Além da parte industrial, onde realiza trabalhos em ferro e inox, expande a componente comercial aos sanitários, cerâmica, equipamentos de aquecimento central e ar condicionado, sistemas solares, acessórios de casa de banho, materiais de canalização. UMA DÉCADA DE EXPANSÃO E MODERNIZAÇÃO
A década de 90 é de expan-
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na oficina que se transformou na quarta maior “Tínhamos receio que a coisa não desse, mas não desanimámos e seguimos em frente”
Vista aérea do complexo da Vepelibérica no Cintrão. A década de 90 e o início do séc. XXI foram anos de forte crescimento.
são e de permanente modernização da oficina. Em 1995 a Venâncio & Pedro, Lda abre uma loja nas Caldas da Rainha e uma segunda loja com armazém de exposições no Bombarral. Três anos depois adquire um unidade comercial em Peniche. É nesse ano, 1998, que a actividade comercial supera a componente industrial, atingindo a primeira 78% do volume global de negócios. Mas o maior salto dá-se em 2001 com a mudança de instalações para o Cintrão. Aníbal Graciano Pedro volta à terra que o viu nascer e, com os filhos, abre um complexo no local onde funcionava a antiga Farcil, que inclui a oficina, armazéns, um showroom, escritórios e balneários. A parte industrial conta agora com uma linha de montagem de caixilharia de alumínios a lacagem, o que implicou a aquisição de uma estação de tratamento de água residuais. Dois anos depois a empresa altera a denominação social e passa a chamar-se Vepelbérica – Indústria e Comércio de Materiais de Construção Civil, Lda, alargando também o seu objecto social por forma a poder vender ainda mais produtos. Em 2004 pai e filhos tentam uma incursão em França que não chega a durar muitos anos. Abrem em Melun, perto de Paris, a Vepel Ibérica France numa experiência que duraria até 2009. Ainda em 2004 compram 50% da empresa penichense Jor-
nada – Construção Civil, Lda, fechando a sua unidade comercial em Peniche. Três anos depois o complexo do Cintrão é alargado, com a inauguração de um showroom com 3000 m2 de exposição, sobretudo para venda de cerâmica e sanitários. Nesse ano fecha a loja das Caldas, recentrando toda a sua actividade na sede. Imparáveis, com uma facturação sempre crescente, os Pedros criam em 2009 um espaço outlet para venda de artigos descontinuados. Hoje este espaço só funciona aos sábados. “Sempre dei aos meus filhos liberdade de escolha, mas nunca lhes escondi que gostaria que ficassem na empresa” empresa”, conta Aníbal Pedro, que reconhece que foi graças ao dinamismo deles que a Vepel teve um período de crescimento tão acentuado. A recessão económica reduz os resultados líquidos graças ao esmagamento das margens de lucro, mas nem por isso afecta o volume de negócios. Em 2008 a Vepelibérica factura 7,7 milhões de euros, em 2009 são 7,9 milhões e em 2010 atinge os 8,2 milhões de euros. A empresa vende para todo o país, incluindo ilhas, e detém já uma pequena quota de mercado em Espanha, para onde faz revenda, sobretudo na Extremadura e Andaluzia. Como estratégias para ven-
cer a crise, Paulo Pedro aponta uma maior agressividade comercial e o alargamento das actividades. A empresa voltou a comercializar electrodomésticos (tal como o seu pai e o sócio Fernando Venâncio já tinham feito na década de 70) e lançase na decoração de interiores, na madeira (soalhos flutuantes) e no fabrico de janelas em PVC. O outlet tem-se revelado um êxito e projecta o nome da empresa. Actualmente a parte industrial, que emprega 20 dos 63 funcionárias da firma, representa apenas 20% do volume de vendas, mas é no meio da oficina, que o ex-serralheiro e agora empresário Aníbal Pedro melhor
se sente. Com 70 anos, guarda uma vitalidade ímpar e continua a gerir a oficina que criou em 1969. A empresa chegou a ter uma equipa de futebol de salão e Aníbal Pedro chegou a ocupar cargos directivos no Sport Club Escolar Bombarralense, incluindo o de presidente. Fez também uma incursão na política, tendo sido o primeiro presidente da Assembleia Municipal do Bombarral após o 25 de Abril e presidente da Junta de Freguesia local, pelo PSD, durante dois mandatos. Carlos Cipriano cc@gazetacaldas.com
CRONOLOGIA 1935 - nasce no Bombarral, Fernando Carvalho Venâncio 1940 – nasce no Cintrão, Aníbal Graciano Pedro 1950 – Aníbal Pedro começa a trabalhar na Maximino Carvalho 1969 – Os dois amigos fundam a Venâncio & Pedro, Lda. na Rua Mouzinho de Albuquerque
1979 – Mudam as instalações para o Largo da Madre de Deus 1982 – Ampliação das instalações 1988 – Aníbal Pedro e os dois filhos compram a quota de Fernando Venâncio e aumentam o capital social da firma de 100 (500 euros) para 1000 contos (5000 euros) 1995 – abre uma loja nas Caldas da Rainha 1998 – compra uma loja em Peniche 2001 – nova mudança de instalações com a construção de um complexo industrial e comercial no Cintrão 2003 – A Venâncio Pedro, Lda altera a denominação social para Vepelibérica 2004 – inaugura em França uma sucursal detida pela Vepelibérica France 2007 – inauguração do showroom ao lado do edifício sede 2009 – criação de um outlet para artigos descontinuados
Fernando Venâncio (à esquerda), com 18 anos, em fato de macaco com um colega (Júlio Mil-Homens, já falecido) quando trabalhava na Maximino Carvalho, numa foto de 1953. À direita, na sua casa, no Bombarral, com 76 anos.
Fernando Carvalho Venâncio foi co-fundador da Vepel e também se recorda daquele dia 1 de Agosto de 1969 em que abriram a loja ao público. Na altura tinha 34 anos, era casado e tinha dois filhos. Razões para querer mudar de vida, saindo da oficina do seu tio, Maximino Carvalho, e abrir o seu próprio negócio. “Tínhamos receio que a c oisa não desse, mas não desanimámos e seguimos em frente, com coragem e muito trabalho, às vezes até aos fins-de-semana...” fins-de-semana...”, conta. Órfão de pai aos sete anos, Fernando Venâncio seria criado pelo seu tio, Maximino Carvalho, proprietário de uma serralharia que fez escola no Bombarral. Foi, pois, natural, que terminada a 4ª classe, o sobrinho ingressasse na empresa do tio como aprendiz. “Tinha 11 anos. Fui para oficina e depois passei para a loja e para o escritório. Mas como era criado lá em casa, não tinha ordenado. Acho que o meu tio pagava 2$00 [1 cêntimo] por dia aos empregados mais novos” novos”. Só anos mais tarde é que Fernando Venâncio começou a ganhar dinheiro. Não se recorda do primeiro ordenado, mas lembra-se bem que quando casou, em 1956, ganhava 750$00 (3,74 euros) por mês. É na empresa Maximino Carvalho que Fernando e Aníbal se tornam amigos. Já são homens
quando decidem estabelecer-se por conta própria. “O meu tio prometia que nos dava sociedade, mas nunca o fez então eu, o Aníbal e o meu irmão Vítor decidimos avançar” çar”, conta. O irmão de Fernando acabou por desistir, mas Fernando Venâncio e Aníbal Pedro arriscam e criam a Venâncio & Pedro, Lda. Inicialmente trabalham sozinhos, Fernando na loja e Aníbal na oficina. Só mais tarde contratam os primeiros empregados. Mas na Rua Mouzinho de Albuquerque não chegam a ter mais de dois ou três. “Às vezes, quando estávamos um bocado apertados, vinham os empregados do Maximino Carvalho, à noite, fazer umas horas para nós” nós”, revela. A firma só aumenta o seu quadro de pessoal quando se muda para o Largo Madre de Deus. Até 1987 o co-fundador assiste e participa na evolução da empresa que, nessa década, passa também a dedicar-se aos painéis solares e aquecimentos. Depois de ter vendido a sua quota, Fernando Venâncio aceita um convite para trabalhar na Rafael & Rosa, Lda, uma empresa de materiais de construção civil do Bombarral. Cinco anos depois é gerente e é nessa qualidade que se reforma, aos 65 anos, em 2000. Actualmente tem 76 anos. C.C.
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Fialho & Miranda, Lda. – 83 anos e três gerações de pa
Ilídio Fialho (1908-1940) foi o fundador da primeira loja de motos das Caldas
Braulio Fialho (1933-1980), filho de Ilídio Fialho.
Cipriano Louro, empregado da firma, ao lado dos actuais patrões, Valter Fialho e Eunice Miranda. Em baixo, as filhas de Valter que um dia poderão tomar conta da casa.
É das Caldas da Rainha uma das mais antigas lojas de motorizadas do país. Corria o ano de 1928 quando Ilídio Fialho (1908-1940) adquiriu o espaço de uma oficina de ferreiro no número 12 da Rua Heróis da Grande Guerra para se estabelecer como mecânico e comerciante de bicicletas e motorizadas. Oitenta e três anos depois a empresa mantém-se no mesmo local e está entregue a uma terceira geração. Braulio Fialho conduziu o negócio entre 1950 e 1980, primeiro em nome individual, depois fundando com a companheira Eunice Miranda a empresa Fialho & Miranda, Lda. Hoje a empresa é gerida por Eunice e o seu filho, Valter Fialho, que herdou do avô e do pai a paixão pelas motos, que tem permitido manter a longevidade de uma loja que prima pela relação de confiança com os seus clientes. Foi Ilídio Fialho, nascido em 1908, avô paterno do actual gerente da Fialho & Miranda, Lda. quem lançou o negócio em 1928. Antes Ilídio Fialho trabalhou como mecânico de bicicletas, mas nesse ano viu numa pequena oficina de ferreiros no número 12 da Rua Heróis da Grande Guerra, onde se ferravam cavalos, uma oportunidade para lançar o seu próprio negócio. A alteração do ramo do estabelecimento era um sinal da evolução dos tempos. O trabalho em cavalos dava lugar a uma loja de velocípedes. No arranque do negócio vendiam-se sobretudo bicicletas, muito procuradas na altura como meio de transporte da classe trabalhadora. Depois vieram as motorizadas, em grande expansão no pós Primeira Guerra Mundial. Para além da venda, Ilídio Fialho montava também uma oficina, onde dava asas àquele que era o seu grande talento - a mecânica. Lançava assim, em nome individual, aquela que é hoje, possivelmente, a mais antiga loja de motorizadas do país, com um conceito que se mantém praticamente intacto até aos dias de hoje. “Era um grande mecânico na altura, com muita popularidade e que já tinha uma vida boa, já tinha moto e carro, o que naquela altura não era para qualquer pessoa - era um grande comerciante” comerciante”, diz
Eunice Miranda, a nora que nunca o chegou a conhecer, a não ser pelas histórias contadas pelo companheiro Braulio. Ainda hoje guarda uma foto de Ilídio numa viagem que este fez com os clientes ao Mosteiro de Alcobaça. Foram quase todos de bicicleta… menos o dono da loja, que na altura era dos poucos que tinha motorizada e nela levou também o filho, Braulio, nascido em 1933, que mais tarde pegaria no negócio. Ilídio viria, contudo, a falecer cedo, de forma inesperada no final do ano de 1940, vítima de doença. Tinham os seus filhos, Braulio e Fedora, oito e seis anos, respectivamente. Antes já tinha ampliado o negócio com uma segunda loja, dedicando a primeira apenas à oficina. A segunda loja abriu na mesma rua, no número 29, onde hoje se situa a Electrolíder. Apesar de ter perdido o pai demasiado cedo, Braulio conviveu com ele o tempo suficiente para herdar a paixão pelas duas rodas. Desde criança habituado a lidar com as motos, a perda do pai obrigava-o a pegar de forma prematura na loja e na oficina. Enquanto não atingiu a maioridade, a loja foi mantida, primeiro pela mãe, Laurentina Timóteo, e depois pelo padrasto, César Pereira. “Mas quando o Braulio voltou da tropa, o padrasto afastou-se e ele to-
mou conta da loja sozinho” sozinho”, conta Eunice. Estávamos no início dos anos 50 quando Braulio assumiu a loja também em nome individual e lhe chamou Casa de Velocípedes de Braulio Timoteo Fialho. DÉCADAS DE 60 E 70 FORAM AUGE DO NEGÓCIO
Acompanhando as novidades que iam surgindo, o negócio não
parava de crescer, expandindose ao longo das décadas de 60 e 70. As motorizadas continuavam a ser o transporte de excelência da maioria das pessoas, numa altura em que o automóvel ainda estava ao alcance de poucos. Uma moto chegava, nessa altura, a transportar famílias inteiras. Eunice lembra também o gosto que Braulio tinha pela mecânica. Para além de reparar motos, “fazia carrinhos para pessoas com
Pai e filho, Braulio e Valter, em cima de uma moto nosanos setenta
deficiência, tinha um talento muito grande” grande”, diz. O crescimento do negócio levou Braulio a nova ampliação, abrindo um terceiro estabelecimento sempre na Rua Heróis da Grande Guerra, agora no número 20. Para além da oficina, havia agora uma loja totalmente dedicada às bicicletas e outra só para as motorizadas. Nesta fase a empresa chegou a ter 10 funcionários e Eunice Miranda recorda que às segundas-feiras chegavam a ter 15 motos para afinar. Foi também nesta fase, nos finais da década de 60, que Braulio e Eunice, nascida em Peniche em 1945, se conheceram. Eunice, que trabalhava num estabelecimento de padaria e costura, foi trabalhar com Braulio quando se juntaram, já nos anos 70. A mu-
dança de profissão foi como da noite para o dia, recorda Eunice. “Não percebia nada disto, ajudava a tomar conta da parte do comércio mas não estava metida nas vendas nem nada” nada”, conta. Foi também na loja que criou o filho, Valter, que nasceu em 1975. Tal como Braulio, também Valter se começou a familiarizar desde muito cedo com as motos. Apesar de ter perdido o pai com apenas cinco anos, as memórias são-lhe ainda bastante claras. “Ele viveu bem, já corria de moto o país, ia às feiras internacionais de motas nos anos 70, à Bélgica, Itália, França, e naquela altura eram viagens de dias, feitas de carro” ro”, diz Valter Fialho. Ia porque gostava de saber as novidades,
O actual sócio-gerente com três e anos e meio
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aixão pelas motos na Rua Heróis da Grande Guerra quer de modelos, quer de acessórios. De resto, acrescenta, Braulio Fialho foi dos primeiros portugueses a ter a famosa Honda CB 750 Four, uma moto de grande cilindrada, “raríssima no país” país”. Na loja fazia tudo, trabalhava na oficina e também fazia vendas. “Ele gostava disto, dedicava-se muito à empresa e trabalhava a toda a hora... chegavam a ir pessoas a casa às 10 horas da noite para ele desenrascar uma avaria na moto” moto”, recorda Valter Fialho. E não tem dúvidas que é essa dedicação ao negócio, passada de geração em geração, que tem ajudado a manter a empresa. “É um negócio sentimental, que tem que dar lucro, mas em que é preciso gostar do que se faz, estar muito por dentro do produto e conseguir falar com os clientes, saber os seus gostos, e se calhar é este gosto que nós temos desde o meu avô que nos faz estar cá ainda hoje porque crescemos neste meio” meio”, sustenta Valter Fialho. Não é, assim, difícil perceber que a paixão pelas motos também passou para Valter Fialho. O contacto com as motos começou igualmente muito cedo, tanto no ambiente da loja, como fora. Teve a primeira moto aos três anos e meio, “uma moto de combustão e a saber andar nela” nela”, sublinha. Foi comprada numa viagem a França, porque cá também não havia, e ainda hoje a guarda. Foi em 1980 que Braulio Fialho faleceu, vítima de ataque cardíaco. Foi Eunice Miranda quem segurou o negócio. “Agarrei-me com força, não me quis desfazer de um negócio que já era do avô do meu filho e assumi as vendas” vendas”, conta Eunice Miranda. Nessa altura teve a preciosa ajuda de um sobrinho, António Miranda, que se propôs a ajudála. “Um grande mecânico que me apoiou muito na altura” altura”, realça Eunice. Mais tarde juntouse um segundo sobrinho, e também afilhado, Sérgio Miranda. NOVAS INSTALAÇÕES EM 1989
O negócio manteve-se nos mesmos moldes, com as duas lojas e a oficina, e rapidamente Eunice Miranda tomou o gosto que permitiu aos seus antecessores conduzir o negócio. Acabou por concretizar um sonho que era comum a Ilídio e Braulio Fialho, mas que estes não tiveram oportunidade de concre-
tizar - construir de raiz as novas instalações. Braulio chegou a ter o projecto aprovado na Câmara Municipal, mas não teve oportunidade de começar as obras. Foi com esse mesmo projecto, apenas com pequenas alterações feitas por Eunice, que a obra avançou quase 10 anos depois. Foi em 1989 que o número 12 se erigiu de novo com a estrutura que hoje se mantém, congregando os espaços de vendas e oficina. Para além dos dois sobrinhos, também o filho Valter acabou por dar a sua ajuda, que aumentou à medida que foi crescendo. “Com seis anos já acompanhava a minha mãe às fábricas das motos nacionais, que eram no Norte, e quando fui para a escola no fim das aulas vinha sempre para cá” cá”, recorda Valter Fialho. Eunice acrescenta que com 9 anos Valter já afinava bicicletas aos sábados para entregar a clientes. “Foi sempre criado aqui e tomou gosto” gosto”, diz. Cresceu e chegou a integrar o ensino universitário, no curso de Gestão da UAL, nas Caldas da Rainha, mas ao fim de dois anos desistiu. “A minha vida está ligada a isto, foi sempre vivida aqui e ficou o gosto, podia ter escolhido outra profissão, tive essa hipótese e a minha mãe não me tentou influenciar, foi uma coisa que aconteceu naturalmente, cresceu comigo” comigo”, explica Valter Fialho. Foi em 2002 que Valter integrou a empresa de forma efectiva, integrando também a sociedade por quotas com a mãe na Fialho & Miranda, Lda. A única alteração que tinha sido feita ao negócio original foi o abdicar do comércio de bicicletas, explicado pela quebra da procura motivada pela venda de bicicletas nos supermercados. Até 2008 a Fialho & Miranda manteve cinco funcionários, nesse ano a quebra da procura de motos obrigou a uma remodelação dos quadros, mantendo hoje três funcionários. Valter Fialho dedica-se às vendas e peças sector no qual chegou a ser premiado em 2003 como melhor técnico de peças da Honda a nível nacional, Eunice Miranda continua a apoiar o filho activamente nas vendas e a empresa dá ainda emprego a Cipriano Louro, mecânico que começou a trabalhar ainda com Braulio Fialho e que regressou depois de um interregno, estando já na Fialho & Miranda há cerca de 20 anos. Desde 2008 a Fialho & Miranda, Lda. vende cerca de 80 motos por ano, com um volume de fac-
Uma foto histórica. Nos anos trinta do séc. XX Ilídio Fialho organiza uma viagem em bicicleta das Caldas a Alcobaça com os seus clientes.
turação que Valter Fialho não quis revelar, mas “números razoáveis para a situação em que o país se encontra” encontra”, considera, tendo a assistência após venda como grande trunfo. “Se calhar a venda é onde se ganha menos, queremos manter cá o cliente durante anos a fazer a assistência e é aqui que fazemos a diferença” diferença”, explica Valter Fialho. Ao longo de 83 anos de actividade a empresa criou também uma relação de confiança com as pessoas e tem já exemplos de várias gerações de famílias a comprar motos. “As pessoas têm confiança em nós porque sab em que estamos cá há sabem muitos anos, trabalhamos com dedicação e sabem que não vamos fechar no mês que vem, estamos cá para resolver o que puder aparecer e felizmente não tivemos nenhum caso que não conseguíssemos resolver” resolver”, sustenta. De resto, o gosto pelas motos parece estar mesmo nos genes da família. Valter Fialho tem duas filhas, Matilde e Margarida Fialho, que com quatro e seis anos também já são presença assídua na loja e o gerente espera que um dia mais tarde uma delas alargue o negócio a uma quarta geração. “Elas gostam muito disto, gostam de dar uma voltinha de mota com o pai no quintal e gostam de vir para a loja ajudar a vender motas, por isso espero conseguir manter o negócio muitos anos para também elas terem uma opção de negócio quando crescerem” crescerem”. Joel Ribeiro jribeiro@gazetacaldas.com
Famílias estão a voltar às motos como veículo utilitário Durante os 83 anos de negócio a Fialho & Miranda, Lda. conheceu várias mudanças dos tempos e também das necessidades dos seus clientes. Se até finais dos anos 80 as motorizadas eram o grande meio de transporte individual e logo com grande procura, com a massificação do automóvel as motorizadas passaram para um segundo plano, com maior procura sobretudo junto dos jovens e de quem procurava motos de lazer, quer moto quatro, quer motos de grande cilindrada. Agora, com o custo de vida a atingir níveis elevados e o preço dos combustíveis a atingir níveis recorde, a moto volta a ser um veículo utilitário, muitas vezes procurado como segundo meio de transporte nas famílias. Durante a actividade de Braulio Fialho e também durante a década de 80, as motos nacionais eram a grande alavanca do negócio, com marcas míticas como a Famel Zundapp, Casal e Sachs. Do negócio faziam também parte duas marcas japonesas muito representativas - a Honda e a Yamaha. Nos finais da década de 80 as fábricas de motos nacionais entraram em dificuldades e quando, em 1989, Eunice Miranda fez as obras de remodelação, optou por ficar com a representação exclusiva da Honda. “Mas as multinacionais exigem tudo e mais alguma coisa e no mercado das Caldas trabalhar só com uma marca não é viável porque não se vendem motos grandes” grandes”, explica Eunice Miranda, que resolveu abrir novamente o negócio a várias marcas. Se até ali as motorizadas eram
ainda o principal meio de transporte para muitas famílias, nos anos 90 a abertura do crédito ao consumo teve um duplo efeito no negócio. Por um lado, abriu às famílias que até ali só podiam ter moto a oportunidade de comprar automóvel em segunda mão, o que baixou as vendas de motos utilitárias. Por outro, também deu oportunidade a que os entusiastas adquirissem motos de lazer - nomeadamente de todo-o-terreno e motos de grande cilindrada. Actualmente, o negócio está a voltar às origens, dizem Eunice Miranda e Valter Fialho. Com a subida dos preços dos combustíveis e do custo de vida em geral, há um regresso às moto entre os 50 e os 125 centímetros cúbicos como veículo utilitário e famílias com carro a optar pela moto, com menor consumo e seguros mais acessíveis, como segundo meio de transporte. A Fialho & Miranda, Lda. já está adaptada a esta nova realidade. “Já começámos a ter mais stock, mais modelos, com marcas conceituadas e uma marca asiática que vendemos há oito anos, que tem melhor preço, mas na qual temos plena confiança porque não queremos vender por vender” vender”, explica Valter Fialho, salientando o esforço que tem sido feito pelos construtores para optimizar o funcionamento dos motores, conseguindo médias de 1,8 e os 2,5 litros de combustível neste tipo de motos com emissões de gases poluentes muito reduzidas. Uma filosofia que faz a empresa continuar optimista quando ao futuro. Entretanto já começam a circu-
lar alguns motociclos eléctricos, moda à qual a Fialho & Miranda não aderiu ainda pela falta de fiabilidade destes ciclomotores. “Damos assistência a tudo o que vendemos, queremos vender as motos e ter peças o que não é possível com as marcas que estão neste momento no mercado” cado”, explica Valter Fialho. No entanto, a Peugeot, uma das marcas comercializadas pela empresa, tem prevista uma moto eléctrica para 2012 e nessa altura também a Fialho & Miranda, Lda. deverá também aderir a esta nova tecnologia. J.R.
Cronologia 1928 - Ilídio Fialho abre uma loja de velocípedes 1941 - Ilídio Fialho morre, a loja fica a cargo da mãe e depois do padrasto de Braulio Fialho, que tinha apenas 8 anos 1950 - Braulio Fialho volta da tropa e assume a loja 1979 - Braulio Fialho faz uma sociedade por quotas com a companheira Eunice Miranda e funda a Fialho & Miranda 1980 - O falecimento de Braulio Fialho leva Eunice Fialho a assumir o negócio. A sociedade passa a ser composta por Eunice Miranda e Valter Fialho 1989 - O edifício da oficina é reconstruído de raiz e passa a albergar o espaço de loja e oficina 2002 - Valter Fialho integra a empresa e passa a gerila.
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Sandra Reis sucedeu à prima Maria Rosa na retrosar
Maria Rosa Ezequiel Pereira na sua loja durante os anos 80
Sandra Reis sucedeu à sua prima Maria Rosa Pereira na retrosaria
A história da retrosaria “Loja da Maria”, que já foi “Pérola”, não é muito longa, mas faz-se de muitos acasos e de sentimento, com Sandra Reis a suceder à sua prima Maria Rosa Pereira num estabelecimento que está enraizado na comunidade local e que ao mesmo tempo atrai muitas pessoas de fora. Para além dos artigos habituais de uma retrosaria (tecidos, lãs e linhas), encontram-se também na loja outros produtos que os caldenses se acostumaram a comprar na rua Fonte do Pinheiro, dos panos de cozinha aos cómodos pijamas. Inaugurada em 1984 com o nome retrosaria Pérola por uma ex-emigrante na Venezuela, natural da Serra do Bouro, a loja tornou-se em 2005 no negócio de uma licenciada em Relações Económicas na Guarda, nascida nas Caldas, que ao ficar grávida retornou à sua cidade natal e viu naquele estabelecimento uma solução para o desemprego. DA SERRA DO BOURO PARA A VENEZUELA
Maria Rosa Ezequiel Pereira nasceu em 1940 na Serra do Bouro, onde mora actualmente, depois de ter estado mais de 25 anos emigrada na Venezuela. Foi criada pelos avós, que eram agricultores, porque tinha dois anos de idade quando a sua mãe faleceu. A jovem estudou até à terceira classe na escola primária da Espinheira e começou a trabalhar em casa Eu fazia o codesde nova. “Eu mer, lavava a roupa e cuidava dos animais animais”, contou. Aos 17 anos conheceu o seu futuro marido, José Ezequiel que tinha estado cinco anos emigrado na Venezuela e tinha voltado recentemente para Portugal. Ele foi para a Venezuela “Ele com um irmão porque o pai deles estava lá lá”, explicou. Quinze dias antes de fazer os 18 anos, Maria Rosa casou-se e seis meses depois juntou-se ao seu marido naquele país da Naquela alAmérica Latina. “Naquela tura era preciso ele ir primeiro e mandar-me uma ‘carta de chamada’ chamada’”, referiu. José Ezequiel teve duas padarias em San Juan de Los Morros, a capital do estado de Guárico. Era, já na altura, uma cidade maior do que as Caldas, mas isso não assustou Maria
É um país lindo. Com Rosa. “É um clima maravilhoso e as pessoas são muito amáveis veis”, disse. Eram tempos em que muitos emigravam para terem melhores oportunidades, até porque se tornava mais fácil para quem queria criar um novo negócio Do se o fizesse fora do país. “Do concelho das Caldas havia poucas pessoas na Venezuela... eram mais do norte de Portugal Portugal”, conta. Na verdade os caldenses emigraram mais para França e Estados Unidos. Mas havia muitos portugueses naquele país, quase “porta sim, porta não não”. Nos primeiros anos Maria Rosa dedicou-se a criar os seus dois filhos e mais tarde viria a trabalhar na padaria do marido. Embora quando fossem pequenos os dois filhos de Maria Rosa (agora com 41 e 50 anos), tenham ajudado muito nas padarias, estes dedicaram-se a outras profissões. O mais velho, engenheiro civil, ficou na Venezuela e o mais novo está em Portugal.
causa da vida de padeiro. Ele levantava-se todos os dias às três da manhã manhã”, lembrou. Para além disso, tinham saudades de viver em Portugal. O filho mais novo tinha 13 anos e também regressou com os pais. Maria Rosa recorda-se que quando voltou começava a exis-
tir um sentimento de cresciRegressámento económico. “Regressámos numa boa altura altura”, considera. José Ezequiel dedicou-se na altura à agricultura e ainda hoje, com 75 anos, cultiva os mas agora é seus campos, “mas só para consumo próprio próprio”. O casal comprou uma casa na
O REGRESSO ÀS CALDAS E A ABERTURA DA RETROSARIA
Em 1984, com o filho mais velho já formado e a trabalhar, o casal resolveu regressar ao país O meu marido esde origem. “O tava muito cansado, por
Algumas fotografias da filha de Sandra Reis, que desde bebé tem estado na loja
rua Fonte do Pinheiro e todos os dias o agricultor ia trabalhar as terras à Serra do Bouro. Em 1988 Maria Rosa tinha 48 anos e resolveu apostar no seu A senhora próprio negócio. “A do supermercado que existia aqui em frente dizia muitas vezes que eu devia abrir uma loja loja”. Com tempo livre e um espaço nos rés-de-chão do prédio que tinham comprado, decidiu meter mãos-à-obra e inaugurou nesse ano a retrosaO meu marido ria Pérola. “O passava o dia na agricultura e o meu filho foi estudar para fora fora”, lembrou. Abri a loja numa altura “Abri boa. Ainda não havia o Modelo, nem nada dessas coisas sas”, referiu. Para além dos produtos de retrosaria, vendia roupa interior de homem, mulher e crianAté collants e fatos-deça. “Até treino vendíamos porque não havia as lojas que agora há, como as dos produtos chineses chineses”, assinalou. Vendiam também muita lã as senhoras comprapois “as vam para fazerem as camisolas, casacos e até fatos completos completos”. Abasteciam-se nos armazéns grossistas do Porto Alto (Benavente), mas também de armazenistas das Caldas, Leiria e de Nessa altura os proLisboa. “Nessa dutos eram todos portugueses ses” e até tinham um fornecedor de batas femininas de uma confecção em Leiria. O material era escolhido ao gosto de Maria Rosa, que sabia o que a sua clientela gostava. Vinha aqui muita gente das “Vinha aldeias que gostava daqueles aventais e batas, que se usavam usavam”, conta. Ao longo dos 17 anos em que manteve a retrosaria, nunca mudou muito o tipo de produ-
tos que vendia, tendo apenas notado uma quebra na vendas de lãs nos últimos anos de actividade. Embora a loja esteja num local mais afastado do centro da as pessoas habitucidade, “as aram-se a virem cá cá” por causa dos produtos que vendem. Também havia mais movi“Também mento, porque existia um talho e uma mercearia aqui perto perto”, salientou Maria Rosa. Naquele tempo vendia-se “Naquele muito mais no comércio tradicional porque não havia hipermercados e shoppings gs”, referiu, deixando o desejo que as pessoas fizessem mais porcompras nas lojas de rua “porque ficam mais bem servidos dos”. Na sua opinião, o atendimento é mais personalizado e torna-se mais caro ir a uma grande superfície porque existe sempre a tentação de comprar artigos que não se precisa. Há seis anos o pai de Maria Rosa adoeceu e ficou acamaEle precisava de mim e do. “Ele da minha irmã e quisemos cuidar dele, em vez de o colocarmos num lar lar”, contou. Foi nessa altura que durante uma visita da sua prima, Sandra Marques dos Reis, surgiu a possibilidade de esta ficar a Fiquei contente gerir a loja. “Fiquei que o negócio continuasse continuasse”, comentou satisfeita Maria Rosa, que continua a ser uma presença habitual no estabeleAs pessoas dizem cimento. “As muito bem dela porque é muito simpática e atenciosa sa”. Maria Rosa nunca criou uma empresa e a loja estava em nome do seu marido. Actualmente o estabelecimento está arrendado à sua prima. LOJA DA MARIA NASCE DE
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ria que já foi Pérola e agora é a Loja da Maria passar muito tempo na loja, poderá um dia vir a tomar as rédeas do negócios, mas Sandra Reis quer que se isso, a aconseja num contexto tecer, “seja completamente diferente e mais moderno moderno”. Aos cinco anos, Maria não teve dúvidas de dizer à Gazeta das Caldas que gostaria de trabalhar no estabelecimento que tem o seu nome. Para quem está a ponderar
abrir o seu próprio negócio, Sandra Reis aconselha a ter sempre como principal preocupação pagar as contas e só depois pensar no lucro. Eu não tenho férias, “E quando estou doente tenho que vir trabalhar e tenho que ser muito rigorosa com os horários horários”, mas não se arrepende de trabalhar por conta própria. A crise pode também ser uma
oportunidade para uma retroA tendência é as pessaria. “A soas reciclarem e não deitarem logo tudo fora. Não se deita logo uma meia fora só porque se rompeu ou umas calças porque o fecho se avariou avariou”, o que vem dar um novo ânimo aos arranjos na roupa. Pedro Antunes pantunes@gazetacaldas.com
Trapilho foi uma novidade nas Caldas
Sandra Reis, com a mãe, Rosa Maria Marques, e a filha, Maria UMA GRAVIDEZ
Sandra Reis nasceu a 18 de Junho de 1972 no hospital das Caldas, mas os seus pais são de Óbidos. O pai era funcionário da Câmara de Óbidos e a mãe era doméstica. Depois de concluir o ensino secundário nas Caldas, Sandra Reis licenciou-se no curso de Relações Económicas na Guarda onde acabou por iniciar a sua vida profissional, embora sempre tivesse trabalhado em estabelecimentos comerciais em Óbidos durante o tempo em que estudou. Terminada a licenciatura, fez a gestão de uma rede de restaurantes, com o nome Soda Cáustica. Foi na Guarda que Sandra Reis conheceu o seu marido Marco Figueiredo, de 36 anos. Ele é de Viseu, mas é ban“Ele cário e foi estagiar para a Guarda Guarda”, contou. Em 2004 Marco Figueiredo foi colocado num balcão do banco no Porto e Sandra Reis já tinha marcado uma entrevista de trabalho para também se mudar. Na mesma altura soube que estava grávida, o que veio fazer com que o casal repensasPonderáse a sua situação. “Ponderámos bastante em ficar numa cidade onde não tínhamos família ou em mudarmos para uma das terras de onde éramos éramos”, explicou Sandra Reis. Como Marco Figueiredo conseguiu transferência para a Benedita, resolveram mudar-se Vim para cá depara Óbidos. “Vim sempregada e grávida grávida”, recordou a agora comerciante. Por coincidência, vim cá “Por visitar a minha prima e ela falou-me que eu poderia ficar na loja loja”, contou. A decisão foi tomada depois de ponderar sobre as vantagens e desNão estava a vervantagens. “Não
me a ir trabalhar para um escritório escritório” e quis ter o seu próprio negócio, tendo mais contacto com o público. Sempre gostei muito de “Sempre trabalhos manuais e também da possibilidade de ter uma loja porque gosto do comércio comércio”, justificou. Para além disso, achou que seria boa ideia aproveitar para poder estar mais tempo com a filha até que esta tivesse idade suficiente para o infantário. O estabelecimento acabaria por ser rebaptizado de Loja da Maria, em homenagem à sua filha, que nasceu a 5 de Maio de 2005, e que foi a principal razão para a decisão que tomou. Maria tinha quatro meses Ela quando a mãe abriu a loja. “Ela estava sempre aqui comigo no início início”, revelou, sublinhando que a ajuda da sua mãe tem sido sempre inestimável. Quando preciso de sair a “Quando minha mãe fica sempre aqui, porque estas lojas nunca podem estar fechadas com risco de perdermos a clientela clientela”. Diariamente a mãe também está presente no estabelecimento. Tal é a dedicação, que, embora à hora de almoço o horário seja das 13h00 às 15h00, a comerciante costuma abrir a porta às duas da tarde. Chegou a abrir aos sábados durante todo o dia, mas actualmente apenas o faz durante a manhã ultimamente e mesmo assim “ultimamente tem sido mais fraco fraco”. TÃO PERTO E TÃO LONGE DO CENTRO
Uma das maiores vantagens que acha que tem na localização da loja é o facto de ter sempre estacionamento perto. Até porque, embora a rua Fonte do
Pinheiro seja uma transversal da avenida 1º de Maio e esteja a poucos metros do centro, há quem diga que o estabelecimento esteja fora de mão. Embora também venda pijamas, panos de cozinha e outras peças que a sua prima vendia anteriormente, Sandra Reis aposta mais nos produtos de Como estou retrosaria. “C numa zona residencial as pessoas estavam habituadas a terem aqui esses produtos na loja e por isso os mantenho, mas o que eu gosto mesmo é de retrosaria ria”, disse. Da sua experiência profissional anterior aproveita agora para manter a contabilidade da empresa toda em ordem e da licenciatura aprendeu melhores formas de economizar e rentabilizar. Se a ideia inicial era ficar apenas por dois ou três anos na loja, Sandra Reis gostou tanto daquilo que faz que acabou por Gostaria de vencontinuar. “Gostaria der muito mais e ter mais estabilidade financeira, mas sinto-me feliz aqui aqui”, salientou. Desde Janeiro deste ano tem sentido uma quebra no número de vendas, de cerca de 50%. Continuo a ter as minhas “Continuo clientes habituais todos os dias, mas compram muito menos do que anteriormente. Começa a ser preocupante te”, revelou. Quanto ao volume de vendas do ano passado, considerou não ser relevante estar a avançar com números. No futuro gostava de poder fazer obras de modernização, principalmente da fachada, mas só irá fazê-lo quando tiver possibilidades financeiras para isso. A sua filha, que continua a
Quando abriu a loja em 2005 Sandra Reis trouxe do norte do país o trapilho como uma novidade para as Caldas da Rainha. O trapilho é um desperdício de algodão que começou a ser utilizado para os mais diversos trabalhos artesanais, das malas de senhora a tapetes. Esta foi a primeira loja “Esta a ter trapilho nas Caldas e o estabelecimento tornouse mais conhecido por isso. Tinha clientes que vinham de Leiria, de Lisboa, Torres Vedras e de Santarém Santarém”, contou a comerciante. Quando abriu a loja, a sogra de Sandra Reis sugeriu que começasse a vender este fio que saía das fábricas como desperdício dos restos das colecções. Eles passam pelas máqui“Eles nas e rasgam em fios. Antigamente ia para os teares e faziam-se aquelas mantas e tapetes, que se vendem tanto em Óbidos Óbidos”, explicou. Falei com os vendedores “Falei que não queriam transportar este material para a nossa loja e por isso, de 15 em 15 dias, eu e o meu marido íamos a Viseu e trazíamos a carrinha carregada com mais de cem quilos de trapilho trapilho”, contou. Por causa desse material tem vários clientes que são alunos da ESAD e outras pessoas que gostam de trabalhos Funciona muito à manuais. “Funciona base do passa palavra porque quem gosta destas coisas vai falando com os outros e indicam a minha loja loja”, disse. A princípio a moda foi fazerem-se malas com o trapilho, mas a imaginação não tem limites e são muitos os artigos em que se começou a utilizar este material. A própria Sandra Reis começou a fazer os produtos com Eu trapilho que vende na loja. “Eu forro cestos, almofadas e outros produtos. Também
As malas feitas em trapilho
ensinei muitas raparigas novas a aprenderem a fazer crochet crochet”, revelou. No Verão de 2009 fez algumas obras na loja para a criação de um espaço dedicado ao trapilho. Embora já não haja a “febre” que havia pelo trapilho há três ou quatro anos, continua a vender todos os dias. Como consegue ter disponíveis uma grande variedade de cores, ainda há muitas clientes a virem de fora das Caldas. Chegou a vender cerca de 700 quilos de trapilho de 15 em 15 dias e actualmente fica-se pelos cem quilos. Como nas escolas fazem-se trabalhos de reciclagem, aparecem muitas crianças e jovens a comprar este material. Também há muitos artesãos que compram uma linha de algodão mais grossa (número seis) para fazerem trabalhos de artesanato. P.A.
