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introdução / prelude
introdução prelude
cristiana felgueiras
Digamos que tenho um forte impulso para fazer. E, fazer, para mim, é ser, é preencher-me e trabalhar a minha integridade. Este desejo levou-me ao ponto em que aquilo que faço se funde com o que vivo, por isso, acredito que estes pensamentos ininterruptos sobre pequenas partes de criação, que tenho o intuito de tornar em peças reais, estão a tornar-se numa parte genuína da minha vida. Esta relação colocou-me, nos últimos anos, em momentos reflexivos no âmbito do fazer e da forma mais apropriada de tornar esse processo o mais livre possível, independentemente das barreiras da minha própria perceção, capacidade e circunstâncias vivenciais. Da escultura à fotografia, vídeo, som, desenho e performance, desenvolvi uma interconexão entre as questões que me permitem produzir e pensar sobre o meu recente trabalho. Este traz, como princípio, conceitos associados à espontaneidade e improvisação (principalmente no campo sonoro), tempo e espaço, profundidade e matéria, revelando a minha existência, camada sobre camada, como fatores determinantes na procura da genuinidade dos momentos.
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Tendo a incorporar no processo de execução as minhas meditações em relação às emoções, sensações, relações espaciais, confrontos físicos, percepções e recriações de espaços, construindo, por vezes, fortes conexões com a natureza através da sua representação visual ou metaforizada ou mesmo pelo uso das próprias matérias básicas. Este tipo de busca pelo objecto plástico assume uma pesquisa intensa sensitiva sempre determinada por uma certa autorreferencialidade e um nível de perceção particular. É baseandome numa necessidade de autoconhecimento que surge a procura pelo Outro e, por consequência, o desejo de transportar para o espaço externo, objetos, ações e sonoridades com o propósito de as tornar em matérias de fruição universal. Seguindo esta linha de pensamento, a espacialidade torna-se primordial e permite uma infinita combinação entre som – espontaneidade, o Momento - e a escultura – um desejo de manifestação física e uma conquista do sentido espacial e do toque, respeitando a minha condição humana e a natureza que me envolve e com a qual o meu corpo e alma colidem.
Let’s say I have an urge to make. And to make, for me, is to be, to fulfil myself and work on my integrity. This desire took me to the point where what I make is blurred with what I live, so I believe this uninterrupted thoughts of small parts of creation I intend to turn into real pieces are becoming a genuine part of my life. This relation brought me, for the last years, into reflective moments about the meaning of making and the proper way to do it as freely as possible besides the barriers of my own perceptions, abilities and life circumstances. From sculpture to photography, video, sound, drawing and performing, I developed an interconnection of the issues that have allowed me to reflect upon and produce my most recent work. It has, as principle, concepts associated to spontaneity and improvisation (mostly in the sound field), depth and matter, revealing my existence layer after layer, which are determinative factors in the search for the most genuine moments.
I tend to incorporate in the process of making my reflections about emotions, sensations, space relations, body confrontation, perceptions and recreations of spaces, building some of the times, sturdy connections with the nature by its visual and metaphorical representation either by the use of the basic matters themselves. This kind of quest for the object plasticity assumes an intense sensitive search always determined by a certain self-referentiality and a particular level of perception. It is based on this necessity to selfknowledge that grows the search for the Other, and thus, the desire to transport to the outer space, objects, actions and sonorities that have the purpose of becoming of universal fruition. Following this thought, spatiality becomes primordial, which allows infinite combinations between sound - spontaneity, the Moment - and sculpture - a desire of physical manifestation and a conquest of the spatial sense and the touch, respecting my human condition and the nature that surrounds me and to which my body and soul collide.
