EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TEMPO INTEGRAL NO BRASIL, ALTERNATIVAS E DESAFIOS PARA UMA EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA

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AVM FACULDADE INTEGRADA PROGRAMA DE RESGATE DE DISCIPLINA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA

EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TEMPO INTEGRAL NO BRASIL, ALTERNATIVAS E DESAFIOS PARA UMA EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA E DE QUALIDADE

CRISTIANE ALVES DE ARAÚJO PROFESSOR ORIENTADOR ALZEMI MACHADO

FEVEREIRO DE 2015


INTRODUÇÃO

O presente artigo caminha pelos fios e meadas da educação brasileira e quer propor uma breve reflexão sobre um processo que chega aos dias de hoje no cotidiano das Escolas com o status de Educação Integral em Tempo Integral. A implementação da Educação Integral ou melhor dizendo Educação de Tempo Integral ou jornada estendida, ou turno ampliado, chega de forma gradativa e encontra realidades um tanto duras. Sem nenhum tipo de condição de receber essa proposta que em sua raiz, diz muito de uma perspectiva de ruptura, na realidade do contexto em que se insere, aponta grandes enganos e interpretações equivocadas das leis e do cumprimento das mesmas que regulam e regulamentam tais ações. Num contexto geral da educação publica no Brasil, as concepções ligadas a corrente pedagógica escolanovista com a criação dos CIEPs, discutiam a necessidade de uma proposta política educacional que tivesse a intenção de ampliar e reconstruir um sentido para a escola na sociedade industrializada de massa, tornando a educação escolar um instrumento viabilizador de oportunidades para a tomada de consciência. Sabemos que essas idéias não são novas, e já em meados do século XIX grandes teóricos acenderam as chamas dessa discussão para a emancipação social, e esta, deveria ser de maneira integral, levando em consideração o “desenvolvimento pleno de todas as faculdades e poderes de cada ser humano, pela educação, pelo treinamento científico, e pela prosperidade material." (Bakunin, 1975) Apesar disso, adormecem ou vão se tornando cada vez mais anestesiados os interesses de luta pela liberdade e a tomada de consciência por parte daqueles que vão aos poucos também sendo empurrados para a penumbra social. Temos em nossa história as raízes de uma política que insiste em permanecer fundada em modelos que já não conversam com a realidade das escolas. Essa lógica é formulada por um modelo que imprime os interesses de mercado. A


escola entendida como empresa e os cidadãos como clientes. As rupturas com esses modelos são urgentes a um contexto tão anacrônico onde, enquanto a tecnologia da comunicação invade os bolsos do povo a escola ainda acha que aquele quadro escuro com salas lotadas de números para FUNDEBs e IDEBs garantem

alguma

qualidade, além

de formas obsoletas de produzir

conhecimento e a ilusão de que “pobres ajustados não se zangam”. No que tange às leis e políticas públicas, temos um arcabouço que muitas vezes é pouco criticado, e que deixa um buraco imenso entre o ideal e o real, o viável e o palpável. A “escola que se diz cidadã” não enxerga quem são os atores desse projeto, quem são os sujeitos que tecem a trama desse currículo dentro e fora da escola, não comunga coletivamente de interesses pessoais e sociais. Aqui me reporto a Perrenoud1 que questiona a prática reflexiva como mero discurso, pois é a reflexão pela prática que objetiva a tomada de consciência e organiza a prática. Valendo-nos dessa pratica reflexiva perguntamos a quem serve a educação no Brasil? O que sustenta a Educação Integral de Tempo Integral nas tessituras complexas do cotidiano escolar? Que reflexões estão sendo feitas a partir das experiências atuais com a Educação Integral de Tempo Integral de hoje? Qual o lugar que a escola de tempo integral ocupa na sociedade? As ações dos sistemas que regulam a Educação articulam com o pensamento dos sujeitos que fazem parte do currículo? Dessas reflexões, temos um punhado de nós, um mar de dramas, uma represa de idéias e um rio a percorrer.

NAS TRAMAS DA ESCOLA

“Cada geração se depara com um mundo de ideais” e recebemos do passado a herança de séculos, e dessas relações os fatos se impõem e adquirem uma consciência coletiva. Essa consciência lentamente torna-se sensível e visível a todos. 1

PERRENOUD, Philippe. A prática reflexiva no ofício de professor: profissionalização e razão pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2002.


Tem-se em meados do século XIX Bakunin2 e Proudhon começando a discutir as bases de uma educação integral, têm para os filósofos libertários franceses e para a filosofia política anarquista em geral, que a sociedade não é resultado de um contrato que reduz a liberdade dos indivíduos com seu consentimento, mas sim de um processo constante de produção coletiva de cultura e humanização. Nas propostas escolanovistas, teóricos se preocupavam em não promover o confinamento nem a sujeição às práticas estéreis mas sim gestar oportunidades significativa de formação, dando possibilidades de produzir, elaborar, transpor conceitos, entender as materialidades e subjetividades humanas, compartilhar idéias, valores, relacionando-se e vivenciando formas participativa no e com o mundo. Não distantes de um contexto de crises e necessidades de rupturas, estamos ainda sob as conseqüências do neoliberalismo, dessa estrutura do estado burguês que vê o mercado como centro da sociedade, o trabalho como mercadoria, a escola como empresa e os cidadãos como clientes. Uma sociedade excludente onde a escola é dividida por tipos sociais, a lei é a “produtividade e eficiência empresarial”. A ditadura do capital do mercado regula as relações humanas. A cultura do povo está impregnada de ideologia de competição que valorizam os poucos que conseguem adaptar-se a essa lógica excludente. Nesses moldes de superação, o que fazer com os fracassados e desajustados?

