Fibrose C铆stica
Ilma Aparecida Paschoal M么nica Corso Pereira (organizadoras)
Copyright © 2010 Ilma Aparecida Paschoal, Mônica Corso Pereira Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem a autorização escrita da Editora. Editora: Dirce Laplaca Viana Coordenadora editorial: Anna Yue Produtor editorial: Vanderlei Orso Assistentes editoriais: Gabriela Hengles e Renata Alves Assistentes de produção gráfica: Aline Gongora, Lucas Godoy e Cristiane Viana Secretária editorial: Priscilla Garcia Preparação de originais: Clauco Sant’Ana Revisão de português: Mariana Zanini Projeto gráfico: Aline Gongora Editoração eletrônica: Cristiane Viana Ilustrações: Alexandre Cartianu Capa: Cristiane Viana As informações e as imagens são de responsabilidade dos autores. A Editora não se responsabiliza por eventuais danos causados pelo mau uso das informações contidas neste livro. O texto deste livro segue as novas regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Impresso no Brasil Printed in Brazil
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Fibrose cística / Ilma Aparecida Paschoal , Mônica Corso Pereira (organizadoras) . – São Caetano do Sul, SP :Yendis Editora, 2010. Vários autores ISBN 978-85-7728-169-5 1. Fibrose cística 2. Fibrose cística - Diagnóstico 3. Fibrose cística – Tratamento I. Paschoal, Ilma Aparecida. 10-05446
CDD-616.37 NLM-WI-800
Índices para catálogo sistemático: 1. Fibrose cística : Diagnóstico e tratamento : Medicina 616.37 2. fibrose cística : diagnóstico e tratamento : medicina WI-800
Yendis Editora Ltda. R. Major Carlos Del Prete, 510 – São Caetano do Sul – SP – 09530‑000 Tel./Fax: (11) 4224‑9400 yendis@yendis.com.br www.yendis.com.br
Organizadoras
Ilma Aparecida Paschoal Professora Associada do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp), disciplina de Pneumologia.
Mônica Corso Pereira Médica Pneumologista Assistente da disciplina de Pneumologia do Departa-
mento de Clínica Médica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Professora Doutora da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCC). Chefe do Serviço de Pneumologia do Hospital e Maternidade Celso Pierro (PUCC).
III
Colaboradores
Adriano Bley Médico Endocrinologista. Mestre em Endocrinologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Antonio Fernando Ribeiro Professor Doutor Coordenador da disciplina de Gastroenterologia e Nutrição do
Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp). Coordenador da Equipe Multiprofis-
sional de Assistência aos Pacientes com Fibrose Cística do Departamento de Pediatria da FCM/Unicamp.
Camila Isabel da Silva Santos Professora Adjunta da Faculdade de Fisioterapia da Universidade do Estado
de Santa Catarina (UDESC). Doutora pelo Curso de Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp).
V
Fibrose Cística
Carlos Emílio Levy Professor Assistente Doutor do Departamento de Patologia Clínica da Faculdade
de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp). Diretor da Divisão de Patologia Clínica do Hospital de Clínicas da Unicamp.
Carmen Sílvia Bertuzzo Professora Doutora Associada do Departamento de Genética Médica pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (FCM/Unicamp).
Célia Linhares Coordenadora da Sociedade de Assistência à Fibrose Cística (Fibrocis).
Diogo Siqueira Engenheiro Eletro-Eletrônico pela Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp).
Elza Maria Figueiras Pedreira de Cerqueira Médica Cardiologista do Hospital Estadual de Sumaré. Mestre em Clínica
Médica pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp).
Eulalia Sakano Responsável pelo setor de Rinologia da disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutora em Ciências Médicas. Área de concentração: Otorrinolaringologia.
Fabíola Villac Adde Médica Assistente da Unidade de Pneumologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Doutora em Medicina pela FMUSP.
VI
Colaboradores
Gabriel Hessel Professor Associado do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp). Coordenador do
Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade .
Gisele Nunes Yonezawa Médica Assistente da disciplina de Pneumologia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (FCM/Unicamp). Mestre em Imunologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professora de Medicina na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCC).
Ilma Aparecida Paschoal Professora Associada do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp), disciplina de Pneumologia.
Ivan Felizardo Contrera Toro Professor e Coordenador da disciplina de Cirurgia Torácica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
João Paulo Jordão Mainardi Residente da disciplina de Cirurgia Torácica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
José Dirceu Ribeiro Professor Associado do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências
Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp). LivreDocente em Pediatria pela Unicamp e Coordenador do Setor de Pneumologia Pediátrica do Departamento de Pediatria da Unicamp.
VII
Fibrose Cística
Júnia Rezende Gonçalves Professora da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas (PUCC). Médica Assistente da Unidade de Emergência Referenciada do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Pneumologista, Mestranda em Clínica Médica pela Unicamp.
Marcelo Mota Monteiro Médico Pneumologista.
Maria Ângela Gonçalves de Oliveira Ribeiro Coordenadora de Fisioterapia Pediátrica do Departamento de Pediatria da Fa-
culdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/ Unicamp). Coordenadora de Pesquisa do Laboratório de Fisiologia Pulmonar do Centro de Investigação em Pediatria da FCM/Unicamp. Doutoranda do Curso de Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
Milena Antoneli Mestranda do Curso de Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp).
Mônica Corso Pereira Médica Pneumologista Assistente da disciplina de Pneumologia do Departa-
mento de Clínica Médica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Professora Doutora da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCC). Chefe do Serviço de Pneumologia do Hospital e Maternidade Celso Pierro (PUCC).
Paulo de Tarso Roth Dalcin Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Pneumologista Coordenador do Programa para Adultos com Fibrose Cística do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
VIII
Colaboradores
Priscila Dentini Bióloga, Mestranda em Microbiologia pelo Departamento de Patologia Clínica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp).
Ricardo Kalaf Mussi Médico Assistente da disciplina de Cirurgia Torácica. Professor do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Cirurgia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Roberto José Negrão Nogueira Pediatra e Nutrólogo. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela
Universidade de Campinas (Unicamp). Coordenador Clínico da Equipe Multiprofissional de Terapia Nutricional do Hospital das Clínicas da Unicamp e
do Hospital Centro Médico de Campinas. Especialista em Nutrição Parenteral
e Enteral pela Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (SBNPE). Especialista em Terapia Intensiva Pediátrica pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB).
Roberto Massao Yamada Professor Adjunto Doutor do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Carlos (UFScar). Pesquisador Colaborador do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp).
Tatiana Rozov Orientadora de alunos da Pós-Graduação em Reabilitação Pulmonar da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp).
Livre-Docente do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FMUSP). Médica Colaboradora da Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina do ABC (FM/ABC).
IX
Fibrose Cística
Vanessa Pacini Inaba Fernandes Médica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com Residência em Pediatria pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Residência em Gastroenterologia Pediátrica pela Unicamp. Especialista em Nutrição Parenteral e Enteral pela Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (SBNPE).
Walter Pinto Junior Professor Doutor Titular pelo Departamento de Genética Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (FCM/Unicamp).
X
Sumário
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
xv
Ilma Aparecida Paschoal e Mônica Corso Pereira
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
xviii
Jaquelina Sonoe Ota Arakaki
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
xix
Margarida D. Amaral Capítulo 1 – Os canais iônicos e sua história na fibrose cística . . . . .
1
Ilma Aparecida Paschoal Capítulo 2 – Metacronia no movimento mucociliar . . . . . . . . . . . .
35
Diogo Siqueira Capítulo 3 – A bronquiolite na fibrose cística . . . . . . . . . . . . . . . . .
49
Ilma Aparecida Paschoal
XI
Fibrose Cística
Capítulo 4 – Técnicas diagnósticas na fibrose cística . . . . . . . . . . .
59
Fabíola Villac Adde Capítulo 5 – Diagnóstico molecular da fibrose cística . . . . . . . . . . .
73
Carmen Sílvia Bertuzzo Capítulo 6 – Aconselhamento genético e fertilização in vitro
na fibrose cística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
85
Walter Pinto Junior Capítulo 7 – Nutrição na fibrose cística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
97
Roberto José Negrão Nogueira e Vanessa Pacini Inaba Fernandes Capítulo 8 – Qualidade de vida e questionários de
qualidade de vida na fibrose cística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 Tatiana Rozov Capítulo 9 – Aspectos de imagem do comprometimento
pulmonar na fibrose cística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115 Elza Maria Figueiras Pedreira de Cerqueira Capítulo 10 – Avaliação funcional respiratória na fibrose cística: espirometria, manovacuometria, plestimografia e capacidade de difusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131 Júnia Rezende Gonçalves Capítulo 11 – Vias aéreas superiores na fibrose cística . . . . . . . . . . 149 Eulalia Sakano Capítulo 12 – Acometimento respiratório na criança com fibrose cística: quadro clínico, diagnóstico e tratamento . . . . . . . . . . . . . . 157 José Dirceu Ribeiro Capítulo 13 – Microbiologia do trato respiratório na fibrose cística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201 Carlos Emílio Levy
XII
Sumário
Capítulo 14 – Pseudomonas aeruginosa na fibrose cística . . . . . . . . 213 Marcelo Mota Monteiro Capítulo 15 – Complexo Burkholderia cepacia e outros burkholderiaceae . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 231 Priscila Dentini e Carlos Emílio Levy Capítulo 16 – Stenotrophomonas maltophilia . . . . . . . . . . . . . . . . . 253 Carlos Emílio Levy Capítulo 17 – Achromobacter xylosoxidans . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 265 Carlos Emílio Levy Capítulo 18 – Tratamento farmacológico da hipersecreção na fibrose cística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 273 Paulo de Tarso Roth Dalcin Capítulo 19 – Fisioterapia na fibrose cística . . . . . . . . . . . . . . . . . . 283 Maria Ângela Gonçalves de Oliveira Ribeiro,Camila Isabel da Silva Santos e Milena Antoneli Capítulo 20 – Hiper-reatividade brônquica e fibrose cística . . . . . . 311 Gisele Nunes Yonezawa Capítulo 21 – Insuficiência respiratória crônica na fibrose cística:
diagnóstico e tratamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 327 Mônica Corso Pereira Capítulo 22 – Transplante pulmonar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 353 Ricardo Kalaf Mussi, João Paulo Jordão Mainardi e Ivan Felizardo Contrera Toro Capítulo 23 – Acometimento do sistema digestório na fibrose cística e suas consequências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 363 Antonio Fernando Ribeiro Capítulo 24 – Hepatopatia em pacientes com fibrose cística . . . . . 377 Gabriel Hessel e Roberto Massao Yamada XIII
Fibrose Cística
Capítulo 25 – Diabetes mellitus relacionado à fibrose cística . . . . . 395 Adriano Bley
Capítulo 26 – O papel do cuidador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 411 Célia Linhares Capítulo 27 – A transição do atendimento ao paciente fibrocístico: do trabalho pediátrico para o trabalho com adultos . . . . . . . . . . . . 419 José Dirceu Ribeiro, Maria Ângela Gonçalves de Oliveira Ribeiro e Antonio Fernando Ribeiros
Imagens coloridas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 429
XIV
Apresentação
Segundo os dados disponíveis, a prevalência da fibrose cística no Brasil vai
de 1 a cada 3.500 nascidos vivos até 1 a cada 10.000 nascidos vivos. A diferença
provavelmente pode ser explicada pelo grau variado de miscigenação das populações avaliadas. Mesmo a menor frequência encontrada faz desta afecção uma condição comum o suficiente para que os profissionais de saúde a tenham sempre em mente nos diagnósticos diferenciais de sintomas respiratórios e gastrintestinais crônicos.