Cronologia 1940 – Nasce Maria Rosa Ezequiel Pereira
1958 – Maria Rosa casa-se com José Ezequiel e emigram para a Venezuela
18 de Junho de 1972 – Nasce Sandra Marques dos Reis 1984 – Maria Rosa e José Ezequiel regressam a Portugal 1988 – Inaugurada a Retrosaria Pérola 2005 – Maria Rosa encerra a Retrosaria Pérola 2005 – Nasce a Maria, filha de Sandra Reis e Marco Figueiredo 2005 – O estabelecimento reabre com o nome Loja da Maria 2009 – A loja sofre algumas obras para a criação de um espaço para o trapilho
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Rainho & Teles há quatro gerações a gerir negócios
O fundador José Francisco Rainho (1895-1966) e a sua esposa Nazaré Margarida (1893-1985)
José Francisco Rainho (1895-1966) é natural da Serra do Bouro e em 1919 começou a deslocar-se ao Norte do país às feiras de gado bovino onde comprava os animais para os vender na feira das Vinha com os aniCaldas. “Vinha mais do Norte a pé pé”, conta a neta, Maria Alice Rainho, que já esteve à frente dos destinos da empresa que este fundou e que hoje é gerida pelo bisneto, Luís Teles. Em 1922 o fundador da empresa casou com a sua prima direita, Nazaré Margarida, também da Serra do Bouro. Desde cedo José Rainho revelou gosto pelos negócios pois, além dos animais, começou também a negociar cereais. Estes últimos eram numa carrotransportados “numa ça, puxada por um cavalo, para vender no mercado das Caldas Caldas”, recordou a neta. Corria-lhe bem o negócio quando em 1932, abre nova frente: uma mercearia na sua terra natal na Espinheira (Serra do Bouro). Esta fica a cargo da sua esposa, Nazaré Margarida, que se preocupa em diversificar os produtos para os seus clientes. “Vendia-se de tudo na loja do
Zé Rainho, como era conhecida nhecida”, conta Maria Alice Rainho. Havia mercearias, adubos para agricultura, produtos de drogaria, bebidas, pano vendido a metro, pronto-a-vestir, calçado. A neta do fundador lembra-se bem dos salgadores (onde se conservava a carne antes do aparecimento dos frigoríficos), da venda do azeite, do petróleo, das aspirinas e dos “melhorais”. A mercearia já contava com taberna onde se vendia vinho,
A filha do fundador Maria Nazaré Rainho e o genro do fundador Joaquim Neto Rainho
po da segunda guerra, nos anos 40, ter um rádio de madeira que funcionava a bateria. “Era o primeiro rádio da terra e funcionava também como atractivo à loja”, recordou a responsável que acabou por trabalhar naquele estabelecimento. “UM HOMEM COM VISÃO QUE FEZ TUDO SOZINHO”
Em 1934 este empresário, conhecido por andar sempre de chapéu e de fato comple-
Francisco Rainho, Maria Nazaré Rainho, (1927-2006), casou e teve duas filhas: Maria da Luz e Maria Alice. Logo no ano seguinte, o empresário começou a ir a Lisboa à Bolsa de Negócios de Cereais e vendia para armazenistas também na capital. Além disso, José Francisco Rainho manteve sempre negócios relacionados com a agricultura e com a aquisição Ele não herde terrenos. “Ele dou nada, fez tudo sozinho e era um homem de
O jovem casal que actualmente gere a empresa
ao Alentejo para ir buscar cereais e a ir vendê-los aos armazenistas em Lisboa (ver caixa). “ T r a z i a t a m b é m carradas de cevada e de grão preto para fornecer para torrefacções de café em Lisboa, nas Caldas e também em Leiria Leiria”, disse a neta do fundador. Era nestes locais que, à posterior, se abastecia de café para vender na sua mercearia na Serra do Bouro. José Francisco Rainho era um homem conhecido de to-
Vão longe os dias em que José Francisco Rainho (1895-1966) vinha de carroça vender cereais na Praça da Fruta. Este empresário de grande visão, que começou por vender gado e depois se ter dedicado aos cereais, fundou um negócio que quatro gerações depois prossegue graças à diversificação de produtos. É o bisneto do fundador, Luís Rainho Teles que hoje gere o negócio desta empresa. Apesar da crise, este empresário vai estando atendo ao mercado e a responder às novas necessidades, 92 anos depois do seu bisavô, uma das pessoas mais conhecidas da Serra do Bouro, ter iniciado a sua carreira a pulso.
aguardente e ginga “ q u e eram bebidas às sete da manhã pois eram o matabicho”, disse Maria Alice. Recorda-se de terem também outro tipo de bebidas, como vinho do Porto e brandy. Na memória fica ainda o facto da mercearia, no tem-
to, abriu um armazém –alugado - para o seu negócio de cereais na Avenida da Independência Nacional nas Caldas em especial por causa da proximidade da estação de caminho de ferro, onde chegavam os cereais. Em 1944 a filha de José
José Francisco Rainho andava sempre de fato completo e chapéu. Nesta foto, está ao lado do seu Buick, um verdadeiro luxo na época.
muita visão para o negócio cio”, contou a neta, acrescentando que, em 1947, José Francisco Rainho comprava a primeira camioneta para o seu negócio. Era o seu genro, Joaquim Neto Rainho, o principal responsável pelo transporte, sobretudo pelas idas
dos e ajudava os que precisavam. “Havia gente que só pagava de ano a ano” ano”, recorda Maria Alice, neta do fundador que trabalhou naquele estabelecimento desde os 10 anos.. “Havia quem levasse o adubo e só o pagava após ter feito a co-
lheita” lheita”, conta, explicando que era também nessa altura que eram pagas as mercearias consumidas até então. “Ele fiava àquela gente toda, mas era no tempo em que existia honestidade e em que a palavra valia mais que muitos contratos”, disse a neta que geriu a mercearia até esta fechar em 1981. Contou também que não foram raros os casos em que os clientes levavam a ração para os animais e só quando os matavam e vendiam a carne é que iam pagar o que deviam. Em 1952 José Francisco Rainho adquire uma loja na Rua Capitão Filipe de Sousa, mais uma vez destinada ao comércio dos cereais. Escolheu um local central tirando proveito da proximidade da Praça da Fruta pois era habitual negociar com os vendedores a quem sobravam cereais após a venda diária. Passados dois anos decidiu passar para a Rua Heróis da Grande Guerra. A partir de 1956 tem um empregado que vai todas as quintas-feiras vender cereais no Mercado da Malveira. O fundador da empresa José Francisco faleceu em
Uma ida da família a Lisboa em 1949. Na imagem estão José Francisco Rainho, a esposa Nazaré Margarida, a filha Maria Nazaré Rainho (1927-2006), o seu marido Joaquim Neto Rainho (1922) e as duas filhas, Maria da Luz e Maria Alice
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nas Caldas
A base do negocio são os cereais e as rações. Neste momento a sede da empresa transferiu-se para a Zona Industrial
1966 tendo o nome da empresa passado a ser José Francisco Rainho e Herdeiros e, mais tarde, para Maria Nazaré Rainho e Joaquim Neto Rainho. O casal investiu nas rações e cereais, tendo dado continuação a todos as áreas de negócio iniciadas pelo fundador, excepto a criação de animais. RAINHO & TELES UNE NOVAS ÁREAS DE NEGÓCIO
Em 1996 chegou a vez de passar as rédeas da firma para uma das filhas – Maria Alice Rainho e do genro José Carlos Teles (casados em 1971). Nesse ano a empresa toma o nome de Rainho & Teles, Lda. Não foi nada fácil para José Carlos Teles “tirar” Maria Alice Rainho da “asa” dos pais. Esta trabalhava na mercearia da família desde os 10 anos e foi a custo que veio para as Caldas para trabalhar no negócio da família do marido, que se dedica às malhas. Primeiro na Casa Raul, depois na Loja das Malhas. Hoje à frente deste negócio está Ana Isabel Rainho Teles (nascida em 1975), a filha mais nova do casal. Há dez anos Maria Alice e José Carlos adquiriram a loja ao lado do estabelecimento das malhas na Rua Henrique Sales. A empresa prosseguiu na venda dos cereais e das rações até que o casal passou também a negociar comida e acessórios para animais de estimação, desde a ração para cães e gatos até às misturas para os pássaros e para os peixes. Em 2006 a empresa passou a ser gerida pelo filho mais velho do casal, Luís Rainho
(nascido em 1972) e sua esposa, Carla Teles (nascida em 1977). Estes têm diversificado e investido noutras áreas como a bijutaria. Têm uma loja nas Caldas e em tempos abriram uma outra na Benedita. Também tentaram abrir no concelho de Alcobaça uma outra dedicada aos cereais e às rações mas tal como a da Benedita, “foram negócios que não correram bem e optámos por fechar fechar”, contam. Luís Teles tinha apenas cinco anos, mas lembra-se de acompanhar os seus avós “nas viagens para ir buscar cereais ao Alentejo e também de os comercializar em Lisboa” Lisboa”. O actual gestor da empresa continua hoje a vender os cereais, as sementes e os legumes secos, mas conta que o grande negócio no tempo dos seus pais, a ração e acessórios para animais, “sofreu uma queda acentuada” acentuada”. Os melhores anos do negócio viveram-se nos anos 80 e 90 do século passado. “Havia muita malta com animais e fornecíamos também as vacarias” vacarias”, conta o responsável, acrescentando que possui uma grande variedade de clientes desde o consumidor final até às cooperativas, sem esquecer as coudelarias e os centros hípicos. Estes locais, ligados à equitação e criação de cavalos, é uma área específica do negócio que Luís Teles começou a trabalhar há dois anos e que diz ter boas perspectivas de futuro. A sua esposa, Carla Teles, é a chefe da contabilidade, ao passo que o marido domina a área comercial. Hoje a empresa tem cinco
funcionários, mas a equipa chegou a ser de 16 quando Maria Alice e José Carlos Teles geriam a empresa no final dos anos 90. Hoje não são necessárias tantas pessoas devido à evolução do equipamento de apoio. “Somos uma segunda família, mas isso é desde sempre. Tivemos funcionários com 30 e 40 anos de casa” casa”, contaram os responsáveis, explicando que, ao fim de quatro décadas, há práticas que se mantêm como a entrega ao domicílio. Hoje a empresa tem clientes que são filhos e netos dos compradores do pai, do avô e bisavô de Luís Teles. “Vendemos a semente ao agricultor e compramos-lhe a colheita de cereais” reais”, explicou o casal, que sente que há mudanças a acontecer no mercado pois aparece-nos gente que “a até agora nunca tinha semeado e outros que já deixaram de semear e que voltaram a fazê-lo” fazê-lo”. Além das sementes vendem também muitos cereais e farinha para fazer pão. A partir de 2008 e nos anos baixamos basseguintes “baixamos tante as vendas” vendas”, contam. Nos anos de ouro chegaram a ter um volume de facturação de um milhão de euros ao passo que em 2010 foi de cerca de 600 mil euros. A empresa Rainho e Teles Lda, que tem cinco mil euros de capital social, tem sócios gerentes atentos ao mercado e em busca de novos públicos. Esta atitude permitiu à empresa passar das nove décadas de existência. Natacha Narciso nnarciso@gazetacaldas.com
Os actuais responsáveis, Luís e Carla Rainho Teles com os pais dele, os anteriores gestores desta empresa
“Os cereais chegavam às Caldas de comboio e seguiam de carroça para a Serra do Bouro” Com 88 anos, Joaquim Neto Rainho ainda conduz o seu Mercedes e quer “conversar” com a Gazeta das Caldas antes dos familiares pois tem uma consulta de rotina no Centro de Saúde. É, tal como o seu sogro e esposa, ambos já falecidos, natural da Serra do Bouro. Emociona-se ao relembrar os dias de trabalho da empresa que herdou e conta que aos 10 anos já trabalhava no duro no campo. Em 1945 já tinha casado há um ano e ajudava o sogro em tudo o que era necessário. O transporte dos cereais era feito com carroças e usava-se o caminho-de-ferro. Decidiram pois que estava na hora de adquirir uma camioneta. “Ainda me lembro da matrícula, era FA-13-17” FA-13-17”, conta o octogenário. Recordase que compraram a carrinha ,
tendo dado 25 contos de sinal. Depois ao longo de dois anos pagaram os restantes 100 contos. “Só quando a dívida estava saldada é que recebemos o veículo” veículo”, afirmou este empresário, que se lembra com saudades das idas ao Alentejo para trazer os cereais. Viajava então na Ford Hércules, uma camioneta com capacidade para cinco toneladas o que equivalia às actuais 25 toneladas que hoje é possível transportar. Recorda com saudades estas viagens, numa latura em que a travessia do Tejo era feita de barco. “Chegávamos a comprar às 100 toneladas no Alentejo” Alentejo”, contou o octogenário. Antes de ter a camioneta, os cereais eram transportados pelo caminho-de-ferro e descarregados no armazém alugado que possuíam ao pé da estação, na Av. da Independência Nacional.
E era em carroças – puxadas por cavalos - que faziam o transporte para a Serra do Bouro. Vendemos muito milhar “Vendemos de cereais e de adubos para a agricultura agricultura”, contou. Os tempos eram outros, mas é com gosto que Joaquim Neto Rainho recorda que chegou a vender 700 toneladas de ração por mês. No tempo da sua filha e genro passou-se a vender 400 toneladas e no tempo da gestão do neto, vendem-se apenas 70 toneladas mensalmente. Joaquim Neto Rainho manteve e desenvolveu o negócio do sogro tendo, entre outras coisas, decidido comprar a loja da firma na Rua Cidade de Abrantes, no Bairro dos Arneiros, que ainda hoje se mantém. N.N.
CROLONOGIA 1895 - Nasce José Francisco Rainho (1895-1966) na Serra do Bouro 1919 – Inicio do comércio de gado 1922 – Casa com Nazaré Margarida (1893-1985) 1932 – Abre mercearia na Serra do Bouro e vende cereais na Praça da Fruta 1934 – Abre armazém na Av. da Independência Nacional 1944 – Joaquim Neto Rainho (nascido em 1922) casa com Maria Nazaré Rainho (1927-2006) 1945 – Começa a negociar na Bolsa de Cereais de Lisboa 1952 – Abre loja na Rua Capitão Filipe de Sousa 1954 – Passa o estabelecimento para a Rua Heróis da Grande Guerra 1966 – Morre José Francisco Rainho Anos 70 - Joaquim Neto Rainho e Maria Nazaré Rainho mantêm a empresa, que passa a designar-se José Francisco Rainho & Herdeiros Lda.
1981 – Encerra a mercearia na Serra do Bouro 1983 – Adquirem loja para cereais e rações na Rua Cidade de Abrantes 1996 – A firma passar a chamar-se Rainha & Teles Lda. 2006 – Luís e Carla Teles estão na gestão da empresa e passam sede da empresa para a Zona Industrial
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Ibn Errik Rex – de loja de antiguidades a bar especia
O casal António e Isabel Nobre, com o filho Bruno ao colo, em 1974
A intenção de António Montez de vender o bar Ibn Errik Rex, situado no coração de Óbidos, a quem lhe desse continuidade convenceu o jovem casal António e Isabel Nobre, seus vizinhos da frente, a embarcar na aventura de começar a trabalhar num negócio próprio em 1975. Natural do Vilar, no Cadaval, António Tavares Nobre tinha ido trabalhar para a Pousada do Castelo com apenas 15 anos (1965) e ali ficaria durante uma década. Foi também naquela pousada histórica que conheceu Isabel Nobre, com quem casou em 1967, tendo a actriz e concessionária do estabelecimento, Luísa Santanela, como madrinha de casamento. O trespasse foi comprado por 500 contos (2500 euros) e a porta do número 100, da Rua Direita, foi aberta pela primeira vez pela nova gerência a 4 de Junho de 1975. Dessa quarta-feira, o Tavares (como é conhecido)
lembra que tinha apenas 20 escudos (10 cêntimos) na algibeira e o receio que alguém lhe pagasse com uma nota “grande” e ele não ter dinheiro para
era na altura pouco frequentado por obidenses pois a maioria dos clientes vinha de fora, sendo que muitos deles eram clientes da Pousada.
Trinta e sete anos depois estão os três à frente dos destinos do bar, em Óbidos
vai para a Foz já passa menos por Óbidos” Óbidos”, explicou António Tavares, acrescentando que agora a vila vive muito das excursões durante o dia.
“Hoje acaba-se por viver mais do excursionista do que do pessoal das redondezas. Ao fim-de-semana temos muitos clientes de Lisboa,
O antiquário Montez (1905-1979) já lá não está para contar as histórias, mas o bar Ibn Errik Rex (expressão árabe que significa “filho de Henrique, o Rei”), que ocupa o número 100 da Rua Direita, em Óbidos, continua a manter fiel a decoração inicial, da década de 50 do século passado. A família Tavares Nobre, proprietária da casa desde 1975, mantém bem viva a tradição de beber uma ginjinha, acompanhada de uma linguiça assada na mesa e de um queijo da ilha. O filho, Bruno Nobre, também já se juntou ao negócio, cujo futuro passa pela aposta na qualidade do produto comercializado, numa altura em que a venda de ginja se tornou moda, sobretudo quando é servida num copo de chocolate. fazer o troco. A vender a ginjinha a copo, e outras bebidas, o proprietário fez no primeiro dia 500 escudos (2,5 euros). A partir daí não mais pararam e o Ibn Errik Rex continua a ser uma referência da ginja d’Óbidos, dos petiscos e do convívio. O bar do Montez, como era conhecido (ver texto ao lado),
Com a abertura de mais bares em Óbidos, na década de 80, a vila tornou-se local de passagem dos noctívagos antes de irem para as discotecas. “A partir do momento em que abriu a universidade nas Caldas [meados da década de 90] começaram a abrir bares também na cidade e, hoje em dia, a malta nova que à noite
A abertura da universidade nas Caldas coincidiu também com o encerramento da vila de Óbidos ao trânsito. Esta família concorda que os carros não entrem durante o dia, mas são da opinião que à noite não faz diferença, até porque de Inverno poucas são as pessoas dispostas a fazer o caminho a pé à chuva e ao frio.
Porto e de outros locais do país” país”, resumem. Isabel Nobre lembra com saudade as sessões de fado e cantigas que, nas décadas de 80 e 90, ali se proporcionavam e mantinham o convívio até de madrugada. Outros, como os ex-militares que estiveram no RI5 nas Caldas, em 1974, regressam e recordam que era ali que se en-
contravam e conspiravam.. Agora, a maioria dos seus clientes são os turistas que visitam a vila, mas também pessoas que ali vão com alguma regularidade. “Temos clientes que se tornaram nossos amigos” amigos”, explica António Tavares. Além das bebidas chegaram a vender presunto, mas depois optaram por servir linguiça, que é assada na mesa, com aguardente, em assadores de barro e queijo da ilha. “As pessoas gostam de ver” ver”, conta António Tavares, lembrando a história de um menino estrangeiro que veio com os pais a Óbidos e passou pelo Ibn Errik Rex. Anos mais não tirava tarde regressou e “não os olhos da linguiça a assar pois aquela chama (e forma original de cozinhar) era a única coisa de que se lembrava da primeira vez que veio a Portugal Portugal”. E porque histórias não faltam nesta casa, o Tavares recorda também o casal belga, que estava acampado em Peniche e que todos os dias ali ia com o filho, pequeno, à hora de almoço. É que a criança não comia mais nada desde que estavam em Portugal senão a linguiça assada no Ibn Errik Rex. O espaço já serviu também de cenário para a realização de casamentos pelo civil. ANTIGUIDADES E MAIS DE UM MILHAR DE MINIATURAS GARANTEM UMA DECORAÇÃO ÚNICA
Tavares, ao centro, com o pintor caldense Rogério Rodrigues e o Sr. Veiga, aquando da remodelação do espaço, em 1980
António e Isabel Nobre conheceram-se na Pousada, onde ambos trabalharam durante 10 anos
A decoração da casa salta à vista de quem entra. Os actuais proprietários fizeram questão de deixar o aspecto original, em que as pinturas de Cadima Tavares, datadas de 1959, reves-
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alizado em ginja de Óbidos
O dono do bar com o treinador Felipe Scolari, uma das muitas personalidades que por ali têm passado
tem as paredes, a par com uma multiplicidade de antiguidades que falam da história do espaço. A única alteração foi feita em 1980, altura em que tiveram que fazer mais uma casa de banho. Nessa altura, António Tavares contratou o pintor caldense Rogério Rodrigues para fazer o restauro das pinturas que decoram as paredes. Este assim o fez: primeiro copiou em papel vegetal os desenhos e, depois de feita a intervenção, voltou a pintar. Um trabalho que demorou mais de um mês e que ainda hoje pode ser atestado, com a sua assinatura, por baixo da de Cadima Tavares, nas paredes do bar. É também deste pintor, amigo do anterior proprietário da casa, o quadro datado de 1979 que se encontra em exposição e que foi pintado na chapa de um frigorífico antigo. Pelo tecto e armários da casa distribuem-se mais de 1800 garrafas de bebida em miniatura. Uma colecção que António Tavares começou há vários anos e que conta com exemplares de várias partes do mundo. Muitas foram o próprio a comprar, mas outras são os clientes que lhe enviam, depois de visitarem o bar. A ginja comercializada é feita na Frutóbidos especialmente para esta casa. Trata-se de um lote especial, que também é vendido em garrafa com o rótulo do bar. O espaço, com capacidade para 30 pessoas, costuma “rebentar pelas costuras”, especialmente durante os meses de Julho e Agosto. São bastante comuns as vezes em que se vêem clientes, na rua, de copo na mão, a saborear uma ginja de Óbidos.
UMA APOSTA SÉRIA NA QUALIDADE DO LICOR
Bruno Nobre tinha 10 meses quando os pais compraram a casa e a história da sua vida interliga-se com a do Ibn Errik Rex. “É uma casa comercial com significado. É a mais antiga, com uma decoração profusa e enquadra-se bem dentro da vila vila”, afirma o também responsável pelo estabelecimento. A família formou, em 2000, uma sociedade por quotas, repartidas pelos três. Até então, Isabel e António trabalharam os dois sozinhos e chegavam a fazer 18 horas por dia. Um curioso por História, Bruno Nobre costuma conversar com os clientes sobre esta teBasta perguntarem mática. “Basta pelo nome da casa, ou pelo Montez, para logo se começar uma conversa” conversa”, refere o jovem, que estudou Engenharia Informática até ao segundo ano da faculdade, mas abandonou para se dedicar ao negócio em conjunto com os pais. “Já há pessoas que vêm de propósito para ouvir as histórias que o Bruno conta” conta”, diz o pai. E é certo que o seu nome figura no guia turístico Rick Steves, que é dos mais escolhidos pelos americanos devido aos seus conselhos sobre locais que se afastam um pouco do circuito turístico comum. Além desse, o bar consta também dos guias Michelin e Routard, que explicam que ali há ginja de Óbidos, linguiça assada e queijo para degustar. O futuro da casa passa por “aguentar e não fazer muitas alterações” alterações”, diz Bruno Nobre, que reconhece algumas dificuldades em conseguir cumprir com os requisitos necessários da ASAE, ao mesmo tempo que
mantêm a tipicidade da casa. “O futuro destas casas hoje passa por esse bom senso que é preciso” preciso”, afirma, acrescentando também que é importante não ir atrás de modas, apesar de terem criado uma - a comercialização do licor de ginja a copo. Querem também ser diferentes, fazendo uma aposta séria na qualidade. Garantem que aí poderá residir a diferença, sobretudo numa altura em que a venda da ginja se generalizou e em que a bebida, por vezes, não é a mais verdadeira. A moda dos copos de chocolate, onde o licor é servido, também não veio ajudar, mas antes “esconder” a falta de qualidade de alguma da bebida comercializada, já que o chocolate acaba por disfarçar o sabor da ginja. No bar tentaram resistir a ter copos de chocolate, mas os clientes pediam e agora já os comercializam. “Os guias turísticos são muito culpados por isso pois incentivam a provar ginja no copo de chocolate” late”, esclarece Bruno, para quem esta evolução não trouxe mais valias. “O produto banaliza-se e perde a tipicidade local” local”, refere, adiantando que o chocolate onde é servida a ginja provém de diversas partes do mundo. Nos últimos anos a casa tem tido um volume de facturação médio de 100 mil euros. A família reconhece que actualmente até pode haver mais turistas de passagem em Óbidos, mas devido à também maior concorrência, “acaba por trabalhar-se mais e ganharse menos” menos”. Fátima Ferreira fferreira@gazetacaldas.com
As duas caveiras de Napoleão que Montez encontrou no quintal É uma história de amor que está na origem do Ibn Errik Rex. Natural de Abitureiras (concelho de Santarém), José Ferreira Duarte Montez foi trabalhar para Óbidos para as minas de gesso. Logo se apaixonou por uma senhora que vivia na vila, com a mãe, que era enfermeira no hospital de Óbidos, situado dentro do burgo. Corália, assim se chamava a jovem, tinha uma casa de antiguidades e António Montez, para ficar mais próximo e a conquistar, montou um negócio idêntico, em 1955, a que deu o nome de Ibn Errik Rex. Para agradar aos clientes lembrou-se de oferecer um cálice de ginja a quem vinha comAntónio Montez e a esposa, Corália, no Ibn Errik Rex. As prar as antiguidades. A moda antiguidades coabitavam com o bar. pegou e o antiquário, quando especificamente, Montez discomeçou a perceber que ia pois de ferrugentas, vendia na se que a cabeça maior era a de mais gente para beber ginja do loja como sendo do tempo de D. Napoleão Bonaparte. E a peque para comprar as antigui- Afonso Henriques. Ou de quan- quena?, perguntou o cliente. dades, passou a vender a bebi- do vendeu uma imagem de ma- A resposta foi pronta: era de deira de Nossa Senhora de Fátida e a fazer uns petiscos. Napoleão em criança. Deve-se a Montez o hábito ma, que já não se encontrava Autodidacta e muito interesde beber este licor em Óbidos, nas melhores condições, como sado no mundo que o rodeava, já que, na altura, as famílias sendo do século XVII, quando o Montez lia muito e era “politifaziam-no em casa para con- milagre de Fátima data de iníci- camente activo” activo”, recorda sumo próprio. O comerciante os do século XX. Bruno Nobre, adiantando que Mas talvez a história mais viria a casar com Corália e, jundurante o Estado Novo foi à conhecida e engraçada seja a tos, geriram os dois estabeleUnião Soviética e o seu bar era cimentos - o antiquário e o bar das caveiras. António Montez frequentado habitualmente - que funcionava à porta fecha- vivia numa casa junto à Igreja pelos oficiais que participaram da, normalmente com a pre- de Santa Maria e um dia, ao ca- no golpe do 16 de Março que var no seu quintal, descobriu sença de amigos. partiu das Caldas. Muitas pessoas iam ao Ibn duas caveiras que levou para a Errik Rex para ouvir as históri- loja para vender. Um cliente cheFátima Ferreira as do seu proprietário e as “pa- gou, olhou para as caveiras e fferreira@gazetacaldas.com tranhas” que inventava para perguntou de quem eram, ao que o responsável respondeu vender as suas antiguidades. Famosas são as espadas que serem de pessoas importantes. enterrava no quintal e que, de- Questionado sobre quem eram
Local de encontro de políticos, artistas e personalidades Emoldurado na parede do bar está uma carta do presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek, datada de 1973, onde este desejava boas festas ao seu amigo português, António Montez. “ O s b r a s i l e i r o s quando vêm ao bar lêem a mensagem e ficam encantados” tados”, conta António Tavares. Mas esta não é a única marca a provar que o Ibn Errik Rex tem sido frequentado, ao lon-
Cronologia 1943 – Nasce Isabel Reis Nobre, em Óbidos 1950 – Nasce António Tavares Nobre, no Vilar (Cadaval) 1967 – António e Isabel casaram, continuando a trabalhar na Pousada até 1975
go dos anos, por estadistas, artistas e personalidades nacionais e internacionais. No livro de visitas da casa não faltam os elogios à ginja de Óbidos feita pelos actores brasileiros como Paulo Gracindo e Paulo Autran e das portuguesas Luísa Barbosa e Hermínia Silva. O cantor e ministro da cultura brasileiro, Gilberto Gil, também por ali passou, assim como Ivan Lins e o seu filho Cláudio Lins, que fizeram questão de
1974 – Nasce Bruno Nobre 1975 – O casal adquire o bar Ibn Errik Rex a António Montez, por 500 contos 1979- Morre António Montez, o primeiro proprietário do bar e amigo da família Nobre
deixar expresso o agrado de beber uma ginjinha naquele bar, juntamente com Carlos do Carmo e Paulo de Carvalho. A escritora Sophia de Melo Breyner, o treinador do Benfica, John Mortimor, a poetisa Natália Correia, ou o irmão de Bill Clinton são outras das personalidades que provaram o néctar característico de Óbidos naquela casa. F.F.
1980 – Foi feita a única remodelação do bar, com a participação do pintor caldense Rogério Rodrigues 2000- O casal forma uma sociedade por quotas com o filho
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Casa Vinagre – a homenagem de uma “electricista p
José Vinagre Félix, Maria Guilhermina, Maria Teresa Sedas e Luís Miguel. O passado, presente e futuro de uma loja aberta em 1937
Quando, em 1937, José Vinagre Félix (1917–1985) decide abrir “A Fluorescente”, havia apenas uma loja do género nas Caldas da Rainha. A luz eléctrica era algo relativamente recente e muitas eram as casas que ainda não usufruíam desta maravilhosa invenção. O electricista pôs mãos à obra nalgumas das mais importantes fábricas da cidade. Entre fios, interruptores e disjuntores, foi o “senhor Vinagre” o responsável pela instalação eléctrica de edifícios como as Faianças Bordallo Pinheiro, a Secla, as extintas Faianças Subtil e Faianças Belo, a Fábrica das Malhas, o Montepio Rainha D. Leonor e o antigo Quartel do RI5, onde hoje se encontra a Escola de Sargentos do Exército. “A Fluorescente” foi, desde o primeiro momento, uma empresa familiar. José Vinagre Félix tinha a sua esposa, Maria Guilhermina (1917–1975) a trabalhar consigo. Já em 1970 foi a afilhada, Maria Teresa Sedas, quem se juntou à equipa, na altura com cinco trabalhadores, incluindo os proprietários. Nascida no Imaginário, em 1954, Maria Teresa era a mais nova de sete filhos de um casal que vivia da agricultura. “O meu pai era um grande agricultor, muito conhecido. Era um homem muito honesto e muito lutador e esses valores foram transmitidos para mim” mim”, recorda a filha, que sempre quis atender ao público. Foi por isso que aos 16 anos, em 1970, decide ir trabalhar com o padrinho, enquanto prosseguia os seus estudos à noite, na então Escola Comercial e Industrial das Caldas da Rainha, hoje Secundária Rafael Bordalo Pinheiro. Maria Teresa dedicava-se sobretudo ao atendimento dos clientes que por ali passavam. Aos 21 anos a jovem casou-se e aos 22 teve o seu filho, Luís Miguel. Continuou a trabalhar com o padrinho, que entretanto tinha enviuvado. Sem filhos, José Vinagre Félix fez da afilhada a sua herdeira e foi assim que em 1986, no ano a seguir à morte do fundador, Maria Teresa assume a gestão da loja. Em homenagem ao padrinho e fundador do negócio decide mudar-lhe o
nome e nasce a Casa Vinagre. UM CURSO DE ELECTRICISTA POR CORRESPONDÊNCIA
Habituada às lides do balcão e do atendimento, Maria Teresa viuse confrontada com a necessidade de fazer orçamentos, de planear as instalações eléctricas e sentiu necessidade de aprofundar os seus
dora, as contas eram feitas a lápis, havia o célebre livro do merceeiro onde se assentavam os fiados, o inventário era feito à mão, havia apenas uma máquina de escrever que ainda hoje guardo com carinho, e pouco mais” mais”, conta a proprietária. “E as compras eram feitas quando os vendedores passavam, de mês a mês. Tudo de-
Na memória esta comerciante guarda histórias engraçadas de outros tempos. Como um dia em que uma cliente entrou na loja e lhe disse: “D. Teresa, queria umas pilhas para a telefonia, mas não qu eria iguais àquelas queria que me vendeu da última vez” vez”. Admirada, a proprietária quis saber qual o problema com as pilhas e eis que a cliente lhe diz: “Cale-se lá
Um sorriso que é a prova provada de que Maria Teresa não mente quando diz: “Eu adoro o que faço e guardo muito boas recordações e alguns episódios engraçados” engraçados”. APOSTA NA INFORMATIZAÇÃO E NUM ESPAÇO MAIOR PARA O NEGÓCIO
Foi pelas mãos de José Vinagre Félix que em 1937 aparecia no n.º 22 da Rua Emídio Jesus Coelho “A Fluorescente”, uma casa dedicada ao comércio de lâmpadas e material eléctrico. Cinco décadas depois, o fundador morre e a loja fica entregue à sua afilhada, Maria Teresa Sedas, que decide homenagear o padrinho e muda o nome de estabelecimento para Casa Vinagre. Hoje esta é a mais antiga loja de material eléctrico e electrodomésticos nas Caldas da Rainha e a sua proprietária olha para o futuro com optimismo. Sabe que o filho lhe há-de seguir as pisadas e acredita que um dia a loja também será do neto que, com apenas quatro anos, já dá provas de ter “jeitinho” para o negócio. conhecimentos sobre o mundo de cabos e fichas e quadros e disjuntores que a rodeava. Decide, então, tirar um curso de electricista por correspondência. “Eu fiquei sozinha, tinha 32 anos e tive que me lançar. Foi assim que comecei a aprender a ligar interruptores e tomadas, a fazer quadros e reparações”, conta. E se as suas funções continuavam a passar sobretudo pelo trabalho ao balcão e no escritório, Maria Teresa era mulher que agarrava nas ferramentas e lá ia à rua de vez em quando. “Mesmo ao fim-de-semana cheguei a fazer assistências” assistências”, recorda, apontando como exemplo a Padaria Teixeira, onde o pão se cozia de noite. “Lá rebentava a luz e vinha a dona ou a empregada: ‘ó D. Teresa fiquei sem luz, por favor vá-me valer’. E eu pegava numa lanterna e lá ia mudar uma lâmpada, um disjuntor, qualquer coisa para os desenrascar, às vezes às 11 da noite ou meia-noite, ainda hoje me falam disso na rua” rua”. A oferta na área da electricidade e dos electrodomésticos foi crescendo e a loja da Rua Emídio foi ficando pequena. Em 1990 a Casa Vinagre abre uma segunda loja, na Rua Henrique Sales. Os tempos eram outros. “Nesta casa não havia uma calcula-
morava muito tempo” tempo”. Maria Teresa conta ainda que antigamente vendiam-se sobretudo lâmpadas, fio e material eléctrico. “Electrodomésticos havia muito poucos. Havia o ferro de engomar, a torradeira, o aquecedorzinho redondo, o radiozinho de pilhas e pouco mais” mais”, recorda.
minha senhora, as pilhas é só uma estrangeirada que eu não percebo nada daquela música” música”. E é com um sorriso que conta como deu a volta a esta queixa, no mínimo caricata. “Viro-me para ela e digo-lhe: muito bem. Tem aqui umas pilhas que isto é só música portuguesa. E ela lá foi, toda contente com as pilhas” pilhas”.
Maria Teresa no dia do seu casamento, em 1974, ladeada pelos padrinhos, Maria Guilhermina e José Vinagre Félix
Com a aposta na informatização do negócio, feita já lá vão mais de duas décadas, tudo mudou. Hoje, “o inventário faz-se com um clique, a gestão da empresa é muito mais fácil e muito mais eficiente, e agora ainda estamos a implementar um novo sistema ainda mais actualizado de gestão comercial,
portanto não podemos parar” parar”. E esta ideia esteve sempre presente na actividade desta empresária, que sempre se manteve a par da mudança dos tempos e dos gostos e fez sempre questão de disponibilizar aos seus clientes as novidades que iam aparecendo no mercado. Além disso, em 2005, Maria Teresa apostou na centralização de toda a actividade da Casa Vinagre junto à casa mãe. Nasce um novo espaço ali ao lado, com a demolição de uma casa velha que a empresária tinha comprado em 1989 e fecha-se a loja na Rua Henrique Sales. “Fizemos este belíssimo espaço que temos aí para dinamizar mais esta empresa” empresa”, afirma. Na “nova” loja introduziram novidades na área da iluminação, com candeeiros mais modernos e contemporâneos. “Os tempos mudaram, o mercado mudou, e nós tivemos a capacidade de nos adaptar à realidade” dade”, salienta. E diz que“é um privilégio trabalhar nesta casa há 41 anos e ser gerente há 25” 25”. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
A carteira profissional de electricista de José Vinagre, que a afilhada guarda com todo o cuidado
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por correspondência” ao legado do seu padrinho “Temos que ir à luta. Parar é morrer!”