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() A assimilação destas formas arredondadas, geralmente chamadas de parêntesis, marcaram um encontro inevitável. A forma como podemos entranhar determinadas mensagens no seu interior ao longo de uma conversa pode tornar-se algo poético e inexplicável. Indizível. E é por isso mesmo que, mantendo a ligação ao mundo morfológico, o silêncio se distende pelo intervalo de dois parêntesis: um aberto e um fechado. Não se trata de conversar em silêncio, trata-se de, num certo intervalo, haver a necessidade de não proferir palavras, desejando-se ao mesmo tempo dizer algo. E muitas vezes, a mensagem fica entre parêntesis, deixando ao recetor não mais que duas curvas que se fecham para os seus centros, mas ao mesmo tempo, um mundo de significados que são apenas compreensíveis através do silêncio da fala. E é neste contexto que me foco, mais precisamente, na exploração desse silêncio transformado em sonoridades ilegíveis racionalmente. Sem palavras, sem sentidos universalmente compreensíveis, é dada a possibilidade a cada um de sentir esse silêncio de forma mais interna e abstrata. E o objectivo é precisamente não ter a certeza do que eu digo, tendo a certeza do que é sentido. O ambiente escuro e repleto de imagens alusivas a elementos da terra, o jogo de luzes e a minha presença desfocada, vêm criar uma envolvência mais intimista e sensível. Vêm, igualmente, completar visualmente e de forma invulgar, uma mensagem que afinal, não é exclusivamente sónica. A proteção dos parêntesis é essencial, visto serem elementos conceptualmente bem maiores que o seu tamanho. Para permitir a sua preservação durante os momentos não expositivos, foi concebida uma caixa feita à sua escala. É imprescindível a sua presença no espaço expositivo a fim de atribuir aos próprios elementos curvos esse valor e consistência tendencialmente de um ser vivo.
ato performativo
performative act
componente escultórica: dois parêntesis, uma cortina e uma caixa
sculptural component: two brackets, a curtain and a box
cimento, rede metálica, serapilheira, aço, madeira, cartão, pasta acrílica, tecido
cement, wire mesh, burlap, steel, wood, paperboard, acrylic fibers, fabric
espaço atrás da cortina: instrumentos musicais, amplificação e luz
space behind the curtain: musical instruments, amplification and light
projecção de vídeo
video projection
som
sound
dimensões variáveis e expansíveis
variable and expandable dimensions
dimensão da caixa: 250 x 60 x 130 cm
box size: 250 x 60 x 130 cm
2011
2011
The assimilation of these rounded forms, often called parentheses, marked an inevitable meeting. The way we can entrench certain messages inside them along a conversation can become something poetic and inexplicable. Unspeakable. And that’s why even though maintaining the connection to the morphologic world, silence stretches the interval of two brackets: one open and one closed. This is not about talking in silence, it is, in a certain range, to have the need not to utter words, wishing simultaneously to say something. And often, the message remains in brackets, leaving the receiver no more than two curves that close up to their centers but at the same time, a world of meanings that are only comprehensible by the silent speech. It is in this context that I am focused, more precisely, in the development of that silence transformed into sounds rationally garbled. Without words, without universally understandable senses, is given the possibility to each one to feel that silence as internal and abstract as possible. And the goal is precisely not to be sure about what I say, being sure about what is felt. The dark room, filled with images alluding to elements of earth, the light structure and my blurred presence, allows the creation of a more intimate and sensitive ambience. It also completes visually and unusually, a message that after all, is not exclusively sonic. The protection of the parentheses is essential because they are conceptually larger than their size. In orden to enable their preservation during the non exhibitive moments, a box was conceived to their scale. It is imperative to have its presence in the exhibition space to assign to the curved elements themselves that tended value and consistency of a living being.