O fenótipo completo da doença produz manifestações precoces logo ao
nascimento ou ao longo do primeiro ano de vida, fato que remete ao pediatra a obrigação do diagnóstico correto e da aplicação das condutas terapêuticas apropriadas.
Apesar de a síndrome de má absorção poder levar à desnutrição grave caso
não seja tratada, é o comprometimento do sistema respiratório o responsável
pela alta morbidade e mortalidade entre os pacientes da doença, fato que faz da fibrose cística uma condição que deve ser amplamente divulgada entre especialistas em doenças pulmonares.
XV
Fibrose Cística
A fibrose cística traz aos indivíduos acometidos e suas famílias uma carga
elevada de limitações e sofrimentos, e cabe aos médicos e outros profissionais de saúde envolvidos no cuidado desses doentes conhecer o essencial para tornar a vida dessas pessoas mais suportável.
Por outro lado, a busca pelo entendimento da fisiopatogenia da fibrose
cística, doença geneticamente determinada e relativamente rara frente a outras
doenças adquiridas, pode trazer conhecimento sobre como deve ser o funcionamento normal dos órgãos por ela acometidos – conhecimento este que pode
ser utilizado no desenvolvimento de terapêutica para anormalidades causadas por doenças mais frequentes.
Há ainda a ser considerado o desafio intelectual que os fenótipos variados
da fibrose cística propõem ao profissional de saúde que os observa: mutações consideradas graves em pacientes com quadros clínicos leves; formas restritas ao pulmão, de diagnóstico tardio; formas restritas ao sistema reprodutor, para citar alguns dos mistérios.
Os profissionais de saúde diretamente envolvidos no cuidado de pacientes
com fibrose cística devem aproveitar a situação privilegiada que a observação
destes doentes lhes propicia para fornecer informações aos pesquisadores das áreas básicas e para questionar hipóteses que não se sustentem pelos dados fornecidos pela clínica.
A reunião de profissionais que cuidam de pacientes fibrocísticos neste
livro tem como objetivos, portanto, estimular profissionais de saúde a pensar
na fibrose cística, fazer o diagnóstico corretamente, oferecer o melhor suporte terapêutico possível e adquirir mais informações sobre a doença.
Ilma Aparecida Paschoal Mônica Corso Pereira
XVI
Prefácio
Assistimos, nas últimas décadas, a um grande avanço no manejo da fibrose
cística, da constatação inicial da sobrevida limitada de crianças com suor salgado e comprometimento de glândulas exócrinas à descoberta do gene relacionado à doença em 1989.
As diferentes mutações genéticas levam a fenótipos variados, desde quadros
clínicos clássicos a mais leves, cuja suspeição clínica pode não ocorrer, ocasionando o diagnóstico tardio da doença.
O caráter sistêmico da fibrose cística gerou a necessidade de uma aborda-
gem multidisciplinar, tornando-se um exemplo para o tratamento de pacientes portadores também de outras doenças.
A abordagem multidisciplinar associada ao maior conhecimento da sua
fisiopatogenia, com consequente evolução das opções terapêuticas, são fatores responsáveis pelo aumento substancial da sobrevida dos fibrocísticos.
São evidentes os benefícios do acompanhamento do paciente em centros
especializados no diagnóstico e tratamento da fibrose cística, fato já concreto
com relação à população pediátrica. Porém, com o aumento da expectativa de vida dos pacientes, faz-se necessária a formação de profissionais capacitados e de centros de referência para o tratamento do paciente adulto no Brasil.
XVII
Fibrose Cística
As perspectivas no manejo da fibrose cística são amplas, com várias me-
dicações em fase de desenvolvimento ou de estudos, como a terapia gênica,
medicamentos para restauração do muco, novos antibióticos, nutrientes, entre outros.
Esta obra oferece conteúdo aprofundado sobre os mecanismos da doença,
diagnóstico, apresentação clínica e tratamento, considerando sempre a natureza sistêmica da fibrose cística com consequente abordagem multidisciplinar.
É com muita honra e muito prazer que os convido a esta fascinante leitura,
que certamente contribuirá para o melhor manejo do paciente portador de
fibrose cística – mas que deve gerar, ao mesmo tempo, uma inquietação frente aos desafios e às perspectivas surgidas com o aumento da sua sobrevida.
Jaquelina Sonoe Ota Arakaki
Presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia
XVIII
Prefácio Margarida D. Amaral
Fibrose Cística (ou Quística, como dizemos em Portugal) representa um marco
notável nos esforços da comunidade brasileira em se organizar de forma a fazer
face aos combates diários travados com esta doença. O presente livro é, assim, a concretização de um esforço muito positivo por parte de um amplo conjunto de profissionais brasileiros no sentido de divulgar conceitos para melhorar a
qualidade de vida e também de abrir vias que permitam atingir o objetivo final comum a todos nós, ou seja, a cura desta doença.
Estamos em uma época que internacionalmente se buscam competências,
conhecimentos, capacidade de resposta e de liderança para enfrentar os múltiplos desafios que esta doença nos coloca e, acima de tudo, alcançar sua cura.
Neste sentido, o presente texto é também uma afirmação pública do muito que já se faz no Brasil na área da fibrose cística, em termos de cuidados primários (fisioterapia, nutrição), clínicos (diagnóstico e tratamento) e também em várias vertentes da investigação.
Efetivamente, já estão em curso ensaios clínicos internacionais nos quais
se testa a capacidade de reparar a proteína CFTR, de uma forma específica para as mutações presentes em cada paciente. É, então, necessário coordenar
XIX
Fibrose Cística
esforços para encontrar onde estão os pacientes possuidores de uma mesma mutação e que estejam nas melhores condições clínicas para participarem dos estudos. A existência de registros de pacientes, devidamente padronizados nos
respectivos parâmetros, de forma a permitirem a rápida e eficiente troca de dados, adquirem assim uma relevância de primeira linha. Só desta forma será
possível criar as necessárias redes de ensaios clínicos para podermos avançar
a passos largos para a cura através da validação dos melhores compostos que estão a ser desenvolvidos.
O Brasil, com a sua bela e riquíssima diversidade populacional, fruto de uma
história fértil em multiplicidade sócio-cultural, pode desempenhar uma posição fulcral nesse processo. Assim, estou certa de que não deixará de responder a este chamado, para o qual poderá certamente beneficiar muito do conhecimento acumulado e experiência de outras redes clínicas já estabelecidas.
Estamos, pois, todos impregnados de uma onda de optimismo, mas é bom
lembrar que o caminho a percorrer é ainda longo e penoso, reclamando ainda os nossos melhores esforços. Parafraseando Winston Churchill: “Agora ainda não é o fim. Não é sequer o princípio do fim. Mas é talvez, já o fim do princípio!”.
Este exemplo de “obra feita” por parte da comunidade brasileira da área
da fibrose cística é um excelente exemplo de que o Brasil já está no rumo certo e decididamente nos levará mais próximos de completarmos a nossa missão.
Margarida D. Amaral, PhD
Professora da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa Coordenadora da Unidade de Investigação em Fibrose Quística, (INS), Lisboa
XX
Cap ítulo 1
Os Canais Iônicos e sua História na Fibrose Cística Ilma Aparecida Paschoal
A Doença
e o Início de seu
Entendimento
Da cuidadosa observação clínica à descoberta do gene A progressão do conhecimento a respeito da fisiopatogenia da fibrose
cística (FC) constitui um exemplo muito ilustrativo da trajetória evolutiva do saber em Medicina.
Da sabedoria popular medieval, que atribuía tempo curto de vida às
crianças com suor excessivamente salgado, à descoberta do gene relacionado
à doença, em 1989,1,2 um longo caminho foi percorrido. Ainda assim, o conhe-
cimento do gene não esclareceu completamente o mecanismo da doença em todos os órgãos afetados.
Nos primeiros anos do século XX, clínicos e patologistas já reconheciam um
padrão de manifestações mórbidas em crianças brancas que levava à morte e
se caracterizava por disfunção múltipla de glândulas exócrinas. A denominação dessa condição variava: fibrose cística do pâncreas, enfatizando uma das
manifestações mais proeminentes da doença, ou seja, a destruição do pâncreas; 1
Fibrose Cística
mucoviscidose, nome que ressalta outro aspecto importante do conjunto de distúrbios orgânicos, isto é, a produção de muco com características alteradas, como aumento da densidade e da viscosidade, no trato respiratório, no sistema digestório e em outros locais em que a produção de muco for necessária para o funcionamento adequado do organismo.
Dorothy Andersen, patologista norte-americana, em publicação de 1983,3
descreve meticulosamente os achados clínicos, laboratoriais e anatomopatológicos de crianças primariamente classificadas como portadoras de doença
celíaca, mas que revelaram, na autópsia, extenso comprometimento pancreático. Ela conseguiu descrever várias das alterações hoje aceitas como definidoras da fibrose cística, tais como obstrução intestinal neonatal e complicações pulmo-
nares e intestinais tardias; no entanto, seu trabalho chamou a atenção para as profundas alterações anatômicas do pâncreas.