Filho e mãe no estabelecimento que é o seu ganha-pão desde 1986
Desde que foi fundada, como “A Fluorescente” em 1937, a Casa Vinagre dedicouse sempre ao comércio de electrodomésticos e material eléctrico, executando ainda todo o tipo de instalações eléctricas, tanto domésticas como industriais. A abertura de grandes espaços comerciais e a crise que se abateu sobre a economia podiam ter ditado o fim daquela que é hoje a mais antiga casa do género na cidade, mas a sua proprietária recusou-se sempre a baixar os braços. “Para isso temos que estar atentos às mudanças e só temos uma maneira de trabalhar: sermos honestos” tos”, aponta. E há outra razão para o sucesso: “nós temos que mostrar que somos capazes de fazer mais e melhor” melhor”. Uma missão que tem sido bem sucedida, de tal forma que a Casa Vinagre tem actualmente “clientes de três gerações – avós, pais e netos – muitos dos quais fazem o favor de serem nossos amigos, de confiarem em nós e no nosso trabalho” balho”. Estes clientes vêm de muito lado, não só das Caldas da Rainha e redondezas. E porquê? “Porque aqui sempre se apostou na qualidade dos artigos, do atendimento e da assistência. Trabalhamos com honestidade e transparência” transparência”, afirma. E é precisamente esta a postura que Maria Teresa acredita ter contribuído para que a sua empresa ultrapassasse estes tempos conturbados que levaram ao encerramento de tantas casas de comércio tra-
dicional. Além disso, “no momento certo associámo-nos a um grupo comercial de electrodomésticos que é uma mais-valia pois não precisamos de esperar um mês que passe o vendedor como antigamente” antigamente”. A associação ao grupo Macorlux, estabelecida em finais da década de 90, permite à Casa Vinagre ter “preços mais competitivos” e uma constante actualização. “Conseguimos mais informação e conhecimento dos equipamentos, participamos frequentemente em acções de formação dos produtos, assim conseguimos comercializar sempre material da melhor qualidade” qualidade”. A rapidez na resposta aos pedidos dos clientes é outra vantagem da casa. “Fazemos as compras através da Internet, no dia seguinte temos o material em casa. Assim conseguimos dar resposta imediata aos nossos clientes, com rapidez e eficiência” eficiência”. A resposta aos clientes vai, dentro em breve, ter outra novidade. A Casa Vinagre prepara-se para lançar uma loja online, permitindo que os seus clientes possam fazer as suas compras com toda a comodidade e sem terem que sair de casa. Luís Miguel diz que o futuro da empresa passa também pelas novas tecnologias, “onde esperamos captar novos clientes” e com as quais “continuar a dinamizar esta empresa” empresa”. “Queremos que os nossos clientes continuem a dizer ‘esta casa tem tudo o que as outras têm, mais o
que as outras não têm’, que é uma coisa que muitos dos clientes repetem frequentemente” mente”, diz Maria Teresa. E neste “o que as outras não têm” cabe a oferta e o atendimento personalizado. Ali, encontram-se todas as novidades do mercado e muitos artigos que já não se encontram em lado nenhum. Isto porque quando o material vai acabar, a Casa Vinagre compra um atacado para ir tendo Há muiao longo do tempo. “Há tas instalações eléctricas que estão feitas há muito tempo, com material que deixou de se fabricar. Mas um nosso cliente teve um azar e partiu-se uma tomada ou interruptor e não vai ter que mudar a instalação toda ou pôr uma tomada diferente. Nós temos essa tomada” tomada”, explica a proprietária. E o mesmo acontece com as lâmpadas. É também neste cuidado que a loja se diferencia das grandes superfícies. Nisto e no atendimento, de confiança. “Descascamos o material, para sabermos a sua origem, como é composto, para sabermos se é material que a gente pode vender ao cliente. Porque o cliente para ser mal servido vai para os grandes espaços, onde às vezes compra por dez tostões mais baratos, mas na maior parte das vezes arrepende-se logo a seguir” guir”. Bem no centro da cidade, Maria Teresa nunca pensou mudar o seu negócio para outro lado, ainda que consciente das desvantagens que esta localização central tem, sobre-
Com as instalações inauguradas em 2005 a Casa Vinagre pôde apostar em novos artigos, como a iluminação moderna
tudo no que diz respeito ao estacionamento, aspecto que diz ser a grande mais-valia dos espaços comerciais de grandes dimensões. “Nós temos uma coisa que eles não têm: temos conhecimento personalizado, conhecemos o material e aconselhamos” aconselhamos”. Muitos clientes já nem vão à sua loja escolher o que compram. “Ligam, dizem qual o electrodoméstico que querem e as medidas e deixam que seja eu a decidir a melhor opção para eles” eles”, afiança, acrescentando que muitos dizem que “este material nos espaços grandes nem pensar, porque já foram enganados” ganados”. Episódios que levam a empresária a acreditar que “muito boa gente ainda vai voltar para o comércio tradicional” tradicional”. Uma opinião partilhada pelo filho, que garante que “o comércio tradicional ainda tem muitas cartas para dar” dar”. “MIGALHAS TAMBÉM SÃO PÃO”
Em 2010 a Casa Vinagre expandiu a sua acção para Angola. E desde então o trabalho naquele país tem aumentado. “Temos que ir à luta. Parar é morrer!” morrer!”, diz Maria Teresa. Mas a exportação e os grandes trabalhos que de quando em vez aparecem não levam a empresária a descurar o atendimento e o serviço prestado aos clientes particulares. “Migalhas também são pão e nós aproveitamos todas as migalhinhas. Podem dizer: ‘ah perdes muito tempo a vender uma fi-
cha’. Mas o cliente que hoje compra uma ficha amanhã compra um plasma. É preciso é que eu lhe saiba vender uma ficha com satisfação e o cliente saia daqui satisfeito e com o que queria. Isto é o segredo de uma casa de comércio tradicional” nal”, refere. A satisfação do cliente mantém-se, desde os primeiros dias, uma prioridade. Na Casa Vinagre há uma regra: os problemas dos colaboradores ficam à porta, porque ali o mais importante é que o cliente se sinta bem e “pague a sorrir” sorrir”, mesmo que seja o cliente a estar em “dia não”. São pequenos truques como este que fazem com que a empresária olhe para o futuro com esperança e recorde o passado com satisfação. “Se voltasse atrás faria tudo de novo. Não quer dizer que não pudesse melhorar aqui ou ali, mas basicamente faria tudo de novo. Sou uma mulher realizada, gosto do que faço, e tenho o prazer de ter ao meu lado, na equipa de trabalho, o meu filho e su-
cessor” cessor”. Maria Teresa acredita que Luís Miguel vai conseguir “ d i n a m i z a r a i n d a mais esta microempresa, com a colaboração de toda a equipa que dá o seu melhor para o desenvolvimento da mesma” mesma”. Com cinco dias o filho já estava, literalmente, atrás do balcão e foi naquelas instalações que cresceu. Começou a trabalhar ali com 16 anos, quando decidiu estudar de noite e juntar-se à mãe durante o dia. “É um excelente técnico” co”, garante a mãe. Hoje, a Casa Vinagre conta com seis colaboradores – três na parte comercial, outros tantos na assistência. “Também tenho um netinho de quatro anos a quem também já estou a dar umas lições de economia e de atendimento, para ver se ele também segue as pisadas do pai e da avó. Gostava imenso e ele já tem uma caixa de brincar e já faz negócios e tem muito jeitinho” jeitinho”. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
Cronologia 1937 – José Vinagre Félix funda “A Fluorescente” 1970 – Maria Teresa vai trabalhar para a loja dos padrinhos 1975 – Maria Teresa tem o seu filho, Luís Miguel, que aos 16 anos começa a trabalhar com a mãe 1985 – Morre José Vinagre Félix 1986 – A afilhada assume o negócio e muda o nome da loja para “Casa Vinagre” 1990 – A Casa Vinagre abre uma segunda loja na Rua Henrique Sales 2005 – Fecha a loja da Rua Henrique Sales e abre um novo espaço junto à casa mãe 2010 – Inicia-se a exportação para Angola 2011 – A Casa Vinagre prepara-se para lançar uma loja online
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Casa Fernandez - a pequena loja de amolador na Pra Foi do lado de lá da fronteira que vieram, nos primeiros anos do século XX, os dois fundadores da Casa Fernandez, mas foi já em Portugal que se cruzou a história dos dois espanhóis. Heriberta Perez Vaquerizo (18901972), madrilena de naturalidade, veio para terras lusas com um irmão para comercializar rendas. Juan Fernandez Blanco (18961938), natural de Orense, na Galiza, também tentou em Portugal melhores condições de vida e foi em Abrantes que os caminhos dos dois se cruzaram. Lá se conheceram e casaram, fixandose depois no Cartaxo, no início da década de 20 do século passado. Lá montaram, na Rua Direita, uma oficina de amolador. No Cartaxo nasceram também os três filhos do casal: José em 1924, Manuel um ano depois, e Amador em 1930. Tinha Amador cinco anos quando a família se mudou para as Caldas, à procura de melhores condições. “Havia uma crise muito grande, mas Caldas era uma das cidades mais faladas de Portugal, era uma cidade formidável, e o meu pai resolveu vir para cá” cá”, conta Amador. Abriram a loja na Rua Capitão Filipe Sousa, onde o negócio se manteve apenas três anos, até 1938, por razões trágicas: a morte de Juan Fernandez. Apesar de estar nas Caldas há pouco tempo, a família tinha já estabelecido fortes amizades e uma delas permitiu que o negócio não morresse com o seu fundador. Gonçalves, um galego dono de uma pensão nas Caldas, também na Rua Capitão Filipe Sousa, cedeu-lhes um espaço provisório e foi também ele quem encontrou a loja para onde a Casa Fernandez se mudou e onde ainda hoje se encontra, na Praça 5 de Outubro. “O aluguer era de 100 escudos [50 cêntimos de euro] e já era bastante puxado para a altura” altura”, sublinha Amador, recordando que, na altura já eram os filhos mais velhos que ajuda-
Heriberta e Juan Fernandez nos anos 20, ainda antes de se fixarem nas Caldas da Rainha
vam Heriberta a manter a casa aberta. O espaço era antes utilizado como taberna, tinha um balcão de zinco e uma torneira para lavar os copos, mas a falta de capital para mudar o mobiliário obrigou a que assim continuasse, apenas com algumas alterações indispensáveis ao funcionamento de uma oficina bastante rudimentar.
estação quente, e também os reparavam. Fabricavam ainda crivos e peneiras, muito usadas pelos cerâmicos. Foi naquelas condições, “trabalhando muito e com muitas dificuldades” dificuldades”, salienta Amador, que a Casa Fernandez continuou a laborar durante 10 anos, até Heriberta juntar dinheiro suficiente para fazer obras e remodelar o espaço interior. Em
Os três gerentes da Fernandes & Fernandes com os descendentes mais novos, filhos de Amador Pedro
altura fazia dos melhores móveis” móveis”, considera Amador Fernandes, que se lembra bem de um episódio vivido por essa ocasião: “o senhor Serrano voltou no dia seguinte para verificar a satisfação dos seus clientes e a minha mãe respondeu que estava satisfeita e deu-lhe para a mão os 10 contos e quinhentos [52,50 euros] que tinham custado, o
te o trabalho. Mas a senhoria não permitiu a instalação das máquinas, o que obrigou Heriberta a abrir uma segunda loja, na Rua Henrique Sales. Só quase 20 anos depois a Casa Fernandez da Praça 5 de Outubro teria direito a receber máquinas eléctricas. Entretanto o jovem Amador crescera e constituía família em 1959, ao casar com Alcinda Gil (nascida em 1932).
É uma pequena loja no número 4 da Praça 5 de Outubro que quase passa despercebida, mas a Casa Fernandez tem uma história rica, que já ultrapassa os 75 anos de idade e já vai na terceira geração. Tudo começou em 1935, com Juan e Heriberta Fernandez, dois espanhóis que tentaram a sorte em Portugal e se instalaram nas Caldas da Rainha, cidade bem afamada na altura por todo o país. A oficina de amolador, que vendia e reparava todo o tipo de cutelarias e guarda-chuvas, continuou com o trabalho de Heriberta e os seus filhos, principalmente Amador que ainda hoje, aos 81 anos, continua a ser um dos rostos da loja. Há dois anos, Amador Pedro constituiu a terceira geração na Casa Fernandez, que olha para o futuro com optimismo apostando num ramo pouco explorado na zona, a duplicação de chaves e comandos de automóvel. Mas era ali, naquelas condições, que a família foi desenvolvendo o seu negócio. Ali se podia encontrar de tudo um pouco dentro do ramo da cutelaria, de entre facas e tesouras a utensílios de barbearia, e costura. Os Fernandez fabricavam também os seus próprios guarda-chuvas na estação fria, e guarda-sóis na
Manuel e Amador na entrada da loja em 1949, depois das primeiras obras
1948 Heriberta e os filhos podiam, finalmente, dar melhor apresentação à casa. Foram colocadas portas novas e novo mobiliário que permitia também mostrar melhor os produtos comercializados. O mobiliário foi encomendado nos Móveis Serrano, empresa que ainda hoje existe “e que na
que o deixou surpreendido pois confessou que nunca tinha tido um cliente que pagasse com tanta facilidade” facilidade”. Os móveis duram até aos dias de hoje, ainda que com pequenas adaptações. A remodelação incluía ainda a aquisição de maquinaria eléctrica que viria a facilitar bastan-
A colocação de vitrina na rua, na década de 60, deu um impulso ao negócio
Vizinhos desde infância na Praça 5 de Outubro, foi num evento da animada noite caldense da época que se aproximaram. Amador Fernandes recorda-se bem dessa aproximação, num dos bailes do salão que funcionava ao pé da Garagem Caldas. “Foi na altura em que o Caldas subiu à I Divisão, nessa
altura faziam-se muitos bailes, num deles dançámos, começámos a dar-nos mais e acabámos por casar” casar”. Amador Fernandes tem saudades das Caldas desse tempo e a culpa para a mudança é da televisão. “Antes as Caldas da Rainha era das cidades do país com melhor vida nocturna, as pessoas andavam na rua, os cafés estavam abertos até à meia-noite ou uma da manhã, as pessoas divertiam-se, o parque de verão era uma animação” animação”, aponta. O casamento trouxe também mais responsabilidades e Amador conta que só nesta altura começou a receber um ordenado. Até ali o resultado das vendas era colocado num saco de sarapilheira. O primeiro dinheiro era para pagar a renda, depois para pagar aos fornecedores e com um pouco de sorte sobrava alguma coisa. “Se havia necessidade de uns sapatos, de umas calças ou de uma camisa era preciso esperar pelas alturas melhores, eram tempos difíceis, não era nada como agora” agora”, recorda Amador. Com 73 anos, Heriberta passou o negócio aos filhos, em 1962. José ficou sozinho com a loja da
A fachada depois das obras em 1984, com a mesma configuração que mantém até hoje
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aça 5 de Outubro que já vai na terceira geração Chaves para automóvel são o futuro da Casa Fernandez
Na mesma foto as três gerações da Casa Fernandes. Amador segura ao colo o filho, Amador Pedro, atrás Heriberta, uma das fundadoras, observa o filho e o neto.
Rua Henrique Sales, que acabou por encerrar uns anos mais tarde, quando José emigrou para os Estados Unidos. Amador e Manuel ficaram com a Casa Fernandez, formalizando a sociedade nesse mesmo ano. “Fizemos a sociedade para ter as contas certas, porque sempre tive a preocupação de fazer as coisas bem, nessa altura 90 por cento das lojas que havia nas Caldas não tinham as contas legalizadas, só o fizeram quando passou a ser obrigatório” obrigatório”, conta Amador. Uma decisão de que quase se arrependeu. “Fiquei apavorado com o que era preciso para ter as coisas todas bem, pagar a um contabilista era muito dinheiro para as nossas possibilidades e o que me valeu foi a ajuda de um bom amigo, o Carlos Parente, que me tratou da contabilidade durante anos sem me cobrar um tostão” tostão”, assinala com gratidão. O negócio foi crescendo pela década de 60 fora e Amador Fernandes acredita que houve um factor que contribuiu em grande parte para isso: a colocação de uma vitrina no exterior. “Foi uma carga de trabalhos na Câmara Municipal, mas conseguimos, e a verdade é que isso trouxe muita gente à loja e as vendas foram sempre crescendo” cendo”, sublinha o proprietário da loja. O crescimento do negócio aliado à criação do imposto de transacção, que obrigava a um complicado processo contabilístico
Amador Fernandes, actualmente com 81 anos, continua a ser um dos rostos da Casa Fernandez
para quem tinha fabrico próprio, fizeram com que, em 1967 a Casa Fernandez deixasse de produzir os seus próprios chapéus de chuva, passando a comprá-los já feitos. Outra mudança importante foi a introdução do negócio de cópia de chaves, em 1973, que também fez aumentar o fluxo de clientes. Ali se passaram a fazer chaves de todos os géneros, de casa, de cadeados, de automóveis, entre outras. Ao longo da sua longa história a Casa Fernandez tem-se mantido fiel às suas raízes e tanto na filosofia da loja como no tipo de produtos que comercializa pouco mudou. Foram, naturalmente, completando uma oferta de artigos que é hoje mais sortida, mas sempre no mesmo ramo. A loja é vista com grande curiosidade sobretudo por estrangeiros e pessoas de outros pontos do país, que não têm lojas deste género nas suas cidades. “Claro que em todo o lado há lojas que vendem cutelarias” cutelarias”, refere Amador, “mas ainda há dias tivemos uma senhora que trabalhava no museu Soares dos Reis no Porto que já nos tinha comprado um canivete que os colegas gabavam, e veio cá de propósito comprar para os colegas, tirou fotografias porque eles não acreditavam que houvesse uma casa deste género nas Caldas” Caldas”, diz com orgulho. A última alteração na loja foi feita em 1984, quando o prédio foi todo vendido. Amador com-
prou a loja e remodelou novamente a entrada, a parte da loja e as oficinas. E hoje, assim como há 27 anos atrás, se mantém ainda a funcionar uma loja como há poucas pelo país. “É uma loja pequena, mas as pessoas sabem que se precisarem destes artigos nós temos, se a pessoa precisar de um bico mais fininho na tesoura nós afinamos, se for preciso reparar nós reparamos, e nas grandes superfícies não há nada disso” disso”, remata. Mesmo assim, o negócio já não é o que era. “Dá para viver, mas não é grande negócio” negócio”, diz Amador, lamentando uma grande quebra de vendas e nas reparações que se acentuou sobretudo de há seis, sete anos a esta parte. Chegou a vender 2000 guarda-chuvas por época e a reparar outros tantos, agora vende em média 200 e repara 50, sobretudo devido à inexistência de fabrico nacional. Joel Ribeiro jribeiro@gazetacaldas.com
Com a idade a avançar e sem sucessão à vista, Amador Fernandes não tinha grande esperança que a Casa que gere desde miúdo ultrapassasse os 75 anos. Mas em 2009 o filho, Amador Pedro Fernandes regressou à loja com uma ideia inovadora, a duplicação de chaves e comandos de automóvel, garantindo não só a passagem dos 75 anos, cumpridos em 2010, como perspectivas que o negócio perdure no tempo, quem sabe para lá do centenário. Amador conta que o filho, nascido em 1964, começou novo a interessar-se pelo negócio. “Andava no liceu, com os seus 11, 12 anos, e nas horas vagas vinha para aqui vender, porque eu lhe dava uma comissão e ele queria ser o único a vender para ganhar a comissão” missão”, conta. Nessa altura já percebia de chaves, garante o progenitor, “dedicava-se ao serviço como se tivesse nascido aqui… e nasceu” nasceu”. Depois de completar o liceu, Pedro partiu para Lisboa onde tirou a licenciatura em Química, na Faculdade de Ciências. Teve depois algumas actividades, mas nunca perdeu o rasto nem o interesse pelo negócio do pai, regressando, então, em 2009. Trouxe não uma, mas duas inovações para a loja: a duplicação de chaves e comandos de automóvel com transponder - que explicamos mais à frente; e criação da página da Casa Fernandez na internet com loja online. O site permitiu mostrar na Web o que a Casa Fernandez faz há três quartos de século, e ao mesmo tempo, na loja online, estender a comercialização sobretudo das cutelarias Icel, a marca mais representativa da loja. A página Web explica também o serviço de cópias de chaves de automóveis, que desde 1995 deixaram ser tão simples como meter a chave na máquina e copiála. “Antes de 95 faziam-se dezenas de chaves automóveis por dia, era uma chave normal” mal”, explica Pedro Fernandes. Mas a partir desse ano as marcas adoptaram sistemas electrónicos que emparelham o carro com a chave, o chamado transponder, e se não existir esse emparelhamento o carro pura e simplesmente não funciona. É isso que complica a cópia da chave. “Isto apanhou as casas de chaves desprevenidas, os sistemas foram-se tornando cada vez mais sofisticados e difíceis de copiar, o que é bom porque é uma questão de segurança, mas ditou quer as casas de chaves perdessem o negócio negócio”, conta Pedro. No entanto, nos últimos anos começou a surgir bom equipamento para fazer este serviço, devolvendo o negócio às casas de chaves. E foi
nesta tecnologia que Pedro Fernandes apostou. “Isto implicou um investimento bastante grande em equipamento ao longo do tempo, e também em termos de estudo, porque é uma área que está em constante desenvolvimento, mas a especialização permitenos fazer praticamente tudo o que é possível fazer a este nível” nível”, refere Pedro Fernandes. Através da informação colocada no site têm chegado, inclusivamente, chamadas de norte a sul do país, literalmente. Pedro Fernandes conta uma história que descreve bem a situação de perda das chaves do carro. Passou-se em Coimbra, o cliente perdeu todas as chaves que tinha e o carro estava trancado, mas tinha os documentos consigo. O suficiente para Pedro Fernandes tratar de tudo. A chamada foi de manhã, de tarde as chaves foram enviadas e um colega daquela região programou-as para pôr o carro a trabalhar. “O senhor não acreditava que aquilo era sequer possível, na marca tinham-lhe dito que precisava de levar ignição nova, canhão e fechaduras das portas, o carro era de 1998 ficava-lhe mais cara a reparação que o valor do carro” carro”, conta Pedro. É sobretudo nesta vertente que a Casa Fernandez pode fazer uma diferença para o futuro, acredita Pedro Fernandes, “queremos manter as coisas que vêm desde o início, mas isto é importante até porque é a situação em que as pessoas nos aparecem mais aflitas” aflitas”. A Casa Fernandez assegura cópias de chaves a rondar os 95 por cento dos modelos existentes no mercado, com algumas vantagens: “em certas situações é mais barato que ir à marca, fazemos o serviço na hora, enquanto na marca em alguns casos é preciso esperar dias que a chave chegue, e quando há situações de perda total de chave nós deslocamo-nos onde o carro está, enquanto a marca não” não”, aponta. A Casa Fernandez está actualmente na terceira geração, mas Pedro Fernandes já tem descendência, um filho com 19 anos e outro com quatro, pelo que a Casa iniciada em 1935 por Juan Fernandez poderá, um dia, chegar a um trisneto do fundador. “O mais velho está a estudar e ainda não sabe muito bem o que vai fazer, o mais novo gosta muito de ferramentas, qualquer coisa que eu faça com ferramentas ele vem com as ferramentas de plástico para me ajudar, mas com quatro anos é muito novo ainda, vai depender deles, eu também não vim para cá logo, não os vou pressionar” pressionar”, diz Pedro. J.R.
Cronologia 1935- Os Fernandez estabelecem-se nas Caldas da Rainha e 1 967- A Casa Fernandes deixa de fabricar os seus próprios abrem a Casa Fernandez, em nome individual de Juan Fernandez, na Rua Capitão Filipe Sousa 1938- Juan Fernandez morre e é a esposa, Heriberta Fernandez, quem assume o negócio em nome individual. A loja passa para um espaço alugado na Praça 5 de Outubro 1948- São feitas as primeiras obras, que melhoram as condições da loja. É criada uma segunda loja na Rua Henrique Sales 1962- Heriberta passa o negócio para o nome dos filhos. A Casa Fernandes fica a cargo de Amador, Alcinda e Manuel Fernandes, sócios da firma Fernandes & Fernandes, Lda
guarda-chuvas
1973- É introduzido o negócio das cópias de chaves 1984- A loja é adquirida pela firma 2002- Manuel Fernandes morre e a firma passa a ter como sócios Amador, Alcinda e o filho Amador Pedro Fernandes
2009- Amador Pedro Fernandes reintegra o negócio, criando um site a internet e loja online e especializando-se na duplicação de chaves e comandos de automóvel
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17| Junho | 2011
UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Ascensores do Oeste - uma empresa que nasceu de
Pedro Bento, acompanhado dos seus dois filhos, Francisco e Teresa
Pedro Bento nasceu a 29 de Junho de 1948 em Alguber (Cadaval), localidade onde mora actualmente, assim como o seu filho, Francisco Bento. Estudou até aos nove anos de idade na escola primária de Alguber e quando acabou a quarta classe foi trabalhar como ajudante de merceeiro para Lisboa. Depois de trabalhar em várias mercearias em Lisboa, a partir dos 14 anos começou a trabalhar nos elevadores, o que acabaria por traçar todo o seu Precisapercurso profissional. “Precisava de trabalhar e fui aprender a montar elevadores elevadores”. A primeira empresa onde trabalhou era a Comportel – Companhia Portuguesa de Elevadores, que viria a tornar-se a Otis, uma vez que foi adquirida pela Havia Otis Portugal em 1980. “Havia um homem em Alguber, o senhor Melo, que arranjava empregos em Lisboa para muitos dos jovens daquela localidade. Até nos chamavam os malmequeres malmequeres”, contou Pedro Bento. Aos 18 anos o futuro empresário teve um acidente grave em Paço de Arcos. Durante a montagem de um elevador entalou os pés, que ficaram esmagados. Ficou 27 meses parado para recuperar do acidente e sofreu sete intervenções cirúrgicas. Depois disso ainda trabalhou mais um ano na Comportel e esteve três meses na tropa, da qual seria dispensado devido às sequelas que tinha do acidente. Em 1968, no dia 7 de Setembro, Pedro Bento casa-se em Lisboa com Maria Gomes Bento e um ano depois decide emigrar para Paris (França), juntamente com o seu irmão, José Bento (actualmente o proprietário da Nova Serviços). No primeiro mês em França os dois irmãos trabalharam
como carpinteiros, mas, em pouco tempo, conseguiram arranjar emprego na montagem de elevadores. Nos anos em que esteve emigrado continuou sempre nesta área, acabando por criar a sua própria estrutura e fazer sub-empreitadas para Schindler. Apesar do sucesso alcançado nessa actividade profissional
presário. Até os elevadores do prédio onde estão instalados já foram montados sob a sua orientação. Embora continuasse a morar em Alguber, escolheu as Caldas da Rainha para se instalar empresarialmente devido ao dinamismo e centralidade desta cidade. A princípio trabalhava só com dois funcionários e um en-
Pedro Bento trabalha com elevadores desde os 14 anos
no distrito de Leiria e Lisboa, mas já montaram elevadores Até em vários pontos do país. “Até temos elevadores no Fundão, na Covilhã e no Algarve ve”, comentou Pedro Bento. Há dois anos iniciaram também uma parceria para a montagem de elevadores em Angola, criando a empresa ElevadoVou lá de vez res de Angola. “Vou
Tinha então 19 anos e concluído em França o seu percurso até ao 12º ano. Habituado a falar principalmente francês, só em casa é que falava mais português, Francisco Bento teve que O se adaptar a língua materna. “O primeiro ano foi muito complicado plicado”, até porque o sistema de ensino também era bastante diferente.
Depois de vários anos a trabalhar com elevadores, primeiro em Lisboa e depois em Paris, Pedro Bento criou em 1990 a empresa Ascensores do Oeste, que se dedica à montagem, manutenção e reparação de elevadores. Pedro Bento começou a trabalhar aos nove anos de idade como merceeiro em Lisboa, mas desde os 14 anos que os elevadores se tornaram parte da sua vida. Quando emigrou para França, em 1969, na companhia do seu irmão, José Bento (proprietário da Nova Serviços), ainda trabalhou durante um mês como carpinteiro, mas depressa passou a viver com a montagem de elevadores em Paris. Pedro Bento e o seu irmão são dois grandes exemplos de empreendedorismo na região. Naturais de Alguber, escolheram Caldas da Rainha para fixarem as suas empresas. A Ascensores do Oeste começou com três funcionários, mas actualmente são 27 pessoas a trabalhar numa empresa estável, com uma facturação superior a dois milhões de euros. Os dois filhos de Pedro Bento, Francisco e Teresa, licenciaram-se em Gestão de Empresas e Economia, respectivamente, e decidiram continuar o trabalho do pai, sendo já o presente e futuro da Ascensores do Oeste.
em França, manteve uma forte Viligação ao seu país natal. “Vinha duas ou três vezes por ano a Portugal. Eu e o meu irmão irmão”, lembrou. José Bento foi o primeiro a voltar para Portugal, em 1998, mas um ano e meio depois Pedro Bento seguiu o mesmo caminho do irmão e regressou também. Em 1990 Pedro Bento fundou a Ascensores do Oeste nas Caldas da Rainha e em 1991 inaugurou as instalações no número 20 da rua Belchior de Matos, onde ainda hoje se mantém a Desde essa altura que sede. “Desde mantemos tudo igual, nem sequer ampliámos as instalações e as divisórias mantêm-se iguais iguais”, referiu o em-
genheiro responsável pela segurança. Actualmente trabalham 27 pessoas na empresa, incluindo Pedro Bento e os dois filhos. A Ascensores do Oeste, Lda começou por ter como sócios Pedro Bento e Maria Gomes Bento, mas há cerca de quatro anos o empresário deu sociedade aos seus dois filhos, Francisco e Teresa, que trabalham com o pai desde jovens. Quando foi criada a empresa detinha a representação do material Efacec para a zona centro do país, mas a partir de 1995 acabaria por começar a comercializar equipamento de outros fornecedores. O raio de acção da Ascensores do Oeste é principalmente
em quando, mas mais do que um negócio, quis fazer isto para ajudar um meu conterrâneo de Alguber a instalarse em Angola Angola”, explicou, adiembora se penantando que “embora se que aquilo lá é a ‘árvore das patacas’, isso acabouse se”. “TRABALHAMOS PARA NÓS PRÓPRIOS”
Francisco Bento, o primogénito, nasceu em França a 28 de Maio de 1971 e foi o principal motivo para que a sua família Eu voltasse para Portugal. “E quis entrar para a faculdade em Portugal e eles voltaram por causa de mim mim”, contou.
Outra adaptação difícil foi à cidade de Lisboa, depois de viver toda a sua vida em Paris. Ao princípio vim sozinho e “Ao fui viver com os meus avós. A vida em Lisboa não tinha nada a ver com Paris Paris”, recordou. A meio da licenciatura ainda cumpriu o serviço militar obrigatório. Embora pudesse pedir adiamento por estar no ensino superior, como tinha dupla nacionalidade (portuguesa e francesa), preferiu fazer a tropa em Portugal. Concluída a licenciatura em 1996, ainda teve um convite para integrar o grupo Legrand (uma multinacional francesa especialista em material eléctrico), mas acabou por optar em aju-
A empresa esdar o seu pai. “A tava a crescer e optei por ‘puxar a minha carroça’, em vez de estar a ‘puxar a carroça dos outros’ outros’”, explicou. Para Francisco Bento essa é uma das vantagens de estar Estanuma empresa familiar. “Estamos a trabalhar para nós próprios próprios”, disse. Para além disso, acha bom ter poder de decisão. FILHOS COM LICENCIATURAS EM GESTÃO E ECONOMIA
Desde o início da empresa que Francisco Bento ajudava o seu Ao lonpai, durante as férias. “Ao go dos anos fui colaborando cada vez mais, mas mais no final do curso curso”, referiu. Começou por fazer um pouco de tudo, do trabalho administrativo à contabilidade. A dimensão da empresa era bastante diferente e toda a ajuda era necessária, mas mesmo agora acaba por ter várias funções. Trabalho na parte finan“Trabalho ceira, nas vendas, nas encomendas e no contacto com clientes, mas acabo por fazer um pouco de tudo tudo”, indicou. Francisco Bento formou-se em Gestão de Empresas no Instituto Superior de Economia e Gestão, em Lisboa, o que tem sido útil no seu trabalho. No entanto, o que mais gosta trabalhar no de fazer é de “trabalhar terreno terreno” e estar em contacto Eu e o meu com as pessoas. “Eu pai consideramos como amigos os nossos clientes clientes”, afirmou, explicando que essa era também uma das vantagens do facto da Ascensores do Oeste ser uma empresa familiar. Para nós as pessoas não “Para são apenas um número. Criamos um laço de amizade amizade”, adiantou.
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uma paixão em jovem por este trabalho
Pedro Bento é também sócio da empresa Ascensores de Angola e da empresa de vigilância Noite e Dia
As instalações da empresa são as mesmas desde 1991
Uma das suas funções é a de implementação do sistema de qualidade, sendo a Ascensores do Oeste certificada pelas normas ISO 9001 e 9002. A filha mais nova do fundador da empresa, Teresa Bento, nasceu a 14 de Julho de 1978 também em França, como o seu irmão. Quando os pais regressaram a Portugal tinha 12 anos e começou por estudar no Cadaval, mas fez o ensino secundário na escola Rafael Bordalo Pinheiro. Licenciada em Economia na Universidade Católica, em Lisboa, Teresa Bento decidiu também juntar-se ao seu pai e irmão na Ascensores do Oeste, Muitas onde já ajudava antes. “Muitas vezes durante o Verão substituía algumas das funcionárias nas suas férias e nas horas livres enquanto estudava no ensino secundário acabava por ajudar sempre um bocado bocado”, recordou. Na sua opinião, foi bom poder trabalhar desde nova no negócio de família, porque lhe trouxe mais responsabilidade. O gosto pela empresa do pai, aliada à vontade de viver nesta região fizeram-na tomar a deciNão tinha muisão de voltar. “Não ta vontade de ficar a trabalhar em Lisboa e acabei por vir para cá cá”, contou. A filha mais nova é a única que mora mesmo nas Caldas da Rainha, porque os pais e o irmão moram em Alguber. O curso em Economia ajudoua a ter uma visão mais ampla ao nível empresarial e a poder fundamentar o trabalho que realiza no dia-a-dia. Com o curso de Gestão de Francisco Bento, o curso de Economia de Teresa Bento e a experiência profissional de Pedro Bento, estabeleceu-se uma sólida comunhão de qualidades
que tem sido uma mais-valia para a Ascensores do Oeste. No final de um curso uni“No versitário faz-nos falta a bagagem da vida e eu estou a aprender todos os dias dias”, referiu Francisco Bento, a quem o pai sempre ensinou muito. Quanto ao relacionamento pessoal, Francisco Bento acha saber divique é importante “saber dir as coisas, sem misturar trabalho com família família”. Mesmo trabalhando todos os dias juntos, mantêm uma relação forte e saudável, com vários convívios familiares. Para Teresa Bento é com muito gosto que quer contribuir para o crescimento da empresa que É uma vantagem o pai criou. “É estar com ele todos os dias e poder aprender com ele ele”, afirmou, embora ambos os irmãos saibam que por vezes há mais exigências para os descendentes. Pedro Bento também está muito orgulhoso por os seus filhos terem querido ficar a traEles é que balhar consigo. “Eles quiseram vir trabalhar para a empresa, não fui eu que os trouxe. Formaram-se os dois e vieram para aqui trabalhar comigo comigo”, disse, sublinhando que o seu maior orgulho na vida é que eles possam continuar o trabalho que começou. Francisco Bento tem duas filhas, com seis e nove anos de idade, e Teresa Bento uma filha, com cinco anos, que um dia poderão vir a fazer parte da Elas é que vão diempresa. “Elas tar esse futuro, nada tem que ser imposto. A nós também não nos impuseram nada nada”, afirmou Teresa Bento. Para já ainda são pequenas, mas gostam de estar com os pais naquele ambiente de escritório e observar algumas das funções do dia-a-dia.
CONSTRUÇÃO CIVIL ESTÁ PARADA
A Ascensores do Oeste tem várias vertentes de negócio: a manutenção, a reparação e a montagem de elevadores. Com a estagnação no mercado de construção a vertente da montagem de novos elevadores tem Em qualestado mais parada. “Em quer lado do país está tudo estagnado estagnado”, comentou. Pedro Bento sabe que há muitas dificuldades e teme que estas possam vir a aumentar, no
que concerne à construção ciOs bancos não empresvil. “Os tam dinheiro para as pessoas comprarem casa casa”, referiu. Mas Pedro Bento tem um disSempre houcurso positivo. “Sempre ve dificu ldades. dificuldades. É preciso é conseguir dar a volta a elas elas”, considera. Até porque conseguiu aumentar a facturação da empresa, que em 2010 foi de mais de dois milhões de euros. Como considera todos os seus funcionários como fazendo parte da família, Pedro Bento nem querer ouvir falar na ne-
cessidade de despedir alguém. Eu acho que a minha em“Eu presa é a única no distrito de Leiria que dá dividendos aos funcionários no final do ano ano”, sublinhou, explicando que isso acaba por ser um incentivo para todos. Em relação a planos para o futuro, o fundador da empresa quer apenas que esta continue É uma empretal como está. “É sa que está estável, tem mercado e clientes. Estamos bem vistos no cômputo geral das empresas de elevadores elevadores”,
afirmou, orgulhando-se de ter um bom nome no mercado “um mercado”. Pedro Bento é também sócio da empresa de segurança e vigilância “Noite e Dia”, juntamente com o seu irmão, José Bento e José Zina Conde. Criada também em 1991, a empresa é gerida por José Conde e presta serviços a várias autarquias da região, outras entidades públicas e empresas (Schaeffler e Promol, entre outras). Pedro Antunes pantunes@gazetacaldas.com
O transporte mais seguro do mundo O elevador continua a ser “O o transporte mais seguro do mundo. São milhões de pessoas que são transportadas diariamente, devem ser mais do que o número de pessoas que se transportam nos automóveis automóveis”, sublinha Pedro Bento, um apaixonado por este meio de transporte vertical, ao qual dedicou toda a sua vida profissional. Estatisticamente o elevador é realmente o meio de transporte mais seguro e mais utilizado do mundo. Embora as viagens diárias de elevador superem em muito o número de viagens feitas por avião, comboio ou de automóvel, o número de acidentes em elevadores é muito menor que nos outros meios de transporte. O maior problema com a utilização de um elevador poderá ser nos casos em que as pessoas ficam presas no seu interior, principalmente para quem é claustrofóbico, mas há cada vez menos razões para ter medo. O serviço da Ascensores do Oeste inclui uma central telefónica com um piquete de 24 Ninguém horas para avarias. “Ninguém
fica preso dentro de um elevador durante muito tempo tempo”, garante Pedro Bento, pelo menos nos casos em que haja uma ligação telefónica no interior do ascensor e serviço de 24 horas. A maior parte das instalações feitas nos prédios novos já têm este sistema, mas também há prédios mais antigos que incluem este serviço nos seus elevadores. Para Francisco Bento há uma ideia errada em relação aos elevadores porque são espaços que mesmo fechados têm muita ventilação. Normalmente quando alguém liga para o piquete de assistência quer que os técnicos sejam o mais rápido possível a chegar e quem atende o telefone acaba por prestar algum apoio “psicológico”, acalmando os mais ansiosos. Segundo Pedro Bento a legislação referente aos elevadores tem vindo sempre a melhorar e são muitas as exigências no que Há coiconcerne à segurança. “Há sas que são despesas para o condomínio, mas que estão na lei e são obrigatórias as”, referiu.
Só lamenta que existam ainda muitos elevadores sem vistoria, garantindo que todos os equipamentos pelo qual são responsáveis já foram vistoriados. Mas ainda há milhares de “Mas elevadores velhos no país sem sequer uma primeira vistoria vistoria”, alerta.
O Decreto-Lei n.º 320/2002, que estabelece o regime de manutenção e inspecção dos ascensores transferiu para as câmaras municipais a competência para o seu licenciamento e fiscalização. P.A.
Cronologia 1948 – Nasce Pedro Bento 1968 – Pedro Bento casa-se com Maria Gomes Bento 1969 – Pedro Bento emigra para França 1971 – Nasce Francisco Bento, filho de Pedro Bento 1978 – Nasce Teresa Bento, filha de Pedro Bento 1990 – Pedro Bento e família regressam a Portugal e fundam a empresa Ascensores do Oeste 1991 – Início da actividade da Ascensores do Oeste 1999 – Início da implementação do Sistema de Qualidade segundo a norma NP EN ISO 9002 2001 – Certificação da empresa segundo a norma NP EN ISO 9002 2003 - Início da implementação do Sistema de Gestão da Qualidade 2005 - Certificação da empresa segundo a norma NP EN ISO 9001
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24| Junho | 2011
UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Três gerações de oleiros mantêm tradição da olaria
Manuel Pedrosa Carreira (1917-1989) a trabalhar na sua oficina, com 72 anos
Manuel Pedrosa Carreira (1917-1989), mais conhecido por “Manel da Olaria”, nasceu em Monte Redondo (Leiria), terra rica em cerâmica. O seu primeiro mestre foi o avô, mas a necessidade de trabalho e aprofundamento da arte trouxe-o para o Oeste, mais propriamente para a olaria de Joaquim Maria, junto à Ponte Seca (freguesia de A-dos-Negros), contava então com 19 anos. Nessa altura viria também a conhecer Albertina Carreira (1920-2008) natural da Serra do Bouro e a trabalhar na Fanadia, com quem casa aos 25 anos. A família continua a residir no anexo da olaria durante algum tempo, até que Manuel Pedrosa Carreira sentiu necessidade de se instalar por conta própria. Montou a sua olaria e residência na Paraventa (Alto das Gaeiras), onde trabalhou até à sua morte. O “Manel da Olaria” teve quatro filhos, um rapaz e três raparigas, mas apenas o mais velho, Leonel Carreira (nas-
cido em 1943) lhe seguiu os passos na arte de trabalhar o barro. Actualmente com 68 anos, lembra que começou a fazer bonecos de barro aos oito anos, que depois eram vendidos em feiras, e aos 15 anos já trabalhava com a roda de oleiro. Nessa altura Leonel traba-
necessidade. O ofício era trabalhoso pois os homens iam buscar o barro aos campos, onde o extraíam com enxadas e pás (não havia meios mecânicos) carregando-o em carros de bois para a oficina. “Na Quinta do Pinto Basto havia barro cinzento e na zona dos Casais da
Cristina Carreira, ladeada pelos pais, Fátima e Leonel, dá continuidade à tradição familiar
dares e que depois de vidrado dava uma tonalidade mais bonita” bonita”, recorda Leonel Carreira. Numa época em que o plástico ainda não estragava o negócio, a família Carreira dedicava-se sobretudo à produção de saladeiras e objectos para a cozinha, alguidares para
um pequeno mercado à porta da igreja. “Cada um de nós ficava num local e fazíamos três pontos de venda” venda”, recorda Leonel Carreira. Mas a maior procura dos clientes fazia-se directamente na oficina, onde recebia revendedores de toda a região Oeste.