Estes são jogados às margens e carrega a

responsabilidade pela não superação do sistema excludente da sociedade capitalista. Nesse modelo de educação que vai contra a emancipação do sujeito, Mariani3 ressalta como essa perspectiva da lógica do mercado acaba servindo como mecanismo de ajuste às demandas capitalistas, assim o ser humano passa a ser visto também como um produto manipulável

2

3

BAKUNIN. Conceito de liberdade, Portugal: Editora Rés Limitada. 1975

MARIANI, FABIO. A concepção educativa e a transformação da educação: autonomia e emancipação do ser humano, 2010. Disponível em http://sintep.org.br/site_novo/EspacoEscola/EspacoEscolaVisualizar.aspx?id=8 acessado em 20/02/2015; 12h34min


Na perspectiva da lógica do mercado a educação torna-se uma forma de estímulo à competitividade,

incutindo

no

educando

expectativas e esperanças - falsas na maioria das vezes - de acesso às demandas do capital e assim, condicionando a construção de sua própria existência a um nível de alienação e subordinação humana que o impedem de "ser mais", limita a sua liberdade e nega-lhe a condição de sujeito de sua própria história. (MARIANI, FABIO. 2010) Na necessidade de uma mentalidade transformadora e condizente com essa forma de organização social, a educação anarquista como teoria, é comprometida não apenas com a crítica ao sistema vigente, mas com suas transformações. Também Gallo4, aponta a Educação Integral que ao longo da história, amplia essa reflexão buscando um sentido que amplie a escola condizente ao tempo presente , para ele A concepção de ser humano que subjaz à teoria da educação integral é decorrente do humanismo

iluminista

do

século

XIX,

percebendo-o como um “ser total”; o humano é concebido

como

resultado

de

uma

multiplicidade de facetas que se articulam harmoniosamente e, por isso, a educação deve estar preocupada com todas estas facetas: a intelectual, a física, a moral etc. (GALLO, 2012). A efeito de percebemos as realidades que configuram nosso tempo atual e a abrangência das implicações que a educação significa, Gallo nos situa num 4

GALLO, SILVIO. Anarquismo e Educação: os desafios para uma pedagogia libertária hoje. Política & trabalho, Revista de Ciências Sociais, n. 36 - abril de 2012 - pp.169-186


período de um “capitalismo cognitivo” evidenciando essas mudanças e desdobramentos que toda essa estrutura capitalista carrega, mudanças estas que fazem um movimento em diversas camadas da sociedade e não diferente da escola. Ora, se com o advento da tecnologia e dos meios de comunicação mudam as formas da sociedade se relacionar com o mundo do trabalho, se ass formas de cognição e interrelação com

a diversidade e a globalização, a

democratização da informática, a violência, a corrupção etc.,

suscetível

também que a escola passe por tais atravessamentos. Se a modernidade costuma ser entendida como um ideário relacionado ao projeto de mundo e visão de uma sociedade, em diversos momentos de sua história outras formulações podem ser desenvolvidas a partir do entendimento do que está acontecendo com a educação. Bauman faz uma distinção de dois períodos da modernidade, dois momentos. O primeiro, a modernidade “Sólida”, que é caracterizada pelo projeto de controle do mundo, pela razão, para tornar o mundo o melhor possível, onde cada coisa tem seu lugar, de forma ordenada e racional, valorizando instituições sociais , políticas. De formas sólidas e que em sua rigidez duram e dificultam processos de mudanças. E o segundo período, a modernidade Líquida, que á a fluidez, designam uma mudança de paradigma nas Ciências Humanas. Onde a identidade cultural do sujeito pósmoderno (gênero, classe, etnia, raça e nacionalidade) se desloca o tempo todo de acordo com o aparecimento de novos aspectos formais na cultura, com o surgimento de um novo tipo de vida social. Uma das maiores preocupações de Bauman é analisar o processo de individualização da sociedade. A individualidade traz em si uma competitividade mais agressiva, onde o individuo está só e depende somente de si mesmo para fazer suas escolhas, pensamentos e ações ao invés de unificar uma condição humana regida pela cooperação e solidariedade. Nesse ponto, a escola que seria o espaço de onde a bandeira do respeito a diversidade, a democracia e a cidadania é levantada, o que vemos é uma arena, um espaço de confrontos e “incivilidades”, violências de todos os tipos, denunciando a rebeldia dos estudantes contra valores e normas, denunciando a negligência dos professores e gestores, aceitando o sentido de igualdade social