Durante a Segunda Guerra Mundial reconheceu-se que a fibrose cística
repetia-se em famílias, e se propôs tratar-se de herança mendeliana recessiva.4
Era difícil o diagnóstico da doença na época, e este baseava-se em achados clínicos de síndrome de má-absorção associados a sintomas respiratórios.
A famosa onda de calor de 1948, em Nova York, propiciou a observação
de que portadores de fibrose cística eram acentuadamente intolerantes a altas
temperaturas.5 Em 1952, Paul di Sant’Agnese,6 ao investigar a composição do suor de dois pacientes positivos e o de dois controles, descobriu que o suor
dos doentes tinha concentrações maiores de cloreto, sódio e potássio (este em menor intensidade) do que o suor dos indivíduos normais. Esta observação era
inusitada e foi recebida com ceticismo por muitos profissionais envolvidos no cuidado de pacientes fibrocísticos. No entanto, di Sant’Agnese ampliou sua casu-
ística e demonstrou que o achado era uma constante em portadores da doença. Para contornar a dificuldade de obtenção de suor em quantidade suficiente
para a dosagem de eletrólitos (e evitar o risco de “embrulhar” os pacientes de
fibrose cística para fazê-los suar), Gibson e Cook, em 1959,7 propuseram a técnica
de estimulação colinérgica para obtenção de suor de pequena área da pele, com
o uso de pilocarpina administrada por iontoforese, até hoje utilizada no teste do suor, padrão áureo para o diagnóstico de fibrose cística.
Na década de 1980, ocorreram grandes avanços no conhecimento sobre fi-
brose cística. Em 1981, Knowles et al.8 mediram a diferença de potencial elétrico 2
1 • Os Canais Iônicos e sua História na Fibrose Cística
(ddp) no epitélio respiratório do nariz (um eletrodo conectado à superfície do
epitélio nasal e outro à região discretamente escarificada da pele do antebraço
– para estabelecer contato com o líquido extracelular), e demonstraram que o epitélio nasal de pacientes fibrocísticos era excessivamente negativo em comparação ao mesmo epitélio de indivíduos normais (–53 ± 1,8 mV e –24,7 ± 0,9 mV,
respectivamente); tal discrepância devia-se ao aumento acentuado da voltagem sensível à amilorida. Em outras palavras, a adição de amilorida à superfície do
epitélio nasal reduzia consideravelmente a elevação do potencial, fato que pare-
cia implicar o canal de sódio da membrana apical da célula epitelial, epithelium
sodium channel (ENaC), na geração desse efeito, uma vez que o canal de sódio pode ser bloqueado pela amilorida.
Cloreto e sódio elevados no suor e aumento da ddp no epitélio respiratório
pareciam apontar para um defeito na movimentação de íons através das células
epiteliais. No entanto, os achados não tinham ligação óbvia com o muco viscoso
e denso observado nos pulmões, nos ductos pancreáticos e em outros órgãos produtores de muco.
Quinton e Bijman, em 1983,9 também identificaram diferenças de potencial
anormalmente negativas no suor obtido de indivíduos fibrocísticos (–66,3 mV, se
comparada a –29,8 mV de indivíduos normais) e concluíram que havia redução muito acentuada da reabsorção de cloreto nos ductos das glândulas sudorípa-
ras, se comparada com a diminuição da reabsorção de sódio. Aparentemente, as células epiteliais do ducto seriam pouco permeáveis ao cloreto (Tabela 1.1).
Tabela 1.1 Dados obtidos a partir de Quinton e Bijman9 Taxa no Absorção Absorção % % absor‑ Δ Δ suor Sódio Cloreto de sódio de cloreto absorção ção de Sódio Cloreto (nl/min) (mM/min) (mM/min) de sódio cloreto Controles
2,26
23
20
124
103
252
208
Pacientes
2,12
93
97
54
26
101
41
40,1% do normal
19,7% do normal
Para o cálculo da variação (Δ) de concentração produzida pela absorção no ducto da glândula sudorípara foram assumidas as concentrações de 147 mM/l de sódio e 123 mM/l de cloreto (as concentrações do fluido extracelular). Todos os cálculos partem do pressuposto de que não existe nenhuma absorção de água no ducto.
3
Fibrose Cística
Os achados de Knowles et al.8 e de Quinton e Bijman9 deram origem a duas
teorias conflitantes sobre as manifestações sistêmicas da fibrose cística, que não
foram confirmadas ou descartadas com a identificação do gene cujas mutações
provocam a doença. Em 1985, dois grupos de pesquisadores conseguiram localizar o gene no cromossomo 7, através do uso de marcadores polimórficos de DNA que segregavam em conexão com a doença.1 Em 1989, Riordan
et al.2 clonaram o gene e utilizaram a sequência obtida do DNA para propor
a estrutura da proteína codificada, denominada cystic fibrosis transmembrane conductance regulator (CFTR).
Estudos posteriores demonstraram que a sequência normal do gene podia
corrigir a anormalidade eletrofisiológica da membrana de células epiteliais obtidas de pacientes fibrocísticos. Tal correção coincidia com a detecção de
atividade em canais de cloreto, anteriormente afuncionais.10 No entanto, pela
estrutura da proteína codificada não se podia concluir se ela própria era o canal de cloreto ou se ela atuava como reguladora nos canais de cloreto.
O Peculiar Canal
de
Cloreto Cftr11
Do gene à proteína Diferentemente das bombas iônicas, como a famosa bomba de sódio-potássio,
que consomem energia para o transporte conjugado de um par de íons, os canais
iônicos permitem a passagem de grandes quantidades de íons, movimentados por gradientes eletroquímicos. De fato, funcionam como portões, abertos ou fe-
chados em diferentes situações, de modo a garantir as condições homeostáticas.
A identificação da estrutura primária (sequência de aminoácidos) do po-
lipeptídio CFTR deixou claro que ele pertencia à família dos transportadores
ATP Binding Cassete (ABC). Os transportadores ABC são proteínas da membrana celular capazes de ligar moléculas de ATP a porções de sua estrutura;
tais moléculas, quando hidrolisadas, provocam modificações conformacionais na proteína, criando poros por onde vários compostos podem passar. Em
bactérias, os transportadores ABC permitem a entrada de compostos essenciais como açúcares, vitaminas e íons metálicos. Em organismos eucarióticos,
os transportadores ABC permitem principalmente a saída de moléculas pela 4
1 • Os Canais Iônicos e sua História na Fibrose Cística
membrana celular ou a entrada de compostos em organelas citoplasmáticas (retículo endoplasmático, mitocôndria etc.).
Transportadores ABC típicos possuem dois domínios transmembrana (TMs),
cada qual constituído de alfa-hélices que cruzam a dupla camada de fosfolípides da membrana várias vezes (de 6 a 12 vezes). Os TMs conferem especificidade
a cada substrato transportado. Todos os transportadores ABC têm também um
ou dois domínios que ligam ATP, conhecidos por nucleotide-binding fold (NBF) e localizados na porção citoplasmática da membrana.
Não é muito comum nos organismos eucarióticos a presença de transporta-
dores ABC que atuem como canais iônicos, bem como foge ao padrão dos canais iônicos a necessidade de hidrolisar ATP para sua abertura. Tais fatos diferenciam
o CFTR dos outros transportadores ABC. Além disso, faz parte da estrutura do CFTR o domínio R, não encontrado em outras proteínas da mesma família e
rico em sítios passíveis de fosforilação por fosfoquinases (PK), fato que sugere
a participação destas enzimas no controle do funcionamento do canal iônico. Sob condições normais, a fosforilação de sítios do domínio R pela fosfoquina-
se A é essencial para que ocorra a abertura do canal, após a ligação do ATP à
porção NBF do CFTR. Especula-se que a fosforilação do domínio R torne mais fácil a transmissão da modificação conformacional, consequente à ligação de
ATP ao NBF, até o poro do canal (provavelmente constituído pelos domínios transmembrana). Assim, o CFTR, produto do gene mutante da fibrose cística, representa a adaptação estrutural de um transportador ABC para a constituição
de um canal iônico, estritamente regulado, na superfície apical de muitas células epiteliais naturalmente polarizadas nas regiões basolateral e apical, pelo fato de constituírem zona de fronteira entre os ambientes externo e interno da célula.
O fato de ocorrer hidrólise de ATP nos sítios NBF poderia levar à conclu-
são de que o transporte iônico pelo CFTR fosse ativo, ou seja, que consumisse energia. No entanto, sabe-se que a movimentação de íons ocorre por força de
gradientes eletroquímicos. Admite-se que o CFTR seja semelhante a outros ca-
nais que respondam à ligação de certas substâncias como nucleotídios cíclicos.
A incorporação da substância ativadora à estrutura do canal perturbaria o estado
fechado, desencadeando a transição fechado-aberto por alteração da energia ci-
nética do conjunto de átomos componentes. No caso de canais que respondem a nucleotídios cíclicos, sua concentração é regulada pela ação das ciclases e
5
Fibrose Cística
fosfodiesterases, que os formam e degradam. A abertura e o fechamento do
canal ocorrem em resposta à variação da concentração do nucleotídio cíclico. A concentração de ATP no interior da célula permanece relativamente constante ao longo do tempo, e poderia servir à abertura do canal; no entanto, outro
mecanismo deve ser responsável pela inibição da abertura, provavelmente a hidrólise da molécula de ATP. No funcionamento integrado desses mecanismos,
a ligação da molécula de ATP seria o passo capaz de produzir as modificações
estruturais necessárias à formação do poro, ao passo que a hidrólise da molécula de ATP terminaria o ciclo de transporte, permitindo o início do próximo ciclo.
Água, Íons
e o
Epitélio
das
Vias Aéreas
Os limites entre meio interno e meio externo As junções intercelulares são essenciais para que o epitélio exerça sua função
e barreira entre os meios interno e externo, muito embora essa barreira possa
não ser impenetrável, como é o caso do epitélio respiratório. Além disso, elas estabelecem distinção geográfica na membrana celular, de modo que haja uma
membrana voltada para o meio interno, chamada membrana basolateral, e outra voltada para o meio externo, a membrana apical (Figura 1.1).