As quatro rodas existentes na oficina situada na Paraventa (Alto das Gaeiras) são o testemunho de uma vida ligada à olaria. Leonel Carreira, actualmente com 68 anos, aprendeu a arte com o pai, também ele oleiro, e já a transmitiu à filha Cristina. São três gerações de oleiros que mantêm viva a arte de tirar o barro da terra e transformá-lo em bonitas peças de cerâmica. No início do século passado a loiça de barro era utilizada praticamente em todas as funções domésticas, mas o aparecimento do plástico, mais resistente e barato, veio fazer-lhe uma forte concorrência. Os oleiros tiveram então que se adaptar ao mercado e apostar nas peças decorativas para jardinagem e também em miniaturas para ofertas. Cristina Carreira, neta do “Manel da Olaria”, está determinada em dar continuidade à olaria de roda e acredita que esta área voltará a ser valorizada. lhava com o pai e mais alguns homens que contratavam esporadicamente, consoante a
Areia havia o barro vermelho, que normalmente usávamos para fazer os algui-
Aspecto da olaria onde agora se produz sobretudo loiça decorativa e vasos para jardim
amassar o pão e também de loiça não vidrada que servia de recipiente para a alimentação dos animais. Apesar de não ter andado na escola, o pai de Leonel Carreira tinha facilidade em aprender e era particularmente hábil a fazer contas. Não lhe foi difícil tirar a carta de condução e comprou uma camioneta. Viviam-se então os anos 60 e o “Manel da Olaria” foi o primeiro a ter carro na terra. Era com a nova viatura, mais rápida e com maior capacidade de carga, que carregavam então o barro para a oficina e depois faziam as feiras anuais, como a de Santa Suzana, Rio Maior, Caldas da Rainha e Bombarral. Ao domingo faziam também
Em 1969 Leonel Carreira casa com Fátima Carreira (nascida em 1941), natural de Alguber, que por essa altura trabalhava como caixa no primeiro supermercado que houve nas Caldas, o SPAR (na Rua Heróis da Grande Guerra) depois de ter estado vários anos em Lisboa a trabalhar na mesma cadeia. Por essa altura, o pai dálhe um terreno junto à sua oficina e Leonel Carreira estabelece-se por conta própria. Em 1974 a esposa deixa o emprego e passa também a dedicar-se ao negócio da família. Em conjunto constróem uma habitação e oficina, mas também um espaço para vendas e exposição das peças de cerâmica.
DA LOIÇA UTILITÁRIA ÀS PEÇAS DECORATIVAS E ARTIGOS DE JARDINAGEM
O oleiro produzia as suas peças, sobretudo de média e grande dimensão e, ocasionalmente, pagava a um homem para o ajudar a amassar o barro. Até finais da década de 70 ainda apanhava o barro nos campos da região, mas agora já o compra devidamente preparado e limpo. Leonel Carreira sempre fez peças utilitárias. Nos tempos áureos da cerâmica chegou a fazer 10 alguidares por hora, mas não é um trabalho rápido. Como o próprio explica, depois de moldado, um alguidar fica a secar, ao ar, cerca de oito dias, em cima de umas tábuas. Vai para o forno já seco e é nessa altura que leva a primeira cozedura sem vidro. Só depois leva a segunda cozedura, já vidrado. Era também o oleiro quem criava os vidrados, antes de estes serem proibidos por causa da quantidade de chumbo existente na sua composição. “Tinha uma atafona onde moía o vidro e queimava o chumbo ou o cobre para fazer o vidrado verde” de”, recorda o profissional, que continua a utilizar um forno a lenha para cozer as suas peças. É a olho que regula as cozeduras. O forno tem um pequeno orifício por cima da porta e é através da cor no seu interior que o oleiro faz o controle e garante que as peças assim cozidas ficam com tonalidades mais bonitas do que se fossem feitas num forno a gás. A madeira que alimenta o forno é agora comprada nas
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24 | Junho | 2011
de roda no Alto das Gaeiras
Leonel Carreira a vidrar um alguidar, em 2002. Hoje esta tarefa não é executada na oficina para evitar a concentração de chumbo.
serrações, mas antes eram as mulheres da aldeia que recolhiam a caruma nos pinhais e depois iam vendê-la na olaria. A roda manual também já deu lugar à roda eléctrica. Aos 68 anos Manuel Carreira continua a trabalhar o barro, embora a saúde já não lhe permita fazer tudo o que ambiciona porque “é um trabalho que exige esforço” esforço”, explica. Há duas décadas o casal comprou o terreno ao lado, onde construíram uma nova habitação e uma loja com 3200
metros de área expositiva. É Fátima Carreira quem se dedica à venda dos produtos de olaria feitos pelo marido, mas também provenientes de outras regiões do país, nomeadamente Coimbra, Alcobaça e Alentejo, aumentando assim a oferta de peças de loiça utilitária e de decoração. Actualmente a maior parte das vendas são os potes e vasos para jardins, sobretudo de barro vermelho. Fátima Carreira nota a crise que o país atravessa. “Vendia-se muito barro
A loja, no Alto das Gaeiras tem mais de três mil metros de área de exposição
para as escolas e havia mais procura. As loiças vendiam-se muito bem, também p ara restaurantes para que, agora com a crise, já não compram tanto” tanto”, explica. O aumento da concorrência, juntamente com a criação de novas acessibilidades (que retirou grande parte do trânsito da EN 115), também contribuiu para a estagnação do negócio. Mas é preciso optimismo “Mas e continuar a trabalhar”, diz Fátima Carreira em jeito de receita para os tempos difíceis que se atravessam. NETA DE OLEIROS APOSTA NA
FORMAÇÃO EM OLARIA DE RODA
O casal vê o futuro com alguma esperança, embora ciente que esta é uma arte muito trabalhosa. A filha única, Cristina Carreira, segue as pisadas do pai. Tem 35 anos e há 14 anos que trabalha o barro. Acompanhava o trabalho do pai e do avô e, depois de deixar a escola, que frequentou até ao 9º ano, foi tirar um curso de olaria no Cencal. Actualmente trabalha no negócio da família e dedica-se principalmente à confecção de pequenas peças de
“Artes do Fogo, Sabedoria dos Homens “Primeiro ataca-se o bloco, domina-se a matéria, com força! Quando a matéria já obedeceu o artista fabrica o vazio, com convicção! Vislumbra-se então a forma, progressivamente, parece um cilindro, desaparece, e já parece um funil alguns instantes depois é apenas um vaso, uma forma abstracta como tantas outras que não pede nada a ninguém.” As palavras poéticas são do ceramista Eduardo Constantino e fazem parte do livro “Artes do Fogo, Sabedoria dos Homens: uma olaria tradicional do concelho de Óbidos”, que publicou, juntamente com Joaquim António Silva, autor dar imagens. A obra, publicada pelo PH – Património Histórico, em 1994, conta ainda com um estudo da professora Conceição Marques. No livro Joaquim António Silva fala da marca que a olaria de Leonel Carreira lhe deixou na memória e que evoca o período em que o professor ensaiou a arte do barro, “motivado pelo entusiasmo contagiante do Eduardo Constantino, que nessa altura se dedicava já com o seu empenho e profissionalismo à cerâmica”. Fotografar a olaria foi um desejo que conseguiu concretizar no verão de 1989. O fotógrafo conta que o espaço “permanecia então praticamente igual ao que era 15 anos antes, com o mesmo tipo de produção, as mesmas “máquinas”, os mesmos fornos a lenha”. F.F.
barro, como presépios, canecas pequenas para a ginja e cinzeiros. É também procurada para fazer miniaturas para casamentos e pequenos objectos para enfeite. Acostumada a participar em iniciativas relacionadas com olaria e cerâmica, onde trabalha sempre ao vivo, Cristina Carreira nota que há uma maior procura pelas peças manuais e acredita que essa valorização tende a aumentar. “Julgo que é mais interessante para as pessoas ver fazer do que encontrar a peça já feita”, explica a jovem, acres-
centando que as crianças são o seu público mais entusiasta e curioso. Para além das peças de barro, que trabalha na roda de oleiro, Cristina Carreira também pinta telhas tradicionais e faz caricaturas. Apesar de não ter projectos concretos para o futuro, de uma coisa tem a certeza: quer continuar a trabalhar na área e, se possível, transmitir o seu saber, através da formação em olaria de roda. Fátima Ferreira fferreira@gazetacaldas.com
Cronologia 1917 – Nasce Manuel Pedrosa Carreira, o “Manel da Olaria”, em Monte Redondo
1936 – Começa a trabalhar na oficina Joaquim Maria, na Ponte Seca
1943- Nasce Leonel Carreira, o filho mais velho, que segue as pisadas do pai
1950 – Manuel Pedrosa Carreira cria uma oficina na Paraventa (Alto das Gaeiras) onde se estabelece por conta própria Década de 60 – Manuel Carreira compra uma camioneta, a primeira da terra, para carregar o barro e fazer as vendas
1969 - Leonel Carreira casa com Fátima Carreira, natural de Alguber
1974 – Leonel Carreira estabelece-se por conta própria num espaço ao lado da oficina do pai
1990 – Casal Carreira constrói novo espaço de loja com 3200 metros de área expositiva
1997 – Cristina Carreira inicia-se a trabalhar na roda de barro
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1 | Julho | 2011
UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Quatro gerações da família Henriques dedicadas ao Tudo começou com o avô do actual proprietário da Padaria Henriques. Manuel Henriques era moleiro na Mata de Porto Mouro e o filho José seguiu-lhe a profissão. Só que moer os cereais deixou de ser rentável e por isso José Henriques decidiu começar a fazer o seu próprio pão. Hoje é o seu filho Sérgio com a ajuda da esposa e dos dois descendentes, Ricardo e Michael - que prossegue com o negócio, que segue de vento em popa, sobretudo na área da revenda do seu pão, ainda hoje cozido a lenha. Pensam ampliar as suas instalações e abrir uma loja ao público nas Caldas, onde estão a maioria dos seus clientes. Ao todo, a empresa, com sede em Salir de Matos, emprega 10 pessoas. José da Costa Henriques (1932-1999), natural da Mata de Porto Mouro, tal como o pai Manuel Henriques, era moleiro. Aprendido o ofício e a trabalhar no moinho de vento e na azenha do pai, decidiu abrir o seu próprio negócio e instalar a sua moagem em Salir de Matos. José Henriques casou com Maria José Ferreira (nascida em 1928), natural de Salir de Matos e teve três filhos: Sérgio Henriques (1955), Maria da Luz Henriques (1956) e Maria Helena Henriques (1958). Os dois primeiros mantêm negócios relacionados com o pão. Foi em 1961 que José Henriques abriu a moagem em Salir de Matos, única localidade no interior do concelho das Caldas que naquele ano já tinha acesso à energia eléctrica. O seu filho Sérgio tinha então seis anos e foi o seu avô materno que possibilitou ao pai o início da construção do local que ainda hoje é a sede desta empresa. Além da moagem em Salir de
Matos, José Henriques alugou Cheuma azenha nas Caldas. “Cheguei a fazer farinha de milho a partir daquela azenha no Monte Oliveti, tocada com a água que vinha do termal para as Águas Santas” Santas”, disse Sérgio Henriques que, aos 10 anos, saiu da escola, com a quarta classe concluída. “O meu pai conseguiu tirar proveito, modernizar o ofício que o pai, Manuel Henriques, lhe ensinou ensinou”, disse, referindo-se ao facto de usar na moagem, em Salir de Matos, maquinaria eléctrica. José Henriques era um homem com interesse em várias áreas. Foi também barbeiro, fazia trabalhos de carpintaria, de mecânica e até aprendeu a fazer navalhas. Trabalhava igualmente na agricultura mas “a sua principal “doença” era a moagem moagem”, disse Sérgio Henriques que, a partir dos 10 anos, ajudava o pai a preparar os cereais para a moagem que nunca
José da Costa Henriques (1932-1999), a esposa Maria José Ferreira (nascida em1928) e os filhos Sérgio, Maria da Luz e Maria Helena numa fotografia de 1964. Na actualidade, Sérgio Henriques, a esposa Maria da Graça Penas e os filhos Michael e Ricardo são os actuais responsáveis da empresa
parava e que chegava a produzir 100 toneladas de farinha por mês. Quando tinha 14 anos Sérgio Henriques era já o braço direito do pai, que contou sempre com a ajuda da esposa Maria José Ferreira, actualmente com 83 anos. Com a instalação nas Caldas da moagem industrial da Ceres que se instalou nos silos nos anos 70 do século passado, a actividade começou a deixar de ser rentável para os pequenos engenhos. De qualquer modo entre 1979
e 1980, a moagem foi arrendada pelo pai ao filho Sérgio, no ano em que este casa com Maria da Graça Penas. Nesse último ano, José Henriques decidiu começar a produzir o seu próprio pão e, até ao ano seguinte, mantiveram-se os dois negócios. Sérgio Henriques tomava conta da moagem ao passo que o pai se ocupava da feitura do pão. Fazia apenas pão caseiro - de quilo, meio quilo e bolas – e de milho. Juntos corriam a região vendendo pão um pouco por todo o lado, em Alvorninha, Vila Nova,
Moita. Vendia-se pão também nos mercados da Benedita e das Caldas, sobretudo aos domingos. José Henriques tinham um lugar próximo da ex-Praça do Peixe e vendia 200 a 300 pães nes“vendia tes mercados” mercados”, conta o filho. Eram cozidos num forno de alvenaria (que ainda hoje é usafazíamos entre 300 a do) e “fazíamos 500 pães por dia, tudo feito à mão mão”, recorda. José Henriques, na parte da padaria, ainda chegou a ter três a quatro funcionários. “Depois acabámos com a
moagem e íamos carregar o carro de farinha a Torres Novas” Novas”, disse Sérgio Henriques, que entretanto teve que ir para a Marinha cumprir o serviço militar. Quando regressou as coiAntes sas não estavam iguais. “Antes de ir para a tropa produzíamos 100 toneladas por mês, quando voltei só se faziam 20 20”. Ficou um familiar a auxiliar o seu pai, que não respeitava tanto os clientes e estes acabaram por escolher outros fornecedores. Depois há uma zanga entre
Sérgio Henriques e a namorada, Maria da Graça Penas, fotografados nos anos 70. Ao lado, já casados e com filhos, numa imagem de 1987 durante umas férias nas Caldas da Rainha (a família vivia então no Canadá)
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1 | Julho | 2011
s cereais e ao pão
O dia-a-dia de uma padaria. A amassadeira e o forno anelar da firma - que permite cozimento contínuo - foi uma aquisição importante que determinou o crescimento da empresa. Hoje a empresa coze a lenha 7000 vianas por dia
pai e filho que determinou a saída do negócio familiar de Sérgio Henriques. Durante três anos este trabalhou nas Rações Filipe na Ribafria (Benedita) e decidiu posteriormente emigrar para o Canadá. Viveu no estrangeiro desde 1986 até 1994, trabalhando na área da construção civil. O seu filho mais velho, Ricardo (nascido em 1981) tinha então quatro anos quando viajou com os pais para o estrangeiro, ao passo que o seu irmão Michael já nasceu no Canadá, em 1987. Foi no Verão de 1993, quando vieram passar as férias, que José Henriques lhes propôs continuarem com o negócio. A idade já pesava e a filha Maria da Luz Henriques não se mostrou interessada em prosseguir com o negócio do pão. A irmã mais nova de Sérgio, por problemas de saúde, não se envolveu no negócio Como também hafamiliar. “Como via falta de trabalho por lá, acabamos por decidir regressar gressar”, contou o casal. Sérgio Henriques assim que chegou decidiu que era hora de modernizar e transformar o pequeno negócio do seu pai. Era necessário apostar noutros tipos de pão. Hoje fazem 21 tipos de pão (ver caixa). Pegaram no negócio em Maio de 1993 e apostaram no pão fino, isto é nas vianas ou papo-secos. Em 1995 tinham dois fornos antigos, em alvenaria – um maior e um mais pequeno. Este último foi substituído por um mais moderno, anelar, aquecido a lenha, e que permite um cozimento contínuo. “A cada 15 minutos permite ter 432 vianas cozidas, prontas a seguir seguir”, contam. A empresa de Salir de Matos beneficiou do encerramento da padaria Teixeira, em 1997, que ficava na Rua das Montras. “Nós somos aqueles que fazemos o pão de forma muito similar” lar”, contaram Sérgio e Maria da Graça Penas, acrescentando que naquela altura ganharam muitos clientes com aquele encerramento. Ainda chegaram a empregar alguns funcionários da padaria caldenses e adquiriram-lhes alguma maquinaria em
segunda mão que hoje ainda é usada. “DIMINUIU A VENDA DE VIANAS, MAS AUMENTOU A DE PÃO CASEIRO”
Na gestão da empresa já estão os filhos do casal, Ricardo e Michael, que não descuram nenhum pormenor, seja na manutenção da frota de veículos que faz a distribuição (sem esquecer o veiculo de substituição) como na aquisição de geradores para assegurar o fornecimento de pão aos seus clientes e não ficar à mercê das falhas de energia eléctrica. “Fazemos à volta de 7000 vianas por dia dia”, contam os filhos explicando que, aos sábados, nos anos 90, chegavam a fazer 10 mil. A partir de 1997, os seus pais deixaram de trabalhar ao domingo, uma decisão em nome do despegácanso já que desde que “pegámos no negócio nunca tirámos férias férias”, contaram. Ainda assim, por não cozerem ao domingo,, “chegámos a perder alguns clientes clientes”, acrescentaram. Em 2001 investiram 2500 euros na informatização da padaria, o que lhes permitiu ganhar As sete horas diáritempo. “As as necessárias a redigir documentos como as guias foram diminuídas para hora meia ou duas horas por dia dia”, disse Ricardo Henriques. Em Salir de Matos possuem armazéns para a lenha e para a farinha e desde 2008 que foram das primeiras padarias a apostar na redução do sal no projecto Pão.come, desenvolvido pela Saúde Pública. Há dois anos fizemos um “Há investimento de 10 mil euros numa fatiadora que corta à medida que o cliente quer o pão pão”, explicou Ricardo Henriques. O responsável vai em breve terminar a sua licenciatura em Ciências Aeronáuticas prevê que, para já, vai continuar a ajudar os pais e o irmão Michael – que não quis estudar para além do sétimo ano - no negócio.
Garante que a qualidade é sempre o objectivo primeiro da não há massas firma e que “não congeladas” assim como não são usados “conservantes no pão” que continuam a ser cozidos em fornos a lenha. Conta que entre as dificuldades que enfrentam é a falta de pagamento de alguns clientes. Dantes era preciso 20 cli“Dantes entes para vender sete mil vianas enquanto que hoje para tal quantidad e precisamos de quantidade ter mais de uma centena de clientes” clientes”, contou Ricardo Henriques explicando que quem vendia 100 vianas, “agora só consegue vender 50” 50”. Têm, aliás, clientes que lhes compram entre cinco a dez pães como, por exemplo, os vários cafés da região. A Padaria Sérgio Henriques & Filhos, Lda. é uma sociedade por quotas desde Abril de 2011. Era uma empresa em nome individual, e desde 1994 que se designava Sérgio Manuel Ferreira Henriques. O capital social é de cinco mil euros e o volume de negócios em 2009 foi de cerca da 220 mil euros. Ricardo Henriques acredita que o exercício de 2010 seja idêntico pois apesar de ter sentido uma diminuição na venda das vianas, estas foram compensadas pelo aumento na venda de pão caseiro. Actualmente a empresa tem dez funcionários. E qual é o seA seriedagredo do sucesso? “A de e muito ttrabalho rabalho rabalho”, explicou a esposa Maria da Graça Penas. não Já para Sérgio Henriques “não temos nenhum segredo, trabalhamos sempre com honestidade e fazemos para os nossos clientes como se estivéssemos a fazer para nós” nós”. Há outros factores distintivos que a família considera essensomos muito exigentes ciais: “somos no que diz respeito à higiene e limpeza e as coisas são feitas com carinho e amizade como se fossem para a nossa casa” casa”, remataram. Natacha Narciso nnarciso@gazetacaldas.com
“Ainda temos alguns clientes do tempo do meu pai” Fazem pão de quilo, meio quilo e bolas, tudo caseiro. Também pão de milho, de mistura, de sementes, de forma (normal e integral), pão de três cereais, com chouriço, de cachorro (dois tamanhos) e qualTenho quer tipo de miniatura. “Tenho a intenção de começar a fazer pão de leite” leite”, acrescentou Maria da Graça Penas que faz uma visita guiada às suas instalações e com a restante família explicam como decorrerá a futura ampliação das mesmas. Não será fácil começar o dia de trabalho às 23h00 e só terminar após a hora de almoço, regressando à cama para descansar às três ou quatro da tarde. Aos sábados, o labor começa às 22h00. Perde-se muita coisa… “Perde-se deixa-se de ir a muito lado lado”, explica a responsável que, com o seu marido, não conhece a palavra férias, pelos menos nos últimos 17 anos. Quem são os clientes da Padaria de Sérgio Henriques & FiOs principais clientes lho? “Os estão nas Caldas pois fornecemos muitos cafés e pastelarias pastelarias”, contam, explicando que há na lista supermercados, infantários, escolas como a D. João II e a ETEO, lares como os da Foz do Arelho e de Salir de Matos.
A Bedford utilizada para carregar farinha e distribuir pão, fotografada nos anos 70, foi uma das primeiras viaturas da firma Henriques
Têm muitos clientes em Sta. Catarina, na Foz do Arelho, Coto, em Tornada e no Chão da Parada e mantêm antigos clientes que lhes compram pão em venda ambulante para locais como o Bairro da Sra. da Luz ou a Salgueirinha, ambos em Óbidos. “Às vezes já não é rentável, mas temos muito respeito pelos nossos clientes que ainda são do tempo do meu pai ”, disse Sérgio Henriques e, continuamos a dar por isso, “continuamos a volta volta”. A intenção futura da Padaria Henriques é abrir uma casa própria ao público nas Caldas
para vendemos o nosso “para produto directamente aos nossos clientes clientes”. Além de terem pensada uma ampliação das instalações onde é fabricado o pão, em breve, vão adquirir pelo menos mais uma máquina que vai auxiliar o trabalho da dezena de funcionários da empresa. Esta, desde Abril último, é uma sociedade por quotas. Os sócios gerentes são o pai Sérgio Henriques (60%), a mãe Maria da Graça Penas (20%) e os filhos Ricardo e Michael, com 10% cada. N.N.
Cronologia 1932 – Nasce José da Costa
com Maria da Graça Penas
1999 – Morre José Henriques,
Henriques na Mata de Porto Mouro 1955 – Nasce Sérgio Henriques na Mata de Porto Mouro 1961 – Inicio da construção da moagem em Salir de Matos 1976 – Sérgio Henriques vai para a tropa e marca o início do declínio da moagem 1979 – Sérgio Henriques casa
1980 – Abre a Padaria Henri-
pai de Sérgio Henriques
ques junto à moagem
2001 – Informatização da par-
1981 - Nasce o filho mais velho
te administrativa da padaria
do casal, Ricardo Henriques
2008 – Início da produção de
1987 – Nasce o filho mais novo,
pão com menos sal, integrado
Michael Henriques (no Canadá)
no projecto Pão.come
1994 – O casal Henriques pega
2011- Padaria Sérgio M. F.
no negócio da família
Henriques & Filhos, Lda passa a
1995 – Compra do forno anelar
ser sociedade por quotas.
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8 | Julho | 2011
UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Nova Serviços - fazer sucesso em Portugal com expe Foi por causa da esposa que em 1988 José Bento se fixou de vez em Portugal. Nascido em Alguber, concelho do Cadaval, e emigrado em França desde os 29 anos, abriu nas Caldas da Rainha uma empresa de serviços de limpeza, pondo em prática a experiência adquirida durante os anos que viveu e trabalhou na zona de Paris. Pouco depois criava uma outra empresa, dedicada à cedência de mãode-obra. Hoje, a Nova Serviços é reconhecida de norte a sul do país e está entre as dez maiores empresas nacionais do sector, contando com cerca de 1.700 trabalhadores. Aos 72 anos, José Bento tem como seu “braço direito” o filho, Fernando Bento, que é sócio da empresa desde 1992. Posição semelhante deverá ter em breve a filha, Maria João, que actualmente é directora geral da Nova Serviços. Foi a pulso que José Bento se tornou no empresário de sucesso que é hoje. Nascido em Alguber, a 22 de Maio de 1939, foi ainda moço trabalhar para a capital, como marçano (empregado de mercearia). Aos 12 anos, numa altura em que as mercearias eram vendidas avulso, “andava de porta em porta para saber o que os clientes precisavam e depois para entregar a mercadoria” mercadoria”, conta. Dois anos depois de ter trocado a sua aldeia natal por Lisboa, o seu pai, Francisco Miguel Bento, faleceu. José ainda se agarrou com mais afinco ao trabalho para ajudar a mãe, Maria José Félix, e os três irmãos, todos mais novos, João, Pedro e Fernando. Foram tempos difíceis. José, que “tinha um patrão que era um segundo pai” pai”, garante que nunca passou fome. Mas lembra que a família viveu grandes dificuldades, apesar do imenso esforço feito pela
mãe na altura. “Tivemos uma mãe que foi uma estrela, fez tudo quanto pôde pelos filhos” lhos”, afiança. Por causa de um problema num dedo, José safou-se da tropa. “Felizmente! Tive um padre que me ajudou” ajudou”, diz. Aos 24 anos, e com metade da sua vida passada a trabalhar, José Bento abriu o seu primeiro negócio: uma mercearia em Lisboa. Foi ali que conheceu aquela que viria a ser a sua esposa e “uma grande companheira” companheira”, Maria do Rosário. “Eu era rapaz novo, namoradeiro, andava a comprar coelhos lá pela zona, e a minha sogra disse ‘olha, tenho também ali uma coelha’. E começámos a namoriscar e depois lá casámos” sámos”. José Bento tinha 26 anos, Maria do Rosário 23. “Mas as coisas não corriam muito bem em Portugal” e cinco anos depois de se ter estreado como patrão de si pró-
José Bento, aos 24 anos, quando abriu uma mercearia em Lisboa
prio partiu para França em busca de uma vida melhor, acompanhado do irmão Pedro. “Cada um com dois contos e quinhentos [12,50 euros],, emprestados pelo sogro do meu irmão” mão”, recorda. Em Portugal ficou a esposa e a filha, que na altura tinha apenas quatro anos. Paris foi a zona escolhida, onde os dois irmãos começaram logo a trabalhar como carpinteiros. “Mal cheguei a França, ao fim de 15 dias, caí de uma janela abaixo, de um segundo andar para cima de um monte de areia, e parti
quatro costelas” costelas”, lembra. Um percalço que não o impediu de trabalhar cada vez mais. Pouco tempo depois, os irmãos que tinham ficado em Portugal juntaram-se a José e a Pedro. “Éramos uma família muito unida, muito unida mesmo” mesmo”, garante. Também Maria do Rosário e Maria João partiram para junto de José. Em 1972 a família aumentou, com o nascimento de Fernando. José Bento voltou para Portugal. “Trouxe a família toda, mas não me dei. Estive cá dois meses e voltei para lá” lá”.
De indústrias a hospitais, a Nova Serviços limpa centenas de locais de norte a sul do país
José Bento ladeado dos filhos, Fernando e Maria João . São eles que dão seguimento ao negócio iniciado pelo pai há 23 anos A LIMPEZA NÃO É TRABALHO SÓ DE MULHERES
Da carpintaria, os irmãos começaram a trabalhar no sector dos elevadores. À noite faziam limpezas. No estrangeiro, ao contrário do que ainda hoje acontece por cá, não havia o preconceito de que a limpeza era um serviço de mulheres. “Posso dizer que fomos uns emigrantes privilegiados, mas trabalhámos muito, atenção. Eu e o meu irmão Pedro até éramos chamados os ‘caçadores de pré-
mios’ porque nós tínhamos sempre prémios ao fim do mês, sempre” sempre”. Todos os anos, às vezes mais que uma vez por ano, a família visitava Portugal. À semelhança do que tinha acontecido quando foi para Lisboa, também em França José encontrou um patrão a quem não poupa elogios. “Tive um patrão que me ajudou muito. Ao fim de alguns anos a trabalhar nas limpezas ele disseme: ‘Olha Zé Bento, vais tomar conta dos serviços de limpeza’. E eu disse que não, que nem falava francês” francês”. Mas
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eriência ganha em terras gaulesas
Juntas, A Temporária e Nova Serviços dão trabalho a mais de 2.000 pessoas em vários pontos do país
o patrão insistiu e José lá aceitou. Anos mais tarde, o mesmo patrão voltou a incentivar José Bento. “Disse-me que eu tinha que me estabelecer por minha conta. E eu disse que não, que não tinha dinheiro” dinheiro”. Mas o patrão insistiu e propôs ao português avançar-lhe o dinheiro que ele precisasse, que depois seria abatido nos trabalhos que este lhe prestasse em regime de subempreitada, muito usado em França. É assim que nasce, por volta de 1978 a empresa Fidèle, o primeiro negócio de José Bento na área das limpezas. Já Maria do Rosário era porteira – actividade muito comum entre as portuguesas em França . o que livrava a família da despesa de um aluguer. “Em França todos os prédios têm uma porteira, e geralmente é um casal. No nosso caso era a minha mãe, e uma das regalias que uma porteira tem é uma casa, mas pequenina” nina”, explica Fernando Bento, que nasceu em Paris, cidade da qual guarda as suas memórias de criança. “Eu nunca tive quarto, dormia numa sala. A casa era um quarto, uma casa de jantar, uma cozinha e uma casa de banho, e não era má” má”. O filho de José Bento lembrase bem desses tempos, em que ele próprio se iniciou nos trabalhos da limpeza. “Quando saía da escola ia ajudar a minha mãe a tirar o lixo dos condomínios, a limpar os escritórios da France Telecom, que eram ali ao lado. Sem querer, entrei na limpeza assim” assim”. Em 1988 José Bento decide voltar para Portugal. A empresa criada em França ficou entregue à filha.