sendo

substituído

pelo

de

equidade

social,

mascarando

a


responsabilidade de quem é de dever. Coloca-se à margem um “lugar” que deveria assumir lugar de centralidade. A avaliação que ACELERA, desocupa mais vagas no sistema de produção em serie. Não há estrutura para aumento de vagas, é preciso acelerar o processo de educação do povo, a jogada de marketing favorece a mesma lógica do mercado. A autonomia que a escola deveria oferecer, é apenas administrativa, o que favorece a corrupção. Na utilização de tecnologias de educação, os livros didáticos são reducionistas e centralizador, o currículo centraliza, a falta de estrutura também, onde a Escola de Tempo Integral deveria ser minimamente equipada com o aparato da lei e das políticas que regulamentam as mudanças estruturais, temos o apelo do aumento das matriculas e o interesse dos fundos de financiamento, sem planejamento, sem projeto, sem prazos, sem o cumprimento da lei, a todo custo, nesse caso, a infra-estrutura e a merenda da escola é descentralizada, fica a cargo de a sociedade civil dar seu “jeitinho”. Não podemos pensar uma escola de tempo integral que dê resultados fortalecidos pela democracia e a cidadania sabendo que a política do Banco Mundial ( quem financia a educação no Brasil) é legítima quando o assunto são custos baixos e eficiência e sem a preocupação com a qualidade. A Legislação Educacional com suas diretrizes e bases de competência federal abrem as parcerias com a sociedade civil e privada, transferindo a responsabilidade onde o fracasso é justificado por uma sociedade que não se esforça. No Brasil onde a educação é empurrada para os índices numéricos dos, os princípios são ainda: o atendimento vulgarizado, a estagnação do processo educativo, a dura contradição de ver o avanço tecnológico, a robótica, as tecnologias da ciência e da comunicação do lado de fora da escola enquanto os prédios sucateados dizem de um currículo do desleixo e da demora, de quadros negros, de espaço que não diz nada do que querem ouvir esses sujeitos que precisam fazer parte dessa trama. A quem serve a escola?


Chegamos aqui ao seu cotidiano, e suas teias e tramas de relações, nós e nós. A escola está para sociedade como uma possibilidade de ruptura desse sistema de injustiças sociais, mas o que temos é uma educação que atende a os interesses de poucos. Os interesses que navegam pelas leis e decretos são para sustentar a ordem do capital. As rupturas em tempo de crise, exigem muito mais que ações e diretrizes generalizadas, discursos utópicos e leis que não chegam de fato no âmbito da prática no interior das comunidades escolares. A vez agora é dividir a responsabilidade com a comunidade civil e ir saindo de fininho garantindo assim as notícias atualizadas com os números que revelam o aumento das matriculas e a melhoria dos índices. A educação integral poderia sim ser uma saída, na intenção de novos rumos para outros contornos de normalidades e valores, mas ela está sofrendo o peso das poucas reflexões sobre seus processos diários da prática nas instâncias que regulam e regulamentam suas leis, está levando a conseqüência de seu descumprimento e suas contradições. Numa relação de sociedade de indivíduos, a idéia de rede significa a interação entre a formação pessoal e a social, entre o desenvolvimento de personalidades individuais e em exercício de cidadania. Essa relação de pertencimento e responsabilidade é formada em um sistema que significa e valoriza a noção de projeto. Ela articulação entre projetos individuais e coletivos a noção de fazer parte de um foco comum, um bem partilhado. Essa articulação possibilita ao indivíduo a participação ativa no tecido social. Mas como proporcionar essa noção de pertencimento na escola de tempo integral? Estamos caminhando para uma sociedade que precisa re-significar o sentido de cidadania. O sentido de fazer parte, e para isso a escola integral de tempo integral sendo instrumento gerador de uma política de partilha de interesses e experiências, deve suscitar no sujeito suas individualidades e coletividades, suas potencialidades e múltiplas inteligências. A escola de hoje deve estar


preparada para receber as diversidades e necessidades cognitivas e emocionais que surgem dentro dessa rede. As possibilidades de aprendizado mudaram, e mudaram também as formas de se ver as mesmas imagens e de consumi-las. Apostando nas propostas de uma educação para autonomia e a liberdade, onde o indivíduo é capaz de se auto-gerir, de maneira a se colocar dentro e parte de um corpo comum que é a sociedade. Perrenoud nos ensina que a prática reflexiva organiza e objetiva a consciência. Assim temos a certeza que muito temos que percorrer e propor discussões a fim de que restaurar uma consciência coletiva da atual situação da educação brasileira e de suas emergências. Precisamos olhar para esse tempo e percebermos que as modificações precisam emergir de algum lugar, com a ação de indivíduos mais participativos das políticas de educação pode formar um movimento que surge de dentro pra fora da escola, “o professor que não se prepara para intervir na discussão global não é um ator coletivo”. (PERRENOUD, 20002). Essa ação deve buscar uma ressonância de amplitude e reverberar a fim de se tornar parte da consciência coletiva da sociedade brasileira que a cada dia se acostuma com as mazelas e passa a inseri-las em contextos de normalidades.


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