Figura 1.1 Microscopia eletrônica de transmissão do epitélio respiratório: células ciliadas nas quais se identifica a porção apical da membrana celular, dotada de cílios, e a porção basolateral, que estabelece o limite das células entre si com a membrana basal. 6
1 • Os Canais Iônicos e sua História na Fibrose Cística
A membrana apical e a membrana basolateral não são diferentes apenas pela
posição geográfica, mas também por sua estrutura, já que transportadores e canais iônicos específicos localizam-se em uma ou em outra região. Na membrana
apical situam-se o CFTR, o ENaC (Figura 1.2 – ver em Imagens Coloridas, no final do livro) e alguns outros tipos de canal de cloreto, como o canal de cloreto
ativado pelo cálcio. Na membrana basolateral estão os canais de cloreto, de potássio, de água e de vários transportadores e trocadores de íons, tais como os
trocadores de bicarbonato-cloreto e os de sódio-hidrogênio, a bomba de sódiopotássio e o cotransportador de sódio-potássio-cloreto.
A Movimentação Respiratório
de Íons nas
Células
do
Epitélio
Dentro da célula, fora da célula e dentro do organismo (o meio extracelular), e fora da célula e fora do organismo (o ambiente): a complexidade dos seres pluricelulares O interior das células do epitélio respiratório é mais negativo do que o ex-
terior e apresenta concentrações iônicas bastante específicas: 10 a 20 mM para
o sódio, 40 a 50 mM para o cloreto e 120 mM para o potássio. Fora das células, no líquido extracelular e, provavelmente, no líquido superficial das vias aéreas
(LSVA), as concentrações seriam: 130 a 140 mM para o sódio, 90 a 110 mM para
o cloreto e 4 a 5 mM para o potássio (Figura 1.3 – ver em Imagens Coloridas).12
Como nas demais células do organismo, vale a regra: sódio para fora e potássio
para dentro, fato que mantém uma diferença considerável de concentração desses íons entre o interior e o exterior da célula. O potássio intracelular atinge 120 mM,
valor 30 vezes maior que sua concentração fora da célula. Esse acúmulo de potássio dentro da célula faz-se ativamente, isto é, com gasto de energia
pelo sistema transportador denominado bomba de sódio-potássio, situada na membrana basolateral, e que, como já dito, mantém a concentração de
potássio maior no meio intracelular que no extracelular, fazendo o contrário
com a concentração de sódio (Figura 1.2). Há, no entanto, várias proteínas que formam poros pelos quais o potássio escapa continuamente do interior
7
Fibrose Cística
da célula, movimento este totalmente passivo (sem gasto energético), a favor de um gradiente de concentração. Tal estado dinâmico de vazamento de cargas
positivas pelos canais de potássio deixa o interior da célula com predomínio de cargas negativas.
A direção do fluxo de cloreto tem como principal determinante a magni-
tude da ddp criada pelo predomínio de cargas negativas dentro da célula e não segue, necessariamente, o gradiente de concentração, que levaria o cloreto
para o interior da célula. Muito embora haja maior concentração de cloreto fora da célula do que dentro dela, esse íon pode se deslocar para o meio externo, desde que um canal específico esteja aberto. Deve-se enfatizar o fato
de que, na membrana apical da célula do epitélio respiratório, o cloreto pode estar em equilíbrio dinâmico, ao passo que os gradientes químico e elétrico (concentração e carga elétrica) podem ter intensidade semelhante e sentidos opostos, permitindo, assim, ao cloreto movimentar-se em qualquer direção, o que seria determinado por outros fatores intervenientes.12 O CFTR é um dos
vários canais de cloreto existentes e, como já salientado, apresenta algumas particularidades que possibilitariam a regulação de outros canais iônicos,
como o ENaC, e a passagem de bicarbonato em alguns locais da membrana.
Por sua vez, o fluxo de sódio para o meio intracelular é extremamente facili-
tado pelos gradientes químico e elétrico, que se somam. A saída do sódio, no entanto, faz-se contra ambos os gradientes, exigindo gasto de energia pela bomba de sódio-potássio.
A visão predominante nos estudos sobre a movimentação iônica no epité-
lio respiratório prevê que o cloreto saia a partir da membrana apical da célula
em direção ao LSVA13,14 e, deste modo, arraste água pela via paracelular para compor esse líquido.
O mais estudado dos canais de cloreto é o CFTR, localizado na membrana
apical de vários tipos de células do epitélio respiratório, especialmente as ciliadas e as dos ductos das glândulas da submucosa. Ele tem baixa condutância
(8 a 10 picosiemens), que pode ser estimulada pela fosfoquinase A dependente de adenosina-monofosfato-cíclico (AMP-cíclico) e regulada pela fosfoquinase C. Várias fosfatases, que quebram moléculas de ATP, podem desativar o CFTR
e diminuir sua condutância.11 Há outros canais de cloreto, tanto na membrana
apical quanto na membrana basolateral, ativados por mudanças na concentra8
1 • Os Canais Iônicos e sua História na Fibrose Cística
ção intracelular do íon, por variações no volume da célula e por variações de potencial elétrico.
Durante a formação dos pulmões, as células do epitélio respiratório são
produtoras de líquido, que se acumula no interior do órgão. A presença desse líquido é fundamental para que os pulmões atinjam seu tamanho normal.
Apesar de o feto apresentar movimentos respiratórios dentro do útero, eles
ocorrem com a glote fechada. Periodicamente ela se abre para eliminar o lí-
quido intrapulmonar produzido em excesso, mas volta a fechar-se, impedindo
a aspiração de líquido amniótico. Considerando-se o fato de os pacientes fibrocísticos nascerem com os pulmões normais,15 outros canais de cloreto
devem participar da secreção de líquido no pulmão, pelo menos no período fetal.16 Canais de cloreto sensíveis a baixo pH, como o encontrado no líquido
pulmonar fetal (6,3), devem ser importantes para o desenvolvimento normal do órgão. O CFTR, portanto, não deve ser essencial ao desenvolvimento pul-
monar. Ratos com o gene do CFTR inativo nascem com pulmões normais,17 e
cistos pulmonares em fetos com fibrose cística apresentam secreção de cloreto e de líquido independente do CFTR.18
O sentido preferencial do movimento do sódio no epitélio respiratório é
para o meio intracelular, a favor dos gradientes elétrico e químico. A entrada do sódio a partir da membrana apical acontece pelo ENaC, canal muito sensível
ao bloqueio pela amilorida, o que arrasta água para dentro das células e para o compartimento extracelular, pela via paracelular ou através de aquaporinas (canais celulares específicos para água).
No pulmão maduro, já em contato com o ar, não existe secreção de cloreto
detectável em condições basais.13,14 Ela só ocorrerá em resposta a um dos vários
estímulos possíveis e também arrasta água nesse processo. O resultado final
desta cadeia de eventos é o aumento do volume do LSVA, que, por sua vez, acelera o transporte mucociliar.19 Muitos dos estímulos para a secreção de cloreto agem por meio do aumento da produção de AMP-cíclico e consequente ativação da fosfoquinase A. Estão neste grupo os adrenérgicos (isoproterenol
e epinefrina), o vasoactive intestinal peptide (VIP) e as prostaglandinas. Outros agentes estimulam a secreção de cloreto por meio de vias dependentes de cálcio.
Nucleotídios e nucleosídios lançados pelas células do epitélio no LSVA podem também ativar a secreção de cloreto, agindo em receptores purinérgicos.19 Por
9
Fibrose Cística
outro lado, algumas substâncias podem inibir a secreção de cloreto. A furosemida, por exemplo, bloqueia o cotransportador de sódio-potássio-cloreto, o que
reduz a concentração deste útimo no interior da célula e diminui a energia que permite que ele seja eliminado pela membrana apical.19
A regulação da absorção de sódio em longo prazo é feita por hormônios,
tais como aldosterona, glicocorticoides e hormônio tireoidiano. Sabe-se que nas dez últimas semanas de gestação ocorre uma mudança no padrão geral de movimento de íons no pulmão que coincide com os níveis em ascensão da-
queles hormônios no feto. Em pneumócitos tipo II em cultura foi demonstrado
que a presença dos hormônios aumenta a transcrição do gene responsável pela síntese da subunidade alfa do ENaC.20 A pressão parcial de oxigênio também afeta a subunidade alfa do ENaC, e um grande aumento da tensão de oxigênio ocorre no nascimento.
Um canal de sódio ativado e funcional é essencial para que ocorra a drástica
transformação do epitélio respiratório de secretor para absortivo à época do nascimento. Ao final da gestação dá-se um aumento significativo na produção
da subunidade alfa do canal de sódio, fato que sugere que esta subunidade é fundamental para o desempenho adequado do canal e também que a absorção
de sódio é de vital importância para o desaparecimento do líquido que preenche os pulmões.21 Mutações nos genes que codificam as subunidades do canal de
sódio alteram a condutância do canal e podem interferir no esvaziamento do líquido pulmonar. A redução da condutância tem sido associada a retardo no clareamento pulmonar e a insuficiência respiratória ao nascer.
O Líquido Superficial
das
Vias Aéreas (LSVA)
Depois de um pulmão totalmente preenchido por líquido na vida intrauteri-
na, a partir do início da respiração deve persistir apenas uma pequena camada de água, eletrólitos e mucinas na superfície das vias aéreas
O oxigênio do ar precisa entrar em contato com a membrana de troca gasosa,
constituída, na maior parte de sua superfície, pelos pneumócitos tipo I. No espaço
delimitado por dois pneumócitos tipo I de alvéolos adjacentes encontram-se os capilares pulmonares e seus elementos de sustentação (fibras colágenas, elásti-
cas e substância fundamental do tecido conjuntivo). Nas porções mais finas, a 10
1 • Os Canais Iônicos e sua História na Fibrose Cística
membrana alvéolo-capilar tem 0,5 μm de espessura e nenhuma proteção contra
dessecação e variações de temperatura. O ar inspirado precisa ser umidificado e aquecido para entrar em contato com a membrana de troca gasosa. Além disso, as impurezas do ar, muitas delas micro-organismos, precisam ser retiradas por
um sistema de limpeza muito eficiente. A estrutura das vias aéreas provê esse aparelho de condicionamento de ar do necessário para proteger a membrana alvéolo-capilar de agressões físicas, químicas e biológicas. Entre a traqueia e os
alvéolos, as vias aéreas dividem-se, por dicotomia assimétrica, de 23 a 26 vezes.