“Ao fim de um mês queriame ir embora novamente, não me dava cá em Portugal” gal”. A esposa foi determinante para que a família se fixasse por cá. “A minha esposa disse-me: ‘Tu gostas tanto de trabalhar na ‘merda’ (lá em França é o que se diz), abre qualquer coisa nas Caldas’. Eu já tinha aqui uma loja e assim foi” foi”. A 31 de Dezembro de 1988 foi criada a Nova Serviços, uma sociedade de José Bento e Maria do Rosário. Os primeiros trabalhadores – Manuel Bento e Maria do Céu – bem como os primeiros clientes, ainda hoje se mantêm, já lá vão 23 anos. José Bento ainda se lembra bem do primeiro trabalho feito pela Nova Serviços “um enceramento de uma tijoleira a quente na casa da D. Natália Bap tista” Baptista” tista”. No início, o empresário teve que travar algumas lutas. “Os homens de cá tinham vergonha de andar a fazer limpeza. Andei eu a lavar e s c a d a s , a e n s i n á - l o s ””, lembra. Além disso, os seus empregados ainda não estavam preparados para alguns trabalhos. “Ganhei a EDP, mas como não havia ninguém a fazer vidros, veio uma equipa de França de propósito para limpar os vidros” vidros”. Em 1991 José Bento abre uma nova empresa: A Temporária – Empresa de Trabalho Temporário, Lda., dedicada à cedência de trabalhadores em regime de trabalho temporário. No ano seguinte o filho torna-se sócio nas duas empresas. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
“Esta casa também se fez à custa dos trabalhadores” Pouco mais de duas décadas após a sua fundação, a Nova Serviços é uma referência nos serviços de limpeza a nível nacional. Sediada nas Caldas da Rainha, a empresa tem filiais em Lisboa, Coimbra, Porto e está em vias de abrir uma outra em Portimão. Em 2010 teve uma facturação de 12,8 milhões de euros, o que a coloca nos lugares cimeiros das empresas do distrito de Leiria. Já A Temporária, tem cerca de 600 trabalhadores e conta com uma facturação na ordem dos 1,8 milhões de euros. José Bento diz que as empresas se conseguem manter “com um grande braço direito que é o meu filho” filho”. Mas não só. “Esta casa não se fez só comigo e com o meu filho. Fezse também à custa dos trabalhadores. Isso tem muito valor” valor”, salienta o empresário. “Porque todos eles vestiram a camisola e continuam a vestir” vestir”, acrescenta. Nas empresas de José Bento há “muito pessoal com 20 anos e mais de casa. Isto é uma autêntica família” família”, diz. Um dos momentos mais importantes na história desta empresa foi quando, há cerca de 16 anos se conseguiu a limpeza do Hospital Curry Cabral. “A experiência adquirida na limpeza de hospitais tem-nos aberto outras portas” portas”, diz o filho, acrescentando que a Nova Serviços chegou a garantir a limpeza de 22 unidades hospitalares. As escolas eram também um forte da empresa, o que tornava muito dependente do sector público. Com a crise económica que se tem agravado nos últimos anos apostou-se na procura de novos clientes do sector privado, sendo que desde o início a empresa já tinha algumas das maiores empresas da região como clientes. Ao serviço especializado de limpeza (das grandes indústrias, às habitações, passando por lojas, centro comerciais e hospitais), junta-se o fornecimento de consumíveis como o forte da actividade da empresa. Mudanças, jardinagem e manutenção de edifícios, tratamento e recolha de dados, fornecimento de mãos-de-obra temporária, operações de logística e manutenção de edifícios, são outros serviços prestados pelo grupo Nova Serviços. “Já há grandes empresas que só querem falar com um cliente e nós tivemos que nos adaptar” adaptar”, explica o filho, justificando a diversidade de serviços que o Grupo Nova Serviços oferece. Nada que lhes seja estranho porque a concentração de vários serviços num só fornecedor era algo já habitual em França quando a família lá estava. Entre os trunfos do grupo estão a formação constante dos trabalhadores e a certificação. Em 2003 a Nova Serviços obte-
ve a certificação em Sistemas de Gestão da Qualidade. Já em 2011, a certificação em Sistema de Gestão Ambiental, e está a ser iniciado o processo de certificação em Sistema de Gestão de Segurança. Além disso, “há uma constante aposta na inovação” inovação”, que se procura nas principais feiras internacionais dedicadas ao sector, garante Fernando Bento. “Para fazer um determinado tipo de trabalho é necessário desde um balde normal que se compra em qualquer drogaria até autolavadoras que custam mais dinheiro que um carro” carro”, diz. José Bento já está reformado, mas não se afasta da empresa. “Gosto muito de ver os meus clientes, de falar com eles. Olhos que não vêem, coração que não sente” sente”, diz. Garante que tudo o que tem hoje é fruto de trabalho árduo e é com orgulho que diz que a Nova Serviços “é uma empresa muito bonita. Dá muito trabalho, muita dor de cabeça, mas é muito bonita” bonita”, que “nunca teve um dia de greve dos trabalhadores” trabalhadores”. E para que assim seja, teve sempre presente que “a qualidade e a satisfação do trabalhador são fundamentais” fundamentais”. O empresário é ainda sócio de duas outras empresas caldenses, a Bento & Conde e a Noite e Dia. Aos filhos, que garantem o futuro dos negócios iniciados pelo pai, elogia o afinco e a entrega. Já a esposa, diz que tem sido “uma grande mulher, uma grande mãe e uma grande companheira” companheira”. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
Cronologia 1939 – Nasce, em Alguber, José Bento 1951 – José Bento vai trabalhar para Lisboa 1963 – Abre uma mercearia por conta própria e casa com Maria do Rosário
1964 – Nasce Maria João, filha de José e Maria do Rosário 1968 – José parte para França 1972 – Nasce em Paris o filho mais novo, Fernando 1978 – José Bento abre uma empresa de limpezas em França 1988 – Regressa de vez a Portugal e abre a Nova Serviços, Lda. 1991 – É fundada A Temporária 1992 – Fernando torna-se sócio das empresas fundadas pelo pai
1998 – Maria João regressa a Portugal e começa a trabalhar com o pai e o irmão
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15 | Julho | 2011
UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
O “Castanheira” - o negócio das bicicletas que nasce
Rosalina e António Castanheira fundaram a Casa de Bicicletas Castanheira em 1946
Em 1990 António Castanheira entrega a chave da loja aos sobrinhos José e Alda Henriques
Poucas serão as pessoas que na Rua da Praça de Touros, nas Caldas da Rainha, não reconhecem a bicicleta pendurada na parede lateral do número 11 como o símbolo da Casa de Bicicletas Castanheira, hoje Pro Bikes. Aquela bicicleta antiga faz a ponte entre uma loja hoje virada para a modernidade, mas com orgulho no seu passado construído sempre no seio familiar. É que a loja foi sempre gerida por casais e actualmente Teresa Henriques e Victor de Sousa constituem já o terceiro à frente da loja, depois de António e Rosalina Castanheira a terem fundado e passado no início da década de 90 aos sobrinhos José e Alda Henriques. Apesar de só em 1946 António Gomes Castanheira (1920-2006) ter aberto a Casa de Bicicletas Castanheira, é preciso recuar até 1928 para perceber o que o motivou: uma enorme paixão pelo ciclismo. Foi nesse ano, com apenas oito anos de idade, que começou a trabalhar nas bicicletas, na casa Samagaio, que ficava junto à Rainha. Era uma loja de serralharia civil que comercializava diversos artigos, entre eles bicicletas. Foi na oficina que o Castanheira começou a dar os primeiros passos e por ali ficou até completar 24 anos. Nesta altura, em 1944, tentava a sorte lançando-se num negócio próprio - uma oficina de bicicletas na Rua Heróis da Grande Guerra, num local onde hoje se situa a Electrolíder. Os meios eram poucos e por isso a oficina foi aberta em sociedade com um tio. “O tio dele não participava na oficina, teria sido só para ajudar na sociedade, mas
eles desentenderam-se e acabaram por fechar um ano e meio depois” depois”, conta Alda Henriques, sobrinha de António Castanheira. Já casado com Rosalina Castanheira (1925 – 1996), António não desistiria daquele que era o seu destino e lançou-se novamente no negócio, agora juntamente com a esposa. Surgia assim a Casa de Bicicletas Castanheira, em nome individual, na Rua 15 de Maio, que abriu no dia 13 de Maio. “A Rosalina tinha uma coisa com o dia 13, aliás, na vida dela foi tudo feito ao dia 13” 13”, recorda Alda Henriques. Uma questão de crença, reforçada nesse mesmo dia da abertura, quando estava sozinha na loja e lhe entrou um cliente com um pneu furado. O cliente vinha de Fátima e trazia a bicicleta à mão desde Tornada devido a um furo. Num saco trazia ainda uma Nossa Senhora que lhe caíra, partindo-se, e pediu a Rosalina se a podia pôr no lixo. “Ela viu que a cabeça
Aspecto da Rua da Praça de Touros nos anos 40. A casa dos Castanheira é a mais escura, do lado esquerdo da imagem
ainda estava intacta, guardou-a e ainda hoje a figura existe porque ela passou-a à minha filha Teresa” Teresa”, conta Alda. O espaço, que antes funcionava como oficina de automóveis, não tinha grandes condições e os primeiros tempos foram complicados até pela conjuntura do após II Guerra Mundial, que criava dificuldades em obter material. Mesmo assim a capacidade de trabalho de duas pessoas de origem humilde, que não sabiam ler nem escrever, permitiu-lhes evoluir no negócio, até porque as capacidades se complementavam. Castanheira era um exímio fabricador e recuperador de bicicletas, com especial talento para a pintura. “Ele gostava muito de fazer bicicletas, ainda temos um tandem feito por ele, e o que gostava mais de fazer era pintar, fazia aqueles traçados com uma pena de galinha” galinha”, diz Alda Henriques. Mas não se interessava muito pela parte comercial, área na qual Rosalina mostraria grandes capacidades. “Ela não sabia ler nem escrever, aprendeu qualquer coisa depois, mas era uma pessoa fora de série, uma lutadora e o que sonhava tinha que fazer” fazer”, classifica Alda Henriques. E um desses sonhos foi o da mudança para o local onde hoje o “Castanheira” ainda se mantém. Ali bem perto da Rua 15 de Maio havia uma casa de um piso
com um quintal - que pertencia a um familiar de Abílio Flores - que Rosalina admirava todos os dias. “Subia para cima de um banco onde ficava a espreitar por cima do muro e a pensar que aquela casa havia de ser dela, e conseguiu” conseguiu”, relata Alda. Demorou cinco anos, mas em 1949 Rosalina comprou a casa, com a ajuda de um membro da família Abrantes, proprietário de uma bomba de gasolina na Praça do Peixe, que emprestou o dinheiro que lhe faltava. “Ela era de boas contas e até acabou de pagar antes do tempo determinado” terminado”, sublinha Alda. A casa passava a ser a habitação do casal. No quintal construíram a nova oficina. Nessa altura já trabalha com eles José Henriques, sobrinho de Rosalina, nascido em 1939, que começou a aprender o ofício com os tios aos nove anos de idade. O negócio foi crescendo à custa de muito esforço. Trabalhavase todos os dias, manhãs de domingo incluídas, e férias era luxo para outros, mas o negócio vingava e chegaram a ter mais três funcionários, três irmãos do Campo, zona de eleição para Castanheira. “Só mais tarde, já namorava com o meu marido, é que se adoptou a semana inglesa” inglesa”, refere Alda Henriques. Nos tempos do Estado Novo, António Castanheira chegou também a vender gasolina, ramo no qual tinha um cliente invulgar. Foram várias as vezes que, de passagem pelas Caldas, o carro de António Oliveira Salazar reabasteceu no Castanheira. “Era um episódio que ele contava várias vezes” vezes”, conta a sobrinha. José Henriques e Alda casaram em 1965 e no ano seguinte nasceu Teresa Henriques. Em 1969 os Castanheira decidiram construir o prédio que ainda hoje existe, com dois pisos de habita-
As três gerações reunidas numa viagem ao norte
ção, um para cada casal. É que, sem poder ter filhos, António e Rosalina viam os sobrinhos como se de filhos se tratasse, vindo inclusivamente a passar-lhes o negócio mais tarde. Foi também nos anos 60 que Rosalina e António abriram o negócio às motorizadas. Castanheira e José tiraram dois cursos para dar assistência a estes veículos. As marcas eram a famosa Zundapp e a hoje em dia menos reconhecida, mas na altura muito popular Solex. Uma bicicleta motorizada de características únicas, cujo motor era acoplado directamente à roda da frente, sem corrente de transmissão. A venda de motorizadas durou praticamente até à passagem de testemunho e deveu-se sobretudo à falta de condições da oficina para dar assistência às máquinas depois da construção de um prédio ao lado que impedia a exaustão dos gases. Foi em 1990 que Castanheira e Rosalina passavam o negócio aos sobrinhos. A entrega simbólica da chave foi a 14 de Fevereiro... “porque o José não gostava tanto do dia 13 como a tia” tia”, recorda Alda. A SEGUNDA GERAÇÃO José Henriques ficou com o negócio em nome individual e o nome da loja passou para Casa de Bicicletas de José Henriques, embora nunca deixasse de ser a loja do Castanheira. Com ele passou a trabalhar também a esposa, Alda Henriques, que até ali tinha sempre ficado à margem. Apesar da mudança de proprietários, as semelhanças eram bastantes. Tal como o tio, José preferia o trabalho na oficina à parte comercial. Tal como Rosalina, Alda não percebia grande coisa do ramo quando começou,
mas teve que arregaçar mangas e pegar na parte comercial. “Abrimos a casa a marcas estrangeiras, que era coisa que os meus tios não gostavam muito de trabalhar” trabalhar”, afiança Alda. E foi uma decisão sábia. Em 1990 deflagrava a guerra do Golfo, de onde emergiam os helicópteros Apache como grande avanço tecnológico. Da mesma fábrica, com o mesmo nome e a mesma cor, surgiam também as bicicletas Apache, aposta forte dos novos proprietários que se revelou um sucesso. “Vendemos muitas, o viajante até chegou a trazer Apaches de outras lojas porque não se vendiam e venderam-se todas aqui, e ainda vem cá gente com elas” elas”, acrescenta Alda. A casa conheceu então nova forte expansão. “Foram anos muito bons, tivemos uma manhã de sábado que vendemos 17 bicicletas, já eram os clientes que escolhiam sozinhos porque não tínhamos tempo para aconselhar a todos, nunca me vou esquecer” esquecer”, sublinha. Apesar do sucesso nas vendas, a parte da recuperação de bicicletas nunca ficou esquecida. Mas em 2008 foi diagnosticada Alzheimer a José Henriques, doença que por ironia do destino também já tinha apanhado Castanheira. Foi então altura do negócio passar para uma terceira geração. Hoje a Pro Bikes, denominação actual, está em nome individual de Teresa Henriques, que gere o espaço com o marido, Victor de Sousa. Teresa cresceu com os pais e os tios avós. Quando casou quis também permanecer no prédio, tendo sido então ampliado para um terceiro piso. José e Alda, apesar de terem passado o negócio, continuam a ser presença assídua na loja, onde continuam a rever clientes
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eu em 1946 já atravessou três gerações As gincanas do Castanheira
José e Alda Henriques num tandem construído pelo Castanheira
que ficaram amigos, e quando é preciso ainda dão uma mãozinha. MARCAS CONCEITUADAS E BICICLETAS ELÉCTRICAS COMO APOSTA DE FUTURO Apesar de a loja ter mudado de nome a cada passagem de geração, a Casa de Bicicletas Castanheira, a Casa de Bicicletas José Henriques e a Pro Bikes seguem uma história comum interligada, não só pela relação familiar dos proprietários, como pela política da loja, que continua a assentar numa relação privilegiada com o cliente através da oficina que continua a utilizar métodos totalmente artesanais e continua a fazer os mesmos serviços de recuperação, restauro e pintura que Castanheira e José Henriques garantiam. Victor de Sousa, nascido em 1970, foi jogador profissional de futebol, mas desde que casou com Teresa Henriques já vinha nos tempos livres para a loja. “Fui aprendendo e acabei por seguir. Não foi uma coisa pensada, mas quando se acaba o futebol é tarde para escolher outra profissão e continuei aqui de uma maneira natural” natural”, conta Victor. As diferenças surgem essencialmente na parte da loja, pela própria mudança dos tempos. Hoje, com a enorme concorrência que entretanto se estabeleceu na cidade, inclusivamente as grandes superfícies que atraem clientes com preços bastante acessíveis, a diferença tem que ser feita pela qualidade. “O mercado actualmente está diferente, chegámos a ser praticamente sozinhos e agora há muita concorrência, por isso tivemos que inovar, apostando em marcas mais conceituadas” conceituadas”, aponta Victor de Sousa.
Aproveitando a procura gerada pelo parque radical das Caldas da Rainha, uma boa fatia das vendas é representada pelas bicicletas extreme, como freestyle e BMX, que atraem também clientes de Peniche, onde também existe um parque radical. Mas a oferta é completa, como bicicletas de lazer, de criança, de btt e de ciclismo de estrada. De há dois anos a esta parte a Pro Bikes apostou também nas bicicletas eléctricas. “É uma marca com nome e que nos dá todas as garantias de qualidade, que tem sido uma boa aposta pela procura que tem suscitado” suscitado”, refere Victor de Sousa. Para além de Victor de Sousa e Teresa Henriques, trabalha na Pro Bikes Luís Sancheira, na parte da oficina. Luís Sancheira começou, ainda criança, por ser cliente de José Henriques, com quem começou a aprender. Começou por fazer trabalhos de afinação na própria bicicleta e quando tinha 16 anos já estava a trabalhar para Alda e José Henriques. Ainda hoje, com 30 anos, lá continua. A relação com os clientes é também um dos motivos de orgulho desta casa, que também já conta com pelo menos três gerações de clientes. “Temos clientes agora que os pais e os avós já cá vinham” vinham”, realça Victor de Sousa, que destaca também alguns clientes da zona de Lisboa e que continuam a fazer as reparações das bicicletas na loja. “Alguns têm cá habitação, mas outros não, chegam a vir de propósito porque em Lisboa não há casas assim” assim”, nota. Os responsáveis da empresa não quiseram divulgar o seu volume de negócios. Joel Ribeiro jribeiro@gazetacaldas.com
A dedicação de António Castanheira ao ciclismo não se esgotava na oficina, muito longe disso. Ao longo da sua vida dedicou-se também ao ciclismo de lazer e também à competição no papel de organizador. Colaborou em todas as edições das Voltas à Matoeira, circuito que trazia às Caldas as melhores equipas do panorama velocipédico nacional nos anos 50 e 60. Também foi colaborador de Mário Carvalho, já nos anos 80, no Velo Clube das Caldas da Rainha, desde a fundação ao encerramento deste clube que se dedicava aos ciclistas mais jovens, um projecto ao qual José Henriques também se dedicou. Mas a principal criação no campo das organizações foram as gincanas realizadas entre 1974 e 1984, ideia do próprio concretizada primeiro só com a ajuda da família, mas depois mobilizando uma equipa de colaborares. “Pouca gente que hoje tem entre 30 e 40 anos não terá participado nestas gincanas” nas”, diz Alda Henriques. Foi numa tarde de sábado que António Castanheira juntou algumas crianças para fazer a primeira gincana, uma coisa pequena porque não houve tempo para fazer grande promoção. Fizeram uma volta pelas Caldas e seguiram em direcção ao Campo e até à Serra do Bouro, para os pinhais do senhor Rainho. Rosalina abria o caminho, como fez em todas as edições. Nos pinhais esperava os jovens participantes um conjunto de actividades com obstáculos por ultrapassar. E uma das primeiras vencedoras foi a sobrinha neta dos Castanheira, Teresa
Henriques, que venceu o seu escalão. Os participantes gostaram e a iniciativa teve mais 10 edições. “Era uma loucura, tomou uma proporção tal que tinham que ser acompanhados pela polícia, chegavam a vir crianças de Lisboa e de outras localidades e nunca ninguém deixou de ir por falta de bicicleta” bicicleta”, recorda Alda. Alda reteve em particular uma passagem da Gazeta das Caldas: «O Castanheira passou toda a noite à volta dos cangalhos velhos». “Muitas crianças não tinham bicicleta, mas ele tinha muitas que aceitava de retomas, eram todas arranjadas e ele emprestava-as a quem não tinha” tinha”, explica. Todas as crianças tinham direito a brindes, que conseguiam angariar junto de diversas fábricas e que consistiam em rebuçados, camisolas, peças de cerâmica, entre outras coisas. Para além da família, amigos juntaram-se à organização, entre eles José Manuel Paiva de Oliveira, António Duarte, Vítor Alves, Carlos Figueiredo, Jorge Milhanas e Sérgio Ribas, e no próprio dia muitos outros se juntavam para colaborar. A última edição foi em 1984, “porque a dimensão que a iniciativa tomou obrigava a um trabalho desgastante, eles foram ficando mais velhos e não houve quem seguisse” guisse”, explica Alda. Ao longo dos anos António Castanheira coleccionou diversos artigos relacionados com a modalidade, deixando boa parte. incluindo a bicicleta que mais gostava, em testamento a Mário Lino para o Museu de Ciclismo. J.R.
Teresa Henriques, hoje gerente da Pro Bikes, venceu o seu escalão na primeira edição da gincana, em 1974
Rosalina Castanheira à frente da gincana, uma imagem que se repetiu 11 anos consecutivos
Os colaboradores da gincana: José Manuel Paiva de Oliveira, António Duarte, Vítor Alves, Carlos Figueiredo, Jorge Milhanas e Sérgio Ribas, entre outros
Cronologia 1944 António Castanheira abre uma oficina de bicicletas na Rua Heróis da Grande Guerra em sociedade com um tio, que duraria ano e meio.
1946 António Castanheira rompe a sociedade com o tio e abre a Casa de Bicicletas Castanheira em nome individual, com a colaboração da esposa Rosalina, na Rua 15 de Maio
1948 Aos 8 anos José Henriques junta-se aos tios na loja 1949 A Casa de Bicicletas Castanheira muda-se para a Rua da Praça de Touros
1969 É construído no mesmo local o edifício que ainda hoje alberga a loja
1990 António Castanheira passa a loja a José Henriques, que se estabelece em nome individual e muda o nome da loja para Casa de Bicicletas de José Henriques José Henriques na oficina juntamente com o genro Victor de Sousa, hoje um dos gerentes da loja, e Luís Sancheira, funcionário da casa há 14 anos
2008 José e Alda Henriques passam o negócio para a filha, Teresa Henriques. A loja passa a chamar-se Pro Bikes
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22 | Julho | 2011
UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
O casal Cunha e os três filhos exploram um hotel, u silo automóvel e um condomínio para id
Faustino Cunha (ao centro) com os pais e os dois irmãos
Há mais de 40 anos que o engenheiro civil Faustino Cunha se dedica à criação dos mais diversos negócios
Faustino e Maria Virgínia Cunha com os três filhos e os três netos
Uma pedreira, um hotel, um siloautomóveleumcondomínioprivado para idosos são algumas das actividades da família de Faustino Cunha, desenvolvidas através de duas empresas. Há mais de 40 anos que o engenheirocivilFaustinoCunhasededica àcriaçãodosmaisdiversosnegócios, tendocontadocomacolaboraçãodos seustrêsfilhos–Paulo,LuíseGonçalo–quecomeletrabalhamemáreas diferentes. A Serafim & Filhos, Lda, dedicada àsobras,foiconstituídaemconjunto com o pai e o irmão de Faustino Cunha, Serafim e Virgílio Cunha. Mais tarde fundaria também a Siprocal Sociedade de Investimentos e Projectos, Lda, para a área do desenvolvimentodeprojectos. Desde há cerca de quatro anos que a sede das duas empresas mudouparaoconcelhodeÓbidosonde temosseusdoisprincipaisnegócios. A Siprocal na rua Direita, onde funciona o agora hotel Rainha Santa Isabel(antigaalbergaria),eaSerafim& Filhos na Amoreira, no local da peFoi por razões estratégidreira. “Foi cas pois a actividade das firmas centra-se mais naquele concelho lho”, adiantou Faustino Cunha. Perante as dificuldades no “Perante país, estamos parados em relação a novos projectos, por isso o hotel e a pedreira são os nossos principais negócios negócios”, explicou o empresário, que tinha um projecto direccionadoparaaterceiraidadeno Algarve e que acabou por ficar só no Não ia comprometer a papel. “Não nossa actividade com um investimento tão grande grande”, explicou, referindoaindaqueoexcessodeburocraciadopaísfazcomquesejadifícil avançarcomcertosinvestimentos. As duas empresas dão trabalho a cercade30pessoas,semcontarcom
doem1933).Houvefuncionáriosque trabalharamdurantedécadasnesta empresa, até se reformarem. Actualmente a Serafim & Filhos é propriedade de Faustino Cunha e da sua mulher, Maria Virgínia Duarte Cunha. Perante a crise, Faustino Cunha acha que o importante é manter a estabilidade das suas empresas e procurar novos caminhos “procurar caminhos”. Embora não tenham querido revelar a facturaçãodasduasempresas,écerto que nos últimos anos esse valor tem
se casar em 1966, altura em que se mudaram para as Caldas da Rainha. QuandoFaustinoCunhaterminou ocurso,em1965,esteveaestagiarna empresa de construção Alves Ribeiro, em Lisboa, e em 1996 fez ainda outro estágio na Companhia de CaminhosdeFerrodeMoçambique,em LourençoMarques(actualMaputo). Antesdissoaindaestevealgunsmeses na tropa, de onde foi dispensado por razões de saúde. A sua mulher foi professora na escola D. João II até se reformar.
Faustino Cunha e os seus três filhos. A tradição familiar nesta área é antiga. O avô paterno de Faustino Cunha, Serafim Joaquim, já se dedicavaàsobraspúblicas,conjuntamentecomtrêssócios,entreosquaisLuís da Gama (da família Gama de Óbidos e que foi proprietário da Quinta das Janelas, nas Gaeiras). Essasociedadefoicriadanamesma altura em que foi constituída a JuntaAutónomadeEstradas,em1927, e foram responsáveis pela construçãodaestradanacional114,queliga
mistascomoArmandoCorreia. Eram cursos que nos davam “Eram uma formação profissional muito valorizada, com grandes conhecimentos que nos preparavam para a vida prática prática”, salientou.Dessetempoficouuminteresse particular pela cerâmica e pela arte, tambémenquantocriador. Aos 16 anos foi para a capital e completouumcursomédiodeagentetécnicodeengenharia(equivalente ao actual 12º ano) no Instituto InEra um curso dustrial de Lisboa. “Era
Faustino Cunha e a sua mulher, Maria Virgínia Cunha, são os sócios-gerentes da Siprocal e da Serafim & Filhos, duas empresas com dezenas de anos no qual os seus descendentes (Paulo, Luís e Gonçalo) trabalham nas diferentes áreas que estas desenvolvem. Uma pedreira, um hotel, um silo-automóvel e um condomínio privado para idosos são algumas das actividades da família, cuja tradição na área das obras públicas remontam ao avô de Faustino Cunha, Serafim Cunha. A Serafim & Filhos, Lda., dedicada às obras, foi constituída em conjunto com o pai e o irmão de Faustino Cunha, Serafim e Virgílio Cunha. Mais tarde fundaria também a Siprocal - Sociedade de Investimentos e Projectos, Lda, para a área do desenvolvimento de projectos. PenicheaSantarém(compassagem A estrada é toda sipelos Vidais). “A nuosa porque nesse tempo não podia haver grandes inclinações E porque a maioria dos carros eram de tracção animal animal”, referiu FaustinoCunha. NessaalturatrouxeramparaPortugal um cilindro de asfalto a vapor, damarcaMarshall,queFaustinoCunha lamenta agora ter mais tarde transformadoparadiesel. Alguns anos depois, os filhos dos dois sócios, Serafim Joaquim Cunha e Faustino da Gama, constituíram também uma sociedade, sendo que o último foi padrinho de Faustino Cunha, de quem acabou por “herdar” o nome. A primeira empresa, que ainda hoje existe, foi constituída em 1969 porSerafimJoaquimCunhaeosseus dois filhos, Faustino e Virgílio (nasci-
descido. DO CURSO DE CERÂMICA NAS CALDAS À ENGENHARIA CIVIL
Faustino Filipe Cunha nasceu a 15 deMaiode1939naMatoeira(Vidais). EstudounaescolaprimáriadosMosIa todos os dias a pé da teiros. “Ia Matoeira para os Mosteiros, cerca de quilómetro e meio meio”, contou. Naquartaclasseaprofessoraprimária adoeceu e Faustino Cunha foi morar para casa dos avós maternos em Alvorninha para terminar a instruçãoprimária. Na Escola Industrial e Comercial Rafael Bordalo Pinheiro, que na altura funcionava no actual edifício dos serviços administrativos do CHON, completou o curso de cerâmica,ondefoialunodomestreAntónio Rainho e colega de alguns cera-
muito prático que nos transmitia conhecimentos muito úteis para a vida profissional profissional”, referiu, lamentandoquenãohajaumamaior aposta neste género de ensino. Depois disso foi para o Instituto SuperiorTécnico,ondeseformouem por inerência da Engenharia Civil “por actividade do meu pai e por vocação também também”. Nessa altura o curso de engenharia tinha a duração de seis anos e ainda hoje FaustinoCunhasentesaudadesdassuas vivências em Lisboa. Mas foi na região Oeste, mais propriamente num baile em Torres Vedras em 1964, que conheceu aquela que viria a ser a sua mulher. Maria Virgínia Cunha também estudava em Lisboa, na Faculdade de Ciências, onde se licenciou em Biologia, e osdoisjovensmantiveramo contactonessacidade.Acabariampor
UM EMPREENDEDOR EM VÁRIOS SECTORESDEACTIVIDADE
Desde os seus seis anos de idade queFaustinoCunhaacompanhavao No tempo em pai no seu trabalho. “No que estudava nas Caldas saía das aulas e ia para algumas das obr as do meu pai. Ajudava-o obras fazendo alguns recados e sempre gostei de observar as obras obras”, contou. Na parte final do curso de engenharia civil começou a ajudar o pai com os seus conhecimentos técnicos. OpaideFaustinoCunhatinhaherdadoaexploraçãodeinertesdeuma pedreira (maciço rochoso calcário), noconcelhodeÓbidos(Amoreira),e FaustinoCunha,aindacomoestudante, era o responsável pela gestão. Felizmente já tinha carro desde “Felizmente
o meu quarto ano no Técnico, um Simca 1000, e por isso podia deslocar-me mais facilmente entre Lisboa e Caldas Caldas”, lembrou. Depoisdo25deAbrilde1974,Faustino Cunha optou por abdicar das obras públicas e criou, em 1976, um gabinete de projectos, com o nome Siprocal,quefuncionavanoLargoDr. JoséBarbosa. A Siprocal – Sociedade de Investimentos e Projectos tem mantido a sua actividade em paralelo com a Serafim & Filhos, que tem a vertente dasobras. Embora a sua actividade seja a de engenheiro civil, Faustino Cunha foi sempre um empreendedor tenSemdo lançado vários projectos. “Sempre gostei de coisas novas e nunca repe ti o mesmo projecto repeti projecto”, disse. Na década de 70 do século passado, Faustino Cunha foi responsável pela criação da sala de cinema Estúdio Um, nas traseiras do tribunal das Em boa hora avançáCaldas. “Em mos com esse projecto porque a cidade tinha ficado sem sala de espectáculos espectáculos”, explicou, pois tinham sido encerrados o Salão Ibéria (no Parque D. Carlos I) e o Teatro PinheiroChagas(naantigapraçado Peixe). Oprojectoteveinícioem1973,em conjuntocomArturCapristano,eum ano depois o edifício estava concluído. Devido às vicissitudes darevoluçãodeAbril,decidiramadiarporuns anosaaberturadanovasaladecinema das Caldas. Entretanto associaram-seaonegóciomais13caldenses quetambéminvestiramnasuaabertura. O Estúdio Um foi inaugurado em uma 1976 e foi considerado como “uma das melhores salas de cinema cinema” foradeLisboaedoPorto.Tinhacerca de 500 lugares e foi um sucesso de
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uma pedreira, um dosos audiências nos primeiros anos, até porque as instalações eram amplas e tornaram-se um local de encontro de muita gente. Nos anos 90 cederam a exploração à mesma gerência dos cinemas Delta (a Evicine), que funcionavam nocentrocomercialdaruadasMontras, mas entretanto o Estúdio Um acabouporencerrar.Háalgunsanos a sociedade detentora da sala decidiu vendê-la na totalidade a um dos sócios. Antes disso, em 1978, Faustino Cunhaabriutambémocafédotúnel não (nastraseirasdaigreja)porque“não havia cafés abertos ao domingo go”. Este estabelecimento acabou por ser vendido na década de 90. Em 1975 Faustino Cunha inaugurou um prédio que construiu na avenida 1º de Maio para instalar as sedesdasempresaseasuaresidência. Anos mais tarde construiria os edifícios ao lado (onde está a farmácia Rosa). Três anos depois Faustino Cunha e a mulher ficaram com a totalidade das quotas da empresa Serafim & Filhos, mas o património foi dividido O meu entre os dois irmãos e o pai. “O pai ficou com o património imóvel, o meu irmão ficou com a área das obras públicas e eu com a área da construção civil civil”, explicou. Seriaem1984queFaustinoCunha avançariaparaoutrosectordenegócio - o turismo – com a abertura da albergariaRainhaSantaIsabel,narua Direita,emÓbidos,emconjuntocom os seus tios, José Francisco Duarte e Foi uma iniDignadaNazaréFilipe.“Foi ciativa familiar pelo qual tivemos muito carinho. Transformámos este espaço numa mais-valia para a vila de Óbidos Óbidos”, comentou oempresário. Ocondomínioresidencialparaidosos “D. Dinis“ foi outra das obras de Faustino Cunha nas Caldas. O bloco residencialcom62apartamentos,que teve um investimento de cinco milhões de euros, é destinado a pessoas com mais de 60 anos com assis-
Embora os tência para idosos. “Embora apartamentos sejam autónomos, o condomínio presta serviços como um lar. Dá resposta aos problemas de solidão, de serviços domésticos e de saúde saúde”, contaoempresário. FaustinoCunhafazpartedadirecçãodoCentroParoquialdasCaldase esteve sempre sensibilizado para a Ao área de apoio à terceira idade. “Ao estar em contacto com essas pessoas deparei-me com a dificuldade que muitas tinham em ter um lugar para ficar na parte final das suas vidas vidas”, referiu. Embora ainda mantenha a posse de alguns apartamentos no edifício, Faustino Cunha não faz parte da administraçãodocondomínio. Outro projecto que foi pensado a longo prazo, e que seria inaugurado em 2007, foi o parque de estacionamento em altura construído na rua Fonte do Pinheiro. A ideia de desenvolvernaquelelocalumsiloautomóvelvinhadotempoemqueconstruiu É osedifíciosnaavenida1ºdeMaio.“É um projecto estruturante que, para além dos lugares de estacionamento, tem também várias lojas que estão a ser utilizadas utilizadas”, comentou. Uma das lojas está cedida a uma instituiçãodesolidariedadesocial-a fundação Instituto Maria da ConceiçãoSaraiva-quefoicriadaparaprestar apoio a crianças e idosos. Esta fundação, de cujos órgãos sociais FaustinoCinhafazparte,temumterrenodequatrohectaresjuntoaoCentro de Alto Rendimento de Badminton para onde está prevista a construçãoderesidênciasparaidosos. Afamíliatemtambémalgunsterrenos agrícolas nos concelhos das Caldas e de Torres Vedras. Uma das apostasfoiaplantaçãodenogueiras paraaproduçãodenozesem17hectares, na zona de Torres. Pedro Antunes pantunes@gazetacaldas.com
Cronologia 1939 – Nasce Faustino Filipe Cunha 1966 – Casa com Maria Virgínia 1967 – Nasce Paulo Cunha 1969 1969– É criada a Serafim & Filhos 1971 – Nasce Luís Cunha 1976 – É criada a Siprocal – Sociedade de Investimentos e Projectos, Lda 1976 – Nasce Gonçalo Cunha 1976 – É inaugurado o Estúdio Um 1978 – É inaugurado o Café do Túnel 1984 – É inaugurada a Albergaria Rainha Santa Isabel 2004 – É concluído o condomínio privado para idosos “Dom Dinis” 2007 – Inauguração do silo automóvel na rua Fonte do Pinheiro
Filhos seguiram áreas diferentes mas trabalham todos com o pai É com orgulho que Faustino Cunha tem ao seu lado nas empresas os seus três filhos. “Como Como pai, é uma acontecer”, sublisatisfação isso acontecer nhou. Embora os filhos não façam parte das sociedades, sublinha que “eles tudo”. eles é que são os donos disto tudo Pai e filhos concordam que a principal vantagem de uma empresa familiar é terem um objectivo comum, apesar de, por vezes, ser difícil conciliar as diferentes opiniões. Mesmo com o seu pai e irmão, Faustino Cunha teve sempre uma boa relação de trabalho. O MAIS VELHO O filho mais velho, Paulo Cunha, nasceu a 13 de Dezembro de 1967 e é formado em Gestão de Empresas. Terminou a licenciatura em 1989, no pólo das Caldas da Universidade Autónoma de Lisboa. Desde a adolescência que ele e os seus irmãos começaram a ajudar o pai na empresa, na parte administrativa. “Os Os escritórios ainda eram na Matoeira. Lembro-me de umas férias que fiquei em muito boa forma física porque fazia de bicicleta o trajecto entre as Caldas e a Matoeira de manhã, à hora de almoço e ao final do dia. Eram 20 quilómetros por dia”, recordou. dia O seu primeiro emprego “a sério” foi na recepção da então albergaria Rainha Santa Isabel, mas antes de se dedicar a tempo inteiro à empresa familiar, Paulo Cunha foi também professor de Matemática e deu formação profissional. Em 1999 trabalhou também para o Interbanco (crédito automóvel), tendo sido responsável por aquele projecto nos concelhos das Alenquer, Lourinhã, Mafra e Torres Vedras. “Houve Houve uma altura em que tive que optar em ficar a tempo inteiro nesse projecto ou dedicar-me à empresa familiar e acaCaldas”, conbei por voltar para as Caldas tou. Começou por ajudar na gestão da Serafim & Filhos e a dar apoio na albergaria Rainha Santa Isabel. Desde há seis anos que Paulo Cunha
está a gerir exclusivamente o estabelecimento que há cerca de um mês foi reconvertido em hotel de três estrelas. “Há Há 30 anos era só abrir a porta e isto enchia naturalmente. Agora temos que ir à procura dos clientes pormaior”, que a concorrência é muito maior referiu. Segundo Paulo Cunha, houve uma quebra de cerca de 20% nas reservas este verão. Recentemente reabriram a geladaria que até há dois meses era gerida por Daniel Caetano (que está agora na pastelaria Zaira, nas Caldas da Rainha) e que agora passa a ter o nome “Doce Rainha”. “Tínhamos Tínhamos algumas propostas para aquele espaço, mas decidimos ser nós a explorar negócio”, adiantou Paueste ramo de negócio lo Cunha. Os gelados artesanais à venda continuam a ser fornecidos pela empresa de Daniel Caetano, a Gusto. Os produtos mais procurados na geladaria são aqueles baseados na ginja, desde a ginjinha de Óbidos ao granizado ou gelado daquele fruto. Há quatro anos Paulo Cunha lançou também a sua própria empresa, a Indoor Foot. Foi adaptado um pavilhão na zona industrial das Gaeiras para instalar um campo de futebol com relva sintética. O campo é alugado a grupos que queiram jogar futebol e também pode ser utilizado em festas de aniversário, porque tem um espaço de convívio. Embora as expectativas fossem outras, os primeiros anos de funcionamento até foram positivos, mas recentemente houve uma quebra de 70% na procura do espaço para festas de aniversário. O campo é principalmente utilizado por grupos de amigos e por empresas que levam os seus funcionários. O DO MEIO Luís Cunha nasceu a 31 de Maio de 1971 e terminou em 1995 o curso de Engenharia no Instituto Superior Técnico. O estágio foi na empresa do seu pai, onde até hoje se mantém como engenheiro e também, cada vez mais,
com a área da gestão da actividade dos negócios. As suas primeiras memórias na empresa são de quando tinha que ajudar no corte e dobragem dos grandes rolos das cópias heliográficas no gabinete de projectos do pai. Quando a albergaria em Óbidos abriu portas, em 1984, fez muitas vezes de recepcionista. No dia da inauguração, a 29 de Julho, foi Luís Cunha, com 13 anos, quem ficou na recepção, porque o seu irmão mais velho estava num acampamento de escuteiros. “Praticávamos Praticávamos uma economia familiar que dá valor acrescentado às coisas. Talvez falte isso agora a algufamílias”, comentou. “Era mas famílias Era uma forma de aprendermos que existem vida”, acrescentou. dificuldades na vida Quando se candidatou ao ensino superior ainda hesitou entre seguir os cursos de engenharia electrotécnica e civil, mas acabou por optar pela segunda hipótese por haver mais oportunidades de emprego fora de Lisboa. “Se Se tivesse seguido engenharia electrotécnica, dificilmente estaria agora”, contou. nas Caldas agora Antes de iniciar a sua vida profissional, em 1996, esteve três meses nos serviços de engenharia do Exército. Depois disso dedicou-se a fundo à empresa familiar, desenvolvendo uma série de projectos de engenharia para obras que fizeram ao longo dos anos. “Desde Desde que comecei a minha actividade passei eu a fazer a parte dos projectos”, disse Luís cálculos dos projectos Cunha, que acha ser muito importante poder aliar a experiência aos novos conhecimentos. Como actualmente o sector da construção está parado, o filho do meio dedica-se mais à gestão das empresas. “A A pouco e pouco vou assumindo as funções do meu pai na parte financeira e das preocupações grandes grandes”, adiantou. Perante as actuais dificuldades do país, entende que, como as receitas não crescem, é preciso reduzir despesas e procurar novas actividades. O MAIS NOVO
nasceu a 3 de Abril de 1976 e ainda se lembra de visitar as obras do prédio da farmácia Rosa. “Ainda Ainda nem sequer andava na escola e lembro-me de ir”, contou. gostar de lá ir Também se lembra quando abriu a albergaria, altura em que a família passava muito tempo no local. Enquanto foi estudante sempre ajudou nos negócios familiares, principalmente na pedreira em Óbidos. Gonçalo Cunha licenciou-se em Publicidade e Relações Públicas no Instituto das Novas Profissões no ano 2000. Nessa altura, a sua primeira opção foi ficar a trabalhar em Lisboa. Queria trabalhar no sector automóvel, mas ao final de seis meses acabou por voltar para as Caldas porque não encontrou nenhum emprego na área que procurava. Acabou por ser na pedreira que encontrou o seu lugar nas empresas da família. “Agora Agora comecei a estar mais no escritório porque nesta altura há mais trabalho de expediente do si”, devido a uma que na pedreira em si paragem no sector, que está muito dependente da construção. As pedreiras tiveram uma maior procura durante a construção da autoestrada do Oeste, para onde forneceram muitos inertes. “O O grosso do negócio agora é para fábricas de préfabricados de betão. A nossa pedra é mais consistente e por isso é a meprodutos”, explicou lhor para esses produtos Gonçalo Cunha. O empresário está agora a estudar a possibilidade de comercializar alguns sub-produtos da pedra para tentar aumentar as vendas. Segundo Gonçalo Cunha, ao ritmo de exploração que têm actualmente, está garantida a exploração nas pedreiras por mais 30 anos. “Mas Mas vendese brita mais barata agora do que há anos”, referiu. Os custos de explo15 anos ração são mais reduzidos, excepto no que concerne ao consumo energético. O filho mais novo de Faustino Cunha vai também avançar com o seu negócio próprio, através da exploração de um posto de combustível da Cepsa em São Martinho do Porto. P.A.
O filho mais novo, Gonçalo Cunha,
A família na política local O pai e o avô de Faustino Cunha foram presidentes da Junta dos Vidais, transmitindo-lhe o gosto pelo política e pelo serviço público. “Sempre Sempre gostei de participar na vida pública. Sinto que pessoa”, afiré um dever de qualquer pessoa mou Faustino Cunha. Na sua opinião, só faz sentido estar num lugar público se for por uma causa e não por interesses ou dinheiro. Faustino Cunha foi vereador da Câmara das Caldas no tempo de Marcelo Caetano, em 1972, quando Paiva e Sousa foi o presidente da edilidade pela primeira vez. “Ainda Ainda estivemos nove meses em exercício depois do 25 de Abril e só o fomos porque fizemos força perante o governo civil para sersubstituídos”, recordou. mos substituídos
Enquanto vereador orgulha-se do facto do executivo do qual fazia parte ter convidado para vir às Caldas da Rainha o então ministro da Educação, Veiga Simão, convencendo-o a construir três novas escolas primárias (Encosta do Sol, Bairro da Ponte e Avenal) que foram inauguradas a Setembro de 1974. Para além da experiência como vereador, foi ainda deputado municipal até 2004. Eleito sempre como independente na bancada do PSD, que chegou a liderar, Faustino Cunha abandonou a Assembleia Municipal como forma de protesto porque dizia estar a ser prejudicado pelas decisões da autarquia em relação ao empreendimento D. Dinis. Um assunto que prefere agora não re-
cordar. Afinal, no total, foram 33 anos na política autárquica, dos quais tem boas recordações. Faustino Cunha foi também presidente do clube Lions nas Caldas da Rainha durante dois anos e meio. Dos seus filhos, apenas Luís Cunha se dedicou também à política, tendo sido por duas vezes candidato à presidência da Câmara das Caldas pelo CDS/PP. Começou a interessar-se pela política quando estava a terminar o curso superior. “Naquela Naquela altura estava a discutir-se a entrada no euro e isso despolítica”, pertou o meu interesse pela política recordou. Começou na juventude partidária e acabou por se tornar militante do CDS
em 1997, altura em que foi pela primeira vez candidato à Câmara. Em 2001 voltaria a candidatar-se, mas nunca chegou a ser eleito vereador. Depois de ter liderado o partido nas Caldas, acabaria por afastar-se da política. “Houve Houve certa decepção com o mundo da política. Há mais interesses particulares do que propriamente uma país”, consicomissão de serviço pelo país dera. “Quando Quando os políticos se transformam numa classe deixamos de ter representantes. Os políticos devem é representar a sociedade e não eles próprios”, alertou. próprios P.A.
