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A luta das mulheres mais forte do que nunca - Revista Fórum São Paulo acordou no último final de semana ainda na ressaca do ato organizado por coletivos feministas contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Na sexta-feira (30), cerca de 15 mil mulheres marcharam por mais de três horas da Avenida Paulista à Praça da Sé, no centro, contra a retirada de direitos conquistados a duras penas. Dois dias se passaram, mas o grito feminino e feminista não arrefeceu: já na segunda-feira (2), a campanha #AgoraÉQueSãoElas bombou nas redes e pipocaram textos e depoimentos de mulheres de diferentes áreas do saber em blogues, portais, jornais, revistas e canais do Youtube, entre outros meios e veículos de comunicação. Nas palavras da professora e doutora em Relações Internacionais Manoela Miklos, sua idealizadora, a ação consiste em “uma semana de mulheres ocupando os espaços masculinos de fala. Homens convidam mulheres para escrever no seu lugar e se colocam nesse lugar do ouvinte. Dando voz e vez a uma mulher. Reconhecendo a urgência da luta feminista por igualdade de gênero e o protagonismo feminino nesta luta”. Desde o início do projeto, já participaram nomes como a editora da Companhia das Letras, Sofia Mariutti, na coluna de Alexandre 1 de 6

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Vidal Porto; as jornalistas e escritoras Bianca Santana e Jarid Arraes, no Blog do Negro Belchior; Juliana de Farias e Luíse Bello, do coletivo feminista Think Olga, e a filósofa Djamila Ribeiro, no Blog do Sakamoto; a psicanalista Maria Rita Kehl, na coluna de Contardo Calligaris; entre outras. A mobilização em torno do #AgoraÉQueSãoElas é parte de um processo que se iniciou há pouco mais de duas semanas, com a estreia do programa MasterChef Júnior na noite do dia 20 de outubro. Durante a transmissão do primeiro episódio, como de costume, o Twitter foi inundado por mensagens relativas à atração da TV Bandeirantes. Dentre a avalanche de tuítes e memes, alguns não puderam ser ignorados: seu alvo era uma das participantes, de apenas doze anos. Com teor sexual, faziam menção à aparência física da menina e a colocavam em situações que uma criança como ela sequer compreende. A jornalista Carol Patrocinio, diante da situação, escreveu um texto sobre a íntima relação entre o assédio à “chef júnior” e a cultura do estupro, ao mesmo tempo tão comum e negligenciada em nossa sociedade. A revolta diante dos comentários motivou, logo em seguida, a campanha #PrimeiroAssédio, criada pelo Think Olga, que incentivou as mulheres a compartilharem nas redes os primeiros casos de assédio de que foram vítimas. Em cinco dias de mobilização, a hashtag foi replicada 82 mil vezes, entre tuítes e retuítes. Os fortes relatos publicizados por aquelas que decidiram quebrar o silêncio impressionaram os internautas e provocaram acalorados

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debates. Ao avaliar os dados, mais um choque: o Think Olga descobriu que, num grupo de 3.111 tuítes analisados, a idade média em que o primeiro assédio ocorreu era de 9,7 anos. Na nuvem construída a partir das mesmas postagens, palavras como “casa”, “escola”, “pai” e “vizinho” apareceram em grandes proporções, indicando que foram frequentemente citadas (leia mais aqui).

Protesto contra Eduardo Cunha e o PL 5069/13 no Rio de Janeiro (Foto: Mídia NINJA)

Com tudo isso, coincidiu a aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara, do projeto de lei 5069/13, de autoria de vários deputados; entre eles, Eduardo Cunha. O PL, além de tornar crime o anúncio de meios ou métodos abortivos e determinar punição a quem induz, instiga ou auxilia num aborto, dificulta o acesso de mulheres vítimas de violência sexual aos procedimentos de interrupção da gravidez fornecidos

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pelo Estado. Se agora a palavra da mulher é soberana, após um estupro, caso aprovada a matéria, ela terá de registrar boletim de ocorrência e se submeter a exame de corpo de delito para poder exercer o direito ao aborto, garantido por lei desde 1940 (leia mais aqui). Outro evento importante sucedeu esses episódios: o Exame Nacional do Ensino Médio. No sábado (25), primeiro dia de provas, uma questão sobre a filósofa francesa Simone de Beauvoir causou alvoroço. No domingo (26), os concorrentes conheceram a proposta de redação, que caiu como uma luva após uma semana marcada por denúncias de assédio e abuso sexual: “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. Fervilharam nas redes comentários contrários ao Enem – figuras reacionárias como Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Marco Feliciano (PSC-SP) comandaram o coro. Houve até vereadores subindo à tribuna da Câmara em Campinas, no interior de São Paulo, para aprovar uma moção de repúdio contra Beauvoir. Teve também promotor de Justiça chamando a pensadora de “baranga francesa”. Na semana seguinte, a resposta das mulheres brasileiras à reação conservadora veio em forma de protesto. Começou pelo Rio de Janeiro na quarta-feira (28), passando por São Paulo na sexta (30) e Porto Alegre, na última terça (3). Novos atos estão sendo marcados e a expectativa é de que sejam ainda maiores. Embora o movimento feminista, em suas diversas correntes, venha há algum tempo ocupando as redes – e se fortalecendo por isso –, é inegável que as mobilizações das últimas semanas atingiram

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magnitude inédita e conseguiram se transportar para as ruas com força semelhante à que mostraram no Twitter e no Facebook. Em texto publicado no Blog do Sakamoto para a campanha #AgoraÉQueSãoElas, a jornalista e escritora Laura Capriglione considera que a luta pelo direito das mulheres vem ganhando mais espaço e projeção por conta de um “novo tipo de feminismo”. “Trata-se de um feminismo que tem como ponto de partida o compartilhamento generalizado de experiências individuais dolorosas. Milhares de testemunhos agora públicos sobre o #PrimeiroAssédio permitiram a cada menina/jovem/mulher entender que pertence a uma parte da humanidade tratada como presa de outra parte, dos caçadores. E, de repente, houve uma coagulação de solidões em um ‘nós’ comum – uma menina juntando-se a outra e mais a outra”, argumenta. “Essas mulheres não tolerariam que mais um boçal como Eduardo Cunha viesse tocar em seus corpos, como tantas outras vezes ocorreu”, destaca. Para Vanessa Rodrigues, uma das fundadoras e diretora executiva da ONG feminista Casa de Lua, as recentes manifestações significam um sinal de “basta” vindo das mulheres. “Acho que tudo isso subiu a fervura de nossa profunda exaustão. Quando a gente pensa que estão querendo mexer em direitos que já tínhamos garantidos, piorando mais ainda o atendimento a mulheres estupradas, já tão falho, nos damos conta do quão pouco valemos nesse jogo político”, explica. “Já sabíamos que não avançaríamos no debate da legalização do aborto. Mas o risco de retroceder é muito assustador. Isso foi muito mobilizador. Até mesmo o ‘Enem Feminista’ pode ter influenciado na disposição em ir pras ruas.”

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(Leia aqui o texto de Vanessa para a campanha #AgoraÉQueSãoElas).

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