Tal estruturação ramificante faz com que sua superfície se expanda grandemente, das vias proximais para as distais (de uma área de 50 cm2, na terceira geração de brônquios, para 2 m2, na vigésima geração, o que explica a representação
das vias aéreas como um funil invertido).22
A inalação de micro-organismos potencialmente patogênicos faz surgir a
pergunta sobre o modo como as vias aéreas se defendem desse ataque. A ex-
plicação mais antiga enfatiza o papel fundamental do transporte mucociliar. A camada de muco, secretado por células epiteliais juntamente com água e sais
(integrantes do líquido superficial das vias aéreas), funcionaria como armadilha adesiva para os micro-organismos, e o batimento ciliar, ao empurrar o muco em
direção às vias aéreas superiores e à boca, completaria a limpeza de brônquios e bronquíolos. Esta harmoniosa interação de fenômenos físicos e físico-químicos constituiria o principal sistema inato de defesa dos pulmões.22,23
Uma visão posterior do sistema inato de defesa das vias aéreas resultou
de estudos sobre a patogênese da fibrose cística24 e propõe a existência de
um escudo químico no líquido superficial das vias aéreas, que protegeria os pulmões dos agentes biológicos inalados. Nesta hipótese, o epitélio respira-
tório teria duas importantes funções: a produção de defensinas, que seriam
secretadas para a luz das vias aéreas, lá destruindo agentes patogênicos; e a manutenção da hipotonicidade do líquido superficial das vias aéreas com
relação ao líquido extracelular, já que tais defensinas teriam sua atividade
prejudicada por concentração elevada de sal. Neste modelo, o CFTR defei-
tuoso da fibrose cística levaria a um aumento na concentração de cloreto no líquido superficial das vias aéreas, concentração essa que se aproximaria do valor presente no líquido extracelular. A tonicidade do LSVA seria a mesma
observada nos ductos absortivos das glândulas sudoríparas (50 μm). O suor 11
Fibrose Cística
tem de ser hipotônico com relação ao líquido extracelular para permitir a
evaporação de água, que constitui a principal defesa fisiológica contra o superaquecimento do corpo. A água é vaporizada a partir das vias respiratórias
e da superfície da pele. Para cada litro de água vaporizada são extraídas do corpo e transferidas para o meio ambiente 580 Kcal. Cerca de dois a quatro milhões de glândulas sudoríparas (exócrinas) estão distribuídas por toda
a superfície corporal e, em resposta ao estresse térmico, secretam grandes quantidades de solução salina hipotônica (0,2 a 0,4% de cloreto de sódio) (Figura 1.4 – ver em Imagens Coloridas).
À medida que a temperatura ambiente aumenta, diminui a perda de calor
por irradiação, condução e convecção. Em ambientes quentes, os únicos meios para a dissipação do calor consistem na evaporação do suor e na pequena contribuição para perda de calor provocada pela evaporação da água a partir do
sistema respiratório. A umidade relativa do ambiente é o fator determinante da eficácia da perda de calor por evaporação.
Existe, portanto, motivo fisiológico óbvio para o suor ser hipotônico com
relação ao líquido extracelular. Na fibrose cística, a concentração de sódio e clo-
reto no suor é elevada e se aproxima daquela encontrada no líquido extracelular,
diminuindo a eficiência das glândulas sudoríparas. Este fato deixa o paciente, especialmente na infância, extremamente intolerante ao calor, podendo chegar ao quadro completo de intermação.
A generalização de um único defeito para explicar todas as manifestações
de uma síndrome é muito atraente, pois deixa o raciocínio claro e elegante. No
entanto, há evidências consistentes de que o líquido superficial das vias aéreas em indivíduos normais é isotônico com relação ao líquido extracelular, sendo
igualmente isotônico em pacientes fibrocísticos (Figura 1.3).25 Ainda assim, o LSVA teria seu volume muito diminuído nos pacientes com fibrose cística,26
hipótese corroborada por muitos achados experimentais e clínicos (Figura 1.5 – ver em Imagens Coloridas).
Uma outra descoberta importante em pacientes com fibrose cística é a
hiperpolarização do epitélio respiratório,8 em contraste com as medidas em
indivíduos normais. Nos pacientes fibrocísticos há muito mais cargas negativas
e menos líquido no LSVA que no líquido extracelular, fato concreto que serve de base para um teste utilizado no diagnóstico da doença, a medida da diferença 12
1 • Os Canais Iônicos e sua História na Fibrose Cística
de potencial no epitélio nasal (achado já descrito por Quinton e Bijman,9 citados
anteriormente).
Nos pacientes com pseudo-hipoaldosteronismo do tipo 1 (PHA1) ocorre
reversão na diferença de potencial do suor, apesar de as concentrações de sódio e cloro estarem também elevadas e próximas às concentrações do
líquido extracelular. Em indivíduos normais, a diferença de potencial da
pele medida após estimulação da produção de suor pela pilocarpina é de –13 ± 7 mV; nos pacientes com PHA1 é de +22 ± 11 mV27 e em fibrocísticos é –66 ± 2.9 Pelo fato de o interior da célula apresentar carga negativa e de
a concentração de sódio ser muito baixa, este íon deve entrar na célula, a favor de seu gradiente eletroquímico, quando o ENaC abrir. Na falta de
ENaC funcional, o sódio do LSVA não entra. A quantidade maior de sódio no LSVA é, provavelmente, a causa do potencial positivo no suor de pacientes de PHA1. Em pacientes fibrocísticos, a diferença de potencial é muito mais negativa do que o normal, tanto no suor quanto no LSVA. A explicação de
Quinton9 para o potencial medido no suor é a deficiente reabsorção de cloreto pelo fato de o CFTR não estar presente ou ser inativo. Por seu gradiente
eletroquímico o cloreto poderia, teoricamente, mover-se nos dois sentidos
(célula-suor e suor-célula). No enovelado secretor da glândula sudorípara, o líquido precursor do suor é isotônico em relação ao líquido extracelular.
Durante sua passagem pelo ducto reabsortivo, em condições normais, ele
perde eletrólitos até tornar-se hipotônico em relação ao meio externo. A reabsorção de íons sem a correspondente movimentação de água faz que se
suponha que o epitélio do ducto tenha junções intercelulares muito firmes, a ponto de impedirem a passagem de água, ou que as células sejam despro-
vidas de aquaporinas para o movimento hídrico. Em pacientes fibrocísticos, a reabsorção de íons não ocorreria e o fluido produzido teria concentrações iônicas semelhantes às do líquido extracelular; a contagem geral de cargas
elétricas mostraria a predominância de cargas negativas, em razão da deficiente reabsorção de cloreto.
No epitélio respiratório, propõe-se que o CFTR com função normal exerça
ação inibidora sobre a condutância do ENaC. Na glândula sudorípara, no
entanto, evidências disponíveis sugerem uma ação ativadora do CFTR sobre o ENaC.27 Tais diferenças devem relacionar-se às funções desempenhadas pelos
13
Fibrose Cística
diversos epitélios, e uma das características moduladas para adaptação à função específica é o grau de permeabilidade das tight junctions.
O Papel Regulador Exercido pela Permeabilidade Variável das Junções Intercelulares Órgãos e sistemas têm uma história na teoria da evolução e funcionam de
modo a cumprir determinados objetivos; a modulação de uma característica celular, tecidual ou orgânica atende a uma finalidade (a teleologia, antigamente desconsiderada pela Ciência, é admitida hoje como parte de sistemas complexos)2
Epitélios ditos impermeáveis praticamente não permitem a passagem de
água, outros compostos ou elementos pelas junções intercelulares. Neles é possível a passagem de íons e água por vias transcelulares, mas não pela via paracelular. O epitélio respiratório tem, provavelmente, junções intercelulares relativamente permeáveis (moderately leaky epithelium) e permite a mobilização de
água e eletrólitos pela via paracelular (Figura 1.6).28 As características funcionais das junções intercelulares do epitélio das vias aéreas sugerem sua colaboração
para que a resistência transepitelial seja mais baixa do que alta, ao redor de 100Ώ por cm2, propriedade fundamental para permitir a alternância entre absorção e
secreção observada nesse tecido.29 Epitélios e endotélios apresentam resistên-
cias transepiteliais muito variáveis, situação que demonstra sua adaptação às diferentes funções que exercem. A barreira hematoencefálica apresenta resistência transendotelial de 1.500 a 2.000Ώ por cm2, perfeitamente de acordo com
a necessidade de barrar o fluxo de íons e outros solutos pela via paracelular.30 Por outro lado, a resistência transendotelial dos vasos da placenta varia de 22
a 52Ώ por cm2, revelando a necessidade de garantir ao feto o aporte de todos os elementos de que ele necessita.31 O fato de a resistência transcelular nas vias
aéreas ser mais próxima à da placenta revela a importância da via paracelular na regulação da composição do LSVA.28
O principal fluxo iônico espontâneo detectável no epitélio respiratório é o
de sódio para dentro da célula (absorção de sódio do LSVA). A neutralidade elétrica se mantém pelo deslocamento de cloreto para o líquido extracelular, por via paracelular. O movimento de cloreto e de sódio carrega água para o líquido extracelular e diminui o volume do LSVA. A secreção de cloreto pelas 14
1 • Os Canais Iônicos e sua História na Fibrose Cística
A
B
Figura 1.6 Junções intercelulares do epitélio respiratório (moderately leak).
células epiteliais para o LSVA só existe em resposta a estímulos (aumento do
AMP-cíclico, por exemplo). O movimento de cloreto da célula para o LSVA faz com que o sódio se desloque, pela via paracelular, também para o LSVA, de modo a manter a neutralidade elétrica. A entrada de cloreto de sódio no
LSVA arrasta água e faz seu volume aumentar. A água pode passar tanto pelas junções intercelulares como por canais especializados, as aquaporinas. Já o epitélio do ducto absortivo das glândulas sudoríparas não deve ter junções
intercelulares permeáveis, pois a permeabilidade maior nessa região tenderia a produzir secreções isotônicas ao líquido extracelular, e não hipotônicas, como é a função das glândulas. A absorção de sódio pelo ENaC gera a necessidade
de movimentação de cloreto como co-íon, para a manutenção da neutralidade
elétrica global do transporte. Como a via paracelular é indisponível, o CFTR pode ser a via para a entrada de cloreto, já que, pelos gradientes eletroquímicos entre o interior da célula e o LSVA, o cloreto poderia movimentar-se nas duas direções, como já visto antes.