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Família Pimpão - desde a venda, à produção e agora Nos anos 30 do século passado Joaquim Pimpão (1897-1958) percorria o país a vender ginja, fruto que comprava aos produtores do Sobral da Lagoa. O seu filho, Albano Pimpão seguiu-lhe as pisadas, assim como o seu neto, Dário Pimpão, que se lembra de, aos 12 anos, acompanhar o progenitor na distribuição. No entanto, a falência da fábrica de licores Abadia de Alcobaça, em meados da década de 80, mudou o rumo profissional de Dário Pimpão. O seu pai tinha para lá vendido fruta e não chegou a receber o dinheiro. Dário Pimpão foi comprar esse fruto, que já se encontrava em infusão hidro-alcoólica (a preparação que sofre para se tornar licor) e assim começou a fazer o licor, na casa que ainda hoje continua a ser a sede da Oppidum, na Rua da Escola, no centro do Sobral da Lagoa. A experiência que tinha de visitar muitos licoristas permitiu a Dário Pimpão juntar o melhor das várias técnicas e criar a sua ginja, de referência. Inicialmente formou uma empresa, com mais dois sócios, a FutÓbidos, que se dedicava à confitagem de fruta e a uma produção residual de ginja de Óbidos. No entanto, quatro anos depois, Dário Pimpão cede a sua quota e cria a empresa em nome individual, que mantém até hoje e que é a mais antiga no concelho a dedicar-se ao fabrico deste licor. Continuou durante algum tempo mais a fazer confitagem de fruta, doces e compotas, mas também licor de ginja, que foi sempre aprimorando até o tornar um produto “ t o p o d e gama”. A concorrência com a confitagem começa a ser mais agressiva, com a vinda de pro-
dutos de Espanha, Itália a França, o que o levou, nos inícios do milénio, a passar a depositar todas as suas sinergias na ginja. É no armazém situado junto à residência que vai fabricando o licor que distribui, primeiro por Óbidos e depois um pouco por todo o país. “Se tivesse grandes instalações e muito pessoal, provavelmente teria ramificado a empresa, mas como estava sozinho houve a opção de continuar desta forma artesanal” sanal”, conta o mestre licorista. semFoi a pouco a pouco, e “sempre com navegação à vista” vista”, que foi conquistando quota de mercado, refere Dário Pimpão, acrescentando que a produção também foi sempre crescendo, mas de forma sustentada. Residente no Sobral da Lagoa, o empresário sempre teve a matéria-prima à mão, comprando aos produtores locais o
O bebé da foto da esquerda é o mestre licorista, Dário Pimpão (da foto da direita) com os seus pais, Lurdes Zina e Albano Pimpão
A dedicação à ginja já atravessa quatro gerações da família Pimpão. Joaquim Pimpão (1897-1958), na década de 30 do século passado comprava o fruto aos produtores do Sobral da Lagoa e distribuía-o pelos licoristas de todo o país. O seu filho, Albano seguiu-lhe os passos e o neto, Dário Pimpão, vai mais longe e, em finais da década de 80, começa a produzir licor de ginja. Em 1987 cria a empresa Oppidum, que desde então tem vindo a crescer, embora sempre com “navegação à vista” vista”, realça o empresário que quer que esta produção caseira continue de referência. A sua filha, Marta, também sentiu o apelo do negócio de produzir uma ginja natural sem corantes nem conservantes, que se afirma pela qualidade dos seus componentes, e deixou uma carreira promissora na investigação para se dedicar a esta empresa familiar. A jovem, de 27 anos, além de ajudar o pai na gerência da Opiddum, vai iniciar o doutoramento, onde pretende estudar os componentes químicos da ginja, assim como o possível aproveitamento dos caroços e das folhas do fruto. que precisava. A fama vem de longe e o licorista atesta: as ginjas desta terra possuem qualidades diferentes das dos outros locais e que conferem à bebida características únicas.
Esta especificidade resulta da proximidade do mar, da qualidade dos terrenos e da sua exposição ao sol e da pluviosidade, entre outros factores. Dário Pimpão nem precisa de
Lurdes Zina, mãe de Dário Pimpão, a engarrafar a ginja, em 2002. Actualmente continua a ajudar os descendentes nesta empresa familiar
se preocupar com a matéria-prima que utiliza. A produção está apalavrada de uns anos para os outros e actualmente o empresário compra ginjas aos netos dos produtores que vendiam ao seu avô. Em Junho tem o espaço preparado para receber o fruto que normalmente é entregue na última semana do mês ou na primeira semana de Julho. “Curiosamente este ano veio 15 dias mais cedo”, conta, mas acrescenta que isso não é novidade pois já tem acontecido outros anos, pelo que é importante terem as coisas preparadas. Apesar de nos últimos anos terem sido criados novos pomares e de haver uma aposta da autarquia na promoção deste fruto, a sua produção ainda continua a ser muito irregular. Há dois anos registou-se a maior produção de ginja de que Dário Pimpão tem memória. Teve que fazer um grande esforço para comprar toda a produção aos agricultores, mas ganão ficou nada rante que “não
nas árvores árvores”. Já o ano passado a produção foi muito inferior e este ano registou-se uma produção média. Temos que estar prepara“Temos dos para, em anos de grande produção, inventarmos sítios para colocar ginja, o que implica um grande esforço económico e logístico, mas é preciso” preciso”, diz. Os preços do fruto são ditados pelas leis do mercado. O ano passado, apesar de se ter registado a pior produção de há muitos anos, as ginjas foram pagam a 2,5 euros o quilo, enquanto que este ano foram pagas a 4 euros. Esta disparidade tem a ver com a necessidade do produto e a quantidade que as empresas ainda possuem em stock. SOBRAL DA LAGOA PRODUZ 80 MIL GARRAFAS POR ANO PARA TODO O PAÍS
Durante os meses de verão Dário Pimpão não faz licor, não há vagar. A fruta é toda arrumada e identificada ao porme-
nor do licorista saber quem é o produtor da ginja que está dentro de cada barrica e de cada garrafa. Dário tem normalmente a ajudá-lo uma funcionária, que trabalha com ele desde a origem da empresa. Para além disso, na época das colheitas chega a dar trabalho a 20 ou 30 pesNum ano de produção soas. “Num média ou boa são milhões de frutos, que têm que passar, um a um, pela mão dos trabalhadores” balhadores”, realça. Depois o fruto é colocado numa infusão hidro-alcoólica forte, onde fica, pelo menos, um ano. “Quanto mais tempo estiver nessa infusão alcoólica melhor é a base da ginja” ginja”, explica Dário Pimpão. A ginja é então drenada do fruto, que é esmagado e misturado. Depois é adicionado açúcar e corrigido o álcool. A receita parece fácil, mas há “pequenos” segredos que lhe dão o toque de unicidade. O licorista tem vindo a inventar ao longo do tempo alguns equipamentos para reduzir um pouco a mãode-obra e melhorar a qualidade, uma vez que lhe permite uma maior uniformização do produto que não passa por manuseamento. E o resultado é uma ginja que As se marca pela diferença. “As pessoas provam e ficam agarradas, é pior que a cocaína” caína”, brinca o mestre licoreiro, destacando que Óbidos é o sítio ideal para a sua venda, pois passa por lá muita gente e alarga o leque de provadores e prováveis clientes.
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a à investigação científica da ginja de Óbidos
Dário Pimpão e a filha, Marta, partilham a gerência da empresa Oppidum e o gosto pela ginja
As primeiras caixas que vendeu, em finais da década de 80, foram para as lojas de Óbidos e Alcobaça, que eram os mercados mais típicos e onde as pessoas procuravam já a ginja. Agora vendem para todo o país, com vários clientes que fornecem os mercados locais e também dão resposta a encomendas que chegam directamente às suas instalações. Actualmente a Oppidum comercializa uma média de 80 mil garrafas por ano. Continua a ter os seus melhores clientes em Óbidos, mas estes serão uma dezena, numa média de 400, que se distribuem por todo o país. Também já enviaram ginja para Austrália, Israel e Estados Unidos, em formatos que podem ir dos 5 centilitros aos 4,5 litros, conta o mestre licorista, que prefere não divulgar o volume de facturação desta empresa tradicional. De Espanha e Alemanha pedem as maiores quantidades e todos os dias têm e-mails de pessoas a perguntar onde podem comprar, até porque, como explica Marta Pimpão, o turista vai a Óbidos e compra uma garrafa, mas depois quando chega a casa e prova quer repetir. As mais procuradas são as garrafas de licor que têm ginja dentro, as denominadas “com elas” e Dário Pimpão partilha da opinião que essa é a maneira “mais bonita” de beber um ginja. Empreendedor nato, Dário Pimpão diz ter sido o autor da ideia de beber ginja num copo de chocolate, uma moda que pegou, ainda antes de começar o festival do chocolate, em 2002. O licorista estava a fazer compras numa grande superfície comercial quando viu as caixas de chávenas de chocolate e decidiu levar algumas para casa, para experimentar.
Levou uma caixa ao seu melhor cliente, a Loja do Vinho, em Óbidos, e a receptividade foi tão boa que no dia seguinte a gerente já lhe estava a telefonar para saber o local onde as tinha comprado para ir buscar mais. Por altura do primeiro festival de chocolate o licorista inventou a ginja com chocolate, uma bebida que teve bastante aceitação e da qual já registou a patente, em 2007. “Estragaram-se muitos litros de ginja e muitos quilos de chocolate até se desenvolver a receita” receita”, lembra, sobre a nova bebida que junta ao licor de ginja chocolate belga e natas, tudo engarrafado numa garrafa especial. A concorrência preocupa-o, mas “é uma preocupação saudável, que nos faz andar de orelha levantada e a procurar novos mercados e a garantir a qualidade” qualidade”, explica Dário Pimpão, fazendo notar que não é algo que lhe tire o sono. Preocupa-o mais a imitação de ginja que agora se vai vendendo, resultado do facto da bebida ser mais procurada porque garante que esta não apresenta a qualidade que faz jus ao nome. Ainda para mais, destaca, essas imitações apresentam-se como sendo ginja da região de Óbidos. Também por isso, o ano passado, decidiram mudar o visual da marca e têm feito algumas acções de marketing. O rótulo anterior foi criado pelo ceramista Armando Correia e será mantido na garrafa artesanal que têm para comercialização. Todos os outros formatos têm a imagem nova, feita com o objectivo de uniformizar a marca e facilitar a leitura e a mensagem da ginja d’Óbidos. Fátima Ferreira fferreira@gazetacaldas.com
A engarrafar o licor de ginja “com elas”, o preferido da maioria dos clientes
Marta Pimpão – a empresária que pretende tirar um doutoramento em ginja Marta Pimpão praticamente nasceu no meio da ginja. “ S e m p r e c h e i r o u a g i n j a l á e m c a s a ””, recorda a jovem, actualmente com 27 anos e que desde pequena ajudou na empresa familiar, quanto mais não fosse a “ a t r a p a l h a r quem trabalhava” trabalhava”, brinca, bem-humorada. Depois de fazer o ensino secundário nas Caldas da Rainha, Marta Pimpão foi estudar Biologia para a Universidade de Aveiro. A jovem, que queria ser a “Custeau” de Portugal, acabou a sua licenciatura com a publicação de um livro sobre Mergulho e Fauna Subaquática das Berlengas e ainda hoje tem no mergulho o seu hobby favorito. Já depois de formada andou a “saltitar” entre mestrado e bolsas de investigação, tendo passado por seis universidades à procura de fazer o que queria. Agora tinha um contrato de trabalho para os próximos três anos para o Instituto Superior Técnico, mas achou que era tempo de voltar para o Sobral da Lagoa e ajudar na empresa familiar. O pai também a pressionou para isso porque a empresa foi “ t o m a n d o proporções que não permitiam que ficasse sozinho na sua gerência”,
conta. Para Marta Pimpão esta é uma ligação natural, até porque mesmo quando esteve fora, nunca deixou de ajudar a família, ao fim-desemana, e é ela quem toma conta da rastreabilidade da produção. É também ela quem acarreta com a parte burocrática e de controlo de qualidade, enquanto que Dário Pimpão se dedica à parte da produção. Recentemente criaram também uma empresa de distribuição de produtos alimentares e ginja de Óbidos, que apelidaram de Pimpão. Curiosa por natureza, Marta Pimpão não vai deixar a investigação e prepara já a sua tese de doutoramento na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que será sobre a ginja. O último ano que trabalhou em investigação foi com uma bolsa de estudo ligada à discriminação da origem geográfica do café, ou seja, a possibilidade de determinar de onde provém o café através de análises feitas ao grão. A jovem investigadora quer agora desenvolver o mesmo estudo com a ginja que é produzida no Sobral da Lagoa. “Conhecer quimicamente o meu produto
permite-me defendê-lo em comparação com outros” tros”, afirma a jovem, que quer perceber porque é que a ginja do Sobral é especial. O seu plano de estudo denomina-se “Da terra ao copo”, e nele propõe-se a analisar desde o solo, a árvore, o fruto, o caroço, os vários estados da produção e o produto final. Outra componente que quer incluir no seu doutoramento é o estudo dos caroços para eventuais cosméticos pois a ginja possui propriedades antioxidantes e há que perceber o que é possível fazer-se ao nível de óleos essenciais. Actualmente os caroços que se retiram da produção do licor, e que possuem resíduos de álcool, têm que ser destruídos na presença de um representante da Direcção Geral de Alfandegas para atestar a perda de álcool. Há ainda a parte das folhas e do pedúnculo do fruto, que actualmente vai para o lixo, mas que “ n ã o tem que ser assim” assim”. Marta Pimpão quer descobrir qual o possível aproveitamento, que poderá passar por chás, ou outras formas.
Cronologia Década de 30 – Joaquim Pimpão (1897-1958) já comercializava a ginja produzida no Sobral da Lagoa
1955 – Nasce Dário Pimpão 1984 – Nasce Marta Pimpão, filha do empresário
1987 – Dário Pimpão cria a Oppidum, empresa em nome individual
2002 - Lança a moda da ginja vendida num copo de chocolate
2007 - É-lhe atribuída a patente da criação da ginja com chocolate
2010 – Mudança na imagem da marca Oppidum de modo a uniformizá-la
2011 – Criação da empresa de distribuição, Pimpão Distribuição de Produtos Alimentares e Ginja de Óbidos, empresa por quotas
Rectificação Por lapso, na reportagem da rubrica “Uma Empresa, Várias Gerações” sobre Faustino Cunha e família, publicada na edição de 22 de Julho, vem referido erradamente o nome da sua esposa, que é Maria Regina Cunha. A família esclarece ainda que relativamente ao condomínio residencial para idosos “D. Dinis” foram apenas responsáveis pela concepção e construção deste projecto, mas não fazendo parte da administração. Aos visados e aos leitores as nossas desculpas.
F .F. P.A.
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Quatro gerações da família Caldeira dedicadas à dis
O fundador António Caldeira em 1938 quando tinha 43 anos
António Nunes Simões Caldeira (1890- 1949) era natural do concelho de Arganil e veio morar para as Caldas na primeira década do século XX. Era negociante de ouro, que vendia porta a porta. Foi na Serra do Bouro que se enamorou e acabou por casar com Nazaré Capitaz Caldeira (18941989), filha de ricos proprietários locais, passando a residir naquela freguesia. O negócio do ouro corria de vento em popa até que António e Nazaré resolvem mudar-se para as Caldas, de modo a que os seus dois filhos Manuel Caldeira (19211973) e Maria do Rosário Caldeira (1922-2007) pudessem estudar. É na cidade que se junta com dois sócios – António Nunes e Serafim Antunes – e decide mudar de ramo, investindo numa linha de produção de bebidas. Em1938 constitui a empresa Serafim & Caldeira, Lda., que fica
sediada no Casal de Santa Rita, tendo como nome comercial Refrigerantes de Santa Rita. Os “sumos” daquele tempo era feitos com água gaseificada à qual se juntava xarope. Durante muitos anos foram usadas as gar-
Foto da família em 1955: Maria do Rosário, Nazaré Capitaz Caldeira, Manuel Caldeira e Maria Teresa Monteiro Caldeira. Em baixo, Teresa, Ana Maria e Adalberto Caldeira
recordam que não eram nada fácil de manejar pois deixavam farpas nas mãos. Logo no ano seguinte à constituição desta firma, em 1939, os dois sócios decidiram vender a sua quota a António Caldeira, que
Praça de Touros nas Caldas. “Nesta época multiplicavam-se as dificuldades, em especial na área da distribuição ção”, contaram à Gazeta das Caldas, Adalberto, Teresa e Ana Maria Caldeira, netos do funda-
Da esquerda para a direita: Fernando Ferreira, Teresa Caldeira, António Veiga, Ana Maria Caldeira Veiga, Ana Sofia Veiga e Adalberto Caldeira
Com a aquisição de veículos de distribuição motorizada foi possível alargar a área de vendas da empresa. A partir de então a Caldeira & Caldeira passa a abranger os concelhos de Óbidos, Bombarral, Pe-
Desde há quatro gerações que a família Caldeira se dedica à distribuição de bebidas, sendo que as duas primeiras também produziram refrigerantes. António Caldeira (1890-1949), fundador da firma Caldeira & Caldeira, Lda. chegou às Caldas vindo de Arganil para vender ouro porta a porta, mas acabou a fabricar pirolitos. Quase um século depois, a empresa que criou está sediada na Zona Industrial, emprega 15 pessoas e facturou 2 milhões de euros em 2010. Se fosse vivo, António Caldeira gostaria de saber que os seus filhos, netos e agora uma bisneta prosseguiram a sua obra. rafas de pirolito, de que muita gente ainda se recorda porque abriam-se pressionando-se uma esfera no gargalo. Grande parte do processo de fabrico era manual. No fim, as garrafas do refrigerantes eram colocadas em grades de madeira que os descendentes da família
desde cedo passa a contar com a ajuda do filho, Manuel Capitaz Caldeira (1921-1973). Passa então a sociedade a designar-se Caldeira & Caldeira, Lda. Em Janeiro de 1940 é efectuado o registo da marca Santa Rita Portugal, a favor de Caldeira & Caldeira Lda. com sede na Rua
dor. Viviam-se os anos da II Grande Guerra Mundial e naquele tempo as estradas eram péssimas, pelo que a distribuição dos refrigerante era feita em carroças, o que limitava a área de vendas, permitindo apenas abastecer o concelho e povoações mais próximas.
niche, Lourinhã, Torres Vedras e Alcobaça. De qualquer modo “o mau estado das estradas era constante e havia até localidades onde não era possível chegar, sobretudo no Inverno” Inverno”, disseram Adalberto, Teresa e Ana Maria Caldeira. Os veículos tinham que estar munidos de pás, picare-
Nos anos 40 os procedimentos eram maioritariamente manuais. À direita a equipa da fábrica que naquela época produzia os refrigerantes Sta. Rita
tas e cordas a fim de tentar passar os obstáculos. ADORMECIA AO COLO DOS AVÓS NAS SESSÕES DE CINEMA DO PINHEIRO CHAGAS”
Durante a II Grande Guerra a empresa ressentiu-se com a falta de açúcar, que era a principal matéria necessária para fazer os refrigerantes. Mas os actuais responsáveis recordam que ao longo dos anos e, apesar das dificuldades, a qualidade dos produtos nunca foi posta em causa. A própria firma mandava efectuar análises à qualidade dos componentes dos seus refrigerantes no Instituto Ricardo Jorge como pode ler-se em documento de análises periódicas, um deles que data de 1942 e que foi publicado na Gazeta das Caldas. Naquela época, contam os ac-
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stribuição de bebidas
Aspecto das instalações da firma na Zona Industrial
tuais responsáveis, o processo industrial era praticamente todo manual, com as garrafas lavadas uma a uma com escovilhão e água com soluções sabonárias e enxaguamento final com repuxo de água sob pressão. O xarope era feito numa sala própria e era colocado em quantidade normalizada em cada garrafa, que eram posteriormente cheias com água gaseificada. O negócio corria bem e por isso houve necessidade de mais espaço tendo a fábrica, em 1944, passado para um segundo espaço, na Rua Praça de Touros (onde hoje fica a recauchutagem Garrido). Teresa Caldeira (nascida em 1942) conta que viveu sempre com os avós e lembra que o avô pegava em si de manhã ao colo para ver passar as senhoras para a Praça. À noite quando o casal fundador, António e Nazaré iam ao cinema, sobretudo às sessões do eu adormePinheiro Chagas, “eu cia ao colo deles deles”. E como era o avô, o fundador da firma?
“Uma pessoa muito bemdisposta e com muitos amigos” gos”, contam as netas, acrescentando que era uma pessoa prestável para os outros. A avó Nazaré Caldeira era dona de casa e foi o seu filho Manuel Caldeira que passou a ser o braço direito do pai. António Caldeira faleceu em 1949 enquanto jogava às cartas, como era habitual, no Grémio do Comércio (onde hoje é o Museu do Ciclismo). Com a morte do fundador, a firma Caldeira & Caldeira passa então as quotas da sociedade para a esposa de António Caldeira e seus dois filhos, logo em 1949. Manuel Capitaz Caldeira (19211973) assume o lugar do pai na firma e, segundo o seu filho Adalberto e as sobrinhas Teresa e Ana era um homem muito Maria, “era evoluído para o seu tempo que se destacou e fez avançar a firma firma”. Logo investiu em maquinaria para lavagem e enchimento semiautomático e os herdeiros não se cansam de sublinhar que o crescimento da empresa se de-
veu sempre à dedicação dos seus trabalhadores, alguns dos quais tinha transitado da fábrica inicial de refrigerantes. DE 600 FÁBRICAS E FABRIQUETAS RESTARAM 90
Viviam-se então em 1950 quando, pressionado pelas grande empresas cervejeiras que queriam entrar no negócio dos refrigerantes, o governo da época produziu legislação tão exigente para as pequenas empresas de “sumos” que levou ao encerramento de centenas destas firmas. Acabou por acontecer nes“Acabou te sector o mesmo que nas panificadoras panificadoras”, conta Adalberto Caldeira, explicando que das 600 fábricas e fabriquetas de refrigerantes que havia no país, restaram apenas 90. Houve então necessidade das que restavam se constituírem como associações de média e de grande dimensão para poderem continuar a trabalhar e poderem continuar a dedicar-se à produção. Uma dela foi a Rical, à qual a
Um anúncio na Gazeta, em 1942, que a firma fez publicar para atestar da boa qualidade dos ingredientes que compunham o refrigerante
Caldeira & Caldeira se associou em 1964 na parte da produção, mantendo-se independente para a distribuição. À nova associação pertenciam nove fábricas de uma região compreendida entre Santarém a LeiÉ neste momento que a ria. “É empresa acaba a produção e passa a comercializar apenas as bebidas bebidas”, conta o empresário. A firma caldense alarga a distribuição também à cerveja e à água. Manteve-se a mesma equipa de funcionários (que entretanto deixaram de produzir para passar a distribuir) e as máquinas saíram para dar espaço ao agora armazém de bebidas. Manuel Caldeira era um dos maiores accionistas da Rical e auxiliou a evolução da empresa apostando na introdução de novos produtos, como o sumo de pêssego. Foi também um dos principais impulsionadores da construção, em 1971, de uma nova unidade industrial em Santarém e que hoje pertence à Unicer. Era um autodidacta, teve “Era grande actividade rotária e era um artista pois, enquanto frequentou a Escola Comercial, fez o curso de modelação ção”, contam o filho e sobrinhas, acrescentando que o prédio onde morava foi desenhado pelo próprio e teve uma intervenção artística de Ferreira da Silva. Corria o ano de 1973 e a empresa muda-se agora para a Rua Sales Henriques, ficando no rés do chão e logradouro do prédio onde vivia Manuel Caldeira pois tudo ficava mais desta forma “tudo funcional” funcional”, contam. Nesta altura tinham quatro camiões para o transporte das bebidas. Nesse ano, Manuel Caldeira falece, vítima de um trágico acidente de viação. Passam a ser detentores da sua quota a esposa Maria Teresa e o filho Adalberto. O precoce desaparecimento provoca alterações na gestão da firma, passando esta a ser liderada pela esposa do falecido e pela irmã, Maria do Rosário Caldeira, em representação da esposa do fundador, Nazaré Caldeira. Adalberto Caldeira passa a ocupar o lugar do pai na Rical. Três anos depois Nazaré Caldeira resolve integrar na empresa as netas Teresa Caldeira Ferreira e Ana Maria Caldeira Costa Veiga, através da cedência de quotas aos respectivos cônjuges Fernando Ferreira e António Costa Veiga, sendo este último o actual gestor que trouxe um novo dinamismo à actividade da empresa, alargando a área e o número de clientes. Com entrada na CEE e a abolição das fronteiras era previsível
que o mercado de refrigerantes sofresse alterações, não só nos novos hábitos de consumo, como com a entrada de novas marcas internacionais. O sector dos refrigerantes sofre algumas convulsões e em 1987 (um ano após a adesão de Portugal à CEE) a Rical é vendida à Unicer. Houve aqui uma conjuga“Houve ção de interesses que permitiu um negócio interessante para as duas partes partes”, contam os responsáveis. Como consequência desta venda, foi celebrado entre a firma caldense e a Unicer um contrato de distribuição de refrigerantes, sumos, águas e cervejas, que alargou ainda mais o seu mercado e se mantém até à actualidade. O actual gestor, marido de uma das netas (Ana Maria) do fundador é de Alcobaça, frequentou o Ramalho Ortigão e posteriormente o Instituto Superior Técnico. Adalberto Caldeira estudou Farmácia, acabando por não exercer pois acabou condicionado pela morte do pai tendo que assumir a sua posição na Rical. Em 1988, na Rua Sales Henriques já tudo era muito apertado e por isso adquiriram um armazém na Zona Industrial, onde hoje é a sede da empresa. Em 1995 Maria do Rosário Caldeira cede aos genros, e na mesma proporção, a sua quota de sócia. Hoje metade do capital da empresa pertence a Adalberto Caldeira, por herança dos pais e a outra metade divide-se entre António Veiga e Fernando Ferreira. Em 1998 assumiu lugar na gestão a sócia Ana Sofia Caldeira Veiga (nascida em 1970). a nossa esNo ano seguinte “a trutura de distribuição foi alterada pois fazíamos autovenda e fomos para a pré-venda da”, contou António Veiga, que entretanto já cedeu 1% da sua quota a cada uma das suas duas filhas (Ana Sofia e Patrícia). Em 1999 a empresa é informatizada, passando a dispor-se ago-
ra da informação em tempo real dos cerca de 600 clientes que a empresa possui. São sobretudo cafés, restaurantes e minimercados que recebem as bebidas da Caldeira & Caldeira, que tem também contratos exclusivos com importantes realizações oestinas como foi o caso da Feira Medieval de Óbidos. A Caldeira & Caldeira possui cerca de 50 mil euros de capital social e em 2010 teve um volume de negócios de dois milhões de euros. A gestão de António Veiga tem trazido bons frutos à empresa caldense pois a sociedade tem sido consecutivamente distinguida. Em 2003 recebeu o Prémio de Estrela Regional do Ribatejo e Estremadura, em 2009 Prémio de Excelência em Serviço, em 2010 de Excelência Operacional da Estremadura e Alto Alentejo e o reconhecimento no estatuto de PME Líder 2010. Este ano a firma caldense já foi galardoada com o Prémio de Excelência Operacional da Estremadura e PME Líder 2011. Estes prémios são atribuídos pela Unicer através da avaliação feita por empresas de estudos de mercado especializadas e acreditadas a nível nacional para o sector das vendas e distribuição de bebidas. A empresa, apesar da crise, tem conseguido subsistir devido “ao excelente relacionamento que temos com a Unicer Unicer”, disse António Veiga. A firma, que desde a fundação já soma 75 anos, tem funcionários com 40 e até 50 anos de casa. Alguns entraram aos 12 anos “Alguns e só saem para a reforma” reforma”, explicou António Veiga, que acrescenta que para o sucesso da empresa têm contribuído vários factores como a honestidade, o bom relacionamento com os clientes e funcionários, e o facto de ter sempre os ordenados em dia. Natacha Narciso nnarciso@gazetacaldas.com
CROLONOGIA 1890 - Nascimento do fundador António Caldeira 1921 – Nascimento de Manuel Caldeira 1938 – Ano de constituição da firma Serafim & Caldeira 1939 – António Caldeira adquire as quotas aos sócios e fica único proprietário
1944- Muda para novas instalações para a Rua Praça de Touros 1949 – Falecimento do fundador António Caldeira que já dividia a gestão com o filho, Manuel Caldeira.
1964 – Constituição da Rical 1973 – Morre Manuel Caldeira 1976 – Entrada do gerente António Veiga, marido da neta do fundador
1987 – Venda da Rical à Unicer 1988 – Mudança de instalações para a Zona Industrial 1998 – Entrada da quarta geração para a empresa com Ana Sofia Caldeira Veiga
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20º Aniversário da Reelevação a Vila
Alfeizerão
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
“Cinderela de Alfeizerão” – um negócio trazido de Nampu
Manuel e Maria Beatriz, fundadores da “Cinderela de Alfeizerão”
Foi a Alfeizerão comprar uma máquina de fazer pão e acabou por comprar a própria padaria. Foi assim que Manuel Maria Delgado (1942-2007) abriu naquela vila, em 1986, a “Cinderela de Alfeizerão”, que alguns anos depois se viria a tornar uma réplica exacta do estabelecimento que Manuel tinha em Nampula (Moçambique), de onde regressou após o 25 de Abril. Um quarto de século depois, a pastelaria e padaria pertencem a Jorge Delgado, filho do fundador, e da esposa, Paula Delgado. Ele assume as rédeas da cozinha e, embora admita que ser pasteleiro nunca foi o seu sonho, não conseguiu voltar as costas ao negócio iniciado pelo pai. Ela gosta de estar ao balcão e diz que não se imagina a fazer outra coisa. Nascido a 27 de Agosto de 1942, na localidade de Casal da Marinha (freguesia de Santa Catarina), Manuel Maria Delgado foi ainda moço trabalhar para a Pastelaria Machado, para as Caldas da Rainha. Foi lá que, a partir dos 14 anos, aprendeu os truques da doçaria. E foi lá que se enamorou por Maria Beatriz Muchenga, uma moça da sua idade, natural da freguesia de Alfeizerão, que servia ao balcão da emblemática pastelaria caldense. Aos 18 anos, o serviço militar obrigou o pasteleiro a deixar para trás a farinha e os ovos e a partir para Moçambique. E, à semelhança de muitos que serviram o país nas então colónias ultramarinas, também Manuel Delgado se deixou cativar pelos encantos de África e por lá ficou. Aos 24 anos, Manuel e Maria Beatriz casaram por procuração e pouco depois ela juntava-se ao já marido na cidade de Nampula, onde o casal abriu a pastelaria “Cinderela”. “Nampula era maravilhosa” ravilhosa”, diz Maria Beatriz, que
guarda bem vivas as memórias de uma cidade repleta de portugueses. Quando o quartel-general da tropa passou de Lourenço Marques (actual Maputo) para Nampula, o movimento na cidade aumentou ainda mais. “Todos os militares que iam daqui para Moçambique, iam para Nampula e tínhamos muitos clientes da região” gião”, conta. Localizada bem perto da estrutura militar, “a Cinderela era o ponto de encontro em Nampula, das senhoras, dos oficiais, dos tenentes, dos coronéis” coronéis”. E os laços que se criavam entre proprietários e clientes eram bem fortes. “Não há como África para viver a todos os níveis. Em África todos nós somos uma família” mília”, recorda Maria Beatriz. Em Nampula, e com o negócio a correr de feição, o casal teve cinco filhos: Fernando, Jorge, Luís, Maria do Carmo e Paulo. Mas com a revolução de 1974, a família viu-se obrigada a regressar
Paula, Maria Beatriz e Jorge Delgado, o presente e o passado de uma casa que tem raízes em terras africanas
a Portugal. “Se não fosse o 25 vinha”, garande Abril, nunca vinha” te a mãe. De regresso ao país natal, a família foi viver para o Casal da Marinha e Manuel Delgado abriu uma loja de móveis em Rio Maior. Mas o patriarca da família sempre gostou de arranjar e restaurar máquinas de pastelaria e andava sempre à procura de um exemplar com que se pudesse entreter. Foi isso que o levou em 1986, à Padarias Reunidas de Alfeizerão, um estabelecimento na principal rua da vila. “Quando cá chegou o dono da pastelaria disse-lhe ‘a máquina só não vendemos, vendemos é tudo” tudo”, conta o filho, Jorge. “E o meu pai comprou” comprou”. A 1 de Março de 1986, Manuel Maria Delgado e Maria Beatriz Muchenga Delgado tornaram-se proprietários da Padarias Reunidas de Alfeizerão e mudam-se de armas e bagagens para esta localidade. “E eu toda a vida disse que era a última terra para onde ia”, ia” diz a mãe, garantindo que nunca tinha sequer ponderado voltar à sua freguesia de origem. Num pequeno espaço, praticamente reduzido a um balcão, pouco mais se vendia ali além de pão, arrufadas e tranças. Em redor, um quintal e barracões onde era guardada a lenha dos fornos. Toda a família ajudava no negócio. Uns anos depois de ter comprado a padaria, Manuel Delgado construiu um prédio, com a pastelaria no rés-do-chão. Inaugurado em Novembro de 1994, o
estabelecimento era uma réplica da pastelaria que o casal tinha explorado em Nampula. Até no nome. Nasce assim a “Cinderela de Alfeizerão”. Dos cinco filhos, apenas dois trabalhavam a tempo inteiro com os pais – Jorge e Paulo, um jovem com graves problemas de saúde. Os outros três irmãos seguiram rumos diferentes. Mas era Manuel Delgado que tratava de tudo o que tinha a ver com bolos e doces, da confecção à decoração. A esmagadora maioria dos produtos que ali se vendiam eram de fabrico próprio e a clientela foise fidelizando, não só os alfeizerenses, mas também pessoas vindas de outros pontos da região, sobretudo das Caldas da Rainha.