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ato performativo na fbaup, porto o espaço atrás e à frente da cortina
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ato performativo no lófte, porto 2011
projeção de vídeo, escultura, som 2011 performance at fbaup, porto the space behind and ahead the curtain video projection, sculpture, sound 2011
performance at lófte, porto 2011
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deep inside
deep inside fotografia, vidro, MDF, tinta, luz 23,6 x 16,5 x 8,5 cm cada caixa de luz sĂŠrie limitada e numerada de 1 a 6 2013 photography, glass, MDF, paint, light 23,6 x 16,5 x 8,5 cm each light box limited and numbered series from 1 to 6 2013
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vermelho / into my blues
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vermelho fotografia, vidro, madeira, luz 64 x 43,5 x 11 cm 2011 photography, glass, wood, light 64 x 43,5 x 11 cm 2011
into my blues gesso, tinta de parede 2 x 2 x ~ 2 cm sĂŠrie de 100 assinados e numerados 2012 plaster, wall paint 2 x 2 x ~ 2 cm series of 100 signed and numbered 2012
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o centro do mundo / dicotomia do acontecimento
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o centro do mundo: intermitĂŞncias do vazio
dicotomia do acontecimento
madeira, MDF, tinta ecoline, tinta acrĂlica, gesso, terra
madeira, vidro, papel, tinta de tingir vermelha, gesso
120 x 60 x ~14 cm
58 x 122 x 10 cm
2013
2013
wood, MDF, ink, paint, plaster, land
wood, glass, paper, red dye, plaster
120 x 60 x ~14 cm
58 x 122 x 10 cm
2013
2013
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sem tempo: a contensão dos dias
sem tempo
: a contensão dos dias
gesso, vidro, cortiça, resina epoxy
plaster, glass, cork, epoxy resin
2,5 x 5 x 2,5 cm
2,5 x 5 x 2,5 cm
série de 3 exemplares assinados e numerados
series of 3 numbered and signed copies
2012
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o inverso ĂŠ o meu direito
o inverso ĂŠ o meu direito
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o inverso ĂŠ o meu direito
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residência artística residence program
A contextualização dos trabalhos realizados numa residência artística em Ílhavo parte da contemplação e absorção sensorial diretas do espaço que constitui o centro mais antigo da cidade. O espaço mostra-se como que encoberto por uma película de estagnação no tempo e espaço, em que as evoluções mais notórias ocorrem a um nível de degradação material muito rápido por consequência do abandono dos espaços e infraestruturas. Nesse sentido, procurei estabelecer uma relação com o espaço exterior acessível, destacando pormenores que marcaram o meu ponto de vista sobre o lugar, enaltecendo as suas qualidades estéticas. The context of the works made at a residence program in Ílhavo (Aveiro, Portugal) are the result of contemplation and sensory absorption of the space, which is the oldest part in the city centre. The space shows up as covered by a film of stagnation in time and space, in which the most notable developments occur at a level of material degradation as a consequence of the spatial and infrastructural abandonment. In this sense, I tried to establish a relationship with outer space accessible, highlighting details that marked my point of view about the place, dignifying aesthetic elements.
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intermitências da terra #1
intermitências da terra #2
permanecer na ausência
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intermitências da terra #1 e #2
#1 intermitências da terra
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Em intermitências da terra, procura-se recriar esses mesmos elementos referentes à degradação do espaço exterior tão específicos provocados pela erosão e que nos leva a refletir sobre questões de interior e exterior e público e privado. Invadindo o espaço público e conquistando interiores de paredes exteriores, criaramse novas formas e texturas, sob desenhos abstratos e impulsivos com elementos naturais provenientes do lugar - terra, água, sementes silvestres e pigmento de óxido de ferro. Reformularam-se novas peles que irão desvanecer com a ação do tempo, auto-gerando novos desenhos, texturas e degradação de matérias. Criar-se-ão, assim, outras visões sobre o espaço, fomentando diferentes perceções que estabelecem relação entre as novas intervenções e as pré-existentes.
In intermitências da terra (earth intermittences) those elements are recreated relating to degradation of outer space specifically caused by erosion and that leads us to reflect on issues of indoor and outdoor public and private. Raiding the public space and conquering inner outer walls, there were created new forms and textures in abstract and impulsive drawings with natural elements from the place - land, water, wild seeds and pigment of iron oxide. There were reshaped up new skins that will fade with the passage of time, self-generating new designs, textures and materials degradation. There will be created other views about space, promoting different perceptions that establish connections between the new interventions and the preexisting ones.
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#2 intermitências da terra
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intermitências da terra #1 e #2
intermitências da terra #1 terra, pigmento de óxido de ferro, água 2012 land, iron oxide pigment, water 2012
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intermitências da terra #2 terra, pigmento de óxido de ferro, água 2012 land, iron oxide pigment, water 2012