No epitélio respiratório de pacientes fibrocísticos, o mau funcionamento
do CFTR faz com que o cloreto não seja secretado adequadamente em resposta
aos estímulos habituais. Além disso, há diminuição da ação inibidora que o CFTR tem sobre o ENaC naquela região. Como resultado, ocorre absorção
15
Fibrose Cística
exagerada de sódio e água, o que resulta em diminuição de volume do LSVA e predominância de cargas negativas na luz das vias aéreas (em razão da absorção exagerada de cargas positivas).
Nas glândulas sudoríparas, o funcionamento deficiente do CFTR prejudicaria
a absorção de cloreto, diminuiria (em menor grau) a absorção de sódio e levaria também a um predomínio de cargas negativas na luz.
No hipoaldoteronismo primário do tipo 1, a ausência de atividade do ENaC,
tanto no epitélio respiratório quanto na glândula sudorípara, impede a absorção de sódio e mantém, na luz das vias aéreas e dos dutos absortivos, grandes
quantidades de íons positivos, justificando assim as diferenças de potencial
encontradas nestes pacientes. Além disso, o volume do LSVA está aumentado em razão da absorção deficiente de cloreto de sódio.
O LSVA
e o
Transporte Mucociliar
O ar que chega à membrana alveolocapilar tem de estar limpo Quando se fala em transporte mucociliar, tem-se repetido, ao longo dos
anos, o conceito de que o batimento ciliar e a secreção de mucinas são seus com-
ponentes de maior importância. Não se discute a atuação desses fatores como parte fundamental no processo. Uma revisão mais cuidadosa sobre o assunto,
porém sugere que a hidratação do LSVA parece ter papel preponderante na eficiência do transporte de muco.26
O LSVA apresenta duas porções distintas, anteriormente descritas como
camada gel e camada sol. A parte voltada para a luz das vias aéreas tem apro-
ximadamente 2% do seu peso constituído por mucinas, glicoproteínas de alto peso molecular, arranjadas em dímeros ou trímeros filamentosos, de 0,5 a 20
μm de comprimento, que interagem com proteínas globulares, estas últimas criadoras de interligações com as mucinas ou responsáveis por outros mecanis-
mos inatos de defesa. As mucinas fornecem sítios de ligação para virtualmente todos os agentes biológicos e outras substâncias inaladas que, aderidos à rede
de mucinas, são transportados para fora das vias aéreas quando o muco é
movimentado pelo sistema mucociliar. As proteínas da camada mucosa estão 16
1 • Os Canais Iônicos e sua História na Fibrose Cística
mergulhadas em água (97%) e sal (0,9%) e as propriedades viscoelásticas desse gel devem ser otimizadas para facilitar a propagação da energia do batimento
ciliar e, deste modo, proporcionar a criação de um movimento vetorial; além
disso, estas propriedades são também importantes quando, em situações de doença, o muco deve ser deslocado pela tosse.26
A antiga camada sol recebe atualmente o nome de líquido periciliar (LPC) e,
como o nome indica, é o ambiente aquoso no qual os cílios batem. Tem aproxima-
damente 7 μm de altura sobre células ciliadas e 3 μm sobre células caliciformes ou células com microvilosidades,32 e é basicamente constituído por sal e água. Pela
microscopia eletrônica de transmissão, no entanto, pode-se identificar nesta região uma organização estrutural filamentar que faz supor a presença de proteínas, muito embora em quantidade menor do que na camada mucosa (Figura 1.7).26
A altura variável do líquido periciliar permite supor que a camada mucosa
tenha uma forte interação com o microambiente ao redor dos cílios, e uma
evidência surpreendente dessa interdependência foi fornecida pelo estudo de pacientes portadores de pseudo-hipoaldoteronismo tipo 1 (PHA1).33 Nestes
indivíduos ocorre um funcionamento deficiente do ENaC da membrana apical
de células epiteliais em várias regiões do organismo, produzindo sintomas que sugerem uma deficiência na produção de aldosterona. No entanto, a
dosagem de aldosterona revela níveis elevados do hormônio (daí o nome de
pseudo-hipoaldosteronismo); o defeito é do canal que a aldosterona ativa.
Nos pulmões, o mau funcionamento do ENaC cria problemas na ocasião do nascimento, quando a mudança do epitélio de secretor para absortivo é
fundamental para o esvaziamento da água que preencheu os espaços aéreos durante a vida intrauterina. A saída lenta da água dos pulmões pode prejudicar as trocas gasosas e produzir sintomas de insuficiência respiratória no neonato. Contudo, superada esta fase, os pacientes não têm alterações
pulmonares significativas e, curiosamente, apresentam as mais altas velo-
cidades já relatadas de transporte mucociliar.33 Este achado é incompatível com a hipótese anteriormente proposta para explicar o relacionamento entre
a camada mucosa e o líquido periciliar, segundo a qual o excesso de água no líquido periciliar desacoplaria as pontas dos cílios da camada mucosa e prejudicaria o transporte. Na verdade, a adição de água ao líquido periciliar
faz a camada mucosa inchar e esse aumento de volume impede a perda de 17
Fibrose Cística
A
B
C Figura 1.7 Cílios normais estendidos, no início do movimento efetivo, e encurvados, para o movimento de recuperação ou retorno à posição inicial do batimento efetivo.
contato dos cílios com o muco; além disso, havendo mais água, ocorre aceleração do transporte mucociliar.25
Pacientes portadores de discinesia ciliar apresentam, em média, quadros
clínicos menos graves quando comparados a indivíduos com fibrose cística; além disso, pacientes asmáticos, sabidamente hipersecretores de mucinas,
não costumam ter colonização bacteriana brônquica crônica.26 Em contraste,
a expressão exagerada da subunidade beta do ENaC nas vias aéreas de ratos
reduziu o volume de LPC, tornou mais lento o transporte mucociliar, provocou adesão de muco à superfície do epitélio e levou à morte quase 60% dos animais ao final de 30 dias, por obstrução de vias aéreas e asfixia.34 18
1 • Os Canais Iônicos e sua História na Fibrose Cística
A camada mucosa atua, em condições normais, como um reservatório de
água e, dentro de determinados limites, absorve ou doa água para o LPC, de modo a garantir que a ponta dos cílios sempre esteja justaposta ao muco. Se
existe água em excesso, a camada mucosa aumenta de volume e esta situação pode até resultar em aceleração do transporte. Em caso de desidratação, a
camada mucosa pode fornecer certa quantidade de água para o LPC a fim de
assegurar a posição adequada dos cílios com relação ao muco. Em situações de extrema desidratação, caso dos pacientes com fibrose cística e dos ratos com expressão exagerada da subunidade beta do ENaC, a camada mucosa não
consegue atuar mais como reguladora do LPC por falta absoluta de água. O
LPC desaparece e o muco entra em contato direto com o epitélio, aderindo à superfície das células (Figura 1.8).
A regulação do volume do LSVA, como já se viu até aqui, é muito complexa
e as evidências disponíveis para explicá-la compõem uma teoria que tem ainda vários pontos obscuros.
O volume final do LSVA depende do transporte acoplado de vários íons,
feito principalmente por bombas, cotransportadores e canais iônicos. Muito
importantes são os canais de cloreto e de sódio situados na membrana apical das células epiteliais, especialmente das ciliadas.
A
B
Figura 1.8 (A) Secreção respiratória em posição anormal, por entre os cílios, e que resistiu ao processamento do material para a microscopia eletrônica de transmissão. (B) Grande quantidade de secreção comprime os cílios e perturba seu posicionamento normal. 19
Fibrose Cística
A possibilidade de manter células do epitélio respiratório vivas e funcionais
em meios de cultura com interface ar-líquido tem sido muito útil na exploração
desses mecanismos iônicos e das características do LSVA.25 Esses sistemas celulares conseguem reproduzir as características habituais do LSVA, como a sua
estruturação bifásica: uma camada mucosa superficial e uma camada periciliar
ou LPC. Os cílios nessas culturas são capazes de manter batimento coordenado
que, pelas limitações de espaço, produzem um movimento rotacional do muco, descrito como um pequeno furacão, cuja velocidade é bastante próxima daquela medida in vivo. A adição de pequenas quantidades de líquido aos sistemas de
cultura demonstra a capacidade do epitélio de manter uma altura constante do LSVA. Este resultado é conseguido por meio da atividade coordenada do ENaC e dos canais apicais de cloreto (o CFTR e o canal de cloreto ativado pelo
cálcio). Acrescentar líquido à superfície de cultura desprovida de muco ativa
o ENaC até que uma altura de aproximadamente 7 µm, o comprimento médio
de um cílio estendido, seja restabelecida. Neste ponto, o canal de sódio reduz a sua condutância e aumenta a secreção de cloreto, atingindo-se assim um
equilíbrio dinâmico no epitélio. O tratamento da cultura com um inibidor de secreção de cloreto, como a bumetanida, faz com que o equilíbrio seja rompido e todo o LSVA seja absorvido. O mesmo resultado é conseguido com a adição
de nistatina à cultura, pois ela funciona como um canal de sódio artificial que
não responde aos mecanismos habituais de inibição. Portanto, ambos os canais iônicos apicais são fundamentais na regulação do volume do LSVA.
Os sinais responsáveis pelo controle do transporte de sódio e de cloreto
começam a ser desvendados.35,36 Em condições estáticas, o epitélio das vias aé-
reas libera ATP, aos poucos, para o LSVA. A ação de exoenzimas da membrana
apical transforma o ATP em adenosina. Ela, por sua vez, é capaz de se ligar a
purinoceptores na superfície celular, que aumentam a concentração intracelular de AMP-cíclico e, deste modo, ativam o CFTR. O funcionamento deste promove a secreção de cloreto e a inibição do ENaC.