Nos meses de Verão passavam também pela “Cinderela de Alfeizerão” muitos dos veraneantes de São Martinho do Porto, alguns dos quais voltavam sempre, ano após ano. Jorge garante que pensou muitas vezes em mudar de vida. Aos 14 anos, ainda a viver no Casal da Marinha, o rapaz começou a dar serventia a pedreiros e ainda hoje diz que o que gosta mesmo é de andar nas obras. Ainda chegou a ser desafiado para emigrar e ir trabalhar para a construção na Suíça. Outra hipótese com que se deparou foi a de embarcar e de se juntar à vida de embarcadiço que o irmão escolheu. “Mas o meu pai comprou isto, foi um investimento muito grande, investiu aqui para dar
trabalho aos filhos e foi-se tudo embora” embora”, diz Jorge, explicando a razão que o levou sempre a ficar. “Chegou uma altura em que o meu pai, felizmente, já não precisava disto para viver e dizia ‘comprei isto para a gente e agora estou aqui sozinho, sou um escravo aqui dentro’ dentro’, e eu acabei por comprar a pastelaria. A 1 de Janeiro de 1999, Jorge Delgado torna-se proprietário da “Cinderela de Alfeizerão”. Ao seu lado estava a esposa, Paula Cristina de Sousa Delgado. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
Jorge Delgado (à direita), com os irmãos Fernando e Paulo, numa fotografia tirada na década de 90
Alfeizerão
20º Aniversário da Reelevação a Vila
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ula pela família Delgado
Localizada num local de passagem, a pastelaria tem como clientes muitas pessoas de fora, algumas das quais veraneantes de São Martinho
O estabelecimento da “Cinderela de Alfeizerão” é uma réplica do estabelecimento que Manuel e Maria Beatriz tiveram em Nampula
“Não sou pasteleiro, sou é muito curioso” Quando Jorge Delgado agarrou no negócio, o pai ainda se manteve a trabalhar no estabelecimento. “Eu sempre fui padeiro, o meu pai é que era o pasteleiro e fazia tudo sozinho”, da pastelaria corrensozinho” te às lampreias, passando pelos bolos de aniversário. Mas as coisas não correram muito bem entre pai e filho e Manuel deixou de trabalhar no estabelecimento cerca de cinco meses depois. “Foi muito complicado”, diz o filho. “Nunca plicado” tinha acabado bolo nenhum, no sábado seguinte tive logo quatro bolos de aniversário para fazer, chorei tanto. Comecei na sexta-feira à tarde, acabei à hora de entregar os bolos, nem escrever ‘parabéns’ sabia”, recorda Jorge. sabia” Ora… para grandes males, grandes remédios. No início da semana seguinte já Jorge Delgado estava em contacto com um primo, professor no Centro de Formação Profissional para o Sector Alimentar, na Pontinha. Pouco tempo depois estava a estudar, em horário pós-laboral. “Tirei decoração, que era o meu principal objectivo. Depois tirei massa folhada, semifrios, doçaria conventual, pastilhagem, andei uma parga de anos a caminho sorte”, de lá. Foi a minha sorte” lembra. À necessidade de aprender a fazer bolos e doces, juntou-se a
responsabilidade nas questões administrativas da empresa. “Nunca tinha mexido num papel, depois tive que fazer tudo, pagar aos empregados, patudo”. gar segurança social, tudo” Os primeiros tempos de Jorge à frente do negócio foram ainda marcados por várias obras no estabelecimento. Casado desde os 22 anos, Jorge tinha a esposa a trabalhar com ele, depois de esta ter sido dispensada de uma fábrica de cerâmicas onde trabalhou durante três anos. Paula chegou a estar num posto de venda que a “Cinderela de Alfeizerão” tinha em Vale Maceira e andar na rua, na distribuição de pão. Mas é ao balcão que Paula gosta de estar. “Eu nem me imagino a fazer outro trabalho”, afiança. “Às vezes tenho lho” que passar algum tempo no escritório mas aquilo para mim é uma morte, não vejo ninguém” ninguém”. Além da distribuição de pão e do posto em Vale Maceira, o estabelecimento teve ainda um posto no mercado da vila. E durante algum tempo a “Cinderela de Alfeizerão” fez revenda de bolos para outros estabelecimentos. Hoje, mantém-se apenas a distribuição e a pastelaria que, garantem os proprietários, granjeou fama não só em Alfeizerão, mas também nas terras vizinhas e foi conquistando ao longo dos anos muitos clientes habituais. “Eu segui a linha do meu pai. Há sítios onde se en-
chem os bolos de manteiga fresca, aqui não. A linha do meu pai é muito tradicional, coisinhas leves, e os bolos não são muito carregados. A base é o doce de ovos, a não ser que o cliente peça outra coisa, e sempre pouquinho”, explica Paulo, que se foi quinho” habituando a fazer um pouco de tudo. “E é uma cópia do pai” pai”, garante a mãe. Ultrapassados os problemas dos primeiros meses, a relação entre Jorge e Manuel normalizou e o pai voltava à pastelaria para dar uma mão ao filho nas épocas mais festivas, em que as pessoas procuram mais bolos, como o Natal e a Páscoa. Há uns anos, Manuel teve um acidente nas vésperas de Natal, “e eu tive que me desenrascar sozinho. Nunca tinha feito uma lampreia, tive vida”, explica que me fazer à vida” Jorge. “Eu costumo dizer que não sou pasteleiro, sou é muito curioso. Ponho-me a inventar, a pensar no que o fazia”, acrescenta. meu pai fazia” Não obstante, a qualidade é algo que não dispensa, tal como acontece com o pormenor com que os bolos saem da sua cozinha. “Eu demoro muito mais a acabar um bolo, mas é tudo feito à mão, como embonecos”. A única blemas e bonecos” excepção é quando o bolo leva uma fotografia. Já Paula diz que a única coisa que faz na cozinha são as trouxas de ovos. “Não se pode apren-
der muito lá dentro, senão ele pasta”, diz. passa a pasta” Mas Jorge era capaz de deixar de fazer doces? “Era, vou ser muito sincero. Eu faço isto, gosto”. E ao contrário mas não gosto” do que possa parecer, a confissão não traz nenhum arrependimento por ter agarrado no negócio iniciado pelo pai. “Os primeiros anos foram muito difíceis, mas tudo o que eu tenho é fruto aqui”, afirdo meu trabalho aqui” ma. Mas há outra razão para Jorge não se arrepender. O pai faleceu em 2007 e Jorge esteve sempre do lado dele. “Sinto-me feliz porque usufrui o máximo do meu pai” pai”. E o mesmo diz do irmão mais novo, que faleceu aos 32 anos, e que “já bem doente continuava a ajudar” no negócio. “Se tivesse ido embora não podia mesmo”, aponta Jorge. dizer o mesmo” Se o passado é olhado sem mágoas, o futuro é ainda muito incerto. Jorge e Paula têm dois filhos – Inês de 16 anos e Francisco de 12 – e ambos ajudam os pais nos negócios. “A minha filha ajuda-me muito. Eu fui de férias e ela fez-me aí uma mão cheia de bolos sozinha”, sozinha” diz o pai. Mas os planos de futuro da rapariga parecem passar muito ao lado da pastelaria. Com o filho a história é outra.. “O meu filho não gosta nada disto. Vemme ajudar e quando vou a está”. E a avó olhar já cá não está” acrescenta: “foge daqui como cruz”. o diabo da cruz” “Não vou pressionar para
eles continuarem aqui” aqui”, garante o pai, mas admite que gostava que os filhos lhe seguissem as pisadas, “principalmente porque se eles ficarem aqui eu tenho capacidade de os ajud a r ””. Com oito funcionários e um volume de negócios de 150 mil euros anuais, a “Cinderela de Alfeizerão” é, tal como era a “Cinderela” em Nampula, um ponto de encontro, sobretudo para os amigos dos proprietários. “Temos um grupo de amigos que todos os dias vem aqui tomar o pequeno-almoço connosco às 8h00”, diz Jorge, que orienta o 8h00” seu trabalho para que, a essa hora, se possa sentar em amena cavaqueira com os companheiros, “já anos”. lá vão mais de dez anos” Em plena estrada que liga a A8 a S. Martinho do Porto, o estabelecimento atrai ainda muita gente de passagem. Clientes que param ali
todos os anos, “que se mantêm desde que a casa abriu” abriu”, garante Maria Beatriz, que assistiram ao crescimento dos filhos dos actuais proprietários. E entre as iguarias que os fazem parar há algumas especialidades de uma casa onde tudo é fabrico próprio, à excepção das tranças. A “Cinderela de Alfeizerão” é a única da terra a fazer pastéis de cerveja, muito semelhantes aos pastéis de Lamego, mas sem amêndoa. “Também somos os únicos a fazermos bolos secos aqui e sou tudo”, afirma Joreu que faço tudo” ge Delgado. Tentações para provar num estabelecimento que apenas está fechado ao domingo à tarde e nos dias de Páscoa, Natal e Ano Novo. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
Cronologia 1942 – Nascem Manuel Maria Delgado e Maria Beatriz Muchenga Delgado 1953 – Manuel vai trabalhar como pasteleiro para a Pastelaria Machado 1959 – Maria Beatriz vai servir ao balcão na Pastelaria Machado 1960 – Manuel Delgado vai cumprir o serviço militar para Moçambique e acaba por ficar 1966 – Manuel e Beatriz casam por procuração e ela vai juntar-se ao marido em Nampula, onde têm cinco filhos e abrem a pastelaria “Cinderela” 1970 – Nasce Jorge Manuel Delgado 1972 – Nasce Paula Cristina de Sousa Delgado 1974 – Dá-se a Revolução do 25 de Abril e a família regressa a Portugal 1986 – Manuel Delgado compra a Padarias Reunidas de Alfeizerão 1994 – É construído o actual estabelecimento, uma réplica da pastelaria que os proprietários tinham em Moçambique 1999 – Jorge Manuel compra o negócio iniciado pelo pai, que desde então gere com a esposa, Paula Delgado 2007 – Morre o fundador das Cinderelas de Nampula e de Alfeizerão, Manuel Maria Delgado
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Centrais
19 | Agosto | 2011
UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Caci-Sport - é loja referência na caça e pesca há 26 a
Pedro Santo (33 anos) é filho de Francisco Santo (61 anos) e formam as duas gerações da Caci-Sport
A ligação de Francisco Santo, nascido em 1950, à venda de artigos para caça e pesca começou aos 12 anos, quando foi trabalhar para a J. L. Barros em 1962. Esta era na altura a única loja destes artigos nas Caldas da Rainha e lá desempenhou diversas tarefas. Recorda que no início da sua actividade profissional as canas de pesca eram feitas na empresa, com canas da índia colhidas pelos próprios funcionários numa quinta nos arredores de Coimbra, nas margens do Mondego. Na altura ia numa camioneta para Bencanta, com três ou quatro homens, mais três ou quatro no carro de César Lourenço, um dos sócios da J. L. Barros. Partiam às 5 horas da madrugada para estar três ou quatro horas depois em Coimbra. Enchiam a camioneta com molhos de cana da índia e já ia alta a noite quando regressavam às Caldas. As canas iam para um armazém que tinham no Casal do Nobre secar durante um ano. Depois a tarefa era endireitálas. “Eram aquecidas nos elos com um fogareiro a gás para ficarem direitas e depois o senhor Vilaverde cortava-as, fazia os encaixes e punha os espaçadores para fazer as canas de pesca” pesca”, recorda Francisco Santo. O então empregado da J. L. Barros foi progredindo dentro da empresa e depois de regressar do serviço militar, cumprido em Angola entre 1972 e 1974, passou a ser responsável pela parte de caça e pesca da firma. Por lá ficou mais 15 anos, até
14 de Maio de 1985, um dia que recorda por ter sido o último em que trabalhou na J. L. Barros. Saiu para formar o seu próprio negócio, aproveitando o bom momento que aquele sector atravessava. “Chega uma altura em que começamos a procurar novos horizontes para a nos-
de Outubro foi buscar o alvará a Lisboa. Trouxe também 20 espingardas de vários importadores. “Numa semana venderam-se todas” todas”, recorda Francisco Santo. A experiência e a confiança que tinha com os clientes no J. L. Barros ajudaram também a ultrapassar as dificuldades de
O proprietário da Caci-Sport com Tozé Xavier, pescador caldense que foi Campeão do Mundo de pesca
na região que garantia o bom funcionamento da casa. “Fornecíamos a maior parte dos clubes das aldeias, tanto na caça, como na pesca, e também fornecíamos equipamentos aos clubes de futebol” bol”, conta Francisco Santo. Havia ainda outro artigo - os troféus, que dava bastante
alta, “porque, para além do movimento habitual, tínhamos dias inteiros de gravações de medalhas e taças no pantógrafo. Hoje isso é feito por computador, é mais rápido e sai sempre perfeitinho” nho”, nota Francisco Santo. Com a desaceleração nas vendas, quer pela quebra na pro-
A Caci-Sport abriu em 1985 e é hoje a única sobrevivente do negócio das armas de caça nas Caldas da Rainha. Aos 35 anos e com 23 de experiência no ramo, Francisco Santo fundou a loja aproveitando uma época em que a caça estava bastante em voga. Para além dos artigos de caça, a loja começou por oferecer um leque bastante abrangente de artigos de desporto. Actualmente Francisco Santo tem já a companhia do filho, Pedro Santo, numa loja que se especializou sobretudo na caça e na pesca, modalidades que sempre serviram de âncora para o negócio. sa vida e aquela era uma altura de grande incremento, principalmente na caça e espingardaria e justificava abrir outra loja nas Caldas” das”, conta Francisco Santo. Um mês e meio depois, a 29 de Junho, abria a Caci-Sport em nome individual, no número 28 A da Rua Henrique Sales. A loja funcionava já em pleno, excepto a parte da caça, cujo processo para conseguir alvará era mais moroso. Para obter o alvará de armeiro era preciso ultrapassar muita burocracia. Valeu-lhe muitos anos de experiência no ramo e de ter trabalhado com um elevado número de armas “porque o J. L Barros era importador” tador”, sublinha. Neste processo Francisco Santo salienta ainda o papel do comissário Barroso da PSP das Caldas, “que sempre me encorajou” encorajou”. O processo acabou por ter um desenvolvimento rápido e a 4
qualquer arranque de negócio. Francisco Santo lembra-se de ter pensado que se conseguisse cativar 10% dos clientes da loja onde antes trabalhava já conseguiria sobreviver, mas depressa ultrapassou esse objectivo. “Dois, três meses depois de abrir já tinha cerca de 90% dos clientes que contactavam comigo no J. L. Barros a virem aqui à loja, e a partir daí as coisas foramse movimentando” movimentando”, diz. Apesar de se alicerçar sobretudo na caça e na pesca (que eram as duas modalidades onde Francisco Santo estava mais especializado), a casa comercializava ainda botas e bolas para futebol e futebol de salão (hoje futsal), e equipamentos para as equipas. O final da década de 80 e durante quase toda a década de 90 foram tempos dourados, com bastante actividade desportiva
movimento à loja, sobretudo no Verão, na época dos grandes torneios de pesca realizados pelos clubes da região. “Havia concursos de pesca com taças de prata e mais de 300 pescadores, mais os torneios de futebol, no tempo das vacas gordas...” das...”, sublinha. Nesta época também levou algumas equipas a torneios e apoiava nas entregas de prémios com algumas taças. Chegou também a colaborar com a Gazeta das Caldas na atribuição dos prémios de melhor marcador do Caldas Sport Clube, quer nos seniores, quer nas camadas jovens. “Sobretudo pelo gosto de participar e colaborar, mas isso também ajudava a divulgar a loja” loja”, sustenta o proprietário da loja. O estabelecimento chegou a ter cinco funcionários. Justificava-se sobretudo na época
cura de alguns artigos, quer pela abertura de novas casas de desporto na cidade, deixou de se justificar ter uma oferta tão variada. Hoje a Caci-Sport tem apenas duas pessoas, Francisco Santo e o filho, Pedro, e concentrando-se naquelas duas modalidades âncora que levaram o proprietário a lançar o seu próprio negócio: a caça e a pesca. “Antes as fábricas vendiam às lojas e as lojas vendiam aos clubes, hoje as marcas vendem directamente aos clubes e eles já não precisam de vir às lojas e isso levou-nos à especialização” especialização”, explica Francisco Santo. A CAÇA COMO BASE DO NEGÓCIO No início do negócio, os artigos de caça eram os que mais movimento davam à loja e também aqueles que Francisco
Santo mais gostava de trabalhar. “Quando vim, pensei ter a caça como base e a pesca para os tempos livres. Já era o sector da minha responsabilidade directa na J. L. Barros e eu delegava nessa altura a pesca noutra pessoa” pessoa”, recorda. Desde que abriu a loja, chegaram a haver cinco espingardarias nas Caldas, mas todas acabaram por fechar. A razão para continuar aberto é, acredita, a relação de confiança que consegue com os clientes. Francisco Santo não se limita a vender armas e munições. Trata também de toda a documentação necessária, desde a licença de caça à licença de porte de arma. As licenças são anuais e um dia com uma licença caducada é considerado posse ilegal de arma. “Quando as pessoas estão com os documentos para caducar envio uma carta a avisar e as pessoas ficam sensibilizadas porque por vezes nem se lembram de quando caduca” duca”, diz o armeiro. É uma forma de cativar o cliente, até porque hoje em dia a licença pode ser renovada no multibanco, mas Francisco Santo continua a fazê-lo porque “mais que o cliente são os amigos que se criam” criam”, sublinha. Não é só nas Caldas que as dificuldades têm feito fechar casas de armas. Para além dos clientes habituais, Francisco Santo tem notado uma crescente afluência de clientes de
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19 | Agosto | 2011
anos nas Caldas da Rainha
Francisco e Pedro Santo (segundo e terceiro a contar da direita) com uma equipa da Ca ci-Sport Cac num torneio em Óbidos. Da equipa faziam parte quatro colaboradores da loja e alguns amigos
Alcobaça e Rio Maior, onde também há casas deste género a fechar. O negócio das armas tem sofrido algumas mutações, por alterações na legislação, mas também no próprio mercado. Até 2006 os armeiros só podiam vender armas de caça. Apenas uma casa por distrito podia vender armas de defesa pessoal e de caça grossa, uma lei que datava de 1949. Depois de 2006 todos os armeiros podem vender todos os tipos de armas e munições que a lei permite, mas a verdade é que o mercado está bastante menos competitivo. “Antes as pessoas vinham procurar armas para lazer, armas de caça e armas para as modalidades desportivas, as de 22 milímetros, mas hoje todos os dias entram pessoas a perguntar se queremos comprar a arma que têm em casa, porque está velha, porque incomoda, porque as licenças estão caras...” caras...”, descreve Francisco Santo. Assim, se a caça era o negócio de referência no arranque e a pesca um complemento, hoje ambas têm peso idêntico, fornecendo material, quer para os pescadores profissionais, sobretudo os marisqueiros da lagoa, quer os pescadores de lazer ou de ocasião. A casa fornece também material para os marisqueiros da Lagoa de Óbidos, como fatos e máscaras. Tal como na caça, esta vertente também já foi melhor devido às restrições que têm sido feitas na captura
de marisco, mas Francisco Santo adianta que ainda são estes os que mexem mais com o negócio. O proprietário da loja conta que, além da compra de iscos e por vezes de material novo, estes pescadores reúnem-se na loja quase diariamente para contar as suas experiências. “É uma tertúlia, contam o que apanharam, como e onde, às vezes do que não apanharam, falam do material e às vezes as escolhas de uns influenciam os outros” outros”, refere. É uma das características destas casa e que já era assim no J. L. Barros, quando um grupo de pescadores se reunia à volta de António Vilaverde, que era quem reparava as canas. As canas de pesca e os seus diversos componentes - que podem ser comprados separadamente, como os carretos são a parte mais visível do negócio, mas pode-se encontrar de tudo na Caci-Sport, incluindo iscos vivos. As canas existem para todos os gostos e carteiras e sofreram uma evolução tremenda desde que Francisco Santo começou a trabalhar nesta área. A velhinha cana da índia foi há muito ultrapassada. Foi primeiro substituída pela fibra canelon, de origem alemã “que nem todos podiam comprar” comprar”, lembra Francisco Santo. Depois surgiu a fibra de carbono, hoje o material por excelência das canas. “É uma cana muito mais leve. Antes uma cana podia pesar 1 kg hoje pesa 100
gramas, consegue-se um lançamento maior e fazer muitos lançamentos sem causar problemas nas costas, as canas aguentam chumbadas mais pesadas, é a revolução tecnológica” tecnológica”, sublinha. Evolução que não se esgota na estrutura das canas. “Surgem coisas novas quase todos os dias, por exemplo, fios que não se vêem dentro da água... há uma evolução constante e há pescadores muito interessados e conhecedores” conhecedores”, acrescenta. Na Caci-Sport Francisco Santo tem clientes de há muitos anos. “Sabemos que hoje em dia as pessoas compram aqui e ali, mas sinto que tenho uma franja de clientes que vem cá regularmente, o que é um sinal positivo” positivo”, acredita. Hoje em dia as grandes superfícies também providenciam material de pesca que pode concorrer com a loja, mas Francisco Santo acredita que a venda personalizada é a melhor solução neste ramo. “ N a s grandes superfícies não há quem explique tecnicamente como as coisas funcionam e por vezes acaba por se comprar o que não se quer, enquanto que aqui as pessoas sabem que têm esse aconselhamento e nós garantimos assistência, o que também é importante” importante”, salienta o proprietário da loja. Joel Ribeiro jribeiro@gazetacaldas.com
A loja colaborou vários anos com a Gazeta das Caldas com os prémios de melhor marcador. Nesta foto do início dos anos 90 entregou o prémio a Hermes
Ligação ao desporto faz Pedro Santo continuar o negócio do pai A Caci-Sport teve quase sempre ligações familiares. Já antes do filho Pedro Santo, nascido em 1978, ter integrado a loja, já a esposa de Francisco Santo, Manuela, lá tinha trabalhado entre 1990 e 2002. Pedro Santo abraçou o negócio do pai depois de concluído o ensino secundário, conciliando a actividade na loja com um projecto próprio - a Proride Eventos - uma empresa que importa uma marca de bicicletas para Portugal e organiza eventos também ligados às bicicletas. A ligação de Pedro Santo com o desporto vem de sempre. “Pratiquei vários desportos, alguns com ligação à loja, como o hóquei em patins” patins”, conta. Como o pai, Pedro Santo tem licença de caçador e de pescador, mas ao contrário de Francisco Santo prefere a pesca à caça. “Para a pesca basta ter uma licença que custa seis euros e é pegar na cana e ir. De há um ano para cá não tenho ido porque tenho dois filhos pequenos, mas antes preferia ir à praia”, pesca do que ir à praia”
acrescenta. Tal como em tantas empresas familiares, também Pedro Santo vinha para a loja nos tempos livres, depois da escola, e como nada o seduziu em particular quando acabou o 12.º ano de escolaridade, lançou-se no seu projecto pessoal e foi trabalhar para a Caci-Sport. “Sempre gostei de praticar desporto, mas isso não é profissão, a não ser para quem tem muito jeito o que não era o caso, e quando terminei o ensino secundário vim logo para aqui” aqui”, recorda. Nestes 10 anos ajudou a acrescentar coisas à loja “e dei um empurrão para que a disposição da loja fosse mais do estilo self-service pois as pessoas entram e escolhem o que querem” querem”, diz Pedro Santo. A parte informática passa também quase toda pelo filho do fundador da firma: “também já chegámos a ponderar ter loja online, que ainda não concretizámos mas queremos fazer” fazer”. Apesar de considerar este um ramo complicado, Pedro Santo vê-se a continuar o ne-
gócio quando o pai se aposentar. “Hoje só é caçador quem gosta mesmo, porque as leis são cada vez mais apertadas, a agricultura também já não é o que era e por isso também já não há uma quantidade de animais como existia antigamente, mas felizmente ainda há bastantes caçadores e a concorrência também diminuiu um bocado. Na pesca a concorrência é maior, mas enquanto resultar cá estarei” estarei”, adianta Pedro Pedro Santo. J.R.
CRONOLOGIA 1950 - Nasce Francisco Santo
1962- Iniciou a actividade na J. L. Barros, já no departamento de caça e pesca 1978- Nasce Pedro Santo 1985 - Francisco Santo abre a Caci-Sport em nome individual 2001- O filho Pedro Santo junta-se à loja 2006- Abertura à venda de todo o tipo de armas permitidas por lei
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Das lojas em Lisboa do pai à Frigotevê iniciada pelo
Avelino Monteiro em criança com os pais, Casimira e Avelino Monteiro
PARTIU PARA LISBOA COM O CORAÇÃO NAS CALDAS Avelino Santos Monteiro nasceu na Serra D’El Rei a 24 de Julho de 1935. Os pais eram agricultores e Avelino Monteiro começou a ajudálos com sete ou oito anos. Os meus pais diziam-me “Os que eu não gostava nada da agricultura, o que era verdade, mas agora com 75 anos sempre que tenho tempo dedico-me à agricultura cultura”, comentou. Depois de terminar a quarta classe na escola primária da Serra D’El Rei, entrou no Instituto D. Luís de Ataíde, em Peniche, para fazer o curso comercial. Como aquele estabelecimento de ensino era uma escola particular, para fazer
o exame final do ciclo preparatório necessitou de ir para a Escola Industrial e Comercial Rafael Bordalo Pinheiro.
Luís e Avelino Monteiro dividem a gestão da Frigotevê
que entretanto o seu pai, “que estava também farto da agricultura agricultura”, comprou um táxi e foi para Lisboa ser ta-
so comercial em Lisboa. Em 1955 foi para a tropa e acabaria por escolher o quartel das Caldas para dar instru-
Lisboa, a ligação à Serra D’ El Rei estreitou-se e quase todos os fins-de-semana rumavam a esta aldeia.
Foi em Lisboa que o fundador da Frigotevê começou a trabalhar com a venda de electrodomésticos, mas Avelino Monteiro, embora tenha nascido na Serra D’El Rei, sempre teve uma grande ligação às Caldas da Rainha, onde estudou, fez a tropa e onde acabou por abrir a loja que ainda hoje mantém. A Frigotevê foi inaugurada em 1982 na rua das Montras e começou por ser gerida pelo seu filho, Luís Monteiro, mas há quase 20 anos que as instalações são na rua Sebastião de Lima. Avelino Monteiro divide agora a gestão da loja com o seu filho, depois de ter tido um outro estabelecimento de electrodomésticos em Lisboa, que trespassou em 2000. O fundador da empresa é casado com Maria de Lurdes Rodrigues Monteiro, com quem teve dois filhos. Luís Rodrigues Monteiro dedicou-se ao mesmo negócio que o pai, mas a irmã, Sílvia Monteiro, licenciou-se em Gestão de Empresas na Universidade Católica e actualmente dedica-se às explicações de Matemática, depois de ter sido bancária. Na loja trabalham pai e filho e dois funcionários, um dos quais presta serviço principalmente fora do estabelecimento. Como gostei mais disto, “Como acabei por vir estudar para as Caldas Caldas”, o que aconteceu quando tinha 14 anos. Acabou por ficar apenas um ano lectivo nas Caldas porque
Mas esse ano em xista. “Mas que estive cá nas Caldas foi o suficiente para criar m u i t a s a m i z a d e ss”, disse Avelino Monteiro. Acabou por terminar o cur-
Pai e filho com os dois funcionários da loja (Margarida Paz Moldes e António Alves)
Tinha ficado com as ção. “Tinha Caldas no coração e por isso preferi vir para cá do que ir para Lisboa, onde estavam os meus pais pais”, contou. Cumprido o serviço militar, em 1957 começou a procurar emprego em Lisboa e acabaria por ficar a trabalhar nos serviços administrativos do jornal Diário de Notícias. Em 1961 Avelino Monteiro casa-se com Maria de Lurdes Rodrigues, que também nascera na Serra D’El Rei e que conhecia desde criança. Os verões eram sempre passaEu dos na sua terra natal. “E gostava era da Serra. No verão havia festas em todas as aldeias ali à volta e podíamos andar de um lado para o outro de bicicleta cleta”, recordou o comerciante. Depois de se casar, embora o casal ficasse a morar em
DO JORNAL A UMA LOJA DE FOTOGRAFIA E AOS ELECTRODOMÉSTICOS Avelino Monteiro esteve cerca de sete anos a trabalhar como empregado de escritório no Diário de Notícias, mas fartou-se de fazer sempre a mesma coi“fazer sa sa”. Via os seus colegas mais velhos, que já estavam há décadas no mesmo posto de trabalho, e decidiu procurar outra profissão. Começou a responder a anúncios e acabou por ir, em 1964, trabalhar na área da contabilidade na ILPA - Indústria e Laboração de Produtos Agrícolas, que tinha uma fábrica em Arruda dos Vinhos e escritórios em Lisboa. Ficou dois anos naquela empresa e voltou a pensar em muNaquela altura havia fadar. “Naquela cilidade em arranjar empregos. Eu achava que em quantos mais ramos trabalhasse, mais experiência adquiria adquiria”, explicou.
Nessa altura mudou-se para a loja J.C. Alvarez, na rua Augusta, que se dedicava à venda de material fotográfico e filmes para radiografias. A entrada no mundo dos electrodomésticos deu-se em 1968, quando foi tratar da contabilique dade na ML Ferreira, Lda, “que tinha lojas do ramo muito conhecidas em Lisboa Lisboa” e era propriedade de Manuel Luís Ferreira. A seguir ao 25 de Abril de 1974, havia três ou quatro empre“havia sários que tinham várias lojas do ramo dos electrodomésticos, eram os magnatas daquilo, e tiveram que fugir para o Brasil Brasil”. O patrão de Avelino Monteiro também começou a recear que houvesse alguma revolta dos seus funcionários. Foi então que Avelino Monteiro propôs a Manuel Luís Ferreira que fizessem uma sociedade para abrir um novo estabelecimento, para onde levaria comigo os “para mais revolucionários revolucionários”. A Milrádio – Equipamentos Radioeléctricos, Lda, abriu em 1975 na rua Dona Estefânia, onde ainda hoje existe (com outro proHouve pessoas prietário). “Houve que se admiraram e até criticaram, por abrir uma loja numa altura como aquela, a seguir ao 25 de Abril quando tudo estava com medo medo”, referiu. A sociedade Milrádio – Equipamentos Radioeléctricos, Lda, era dividida a 50% entre Avelino Monteiro e o seu antigo patrão, Manuel Luís Ferreira. Dez anos depois de esta ser criada, Avelino Monteiro comprou a quota do seu sócio.
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26 | Agosto | 2011
filho nas Caldas
Avelino Monteiro e a sua mulher, Maria de Lurdes, e os seus dois filhos ao centro (Luís e Sílvia)
A PRIMEIRA LOJA NAS CALDAS O filho, Luís Alberto dos Santos Rodrigues Monteiro, estudava numa escola que ficava perto da Milrádio e começou a ajudar na loja. Luís Monteiro nasceu em Lisboa a 25 de Setembro de 1972 e desde pequeno que se lembra de ir à loja do pai. Recorda-se sobretudo de estar no estabelecimento nas vésperas de Natal, quando havia bolo-rei para todos a seguir a fechar-se a loja. Quando acabou o 12º ano, pediu ao pai para deixar a escola e dedicar-se ao negócio da família. Já antes disso trabalhava na loja, com Avelino Monteiro a fazer questão de que o filho começasse pela entrega dos electrodoméstipara saber como éé”. A cos, “para tarefa tornava-se complicada quando era necessário subir prédios com oito ou nove andares porque os electrodomésticos não cabiam nos elevadores. Luís Monteiro acabou por se tornar vendedor e o pai começou a pensar que seria bom arranjar uma loja para o filho gerir. Como a família mantinha uma ligação às Caldas, onde costumavam ir nos fins-de-semana que passavam na Serra D’El Rei, Avelino Monteiro reparava que havia poucas lojas de electrodomésticos nesta cidade. Uma delas era a Casa Anselmo, na rua das Montras, que fechou em 1980. Dois anos depois Avelino Monteiro ficou com o trespasse desse estabelecimento e abriu a Frigotevê, Comércio de Electrodomésticos, Lda, com a gerência de Luís Monteiro, que tinha então 19 anos. Era uma loja muito bonita “Era e grande, com candeeiros de cristal e a vender frigoríficos americanos, da marca Miele Miele”, lembrou entusiasmado Avelino Monteiro. Pagou pelo trespasse cerca de cinco mil contos (25 mil euros) e
não precisou de fazer obras de adaptação. O material para vender veio do seu armazém em Lisboa. Por isso, o investimento inicial não foi muito grande. Tal como o pai, Luís Monteiro gostava muito das Caldas, para onde costumava ir aos fins-deNa altura foi semana à noite. “Na muito bom, até porque fomos para uma zona de excelência das Caldas, na rua das Montras tras”, referiu. Só que três anos depois fizeram uma proposta pelo trespasse da loja na rua das Montras. Embora Avelino Monteiro tenha pedido um valor que achava exagerado - 125 mil euros - o negócio acabou por se concretizar. O filho já estava habituado à vida nesta região (morava com os avós na Serra D’El Rei) e não gostou muito da decisão do pai em trespassar o estabelecimento porque queria continuar nas Caldas, mas Avelino Monteiro descansou-o logo, dizendo que vamos resolver isso “vamos isso”. Pouco tempo depois, Avelino Monteiro comprou uma primeira loja na rua Sebastião de Lima, mas as suas dimensões não eram suficientes para este tipo de negócio e o comerciante decidiu arrendar um outro estabelecimento na rua Coronel Andrada Mendonça. Em 1989 decidiram mudar-se para uma outra loja maior na rua Sebastião de Lima, onde ainda hoje funciona a Frigotevê, e fecharam os outros dois estabelecimentos. O REGRESSO DE LISBOA Entre 1993 e 2000 Luís Monteiro ainda teve uma outra experiência profissional, desta vez a trabalhar numa empresa de catering que fornecia refeições para viagens de avião. Sempre tinha sonhado em ser comissário de bordo e essa foi a altura em que
esteve mais próximo desse sonho. Em 1994 casou-se com uma canadiana e mudou-se para o Canadá, mas separou-se em 1999. Sete anos depois de ter saído da Frigovoltar à casa tevê resolveu “voltar mãe mãe”. A filha de Avelino Monteiro também se casara e tinha vindo viver nas Caldas, o que fez com que o comerciante também reEu solvesse abandonar a capital. “Eu é que gostava das Caldas, mas afinal os meus filhos é que tinham vindo para cá e eu continuava com a minha mulher em Lisboa Lisboa”, comentou. Em 2000 trespassou a loja na capital, a um antigo vendedor da Philips. A altura em que fez esse negóQuando cio terá sido a melhor. “Quando encontro alguns dos meus colegas de Lisboa dizem sempre que eu soube ir embora a tempo tempo” porque entretanto o negócio de venda de electrodomésticos começou a ressentir-se naquela zona. No entanto, a visão que Avelino Monteiro tinha das Caldas era diferente do que veio encontrar. Aquilo que eu adorava já só “Aquilo acontece de dia porque há noite não se vê ninguém nas ruas ruas”, comentou. Decidiu por isso ficar a morar na Serra D’El Rei, embora vá às Caldas quase todos os dias. Pai e filho dividem actualmente o tempo que passam na loja, até porque Luís Monteiro começou a investir na área da restauração. Está a explorar o café Central e o Cocktail Bar na ilha do Baleal, em sociedade com Bruno Este tipo de negóSebastião. “Este cios ainda é o que se ressente menos com a crise, até porque estamos num sítio de excelência e com muito turismo, principalmente ligado ao surf surf”, referiu. Pedro Antunes pantunes@gazetacaldas.com
Na Frigotevê vendem-se principalmente grandes electrodomésticos, como máquinas de lavar e frigoríficos
Electrodomésticos estão mais baratos, mas duram menos tempo Segundo Avelino Monteiro, desde que começou no sector dos electrodomésticos, na década de 70 do século passado, as mudanças não foram tantas como se As máquinas pode pensar. “As que vendíamos são praticamente as mesmas que vendemos agora - fogões, frigoríficos e máquinas de lavar roupa ou de louça louça”, adiantou. As novas tecnologias que mais o surpreenderam foram as televisões como os plasmas e LCDs, pela reduzida dimensão. Nos outros electrodomésticos houve alguma evolução, mas a a qualidade verdade é que “a também já não é o que era era”. Antigamente, Avelino Monteiro podia garantir aos seus clientes, quando vendia uma máquina ou frigorífico, que estes podiam dumas agora digo rar 30 anos, “mas sempre aos clientes que isso já não existe existe”. Por outro lado, os electrodomésticos são agora mais baratos do que eram há décadas. A concorrência das lojas das grandes superfícies fazem alguma mossa, mas a verdade é que Avelino e Luís Monteiro garantem que têm melhores preços. Nos frigoríficos, nas má“Nos quinas, nas arcas e nos fogões eu tenho melhores preços. Eles só conseguem preços mais baixos naquelas marcas que ninguém conhece, mas nas marcas conceituadas não não”, adiantou Avelino Monteiro, sugerindo às pessoas que façam a comparação. O seu que às vezes o filho salienta “que muito barato depois sai caro caro”.
Só em relação às televisões é que sabe que não consegue competir porque estão sempre a evoSó tenho luir e a baixar de preço. “Só alguns à venda porque tenho clientes que não vão comprar a outro lado e eu tenho que ter para lhes poder vender vender”, referiu o fundador do negócio. É a relação que estabeleceu ao longo dos anos com os seus clientes que lhe garante a segurança Nós de continuar neste ramo. “Nós temos uma clientela muito dedicada dicada”, salientou Avelino MonOs clientes são todos teiro. “Os meus amigos e tenho um funcionário que anda praticamente o dia todo a dar apoio a eles eles”, explicou. Há também quem não possa pagar a totalidade dos equipamentos que compra e por isso facilitam o pagamento em várias prestações a quem já conhecem. Apesar de tudo, não têm notado muito a crise. A facturação, cujo volume preferiram não revelar, só baixou cerca de 10% em 2009 e temse mantido constante. Embora o negócio continue a correr bem, Avelino Monteiro não acredita que este possa vir a ser continuado pelos seus netos (Madalena de seis anos e Rodrigo de 12, filhos de Sílvia Monteiro) e até acha que o seu filho possa escolher um outro caminho dentro de anos. Com a evolução que isto “Com está a ter, as pessoas nem vão precisar de ir às lojas e vão comprar tudo pela Internet Internet”, diz. O filho não é tão pessimista e lembra que há clientes que já vêm Continuam de outras gerações. “Continuam a vir aqui os filhos e até netos
dos mais idosos idosos”, revelou. Luís Monteiro gostaria que a rua Sebastião de Lima tivesse outra atenção por parte dos poSe houvesse deres públicos. “Se mais iluminação e se a rua fosse arranjada, haveria mais pessoas a passar por aqui aqui”, considera. P.A.
CRONOLOGIA 1935 – Nasce Avelino Santos Monteiro
1957 - Começa a trabalhar como empregado de escritório no Diário de Notícias 1961 – Avelino Monteiro casa-se com Maria de Lurdes Rodrigues 1972 – Nasce o filho do casal, Luís Monteiro 1964 - Avelino Monteiro vai trabalhar para a contabilidade da ILPA - Indústria e Laboração de Produtos Agrícolas, em Lisboa 1966 – Novo emprego de Avelino Monteiro na loja de fotografia J.C. Alvarez 1968 – Entra no ramo dos electrodomésticos na ML Ferreira, Lda, em Lisboa 1975 - Cria uma sociedade com o seu antigo patrão e abre a loja Milrádio, na rua Dona Estefânia, em Lisboa 1982 – Abre a Frigotevê, na rua das Montras 1989 – Mudam-se para as actuais instalações na rua Sebastião de Lima 2000 – Avelino Monteiro trespassa a loja de Lisboa e vem morar para a Serra D’El Rei
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2 | Setembro | 2011
UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Família Noronha dedica-se à agricultura há
Virgílio Noronha com o pai, António Noronha, a plantar um pomar de maçã, em 1993
Nascido em 1943, António Noronha foi, como a grande maioria dos jovens da sua geração, cumprir o serviço militar no então designado Ultramar Português. Partiu para Angola com 23 anos e regressou dois anos depois para a sua terra natal. Aos 25 anos, casa-se com Conceição Noronha e, como cresceu numa família de agricultores, as expectativas de futuro naquele sector eram grandes. Corria do ano de 1968 quando plantou as primeiras vinhas, aproveitando os terrenos da família, na freguesia de Alvorninha. Nessa altura, o sogro, Mário Caetano, que também era agricultor, cedeu-lhe mais algumas terras, que também aproveitou para a actividade vinícola. António Noronha chegou a produzir mais de 100 pipas de vinho, mas nos seus campos havia também árvores de fruto, que ia plantando. Entretanto, começou a “fazer contas” e apercebeu-se que o pomar se tornara mais lucrativo do que a vinha e
passa a investir mais na plantação de maçã e pêra Rocha. Em finais da década de 70, António Noronha comprou uma prensa hidráulica e começou a fazer
servar a fruta, passando-lhe também os terrenos para cultivar. O agricultor acata a sugestão do sogro e constrói duas câmaras frigoríficas, uma para pêra e ou-
Três gerações da família Noronha junto a um pomar prestes a ser colhido
centando que na freguesia de Salir de Matos, onde se situavam as suas, havia apenas dois produtores com este equipamento. António Noronha continuou a
O filho do meio do casal, Virgílio Noronha, nascido em 1969, seguiu as pisadas do pai. As duas irmãs, Ana Maria (46 anos) e Alexandra (29 anos), seguiram outros rumos
O conhecimento e o gosto pela agricultura levaram o jovem António Noronha, em finais da década de 60, a plantar vinha nos terrenos da família, localizados na freguesia de Alvorninha. Mas o gosto pela fruta levou a que plantasse também pomares. Entretanto, o negócio da fruta foi-se revelando mais rentável e, em finais da década de 90, arrancou as últimas vinhas para se dedicar em exclusivo à produção e comercialização de pêra e maçã. O filho Virgílio Noronha seguiu-lhe as pisadas, dedicando-se à fruticultura desde 1992. Há sete anos ficou com a totalidade da exploração, uma vez que o pai teve que se retirar por motivos de saúde. Ainda assim, António Noronha, actualmente com 68 anos, continua a acompanhar os negócios do filho e a manter viva a sua paixão pela fruticultura. Em Agosto de 2010 Virgílio Noronha e a esposa, Sofia Ribeiro, criaram a empresa Noronha & Ribeiro Lda, que gera um negócio que compreende 35 hectares de terreno, plantados de pêra Rocha e maçã. Os filhos, Fábio e André, passam as férias no campo e não descartam a possibilidade de dar continuidade à actividade da família. obras para o que seria uma adega típica, na localidade de Vale do uma pesForno. Mas o seu sogro, “uma soa que sempre teve visão” visão”, como António Noronha faz questão de destacar, um dia diz-lhe que, caso quisesse, poderia acrescentar a casa para ali construir câmaras frigoríficas a fim de con-
tra para maçã. Este investimento, na altura na ordem dos dois mil contos (cerca de 10 mil euros) foi feito logo após a luz eléctrica ter chegado à localidade de Vale do Forno. Fui o primeiro a ter câma“Fui ras frigoríficas na freguesia de Alvorninha” Alvorninha”, recorda, acres-
Com uma área total de 35 hectares, os pomares são quase todos na freguesia de Alvorninha. Em Salir de Matos está apenas uma pequena parte
cultivar vinha até inícios da década de 90, altura em que passou a dedicar-se, em exclusivo, à fruticultura. Foi também por essa altura que foi criada a Frutalvor, a central fruteira instalada no Casal de Santa Cecília (Salir de Matos), que teve António Noronha como presidente entre 1993 e 2002.
profissionais, mas a primeira ainda hoje ajuda o irmão nas alturas de maior trabalho. Já a segunda, 13 anos mais nova, pode ser vista a colher maçãs nas fotografias que se encontram expostas no escritório da família Noronha. Em 1991, com 22 anos, Virgílio Noronha começou a dedicar-se à
fruticultura por conta própria, começando por plantar pomares nos terrenos onde antes existiam cepas. Mas a sua ligação à terra vem desde pequeno pois nas suas recordações de infância estão sempre o campo e o gostar de andar perto das máquinas. “Nunca quis fazer outra coisa” coisa”, conta, dando nota de que não há melhor do que trabalhar na área que se gosta. “E eu faço o que gosto, e embora às vezes as coisas não corram bem, nunca pensei em abandonar esta actividade” actividade”, afirma. E foi assim que, logo após terminar o sexto ano de escolaridade, passou a ajudar os pais na agricultura. Aos 18 anos Virgílio Noronha começou a tirar alguns cursos de formação profissional ligados à área, entre eles, o de Jovem Empresário Agrícola. O jovem agricultor começou por plantar cerca de dois hectares e o pai cedeu-lhe mais área para ficar com cerca de cinco hectares. A partir daí não parou de aumentar a área, até aos 35 hectares,
António Noronha, a filha Alexandra, o filho Virgílio e a nora Sofia Ribeiro em quatro imagens
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mais de meio século com a compra de terrenos e também com os que foram dados pelo pai, que deixou a actividade em 2004, por motivos de saúde. ECONOMIA DE ESCALA É FUNDAMENTAL PARA SOBREVIVER NA FRUTICULTURA Virgílio Noronha recorda que quando começou a dedicar-se à agricultura era mais fácil e que o aumento da área de plantação se deve à situação actual, em que é necessária uma área razoável para tirar rendimento da produção. “Quem não tem essa área acaba por não conseguir vingar porque não tem rendimento. Eu tenho equipamento que utilizo para os 35 hectares, mas se tivesse apenas seis ou sete hectares tinha que o ter à mesma, é de economia de escala que se trata” trata”, explica. Por outro lado, Virgílio Noronha considera que a evolução do sector trouxe exigências, sobretudo ao nível das certificações, para quem trabalha com o mercado externo e as grandes superfícies, como é o seu caso. Lembra que há uns anos era mais fácil produzir porque tinham um leque de produtos, alguns deles baratos, que podiam utilizar para controlar doenças e pragas, mas que entretanto foram retirados o mercado. Temos que as controlar de “Temos outra maneira, que sai sempre mais caro” caro”, afirma, acrescentando que em termos de preços, a margem por quilo de fruta também está a decrescer, o que os obriga a ter de ser criativos para continuar na agricultura. E se agora a fruta que produz (cerca de mil toneladas de pêra Rocha e maçã por ano) vai na totalidade para a Frutalvor, nos primeiros anos de actividade era vendida aos intermediários. Entre 1993
e 1996 vendia parte da fruta no mercado de Castanheira do Ribatejo. Mas, por dificuldades em conciliar a produção e a venda a retalho e, porque também nunca teve “muita habilidade para vender ao consumidor” consumidor”, deixou de o fazer, passando a vender apenas no armazém até à criação da central fruteira. As exigências da Segurança Social ditaram que em Agosto do ano passado Virgílio Noronha e a esposa, Sofia Ribeiro, criassem uma empresa por quotas, que apelidaram de Noronha & Ribeiro, Lda. “A Segurança Social tem descontos muito puxados para os trabalhadores por conta própria e depois não são tratados de igual forma, pelo que fomos aconselhados a formar uma empresa” empresa”, conta o agricultor que acredita que, desta forma, o negócio familiar terá uma maior segurança. A APOSTA EM MELHORAR A QUALIDADE DO PRODUTO Durante o mês de Agosto têm andado a trabalhar na campanha da pêra e da maçã cerca de 30 pessoas, muitos deles jovens que aproveitam as férias de verão para ganhar algum dinheiro, mas também muitas pessoas que anualmente trabalham com a família Noronha. Para além deles, existem três empregados durante todo o ano. Na agricultura nunca há dois anos iguais. O ano passado, por exemplo, foi mau para a fruticultura, com uma produção mais fraca do que o comum, tanto em peras como em maçãs. O volume de facturação da casa foi de cerca de 200 mil euros, mas o responsável faz notar que se registou uma quebra de cerca de 30% em relação à produção esperada.
Este ano, Virgílio Noronha plantou maçãs porque as características do terreno eram mais adequadas para esta variedade, mas nos últimos anos tem plantado mais pereiras. Um hectare de pomar plantado custa, em média, 12 mil euros, um valor que poderia ser inferior se este agricultor optasse por comprar variedades de menos qualidade. Contudo, Virgílio Noronha prefere comprar no estrangeiro grande parte das plantas que usa nos seus pomares. Uma delas é a variedade Gala, que é originária da Nova Zelândia, mas que se pode comprar em Itália ou França, explica este empresário agrícola. Virgílio Noronha registou uma produção de mil toneladas de fruta há dois anos. No ano passado a produção foi um pouco menor, mas este ano espera ultrapassar as mil toneladas que teve em 2009. “Contudo, o meu objectivo não é tanto aumentar a produção, mas sim melhorar a qualidade do produto” to”, garante o fruticultor. E explica: na variedade Gala tem havido vários clones (selecções feitas na mesma variedade) que têm vindo a melhorar ao nível da dureza, açúcar e cor. “Não pretendo aumentar a área, mas melhorar os pomares de maçã porque ao nível da pêra não tem havido uma evolução tão grande” grande”, refere. Os próximos anos serão, assim, de consolidação, apostando em pomares novos com as mais recentes descobertas da investigação, mas dentro das variedades que já possui. Virgílio Noronha destaca a qualidade da fruta portuguesa e não poupa críticas aos canais de comercialização. “Há algumas grandes superfícies que ao invés de ser aliados, são con-
tiradas na década de 90. Em comum as fotos têm o que os une, a fruticultura
Férias de Verão a ajudar a família Fábio Noronha tem 17 anos e as férias de Verão que antecedem a sua entrada no 11º ano são passadas a ajudar os pais. Agora passa os dias a trabalhar com as máquinas e a transportar a fruta que é colhida nos pomares, mas lembra-se que, com apenas seis, sete anos, já ajudava a apanhar as peras e maçãs. Os seus gostos dividem-se entre a agricultura e a informática, curso que está a tirar, e não descarta a possibilidade de, um dia mais tarde, continuar o negócio da família. Também o irmão mais novo, André Noronha, de 11 anos, já ajuda a arrumar a fruta e também a apanhá-la no campo. Diz que gosta de ajudar os pais e, particularmente, das máquinas que trabalham no campo. Em Setembro irá para o sexto ano de escolaridade mas, no futuro, diz querer seguir as pisadas dos seus antecessores. “Já pensei ser muita coisa, mas acho que quero ser agricultor” agricultor”, diz, ao mesmo tempo que reconhece que se trata de uma vida difícil, pesada e sem horários. O sonho de André Noronha passa por ter uma quinta onde correntes” correntes”, diz, referindo-se ao facto de muitas delas preferirem comprar fruta no estrangeiro e a desestabilizarem o preço. Além do investimento feito nas plantas, é também necessário comprar tractores, alfaias e até plataformas que permitem elevar o pessoal até ao topo das árvores para apanhar a fruta. “Cada vez mais tende-se a mecanizar a fruticultura, tanto ao nível da produção como da colheita” colheita”, conclui Virgílio Noronha. Fátima Ferreira fferreira@gazetacaldas.com
possa retomar a actividade do avô, de produção de vinho, juntamente com a fruticultura. Quer ainda ligar esta actividade ao turismo. Os pais reconhecem o trabalho dos filhos que, durante as férias, “dão uma ajuda preciosa” osa”, mas garantem que não querem condicionar o seu futuro. “Gosto que eles saibam o que é a agricultura para poderem optar se querem seguir esta profissão ou não” não”, diz Virgílio Noronha, defendendo que esta é uma actividade que faz muita falta ao país e quando a agricultura está mal, tudo vai atrás. “Acho que temos terrenos bons, mas a serem mal aproveitados” veitados”, diz, acrescentando que o sector tem andado esquecido, resultado do mau trabalho de governantes que têm passado pelo ministério. Virgílio Noronha considera que o que falta aos agricultores não é tanto o apoio financeiro, mas o apoio técnico e também administrativo, pois há “burocracia a mais” mais”. Na sua opinião as organizações também deviam estar mais unidas e falar a uma só voz.
“Agrupar é necessário” necessário”, defende, para poder haver mais visibilidade do sector. Também Sofia Ribeiro, de 37 anos, gosta que os filhos ajudem, mas quer que eles tenham outras possibilidades que ela não teve, que apenas frequentou até ao 6º ano de escolaridade. A partir dessa altura passou a ajudar os pais, José e Maria Ribeiro, que se dedicavam à horticultura. “A vida da agricultura é levantar cedo e deitar muito tarde” tarde”, conta, acrescentando que na altura da campanha da fruta - quando o trabalho ainda é mais intenso levanta-se bastante cedo e, antes de ir buscar o pessoal, gosta de deixar o almoço preparado, porque a hora de almuito pequenina” moço é “muito pequenina”. Depois passa o dia no campo até que, ao fim da tarde, vai levar o pessoal às suas casas e regressa para também cuidar do seu lar e preparar-se para mais um dia de trabalho. O domingo é aproveitado para fazer as compras para o resto da semana. Fátima Ferreira fferreira@gazetacaldas.com
CRONOLOGIA 1943 Nasce António Noronha 1960 Cumpre o serviço militar no Ultramar, em Angola, onde permanece durante dois anos 1968 Começa a dedicar-se à agricultura, plantando vinhas e também algumas árvores de fruto 1969 Nasce Virgílio Noronha 1974 Nasce Sofia Ribeiro 1978 António Noronha inicia a construção de duas câ-
maras frigoríficas, as primeiras da freguesia de Alvorninha 1992 Virgílio Noronha instala-se por conta própria e planta os primeiros pomares 2004 Virgílio Noronha assume o resto da exploração agrícola que era do pai 2 0 1 0 Forma a empresa Noronha e Ribeiro Lda, juntamente com a esposa, Sofia Ribeiro
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Paula Mendes transformou as Caldas numa importa Paula Mendes nasceu há 58 anos (1953) numa casa próxima da Praça de Touros que ainda hoje existe. Os seus avós e pais são caldenses e estes últimos, como tantos, decidiram emigrar para África, tendo vivido vários anos em MoçambiRegressámos em 1976 que. “Regressámos e nessa altura tive que arranjar trabalho” trabalho”, disse a caldense, que então regressa divorciada e com o seu filho Miguel de dois anos. Depois de ter sido professora de Inglês na Escola Salesiana do Estoril, secretária de direcção e tradutora, decidiu dedicar-se a tempo inteiro às artes decorativas pois viu que era um nicho de mercado ainda muito pouco explorado em Portugal naquela época. No início dos anos 80 conhece Artur Amaral, com quem passaria a viver e que é o seu braço direito na gestão da firma que viria a criar em 1983. Uma decisão que foi tomada quando um dia Artur lhe oferece uma caixa de óleos, o que leva Paula Mendes a tomar as artes decorativas como via profissional. Nessa época Paula Mendes vivia em Cascais e é lá que começa a trabalhar num pequeno espaço comercial arrendado no Centro Comercial Pão de Açúcar (o primeiro centro comercial do país). A área não ultrapassava os nove metros quadrados, mas depressa se apercebeu que precisava de mais espaço. Alugou um maior, com 23 metros quadrados e, posteriormente, outro com o dobro do tamanho. Foi assim que a Paula Mendes – Empresa em Nome Individual se desenvolveu, a pouco mais de 20 quilómetros de Lisboa durante os seus primeiros anos de existência. Uma das dificuldades da época era a obtenção de materiais para os trabalhos artísticos. “Havia apenas no país duas casas: a Ferreira e a Varela, onde podíamos comprar alguns materiais,
A empresária e o seu filho em 1980, hoje sócios da sociedade. Paula Mendes, ladeada pelo companheiro Artur Amaral e o filho Miguel Mendes
mas, na verdade, a área não estava minimamente explorada. Fui eu que abri as portas às artes decorativas em Portugal tugal”. Já tinha a loja a funcionar quando, acompanhada por Artur Amaral, correu o país de lés-a-lés a dar cursos de um dia, depois de ter obtido formação
se corta sempre - o vidro. Enquanto a loja corria bem “chegámos a ter dias de cinco mil euros de vendas” vendas”, contou a responsável. Eram dias em se vendia um pincel de que “se 16 contos [80 euros] para uma criança de sete anos porque era azul, da cor do estojo estojo”,
ra que houvesse. “Até quanto quer gastar?” perguntou. Ao que o senhor respondeu “o dinheiro não interessa…”. Eram artigos de qualidade que custavam entre 200 a 400 euros de boas marcas e que agora “dificilmente há mercado para elas…” elas…”.
adaptámos às necessidades de mercado. É o que fazemos hoje em dia. Tem que ser. Senão ficamos para trás trás”, conta a empresária, que sempre manteve em paralelo a formação em artes decorativas. A responsável percebeu também como os clientes gostavam
A caldense Paula Mendes regressou de África em 1976 e depois de ter sido professora de Inglês, secretária de direcção e tradutora, decidiu criar o seu próprio negócio ligado às artes decorativas, tendo desenvolvido a sua actividade durante 15 anos em Cascais. Em 1999 resolveu mudar-se com a família para a sua terra natal, onde hoje possui duas lojas e dois armazéns de revenda de materiais para as artes. Revende a marca brasileira Acrilex e criou a sua própria marca, além de se dedicar à formação, por todo o país e estrangeiro. Emprega uma dezena de pessoas e há cerca de dez anos passou a sua empresa em nome individual para uma sociedade por quotas, incluindo na gestão o seu filho, Miguel Mendes. O volume de negócios de 2010 foi de cerca de um milhão de euros. específica, primeiro em Espanha e depois nos EUA. “Cheguei a trazer professoras estrangeiras que deram formação e que permitiram a muita gente evoluir nesta área” área”, comentou. Paula Mendes é especialista de várias técnicas de pinturas nos mais diversos materiais, desde a madeira, à tela e ao tecido, e só há um material que evita porque
especificou a empresária, acresse vendia bem centando que “se e do bom bom”. Os materiais eram cem por cento naturais para crianças e como havia dinheiro não se olhava à carteira, como hoje acontece, em que é preciso contar os cêntimos. Paula Mendes não esquece quando um cliente lhe entrou às dez da noite na loja a pedir o melhor estojo de pintu-
Recorda-se também de ter feito uma grande aposta em postais comemorativos e que estes se vendiam como “pão quente” quente”, a quatro, cinco e seis euros. A sua loja dedicava-se aos produtos de artes decorativas, belas artes e de papelaria fina, como as canetas de ouro e de prata que agora já As coisas foram não têm. “As mudando e nós sempre nos
A empresa conta com dois armazéns alugados na Zona Industrial e que se dedicam à revenda
de ver trabalhar ao vivo e, por isso, resolveu desfazer a sua montra e passar a trabalhar naquele espaArranjei dezenas de clienço. “Arranjei tes e formandas dessa maneira. Trabalhar na montra foi uma inovação na época época”, disse. Paula Mendes pintava então quadros que valiam 20 contos (100 euros) e que hoje também já não têm mercado. Era uma época em
que se vendia muita pintura em gesso e também técnica de aplicação de recortes. A caldense foi sempre desenvolvendo a técnica da pintura e fez três exposições Depois parei pois em Lisboa. “Depois fazia um tipo de pintura com raízes africanas e há 20 anos ninguém queria falar em África” ca”, lembrou a autora, ao contrario do que hoje acontece em que a africanidade está de volta. De regresso às Caldas para uma vida mais tranquila Há 15 anos Paula Mendes e Artur Amaral pagavam pela loja no centro comercial de Cascais o equivalente a 2500 euros de Funcionou até ao dia renda. “Funcionou em que decidiram fechar as salas de cinema, o que ditou o início do declínio daquele espaço espaço”, lamenta a empresária. Paula Mendes e a família decidem então vender tudo o que tinham em Cascais e voltar para as Caldas. Chegou a ter cinco funcionárias, mas no fim teve que indemnizar duas empregadas, antes de regressar à sua terra natal. A empresária desejava uma vida mais tranquila – esteve três anos sem uma folga - pois apercebeu-se que em Cascais “tinha estagnado e não conseguia crescer mais” mais”. E quando achava que podia abrandar o ritmo, tendo adquirido um apartamento e um espaço para escritório e redacção de uma revista sobre artes decorativas (ver caixa), de repente começou novamente a crescer. Os clientes de Cascais continuaram a contactá-la e a pedir materiais e, passado pouco tempo, já estavam novamente a fazer encomendas. Surge então a possibili“Surge dade de ficar com a representação da marca de tintas brasileira Acrilex e, apesar da falta de estrutura, aceitámos o desafio desafio”, conta. Acabaram por começar a receber as tintas em três garagens que possuíam e foram aumentando o espaço na Cidade Nova, tendo adquirido mais duas lojas, tota-
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ante plataforma das artes decorativas lizando 300 metros quadrados. Hoje já têm dois pavilhões alugados na Zona Industrial. No total têm 1000 metros quadrados de área para o material de revenda, dos quais 90% estão afectos aos materiais daquela marca brasileira. Devido à relação comercial com a Acrilex, Paula Mendes viaja ao Brasil todos os anos para dar workshops na feira Mega Artesanal em S. Paulo. “Chegamos a ter 50 pessoas por aula e a feira tem no global 50 mil visitantes visitantes”, conta. Nos últimos anos tem viajado também ao Gana para sessões formativas. São sempre óptimas oportunidades para “aprender e transmitir aquilo que sei sei”, diz. A par com a formação, Paula Mendes foi adquirindo livros e hoje possui uma grande biblioteca desta área. “CALDAS COMO PLATAFORMA DE REVENDA PARA 400 LOJAS”
Miguel Mendes tem 37 anos e começou a colaborar na empresa da mãe aos 17. Depois de concluída a tropa, esteve a trabalhar durante cinco anos como barman num hotel de cinco estrelas, no Algarve. Depois passou a trabalhar a tempo inteiro com Paula Mendes, sendo responsável por vários aspectos relacionados com a revista, como o controlo de assinaturas, da publicidade e mais tarde da própria paginação. Para tal obteve formação específica, de paginação, em Lisboa, e de produção de vídeo, em Londres. Ocupa-se igualmente do design gráfico e da constituição da marca própria. Actualmente a firma produz vários materiais já com o selo Paula Mendes Lda. Em 2008 a mãe decidiu passar a empresa de nome individual para sociedade por quotas tendo passado 5% para o seu filho. O capital social é de cinco mil euros. O volume de negócios de 2010 chegou perto de um milhão de euros. Foi no ano passado que resolveram abrir a segunda loja, no centro da cidade (Rua Emídio Coelho), pois “precisávamos de um local central para mostrar às pessoas aquilo que temos temos”, contou Paula Mendes. Actualmente a empresa tem 10 colaboradores. Além do filho, também os pais de Paula Mendes, Abílio e Rosa Mendes, com 82 e 80 anos, respectivamente, ainda têm muito gosto em ajudar nalgumas tarefas, como pesar alfazema ou cortar tecidos. A empresa caldense há vários anos que colabora em iniciati-
vas de carácter social. Em 2006 ofereceram material didáctico da marca Acrilex ao Agrupamento de Escolas de Sto. Onofre e três anos depois participaram no evento “Sentir para Ver” na barragem de Pego do Altar, que possibilitou a cerca de 50 invisuais a experiência de andar de mota de água e contactar com alguns dos produtos da empresa caldense, como as massas de modelar. Em 2010 estiveram no “Sorrir por um Dia” na Foz do Arelho, fornecendo material didáctico a 60 crianças carenciadas e portadoras de cancro. No ano seguinte patrocinaram perto de 50 artistas com cabazes de materiais artísticos e ainda apoiaram provas do campeonato nacional de Jet Ski (Foz do Arelho, Douro e Mirandela). Miguel Mendes, que em Janeiro de 2012 passará a estar à frente da gestão financeira da empresa, conta que o seu crescimento nas Caldas não é feito com a população local. “Apostamos nesta zona porque é central e serve-nos de plataforma para a revenda para todo o país, para cerca de 400 lojas lojas”, explica. Infelizmente algumas estão a fechar por causa da crise, mas de facto é a partir da terra natal de Paula Mendes que é feita a distribuição. A base do negócio é a revenda, mas contam que as vendas baixaram cerca de 20%. “Vamos aguentando e vivendo o dia-a-dia e adaptando-nos à nova realidade” realidade”, disse Miguel Mendes. O responsável diz que é preciso fazer ajustes nos produtos, apostar sobretudo nos mais vendáveis e rentabilizar o metro quadrado de armazém. “Em vez de grandes stocks temos importações cada vez mais pequenas pequenas”, diz o empresário, que sente que este é um sector que sofre de concorrência desleal pois há quem trabalhe em casa, sem sujeitar o seu trabalho a desNão vamos pedir dicontos. “Não nheiro emprestado para pagar impostos ou ordenados dos”, disse o responsável, explicando que se for necessário terão que reduzir na equipa de funcionários ou nos espaços que possuem. Mesmo nestes tempos difíceis estes empresários estão a procurar diferentes formas de expandir o negócio. Estão a preparar o franchising do negócio pois têm material para montar uma loja completa. Desta forma, a terceira loja do grupo vai
abrir em S. Pedro do Estoril e é responsável uma ex-funcionária que trabalhou com a família quando ainda estavam em Cascais. “Gostaríamos de ser a central de distribuição para a Europa, assim como é, por exemplo, a Holanda Holanda”, contou Miguel Mendes. E qual é o segredo para o suÉ goscesso deste negócio? “É
tar e ter paixão por aquilo que se faz e trabalhar mais do que oito horas por dia dia”, disseram mãe e filho, acrescentando que é importante também não trabalhar com seriedade e “não enganar os clientes clientes”. Natacha Narciso nnarciso@gazetacaldas.com
Uma revista, livros e DVDs Quando ainda vivia em Cascais, Paula Mendes colaborou durante três anos na revista “Inspirações”, enviando-lhes os trabalhos de artes decorativas e respectiva explicação do como se faz. Quando esta publicação terminou, a caldense decidiu começar a fazer a sua própria revista, a “Passo a Passo”, que já vai no seu 13º ano de edição.. A “Passo a Passo” é bimestral e tem redacção na Cidade Nova. Vive das vendas, ao contrário da maioria das edições que subsistem da publicidade. no Segundo a responsável, “no dia em que a revista deixar de vender, eu deixo de a editar” tar”. Actualmente vai no número 87 e tem como objectivo Quando chechegar aos 100. “Quando garmos ao número 99, logo vemos” vemos”, disseram mãe e filho. Além da publicação, Paula Mendes já editou dois livros sobre pintura e outras técnicas decorativas. O terceiro volume já está na calha e conta com o apoio da Acrilex para a sua publicação. Ainda neste ramo, a empresária já produziu DVDs de for-
A revista é publicada pelo 13º ano consecutivo
mação em artes decorativas. Paula Mendes é uma mulher de sete ofícios e da sua agenda apertada de organização de eventos, participação em feiras, formação e gestão das lojas, ainda arranja tempo para participar em programas de rádio. Além do “Café com Arte”, que vai para o ar às terças-feiras, às 11h00, na 94.2 na Mais Oeste Rádio, irá participar num segundo programa onde se debatem vários temas entre mulheres de várias idades. N.N.
Open House na Expoeste vai reunir mais de 60 artistas A empresa Paula Mendes, Lda e a revista Passo a Passo vão realizar um certame cultural nas Caldas da Rainha nos dias 16, 17 e 18 de Setembro na Expoeste. Do evento fará parte uma maratona de workshops (mais de 60 aulas em três dias) que custam cinco euros aos participantes, mas tem todo o material incluído. Em paralelo realiza-se o primeiro Artshow com uma mostra de 60 artistas plásticos, que decorrerá em parceria com o grupo Artekenosune. Será co-
ordenado pelo artista Luís Graça e terá uma componente de trabalho ao vivo. O certame conta com momentos de poesia, música ao vivo com Manuel Melo e serão dadas palestras sobre artes. A firma organiza há três anos nas Caldas duas Open House por ano, em Março e em Setembro, e costuma estar presente em certames do sector em Lisboa e em Espanha. N.N.
CRONOLOGIA
Paula Mendes dá formação em Portugal e todos os anos vai ao Brasil e ao Gana
1983 – Criação da empresa em nome individual 1985 – Abertura da loja no Centro Comercial Pão de Açúcar (Jumbo) em Cascais 1999 – Fixação nas Caldas da Rainha e aquisição do primeiro espaço na Cidade Nova para escritório e redacção da revista “Passo a Passo” 2001 – Aquisição da segunda loja também na Cidade Nova para estabelecimento comercial. Início da revenda da Acrilex usando três garagens como armazém 2004 – Compra do terceiro espaço para armazém de revenda 2005 – Arrendam o primeiro armazém na Zona Industrial 2007 – Arrendam um segundo armazém na Zona Industrial. 2008 – Constituição da sociedade por quotas com a entrada de Miguel Mendes 2010 – Abertura da segunda loja no centro da cidade Boutique das Artes, ligada sobretudo às Artes Decorativas N.N.
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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕES
Ivo Cutelarias – três gerações que levam facas de Sa
João Ivo e Maria das Dores fundaram a actual Ivo Cutelarias em 1954
Foi com apenas 12 anos que João Ivo Peralta (nascido em Santa Catarina em Março de 1928) começou a palmilhar quilómetros para vender artigos diversos às portas dos mercados e das igrejas da região. Numa altura em que ter um meio de transporte não era coisa para todos, o octogenário lembra-se bem dos domingos em que “ia a pé para Alcobaça, para vender canteiros de sementes para a porta do mercado, com um pão para comer” comer”. Quando o irmão mais velho foi para a tropa, a bicicleta deste passou para João Ivo, que, já sobre duas rodas, viu o seu negócio facilitado. Entre os artigos que vendia iam canivetes e navalhas que comprava aos artesãos da zona, não só de Santa Catarina, mas também das Relvas, da Benedita e de locais vizinhos. Peças que eram fabricadas em pequenas oficinas e que as pessoas iam montando nas suas próprias casas. Homem determinado e com visão, João Ivo conseguiu expandir as suas vendas um pouco por todo o país, ora de bicicleta, ora de comboio. Foi assim que conheceu em São Bartolomeu de Messines aquela que viria a ser a sua esposa e parceira na empresa que viria a criar uns anos mais tarde. Maria das Dores era filha de um comerciante algarvio que habitualmente comprava navalhas ao santacatarinense. “Eu era uma menina de 11 anos, o João tinha aí uns 18. Há um dia em que ele chega à procura do meu pai e disse-me ‘oh menina, não está aí o seu pai? Vá-lhe lá dizer que está aqui o Ivo das navalhas’. E eu disselhe: ‘Olhe, não tinha mais que fazer que era ir chamar o meu pai para ele lhe comprar as navalhas. Eu tenho que as lixar todas que elas enferrujam
e eu não quero que o meu pai lhe compre isso” isso”, conta Maria da Dores. É que naqueles tempos, as navalhas eram feitas de carbono. Cortavam bem, mas enferrujavam frequentemente. E era à filha que o comerciante algarvio mandava lixar
quem tinha criado um armazém. Em 1954, João Ivo Peralta e Maria das Dores Cabrita constroem uma oficina de cutelaria em sua casa. Noiníciocontavamapenascomtrês operários, um número que foi crescendo, consoante o trabalho au-
António e Vivina Cabrita Ivo Peralta são os actuais sócios da empresa
esta altura que o empresário se envolve numa sociedade com alguns empresários e profissionais liberais da zona (entre eles um advogado e um médico), que acaba por não correr bem. António Cabrita Ivo Peralta, um dos filhos
a tentar ganhar outra vez mercado, a conseguir subir na vida” vida”, conta o filho, acrescentando que em 1974 o pai “já tinha 12 empregados novamente” e além de vender para todo o país, chegava também às então colónias ultramarinas,
Ainda moço, João Ivo Peralta (nascido em 1928) percorria a região para vender as navalhas que comprava a artesãos. Na década de 50, homem feito e já casado, cria uma oficina de cutelaria com a esposa, Maria das Dores, na sua própria casa, em Santa Catarina. Mais de meio século depois, e com três gerações de familiares a contribuírem para o sucesso da empresa, a Ivo Cutelarias é uma referência no sector. As suas facas encontram-se de norte a sul do país, bem como em cerca de 60 países para onde segue a esmagadora maioria da produção. Uma empresa virada para o futuro, que faz uma aposta constante na inovação, mas que não esquece o seu passado nem a importância que tem para a comunidade onde se insere, sendo a maior empregadora da freguesia de Santa Catarina. as lâminas sempre que isso acontecia. “As navalhas vendiam-se bem e o meu pai comprava grandes quantidades. Ele chegava a levar na bicicleta um saco de navalhas e o meu pai ficava com aquilo tudo” tudo”, recorda. “Era uma arrelia porque eu depois tinha que as lixar e aquilo fazia doer os dedos. Então eu não o podia lá ver” ver”.Com19anos,MariadasDores acabaria por deixar Messines e rumar a Santa Catarina, casada com o vendedor das facas que, quando conheceu, dizia que “não o podia ver” à sua frente. Na altura, João desenvolvia o seu negócio com o irmão António, com
mentava. As primeiras navalhas tinham um rato como símbolo, escolhido “por mero acaso” acaso”, conta João Ivo. E se entretanto o animal deixou de ser usado nas facas da empresa, ainda há quem guarde comestimaalgunsexemplaresdesta altura. O fundador recorda-se ainda dos preços das primeiras facas. “Custavam 25 tostões, três escudos, três e quinhentos [entre 1 e 2 cêntimos]. Eram facas boas, de que as pessoas gostavam muito e o Alentejo era a melhor praça” praça”, diz. As instalações começaram a ficar pequenas e em 1969 é inaugurada nova fábrica. É também por
Imagem antiga, da década de 60, nos tempos em que ainda eram poucas as máquinas a ajudar ao fabrico de facas
do casal, diz que foi a altura em que o pai “perdeu tudo, máquinas e instalações”. É uma memóriaquetembemgravada.“Teve que refazer a vida dele, começou do zero” zero”, recorda o filho, “e na altura já tinha uma empresa com 75 ou 80 operários” operários”, acrescenta. A pulso, João Ivo reergueu a sua empresa, a João Ivo Peralta & Filhos, Lda, uma sociedade com a esposa, e os filhos Ivo, António e Vivina. António dedicou-se ao negócio do comércio, que o pai mantinha desde novo; António e Vivina viriam a garantir a continuidade da cutelaria. “Passou os primeiros anos
sobretudo a Angola. Dois anos depois, e com apenas 15 anos, António começouatrabalharcomopai,prosseguindo os estudos à noite. “Senti um bocado de revolta e tristeza por ele ter perdido tudo e senti que tinha que o ajudar” ajudar”. PRIMEIRA EXPORTAÇÃO FOI PARA MARROCOS
Em 1977 a fábrica de cutelarias dá um importante passo, com a primeira exportação. “A determinada altura percebi que só a vender para o mercado nacional a fábrica não ia a lado nenhum” nenhum”, conta António. Os responsáveis decidem então ir até Marrocos,“numa
A unidade principal, das três que a empresa tem em Santa Catarina
viagem atribulada de carro” carro”. Esta primeira aventura nos mercados estrangeiros foi um sucesso. “Fizemos a primeira exportação com um volume de negócios considerável para a altura, tendo em conta que só vendíamos para o mercado doméstico” doméstico”, diz o filho. “Começou o bichinho da exportação a mexer” e a empresa vive uma fase de expansão grande. Vivina, filha mais nova de João Ivo e de Maria das Dores, estava a estudar em Lisboa – onde tirou Secretariado e Línguas e Literaturas Modernas – e era uma peça fundamental na aventura além fronteiras. Ao fim-de-semana, a rapariga traduzia os telexes dos clientes da empresa e tratava de muita documentação na capital. Além de exportar, a cutelaria também importava alguns componentes. A Marrocos seguiram-se outros países. Na década de 80, já com Vivina a trabalhar a tempo inteiro com a família, o mercado alemão assume uma grande importância para a empresa. “Estivemos cerca de oito anos a exportar fortemente só para a Alemanha, para dois grandes clientes e em grandes quantidades. Chegava-se a carregar um camião por semana de facas, o que era uma coisa impressionante” impressionante”, lembra António. A exportação implicou a presença em feiras internacionais. A primeira foi a “Ambiente”, em Frankfurt, onde a empresa participa há mais de duas décadas. A empresa ganha um novo impulso. “Começámos a angariar clientes em vários pontos do mundo” mundo”, recordam os filhos. Em 1991 dá-se a Guerra do Golfo. “Apanhámos o maior susto da vida pois todos os clientes cancelaram encomendas” encomendas”. António e Vivina recusaram-se baixar os braços. Em vez de uma feira internaci-
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anta Catarina a todo o mundo
João e Pedro Ivo Silvestre, filhos de Vivina, já trabalham na empresa
onal na Alemanha, começaram a participar em várias feiras no mundo inteiro. “Desde aí temos feito uma média de 10 a 12 feiras internacionais por ano, que são fundamentais para a exportação da empresa” empresa”, conta. Em 1993 a empresa muda de nome, para Ivo Cutelarias, Lda, que junta António e Vivina como sócios. No final da década, os empresários começam a introduzir os seus produtos no mercado canadiano. Este é um mercado que se reveste de especial importância para a empresa, que tem inclusivamente um escritório naquele país. “Tem sido uma mais-valia para a nossa empresa” empresa”, dizem os sócios. À aposta na exportação juntouse, sempre, o investimento na modernização da empresa, cujas instalações foram sendo ampliadas ao longo dos anos. “Isso permitiu que a produção fosse sempre aumentando e que as vendas aumentassem todos os anos cerca de 30 a 40%” 40%”, referem os filhos. “Na década de 90 tivemos anos de investir entre 1 a 1,5 milhões de euros em maquina-
ria” ria”, acrescentam. A forjaria - criada em 1999 e única em Portugal - é uma prova de esforço constante da empresa para se manter na vanguarda. “Nós dependíamos da importação de lâminas forjadas de França e nessa altura tínhamos contratos com firmas inglesas em que não podíamos falhar com as peças” peças”, conta António. Foi a dificuldade que começaram a ter na aquisição dessas mesmas peças que os levou a decidir fazer a forjaria, “que levou três anos a montar” tar”, com muito investimento e muita viagem pelo meio. “Foi uma mais-valia numa fase crucial para a empresa, para a expansão da exportação numa altura em que o mercado exigia facas topo de gama. Foi uma aposta dolorosa, dispendiosa, mas conseguida” guida”. Naquela unidade chegou a ser produzido um milhão de peças. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com
Cronologia 1928 – Nasce João Ivo Peralta, que aos 12 anos já fazia quilómetros a vender navalhas e canivetes 1954 – João e a esposa, Maria das Dores, constroem uma oficina familiar. É criada a João Ivo Peralta & Filhos, Lda. 1969 – É construída uma nova fábrica em Santa Catarina. O empresário acaba por perder tudo numa sociedade que não correu bem 1974 – Depois de ter recomeçado do zero, João Ivo tem novamente uma fábrica erguida e uma dúzia de operários a trabalhar consigo 1976 – O filho António começa a trabalhar na empresa 1977 – A empresa inicia a exportação dos seus artigos. Vivina conclui os estudos e passa a trabalhar a tempo inteiro com a família 1993 – Já com as instalações ampliadas, a empresa sofre uma reestruturação e passa a chamar-se Ivo Cutelarias, Lda., tendo António e Vivina como únicos sócios 1994 - São adquiridas novas instalações 1999 – É criada uma unidade de forjaria 2002 – É introduzida a robótica na linha de produção, numa cooperação com a Universidade Coimbra 2007 – Já com alguns prémios internacionais alcançados, a Ivo Cutelarias adere ao programa “Compro o que é nosso”
Ivo, Rafael, e Gonçalo Ferreira Peralta, filhos de António, vão juntar-se aos primos
Nova geração, novos desafios Volvidos 57 anos sobre a criação da João Ivo Peralta & Filhos, Lda., a Ivo Cutelarias conta já com a terceira geração da família na empresa. João e Pedro Ivo Silvestre (filhos de Vivina Cabrita Ivo) e Gonçalo Ivo Ferreira Peralta (filho de António Cabrita Ivo Peralta) estão já a tempo inteiro na empresa dos pais. Rafael Ivo Ferreira Peralta e Ivo António Ferreira Peralta (também filhos de António), ainda estão a estudar, mas sabem que é na empresa que querem trabalhar no futuro. “Estamos numa nova fase. São os nossos filhos que vão dar um dinamismo diferente. Têm outros desafios pela frente, estão na era do marketing, da tecnologia, e conseguem melhor que nós ultrapassar essas barreiras” barreiras”, dizem António e Vivina. Mas para que se possa olhar o futuro com optimismo, a firma não descura o presente e o actual contexto económico que se vive. A empresa chegou a ter cerca de 300 trabalhadores, um número que entretanto reduziu para os 160. Mesmo assim, continua a ser o maior empregador da free temos isso sempre guesia “e bem presente” presente”, garante Vivina. Actualmente saem das instalações da Ivo Cutelarias cerca de 5 milhões de unidades por ano, entre facas, garfos, e todos os acessórios. E 90% desta produção segue para o estrangeiro, para cerca de 60 países nos cinco continentes. Alemanha, Reino Unido, Países Escandinavos e China representam 50% da facturação da empresa, cujo volume de vendas consolidado ronda os 6 milhões de euros. O mercado nacional assenta sobretudo nas grandes superfícies, nas escolas de hotelaria e turismo que a empresa for-
nece e nas vendas em lojas de comércio tradicional. Os responsáveis da empresa garantem que o sucesso se deve a uma luta constante. “Uma das apostas da empresa tem sido, desde os tempos do meu pai, e depois comigo e com a minha irmã, modernizar o mais possível, acompanhar os mercados, tentar desenvolver a parte fabril e industrial” al”, diz António. E nesta luta, os trabalhadores não têm menos mérito que os patrões. “Sempre tivemos empregados excelentes, que estiveram connosco, sempre disponíveis para ajudar a empresa. Uns já saíram, outros continuam, são pessoas incansáveis” incansáveis”, afiança o responsável. O mesmo já não podem dizer dos sucessivos governos, que “estiveram de costas voltadas para as PME que exportavam, que trazem mais-valias para o país, que criam postos de trabalho, que socialmente são muito importantes, não só para as terras onde estão, mas para o país” país”, lamenta António Ivo Peralta. Às forças políticas locais também há uma queixa a fazer, dado o esquecimento a que o sector parece estar votado por parte da autarquia. “As cutelarias são originárias de Santa Catarina e a Câmara das Caldas devia ter uma postura diferente quanto ao sector e à sua imagem. É uma coisa que pertence às Caldas, que devia ser divulgada, que devia ser apoiada” apoiada”, alerta o empresário, acrescentando: “vi muitas vezes apoiarem a cerâmica, que hoje quase não existe, e as cutelarias, mal ou bem, existem e são muito pouco
acarinhadas” acarinhadas”. No 15 de Maio de 2007 a empresa recebeu uma medalha de mérito grau ouro da Câmara das Caldas da Rainha. A aposta constante na modernização e na actualização tem sido fundamental para a empresa. “Quando o meu pai começou já era uma pessoa muito dinâmica, mesmo a nível da tecnologia ele já ia a outros países comprar máquinas e artigos que cá não se encontravam. Temos aproveitado dentro de cada época o que podemos desenvolver” desenvolver”, garante Vivina Ivo Peralta. Um dos exemplos recentes desta postura é a linha Cork, que junta uma faca forjada, “com qualidades de corte superior” or”, a um cabo de cortiça. E porquê cortiça? “Porque é um material simultaneamente amigo do ambiente e tem uma aderência e uma precisão ímpar comparativamente a outros produtos que já existem no mercado” mercado”, explica João Ivo Silvestre, neto do fundador da empresa. A linha Cork, em que a empresa foi pioneira, tem-lhe rendido um feedback “muito positivo por parte dos chefs de cozinha, o que é muito gratificante e abre portas de mercados onde a área da cutelaria já está muito saturada, mas os clientes procuram uma componente ambiental” ambiental”, diz João Ivo Silvestre. A inovação tem sido importante até para combater a concorrência da Ásia. “O que tentamos fazer não é apenas mais produto, mas diferenciar o produto pelo lado da inovação, da qualidade, do desenho” nho”, afiança o neto do funda-
dor. E é assim que a cutelaria tem sabido afirmar-se no mundo, contrariando a ideia de que apenas os produtos alemães são de topo. A abertura de novos mercados está na mira da nova geração de empresários. A Ivo Cutelarias tem participado em muitas visitas e missões empresariais, em muitas feiras internacionais. A esta preocupação juntase a presença na Internet. “A nossa intenção é continuar a alargar e a diversificar o mercado” e o Brasil é uma das apostas “porque é um mercado de consumo importante, seja no sector doméstico, seja no profissional” profissional”. Não obstante a importância do mercado internacional para a empresa, o mercado nacional também não está a ser descurado. Pelo segundo ano consecutivo, a Ivo Cutelarias vai fornecer as facas às escolas de hotelaria e turismo. “É uma aposta no futuro, porque aqueles alunos serão os futu ros grandes chefs de futuros Portugal e, sobretudo, vão ser os líderes de opinião no futuro na utilização de facas” facas”, diz João. A realização de workshops de culinária e a presença no programa de televisão “MasterChef” são outras apostas. De olhos postos no futuro, os netos de João Ivo Peralta não esquecem a importância do trabalho dos seus ascendentes. “Para ter êxito nos tempos actuais é fundamental o empenho e a dedicação que nos foram legados pelas gerações anteriores. Estamos a apostar num trabalho de equipa, com um produto de design e inovador” inovador”. Joana Fialho jfialho@gazetacaldas.com