O epitélio das vias aéreas de pacientes com fibrose cística, quando em cul-
tura, absorve rapidamente o líquido a ele adicionado e não é regulado de forma adequada para interromper a absorção quando a altura de 7 µm é alcançada. Todo o LSVA é absorvido e os cílios desabam sobre a superfície das células.
Essa incapacidade se deve tanto à inabilidade de interromper a absorção do 20
1 • Os Canais Iônicos e sua História na Fibrose Cística
sódio como à de iniciar a secreção de cloreto; o problema não está na secreção
de ATP ou na produção de adenosina, mas sim no CFTR, que tem sua produção, maturação ou fixação na membrana prejudicadas.
A doença pulmonar, no entanto, pode demorar a aparecer em indivíduos
com fibrose cística ou, eventualmente, manifestar-se de forma muito leve, sugerindo a existência de mecanismos compensadores, mesmo em mutações graves como a ∆F 508.
Concentrações altas de ATP no LSVA, 30 a 50 vezes maiores do que as encon-
tradas em culturas em condições estáticas, são observadas in vivo e em culturas
nas quais se reproduzem as forças de cisalhamento provocadas pelos movimentos respiratórios. Essa quantidade de ATP é capaz de estimular outro tipo de receptores purinérgicos, os P2Y2. Estes receptores ativam o CFTR, inibem o ENaC e ativam
também os canais de cloreto dependentes de cálcio. Nos pacientes com fibrose cística, a gravidade e a precocidade da doença pulmonar podem depender, pelo menos em parte, da ação do ATP liberado durante as variações de volume pul-
monar da inspiração e expiração sobre os canais de cloreto dependentes de cálcio. Outro fator deve ser considerado quando se analisa o delicado equilíbrio entre
a absorção e a secreção de líquido que resultam no volume adequado do LSVA.
O líquido periciliar também é transportado pelo batimento ciliar, contrariando
antigos conceitos que previam que essa camada fosse apenas agitada, em dois
sentidos opostos, pelo movimento dos cílios. Evidências obtidas em culturas de células do epitélio respiratório mostram um deslocamento simultâneo da camada
mucosa e do líquido periciliar.37 Sendo a medida da área recoberta por cílios nas
vias aéreas em torno de 2.400 cm2,38 a altura média dos cílios entre 5 e 7 µm39 e a
velocidade média de transporte de 0,5 cm por minuto,40 calcula-se que o volume
potencial de líquido periciliar a ser transportado em direção à boca seria de 864 ml por dia.37 Se não houvesse um predomínio de absorção de líquido no epitélio
respiratório, todo esse volume chegaria às vias aéreas centrais e as inundaria. A maior parte do líquido que se desloca em direção às grandes vias aéreas é
absorvida e removida dos pulmões pela circulação brônquica, sobrando aproxi-
madamente de 10 a 100 ml de LSVA, que efetivamente conseguem atingir a boca. O transporte axial de LPC deve colaborar também para a limpeza das vias
aéreas, já que substâncias tóxicas hidrossolúveis podem ser eliminadas por este mecanismo.
21
Fibrose Cística
A Falha
na
Remoção
de
Agentes Biológicos Inalados
Não existe uma flora normal nas vias aéreas, como aquela do intestino A postulada redução de volume do LSVA em pacientes com fibrose cística
ganha cada vez mais consistência, à medida que novas evidências experimen-
tais a corroboram. A obstrução das vias aéreas – em especial daquelas de menor calibre – por LSVA de transportabilidade diminuída em razão da mudança de
suas características físicas, determinada pela falta de volume, talvez seja o evento inicial de todo o processo da doença nesses indivíduos. A redução da quantidade de água na camada mucosa aumenta a viscoelasticidade e a adesividade do muco. As secreções respiratórias na fibrose cística não são mais espessas ou viscosas
que as secreções encontradas em doenças eventualmente menos graves, tais como
a asma brônquica e a bronquite crônica tabágica.41 Géis apresentam algumas propriedades físicas de sólidos e outras de líquidos. Sólidos submetidos a algum
tipo de força armazenam energia e a liberam quando a ação da força cessa, carac-
terística descrita como elasticidade. Se a camada mucosa fosse um corpo sólido perfeito, ela transformaria toda a energia do batimento ciliar em movimento. Como ela é um gel, a partir de um determinado momento, durante a aplicação da
força dos cílios, ocorre uma deformação que faz com que a energia do batimento
ciliar se perca; essa deformação é descrita como viscosidade. Teoricamente, um aumento na elasticidade do LSVA pode facilitar o transporte mucociliar.
A depleção de volume do líquido periciliar, que parece ser o fenômeno mais
importante nos pacientes com fibrose cística, promove um quase desapareci-
mento desta camada e permite o contato do muco com a superfície das células do epitélio, aumentando o que é descrito como a adesividade das secreções. O
líquido superficial das vias aéreas, nestas circunstâncias, tem uma concentração maior de mucinas, um pH mais baixo e menor concentração de glutation,
principal substância antioxidante do LSVA. Todas estas condições facilitam o aparecimento de ligações entre os componentes dos polímeros de mucina e colaboram para um aumento da viscoelasticidade desse gel, não necessariamente deletéria. O aumento da adesividade, no entanto, dificulta muito a
movimentação do LSVA. Sem transporte adequado do LSVA, partículas nele 22
1 • Os Canais Iônicos e sua História na Fibrose Cística
aprisionadas não são eliminadas. Muitas dessas partículas são agentes biológi-
cos, principalmente bactérias, que passam a viver nas vias aéreas dos pacientes. Na verdade, o prejuízo do transporte mucociliar faz surgir um nicho ecológico
nos pulmões que anteriormente não existia, uma vez que pessoas nas quais o transporte é normal a todo instante eliminam agentes patogênicos.
Há hipersecreção de muco na fibrose cística. No entanto, não há evidências
de que a composição do muco nos doentes, antes da colonização bacteriana, seja diferente daquela observada em indivíduos normais (salvo pela menor
quantidade de água).42,43 O aumento da produção de muco deve ocorrer em res-
posta à presença persistente de bactérias nas vias aéreas e a consequente reação
inflamatória que esta presença deve desencadear. A inflamação e a hipersecreção devem prejudicar ainda mais o transporte mucociliar.
O líquido superficial das vias aéreas em indivíduos normais é bastante
diferente do escarro ou secreção brônquica de pessoas doentes. Os polímeros
de mucina, principais responsáveis pelas propriedades viscoelásticas do LSVA, são compostos pelas mucinas MUC5AC, secretadas pelas células caliciformes, e MUC5B, secretadas pelas glândulas da submucosa. No escarro de pacientes com fibrose cística, muito mais do que em outras doenças respiratórias, como a bronquite crônica tabágica, existem restos celulares que incluem DNA e acti na polimerizados, bactérias e produtos bacterianos, e relativamente menos
mucina do que em indivíduos normais e em pacientes bronquíticos. Essa rede secundária de polímeros é responsável por muitas das propriedades anormais das secreções purulentas, em especial na fibrose cística.44
Bebês com fibrose cística nascem com pulmões estéreis. A dificuldade de
transporte mucociliar impede a limpeza das vias aéreas a partir da primeira vez
que eles inalam ar e permite a permanência de bactérias na luz dos brônquios
e bronquíolos. Sintomas importantes podem surgir, pela primeira vez, quando
outra agressão simultânea ocorre, tal como uma infecção viral ou um episódio de aspiração após refluxo gastresofágico. No início da doença pulmonar, bactérias comuns em outros quadros de bronquite, tais como Haemophyllus influenzae e
Staphylococcus aureus são os agentes mais comumente isolados em culturas semiquantitativas de escarro. No entanto, é fato incontestável que não se trata de infecção por um único agente patogênico: há na luz das vias aéreas de pacientes
fibrocísticos uma comunidade de bactérias de composição variada e variável ao 23
Fibrose Cística
longo do tempo, sempre presente no interior do muco espesso e nunca aderida às células ou ao seu interior.45,46 Tal constatação exige uma abordagem diferente
da adotada em infecções crônicas das vias aéreas na fibrose cística, pois, de fato, trata-se de um nicho ecológico cuja dinâmica seria muito importante conhecer.
O aumento da expectativa de vida em pacientes com fibrose cística deve-se
especialmente ao uso frequente de antibióticos no tratamento de infecções
crônicas e exacerbações infecciosas pulmonares. No entanto, esta abordagem terapêutica não consegue impedir a perda progressiva da função pulmonar, causa da morte de 90% dos pacientes,47 tornando-a apenas mais lenta.
A abordagem microbiológica tradicional para identificação das bactérias
no trato respiratório inferior tem muitas limitações, pois faz inferências para detectar as bactérias sabidamente patogênicas no sistema respiratório. Tais inferências e suposições são impossíveis de evitar, já que alguns meios de cultura
têm de ser escolhidos, mesmo que se saiba que muitas outras bactérias podem estar presentes no escarro e talvez não sejam descobertas justamente por não crescerem nos meios de cultura utilizados.
Pela técnica semiquantitativa de cultura de escarro, inicialmente semeia-se
a amostra em um meio rico comum. Colônias de bactérias reconhecidas como
patogênicas pelo microbiologista são posteriormente repicadas em meios específicos. Este processo é bastante subjetivo.
Técnicas moleculares em que a reação em cadeia da polimerase (PCR) é
utilizada para amplificar fragmentos específicos de genes de RNA ribossômico
de muitos tipos de bactérias48,49 demonstraram que várias espécies habitam as
vias aéreas de pacientes com fibrose cística simultaneamente. Há uma média de 13,3 ± 7,9 espécies diferentes nesses indivíduos, enquanto as fezes contêm
entre 400 e 500 espécies bacterianas e o solo, entre 4.000 e 7.000 espécies. A comprovação da presença de muitos tipos diferentes de bactérias, no escarro de pacientes com fibrose cística deve produzir mudanças futuras na abordagem
da colonização bacteriana crônica de vias aéreas, mudanças estas que devem
levar em consideração as inter-relações dos membros desse novo ecossistema. O gel altamente concentrado de mucinas, que resulta do pequeno volume
de água no LSVA, prejudica de várias maneiras a eliminação de agentes tóxicos
e biológicos da superfície das vias aéreas, além de obviamente interferir no processo de depuração mecânica. Os poros na rede de polímeros de mucina fi24
1 • Os Canais Iônicos e sua História na Fibrose Cística
cam menores, fato que dificulta a mobilização de agentes biológicos e a difusão de produtos bacterianos liberados no meio. Altas concentrações de bactérias
em regiões limitadas da superfície epitelial fazem aumentar a concentração de substâncias que informam ao conjunto de bactérias sua proximidade umas
das outras (quorum-sensing mechanisms). A detecção dessa condição desenca-
deia um comportamento comunitário, que visa a favorecer a sobrevivência
das bactérias. Elas crescem, então, formando verdadeiros biofilmes e passam a produzir substâncias químicas que as protegem de ataques externos, tais
como o alginato, sintetizado por cepas de Pseudomonas.50 A rede, com malhas excessivamente pequenas de moléculas de mucina, também dificulta a mi-
gração de leucócitos e a difusão de lisozima e lactoferrina, respectivamente agentes e substâncias antibacterianas.
O oxigênio da luz das vias aéreas tem sua difusão limitada no interior das
espessas placas de muco aderidas à superfície epitelial. Essa limitação cria um gradiente de oxigênio na espessura das placas e faz surgir uma região, próxima à superfície epitelial, de baixo teor de oxigênio, o que favorece o
crescimento de algumas bactérias apreciadoras de ambientes microaerófilos, como a já citada Pseudomonas.46,50
A persistência de uma variada comunidade de bactérias nos agregados
de muco da luz das vias aéreas em pacientes fibrocísticos estimula e mantém uma resposta inflamatória contínua no epitélio respiratório. Tanto técnicas
microbiológicas quanto técnicas de biologia molecular têm demonstrado que
a infecção crônica das vias aéreas é polimicrobiana. Os Streptococcus viridans
são importantes nesse contexto pelo fato de terem capacidade de interferir na
patogenicidade de Pseudomonas pela modulação da expressão de genes de fatores de virulência.51 Dentre os Streptococcus viridans, o S. constellatus, o S. intermedius
e o S. anginosus são coletivamente denominados grupo dos Streptococcus milleri (SMG), com base em certas características moleculares e propriedades bio-
químicas. Causam infecções acentuadamente purulentas, tais como abscessos pulmonares, hepáticos, cerebrais e empiemas, e são componentes habituais da flora da boca, da nasofaringe, do trato gastrintestinal e do trato geniturinário em 15 a 30% da população saudável.52 Seu papel é difícil de ser reconhecido
pelo fato de não crescerem em meios de cultura comuns e por necessitarem de
um meio específico, o Agar-McKay.49 Na variada e dinâmica flora presente em 25
Fibrose Cística
indivíduos com fibrose cística, a detecção do predomínio de bactérias do grupo SMG normalmente está associada a uma exacerbação.49
Ainda há muito a ser conhecido a respeito das interações na população de
bactérias que habita as vias aéreas de pacientes com fibrose cística. O aumento da sobrevida dos pacientes e a pressão evolucionária representada pelo uso
intenso de antibióticos estabelecem as condições para uma composição variá-
vel da flora ao longo do tempo. As múltiplas inter-relações dos componentes deste bioma podem provocar o aparecimento de fenômenos emergentes de consequências imprevisíveis.
Patógenos respiratórios incomuns, tais como Burkholderia cepacia, Stenothro-
phomonas maltophilia e Achromobacter xylosoxidans, são encontrados no escarro de pacientes com fibrose cística e têm sido implicados na piora clínica e na
redução da sobrevida desses indivíduos, em especial no caso da Burkholderia. Este gênero de bactérias existe no solo e em vegetais, nos quais pode ter ações
benéficas, no auxílio à fixação de nitrogênio, ou atuar como fitopatógeno. A Burkholderia não faz parte da flora humana normal e sua presença na secreção respiratória de pacientes com fibrose cística já foi associada a quadros infeccio-
sos de evolução rápida para a morte, a famosa síndrome cepácia.53 No entanto, observações mais cuidadosas revelam que pacientes cronicamente infectados com Burkholderia não necessariamente apresentam piora acelerada da função
pulmonar.54 No que concerne a bactérias tais como Pseudomonas e o complexo
Burkholderia, persiste a dúvida fundamental: não se sabe se os pacientes têm os pulmões afetados pelo fato de elas estarem presentes, ou se elas se encontram em seus pulmões pelo fato de eles estarem afetados pela doença.
O íon bicarbonato Clínicos antigos usavam inalação com bicarbonato para facilitar a remoção de secreções Epitélios tais como o do pâncreas, das glândulas salivares, dos dutos biliares,
do intestino, do útero e, provavelmente, também do epitélio das vias aéreas, podem secretar fluidos ricos em bicarbonato, em concentrações às vezes bastante
altas, como é o caso do suco pancreático, que chega a ter 140 µM dessa subs26
1 • Os Canais Iônicos e sua História na Fibrose Cística
tância. Todos estes epitélios expressam, na membrana apical de suas células, o
CFTR, canal iônico que deve ter algum tipo de papel na secreção de bicarbonato, já que pacientes portadores de fibrose cística com comprometimento do trato gastrintestinal não têm bicarbonato no suco pancreático.55
O papel do CFTR em cada um dos epitélios que secretam bicarbonato pa-
rece ser variável. Nos ductos pancreáticos, nas glândulas salivares e no epitélio
uterino há uma troca de bicarbonato por cloreto que explica uma parte da secreção de bicarbonato e da absorção de cloreto, independentemente do CFTR. Os trocadores de bicarbonato por cloreto, no entanto, podem ser ativados pelo
CFTR e essa ativação parece ser importante no epitélio respiratório e no epitélio
intestinal. O aumento da permeabilidade ao bicarbonato mediado pelo CFTR
parece ser regulado pelo nível de cloreto no líquido em contato com a superfície
luminal das células: concentrações de cloreto de 20 a 30 mM ativam a secreção de bicarbonato.56
O transporte de bicarbonato por epitélios que expressam CFTR é de fun-
damental importância para a fisiologia normal de vários tecidos; o transporte
prejudicado de bicarbonato é suficiente para alterar a função pancreática, mesmo que esteja presente um transporte normal de cloreto. A produção de secreções
com pH baixo nesses epitélios que expressam CFTR pode levar à precipitação
de proteínas, como as mucinas, e à obstrução de ductos. No caso específico do pâncreas, o pH ácido levaria à ativação precoce de enzimas secretadas e à
consequente destruição do órgão. A simples correção do transporte de cloreto pode não corrigir todos os defeitos da fibrose cística.55
O papel do bicarbonato nas secreções respiratórias já havia sido percebido
por médicos antigos, que o utilizavam como fluidificante de secreções. O deficit
de secreção de íons bicarbonato no epitélio respiratório pode ter algum papel na
fisiopatogenia da doença pulmonar na fibrose cística. Quinton57 sugere que, em
indivíduos normais, eles podem estar envolvidos na expansão das moléculas de
mucina logo após a exocitose do grânulo de secreção. Antes da sua liberação,
as mucinas permanecem armazenadas nos grânulos de secreção em arranjos que formam novelos proteicos. Esta disposição exige a neutralização de várias cargas negativas das moléculas de mucina, que é feita por íons cálcio e íons hidrogênio. Expelido o enovelado de mucinas para a superfície do epitélio, ânions
bicarbonato sequestrariam os cátions cálcio e hidrogênio e desencadeariam a 27
Fibrose Cística
expansão das mucinas, pelo efeito repelente das cargas negativas das moléculas. A falta de bicarbonato no LSVA de pacientes com fibrose cística pode dificultar o desenovelamento dos grânulos de mucina e colaborar com a deficiência de transporte mucociliar.
Conclusão O defeito e a doença Epitélios são estruturas complexas e altamente organizadas que separam o
meio interno do meio externo, atuando como barreiras que impedem a invasão do organismo por agentes biológicos e químicos. Essa barreira tem vários com-
ponentes: as próprias células epiteliais, os seus produtos de secreção (como a camada de muco e de líquido que recobre vários tipos de epitélio) e os pontos de
contato entre células epiteliais vizinhas. Esse espaço intercelular precisa ter sua permeabilidade finamente modulada, de modo a atender especificamente aos propósitos de cada epitélio; maior ou menor permeabilidade pode ser necessária
em diferentes epitélios e, em situações anormais, a variação da permeabilidade pode gerar distúrbios que resultam em doença.
As junções intercelulares (tight junctions) epiteliais, ainda, criam demarcações
geográficas nas membranas celulares: a região apical e a membrana basolate-
ral, que diferem não apenas na posição, mas também na constituição; canais, transportadores e bombas de íons aparecem em localizações específicas nas membranas celulares.
Na fibrose cística, a mutação de um único gene, que codifica a proteína
CFTR, parece perturbar a função de vários epitélios e, para cada epitélio, esse defeito gera uma manifestação clínica.
Desde a clonagem do gene, em 1989, mais de 1.300 tipos diferentes de mu-
tação já foram descritos em portadores de fibrose cística. Embora, até hoje, a doença pareça ser monogênica, suas manifestações clínicas são muito variáveis,
desde limitadas e leves a disseminadas e graves. Agenesia de dutos deferentes
e azoospermia obstrutiva podem ser os únicos sinais da presença de mutação
do CFTR. Essa gradação fenotípica tem algumas possíveis explicações: cada mutação interfere em uma região da molécula do CFTR, de maior ou menor 28
1 • Os Canais Iônicos e sua História na Fibrose Cística
repercussão na sua função, ou pode prejudicar de modo variável sua relação
com outros canais iônicos; postula-se, ainda, que outros genes modificadores
podem estar envolvidos na atuação do CFTR. Além disso, pouco se sabe a respeito da regulação da expressão deste canal nos diferentes epitélios em que ele já foi encontrado.
O conhecimento acumulado até agora sobre a fisiopatogenia das diferentes
manifestações da fibrose cística trouxe benefícios não apenas aos portadores
da doença, mas também à compreensão do funcionamento normal de vários sistemas orgânicos.
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